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Artes do

Revista de Literatura e Arte

ANO 1 - N°. 1 FEVEREIRO - 2023


Revista de Literatura e Arte

Ano 1 - Número 1
Fevereiro 2023
Cezarina – GO – Brasil

Expediente:
Idioma: Português (Brasil)
Distribuição: Gratuita ( online )
Conselho Editorial: Lucas Lourenço, Nathália Pereira, Julha Barbosa.
Editor-chefe: Lucas Lourenço B. Gonçalves
Diagramação: Lucas Lourenço B. Gonçalves
Capa: Pixabay (imagens obtidas gratuitamente)

Sobre a revista:
A Revista Artes do Multiverso é uma publicação brasileira e independente.
Desenvolvida com o objetivo de dar espaço aos escritores e artistas,
profissionais ou amadores, que desejam divulgar e mostrar o seu talento para
todos os universos existentes. A literatura nunca irá morrer, pois ela vive dentro
de cada um de nós.

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Direitos Autorais).

Copyright © 2023 Artes do Multiverso


EDITORIAL

Seja bem-vindo, caro(a) leitor(a)! É um imenso prazer apresentar o


primeiro número da revista de literatura e arte - Artes do Multiverso, um projeto
que se concretizou graças ao carinho e acolhimento de todos os participantes da
seleção. Recebemos um imenso apoio ao projeto, e é disso que a literatura
precisa.
Confesso que por muitos momentos acreditei que seria um projeto
fracassado, até por estar começando a divulgar agora alguns escritos que
estavam em meu baú pessoal. Mas me surpreendi com o tamanho carinho que
recebi após enviar milhares de convites e ser respondido por pessoas incríveis.
A cada novo texto que chegava para avaliação, era um pulsar mais forte em meu
coração. Por isso, agradeço a todos vocês que participaram, divulgaram, e
acreditaram nesse projeto lindo. Sem vocês essa revista não existiria.

Mas qual o sentido do nome “Artes do Multiverso”??

Já percebemos que inúmeros produções artísticas estão cada vez mais


explorando a teoria do multiverso, que diz respeito há diferentes universos
paralelos, porém ainda sem comprovação científica. Mas encaixando no
contexto da revista, acreditamos que cada pessoa utiliza uma arte de expressão
na qual caracteriza o seu próprio universo. Desse modo, reunindo diversas
pessoas vamos ter inúmeras artes, cada qual, de seu respectivo universo,
formando a "Artes do Multiverso".

Como a revista está nascendo agora, ajude-nos a crescer, divulgue a


nossa edição em suas redes sociais e indique o nosso trabalho para os seus
amigos.
Com grande alegria, desejo uma boa viagem (leitura), o multiverso está
aberto!

Editor Chefe: Lucas Lourenço B. Gonçalves


SUMÁRIO

SÉRIE ARTÍSTICA VISUAL................................................................................9


Hoje Ontem – Vivien Zanlorenzi......................................................................10

CRÔNICAS........................................................................................................13
Começou no elevador – Carol Demoliner......................................................14
Literatura Empoderada – Cristiane Camara...................................................16
Quero aquela do alto – Cristiane Camara.......................................................18
Simples e tão complexo– Alex Manso............................................................20
O momento certo – Flávia Bataglia.................................................................26
Detalhes do entardecer – Flávia Bataglia.......................................................27
Figurinas – Diogo Tadeu Silveira....................................................................29
Teu nome – Mariana Mendes...........................................................................31
Amigas – Hillary Sthefany................................................................................32

POESIAS...........................................................................................................35
Amo-te - Carol Demoliner................................................................................36
Vírus do amor – Luan Souza Poesias..............................................................38
Sentimentos passados – Luan Souza Poesias..............................................39
Obra pública – Mariana Mendes......................................................................40
O céu chora na solidão da noite – J.D. Ortega............................................42
O observador – J. D. Ortega.............................................................................42
Teu sorriso, meu abrigo – Ubertam Santos....................................................45
As Carolinas! – Ubertam Santos.....................................................................45
Tangerinas na janela – Nick Manfrei...............................................................47
Borboletas pela vida – Nick Manfrei................................................................48
Talvez realmente não seja para ser – Nick Manfrei........................................49
Encerrando ciclos – Edione B. Valente...........................................................50
Inverno – Glenda Fabíola.................................................................................51
Parada – Glenda Fabíola..................................................................................52
Ausência – Glenda Fabíola..............................................................................53

POEMAS...........................................................................................................55
Etimologia – Letícia Félix Fraga......................................................................56
Mitologia – Letícia Félix Fraga.........................................................................57
Substantivos coletivos – Letícia Félix Fraga..................................................59
Pássaro Urbano - Paulo Brás..........................................................................61
Ofício - Paulo Brás............................................................................................62
Aconchego de Vó - Cassiano Figueiredo Pereira..........................................63
Autodidata - Lucas Lourenço.........................................................................64
Sem Chão - Lucas Lourenço...........................................................................64
Felicidade - Ilmar Ribeiro da Silva...................................................................66
Amor gélido – Lincoln Silva.............................................................................67
Anatomia botânica – Lavínia Vianini...............................................................69
“Livro” – Lavínia Vianini..................................................................................70
Sacramento – Lavínia Vianini..........................................................................71
Barco a Belém – Valério Maronni Salles.........................................................72
Baby Blues – Fábio Martins.............................................................................74
A noite dos dinossauros – Fábio Martins.......................................................75
Manifesto anti-heroico – Fábio Martins..........................................................76
Instinto – Daiana Soares de Oliveira...............................................................78
A árvore e eu – Maria José...............................................................................79
Pássaros ao céu – Janice Maria Walter...........................................................80
Sonho Breve – Cláudio Loes...........................................................................81
Ensaio sobre nós dois – Tim Soares...............................................................82
Mini épico – Tim Soares...................................................................................82
Metáforas – Tim Soares...................................................................................83
Irmão – Ester Pacheco Brandão......................................................................84
Em ondas... – Hellen Bravo..............................................................................85
Percurso interior – Cleusa Piovesan..............................................................87
Ode à poesia – Cleusa Piovesan.....................................................................88
Páginas esquecidas – Cleusa Piovesan.........................................................89
Noites no sertão – Cleusa Piovesan...............................................................89
Magia crepuscular – Cleusa Piovesan............................................................89
Engano, medo e mentira – Luan Machado......................................................91
Amor – Luan Machado.....................................................................................91
Planeta flor – Luan Machado...........................................................................92
Vida que brilha – Lara Machado......................................................................93
Eu – Lara Machado...........................................................................................93
Seremos nada – Lara Machado.......................................................................94
Versos possíveis – Wallace Silveira Azambuja..............................................95
Musa impassível – Wallace Silveira Azambuja..............................................95
Soneto aos olhos XIX – Wallace Silveira Azambuja.......................................96
Melancolia – Luiz Felipe de Lima.....................................................................98
Soneto do ser amado – Luiz Felipe de Lima...................................................98
ABC do Pará – Luiz Felipe de Lima................................................................99
Vaga-lumes – Cláudia Gomes.......................................................................101
Teus lábios – Cláudia Gomes.......................................................................102
Baianinha – Cláudia Gomes..........................................................................102
Dependência emocional – Kailaynne Santtos.............................................104
Um dia – Kailaynne Santtos..........................................................................104
( C )ALMA – Gabriel Alves de Souza............................................................106
Na sombra dela – Narjarah Paz....................................................................108
Águas – Narjarah Paz....................................................................................108
[Penumbra] Lumaréu – Henrique de Souza................................................109
[Ruína] Temporal atemporal – Henrique de Souza.....................................110
O beijo de Judas – Breno Pitol Trager.........................................................113
O thespian – Breno Pitol Trager...................................................................114
Queria escrever um poema de amor – Leonardo Fortes Vieira.................115
Recomeços – Ana Paula Portes Thomé......................................................116
Velhos tempos – Ana Paula Portes Thomé.................................................116
Além – Elaine Perez.......................................................................................118
Eu já fui jovem – Wagner Planas..................................................................119
Velho jardineiro – Wagner Planas................................................................120
Para todo sempre – Wagner Planas.............................................................121
“Mar” – Alexandre Cruz de Oliveira.............................................................123
“Eu” – Alexandre Cruz de Oliveira...............................................................123
Milenar – Izabel da Rosa...............................................................................125
Como sempre – Sandy Lauany.....................................................................127
Minhas mãos doem – Sandy Lauany...........................................................127
Em você – Sandy Lauany..............................................................................128
Amor latente – Joseani Vieira.......................................................................129
Minhas estações – Joseani Vieira................................................................130
Coisas da vida – Joseani Vieira....................................................................131
Vó é mãe duas vezes – Davi Carneiro..........................................................133
Filha de Eros – Hillary Sthefany...................................................................134
Blue wisky – Hillary Sthefany.......................................................................134

CONTOS..........................................................................................................136
O que pode ser feito antes da guerra? – Marcia Elisia...............................137
Dhoruba – Cecília Lorca................................................................................139
Diorama no paraíso – Valério Maronni Salles..............................................141
A partida – Sandra Sandra O'Neill................................................................145
Olhar imotal – Hellen Bravo...........................................................................148
Um só coração – Hellen Bravo......................................................................150
Café sem açúcar – Patrícia Baldez................................................................153
Dono do mundo – Elaine Perez.....................................................................156
“Reflexos em pó escuro” – Alexandre Cruz de Oliveira..............................160
Amores pós-pandêmicos – Vanessa Dias....................................................163
Prêmios experimentais – Benjamim Franco................................................165
SÉRIE ARTÍSTICA VISUAL

9
Hoje Ontem

Mãos me fascinam enormemente, acredito que nelas estão toda a história da


vida de uma pessoa. Quando olho para as mãos de alguém, principalmente
idosos, imagino pelo o que aquelas mãos passaram o que faziam para viver, são
vivencias e cicatrizes que não só a alma carrega, mas sim, em especial as mãos.

10
As fotos foram feitas em julho de
1999, um trabalho que estava de um
porque, o momento chegou, a
passagem para a cianotipia foi feita
em 2021. Uma lembrança e
homenagem ao hoje e ao ontem.

11
Hoje Ontem
Vivien Zanlorenzi
Hoje é o futuro de Ontem
Amanhã é o Ontem de Hoje
Como nossas mãos carregam tantas cicatrizes
Tantas histórias, tantas indas e vindas por lugares,
Corpos e objetos.
Observe-as, e irá sentir o Hoje Ontem das pessoas.

Ontem agora
Helena Kolody
Aranha rendeira
Tece de novo o nhanduti do sonho
Com o mesmo fio de autrora.
A alma se enreda
na teia sutil
de ontem agora.

Vivien Zanlorenzi
Vivien Zanlorenzi, nasceu e mora em
Curitiba/PR/Brasil, artista plástica formada pela Escola de
Música e Belas Artes do Paraná EMBAP, em Superior de
Gravura, 1992/1995. Pós-graduada em História da Arte
pela mesma instituição, 2002. Com 44
exposições coletivas nos estados do Paraná, Santa
Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro e Argentina. 06
exposições individuais e 11 Salões de arte.

12
CRÔNICAS

13
Começou no elevador

Carol Demoliner

Prometi nunca mais te escrever. Mas fui te ver. Que grande erro. Depois
de te olhar inteiro por segundos lentos, vi a marca que me arrebentou o peito.
Desceu seco garganta adentro. Já não sabia o que fazer no momento, o que
sentir, eu queria ir embora, sair dali. Não de perto de ti. Mas sair da condição de
não ser mais nada pra ti. E ter que passar por situações vis, como esta, onde
não aconteceu nada, mas num olhar, vi por um triz: o chupão estampado no teu
pescoço - Pegou meus dois braços estendeu eles até o teto do elevador e me
deu um soco. Cai nocauteada. Fiquei zonza. Perdi um pouco dos movimentos
do rosto. Também a fala. Que difícil ver a materialização do teu caso. Que
horrível ver o teu corpo marcado, por alguém que não sou eu. Instantaneamente
imaginei mil cenários, eles se transportaram pra minha mente, não foi
intencionalmente. Eles vieram e me torturam. Eles me sussurram coisas do tipo:
“Agora é o fim. Ele não quer saber de você. Não foi uma, nem duas, nem três. E
vocês acabaram não faz um mês. Então acorda. Agora você tá fora da lista. A
fila anda rápido. Tem muita gente na pista. Você não é a escolhida. Você não é
a mais bonita. Você não é quem mais o excita. Você não está mais em prioridade
nenhuma. Ele não te procura quando sai na rua. Ele não tá nem pra aí pra tua
ternura. Ele não quer que você seja sua mulher. Ele não te quer mais nua.”
Acabou. Ruptura. Eu fiquei ali dura, no chão, estripada, totalmente murcha. Acho
que durou uns 2 minutos. E então a gente saiu do elevador. Durou segundos. Eu
segurei as lágrimas até entrarmos pela porta. Ufa, tu não viu que eu chorei. Ai,
que dor. Eu tô perdendo o meu amor. Ai, meu olho. Ele não consegue desviar
do pescoço. Ai, meu nariz. Ele não sente mais teu cheiro. Ai, minha boca. Ela
não quer chegar mais perto da tua. Ai, minha mão. Ela te faz um carinho de
tchau. Junto com o resto do meu corpo. Porque sabe que vai sentir saudade.
Porque já está sentindo saudades. Ai, minha pele. Ela estranha encostar em ti.
Que sensação ruim, eu não sou a única a te sentir. Ai meu coração. Tá doendo.
Ta ficando mais lento. Será que eu tô morrendo? Enquanto eu permaneço
aqui sem dar nenhum passo presa no espaço que eu construo sozinha, onde

14
nele em algum momento eu espero que tu continues os laços, tu me põem fora
dos teus compassos. Tu preferes uma série de mulheres. Ai, minha cabeça. Tá
odiando tudo isso. Nem sabe se quer mais te ver. Talvez seja melhor ser só
amigo. Sem mais sofrer. E porque eu já tô sentindo em ti, o teu despedir.
Pronto, te perdi. Agora é o fim. Eu cogito, nunca mais te ver.
Depois de quarta, porque já combinamos de dormir juntos mais uma vez.

Carol Demoliner

Carol Demoliner (1995), é gaúcha natural de Erechim e


formanda em Psicologia. Amante de todas as formas de arte que
expressam a vida genuinamente, sempre usou das palavras
escritas e outras expressões artísticas para alcançar o que
estava na brecha de saída de seu ser. Inspirada pelo céu e pela
terra, pela vida e pela morte, começos, meios e fins, a autora
traduz seu olhar do mundo através do lírico, passeando pela
poesia, poemas, prosa poética e crônicas.
caroldemoliner@hotmail.com

15
Literatura Empoderada
Cristiane Camara

O primeiro livro que comprei na minha vida, foi “O casamento de


Dona Baratinha e João Ratão”. Até a terceira série do ensino fundamental,
estudei em uma escolinha de zona rural, em uma turma multisseriada. Lá, não
tinha biblioteca e em minha casa, também não havia livros, com exceção da
Bíblia Sagrada, dos livrinhos de novena de Natal ou Páscoa e ocasionalmente,
um ou outro almanaque Sadol, que pegávamos na farmácia quando íamos à
cidade, por que o pai gostava de acompanhar as fases da lua e as melhores
datas para pescar ou plantar esta ou aquela hortaliça. Desse modo, as histórias
infantis com as quais tive contato, eram aquelas que a mãe inventava para nós
quando íamos dormir, ou aquelas que eventualmente apareciam no livro didático
de Língua Portuguesa.
Ao nos mudarmos para a cidade, isso quando eu tinha nove anos
de idade, comecei a estudar em um colégio, onde cada turma/série ficava em
uma sala separada. No colégio, tive acesso a uma biblioteca de verdade e, nos
primeiros dias de aula, fomos comunicados de que haveria nos próximos dias, a
FIEL, uma feira de livros para os estudantes, no pavilhão da igreja – em
pequenas cidades, o pavilhão da igreja tem muitas finalidades. Fiquei
empolgadíssima, aguardando aquele dia chegar, pois nunca havia comprado um
livro em minha vida. “Será que seria muito caro? Quantos eu poderia comprar?
Dava mesmo para levar para casa e ele seria meu para sempre?”.
No dia da feira, meu pai me deu um dinheirinho, que deu para
comprar apenas um livro, depois de completar o valor com cinquenta centavos
emprestados de uma amiga. Mas fiquei maravilhada! Nunca tinha visto tantos
livros juntos na vida! E o livro era meu! Poderia lê-lo quantas vezes eu quisesse!
E eu quis ler muitas. Decorei a historinha!
Era uma história linda! Dona Baratinha era pobre, queria muito se
casar, mas não tinha dote. Então, um dia, voltando para casa, encontrou uma
moeda. Ficou muito feliz, se enfeitou toda e foi para a janela, cantando: “Quem
quer casar com a Dona Baratinha, que tem fita no cabelo e dinheiro na
caixinha?”. Logo se formou uma fila de pretendentes, mas ela os entrevistava e
escolhia de acordo com o que considerava que seria melhor para ela e para seus

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futuros filhinhos (ela é quem dominava a situação e escolhia o que fosse melhor).
Dispensou vários, até chegar a vez do João Ratão, que tinha uma voz de veludo,
era muito educado e poderia ser um bom pai e marido. O casamento foi
preparado e no dia da festa, João Ratão, vencido pela gula, caiu na panela de
feijoada e morreu (acidentes, enganos, frustrações acontecem, por mais que
tentemos fazer as melhores escolhas). E ela desistiu? Desanimou? Que nada!
Dizem que encontrou um noivo que é um barato! Que a ama, é gentil e amoroso
com ela e com os filhinhos deles. Não é incrível? Dona Baratinha era
empoderada! Lutou pela felicidade até encontrá-la.
Na adolescência, lembro-me dos livros de José de Alencar,
Machado de Assis, Érico Veríssimo...a biblioteca do colégio tinha muitos
clássicos. Destes, um dos livros que mais me marcou dessa fase, foi “Senhora”,
de José de Alencar. Aurélia Camargo também era muito dona de si e, mesmo
amando Seixas, fez questão de dar a ele uma lição até que percebesse o quanto
havia sido fútil e leviano. Como um bom romance romântico, tudo acaba em
“felizes para sempre”, mas a personagem de Aurélia é marcante, forte,
inteligente...
Mais tarde, já na faculdade, conheci Marina Colassanti, autora,
principalmente, de contos fantásticos. “A moça tecelã” é uma das minhas obras
preferidas da autora. A moça tecelã, conta a história de uma jovem que tinha um
tear mágico. Com ele, levava uma vida feliz e tranquila. Bastava tecer aquilo que
queria e tudo se materializava diante dela. Até que sentiu falta de uma
companhia e resolveu tecer um marido. Ele surgiu lindo, exatamente da forma
como ela o havia tecido. Mas, percebendo o poder do tear, ele logo foi fazendo
exigências e mais exigências e ela, tornou-se uma escrava de seus caprichos.
Então (essa é a parte mais mágica e incrível da história), ela decidiu que não
queria mais, que ela era mais feliz sozinha e, antes que o marido se desse conta
do que estava acontecendo, viu-se desfazendo pouco a pouco. A moça tecelã
desfez o marido e voltou à vida simples e feliz de antes. Não é incrível?
Maravilhoso? Inspirador?
A literatura sempre me inspirou muito, sempre fez parte dos meus dias,
sempre me transformou pouco a pouco, fez entender um pouquinho mais da
humanidade, fez perceber o poder que temos e o quanto o conhecimento nos
torna mais fortes e capazes, o quanto a leitura nos transforma.

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Minha filha leu recentemente os livros “A princesa salva a si mesma neste
livro” e “A bruxa não vai para a fogueira neste livro”. Achei fantástico! É um bom
começo. Meu marido diz em tom de brincadeira que estou criando uma feminista.
Discordo! (Apesar de que, esse conceito de feminista também precise ser
amplamente discutido). Estou criando uma filha que vai acreditar em si mesma,
na sua independência, que será dona do seu nariz. Isso é empoderador. A
literatura é empoderadora!

Quero aquela do alto


Cristiane Camara

Você já tirou uma fruta no pé? Percebeu como as mais bonitas e mais
doces sempre ficam no alto? Há uma explicação científica para isso: elas
recebem mais luz do sol. O sol as faz ficarem mais docinhas. Estão mais
próximas do sol, da luz, e mais distantes de nós. E são, por tudo isso, as mais
almejadas. São maiores, mais doces, mais difíceis e, por tudo isso, dão mais
prazer quando alcançadas.
As pessoas que optam pelo mais fácil, logo dizem: “Aquela está linda, mas
não alcanço, está muito no alto. Vou me contentar com uma de baixo mesmo”.
As pessoas mais persistentes e teimosas (tudo tem uma conotação positiva e
uma conotação negativa), fazem tudo o que podem e até usam a criatividade ou
correm riscos para alcançar a laranja mais do alto. Pode-se pular, subir nos
galhos, correr o risco de cair, de quebrar um galho e se espatifar com ele, pode-
se encontrar uma vara, chamar alguém mais alto para ajudar...são muitas
possibilidades e todas elas são usadas para alcançar a laranja que está mais
próxima do sol. E que alegria quando estamos com a fruta mais linda do pé em
nossas mãos, pronta para ser saboreada! A luta para conquistá-la, a deixa ainda
mais saborosa!
Isso não se aplica apenas às laranjas, ou maçãs, ou qualquer outra fruta,
é uma verdade que se aplica à vida. Quando queremos algo de verdade, a luta
pode ser intensa, mas a glória da conquista é recompensadora e, as dificuldades
só fazem aumentar a vontade (e a teimosia), até que a vitória chegue. Isso

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também se aplica às pessoas. As mais iluminadas, mais doces, mais bem-
sucedidas, mais distantes do que somos são sempre as mais atraentes, as mais
desejáveis, o ideal que queremos alcançar.
Muitas vezes, é preciso comprar a briga, correr os riscos, encontrar
alternativas, se jogar de cabeça. Se pode dar errado? É claro que pode! Mas,
como já disse Fernando Pessoa “Quem quer ir além do Bojador, tem que ir além
da dor. Deus, ao mar, o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o céu”.

Podemos “quebrar a cara”, mas certamente viveremos emoções que o


plano mediano não oferece. Riscos calculados, diminuem a probabilidade de
erro, é claro. Ninguém é bobo de pisar em um galho que sabe que não o
sustenta. Mas, se esse galho não me sustenta, como faço para alcançar aquele
mais robusto? Ou ainda, se não posso pisar nos galhos, sempre haverá uma
alternativa, é só pensar um pouquinho, planejar a próxima estratégia. Então,
podemos ir devagar, mas ir. Não desistir, enfrentar os obstáculos, calcular os
riscos e ousar arriscar. Penso que essa é a fórmula do sucesso.
Se para você, as laranjas menores e mais azedinhas são o
suficiente, tudo bem. Afinal, se todos quisessem as grandonas, o que seria das
pequenas, não é mesmo? Ou, se doces gostassem do doce, o que seria do
azedo? Porém, eu vou tentar mais um pouco para pegar as do alto. Elas têm um
sabor incomparável, têm o gosto da vitória.

Cristiane Camara
Cristiane Camara é professora de Língua Portuguesa há
dezessete anos na rede estadual do Paraná. Formada em
Letras Português/Inglês pela UNESPAR de União da Vitória –
PR; Especialista em Língua Portuguesa e Literaturas,
Educação do Campo e Gestão Escolar e Coordenação
Pedagógica. É autora do livro de crônicas e memórias “Revire
dentro Encontre (se) fora” publicado pela editora CRV.
https://www.instagram.com/cristianeczonstka/
https://www.facebook.com/profile.php?id=100087967046787

19
Simples e tão complexo

Alex Manso

Acometido por um problema psicológico Eduardo se tornou introspectivo,


ir a escola era uma tortura, a rua lhe causava medo, sair de casa se tornaria uma
batalha, dezessete anos era pouca idade para combater uma fobia, o mais
improvável dos medos, em sua mente confusa parecia uma timidez incontrolável,
não conseguia encarar as pessoas, elas pareciam estar julgando, observando
seus passos, suas atitudes, sem mais poder seguir adiante e totalmente
entregue, resolveu não mais lutar, e se isolar em um quarto e de lá não mais sair,
em um dia comunicou a seus pais:
- Não aguento mais, não consigo estudar, não consigo encarar as pessoas
na rua, eu fico travado, tímido, perto das pessoas, vou ficar em meu quarto, peço
que respeitem minha decisão, quando me senti melhor eu saio, mas agora eu
preciso ficar sozinho por um tempo.
Esse tempo parecia a solução para o problema, mais logo esse mesmo
tempo lhe mostraria o mais cruel dos sentimentos, a solidão, não seria o mais
duro dos testes, o tédio lhe consumiria e apenas a depressão lhe acalmaria, mas
a custa de muito sofrimento... sabe aqueles filmes que um náufrago quando
passa muito tempo em uma ilha começa a ter amigos imaginários, não é lenda,
é uma válvula de escape, o ser humano é sociável, um isolamento não é
saudável, interagir continua sendo instintivo, mas em seu mundo dentro de um
quarto isolado, com quem irá conversar?
A mente de uma pessoa é impressionante a ponto de materializar uma
cena que apenas está dentro dela, e por alguns minutos e uma concentração
que apenas o isolamento o proporciona, estava diante daquela menina, Diana
podia dialogar com ele, criar situações, sempre induzindo suas repostas para o
que ele queria ouvir, eram boas conversas, cenas que ele gostaria que
acontecessem na realidade... mas aquele momento era real! Pena que não
durava muito, não conseguia segurar aquela ilusão por um longo período,
acordando em um quarto escuro e sozinho.

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Diana sempre estava em seus sonhos, delírios, encenações criativas de
sua mente, pois já tinha tido contato com ela em sua vida, contatos meramente
visuais, nunca trocaram uma palavra, mas tímidos olhares, trajetos da escola
para casa, percurso dentro de um ônibus, ele tinha onze anos quando ela
chamou sua atenção, seus longos cabelos passavam da cintura, eram lindos, foi
amor à primeira vista, era um sentimento puro a contar que vinha de um pré
adolescente, um menino descobrindo o que é gostar de outra pessoa, tão
importante para ele que a levou consigo para seu isolamento, em seus devaneios
Diana o ajudou muito, lhe deu forças, sem ela teria sido difícil passar por esse
longo período, quantos momentos ela passou ao seu lado, um misto de alegrias
e tristezas logo que seu delírio passava e só restava a escuridão.
Difícil precisar o tempo desse isolamento, um ano ou mais, o tempo é
relativo quando se renuncia à realidade e se permite viver um mundo de fantasia
onde não se tem compromisso com coisas cotidianas, mas um dia a irrealidade
daria lugar a uma curiosidade, aquela menina que sempre apoiou nesse período,
não era mais uma menina, com o passar do tempo já deveria ser uma mulher,
que aparência ela teria? Como saber se ele a eternizou em seus pensamentos
na figura de uma adolescente, será que constituiu uma família? Dúvidas
tomaram conta de seus pensamentos, a inquietude era mais forte que a fobia,
mas sem ajuda não conseguiria, e seus amigos imaginários não apareciam mais
com frequência, nem Diana lhe apoiava como antes, pois a existência dessa
menina era contestada por sua mente que em um momento de sobriedade
questiona a sua eterna jovialidade, então tomou uma difícil decisão e comunicou
a sua mãe:
- Não aguento mais ficar preso no quarto, eu não consigo sair sozinho,
preciso da ajuda de um psicólogo para tentar andar na rua de novo, não vai ser
fácil, mas eu preciso tentar.
Nessa época não existia redes sociais, sua volta para realidade se
confunde com a chegada da tecnologia, da interação entre desconhecidos,
grupos sociais, acesso à internet, pesquisas, em sua batalha com ajuda de
psicólogos e medicamentos, reaprendendo a andar, interagir com outras
pessoas, controlar suas emoções, se viu diante de uma página social com o
nome de Orkut, como encontrar Diana apenas sabendo seu primeiro nome? Foi
uma longa procura, utilizava métodos como nome de pessoas conhecidas que

21
poderiam ter contato com ela, era quase impossível, um nome comum em meio
a centenas de homônimos.
Em um belo dia, um rosto familiar, certeza não teria naquele momento,
o rosto era de uma mulher, em seu colo uma criança aparentemente uns dois
anos de idade, algo lhe dizia que era ela, o coração batia mais forte, a intuição
confirmava que estava no caminho certo, algumas semanas de
acompanhamento à página veio a confirmação, era Diana mesmo, agora tinha
o nome e sobrenome, foram alguns anos seguindo a página no anonimato, ela
teria formado uma família, se mudado para uma cidade distante, o sentimento
era forte, alguém que teria passado o momento mais difícil de sua vida ao seu
lado, te dando força, abriu mão da sua vida, de seu envelhecimento tinha uma
família... na verdade ela seguiu a diante, apenas a imagem dela se materializou
em sua mente frágil e confusa, pesquisando em sua página percebeu que ela
cursou faculdade, se formou em administração, conheceu um rapaz, tiveram um
filho, caiu a ficha... ela nunca conversou com ele, Eduardo tinha usado a imagem
dela para conseguir passar aquele tempo isolado sem estar sozinho, ela sempre
esteve ao seu lado, apenas em seus pensamentos, em sua mente.
O tempo passou, a página social se tornou obsoleta com a chegada de
outras páginas, a interação com as pessoas ficou mais fácil, Eduardo já
conseguia controlar vários sintomas da fobia social, a timidez, a gagueira pela
insegurança de conversar, começaria a criar coragem para se posicionar em
algumas situações, mas ainda tinha uma lacuna não resolvida, como falar para
Diana o quanto ela foi importante na vida dele, ele devia isso a ela por não ter
lhe abandonado, esse dia chegou! não sei se foi um erro, mas se não fizesse
acho que ela nunca saberia como seria a reação de Diana, havia uma ânsia de
dividir fatos que ele creditava que ela o entenderia, foi quando ocorreu o primeiro
contato.
A princípio não se identificou, mandava mensagens de motivação
sempre deixando claro o quanto ela era importante, notou acompanhando suas
postagens o quanto era ligada a religião, então exaltava essa questão, mas acho
que isso a deixava mais confusa, ela deixou claro em uma das mensagens:
- Não te entendo, o porquê dessas mensagens, você me parece familiar,
mas não me lembro de onde te conheço.

22
Para evitar mal entendidos, decidiu contar toda a história, a princípio
Diana pareceu compreender, mas Eduardo queria esclarecer o quanto ela foi
importante, imaturidade dele pois os relatos a deixava mais confusa, para piorar
ele falava em amor para Diana, amor que ele sentia, não querendo conquista-la,
mas apenas um sentimento unilateral, um amor que ele não escolheu, surgiu
naturalmente, ele apenas alimentou aquele sentimento, mas se tornaria
repetitivo a ponto dela postar uma indireta em sua página:
- O amor é igual capim, você planta, cuida com carinho e vem uma vaca
de outro pasto e consome.
Essa mensagem e outras postagens mostravam uma Diana de
personalidade forte, diferente daquela menina amável que ele tinha projetado,
suas insistências em mandar mensagens tentando provar seu amor começavam
a aborrecer Diana, ao mesmo tempo desconstruir a imagem de perfeição que
Eduardo tinha por ela, mas não diminuía seu amor, ele recebia mensagens de
alerta que a paciência de Diana estava diminuindo:
- Estou tolerando você, suas mensagens, mas já avisei que está passando
dos limites, um dia vou me cansar e dizer chega!
A mensagem foi um alerta, mas Eduardo sentia que não tinha passado
a mensagem do quanto Diana foi importante para ele, e esse amor que ele tanto
quer explicar, ela não tinha entendido a essência da mensagem, sem perceber
estava se tornando inconveniente, até chega ao ponto de ser bloqueado por
Diana, para ele a decisão foi um choque, como a mulher que ele sempre
idealizou como seu porto seguro teria essa atitude, por um tempo ele ficou a
refletir, porque é tão difícil provar que ama outra pessoa, depois de alguns meses
por motivo desconhecido ela desbloqueia Eduardo, tornando seu perfil
novamente visível para ele, na tentativa de tentar corrigir o erro ele torna a lhe
enviar mensagens:
- Diana, te peço desculpas, eu te idealizei de uma forma, mas você ainda
era menina, não consigo me comunicar porque você é uma mulher, tem família
agora, não consegui encontrar as palavras certas, peço que reconsidere não vou
mais te incomodar.
Diana aceita suas desculpas, mas em sua inquietude e imaturidade,
Eduardo continua a lhe enviar mensagens, comentando postagens, pois estava
acostumado a dialogar com Diana, não essa Diana mulher, mas a menina que

23
sempre esteve ao seu lado, em seus devaneios preso em um quarto, isso
incomodava ela porque Eduardo até algum tempo atrás era um desconhecido,
apenas um vizinho de infância que ela nem lembrava mais, e agora tinha que
tolerar um estranho dando palpites em sua vida como se a conhecesse de muitos
anos, Eduardo não tinha essa percepção e se tornou um incômodo na vida de
Diana.
Sua segunda gravidez, agora de uma menina deixava ela mais
reservada, não postava mais fotos, mandava mensagens de indireta para ver se
Eduardo se tocava, bloqueava ele por algum tempo, mas depois desbloqueava,
creio que sua formação religiosa pesava em sua consciência que se afastasse
Eduardo completamente de sua vida poderia causar algum mal a ele, devido a
sua fragilidade emocional, mas ele não conseguia entender o recado, esse amor
que ele sentia era muito forte, alimentado por ele, mas no fundo sabia que era
unilateral, na verdade não poderia ser diferente era um estranho aos olhos dela,
passaram-se muitos anos, desgastes por causa de mensagens e comentários,
Diana seguiu sua vida, separou do marido, se reconciliou de novo, foram vários
bloqueios e desbloqueio a Eduardo, com o contato entre os dois fragilizado ele
resolveu silenciar, ela percebeu essa mudança, a última mensagem dirigida a
ele foi um desabafo, uma frase de Mário Quintana, basicamente se tratava de
uma indireta, nela dizia que você passa a mensagem quando você se cala, não
quando você fala.
Mensagem absolvida por Eduardo, mas já era tarde, o estrago estava
feito, anos de desgaste por palavras jogadas ao vento, uma ânsia de explicar
esse amor, um sentimento que não pode ser explicado, não é um simples “ Eu
te amo " é um complexo misto de sentimentos que apenas um convívio pode
provar que ele existe, Eduardo na sua incapacidade de compreender entendeu
que ele conviveu com quem achava ser a Diana, mas ela não conviveu com ele,
então não conseguiria entender esse amor que ele sentia por ela, ao tentar
compensar isso com palavras causava uma estranheza a Diana, como um
homem aparece do nada em sua vida dizendo que lhe ama, que você o ajudou
nos momentos difíceis, como assim! Era um estranho que acabara de conhecer,
mas ela até que se saiu bem, foi muito tolerante.
Para Eduardo restaria acompanhar Diana a distância, a pessoa que ele
sempre conversou era um delírio projetado por sua mente, como ele superou

24
seu problema psicológico, aprendeu a conviver com a fobia social, ele também
tinha que entender que poderia sim seguir Diana, acompanhar sua vida, pois
isso ele não conseguiria viver sem, mas no silêncio, como um mero espectador,
consciente de que sua abordagem foi errada, mais ciente que ela fez parte de
sua vida, que por um tempo ele também fez parte da vida dela, Diana sabe que
Eduardo existiu e de algum modo absorveu parte da mensagem que ele quis
passar, o amor continua em seu peito, o amor simples sem pedir nada em troca,
mas tão complexo a ponto que se tentar menciona-lo causará uma grande
confusão.

Alex Manso
Nascido em Belém do Pará, sua família veio para Brasília
em 1986, onde moram até hoje, adquiriu gosto pela literatura,
escrita, cinema, tudo que conte histórias, participa de concursos
literários, conquistas de certificados e menções honrosas que
guarda com muito carinho, como reconhecimento pelas suas
obras.

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O momento certo

Flávia Bataglia

Sempre me encantei por dias comuns. Quando é possível, reservo alguns


minutos para observar o ordinário. O que sobra entre um afazer e outro é o que
somos. Outro dia, passei por uma cafeteria no corredor do shopping e fiquei.
Apesar de estar atenta aos meus compromissos do dia, que não eram poucos -
parei. Pedi um café. Sabia que era possível mesmo que por pouco tempo - ficar
ali. Comigo. Encontrar vazios em meio a turbilhões.
Em janeiro tudo recomeça? Nem tudo. Vi uma garota comprar bombons
para presentear. "Estou atrasada, mas o que vale é a intenção." Será que existe
momento certo para demonstrar que gosta de alguém? Talvez o Natal seja uma
oportunidade. Não a única.
Observei um homem comprando moeda estrangeira e se lamentando.
"Aonde vamos parar?" Ao mesmo tempo que uma família inteira adentrava uma
loja de operadora de celular para questionar sobre o plano utilizado pela
matriarca. E vi a atendente responder prontamente com uma frase ensaiada:
"Pode ser um erro do sistema." Provavelmente. Concordei em silêncio enquanto
o desenho da fumaça do meu café se espalhava e perfumava aquele momento.
No final do corredor vi que ainda havia um trenó. A poltrona do Papai Noel
também estava lá. Será que alguém leva os filhos para tentarem encontrar o bom
velhinho depois que o ano já acabou? Pode ser. Mas acho que ele só voltará
daqui alguns meses. Até no mundo da fantasia existe prazo: seja bonzinho e
será recompensado no final. No momento certo. É o tempo de plantio e o tempo
da colheita. É a vida.
Queimei levemente a ponta da língua. O café estava bem quente. Do jeito
que gosto. E continuei observando: o que mais faziam as pessoas por ali eram
trocas. Voltar para devolver o que não serviu, procurando algo que melhor
atenderia. Pelo menos naquele momento. Sacola daqui, sacola para lá. Aliás,
sacolas e coleiras. Os pets se divertiam enquanto os humanos resolviam suas
pendências. Ainda bem.

26
E por falar em pendência...Assim que coloquei a xícara sobre o pires,
deixando um fundinho de café frio, recebi uma mensagem: "Posso te ligar?"
Precisava partir. Pedi a conta, paguei. Segui. Era a vida me convidando.
"Vamos, não se demore, chegou a hora de ir."

Detalhes do entardecer
Flávia Bataglia
O alaranjado do céu a beber de seu último gole na linha do horizonte,
desenhando o que finda e o que segue, aquece meus fins. De tarde. Enquanto
dirigia numa marcha poente de volta do trabalho, numa dessas, com os olhos
apertados de cansaço e transbordamento - sorri. O entardecer me convidava.
Os finais, de qualquer coisa, deveriam carregar o brilho em tom de
passagem que o sol anuncia todos os dias antes de se deitar. Pelo entendimento
do que virá a seguir. Aquela certeza de que todo ir, carrega um vir de
recompensa. Pelo movimento natural do existir. Poético. Mas que concorre com
a realidade.
Os 39 me escapam neste ano. Estou naquele instante - também poente -
de revisitar outras paisagens com um misto de alegria e despedida. Sem
contabilizar o que não foi. Mas completando com tudo que poderá ser um dia.
De tempos em tempos, me recolho. E deixo. O entardecer sabe ser
exatamente o que é: incontrolável. A juventude faz com que a gente tenha
sempre aquela visão de dias de sol forte, claridade absoluta e urgência - que se
perdem dos detalhes.
A gente nunca sabe o que pensar da vida antes da hora. É certeza que
despenca, medo que perde a voz. Sentimento que transforma. Há muita vida nos
detalhes. Na delicadeza que acabamos ganhando com os anos. Por pura
sensatez. Pelo tanto de um tudo que faz força para nascer, perdemos a coragem
de lutar contra.
Esbarro nos detalhes. Num corriqueiro folhear de páginas de livro. O meu.
Num sorriso como aquele de tarde que cai, em que meus olhos marejados
acompanhavam o sol desaparecer no horizonte, estremeço. De passagem.
Levando o que sobra e trazendo o que falta. Como tudo. Sempre. Se põe para
amanhecer depois, lentamente. Tantas vezes, muitas.

27
E novamente.

Flavia Bataglia
Flavia é biomédica e professora de yoga. Faz da
escrita uma maneira de não perder a capacidade de se
encantar com a vida.
Instagram: @Dissolvendo_pensamentos

28
Figurinhas
Diogo Tadeu Silveira

Chega às minhas mãos uma minienciclopédia para crianças dos anos


1970 em forma de álbum de figurinhas. Figurinhas de flores, frutas, legumes,
árvores, animais, profissões, meios de transporte, aparelhos do corpo humano,
bandeiras de países etc. Uma das páginas do álbum traz cromos com dicas de
higiene e bons modos: lave o rosto, escove os dentes, penteie-se, despeça-se
da mamãe ao sair rumo à escola, não faça algazarra com os colegas, estude e
faça as lições e tarefas, guarde seus brinquedos e reze antes de dormir. Enfim,
uma cartilha de moral e cívica para cidadãozinhos de bem. Um dos conselhos é
desnecessário: o caminho à escola oferece perigos, ande com atenção e cuidado
sempre. Ora, todo mundo sabe que naquela época a segurança era total. Não
havia problema, a não ser o guarda da esquina.
A página de homens que “fizeram história” tem figurinhas de Fernão Dias,
Raposo Tavares, Bartolomeu Bueno da Silva e Borba Gato, entre outros heróis,
todos muito bonzinhos. Uma seção do álbum explica a montagem e o
funcionamento de canhões, clavas, aríetes, lanças e outras armas, conteúdo
importantíssimo para a infância, pois é desde criança que se aprende a fazer
arminha.
As ilustrações dos símbolos da nação – bandeira, armas e hino – vêm
com uma lista de obrigações do brasileiro, entre as quais cumprir o serviço militar
para tornar-se um soldado em defesa da Pátria. Resta saber se todos os
patriotas admiradores das Forças Armadas cumpriram tal dever. Em outra
página a imagem de automóveis, fábricas e usinas anuncia um país que caminha
a passos largos para a intensa industrialização, o que lhe dará posição
destacada no mercado mundial. A previsão mirou no Brasil... e acertou na China!
Ninguém segura esse país comunista.
Outra página é dedicada à “Obra do Século”: uma estrada de asfalto que
rasgaria a Amazônia para se tornar uma artéria pujante da integração nacional.
A floresta, segundo o álbum, era um adversário, já que deveria ser vencida pelo
homem para receber progresso e civilização, dando a entender que quem vivia
nela era atrasado e bárbaro. A figurinha do Presidente do Brasil apresenta-o

29
como a mola propulsora da Transamazônica. A rodovia, de fato, proporcionou
êxito: para garimpeiros, grileiros e transportadores de madeira ilegal, que tiveram
o acesso facilitado pela obra secular do general-mola.
Mas a figurinha que mais chama a atenção nesse álbum da época da
ditadura é a de uma pessoa depositando uma cédula na urna acompanhada da
legenda o voto é direito assegurado aos cidadãos de escolher seus governantes
nos países livres e democráticos. Seria trágico, se não fosse cômico.

Diogo Tadeu Silveira

Diogo Tadeu Silveira é mineiro de Divinópolis,


filho da costureira Maria de Nazareth e do professor Amós
Félix. Graduado em Letras e Direito pela UFMG, foi professor
de francês em Belo Horizonte e atua como advogado em
Oliveira. É casado com a psicopedagoga Simone de Fátima.

30
Teu nome
Mariana Mendes

Sentia minha pele formigar. Como se passasse os dedos para ver se a


vela iria me queimar. E afirmo. Queimava. Não era incêndio qualquer. Era
daqueles que alertam nos jornais. Que passa na rádio. Que a defesa civil faz
alerta. Sinto a espinha formigar. Medo? A última coisa é medo. Te sussurro que
isso tem outro nome, meu bem. Não escrevo assim porque estou engasgada ou
até mesmo sem noção de qual palavra escrever. Tu engoles meu ser. Não me
sobra espaço para meu respiro sair sem ser em falhas. Não sei. Se é falha ou
gloria quando engoles meus poros. Sinto meus dedos se esticarem. Eles buscam
qualquer prisão para se fazer cadeado. Minhas pernas buscam aulas de tecido.
Tentam buscar a melhor forma de se enrolar. Meu tórax te busca. Num
desespero desenfreado. Ele não é linha de frente da resistência. Ele não resiste
ao teu. E não precisa. Se desfaz num único toque. Minhas coxas parecem argila.
São moldadas entre teus dedos. Nossos cabelos entram na pior luta. Que meus
olhos já viram. Onda por onda. Tomam conta do meu pescoço. Ao ponto de
necessitar buscar ar pelo alto. Mas tu és mais rápido. A respiração boca a boca
me salva. E me afoga.

Mariana Mendes- LATINA

Quem sou eu?


Atendo tanto por Mariana Mendes, quanto por
Latina. Adquiri esse rótulo como nome, para sussurrar
com cores e versos o soprar das minhas antepassadas.
Trabalho com pintura a óleo, poesia e crônica,
cerâmica, performances e dança. Os meus versos falam
sobre como é ser mulher latina e pansexual, com todos
os sentimentos dormindo sob a pele, recitando sobre a
sociedade e meus sentimentos amorosos e ansiosos.

31
Amigas
Hillary Sthefany

As horas sempre passavam sem que eu percebesse. Faltavam 45


minutos para a quarta-feira, mas para mim continuava sendo aquele dia
horroroso que o domingo é. A segunda passara rápido demais assim como o
tombar das ondas do mar em comemoração a mais um ano de vida.
Ultimamente, pensava mais sobre o futuro e no que aconteceria se eu passasse
a vida toda deitada naquela cama de quarto pensando no que ainda estaria por
vir. Eu olhava a meu redor, mas nada me olhava de volta. Eu dizia tanto faz para
a maioria das coisas quando eu era o próprio "tanto faz" da vida. Foi então que
em meio a esses familiares devaneios a Apatia veio me visitar mais uma vez. Ela
entrou de mansinho em meu quarto e deitou de leve ao meu lado, dizendo:
- Você sabe que nada é do jeito que você quer. Nunca vai ser assim. A
regra é a mesma para todos, alguns só tem sorte de encontrar um atalho sem
muitos espinhos. Sabemos que não vale a pena se esforçar tanto nem para
morrer. No final, irão todos para o mesmo lugar.
- Eu esperava por você. Sabia que viria de novo. Nunca nos distanciamos
por muito tempo e nem podemos, Apatia. Você sabe o que sinto porque você é
o que sinto.
- A Felicidade me despreza. Diz que não vejo nada além de um grande
nada. Não tenho culpa de ser assim.
- Não acredito mais na Felicidade. Semana passada ela veio aqui, mas
não ficou nem sequer por muito tempo. Disse que as coisas não são assim e que
me iludo querendo que certas coisas sejam imutáveis.
- Por isso estou aqui. Sabemos que realmente isso não funciona. É pior
ficar pensando demais no futuro. A Tristeza que vem com esses pensamentos é
uma puta.
- Sim, sim, ontem à tarde ela veio aqui e passou a noite toda. Faz pouco
tempo que saiu. Não consigo entender o porquê de ela insistir em mim.
- Oh, eu entendo. Há beleza em suas fragilidades mais profundas.
- E quais são elas?
- Você deve saber, senão eu e ela não existiríamos.
- Não sei dizer bem quando tudo começou...

32
- Ninguém sabe exatamente. Alguns têm uma inclinação maior que outros
para a desgraça.
- Então faço parte desses alguns?
- Você sabe a resposta...
E assim se manteve a noite. Nada de especial acontecia a não ser
determinadas visitas. As mais conhecidas eram a Tristeza e a Apatia, pois eram
minhas melhores amigas há anos. Praticamente todos os dias uma das duas me
visitava. Quando as duas se encontravam, a conversa durava a noite toda, com
cada uma contando suas frustrações do dia e da minha vida. Era engraçado
como a Tristeza sempre ia embora mais cedo e me deixava com a Apatia. Ela
alegava que meus sentimentos atuais eram quase um Vazio e que não via quase
nada dela em mim, justamente por eu não ficar me importando com coisas
pequenas.
Sempre após sua saída, a Apatia pensava em chamar a Felicidade, ou ao
menos tentar chamar, mesmo sabendo que ela não desejava estar aqui. Esta
última sempre teve um pé atrás comigo, sempre se manteve distante, mesmo eu
perguntando o porquê das coisas. Ao mesmo tempo que era sorridente e me
fazia sentir bem, anunciava meu próximo destino:
- Alguns dizem que não existo plenamente, mas aqui estou agora. Todos
os humanos parecem carentes vindo clamar por mim nos piores momentos... Eu
não entendo vocês. Eu não posso ficar para sempre! Tenho outros lugares para
visitar e se permanecer aqui por muito tempo, o Tédio toma conta de mim. Nunca
fui amiga dele nem serei. Por isso, está na hora. Voltarei, mas não em breve.
Não deixe que o Desespero chegue muito perto, a companhia dele é sua maior
inimiga.
A Raiva também se aproximava às vezes. Nunca ficava muito distante ou
próxima demais. Ela era o que eu chamava de doença. Não queria tê-la por
perto, mas em certos momentos isso era inevitável e tentava tomar conta de mim
(e algumas poucas vezes conseguia).
Nesse mesmo dia, eu e Apatia fomos dormir às 2h. Quando acordei às
7h, ela já olhava pela janela, o mesmo que eu fazia há anos, e dizia:
- É de manhã e as pessoas se levantarão, assim como você, e farão as
mesmas coisas, sem perguntar nada, sem questionar nada. São como robôs.

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- Sim, fazemos isso, você sabe. Não há escolha e a Liberdade não existe.
É um mito. Você alguma vez a viu por aí?
- Não. Ouvi apenas relatos. Mas ela de fato não existe. Alguns apenas
acreditam e se iludem para se sentirem melhores ou menos domesticados pelo
sistema.
- Sim, sim... eu já imaginava. Por muito tempo acreditei nela e fui atrás,
mas só esbarrei com a Tristeza.
Às vezes, quando raramente saía, duas visitas me surpreendiam: A
Euforia e a Felicidade. Dependendo do dia, elas chegavam de mãos dadas,
pulando e gritando ou simplesmente caminhando lentamente ao meu lado. Com
isso, sentia-me viva mesmo que por pouco tempo ao ouvir suas vozes próximas
a mim.
Nesses momentos, eu sequer via a Apatia, mas sabia que bastava eu
abrir a porta de casa e entrar em meu quarto para encontrá-la, pois era como
sempre acontecia e eu apreciava isso.
Apesar de tudo, eu tinha orgulho de mim. Era preciso ser forte para
aguentar os diálogos rotineiros dela e quase ser esquecida pela Felicidade e sua
amiga Euforia.
É somente a vida fazendo seu papel de sempre e eu fazendo meu papel
de...
O quê? Eu ainda não descobri.

Hillary Sthefany
Hillary Sthefany da Costa Martins, tem 24 anos é
brasileira do estado do Pará (terra do açaí), amo escrever
sobre temas diversos, que vão desde a ficção, como terror
e romance, até temas mais cotidianos, o qual chama de
“meus devaneios vitais”, é bilíngue e possui sonhos
infinitos. Formada em Letras - Língua Portuguesa e
Serviços Jurídicos e Notariais. Começou a escrever por
volta de 7 anos de idade, ama a literatura e gosta de
estudar disciplinas como: física, geografia, administração
e até matemática.

34
POESIAS

35
Amo-te
Carol Demoliner

Agora me dê qualquer coisa pra fazer


Apesar de eu não querer fazer nada
Qualquer coisa que me tire você
Que tire eu de mim
Qualquer música que não me lembre você
Toda música me lembra você
Qualquer filme que não tenha romance
Toda cena me lembra você
O pensamento vaga e mesmo antes de ele fazer a volta
Você está em alguma curva

Então se eu não tirar nada dessa dor


Eu vou pirar
De novo vou chegar no limite

Vou gritar

Bater

Deslizar

Arrombar

Machucar

Cuspir

Sangrar

Esperar

Cansar

Continuar

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Só vou embora quando a polícia chegar.

Ela veio e eu não saí do lugar.

Se eu não escrever nada que preste depois desta peça

Você realmente na vida minha só serviu como uma peste

Porque foi a primeira vez que relacionei a palavra amor

A-mor-te.

Carol Demoliner
Carol Demoliner (1995), é gaúcha natural de Erechim e
formanda em Psicologia. Amante de todas as formas de arte que
expressam a vida genuinamente, sempre usou das palavras
escritas e outras expressões artísticas para alcançar o que
estava na brecha de saída de seu ser. Inspirada pelo céu e pela
terra, pela vida e pela morte, começos, meios e fins, a autora
Poema: traduz seu olhar do mundo através do lírico, passeando pela
poesia, poemas, prosa poética e crônicas.
caroldemoliner@hotmail.com
Pássaro Urbano - Paulo Brás

37
Vírus do amor

Luan Araújo de Souza

Antes de sairmos para curtir, quero que prestem muita atenção. Os


casados e principalmente aos que estão solteiros, está vindo um novo vírus, uma
nova mutação que está contaminando rapidamente o mundo inteiro, é uma nova
versão de intenso amor. Mas é totalmente frio e principalmente muito traiçoeiro,
se um de vocês vacilarem ele pega e fisga, chama de minha vida e faz com que
vocês venham a acreditar que ele é o verdadeiro parceiro, ele faz acreditar que
vocês irão voar, e tranquilamente se casar. Para depois no final jogar os teus
sentimentos em um abstrato bueiro, vamos nos cuidar e nos preparar pois essa
batalha será muito difícil e ainda os cientistas não sabem quem é o real
hospedeiro, tudo que nós sabemos até agora é que ele contamina no toque e
principalmente no contato de um saboroso beijo. Praga tão infeliz que veio surgir
de um misterioso celeiro, Para evitarmos a contaminação é necessário o uso de
máscaras e evitar o contato com qualquer tipo de estrangeiro, se algum deles
abraçarem vocês é recomendável que vocês passem álcool ligeiro, também
evitem de olhar diretamente para a retina, ocultem a oxitocina e nunca venham
a se encantar com as suas bravas viagens em alto mar. Com os teus jeitos, suas
vestes e os teus suaves e admiráveis cheiros, eu não afirmo que eles são os
hospedeiros, mas vamos se ligar, se orientar para não recebermos a visita
inesperada do tenebroso ceifeiro, tudo que nós sabemos até agora é que ele
contamina no toque e principalmente no contato de um saboroso beijo. Praga
tão infeliz que veio surgir de um misterioso celeiro.

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Sentimentos passados

Luan Araújo de Souza

Você convive com uma pessoa por vários anos achando que o
relacionamento já está eternizado, pois pelo menos você se entregou
completamente tomando todo o devido cuidado, e de repente você toma um forte
baque, algo que não era esperado, a pessoa que lhe chamava tanto de meu
amor lhe causa uma grande dor dizendo que está tudo acabado, e com isso você
adquire uma tristeza muito grande e igualmente adquire uma imensa raiva no
coração, e começa uma enorme destruição das antigas lembranças começando
por aquele belo e antigo retrato. Pois é simplesmente a sua emoção entrando
em estado de erupção, fazendo com que você nunca mais busque por
sentimentos passados, pequeno coração despedaçado. Achou que estava
vivendo uma maravilha tipo rei e rainha, mas estava intensamente equivocado,
ou melhor dizendo: totalmente enganado. Por achar que a vida real é similar a
filmes da Disney que sempre terminam com um final feliz, e como sempre tudo
tão perfeito e extremamente encantado, coração danificado. Se entregou por
inteiro, sempre tratou o seu amor com todo o respeito e no final de tudo nem
recebeu um obrigado, é aí que você fica fervo. Não trata mais tudo aquilo que
construíram juntos com aquele devido respeito e já sai jogando tudo para todos
os lados, você está enfurecido e não pensa mais direito. Momentos
inesquecíveis infelizmente se tornaram em momentos conturbados, você sai
destruindo tudo sem deixar nada inteiro. Principalmente aquela antiga foto do
primeiro beijo que lhe deixava muito feliz e emocionado, você destrói com tudo
mesmo com receio. Pois é simplesmente a sua emoção entrando em estado de
erupção, fazendo com que você nunca mais busque por sentimentos passados.

Luan Araújo de Souza


Eu me chamo Luan Araújo de Souza mais
conhecido como Luan Souza Poesias, conheci a bela arte
da poesia em 2015 e acabei me apaixonando pela arte, e
foi em 2017 que eu fiz o meu primeiro poema oficial e a
partir desse ano eu nunca parei de escrever, amo esse
dom e pretendo nunca parar de poetizar a vida.

39
Obra pública
Mariana Mendes

Meu corpo
Não é público
Ou é e a gente nem sabe mais
É tanto fala daqui
Encosta ali
E é o meu
Nem em obra pública mexem
Mas no corpo da mulher
Já vão dizendo que as novinhas tão sensacional
As novinhas têm idade pra ser tua irmã
Tua filha
Mas tu que é homem
E abismado nasceu de mulher
Que se pudesse nascia de homem
Mas sem tanto afeto
Porque isso é coisa de mulherzinha
Mas nunca entendi bem
Porque usam que nasceram de mulher
Que tem até irmã
Se assedia irmã,
Prima,
Tia
Sei que não é o certo
Mas se não tem respeito
A única opção que resta é medo
E infelizmente, espero que tenhas medo.

40
Mariana Mendes- LATINA

Quem sou eu?


Atendo tanto por Mariana Mendes, quanto por Latina.
Adquiri esse rótulo como nome, para sussurrar com cores e
versos o soprar das minhas antepassadas. Trabalho com
pintura a óleo, poesia e crônica, cerâmica, performances e
dança. Os meus versos falam sobre como é ser mulher latina e
pansexual, com todos os sentimentos dormindo sob a pele,
recitando sobre a sociedade e meus sentimentos amorosos e
ansiosos.

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O céu chora na solidão da noite
J.D.Ortega

É solitário pensar em você,


É triste olhar para o céu que chora suas lágrimas frias na minha janela.
E fico a ouvir o eco d'um lamento distante que fere os ouvidos e assusta a alma.
A tristeza do céu entrar como o suspirar de uma brisa gelada
E debaixo do cobertor sinto saudades do seu corpo quente
Da sua pele macia
Do seu beijo úmido
Do seu olhar inocente
Do seu sorriso malicioso
Do seu toque feroz e de todo o seu desejo
Fecho os olhos e sinto seu hálito doce subir do peito ao pescoço
Sua voz penetrante ressoa em meu ser
E quero me perder na imaginação.
Mas lá fora o céu chora mais intensamente.
Sinto sua dor e ele a minha, e choramos juntos na solidão da noite.

O Observador
J.D.Ortega

Entro no ônibus e estou a caminho de casa


E lá fora vejo as pessoas que vagam pelas ruas
Vejo as nos cafezinhos de esquina,
Nas lojas de bijuterias, nas de sapato, nas de brinquedos, nas de conveniências
Ou simplesmente paradas a conversar com outras que também vagueiam
As que esperam nos pontos de ônibus cansadas do longo dia de trabalho
As que jogam baralho nos bancos das praças procurando ali em meio a diversão
uma forma de assassinar o tempo
As que comem enquanto caminham por estarem com pressa para ir à qualquer
lugar

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As que mexem no telefone distraídas, sem prestar a devida atenção a realidade
que vive talvez alegre em sua volta
As que ainda trabalham, e enxugam suas faces do líquido salgado que dão a
esperança da sobrevivência
E as que pedem o pão sentadas na calçada sem a certeza de mais nada, a não
ser da fome.
Simplesmente o ônibus para
Olho para frente e vejo as pessoas se cruzarem, todas perdidas nos
pensamentos, nos pesares, nos afazeres, nas necessidades, elas se
atravessam, mas parece que nenhuma está lá.
Perdidas em suas realidades estão todas a caminhar sem notar que aqui de
dentro do ônibus há alguém que as observa.
É como olhar de uma galáxia às outras.
Todas com seus sóis, seus planetas, suas luas e todo o resto
Todas a seguir seu caminho diante da vastidão incalculável do universo
De meu universo não sei se o que vejo é real, são tantos outros que passam
aqui na minha frente, que já não me lembro de nenhum deles.
E todos sem notar minha presença e sem saber como sou.
Acho que nem mesmo eu sei como sou, já que meu universo é perdidamente
desconhecido
Então estão todos lá sem saber como são, pois para mísera alma que vagueia
em sua galáxia até mesmo o seu limite calculável de massa parece
perdidamente profundo.
Percebo diante da minha galáxia distante tentando lembrar das outras que
passavam, que não há nada mais irreal do que observar as pessoas nas ruas.
Então chego no ponto de casa e é hora de descer.

43
J.D.Ortega
J.D.Ortega nasceu em Taubaté - SP e caminhou pelas
artes desde os seus 11 anos de idade, começando com Teatro
logo depois a dança, música, grafite, desenhos e pinturas.
Aos seus 18 anos quando nasceu sua paixão pela
leitura começou a escrever cartas, poesias, contos e crônicas.
Hoje aos 21 anos tem dedicado a maior parte do tempo ao seu
romance, e sua antologia poética "Raízes do Sentimento".

44
Teu sorriso, meu abrigo

Ubertam Santos

Enquanto observo teu sorriso, todo encanto me parece tão simples..Cada


passo que dou tem uma direção e os momentos que vivo fazem mais sentido.
Mesmo que não estejas presente, sei que ainda sim , estás comigo! Meus
sonhos vívidos se tornam maiores quando vejo teu sorriso. O tempo, por um
instante, me parece parar, mesmo estando em movimento, tudo para mim,
parado está! O mundo que outrora fora sombrio, vazio, e sem cor, brilha
instantaneamente pela escolha desse sublime amor! Sentimento intensamente
mágico, numa realidade incompreendida para mim. Imprime-se na minha alma
algo sobrenatural. Teu sorriso, é meu abrigo tatuado dentro de mim. Há... O teu
sorriso... Teu fulgurante sorriso... Ele ilumina o meu viver. Toda a criação me
parece tão divina e de todas as criaturas a mais bela, a mais sublime, é você.

As Carolinas!
Ubertam Santos

São como flores, basta olhar com atenção e verás.


Gentis são as carolinas, sorridentes ou tristes, repare cuidadosamente em
seus olhos.
Castanhos ou pretos, verdes ou azuis, não importa, neles há mistérios.
Em suas palavras encontrarás conforto, suas alegrias emanam luz e paz
por onde passam.
Assim são todas elas, as Carolinas, doces, guerreiras, faceiras por si só.
Em seus corações estão seu tesouro bem lá no fundo, talvez um dia,
compreenda por que vêem tanta beleza no mundo!

45
Ubertam Santos
Ubertam Santos, nascido em Canoas/RS em
06/01/1987, escrevo desde os 8 anos, lançou seu
primeiro livro chamado "Rabiscos" em 2019. Participou
de 6 coletâneas.

46
Tangerinas na janela
Nick Manfrei

Hoje estava andando pelo centro e avistei um casal de velhinhos na sacada.


Eles estavam apenas olhando as pessoas andarem e a vida passar enquanto
dividiam uma tangerina.
A sacada estava cheia de plantas verdes e bem cuidadas.
Era algo tão simples, mas tão bonito que não consegui desviar meu olhar.

Ela, então, percebeu que eu os encarava e sorriu e acenou de volta para mim,
mas não consegui fazer nada.
Apenas olhava e andava e passava por eles.
Algo tão simples, mas que apenas poucas pessoas tem o prazer de viver.

Ter alguém para compartilhar os pensamentos, as experiências, o tempo e a


vida, não esperando nada mais nada menos do que a companhia um do outro.
Não porque você precisa de alguém para viver, mas simplesmente quer ter a
pessoa ao seu lado pelo prazer de tê-la presente para te ouvir e dividir os
momentos.

Será que algum dia encontrarei alguém com quem dividir uma tangerina em
nossa sacada enquanto olhamos a vida passar?

47
Borboletas pela vida
Nick Manfrei

Estava correndo no parque um dia desses quando uma borboleta pousou em


meu ombro.
Simplesmente parou de bater as asas, aninhou-se naquele cantinho e por lá ficou
enquanto eu caminhava entre os verdes a minha frente.

Eu corria e sorria e sentia a leve pressão de suas patinhas a cada passo que
dava.
Às vezes tentava olhar de canto de olho para roubar uma pequena visão
atravessada de sua beleza.
Quando terminei e comecei a fazer meu caminho de volta para casa, ela
simplesmente levantou voo e voltou de onde veio.
Eu apenas a olhava extasiada.
Encantada com sua simplicidade despreocupada.

Foi nesse dia que te conheci.


Você apareceu sorrindo, despretensioso,
Sem imaginar o que seria para mim, o que eu seria para você.
Sem prevermos as conversas silenciosas que teríamos,
Os longos abraços necessários.
Sem nem mesmo imaginar tudo que vivenciaríamos.
Juntos e separados.

Esse dia conheci uma borboleta, um novo sorriso.


Conheci o amor.
A efemeridade da vida me assusta nas suas inconstâncias encantadoras.

48
Talvez realmente não seja para ser
Nick Manfrei

Procuro em outras bocas o seu gosto.


Procuro em outros rostos as suas feições.
Me pergunto se algum dia sentirei algo parecido com outra alma que não seja a
sua.

Vejo nos caminhos que percorremos pequenos relapsos do que vivemos.


Procuro a cada canto alguma lembrança do que poderíamos ter sido.

Sentada aqui nesse café te escrevo mais uma carta.


Já perdi a conta de quantas palavras foram proferidas sem chegarem até você.
Sem você nem mesmo imaginar.

Por que seguimos ignorando e só esperando o tempo nos afastar?

Talvez não seja para ser.


Talvez você estivesse com receio de estragar algo que nem começou por medo
do que pudesse ter existido.
Talvez eu tenha me afastado por receios que foram construídos a muito tempo
antes de te conhecer.

Talvez realmente não seja para ser.

Nick Manfrei
Nick Manfrei (22), cineasta, cantora/compositora e
escritora é apaixonada pela poesia das sutilezas da vida. Gosta
de fazer caminhadas pelo seu bairro escutando suas músicas
favoritas, conhecer cafés novos sempre que possível e ficar
acordada até tarde da noite imaginando diferentes cenários em
sua cabeça (transformando-os em histórias).
Nasceu em São Paulo (SP), onde vive atualmente com o
pai, o irmão e duas cachorrinhas, mas cresceu em Joinville
(SC), onde tem um lugar reservado em seu coração.
Perfil do instagram: @nickmanfrei

49
Encerrando ciclos
Edione B. Valente

Nessa vida,
nem sempre vamos caminhar juntos,
e nesse finito tempo,
nem sempre vamos ter alguém ao nosso lado.
Precisamos entender que:
relacionamentos acabam,
ciclos se rompem
e amizades se desfazem.
E que tudo bem,
tudo bem...
A questão está em aceitar,
e sair sem magoas,
não deferindo rancor ou ingratidão.
Normalizem encerrar os ciclos,
mas, quebrar sem se quebrar.

Edione B. Valente
Edione B. Valente, natural de Monte Alegre do Piauí
- PI, acadêmico de Gestão Ambiental no Instituto Federal
do Piauí - Campus Corrente, Fotógrafo Profissional e
apaixonado pela natureza.

50
Inverno
Glenda Fabíola

Uma gota da chuva


Tão direta
Sem curva
Seu rumo era a rua

Em seu tempo
Uma sensação de pouso
Na pele desnuda
Do tocar profundo

O inverno chegando
O sol se indo
E o sapo cantando

O guarda-chuva aberto
Um teto descoberto
Um dia de chuva.

51
Parada
Glenda Fabíola

Eu me imagino como solidão:


Vazio distinto,
Vaso destoado da decoração
Sumiço dos raios solares
Frescura do vento gélido, e penetrante.
A mão fraca e enrugada
Pendendo no ar
Eco solto entre o entulho da civilização .
Macabra faixa de pedestre, sobre a espera de um sinal.
Marca desconhecida de uma roupa
Oferta liquidável
Olhar perscruto de alheios, na busca de imperfeitos.
Perdido e tão alheio
Esperando...
Procrastinando na calçada
Na parada do ônibus, Ausência...
Sorte ou efeito?
O próximo à subir,
Sou eu, passageiro.

52
Ausência
Glenda Fabíola

Um dia como os outros


Percebi que uma pequena flor amarela no chão
Em seu desabrochar dava as caras comigo
Pobrezinha
Não esperava a minha tristeza
Nem minha falta de vida aparente.

Se ela pudesse encolher- se o teria feito,


Mas como algo além de si
Está sorriu para o dia
E eu em minha agonia mirava a esquina
A idade que tinha,
Nem 18 nem trinta
Meio termo que deixa saudades
Daqui uns dias seria o dia
Quem foi que criou o passar do tempo?
Nem Barbie eu queria
Já pensou, em ter uma epifania?

A flor fugaz em minha mente


Derretesse em minha mão
Pobrezinha
Arranquei-a da terra
Em minha escrivaninha ela valia mais
Talvez um dia ou dois
Quem dentro de mim estava com simpatia?
Fazia tempo que em dias como aquele eu não me perdia
Era meio que comer de barriga cheia

53
Não havia sentido sobre o que fazia.

Pronto!
A flor se ia,
Murcha, vazia.

Glenda Fabíola
Glenda Fabíola Trindade de Oliveira, Idade:22 anos;
Cidade: Nascida em Castanhal Pará/ Brasil.
Instagram: gwentrindade_12

54
POEMAS

55
Etimologia

Letícia Félix Fraga

Passei a vida toda sem saber que o pão francês não havia sido inventado na
França
que o que chamamos de sangue de barata não é realmente sangue
que aquela mesinha de plástico que vem na caixa de pizza serve para não
deixar a tampa de papelão grudar no queijo
que a ordem dos nomes dos times no placar do jogo na televisão indica os
lados dos gols
que coitado vem de coito e por que? Essa não me fez sentido até agora.

Penso em todas as palavras que parecem ter vindo de outras


mas no fundo são só senso comum de uma língua já cansada
como abajur ter cúpula e nao aba
será que cúpula vem de copular?
Como caneta vir de cano, mas e a tinta?
Talvez fermata venha de firmar e não de enfermo
mas parece que quando adoecemos, o tempo para.
Do que vem tempo, afinal?

Terá sido o tempo o pai dos temporais onde chovem as lágrimas


furiosas de um deus que nao existe?
Mas não era pro tempo curar?
Será que chorar cura?
O choro,
ele é outra raiz.

Passei a vida toda sem saber que onde cai um figo, nasce outro
que a dama da noite é um cipó e que ela chama dama da noite porque ela
morre de manhã
eu e muitas outras mulheres das quais o sonífero acabou

56
Passei a vida toda sem saber que um sonho
multidimensional com uma década de aventura
só dura três minutos

Passei a vida toda sem notar que tem uma estrela dentro da maçã
a estrela de Eva que não brilha no céu, que foi condenada,
quem não tem estátua e para a qual não fazemos uma reverência
ao entrar
e sair da igreja.

Essa é uma coisa que eu sei o motivo, aliás


Só não entendo por que.

Mitologia
Letícia Félix Fraga

As curtas noites se delongam mais que as longas meu


desgosto pelo verão que se
delonga-

Bebo vinho sem cálice, o pé de romã


morreu e Perséfone parece
ter tirado férias até para brigar pela maçã dourada.
E nos deixou aqui em curtos dias longos que passam mas não
acabam.

Estive relendo os fragmentos de Safo; tentei


fazer de um violão desafinado a lira, a corda
ré arrebentou -- não há
segundas chances com o tempo que me transformou nessa criatura
arisca,
aversa ao amor.

57
Poemas não são mais para serem cantados
por rouxinóis em prenúncio a estações;
faz tempo que não vejo um.

Os pássaros hoje tiram férias.

Há roseiras de espinhos e botões secos aos quais foi


negada a tentativa de tentar, o incenso artificial o conceito
divagante o som veraneio
irritante.

O ambrósia e o néctar dos deuses -- já que estou misturando


mitologias, meu Adão morreu antes de mim; tentei procurar outra versão, um
bêbado desanimado qualquer como eu, mas o cupido está de férias.
Não fui Lilith, não fui Eva, Maria sangra ainda?

Nem se eu dourar a maçã por conta própria, a deusa do amor me abençoa.

As curtas noites se delongam, e nesse meio


tempo já deve ter passado umas três
horas e mais uma taça de vinho. Estive pensando
se o vinho dos gregos era melhor ou pior que o vinho barato que eu comprei
por pura boemia e sem degustação; se
os cálices eram como a única taça que me resta,
cristal, sim, mas não ressoa. Talvez tenha
sido propaganda enganosa. Todas as minhas taças cometem
suicídio. Meu Hades levou os cacos para o inferno que nem Dante
se atreveu a cruzar.

Ainda é cedo na madrugada; a estrela-guia já se perdeu, mas o amanhecer


não vai
demorar tanto: posso sempre contar com Vênus. Só que já ruçam, cansadas,
as flores do campo, sem poesia a música que eu canto.

58
Hoje os poetas tiram férias.

O poema que já foi tantos


é a reinterpretação da dedução em tradução do que o mito
antes da ideia do mito foi um dia.

Hoje até os deuses estão de férias.

Substantivos coletivos
Letícia Félix Fraga

há um delírio de poemas sendo escritos neste momento


uma iconoteca de ideias descartadas
para um arquipélago de versos ainda não escritos
por uma miríade de poetas com uma farândola de inspiração
e em cada inspiração, uma saudade de palavras intraduzíveis

contos reunidos são florilégios


um contista assistindo a um momento, uma tapeçaria

um grupo de pássaros é uma antologia


um grupo de faisões, uma ironia
gatos espalhados pela casa são uma teoria
a mobília, só um conjunto de lembranças

a relva ultrapassando as flores é uma elite


árvores reunidas são um cancioneiro
à perspectiva de luas crescentes: um conciliábulo

as orquídeas, um elenco

59
as rosas, um romanceiro
as margaridas, uma tipografia
as nenúfares, uma impressão

e a partir daí, tudo se confunde:


existe um orquidário de palavras
em um margaridal de olhares
que vai compor um roseiral de beijos

mas nada disso me diz respeito agora


tudo que é coletivo precisa de mais de um
e no momento sou só eu sendo engolida
por uma girândola de crepúsculos, esperando
amanhecer uma renascença que não seja de erros.

Letícia Félix Fraga

Letícia Félix Fraga é professora mineira e poeta bilíngue.


Escreve em inglês sobre o pseudônimo de Adora Williams. Foi
publicada em 32 jornais e revistas internacionais no ano de 2022
e decidiu em 2023 se dedicar à escrita na sua língua mãe, o
português. Cofundadora da recém-lançada revista literária “A
Linha do Trópico”.

60
Pássaro urbano
Paulo Brás
Vai, pássaro urbano
Viver na enorme sociedade
Pousar nos fios elétricos
Transitar pela cidade
Não mais viaja no verão
Prefere o frio da tempestade
Adaptou-se à rotina
Abriu mão da liberdade
Seu ninho, os prédios de apartamentos
O cimento, o dinheiro, a comodidade
Quanto mais vale na mão
Por um instante:
Saber que a vida é efêmera
Ou um produto insignificante?

Trabalha duro, pássaro urbano


Limitando seu voo
Com o passar dos anos
A buzina, as sirenes, os tiros
Pelo céu de pedra
Interrompe teu canto
E quando chega o verão
Não quer mais viajar
Impõe-se ao abstrato castigo
Das horas
E obedece à disciplina do seu lugar.

Mas, pássaro urbano


Não sabe o que é de verdade
Um membro importante do seu bando
Ou é apenas mais um na engrenagem.

61
Ofício
Paulo Brás
Sou só mais um poeta
Entre muitos, entre tortos
Entre loucos, entre ingênuos

Românticos, niilistas
Boêmios,
Os mortos, os vivos
Os conhecidos e injustiçados
Escrevo por algum motivo
Não para ter significado

Faço aquilo que me apraz


Mesmo quando nada me seduz

Sou mais um
Sou divino
Sou profano
Admirado ou crucificado
Eu sei da minha sina
Pois não é simples alguém dizer
Que é poeta
Como quem se orgulha
Ao dizer que estuda
Medicina.

Paulo Brás
Paulo Brás nasceu em 2000, é cantor-compositor, poeta e ator de
Itaitinga (CE). Começou sua vida artística em 2014, na música e no
teatro. Publicou seu primeiro livro Filhos da Vida e Outros Poemas
em 2021, e seu primeiro EP Autorretrato de Um Quadro Em Branco
em 2022.

62
Aconchego de Vó
Cassiano Figueiredo Pereira

Me aninha em seu colo


E cuida dos meus pensamentos.
Enxuga as minhas lágrimas,
Me proteja em seus braços enrugados e resistentes.
A Senhora quem me acalma
E cuida das minhas feridas.
Da lama fui feito,
Para ela retornarei
Assim me torno seu filho eterno
Em seus braços
Como um aconchego de Vó.
A Senhora é o início e o fim,
O início da minha felicidade e o fim da minha tristeza.

Cassiano Figueiredo Pereira

Cassiano Figueiredo Pereira tem 22 anos e é natural de


São Gonçalo (RJ). Formado em Letras Português-Inglês pelo
Instituto Superior Anísio Teixeira (ISAT) e professor. Além
disso, administra a página de poemas
“@mythoughts_pensamentos” e está no processo de
organização de seu primeiro livro. Possui cinco poemas
publicados na revista Ruído Manifesto.

63
Autodidata
Lucas Lourenço

Queria pegar algumas estrelas


Para usar como colar
Alguém sabe se as estrelas possuem dono?
Então posso pegar. Por que não?
Afinal ninguém exibe estrelas por aí
Queria mesmo uma estrela cadente
Para quando estiver triste fazer um pedido
Quando tudo estiver ruim, fazer um pedido
Poderia até organizar esse mundo bandido
Ia pedir poderes mágicos
Voar por todo o espaço
Desvendar todo esse universo
Ser um astronauta autodidata.

Sem chão
Lucas Lourenço

É depois de muita coisa


Verdades entaladas na garganta
Ouvido cansado de ouvir
Coração batendo por bater
Até que termina
A verdade é essa
A queda foi suave
Foi como folha na primavera
Depois de um turbulento vendaval
Se desprende do galho
Em queda livre suave

64
Cheio de pensamentos contrários
É longo o caminho
Mas o resultado é certo
No chão caiu
E ficou sem chão.

Lucas Lourenço
Lucas Lourenço Barbosa Gonçalves mora em Cezarina- (GO).
Graduado em Licenciatura Plena em Física pela Escola de
Formação de Professores e Humanidades da Pontifícia
Universidade Católica de Goiás. Quando não está mergulhado na
física e na matemática, desenha e escreve alguns poemas. Decidiu
retirar os poemas do baú e agora começou a publicar. Acredita que
a leitura é a porta para outros universos. É editor chefe da Revista
Artes do Multiverso.

65
Felicidade
Ilmar Ribeiro da Silva

Fe-li-ci-da-de...Sim!!!
É acordar todos os dias na nossa confortável caminha.
Deliciar-se no aconchegante chuveirinho.
Tomar o nosso delicioso cafezinho, com os quitutes matinais.
Fazer nossas orações de agradecimento a DEUS pelo dia que inicia.
Olhar para o lindo e infindável céu azulado, escutando a sinfonia dos pássaros
E assistindo, do vidro da varanda, a alegria dos cães passeando com seus
donos.
Saber que temos uma família que amamos muito e nos ama também
E amadas amigas que estão sempre nos telefonando ou enviando belas
mensagens pelo celular
Quisera que todas as pessoas fossem felizes...
São momentos, todos nós passamos por desafios.
Que saibamos viver o dia de hoje plenamente e aproveitar as oportunidades que
Deus nos dá.

Ilmar Ribeiro da Silva


Ilmar Ribeiro da Silva é carioca, professora
aposentada do antigo ensino primário. Lecionou na Escola
Municipal Irineu Marinho, onde colaborou, por décadas,
para a alfabetização de centenas de crianças.
https://www.instagram.com/ilmarzinha/

66
Amor gélido
Lincoln Silva

Andava eu, andava você, nós dois andávamos


Pelos campos tortuosos de invernos.
Sinto frio por todo o corpo
Exceto no coração
Porque sua cabeça está em meu peito.
Seus olhares me aquecem, me enrubescem
Não paro de gravar nossos momentos mentalmente
Pois eu não posso esquecer.

Os dias vieram e se foram


Mas as neves não, as neves nunca.
Já não andamos mais, eu estou preso a uma cadeira
E você a tubos e remédios.

Olho pela janela e observo os campos gelados


Me sinto atraído até lá, pois ali era minha casa
Sou um filho do gelo e de tudo o que o compõem.
De todas as pessoas, você foi a única a penetrar
O frio do meu coração
Não achava que fosse possível
Mas creio que essas regras não se aplicam
A alguém tão incrível.

Fizemos uma promessa


De manter um ao outro aquecidos
Mas eu não cumpri a minha

E agora
Você será fria para sempre.

67
Me perdoe, por favor
Por não chorar
Mas não consigo, pois não tenho lágrimas, apenas frio.

Lincoln Silva
Nascido num bairro pobre do litoral de São Paulo,
Lincoln começou a escrever com 11 anos motivado por sua
professora de português e desde então não parou. Tendo
escrito inúmeros poemas e até um livro.
Insta: lincolnsilva545

68
Anatomia Botânica
Lavínia Vianini

Tree you are


Moss you are
You are violets with a wind above them.

Ezra Pound, A Girl

“Inosculation” vem do latim osculari


É o nome que se dá para quando os troncos
De duas árvores se enlaçam e crescem juntos
Emaranhados
Imagética tão ancestral quanto o entrelaçar
De pernas na cama.

O farfalhar das folhas secas remete ao movimento lento


Do percorrer de dedos nos cabelos de outrem
Far-fa-lhar também lembra o barulho das folhas ao vento.
Morar na cidade grande não me impede de escrever sobre pássaros
Embora não os veja com a frequência que gostaria
Posso pensar sobre eles, sonhar com eles

Ouví-los

Voltemos à premissa: osculari, que significa algo como


“Beijar de encontro a”
Como um acidente ou um esbarrar de braços na esquina
de uma rua movimentada.
A palavra me lembrou uma premissa
Sobre a qual me comprometi a escrever:
“A psicologia do beijo”

Existe qualquer tipo de mistério no desejo,

69
na troca de olhares em silêncio e no contemplar de um dia bonito.
A luz crepuscular diz tanto sem o uso do vocábulo
que preciso recorrer a fim de fazer do verbo, carne.

Este poema diz menos sobre árvores do que eu gostaria.

“Livro”
Lavínia Vianini

Unidade: uma capa, uma lombada, um título.


Objeto: peso, textura, cor, cheiro.
Lombada: espinha dorsal.
Página: gramatura, pólen, offset.
Escrita: limiar, pré história | história
Tipografia: a espécie da letra.
Máquina de escrever: portal, fresta.
Manuscrito: rascunho, rasura, fogo.
Texto: manifestação, apologia, registro.
Biblioteca: cemitério, histórias, esconderijo.
Fábulas: sono, prosopopeia, nostalgia.
Conto: cortes, condutor, espelho.
Poesia: antecessor.

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Sacramento
Lavínia Vianini

Na taxonomia do meu corpo


o seu ventre tenro
é magnólia
linguajar em seda, veleiro em movimento.

Nesse espaço/tempo/segredo nosso


encontro o seu olhar, minha nascente,
sem a teatralidade.
Meu poema rubro encarnado
submerge na doce lisura do caule.

Sacramento em paroxítona
o seu verbo nos meus mares
como hoje
sempre
a primeira vez.

Lavínia Vianini
Lavínia Vianini é poeta, tradutora e professora.
Bacharel em Letras - Português/Inglês pela UFRJ, já
teve poemas em língua inglesa publicados em algumas
revistas internacionais. Em 2022 fundou, em conjunto
com a também poeta Letícia Felix, a revista "Linha do
Trópico". Nas horas vagas escreve, assiste filmes e
experimenta com desenhos e bordados.

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Barco a Belém
Valério Maronni Salles

A vida esbarra em destinos improváveis


Uma testemunha no abanar das mãos
Macapaenses de almas louváveis
E um aventureiro feito de emoção

A intensa saudade do filho, filha e neto


Ao se deitar, o Pai Nosso e a Ave Maria
O aperto no peito num suspiro incerto
Lágrimas sobre fotos, a lembrança ardia

Família unida é presente caído dos céus


Mas a lonjura enlaça os elos de Miracy
Dona de simpatia e sorrisos com mel
Dobre o mapa e faça a distância aqui!

Anos vagam até o distante encontro


Um abraço separado por águas santas
Uma voz se solta com o sonho pronto
Chama por mãe... um coração encanta!

Pode ser coincidência essa audiência?


Uma obra universal com persistência...
Cronômetro preciso! Cheio de paciência
Une as auras contrariando a ciência

É indescritível a cena presenciada


Abala também as margens distanciadas
A futura lembrança já eternizada
No apreço e estimas recém-tatuadas

72
Valério Maronni Salles
@valeriomaronni é autor do livro “O Menino Contador”
(2022, produção independente) disponível na Amazon e
criador do blog “julianavrsempoluicao”. Ele é natural de
Muriaé-MG, tem 61 anos, é engenheiro e professor. Gosta de
literatura, ciclismo, ferromodelismo e antiguidades. Avô do
Mateus e vem aí o Alexandre.
Instagram: https://www.instagram.com/valeriomaronni

73
Baby blues - Para Ana Paula
Fábio Martins

Sim, eu ouço
a madrugada
baby,
eu te faço
uma serenata
o gato me acompanha
enquanto escorro
verbos para você
Baby, eu faço um blues
para nunca mais você
me esquecer
Linda, linda, linda
eu te faço um blues
na noite de BH
para meu coração te rasgar
e no solo da noite
e no sono da vida
e no raiar do sonho
eu me declaro a você
baby
Eu sei
que te amar
é renascer
é viver em alegria
é beber em eterna poesia.

74
A noite dos dinossauros
Fábio Martins

Dinossauros se encontram
na madrugada de BH
História para contar
Lembranças de mudanças
Tomaram porrada da vida
Caíram e se levantaram
São sobreviventes
de outras correntes
Sabem levar a vida
na noite interminável
A lua
é bela companhia
para noites de bebedeira
e rua fria
Dinossauros se encontram
para celebrar
em BH
Blues rola no ar
são anos de histórias a contar
e tantas outras ficarão para lembrar
O futuro a Deus pertence
diz o ditado popular
e pra pular os dias
dinossauros se encontram
na madrugada de BH.

75
Manifesto anti-heroico poético
Fábio Martins
Me embebedarei de vícios
neste final de ano
não serei tolo
De tolos já chegam
todos os críticos
sifilíticos
que beijam solícitos
as mãos dos que
exploram, manobram
usurpam
a vida
Me jogarei para ela
como quem se joga
do precipício
e olharei para o futuro
como quem enxerga
a salvação
Chega de toda a comiseração
quero a poesia
quero a revolução
quero a explosão
de vida
ao invés da mesmice
da cretinice
da face
desencontrada
e desacreditada
da humanidade.

76
Fábio Martins
Fábio Martins é poeta, contista e cronista, nasceu
em Santos – SP, mas reside há dez anos em BH – MG.
É professor de Língua Portuguesa do EFAF e EM.
Participou de diversas coletâneas poéticas e é autor de
livros de poemas sendo o mais recente Miscelânea,
lançado em 2022 pela Editora Libertinagem. Instagram:
@poetafabiomartins

77
(INSTINTO)
Daiana Soares de Oliveira
Me perco no cais das suas inconstâncias
Fragmentadas no soar de falsas esperanças
Sigo te observando no inseguro porto
E no vai e vem do mar
Percebo seu olhar distante
Escapando toda e qualquer expectativa
Cujo teu retorno desfeito
Como areia soprada no vento
Tece a seguinte afirmação:
Existem amores
Que permanecerão congelados no tempo
Que nem a força do vento.
Impulsiona o que a falta de pulso
Pulsa para prováveis retornos.

Daiana Soares de Oliveira


Nordestina, soteropolitana, baiana, nascida e criada no
bairro da Liberdade.
Escritora premiada do Selo Literário João Ubaldo
Ribeiro em 28 de julho de 2022,com a obra:
Fuxico,Resenha,Mexerico nas esquinas e buzus de
Salvador.Professora de Artes pela FAC Candeias, Bacharel
em Museologia pela UFBA, Arte Educadora e Mediadora de
Leitura. Participou de produções coletivas literárias nacionais
de contos, crônicas e poesias, pela editora Tenha Livros na
obra Antologia de Contos em três livros publicados. Escreveu
para o Ebook Crônicas da Fome, organizado pelo Coletivo
Subplano lançado pelo Instituto Fome Zero e o livro Antologia
1001 poetas, da editora Casa Brasileira de Livros. Segue
dedicada a escrita literária e aos desafios para quem está
começando a caminhar nesse universo.

78
A árvore e eu
Maria José Guimarães

A árvore mantém-se pacientemente


Sem nunca perguntar o que pode ser
Pois ela está certa bem claramente
De ser uma árvore para sempre vencer.

Sem nenhuma dúvida, sabe o seu valor


Tem suas raízes bem no fundo da terra
Oferece sombra quando está muito calor
No outono não esquece a linda que era.

Os rancos mantem-se orgulhosos e fortes


Saudando as nuvens que passam por ela
Toda a natureza ama esta árvore no Norte
Ela me ensinou uma lição, que a vida é bela.

Maria José Guimarães


Nasceu em Marco de Canaveses, Cidade atual
Póvoa de Varzim Portugal.

79
Pássaros ao céu
Janice Maria Walter

Acordo, abrindo olhos...


Ouço pássaro cantando,
Som lindamente claro.

Tão bom ouvir canto sereno...


Admirar aves dançando no ar.
Escutar essa melodia é raro!
Voam céu infinito sem rumo
Isso é privilégio, meu caro!

Janice Maria Walter


Nascida em 23 de abril de 2003, natural de
Capanema, Paraná, município no qual reside. Concluiu o
curso de Formação de Docentes. É agricultora, apaixonada
pelo que faz! Trabalha com atividades da avicultura e
leiteria, entretanto a poesia tem lugar reservado em sua
vida. Perfil do Instagram: @jaanice_w

80
Sonho breve
Cláudio Loes

O coração bate forte


Quando toco tuas mãos
Sinto o calor insano
Da nossa paixão
Na alvorada sonolenta
Nosso suco de laranja
Brinda mais um dia
De amor intenso
Como é bela a vida
Ao teu lado minha amada
No cheirinho de hortelã
Para embalar nosso sonho.

Cláudio Loes
Cláudio Loes , nasceu em Blumenau/SC, reside,
atualmente, em Francisco Beltrão/PR. É filósofo, engenheiro
elétrico, especialista em Educação Ambiental, escritor, poeta e
articulista. Desenvolveu e coordena o projeto Aqui Livros para
incentivar a leitura pela socialização e circulação dos livros. É
Associado do Centro de Letras do Paraná; é Associado
Correspondente da Academia Paranaense da Poesia; é Membro
do Centro de Letras de Francisco Beltrão. Publicações: Sete
Ventos, 2018; Sonho, 2018; Informações básicas para fazer
compostagem e participou em diversas coletâneas. Publica
semanalmente poema no Jornal Opinião; colunista na Via Poiesis,
Jornal Folha do Sudoeste; colunista na Revista Educação
Ambiental em Ação.
Site pessoal: http://www.claudioloes.religar.net

Instagram: https://www.instagram.com/loesclaudio/

Cláudio Loes
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Cláudio Loes , nasceu em Blumenau/SC, reside,
atualmente, em Francisco Beltrão/PR. É filósofo, engenheiro
elétrico, especialista em Educação Ambiental, escritor, poeta e
Ensaio sobre nós 2
Tim Soares
Todos os cães na rua sabem
Sabem que temos um pé na loucura
Sabem que temos sede de vida
Sede de farra
Sede de sexo
Eles sabem que constantemente mordemos
Mais do que podemos mastigar
Eles sabem que passamos do ponto
Que nos embriagamos
E que somos obscenos
Eles sabem e comentam, fofocam, cochicham
“Lá vão aqueles dois”
Euforicamente improváveis, desvairados
E com seus fantasmas de estimação.

Mini épico
Tim Soares
O que eu almejo da vida são as exclamações. Dessas grandes, escritas em
negrito e que antecedem um breve instante de silêncio.
Depois eu quero as interrogações. É desinteressante saber do todo e ainda
tenho tantos cenários para explorar e tantas almas para lamber. É tão excitante
não saber de nada as vezes
Também quero os instantes que cabem dentro das aspas, dos parênteses, dos
colchetes.
Quero as reticências que deixam no ar que o meu próximo capítulo poderá ser
um épico escrito por Homero. Com dragões, sereias mortais e naufrágio. Há
tantas apoteoses para me desmembrar das idades. Eu quero as catarses, gnosis
e a comunhão nonsense e inesperada.
E aí e somente aí, receber de braços abertos o meu ponto final.

82
Metáforas
Tim Soares
Tenho um tesão danado nas metáforas desaforadas
Dessas que leem Sêneca e Bretch
Metáforas promíscuas que cospem em deus
E proferem blasfêmias em latim
Eu gosto daquelas metáforas que me batem na cara
Daquelas metáforas que são a própria catarse
Daquelas que estão abertas p’ra todos, mas somente os raros podem entrar.

Tim Soares
Tim Soares é poeta, escritor, editor chefe do coletivo
Corvo Literário, revisor na editora Devaneios, criador de
desafios literários, autor do romance Os últimos dias de Rob
Sheppard e de sete livretos de poemas. Quando sobra
tempo, se dedica a música.

83
Irmão
Ester Pacheco Brandão

Irmão, olha esse quiproquó!


você não tem dó ?
Todo dia é essa bagunça.
Você não para nunca ?

Não sabe o limite do


cansaço ?
Nem que todo dia
trabalhamos duro, como aço?

Mas mesmo reclamando do


seu reinado,
tenha sempre certeza
de que é muito amado!

Ester Pacheco Brandão


Ester Pacheco Brandão, 10 anos, nascida em Rio
Claro - SP. Estuda no Objetivo e está na quinta série. Toca
teclado, piano e flauta, ama literatura. Sonha em viajar pelo
mundo.

84
Em ondas...
Hellen Bravo

Quando o coração aperta e a garganta dá um nó


É pros teus braços que me transporto

Em ondas tudo se vai


Em ondas tudo vem

Quando as lágrimas insistem em cair


Se misturam com tua imensidão e então parecem não existir

Em ondas tudo se vai


Em ondas tudo vem

Pra ti tudo posso falar


E tudo o que ouço é o vosso cantar

Canto que me encanta e me faz serenar

Em ondas tudo se vai


Em ondas tudo vem

Estou sentada na areia


Com os pés ao vosso alcance
Não há nada em que não creia
Não há mal que me balance

O sal cura as feridas


A água banha a alma
E como sempre...

Em ondas tudo se vai


Em ondas tudo vem

85
A ti, ouvinte de tantos momentos
Não peço nada, pois já me dá tudo que preciso
Só não me tire da proteção de teu manto
Siga emanando-me seus encantos
Me permita continuar ouvindo teu canto

E eu sei que
Em ondas tudo se vai
E em ondas tudo vem.

Hellen Bravo
Nascida em Presidente Prudente, em 03 de outubro de
1985, Hellen Bravo é atriz desde 2002, formada nos palcos e
com carreira solidificada na capital São Paulo, onde realizou
trabalhos em diferentes setores da área artística. Como
grande apreciadora das artes, está sempre se aventurando
em novos campos e agora se dedica a mergulhar totalmente
na escrita.

86
Percurso interior
Cleusa Piovesan

Sou como o Rio Iguaçu


Corro da nascente para o interior
Perco-me nas margens de mim mesma
Às vezes calma... outras, agitada
As tempestades por que passei me modificaram
Invadiram meus barrancos
Trouxeram entulhos dos quais tive de me livrar
Mas não perdi minha beleza natural
Que me faz saber que sigo meu curso
Apesar de saber que navegantes incautos
Por vezes seguirão comigo
Estarei à mercê de ações de outrem
Haverá dias em que em meu leito
Nenhum travesseiro de plumas
Me livrará das correntes contrárias
Das armadilhas de um canal ou poço
E nas profundezas de mim adentrarei
Para desaguar em outros rios
Nos quais afogarei as tristezas
Pronta a seguir outros cursos
No remanso de águas límpidas
Ou nas corredeiras de águas traiçoeiras
Na infinita certeza de que jamais
Saberei quem realmente sou.

87
Ode à poesia
Cleusa Piovesan

De poesia minha taça transborda


Derrama-se em prosa e versos
Desvenda tantos universos
Desvia-me de andar à borda
De sistemas controversos
Desmistifico os avessos
Diga-me quem não concorda
Desenraizo rimas do caos social
Desprezo os preconceitos
Defendo meus e seus direitos
Digito palavras fora do normal
Dedo em riste para os preceitos
Determinados por sujeitos
De má conduta ou sem moral
Dados sempre a contravenções
Dândis ou vates tresloucados
Denunciam conflitos ocultados
De uma História cheia de borrões
Dádiva é sermos poetas não bitolados
Dentre tantos escribas alienados
Damos voz à luta, alertando multidões
Desprezo os que se abstêm
De camuflar grito retumbante
Deste país chamado de "gigante"
Dorme, mas não desabriga ninguém
Desvelemos a massa ignorante
Dando-lhe "pão e livro", o bastante
Deveras, para ser tratada sem desdém.

88
Páginas esquecidas - Cleusa Piovesan

Soturna é saudade
Regada à solidão...
Choro, ninguém vê.
No silêncio da fria madrugada,
Dói-me saber que não voltarás;
Somos história que ninguém lê,
Perdida nas páginas dessa vida
Procurando um rumo, sem quê.

Noites de sertão - Cleusa Piovesan

Arejar da mente...
Noites de seresta
Alumia no sertão.
Ao redor da fogueira... causos;
A viola chora dolente, consola;
Logo vem o contador espertão
Animar a festa... repouso diário.
A cantoria apaga triste solidão!

Magia crepuscular - Cleusa Piovesan

Solidão em paz,
Pores do sol...
Magia de graça!
Encantos do final do dia,
Princípio do fim das luzes,
O mistério a noite abraça.
Indício de fantasias no ar,
Eu, a contemplar na praça.

89
Cleusa Piovesan
Cleusa Piovesan nasceu em São João/PR m
12/05/1967. Mestra em Letras, poetisa e escritora de
vários gêneros literários, pesquisadora das relações de
gênero, feminismo e patriarcado. Pulicou 12 livros de
autoria própria, organizadora de dois livros com alunos, e
participação em 54 coletâneas, desde 2015. Instaram:
cleusa.piovesan

90
Engano, medo e mentira
Luan Machado

O engano causa medo.


A gente falha consigo mesmo
ao tentar confiar em alguém
e acaba sofrendo danos irreversíveis.
Impedidos de ser livres
para amar novamente
pois as mentiras não permitem
somente nos prendem.
Muitas vezes não temos culpa
mas sempre acabamos feridos.
Alma nenhuma merece sofrer
com as escolhas de outra…

Amor
Luan Machado

Não se pode existir sem razão


logo fiz do amor
a minha razão de viver.
Amo sem medo
pois vim da dor
e me moldei no amor.
Se por acaso
eu morrer porque apostei no amor
saiba que foi uma morte digna.

91
Planeta flor
Luan Machado

Em nosso planeta
nos despimos de regras.
Nos apegamos
nos entregamos
e aproveitamos o enquanto.
Muito ao contrário
daquele maldito lugar chamado terra
onde humanos se prendem
mentem e se perdem na apatia...
No nosso planeta
o tempo passa devagar.
Ele admira o nosso amor
porque quer aprender a amar.

Luan Machado
Luan Machado de Oliveira Bento, nasceu no dia 7
de agosto de 2003, natural de Fortaleza – CE . Ex-atleta
amador e atualmente poeta.

92
Vida que brilha
Lara Machado

A vida segue.
Pode ir para frente.
Pode voltar.
Nem tudo depende da gente.
Somos humanos.
Acertamos.
Erramos.
Conseguimos.
Fracassamos.
Persistirmos?
Depende ....
Se valer o tempo.
Eu só sei que a vida brilha.
Brilho de sol.
Brilho de raio.
E ela continua?
Se o próximo segundo chegar ...

Eu
Lara Machado

Ele é tão lindo.


Gato brilhante.
Paixão determinante.
Será que me ama?
O que veria em mim?
Eu?
Será que existo?

93
Eu só penso nele.
E eu em mim nem acho.
Já que virei ele ...
Se ele se amar ...
Certamente me amará....
Se ele se odiar?
Coração quebrado.
Perspectivas apagadas.
Talvez eu volte a ser eu.
Não totalmente.
Sempre terá toques dele.
Não reclamo.
Tudo nele é ótimo!
Será que estou cega de amor?
Certamente não.
Ele é perfeito.

Seremos nada
Lara Machado

Eu quero seu amor perfeito.


Nada é perfeito!
Seremos nada.
Ninguém é perfeito.
Jogaremos fora todo algo.
Lógica ilógica?
Existe amor lógico?
Lógico que amo.

Lara Machado
Lara Machado é uma jovem escritora. Estuda Letras na
UNILAB. É colunista no site Entre Poetas e Poesias. Pretende
continuar espalhando suas letras para quem quiser ler.

94
Versos possíveis
Wallace Silveira Azambuja

Lapida, enfim, qualquer protuberância,


Excesso (o descartável parte, apaga),
Mantendo o necessário apenas para
O foco transmitir, com relevância.

Retoca, ainda assim, mais uma trama,


A tempo de salvar do que for chaga
A peça prestes a ver publicada
— Remediar depois… o ego dana.

Desfruta o que supor realizado,


De modo a parecer ou achar válido
A pronta exibição — e compartilha…

Seguro de não precisar depois,


Ao ler uma vez mais a forma escrita,
Pensar no que foi dito, o que não foi…

Musa impassível
Wallace Silveira Azambuja

Discreta, envolta em charme, sutilezas;


Beleza refinada, inconcebível
Tornaste a mais banal das aparências,
Mistura de recato e sensualismo.

Afeita aos elogios de tal maneira


Que pouco ou nada dizem, repetidos…
Ressaltam, momentaneamente, apenas

95
O estilo manifesto e já sabido;

A forma singular, imorredoura,


Comportamento frio, que não destoa,
À semelhança altiva de uma estátua:

O porte modelar, alvo, imponente;


Ao enaltecimento indiferente,
Sempre exibindo a dura e mesma calma…

Soneto aos olhos XIX


Wallace Silveira Azambuja
Ditoso quadro, privilegiado…
Servir, te refletir, ser testemunho
De como te preparas… sobretudo
Olhar teu rosto — limpo ou maquiado.

Diariamente, vendo quase tudo,


A intimidade própria, no seu quarto,
Sem nem fazer esforço, ali parado
Mirar teu corpo, em vestes ou desnudo…

Contigo, a sós, compartilhando o foco,


O gesto facial em cada foto,
Poder reproduzir o alegre cenho;

Notar quão bem te envolve o tom vermelho…


Ou quando te aproximas com teus olhos…
Enorme a sorte desse teu espelho.

96
Wallace Silveira Azambuja
Wallace Silveira Azambuja tem 27 anos, mora na
cidade de Porto Alegre (RS) e faz faculdade de Letras. Gosta
muito de ler e escrever, e a prática da leitura o levou a
escrever poemas. Possui apreço especial por escrever
sonetos, a maioria dos quais postados no Instagram pessoal.

97
Melancolia
Luiz Felipe de Lima

Sonhos de uma eterna criança


Que não voltam nem saem mais,
Um amor de tempos florais
Desabrocha uma velha esperança.

Num quarto antigo e fechado


Um papel mui amassado morre
Com frases da paixão que escorre
Sobre um triste amor do passado.

Vem a entediante lembrança


Do que não deu certo e voou
Dos sentimentos não recebidos.

Do amor que apenas um doou,


Dos papos que foram respondidos,
E a triste realidade que um superou.

Soneto do ser amado


Luiz Felipe de Lima

Do perfume das rosas, comigo


Sinto no Olimpo dos cuidados
Do zelo prazeroso imediato
Do amor entre íntimo e amigo.

O ato de doar tem o seu destino


Debaixo dos lençóis e na rua

98
Quem contigo não falava, vira sua.
Admirador secreto vira predestino.

Ser acariciado, minha alma suscita


Sente a vontade de beijos carnais
De longe, a distância não aguenta.

Quem sabe, de paixão um pouco mais


A atividade amorosa sustenta,
O que o sofrer não se conquista.

ABC do Pará
Luiz Felipe de Lima

Acerolas bem gostosas,


Beijú bem alvo da goma saborosa,
Círio de Belém e Conceição de Santarém
Dindin de cupuaçú com castanha,
Égua meu irmão, tu é besta é?
Farinha com açaí na tigela,
Garapa de buriti e cajá,
Histórias do caboclo velho sobre o Curupira,
Ingá maduro nas margens do rio azul,
Jana Figarella e seu canto nas praias bonitas,
Kiwi na salada de fruta paraense
Leituras de poemas sobre o carimbó do Çairé,
Mandioca no lavador se pelando,
Navio estrangeiro no encontro das águas,
Onça miando na mata sombria,
Pato no tucupi amarelo,
Queijo branco na ilha do Marajó,

99
Rio de bauxita em Trombetas
Sapoti e seringa saborosos em Alter do Chão,
Taperebá e tapioca, aí que delícia!
Urucum bem vermelho para tingir o corpo
Ver-o-peso com seus banhos de cheiro,
Whisky de graviola e limão
Xícara quentinha de café com pupunha
Yara, sua lenda e seu canto no Amazonas de reencontro,
Zarabatana munduruku que assopra bem longe.

Luiz Felipe de Lima


Luiz Felipe de Lima, mais conhecido como Luiz
Felipe Amil é um poeta e escritor natural de Santarém no
Pará, com 18 anos de idade Luiz Felipe começou a
escrever poemas desde os onze anos de idade. Com o
ensino médio concluído Luiz Felipe sonha em ingressar na
área das LETRAS, algo que sempre foi da sua vontade
para complementar sua carreira poética.

100
Vaga-lumes
Cláudia Gomes

Vi-me arremessada
Ainda criança
A um lajedo cheio de sonhos e de alegrias
Dançando com os vaga-lumes
Adentrava-me nas noites quentes
Ao som do vento nas raras folhagens.
A poesia do Sertão
É memória
Histórias e estórias
em tempos de outrora
onde a glória da inocência
vivia em plena comunhão.
E nesse tempo tão efêmero
Na vida de todo vivente
Fui feliz como o rugido de um leão.
E veio o sonho: e a infância se fez presente.
E veio o acordar: a luta diária a me guiar.
Sendo ainda tão inocente
Espero à noite
Os vaga-lumes alcançar!

101
Teus lábios
Cláudia Gomes

Teu sorriso é faísca de fogo


Queima o meu corpo
Fazendo-me transpirar.
Teu sorriso farfalha em minha alma
O doce sabor do amar!
E quando não vejo teus lábios
Sinto o gosto do amargo
De quem vive no mundo a vagar.
Estar com você me faz bem
E enquanto esse momento não vem
Fico em teus lábios a admirar!

Baianinha
Cláudia Gomes

Lá nas bandas da Bahia


Uma pobre menininha
Veio ao mundo caminhar.
És filha do Sol, oxente,
Vive como muita gente
Que brilha sem a luz do luar.
Bebeu da água de pote
Água doce da cacimba
Que a chuva leve e fina
Brotou e fez o gado pastar.
Pisou em chão escaldante
Sem medo dos pés a queimar.
Pobre menina da Bahia

102
Tinha sonhos a sonhar
Queria ser professora
Sem mesmo saber soletrar.
Destemida e corajosa
Foi lá a menina orgulhosa
Buscar o astuto aprender.
E foi nas salas de aula
Que aquela baiana arretada
Mostrou ao mundo
A alegria de vencer!

Cláudia Gomes
Natural de Salvador, BA, radicada em Feira de
Santana. Doutora em Educação. Mestra em Letras. É
professora, poeta e escritora. Publicou Catadora de Versos,
Condado Poético, A Mulher e a Rosa e outros poemas de
amor, Malu: a bailarina das águas, Emilinho: o pequeno
sonhador, Mulheres empoderadas também choram, A
menina do vestido amarelo, Leve Bagagem, Pespontos em
prosa e verso, Poeminhas na palma da mão, As tranças de
Bebel, Enleituramento do texto afro-brasileiro etc. Colunista
do Jornal Maria Quitéria.

103
Dependência emocional
Kailaynne Santtos

Ele tem sido,


o meu sol,
me iluminando,
me aquecendo.
Mas quando ele
se ausenta,
não existe céu azul,
somente um dia,
frio e cinzento.
Talvez não seja,
tão legal assim,
ter um sol, só para mim.

Um dia
Kailaynne Santtos

Talvez demore
um tempo,
mas um dia,
o meu coração
vai entender, o que você nos causou.

E quando esse dia chegar,


As romantizações,
as compreensões,
as chances desperdiçadas,
nos odiaram.

104
Kailaynne Santtos
Kailaynne L. Souza dos Santtos - santa Rosa de viterbo
(Sp). Estudande do curso superior da modalidade letras e
licenciatura, sempre amou português e se sente lisonjeada que
poderá trabalhar com isso como professora.
Desde os quatorze anos tem o hábito da leitura em sua
vida que foi o principal responsável por ter desenvolvido sua
habilidade em escrever.
Hoje publica seus poemas em sua página do instagram
(@cafeepoesi4), mas o seu maior sonho é publicar o seu livro
de romance.

105
(C)ALMA
Gabriel Alves de Souza

Sei que você não me entende


E também não posso te cobrar
O amor entrega pureza e coragem
Fraqueza insana em te amar.

Arriscamos no desejo profano


Queimamos na loucura e fantasia
Baco Exu do Blues era oração na cama
Ousadia entre gozos, nossos peitos ardiam
Uma conexão, outrora, sagrada.

Eu romantizava planos e sonhos


E você era misteriosa, livre, fria ...
Segurei-te entre lamúrias,
Enquanto nossa paixão ia, ia, ia...

Tentamos reencaixar as peças,


Mas o dialogo se calou, sangrou
Nossa energia frenética, intensa
Parece que se acabou
Espero te reencontrar nessa breve vida
Com o coração leve e maduro
Quem sabe o universo ou destino
Reacenda nosso complexo amor puro.

(C)ALMA, vai ficar tudo bem, meu amor...

106
Gabriel Alves de Souza
Gabriel Alves de Souza, 22 anos, natural de Corrente/Piauí.
Poeta, cronista, cordelista, escritor, fotógrafo, acadêmico de
Pedagogia e coautor na coluna Memórias Narradas com Laís
Fernandes e Kelvys Louzeiro. O jovem também é Embaixador
pelo movimento internacional Juventude Lixo Zero Brasil, além
de militante estudantil pelo Movimento Correnteza e Rebele-
se. Gabriel é ciclista amador, ama viajar, acampar na
natureza, assistir series e ouvir diferentes estilos musicais. Ele
já foi publicado em diversas revistas, jornais, sites, coletâneas
e antologias pelo Brasil. Idealizador da Biblioteca Comunitária
Alegria no Saber e co-criador técnico do curso Escrita Nota Mil
– Premium.
Instagram: @vixi.gabriels

107
Na sombra dela
Narjarah Paz

Eu não sou apenas uma sombra, Eu sou alguém.


Não sou invisível, eu tenho sombra.
A sombra da minha cadeira não me remete a dor.
A sombra da minha cadeira me acompanha onde vou.
A minha sombra é feita de EU e ELA. Onde estou ela está.
Ela é minha parte e eu parte dela. Ao ver a sombra dela, não vejo rodas.
Mas sim minhas pernas.

Águas
Narjarah Paz

A superfície das minhas águas se mostra tranquilas, serenas e claras.


Assim te convences que podes tua sede e calor matar.
Mas a verdade é que minhas águas são profundas.
E nelas um turbilhão de correntezas é o que te espera ao mergulhar.

Narjarah Paz
Narjarah Paz, mas sou conhecida como Nanah Paz.
Tenho 43 anos, sou mulher com deficiência e sou militante
nas causas da pessoa com deficiência e na da proteção aos
animais. Moro em São Luís - Maranhão.
Escrever para mim é algo que me liberta e por muito
tempo deixei engavetado o sonho de ser escritora. Agora
começo a escrever uma nova página, perdendo a timidez em
partilhar minhas palavras em versos que tanto me libertam.
Espero que possam libertar de alguma forma todes que os
ler.

108
[Penumbra] Lumaréu
Henrique de Souza

Da escuridão em que me obtive, estive a ser,


Aquele que nem mesmo cometia um crime,
Até mesmo fosse ao ser mais horrendo,
Venho de onde nem os olhos conseguem ver.

Sinto que o que corações apaixonados sentem,


Sei do segredo do universo, dentro do céu,
No teu céu da tua boca foi ao qual encontrei a luz,
Na calmaria do lumarél, fui arrancado de mim.

Não pude me opor, tive que me por,


Me ter a ser, a ser e a ter, será e fui,
Fui mas voltarei, voltei, ser de luz,
Ser de lua, bando de dentes, me opus.

De teus toques e torques deturpados,


Dos teus braçoes envoltos, olhos escarlartes,
Do meu jeito introspectivo, do teu jeito distante,
Das luas que roubamos, seres que fomos.

Da penumbra ao lumaréu,
Assim como da melancolia a felicidade,
Não pude me opor a tentar novamente,
Não pude me por a correr de ti, eis me aqui.

Guardo em bolsos do tempo armadilhas,


Coisas que você quis por a mesa,
E verdades que eu pus à prova,
Mesmo assim, nada poderia ser feito.

109
[Ruína] Temporal atemporal
Henrique de Souza

(Poema exclusivo do livro


“Maldito homem de guerra”, o
qual será lançado em breve
pelo autor.)

Você pareceu tão distante de mim,


Mas pareceu que o teu eu aqui estava,
Você não entende o peso que tem em mim,
Mas parece entender que preciso de ti por mim.

Você foi mas escolheu voltar,


Se assemelhou a um quadro rispido e antigo,
E hoje jé é a mais bela arte dentre todas,
Você foi a minha melhor escolha.

Uma chance a mais é do que precisamos,


O suprassumo do mais importante, nós dois,
Aconselharam a mim por lutar por amor,
E por amor aqui estou, gritando aos teus céus.

O brado contido no travesseiro não é o mínimo,


O mal contido no coração não é nada além do básico,
Mas dessa vez, apesar do medo e dos pesares
Nao meça erros, não meça ventos, grite ao amor.

Brande ao peito envolvente,


Ás as labaredas escaldantes,
Grite contra tudo que te prende,
Se liberte de tudo que te corrói.

Siga essa onda,

110
Pegue carona,
Me acompanhe,
Me ame, nos ame, nos seja.

O homem de guerra voltou para casa,


E trouxe consigo a felicidade,
Das felicitações nada o abala,
Das trincheiras nada o lhe dá medo.

Pois teu riso leve que ilumina o coração,


Do teu modo sem surpresas,
Do teu sangue correndo nas veias,
Dos teus olhos que falam.

Teu coração hoje se preenche,


Hoje a infelicidade deu adeus ao deus,
Dual em mim, dentro de um só coração,
Não querendo ser um só em milhares.

Siga essa onda,


Pegue carona,
Me acompanhe,
Me ame, nos ame, nos seja.

O homem de guerra agora descansa,


Lembra que é o que achou ser,
O homem de guerra é preenchido,
Ele tambem ama, e ama ser.

111
Henrique de Souza
Henrique de Souza, 21 anos, formando de
Engenharia Ambiental, nascido em Manaus (AM) e
residente em Capanema (PA), escritor, músico e
designer gráfico desde os 14 anos, com habilidades
em poesia contemporânea e versos livres, amante
de fotografias e artes digitais.

112
O Beijo de Judas
Breno Pitol Trager

(Poema exclusivo do livro


“Irreverenciem o Demiurgo Moderno”
o qual será lançado em breve
pelo autor.”)

Dando mão que me afaga, então vós apedrejo


Castro Agnus Dei, ovelha ao Cérbero, um talismã
Ponho em minha nuca, turba aflora pagã
Dos crimes que legislam, meu dolo festejo
Dou glórias a sigiloso boêmio beijo
Assim como abraso Orvalho, na morna fala
Da fé, palavra de Deus me incumbida estrada
A apostasia da prosperidade em seixos...
Diplomata que estuda a alma, necromancia
Por uns trocados de ouro, de prata, moeda
Não vi-me que o colar da forca pouco adia
Sou abominável trava-língua sucessor
Como carinho de um beijar Moderno, deda
Fiéis convergem em fariseu pecador.

113
O Thespian
Breno Pitol Trager

(Poema exclusivo do livro


“Irreverenciem o Demiurgo Moderno”
o qual será lançado em breve
pelo autor.”)

Pois bem, não fique de temerosos joelhos


Suas preces não adentram cansados ouvidos surdos
Os portões do paraíso refletem como espelho
Sua alma gentil consumida no inferno chafurdo
Veja bem, seu tolo miserável das agonias
Os portões do paraíso refletem tal vitral
Você não está mais batendo em justas portas divinas
Sua alma no batismo pungente dos anjos-maus
Quanto malefício doloso que não sabe rima
Com a sua cara sonsa ousando negar o abismo
Quando por onde passas tu deixas vastos estigmas
Você pertence ao justo unicórnio rosa invisível
Nem céu nem inferno lembram thespiano exorcismo
Então concedas ao infeliz um último suspiro.

Breno Pitol Trager


Breno Pitol Trager é poeta autor de 8 livros publicados.
Poeta filosófico que procura versar sobre o desejo que se
autoproduz, contra a ideia de que ele é refém de uma suposta
falta. Minha maior inspiração é a Filosofia da Diferença de
Gilles Deleuze e Félix Guatarri, para os quais o inconsciente
é uma fábrica, jamais um teatro de tragédias e conflitos…

114
Queria escrever um poema de amor
Leonardo Fortes Vieira

Certa noite, quando enamorava as estrelas,


Venho-me a mente algumas palavras de afago
Queria escrever-te um poema,
Não um poeminha bobo como os adolescentes escrevem.
Queria escrever o melhor poema de amor que já fora
Escrito no mundo
Não pude passar de algumas miragens de sonetos inacabados
Infelizmente não pude usufruir do brilho das estrelas e
Criar algo grandiloquente
Uma insuficiência de escolher as palavras, de encaixar estrofes,
De escrever o tal poema de amor que tanto queria escrever
Fui dormir decepcionado, quem sabe quando eu for um poeta
de verdade eu possa te escrever tais doçuras em palavras
Ainda acho que o que poderia ter sido escrito
Nunca seria entendido na linguagem dos homens
A linguagem do amor é outra...

Leonardo Fortes Vieira


Leonardo Fortes Vieira é natural de Alegrete
(RS), conterrâneo do poeta Mario Quintana, ao qual se
inspira, assim como os poetas Fernando Pessoa,
Manuel António Pina e Carlos Drummond, porém
Quintana sempre foi o poeta que deu-lhe base e
inspiração. Começou a escrever poesia tardiamente
com 21 anos. Em 2019 criou a página
@nadaalemdotempo nas redes sociais para divulgar
seus poemas.

115
Recomeços
Ana Paula Portes Thomé
Se passaram um dia, dois, três...
Uma semana,
Um mês,
Um ano.
E ainda assim não aprendi a
Conviver comigo mesma depois que você se foi.
Mas agora estou tentando ser minha melhor presença
Não quero dar minha própria sentença por erros seus.
Pois a cada dia tento sair da prisão onde minha
cabeça se encontra.
E espero que daqui um mês,
Um ano,
Eu me ame e me aceite...
como um dia eu nunca consegui
e achei que você faria isso por
mim.
Eu quero me amar do jeito que um dia eu achei que te amava.

Velhos tempos
Ana Paula Portes Thomé

Quando pequena,
Meu sonho era ter o melhor brinquedo da prateleira,
Era poder brincar na rua até tarde, sem hora definida.
Meu maior desejo? Era conquistar o mundo! Da forma mais colorida e alegre
Talvez quisesse ser um herói como o meu pai
E forte como minha mãe.
Sem deixar que alguém me contrariasse ou dissesse o que eu era.
E eu queria saber, o que mudou?
Algo que alguém me falou?

116
Ou foi apenas o que a dor me ensinou?
Não tenho mais com quem brincar até tarde,
Os brinquedos da prateleira não têm mais graça e estão empoeirados.
Ainda quero conquistar o mundo, mas de uma maneira mais cinza e com
palavras que adentram a alma.
Duvidar de mim mesma já virou rotina,
Me tornei aquilo que as pessoas dizem que eu sou.
Percebi que nossos pais não são as pessoas mais fortes do mundo, nem
mesmo nossos heróis.
Eles são como nós.
E acabamos enxergando o mundo da mesma maneira que eles.
Quem dera eu não ter crescido
Quem dera eu ainda enxergar o mundo colorido.

Ana Paula Portes Thomé


Ana Paula Portes Thomé tem 16 anos e vive em Canoas, Rio
grande do Sul. Sempre foi apaixonada por romance, drama e
fantasia, até que descobriu os poemas e aos treze anos começou a
escrever histórias fictícias. Na época ela descobriu sua depressão e
ansiedade, e a escrita foi um conforto para ela, desde então, sempre
anda com um bloco de notas e vários sentimentos entre as linhas.
“Sinto que não há vergonha alguma de mostrar o que sentimos e a
dor que vivemos, a escrita ajuda tanto eu, quanto quem lê e se
identifica, entender que não está sozinho é importante. Sei que tenho
muito a melhorar, mas espero futuramente conseguir investir na
escrita, pois meu maior sonho é mostrar para o mundo minhas obras”.
Há pouco tempo ela criou um perfil em suas redes sociais para expor
ao mundo seus poemas anonimamente. Pois a timidez fala mais alto
e o nervosismo ao mostrar para alguém era grande, com medo dos
julgamentos.
Instagram das obras: @poemas_semdestinatario
Instagram pessoal: _k1ttyy.ana

117
Além
Elaine Perez

Tensão do mar em
rubro entardecer do tempo
pobre rosa a perder o viço no lamento de ontem
tensão da mirada em
labaredas de mágoas secas
vasto oceano a derramar-se no olhar escarlate
feitiço do ser rastejante
corado amanhecer do além
além mar.

Elaine Perez
Elaine Perez, nascida em 1965, Sorocaba, SP. diretora de
escola aposentada, escritora, poeta e compositora sorocabana.
Escreveu as obras: Caminhos Poéticos de uma educadora, Estudo
poético da Mediunidade, No cotidiano das creches - A infância
sorocabana revelada: um estudo sobre as proteções negociadas
com a violência, Medicalização e educação: o entorpecimento da
infância no cotidiano escolar, A pedra dos meus olhos, Artmada e
Na rede eu conto. Participou de antologias de poesia e contos. É
integrante do Grupo o Ato de escrever, do Clube do Contista/ Casa
do Contista, do Coletivo Escreviventes e participa das oficinas de
Mell Renault.
https://instagram.com/elaineperezfo?r=nametag

118
Eu já fui jovem
Wagner Planas

Eu já fui jovem,
De grandes aventuras,
De olhar para o céu,
De sobrevoar grandes alturas.

Eu já fui um jovem,
Já fui do norte ao Sul,
Já tive a liberdade,
De voar no céu azul.

Hoje,
Sou algo ultrapassado,
Deixado no passado,
Como objeto em uma prateleira.

O tempo, este se encarrega,


De trazer o fim derradeiro,
Na hora certa,
Como a do elefante,
Que se isola da manada,
Para descansar em paz.

Eu já fui jovem,
Hoje eu só quero paz,
Um dia a mais,
Um sacrifício a se fazer...

Eu já fui um jovem,
E hoje sou,
Apenas a sucata,
De um velho avião...

119
Velho Jardineiro
Wagner Planas
Onde está?
O Velho Jardineiro,
Que cuidou deste jardim,
Desde o primeiro janeiro,
Que este jardim foi criado.

Onde está o jardineiro?


Parece que tirou férias?
Será que desistiu do jardim?
Cansou das ervas daninhas?
Que viu crescer por aqui!
Onde está o Jardineiro?
O Bom velhinho cheio de compaixão,
Deixou o jardim sozinho?
Apesar de tanta oração...

Oh meu bom velhinho,


Precisamos tanto de você,
Perdoem-nos pelos atos insanos,
E que não sabemos lidar com o jardim.

Talvez, melhor, você estava certo,


Quando fez de seu jardim, um grande lago,
E apesar de ter revogado isto,
Não soubemos lidar com o Jardim.
Perdoem-nos Jardineiro,
Realmente, lá se vão séculos,
E ainda não sabemos lidar com o jardim,
E muito menos,
Amar a ti Jardineiro,
Como nosso verdadeiro pai...Deus...

120
Para todo sempre
Wagner Planas

O Perfume que exala,


Das flores nesta manhã,
É o aroma,
Que exalava de seu corpo,
Em nossa noite de paixão.

O sol,
Que agora me aquece,
Está tão quente,
Como o calor,
De estar em seus braços.

O Sabor,
Do suco mais refrescante,
Não apaga de meus lábios,
O Sabor de seus beijos.

Se, tudo isto,


Não lhe provar,
O tamanho de um amor,
Saiba que, em minha mente,
Em minha alma,
Em meu espírito,
Levarei comigo,
O brilho de seu olhar,
O toque de seu corpo,
Para todo sempre... Saudades...

121
Wagner Planas
Wagner Planas ( por ele mesmo) - Nascido em 28 de
Maio de 1972, na Capital Paulista, estado de São Paulo, ex-
membro da UBE- União Brasileira de Escritores e atual
membro da LITERARTE – Associação Internacional de
Escritores e Artistas. Autor de mais de 60 livros entre temas
como poesias, romances, contos, peças de teatro, poemas,
mensagens, Haicai, entre outros temas, por ele mesmo ou
através de seus Heterônimos como: Wilson Silva
(Heterônimo), Creone Porfírio (Heterônimo), Daniel
Fernandes (Heterônimo), A.J.dos Santos (Heterônimo),
J.L.Gomes (Heterônimo), Icabode (Heterônimo),
Benedictus Konstantinus (Heterônimo), Chesco
(Heterônimo), Articus da Persida (Heterônimo), Horando
Almeida Prado (Heterônimo).

https://instagram.com/escritorwagnerplanas?igshid=YmMy
MTA2M2Y=
e-mail:escritorwagnerplanas@gmail.com

122
“Mar”
Alexandre Cruz de Oliveira

Enfrento um exército sem nome dissolvido na água do mar


Sou empurrado sem resistir por não ter a quem agarrar
O meu corpo é guiado sem forças, levado ao sabor da corrente
Largo a esperança à deriva numa frágil couraça dormente
A minha viagem é coberta por nuvens e uma neblina encobre a verdade
Segue o rumo dos ventos cruzados e troca ao destino a vontade
Vejo a calma para além da rebentação como uma miragem em aparência
O sol é refletido na paz e ofuscado na turbulência
Escapo no silêncio das ondas por entre o caos do turbilhão
Desintegro o meu corpo na areia num simples acto de união
O sal que me escorre no rosto é guiado pela água que me faz crescer
Uma planta salgada no peito e tempera a razão do meu ser
Cristalizou num breve instante um momento da eternidade
Ficou preso dentro do tempo e o que sobrou leva a liberdade.

“Eu”
Alexandre Cruz de Oliveira

Olhei para o espelho e vi morrer o eu


Entrou pelo escuro e desapareceu
Vi morrer o eu que andava na estrada
Andava à deriva à procura de nada
O eu que te via nunca mais voltou
Morreu de cegueira, por te ver ele cegou
O eu nunca foi o que queria ser
Perdeu-se na vida por tudo querer
O que agora sou não pretende ser nada
Vi a pretensão com o eu afogada
Despi-me de tudo para entender

123
Mergulhei na vida para renascer
O eu que morreu levou tudo o que foi
Deixou para trás um vazio que não dói
Porque o nada que fica pode tornar mudo
O grito do eu que morreu com tudo.

Alexandre Cruz de Oliveira


Alexandre Cruz de Oliveira nasceu em Lisboa a 25
de Abril de 1982, embora sempre tenha gostado de escrever
só recentemente desenvolveu um gosto mais profundo pela
escrita, inspira-se principalmente na natureza como um
catalisador de pensamentos através de todas as sensações
e estímulos que transmite criando uma sinergia com os
sentimentos inerentes ao ser humano

124
Milenar
Izabel da Rosa

.
Sou neta de Tibiriçá,
tenho vento nos pés,
curiosidade nos olhos,
e a ansiedade como guia.

Quero o planeta por inteiro,


a abundância de outras eras,
quero o cuidado do povo
da forma como tudo era
quando nada era de ninguém.

Assobio com o ar que atravessa as montanhas,


E esse maravilhamento me desperta desespera
na certeza do descuido da crueza do desprezo.

O fogo atravessa matas, as máquinas derrubam mais.


E este humano que deveria ser o maior vigilante,

125
esquece e se apega a coisas que são voláteis demais.

Não fazemos nossa parte, não questionamos atitudes,


e o ambiente se altera, se faz instável destrutivo
a esse humano que não se importa e pensa ser poderoso.

Logo surge o temor diante da fúria


Ventos, alagamentos, secas, destruição. A natureza em REVOLTA.

Todos nós, netos dos Tupiniquins, dos Tamoios, dos Caingangues,


Lembremos sempre a nossa origem
vamos assumir o compromisso com o sangue recebido como herança.
Demonstre sua rebeldia defenda o teu planeta,
Hoje agora todo dia.

Teu avô milenar vai admirar o teu ato


e mais que isso, o retorno vai estar presente
no futuro do teu neto, quando o milenar for você.

Izabel da Rosa
Izabel da Rosa é poeta e escritora nascida no Rio
Grande do Sul, mãe de dois filhos, vive em Curitiba.
Participou de várias antologias de poesias e de crônicas.
Publicou livros baseados em memórias de famílias.
Organizou a antologia TOQUE DE POESIA à venda no site
Amazon, ou diretamente no instagram, com a autora.
Escreve no site www.medium.com/@izabelrc1
Está preparando o lançamento do livro de Crônicas
Viagens e Emoçoes – Crônicas Divertidas e Gafes
Memoráveis.
Está escrevendo o livro Um oceano entre minha mãe
e eu, uma história emocionante, baseada em fatos reais, a
ser lançado em breve.

126
Como sempre
Sandy Lauany

Sou tomada por longos suspiros


Ao decorrer do dia.
Tentando não ser tomada pela vontade
De correr e te abraçar, meu coração
Grita por isso e meu cérebro
Trava minhas pernas.
Meus sentimentos gritam por socorro,
Porém não sei como salvá-los.
Passei tanto tempo salvando todos
De suas tempestades que agora
Me encontro no olho do furacão.
E como sempre, estou só,
Sempre fui só eu e é tão desesperador.

Minhas mãos doem


Sandy Lauany

É incrível como a dor emocional


Se compara a física,
Sinto meu estômago retorcido,
Minha cabeça sendo apertada por pensamentos
Intrusivos pelo simples fato de sentir demais,
Isso ainda vai me matar.
Minhas mãos doem e sangram ao escrever,
É como se meus dedos travassem e se
Recusassem a colocar minha dor
Para fora.
O que é ainda mais injusto.
Eu tenho medo de não consegui escrever,

127
De que minhas mãos possam falhar,
De que meus ossos não possam
Conseguir segurar a caneta.
Como eu disse, isso ainda vai me matar.
O poeta morre daquilo que escreve,
E minha morte terá inúmeras causas.

Em você
Sandy Lauany
Tua pele me lembra as nuvens,
Tem o frescor do alvorecer
Com toque de neblina.
Teus olhos me lembram as folhas
Das árvores por onde o vento corre,
Balançando o seu cabelo e trazendo
O seu cheiro até mim.
O que me faz suspirar de tranquilidade,
Apesar das tormentas,
Sempre posso encontrar calmaria
Em você, meu amanhecer.

Sandy Lauany
Paraense, nascida em setembro de 2001. Estudante de
Pedagogia pela Universidade Federal do Pará. Aos 15 anos,
quando ainda estudava no ensino médio, teve contato com a
poesia através de um amigo e se sentiu desafiada a também
escrever. A partir daquele momento, as folhas vazias de seu
caderno foram preenchidas por poesias. Hoje, ela tem na
poesia a forma mais bela de externar todos os seus
sentimentos que fluem de dentro de si como um oceano
infinito.

128
Amor latente
Joseani Vieira

Sinto que dentro de mim pulsa


esse amor latente
Nascido no subterrâneo
do improvável
amadurecido na superfície
do impossível

Abafo os seus balbucios


O que pode ele me dizer
Além do choro e do pesar?

Impeço o seu caminhar


Interfiro no seu crescimento
Transformo seu intento
Não me deixo dominar
e conformo-me
com a tristeza do inexistir

Aprisionado
ele olha de dentro
e enxerga o mundo
através do meu olhar

Fantasia
que reside em mim
todas as belezas

Sinto muito
esse amor inevitável
cativo e podado
calado e subjugado!

129
Lamento por mim
que só sei amar errado.

Minhas estações
Joseani Vieira

Primavero em pleno inverno


Arrepios me outonam
Veraneio por emoções difusas
Raízes que alimentam flores
folhas que transpiram amores
tronco que sustenta dores
e alimenta com seiva
de esperança doce
os frutos de mim.

Sustento-me de tempestades
recomponho-me na brisa noturna
assobio meu canto em cruvianas
de cabeleiras vastas
Redemoinho
em poeiras de ilusões

sou força
movimento de natureza única.
Criatura miscigenada
eu grito
Um vendaval de sonhos!

130
Coisas da vida
Joseani Vieira

Fiz esse poema para lhe lembrar


Que tudo nessa vida é um ciclo
Observe bem a Natureza
Que tantas coisas tem a nos ensinar

Um dia qualquer coisa que começa


Fatalmente terá que terminar
Isso acontece com o rio
Pois no seu percurso contínuo
Irá se perder no mar

Da mesma maneira as flores


Nascem lindas e perfumadas
Mas podem pelo vento ser carregadas
Quando chegarem a murchar

Do mesmo jeito é a tempestade


Que por mais terrível e destruidora
Cede espaço à bonança
Se transformando em brisa acolhedora

Assim são as tormentas


Que nossa vida conseguem alcançar
seja grato, não desespere
a função delas é nossa alma lapidar.

Por isso o melhor é não deixar a dor atrelar


não permitir que a tristeza pegue assento
nunca deixar de esperançar
evitar dizer qualquer lamento!

131
Felicite-se diariamente por renascer
Pois nossos problemas
De um jeito ou de outro
Irão se resolver.

Há que se crer nas palavras da Bíblia


Sobre os lírios do campo e o Rei Salomão
Deus provê todas as coisas
Só cabe a nós aprendermos a lição.

Joseani Vieira
Joseani Vieira, nasceu no Rio de Janeiro e vivo
em Roraima há muito tempo. É pedagoga, publicitária e
ama a literatura. Começou a escrever aos 11 anos prosa
e poesias. Em 2021 começou a participar de concursos
e de seletivos para publicação de minha escrita. É
coautora dos livros Mostra Picuá, Pandemia: poemas,
contos e microcontos, Poesificar... Verbo de
Inspiração, Toque de Poesia e Natal sempre Natal vol.
II.

132
Vó é mãe duas vezes
Davi Carneiro

Em quantas quedas me deparei nessa vida ao cair no gozo da solidão por não
está sentindo mais sua pele sedosa e sua voz áspera de preocupação e amor.

Não seria eu de fato se não te ama-se de verdade, porque de certo modo, você
me ensinou a viver a cada dia.

Desconecto-me todo em saber que essa dor está tão longe dos meus olhos e
que por fim sei que ela é uma conclusão da vida.

Porque a vida que ela carrega é de vários anos e vivências, porque ela me viu
caminhar pela primeira vez, sorrir pela primeira vez e rir para o mundo ao meu
redor, ela viu o quanto cresci e mudei, e mesmo assim nunca me deixou de amar,
porque também sou tudo para ela. Vó é mãe duas vezes.

Davi Carneiro
Davi Carneiro, natural da cidade de Corrente -
Piauí e atualmente mora em Curitiba - Paraná, tem
24 anos, amante da arte e da poesia.
Gosta de expressar os meus sentimentos
através daquilo que sente em cada linha de verso
vivido. Esse sou eu, um ser humano aprendendo a
viver cada dia a mais em um mundo no qual remete
arte para todos os lados.

133
Filha de Eros
Hillary Sthefany

Meu coração não tem nome...


Violado e dilacerado,
Não há quem queira quebrado
Maldito ser infame.
Assim ando nesse mundo disforme,
Com o peito em mentiras cravejado,
Tendo verdades almejado
No lugar de eterna fome.
Mas Eu, que sou filha de Eros,
Escrava de meu coração,
Iludi-me em teus sonetos falsos, impuros...
Que os trovadores, pois, cantem esta canção
“perdia-se em sonhos vagos”
vulgarizando enfim a minha perdição.

Blue WiSky
Hillary Sthefany

Em um mundo sujo
Sentia-me morto
Jogado
Residente do inferno
Sem expetativas
A vida em ruínas
Chamas
Queimando as entranhas
Sonhava o céu azul
Localizado no Sul
Encontrava o Norte

134
Fenecendo a sorte
Mas nunca fora fácil
Para um humano débil,
Inútil
Em terra hostil...
Aqui os sonhos não tem vez
1
2
3
(embriaguez)
Acorrenta-me eternamente à invalidez.

Hillary Sthefany
Hillary Sthefany da Costa Martins, tem 24 anos é
brasileira do estado do Pará (terra do açaí), amo escrever
sobre temas diversos, que vão desde a ficção, como terror
e romance, até temas mais cotidianos, o qual chama de
“meus devaneios vitais”, é bilíngue e possui sonhos
infinitos. Formada em Letras - Língua Portuguesa e
Serviços Jurídicos e Notariais. Começou a escrever por
volta de 7 anos de idade, ama a literatura e gosta de
estudar disciplinas como: física, geografia, administração
e até matemática.

135
CONTOS

136
O que pode ser feito antes da guerra?
Marcia Elisia Matos Aguiar

Talvez esta carta seja a última coisa que eu faça. Ainda não está decidido!
A cada movimento… TICK..... TICK..... TICK.…. TICK….. TICK…..
O girar dos ponteiros de um relógio entra na confusão dos meus pensamentos
e... tick.... tick.... tick.... tick.... definindo a cronometragem para o fim da
turbulência… tick… tick… tick… [CLICK!] a arma engatilhada faz meu corpo ter
certeza do que me espera.
Só um curto período de tempo para a bomba se ativar dentro campo de batalha:
o que foi perdido, já foi.
Um silêncio horrível penetra o ambiente: o caos de lá fora parece não fazer
sentido aqui. Tantas coisas podiam ter sido feitas para não chegar nesse
colapso.
Numa guerra, os dois lados, certo ou errado, se combatem. Mas como fica o
soldado no meio de tudo isso? Seria apenas um peão do erro da vida de outros?
Ou seria consequência do seu próprio erro? Que o soldado, então, morra como
um herói!
No caos absoluto, encontrei um velho amigo estirado no chão, sem vida. Me
desespero ao lembrar dos anos que tive em sua companhia. Nem lembro mais
a primeira vez que o vi e espero não lembrar dessa última.
Pelos jornais vivos espalhados pela cidade, você deve escutar o murmúrio de
uma outra história, uma diferente dessa minha versão.
Não tem mais jeito! Esta carta é a última coisa a fazer antes do confronto final.
Torço para que as melhores memórias fiquem. Não quero que a imagem
dolorosa do herói derrotado permaneça. Afinal, agora, há paz.

***************** [continua]

137
Do quarto do garoto, o som de um tiro.
No chão, ao lado o velho bichinho de pelúcia, a cor vermelha se destaca.

Marcia Elisia Matos Aguiar


Marcia Elisia é mineira, tem 21 anos. Ela é
graduanda em Letras com habilitação em Licenciatura
em Língua Portuguesa pela UFMG (Universidade
Federal de Minas Gerais). Bolsista da CAPES
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior) no Programa de Bolsas de Iniciação à
Docência (PIBID) do Núcleo Interdisciplinar Letras –
Pedagogia (UFMG) e monitora de Oficina de Texto e do
Apoio Pedagógico na Faculdade de Letras da UFMG.
Além disso, também é bolsista no Programa de Iniciação
Científica da Fale/UFMG. Marcia é apaixonada por
Literatura, principalmente, em obras machadianas e de
Edgar Allan Poe.

138
Dhoruba
Cecilia Lorca

O navio balança. Eu me sinto enjoado. Não entendo por que estou aqui.
Chicotes zumbem. Gritos e gemidos enchem o ar carregado e fedorento.
Meu nome é Dhoruba. Sou guerreiro valente. Fui pego de surpresa.
Homens feios, desbotados e de olhos muito claros nos cercaram. Eu tentei fugir,
como meu amigo Ngozi, mas não tive a mesma sorte. Amarraram-me e me
jogaram nesse porão úmido, com outras pessoas que nem mesmo conhecia.
Estão todos assustados. Tratam-nos como animais. O cheiro é
insuportável. É escuro e insalubre. Alguns homens choram, outros apenas se
entregam. Eu não vou chorar. Sou corajoso e irei sair vivo daqui. Não posso pular
desse navio. Estou acorrentado. Darei um jeito de sobreviver. Sou valente e
esperto. Sei me virar, sempre soube. Não vou morrer nesse lugar fétido.
Dizem que iremos a terras longínquas e seremos escravos. Eu não quero
trabalhar para outra pessoa. Não queria sair de minha aldeia. Estou apaixonado
por Abayomi e logo nos juntaríamos. Agora não sei se a verei de novo.
Vejo alguém vomitando, é Lisimba, ele parece doente. Há um homem
branco com cabelo cor de fogo. Ele maneja o chicote como ninguém. Não tem
dó, não entende a nossa gente. Já faz dias que me encontro nesse cativeiro
sombrio.
Leke, um jovem que fez amizade comigo, morreu ontem. Ele não
aguentou, assim como muitos outros que não estão suportando essa viagem
involuntária. Dizem que esse novo mundo é muito bonito. Muitas florestas, muita
abundância. Contudo, do que me serve tudo isso, es estiver cativo, em alguma
fazenda?
Quero ser livre de novo. Reencontrar minha família. Minha mãe deve estar
muito aflita, pudera! Está na hora da comida. É só um naco de pão velho e meia
caneca de água. Tudo isso é muito absurdo. Vivo um pesadelo e gostaria de
acordar logo!
Agora fiquei sonolento. Vou cochilar um pouco. Sonhar com a minha terra
e com os meus amigos. Sonhar que estou voltando feliz e saudável. Estou vendo
Mbita acenando. Mamãe batendo palmas. Todos estão me aguardando. Estou
chegando, vou abraçá-los! Acordei! Estou aqui de novo, nessa prisão flutuante!

139
Os dias estão passando lentos. Emagreci, e outros homens estão
adoecendo. Vou tentar ficar firme e esperto. Não vou morrer aqui nesse inferno.
Vou lutar como todas as minhas forças. Chegarei ao terrível destino, enfrentarei
todos os obstáculos. Sou Dhoruba, sou forte e tenho muito o que viver!

Cecilia Lorca
Cecilia Lorca é brasileira, nascida em São Paulo —
Capital. Formada em Biologia, pós-Graduada em Saneamento
Ambiental e Didática do ensino superior pela Universidade
Mackenzie. Formou-se também em Pedagogia pela
Universidade UniABC e lecionou por 27 anos até se aposentar
em 2015. Sempre escreveu, pois era uma paixão desde jovem,
nunca teve oportunidade de publicar seus livros, até 2017.
Atualmente conta com 9 livros em sua coleção e lançará o 10.º
em breve, sempre com muito carinho e dedicação.

140
Diorama no paraíso
Valério Maronni Salles

1807, das caldeiras do século dezenove, hastes e placas de um composto


ferruginoso, originado do minério e sucatas de lanças e escudos da idade média,
eram moldadas para a construção de um complexo viário sobre trilhos,
inimaginável substituto dos feixes de molas sob estrados puxados por biologia
aos pares. Das caldeiras faziam-se caldeiras, exalava vapor para as válvulas de
admissão e escape importunarem a transição no pistão, força tangencial no eixo
da roda a circular, tracionavam todo o conjunto a deslizar na planície; puxavam
na súbita e ligeira inclinação ondas engatadas de vagões, atingiam a estação no
pico da sugestão, algodoando o firmamento liso de azul após a parada de café
com gusa, adoçado com as fagulhas da chaminé no avanço da alavanca de
velocidade progressista pelo maquinista com seu quepe bordado na testa com o
logotipo da inventiva descoberta da companhia ferroviária.
(+90), na gravidez do século a ser inventado, que paririam duas guerras,
se entrelaçavam vias de automóveis, pantógrafos de bondes, caminhos de
carroças, trilhas de bicicletas, pés e patas se miscigenavam, vespas pousavam
nas motonetas e trilhos de marias-josés fumaça jaziam dormentes nas alamedas
projetadas para o caminhar noturno e o comércio diuturno de peças fundidas
para engrandecer o movimento da vila de São Carloso, movida até então por
beiras molhadas de barcos, caravelas, botes, canoas, lanchas sem motor e jet-
sky (iscái, oquei? céu, do verbo iscair, deixar o céu cair sobre as invenções para
tornar o deslocamento do ser inumano mais dificultado, enrijecer as articulações
e encurtar tendões por meio do uso do conforto de descansar a preguiça sobre
poltronas acolchoadas das carruagens rurais, inspiração para a rainha imperial).
1820, de volta, nos pensamentos, à ilha britânica, a terra quase inglesa
recém descoberta pelas chaminés fabris, matriz do abalo sísmico retro industrial,
encontrávamos lingotes incandescentes entre a marreta e a bigorna para talhar
cada uma das trezentas e vinte e nove peças do quebra-cabeça a conviver nos
tempos contemporâneos – nascia aí o berço sem mosquiteiro do complexo
modal dos cavalos de força (horse power, HP, potência, puxar a si própria e a
dezenas de carros de passageiros e de restaurante e de malotes dos correios e

141
de lenha para gerar o encanto do chic-chic). O apito copiava o streaming do
instrumento de caça dos exterminadores de marrecos.
1961, dormiam os sinos na escadaria da fazenda abandonada para as
bandas do vassoural. Na plataforma de embarque em rampa de outrora ainda
escorregavam rolimãs de uma geração amanhecida que guardava na tulha o
remorso de ter trocado o comboio comunitário pelo DKV Vemag do motorista
solitário. No entreposto, sacas de café empoleiradas nas de milho encostadas
nas de palha de arroz aguardavam a chegada da correia transportadora elétrica
do interior do Estado com vida a luz de vela. Ratos faziam a ponte ferroviária só
com vagões de carga em conexão pela comunhão, lentamente desaparecendo
do campo visual (do campo rural) da meeira com o filho dependurado num
embornal de fralda enroscado no pescoço.

(-51), treinados para manter aceso o palito de fósforo do desenvolvimento,


camponeses vestiam os mesmos macacões de plantar agricultura para depois
os lambrecar de graxa e óleo tiziu, assim como mãos testa bochechas e nuca
(ao tapar a seu encontro a muriçoca perturbadora, mosca-chefe). As linhas
férreas que costuravam os pantanais e serras das terras tupiniquins se
embolavam em nós atados – desvios agarrando – se transformando em
descosturas deixando nuas as paragens de apitos de chegada nas paradas onde
desciam e subiam donzelas de sombrinhas e rapazes de botas altas vindos das
capitais. Os barões, com cabines personalizadas, permutavam de lugar com o
auxiliar do maquinista para enxergarem mais longe da janela da loco o destino
louco de suas cargas-cobiça, distância desproporcional à fumaça dos charutos
que agora o auxiliar tragava na poltrona de couro vermelha no luxuoso vagão
com pia de louça portuguesa filetada por ouro emprestado que ia e voltava ao
continente europeu.

2020, nas caminhadas pelos leitos transformados em trilhas para


charretes e Jeeps achava-se pontas de trilhos enterrados no chão, pinguelas de
madeira cujos suportes inferiores escondiam as treliças que suportavam
toneladas a trinta quilômetros por hora, uma viagem quase sem hora marcada
para a chegada – não se sabia outrora se o decreto seria assinado antes do
despachante receber o relatório das cargas enviadas para a centimetrópole. As
serras se empinavam para evitar a descida das composições rumo ao pátio do

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desalento, repouso eterno com direito a ferrugem e sem salão nobre no museu
imperial. As fotos históricas e as pinturas lendárias nas rodoviárias que ainda
perpetuavam o cheiro da transformação – lenha em óleo diesel – quase se
transformavam em 3d tamanho o esforço de se desprenderem do papel e da tela
ao seu real papel de baratear passeios e produtos viageiros.

1112, voltava-se à vizinha terra de Gales, século doze: nada se sabia


sobre ferrovias. Ainda bem ...

1880, retornavam os problemas técnicos já que os sentimentais estavam


eternizados. O osso da locomotiva não era o maquinista que usava óculos
escuros que pegava emprestado do foguista, muito menos o painel cheio de
válvulas e pressostatos chiando o vapor que vazava sem consentimento, mas o
purgatório que se alimentava de toras e bebia dez mil litros d’água do tanque na
parada da cachoeira. Patinar na subida indicava a má vontade dos exportadores
em negociar um bom preço para o produtor que faz-de-tudo. Um pouco de areia
resolvia este problema (no atrito entre a roda deslizante e o trilho, a areia
superaquecida virava melado que atracava o necessário para avançar ao topo,
ou ... uma mãozada de areia no olho do atravessador também curava). Caixa de
ferramentas não existia, não havia problema que resistia ao trem-de-ferro. E o
meio ambiente-de-ferro?

1945, entregavam os tickets respondendo “comprei sim senhor”; cinto de


segurança eram as mãos agarradas na janela para ver os postes passando no
topete do Rezinha; folha de pé-de-cana riscava um corte bem feito no antebraço,
outra folha em cima dava os pontos (orava a mãe do Toniquinho para ter um
número par de ocorrências). Na parada improvisada, em frente ao sítio do avô
do Seu Tepinha, o maquinista, sua tia embarcante com a mala já jogada pela
janela adentro não alcançava o degrau do vagão projetado para parar em
plataformas; perdeu o trem e as roupas, ganhou a longa vida no cenário rural.

1932, protestos sem sentido dos outros meios de transporte: os que não
queimavam lenha ou carvão para o vapor, queimavam óleo para lambuzar o ar.
Todos condenados por certa camada na estratosfera.

Há muito tempo atrás, ... no início, a criação dos céus e da terra, um lugar
para trilhar e outro para esfumaçar; faça-se luz, utilizada no seu farol; à tarde a

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chegada, pela manhã a partida, à noite o descanso; por entre as vegetações e
faunas, fura-se túneis; as estrelas para guiar a composição; sejam férteis e
multipliquem-se em frotas de vagões; façam a diesel e a elétrica à semelhança
da vapor; depois o ar, que participa da combustão; o fogo, resultado da amizade
com a lenha; o calor que, como a caldeira, é arredondado formando o sol; a Via-
Láctea, composta de múltiplas vias de trilhos paralelos com semáforos a olho nu;
os sistemas planetários, cada vagão em sua órbita tracionados pelo astro central;
as paradas no tempo, estações para estrelas cadentes estacionarem; os
meteoros, como bagagens para outros destinos; o primeiro homem, Seu Ferreira
... de sua costela, sua companheira!

Muitas serpentes, por favor!

Valério Maronni Salles


@valeriomaronni é autor do livro “O Menino Contador”
(2022, produção independente) disponível na Amazon e
criador do blog “julianavrsempoluicao”. Ele é natural de
Muriaé-MG, tem 61 anos, é engenheiro e professor. Gosta de
literatura, ciclismo, ferromodelismo e antiguidades. Avô do
Mateus e vem aí o Alexandre.
Instagram: https://www.instagram.com/valeriomaronni

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A Partida

Sandra O'Neill

Uma tarde de abril, logo após o almoço, meu marido me comunicou que
queria me deixar. Fez isso enquanto tirávamos a mesa. Estávamos casados há
5 anos e tínhamos uma linda filha de 10 meses que, naquele momento, dormia
tranquilamente em seu carrinho estacionado em um dos cantos da sala de jantar.
Eu não sei explicar o que eu senti, apenas que meus olhos começaram a
arder e meu peito a queimar. Entendam, eu amava meu marido e quando o
escolhi tinha certeza de que seria para sempre. Separação era algo muito
distante da minha realidade. Naquele momento eu tinha que me manter forte
quando na verdade eu queria desabar.
Em um instante eu era uma das mulheres mais felizes do meu círculo de
amigas, com uma filha linda e um marido maravilhoso, no momento seguinte,
diante de mim, eu via desmoronar toda a minha felicidade eu diria mais, eu via
desmoronar minha vida como um castelo de areia ou de cartas que bastava uma
rajada de vento para que tudo fosse destruído. E eu queria muito saber quem
era o vento responsável por aquele momento de tensão.
Ele não me deu maiores explicações apenas que estava cansado daquela
vida, que tinha cansado de "brincar de casinha" e queria seguir, só que seria
uma viagem sem mim, sem nós!
A princípio eu fiquei muito triste e perdida pois apesar de ser uma
profissional liberal e ter minha independência financeira garantida desde muito
jovem, eu me casei para ter o meu "felizes até que a morte os separe"! Embora
a ruptura do nosso casamento estivesse sendo uma espécie de morte para mim
naquele momento.
O que eu fiz em seguida foi surreal até para mim.
Levei os pratos até a pia e comecei a lavar como se ele não estivesse ali
ou não tivesse me dito absolutamente nada. E a minha reação o pegou de
surpresa. Ele não soube o que fazer ou como reagir. No instante seguinte,
percebendo que eu não o responderia naquele momento, pegou as chaves do
nosso carro (eu disse mesmo, nosso?!) e saiu. Precisava processar minha
indiferença diante de suas palavras. Mal sabia ele que eu não estava indiferente,
apenas não sabia o que dizer.

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Por fora eu fingia bem toda essa indiferença, mas por dentro meu peito
queimava e minha cabeça exigia uma explicação. Por que ele estava nos
deixando? Não éramos boas o bastante para ele? O que tínhamos feito de
errado? O que EU tinha feito de errado?
Meu marido não voltou naquela noite e nem na seguinte, mas eu sabia
onde encontrá-lo. Estava na casa da mãe e apenas isso foi o suficiente para eu
exigir que me explicasse o que estava acontecendo, afinal minha sogra nunca
gostou mesmo de mim, ela preferia que um dos filhos morresse a ter que aturar
uma nora fora de seu padrão de exigência.
O telefone foi atendido no 3º toque, ele já estava mesmo me esperando
ligar. Não falamos muito, apenas o suficiente para entender que ele já tinha feito
sua escolha muito antes daquele momento. Muito antes de nos casarmos ele já
sabia que não ficaria comigo pra sempre, que tinha sido apenas para afrontar
sua mãe, mas que não deu certo.
Aquele amor por mim nunca foi real, pelo menos não por parte dele. O
meu tinha sido, o meu era real! Nos despedimos com cordialidade combinando
que ele voltaria ao nosso apartamento para pegar seus pertences no dia
seguinte. Naquela noite eu não dormi e não sei por quanto tempo mais eu fiquei
assim, vagando como um zumbi perdida entre o que era real e o que eu gostaria
que fosse.
Meu casamento acabou oficialmente em 05 de maio de 2010 mas minha
vida continuou. Hoje, 10 anos após o ocorrido, eu sou uma pessoa melhor do
que fui quando estava com ele. Não que eu o tenha esquecido ou que meu amor
por ele não tenha valido a pena, tudo vale a pena!! Tudo é aprendizado. Chorar?
Chorei por noites a fio, por dias, meses, por que não dizer, anos? Mas hoje sei
que tudo foi aprendizado. Se hoje sou essa mulher forte da qual minha filha tem
orgulho foi graças a decisão dele de um dia me deixar.

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Sandra O'Neill
Advogada por formação. Educadora por
profissão e escritora por afinidade . Neta de
portugueses e irlandeses, Sandra escreve desde os 13.
Seu primeiro incentivador foi o escritor Pedro Bandeira.
Fã de Cinthia Freire, Brittainy Cherry e Ana Beatriz
Brandão, costuma ler romances clichês e romantasia,
sendo esse último, seu gênero favorito. Seus textos
estão em suas redes sociais, na plataforma Scriv e em
diversas antologias. Também podemos encontrar seus
livros na Amazon. Atualmente mora em Campinas com
sua filha Sofia, sua mãe Marinete e um gato laranja
chamado Van Gogh.

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Olhar imortal
Hellen Bravo
Adentrei no casarão ao cair da noite, imediatamente, vi-me rodeada de
inúmeros quadros até encontrar o atelier claustrofóbico, pouco iluminado, sujo e
triste. Observei cada detalhe do cômodo, enquanto caminhava pensando que o
local de criação de um artista, deveria ser um lugar mais alegre, sem entender
como minha companhia poderia ser trocada por toda aquela tristeza. Meu amado
pintor adormecera segurando alguns pincéis, sentado numa poltrona, que era o
único móvel do ambiente, além de um banco de madeira e um cavalete
suportando uma tela em branco.
Decidida a aceitar a proposta de Frederico fui usando um vestido de estilo
Vitoriano na cor lilás com uma peça bordada, em tom mais escuro, passando
pela lateral dos braços deixando meus ombros a mostra, com um grande laço na
parte de trás, na altura da cintura e o espartilho amarrado com força valorizando
meu colo. Meus cabelos foram divididos ao meio, com os cachos largos e
marcados suspensos, emoldurando meu rosto de traços delicados com apenas
um colorido nos lábios. Quando ele despertou, como que tocado pela intuição, e
me viu, pude sentir o prazer que estava lhe proporcionando ao atender seu
pedido.
Frederico desejava me eternizar numa obra digna de aclamações. Entre
tantas donzelas, ele sonhava em ter-me como sua modelo. Dizia, envolvendo-
me em palavras doces, que queria registrar para todo o sempre, a minha beleza
encantadora para que, num futuro distante, as pessoas pudessem, através de
sua arte, olhar bem dentro dos meus olhos e reconhecerem, com clareza, toda
a doçura e a força de uma mulher, que com o brilho envolvente da juventude
conseguiu, sem maiores esforços, inspirar um pobre artista.
Ainda assim, eu sentia-me traída! Não conseguia ignorar a força muito
superior que se interpunha em nosso convívio. Era um poder que resistia às
minhas carícias, aos meus apelas, fazendo-me sentir distante do homem que
amo com tanta devoção. Eu lutava constantemente para manter acesa a chama
de um amor, quase platônico e débil.
Enquanto ele dizia que ninguém nesse mundo, por mais que tentasse,
poderia fazê-lo mais feliz do que eu, era perceptível o regozijo que sentia a cada
obra que dava vida. Era um amor tão intenso que, se largasse tudo para ficar

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comigo, faltaria uma parte que, certamente, ficaria impregnada nos pincéis,
tintas, nas paredes,... Eu tinha uma rival invisível e possessiva que nos mantinha
separados e de nada me servia ser a mulher amada se não o tinha dedicando-
me atenção e companheirismo. Eu devia, então, fechar os olhos e aceitar as
migalhas desse amor com resignação? Sim... Eu faria por ele tanto quanto me
pedisse. Eu ficaria naquela saleta, de bom grado, todo o tempo necessário para
realizar sua obra. Dando-me por satisfeita sabendo que, ao menos durante
aquele período, ele teria olhos somente para mim.
Sentei-me na poltrona, acomodei-me e ele posicionou meu corpo e rosto
na posição em que queria me retratar na tela. Depois colocou os candelabros ao
meu redor e próximo do banco de madeira em que se sentou diante do cavalete,
dando início à sua obra. Porém, com o passar dos dias presa, naquele ambiente
frio, com pouca ventilação, por horas a fio sem alimentação adequada e
dormindo pouco, fui acometida pela peste branca. Não me sentia bem, o corpo
já parecia não obedecer aos meus comandos e, por muitas vezes, a vertigem só
não me dominou porque fui sustentada pelo olhar possessivo que Frederico
lançava sobre mim. Ele precisava de silêncio e eu esforçava-me ao máximo para
não tossir o tempo todo, evitando sair da posição ao levar o lenço até a boca
para aparar o sangue, até que já não pude mais segurar e soltei meu corpo,
quase caindo da poltrona. Quando percebeu, Frederico veio, prontamente, me
amparar pedindo que eu aguentasse um pouco mais... Por ele... Pela arte!
Eu havia dado a ele a maior de todas as provas de amor. Consegui
suportar muito mais tempo do que imaginava e faltando apenas os últimos
retoques, eu o encorajei a terminar. Então, com sua ajuda, posicionei-me
novamente, tentando manter a postura. Ele voltou para a tela e não notou
quando perdi os sentidos novamente.
Após a última pincelada, Frederico havia concluído sua obra-prima.
Levantou-se do banco, afastou-se um pouco e contemplou, extasiado, por um
minuto até que explodiu afirmando: — Isso é a própria vida!... Deus, é a vida
mesmo!
Virou o cavalete com o quadro já pronto em direção à sua esposa e
encontrou Justina recostada na poltrona, pálida, serena, morta e desabou num
choro descontrolado agarrado ao corpo, sem conseguir desgrudar seus olhos

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dos olhos retratados na pintura que, agora, pareciam julgá-lo até que ele próprio
perecesse.
O retrato daquela jovem no despertar da feminilidade, que guarda sua
própria alma tão bem captada pelo homem a quem tanto amou, encontra-se hoje
com uma moldura dourada, em formato oval, numa galeria de artes onde pode
ser apreciada, provocando a imaginação com seu belo e discreto sorriso, e
perseguindo os admiradores com o seu olhar imortal.

Um só coração, um só amor
Hellen Bravo

Estão ambos em cena, com seus figurinos. Ela com um longo vestido
preto com uma fenda na perna direita, salto alto, cabelo preso apenas de um
lado com uma presilha vermelha. Ele com uma calça e suspensórios pretos
passando por cima da camisa branca e uma gravata vermelha. ― Então isso é
tudo? – diz ela chorando. ― É apenas o fim! – diz ele enxugando com um lenço
a lágrima que escorre pelo rosto dela. Olham-se fixamente. Aos poucos ele
substitui o lenço pelo toque de sua mão. Aproximam-se lentamente, vão se
beijar. Quando seus lábios estão quase se encontrando, ele se afasta. Ela olha
tentando entender. Ele abaixa a cabeça, continua se afastando, olha mais uma
vez para ela e sai correndo. Ela o segue. Inicia-se então uma pequena
perseguição.
Ele entra num camarim e fecha a porta apoiando-se nela como se
quisesse evitar que ela entrasse. Abaixa a cabeça repentinamente e, quando se
levanta, segura a porta com uma mão e com a outra vai desfazendo o nó da
gravata lentamente. Tira a gravata, encosta-se na parede e abre o primeiro botão
da camisa para recuperar o fôlego, vai dobrando a gravata quando ouve alguém
bater na porta. ― Posso entrar? – silêncio – Sou eu! – A porta se abre e entra
Flávia. Carolina olha para ela e responde ― E aqui sou eu! - Ambas parecem
decepcionadas.
Flávia se aproxima da amiga dizendo que está tudo bem e senta-se numa
cadeira próxima à mesa. ― Estão conseguindo se virar? – pergunta Carolina.
Flávia responde com um aceno positivo com a cabeça dizendo ― Ambos temos

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alguma noção. Claro que se tivéssemos alguém olhando de fora nos ajudaria,
mas está funcionando bem mesmo sem direção. Me lembro quando você dirigiu
o Alvo e deu o personagem da Marieta para sem graça da Diana, mesmo
sabendo que o personagem era para ser seu. Lembro bem de você ajoelhada
no palco mostrando para ela como se fazia o triângulo – desenha um triângulo
no ar enquanto fala – um traço, dois traços e três traços – Carolina ri e se senta
numa cadeira jogando a gravata em cima da mesa sem perceber o vidro aberto
de mostarda que cai manchando a gravata. Flávia se aproxima da amiga,
acariciando seu cabelo curto. ― Você é uma boa diretora, mas prefiro você em
cena. E você sabe bem que nasceu para ser atriz! - Carolina respira fundo, pega
a gravata e vai para o banheiro. ― O ensaio hoje foi muito bom! – diz Flávia
tentando disfarçar, enquanto ouve o barulho de água da torneira vindo do
banheiro onde Carolina tenta, em vão, limpar a mancha de mostarda da gravata.
― Quase nos beijamos! – completa Flávia. A torneira se fecha instantaneamente
e acontece um breve silêncio antes que Carolina volte para o camarim.
Flávia, como sempre, acompanhava Carolina quando aconteceu pela
primeira vez e sem nada entender insistia em perguntar à Carol se estava bem,
pedindo para que a respondesse quase que em desespero até se assustar ao
ouvir da amiga algo que não esperava de forma alguma e num tom totalmente
diferente do habitual ― Quem é Carol? Meu nome é Tom!
A primeira vez que Tom apareceu foi na entrada do teatro. A postura de
Carolina mudou completamente. Mudou também o jeito de falar, de andar e
principalmente de olhar. Olhava tudo como se fosse pela primeira vez. Ali da
entrada podia ver a plateia. Maravilhado subiu correndo as escadas de acesso
ao público. Ao entrar pela lateral da plateia, observa tudo com o encantamento
de uma criança que vai pela primeira vez a um parque de diversões. Flávia
entrou logo atrás e sentou-se na plateia. Tom tocava o estofado das poltronas,
contemplando do teto ao carpete, até se deparar com o palco e perguntar com
brilho nos olhos ― Posso subir? – Flávia prontamente autoriza. Tom sobe ao
palco, caminha por toda sua extensão, olha tudo apaixonadamente. Para na
boca de cena, olha para Flávia e diz com segurança: ― Avise a todos que vamos
montar Enamorados. – Flávia levanta-se num salto e aproximando-se do palco
pergunta, quem, sem precisar dizer uma só palavra e, como se lesse seus
pensamentos, Tom responde com convicção ― Eu e você. - ela sorri sem jeito.

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― Não sou atriz. Ele desce do palco, a olha nos olhos e diz ― Mas sempre quis
ser. A Carolina sabe disso e por isso escreveu este texto. Ela só não sabia que
eu faria o personagem masculino. Aliás, ela não sabia que ela mesma o faria
através de mim!
― Transtorno Dissociativo de Identidade – Disse o médico que completou
– Trata-se de uma condição mental onde uma pessoa demonstra características
de duas ou mais personalidades ou identidades distintas, cada uma com sua
maneira de perceber e agir. Carolina nunca mais seria apenas Carolina, pois vez
ou outra “apagava” e não se lembrava de nada que seu álter Tom havia feito
nesse tempo.
Flávia não sabe o que esperar de Carolina depois de contar sobre o quase
beijo entre ela e Tom. Beijo esse que não está no texto, nem ao menos a intenção
ou sugestão de um beijo. Carolina não escreveu isso, achava desnecessário
esse beijo. Acredita que um beijo entre os personagens acabaria com a magia
do momento proposto em seu texto. Preocupada Flávia vai logo perguntando ―
Você vai me tirar da peça? – Claro que não! Você sabe muito bem que a é
escolha não é minha, é dele! – responde Carolina.
Pensativa, Flávia vai se aproximando de Carolina ― Vocês são muito
parecidos. Sabe, às vezes tenho a impressão de vê-lo em você. – Descreve
acariciando Carolina – ― O cabelo curto, os olhos que parecem enxergar a
minha alma, a boca, ombros, peito... – Nesse momento, Carolina segura a mão
de Flávia sobre o lado esquerdo de seu peito e completa ― E coração! É o
mesmo, sabia? - Ao que Flávia responde ― Sim! São como um só! - Carolina
respira fundo e sem mais conseguir segurar diz ― Somos um só! Com um só
coração e um só amor!

Hellen Bravo
Nascida em Presidente Prudente, em 03 de outubro
de 1985, Hellen Bravo é atriz desde 2002, formada nos
palcos e com carreira solidificada na capital São Paulo,
onde realizou trabalhos em diferentes setores da área
artística. Como grande apreciadora das artes, está sempre
se aventurando em novos campos e agora se dedica a
mergulhar totalmente na escrita.

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Café sem açúcar
Patrícia Baldez

Minha primeira vez foi com a melhor amiga. Melhor, achava eu até então.
Depois foi o namorado inaugural. Sabe aquele que a gente acha que é o
cara da vida, a alma gêmea? Na hora doeu, mas hoje acho bom ter vivido isso
logo cedo. Evitou delírios.
Certa vez, que não foi comigo, mas marcou como se tivesse sido, foi
quando tia Vilma contou sobre o chefe que, além de bonito, parecia gente boa.
Eu lembro porque a tia contou a história muitas vezes, por muitos anos. E desde
então eu desconfio de gente super legal.
A verdade é que todo mundo mente, todo mundo engana. E, quando a
gente cai no golpe, passa um bom tempo pensando no que fez para merecer.
Depois, grita que mulher nunca é amiga, e nenhum homem presta, e chefe nunca
vai ser legal de verdade. Chora até cansar, ficar leve de novo, esquecer, e
pronto. Segue adiante.
Mas traição de pai e mãe é outra coisa.
Tem coisas que a gente não deveria aprender com nossos pais: traição é
uma delas.
Uma hora ou outra a gente vai sentir na pele e vai aprender. Porque a
vida é mesmo feita de segredos e mentiras. Às vezes expostos; outras, nunca
revelados. Um dia a gente é alvo; no outro, algoz. Às vezes arde; muitas outras,
no fundo, pouco importam.
Numa quarta-feira à tarde eu vi meu pai aos beijos com a Dona Clara e
desejei ficar cega. Eu vi. Ninguém me contou. O Sol estava forte e achei que
podia ter me enganado. Cega pela luz. Cheguei perto o suficiente para ver sem
ser vista. E enxerguei. Nítido, embora cega de raiva. Não esperava ver meu pai
ali e não esperava ver Dona Clara na boca do meu pai. Aquilo me deixou sombria
por dias. Talvez tenha chovido. Dentro do quarto choveu.
Depois de cega, fiquei muda por três dias inteiros. Só voltei a falar no
domingo. É que domingo era o nosso dia de café-da-manhã de hotel, uma
brincadeira que criamos quando eu era tão pequena que nem lembro bem como.
Só sei que começou depois de umas férias.
- Bia, você anda tão estranha esses últimos dias. Aconteceu alguma coisa?

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- Eu vi o papai beijando a Dona Clara - disse assim mesmo. Papo reto. Eu
não traio.
E o silêncio que toda manhã de domingo merece invadiu a sala. Acho que
até o passarinho da janela parou de cantar num susto. Foi como se um parente
próximo tivesse morrido. Não sei se um parente querido, daqueles de quem
sempre sentiremos falta, ou um bem distante, que nos comove mais pela morte
do que pela vida. Mas alguém morreu. Ou algo. E, depois do alívio de ter cuspido
o veneno que me matava aos poucos, senti medo de ter dado o bote em minha
mãe querendo enfiar as presas no meu pai.
- Ouviu, mãe? Eu vi o pai beijando a Dona Clara. A senhora faz tudo por
esta família e o que ganha em troca? Chifres - insisti esperando uma
reação que nunca veio.
Meus pais se entreolharam com uma cumplicidade desconcertante para
quem tinha jogado uma bomba de potencial atômico. Nunca havia lido sobre o
silêncio em Nagasaki.
- Eu falo? Ou você fala? - minha mãe enfim reagiu.
- Você - disse meu pai, que a esta hora devia estar aos pés dela, mas não
estava.
- Filha, vou começar com um conselho: à exceção de casos de violência
doméstica, nunca se meta na vida de um casal. Você pode morar com
eles, ser fruto deles, e ainda assim não saber o que se passa naquela
intimidade - minha mãe falou com a tranquilidade de quem bebe leite
morno. Se um dia você for contar a alguém que ela é, sei lá, chifruda, né?
Certifique-se de que ela tem interesse em saber. Este negócio de tratar o
outro como você gostaria de ser tratado é um bom parâmetro, mas a
verdade é que a gente não é o outro e nunca vai saber como ele pensa,
ou sente.
E a luz chegou à mesa, brilhando a maçã verde e derretendo a manteiga
amarela.
- Eu e seu pai temos 45 anos. Trabalhamos, pagamos nossas contas,
sustentamos nossa casa e nos achamos no direito de sentir prazer.
O pão me desceu seco.
- De todos os livros que lhe demos, a gente sempre evitou os de fadas. Não
só porque não queríamos que você esperasse por príncipes, mas também

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para que não crescesse acreditando em fantasias sobre o amor ideal.
Você pode ser feliz por muito tempo, até pra sempre, mas não o tempo
todo. Eu sinto se ter visto seu pai beijando outra mulher partiu seu
coração. Mas isso não tem nada a ver com você. Nem comigo. Só diz
respeito a ele e à moça beijada.
- Como é que é? Então trair é ok aqui em casa?
- Trair? Bia, traição é pretensão de quem se imagina autoridade sobre
comportamentos alheios. No caso de relações amorosas, é fantasia de
quem se acha dono do desejo do outro. Conhece algo mais mutável que
desejo? Isso mesmo - disse acarinhando a mesa - você amava tapioca,
teve a fase do pão com ovo, depois cuscuz, hoje é só café sem açúcar, e
ninguém sabe o que vai ser amanhã. Mas estamos aqui, juntos. Sempre
mudando, sempre nós, juntos.
- Amor, é a Clara - meu pai disse mostrando o celular. E era o celular da
minha mãe.
- Não é possível! Você sabia? Ela liga para você para falar com o papai?
- Não, filha - meu pai acordou. Quem vai sair com ela é sua mãe. Aquele
beijo foi a gente testando se seria bom ficarmos os três. Mas não será.
Vamos pra praia comigo?
Tem coisas que a gente deveria aprender com nossos pais: aos domingos
cada um faz o que gosta; e café só presta quente.

Patrícia Baldez
Patrícia Baldez é formada em Comunicação e História.
Talvez por isso tenha uma necessidade visceral de
comunicar suas histórias cotidianamente. Tem a leitura e a
interpretação da vida como um hábito. Escreve numa
tentativa constante de entender o mundo ao redor e o interno
também. Nem sempre consegue, mas está decidida a
continuar tentando. Para conhecer mais sobre sua escrita,
visite o Linktree na bio do seu perfil literário no Instagram: o
@partsy.79.

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Dono do mundo
Elaine Perez

Sérgio estava empolgado, chegou, tomou uma ducha, assumiu o preparo


da massa.
Abriu o Casal Garcia, deitou o líquido vermelho nas duas taças em
temperatura exata, pediu para Carina colocar Takuya para ouvirem. A noite tinha
tudo para ser desfrutada e degustada em todos os sentidos.
Durante o jantar, Sérgio introduziu o assunto “Twitter”. Sendo amante das
redes sociais, jornalista, ávido por informações e apaixonado por tecnologia,
trouxe para a mesa nada mais, nada menos que “Elon Musk”.
Seus olhos brilhavam ao falar das conquistas do novo controlador da rede
social.
Carina de início só ouviu. Sérgio, como se estivesse apresentando um
cardápio requintado, expôs à amada o banquete de posses do homem mais rico
do mundo.
A cena foi de um fã ardoroso, relatando conquistas de seu ídolo.
— Amor, ele se formou em física e economia, hoje é o dono da montadora
automobilística Tesla e da empresa espacial SpaceX. O cara sofreu bullying por
ser um gênio e agora vai controlar a rede social tida como uma das mais tóxicas
e também uma das mais promissoras da atualidade.
Carina consentiu com a cabeça enquanto seu amado, entre um gole e
uma garfada, continuava.
— Com sua genialidade, ele vai levar o “Twitter” para o ranking de melhor
rede social do mundo. Já demitiu vários chefões e garantiu seu desejo em ajudar
a humanidade. Não tem intenção em ganhar dinheiro, pretende oferecer um
espaço acolhedor, avesso às violências e promotor de anúncios em sintonia com
as necessidades dos usuários.
— Bonzinho ele, não? — Carina falou com ironia, e até pensou se deveria
ter dito ou não. Decidiu ainda ampliar os itens do banquete à “Elon Musk”.
Iniciou sua fala perguntando se o amado já tinha lido alguma coisa sobre
humanos híbridos. Com a negativa do namorado, ela deu sequência aos
conhecimentos adquiridos com a amiga Ana Clara.

156
— Não acredito, você vai falar dos delírios dessa sua amiga. Ela vive
fazendo sua cabeça. Meu, ela só fala em ET. — o clima amistoso começou a
pesar.
— Você falou e eu ouvi. Agora posso falar sobre seu ídolo? — questionou
a mulher..
Sérgio fez um movimento com a cabeça, demonstrando estar disposto a
ouvir. Até porque, conhecendo Carina, sabia da força dela quando desejava ser
ouvida.
— Ana Clara me falou sobre o Elon Musk. Há várias teorias sobre ele.
Todas interessantes.
— Quais? — perguntou Sérgio e depois tomou um volumoso gole de
vinho.
— Ele pretende fazer da humanidade uma espécie multi-planetária. Não
é delírio, ele está junto com a NASA nesses estudos.
— Essa informação eu engulo. Já li algo e pretendo pesquisar mais sobre
o assunto. Tem mais alguma coisa?
— Muitas coisas. O seu gênio divulgou sobre a nova descoberta da China
no lado oculto da lua. Você não está sabendo? Pois bem, os chineses
descobriram o "Hélio-3”, substância tida por eles como a fonte de energia do
futuro. Com certeza ele vai se meter nesse assunto.
— Qual a relação disso tudo com seu questionamento sobre humanos
híbridos? — perguntou Sérgio.
— Vamos lá, o poder desse homem, exposto por você mesmo, é enorme.
Sua inteligência nem se questiona.
— Até aí sem nenhuma novidade. — falou o namorado.
— Existem segmentos de espiritualistas e religiosos defendendo a
possibilidade do Elon Musk ser um anticristo. Estamos só conjecturando.
— Agora, nós vamos migrar da ciência para o sobrenatural, espiritual e
seja lá mais o quê? — questionou Sérgio.
— Vamos contextualizar. Seu milionário teve uma carreira meteórica. Deu
tudo certo para ele.
— Qual o problema? — perguntou Sérgio.
— Uma de suas empresas constrói naves e foguetes e outra prometeu
colocar uma infinidade de satélites em órbita baixa, para vender internet. Aí, eu

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e a Ana Clara, interessadas em extraterrestres, somos as únicas delirantes? E
ele? Seu interesse é só econômico? Científico?
— Não sei aonde você quer chegar com essa conversa. — Sérgio sentiu
a cabeça rodar.
— Você é o jornalista e eu a socióloga aloprada. Quero somente dialogar.
Sem endeusar. — Carina continuou.
— Ele esteve no Brasil, conversando com o Bozo. Certeza, a Amazônia
deve ter sido foco dos diálogos. — Carina, estava bem ligada, e deu sequência
aos argumentos.
— Ele já se pronunciou a respeito de robôs, máquinas e computadores e
afirmou a possibilidade deles dominarem o mundo. Para isso já apresentou a
solução, implantar chips em nossos cérebros.
— Talvez isso resolva os problemas da humanidade. — respondeu
Sérgio, com uma dose de ironia.
— Nem Foucault, Deleuze e talvez nem Agamben consigam explicar essa
realidade. — respondeu a socióloga.
— Lá vem você com seus pensadores. Essa gente não produziu e não
produz nada.
— Será? Não pretendo destruir ou rotular seu ídolo. Só acho perigoso
tanta devoção.
— E tem mais, existem teorias sobre seres reptilianos, sobre híbridos e
seu papel nos espaços de poder. Ana Clara acredita na possibilidade do Elon
Musk ser um desses seres.
— E você acredita, também? — perguntou Sérgio.
— Eu prefiro ficar no campo das indagações sociológicas e filosóficas. E
pergunto. Estaria ele imbuído do desejo real em libertar a humanidade do atual
controle? Estar em campos estratégicos de poder e assumir o controle, pode ser
indício do domínio, capaz de submeter ainda mais a humanidade.
Sérgio não respondeu, bebeu o último gole na garrafa e disse estar com
sono.
Carina ficou arrumando a cozinha, e se arrependeu de ter dito para Sérgio
algumas falas de sua conversa com a amiga Ana Clara.
O noivo reagiu da pior maneira e não deixou espaço para nenhuma vírgula
a mais. Takuya foi substituído pelo ronco forte e profundo.

158
Elaine Perez
Elaine Perez, nascida em 1965, Sorocaba, SP. diretora
de escola aposentada, escritora, poeta e compositora
sorocabana. Escreveu as obras: Caminhos Poéticos de uma
educadora, Estudo poético da Mediunidade, No cotidiano das
creches - A infância sorocabana revelada: um estudo sobre
as proteções negociadas com a violência, Medicalização e
educação: o entorpecimento da infância no cotidiano escolar,
A pedra dos meus olhos, Artmada e Na rede eu conto.
Participou de antologias de poesia e contos. É integrante do
Grupo o Ato de escrever, do Clube do Contista/ Casa do
Contista, do Coletivo Escreviventes e participa das oficinas
de Mell Renault.
https://instagram.com/elaineperezfo?r=nametag

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“Reflexos em pó escuro”
Alexandre Cruz de Oliveira

Depois de um leve almoço de sábado como que a purgar a toxicidade da


semana que passou pego no caderno e no lápis e sigo em direção ao jardim para
estender a minha vista no horizonte, dando liberdade à visão e à criação que
estiveram encarceradas cinco dias entre paredes. Procuro a paz na escrita e ao
mesmo tempo esquecer a monotonia repetitiva de uma semana de trabalho em
que tudo é previsível e onde a resignação reina com a adaptação a realidades
forçadas ao nosso verdadeiro ser, quero encontrar a diferença e ao mesmo
tempo dar sentido a uma vida de prisões, sentir que tenho o controlo e o poder
da escolha na ponta da mão, uma chave no lápis que me abre os grilhões da
mente.
Chego ao jardim. Sento-me e contemplo o branco do meu caderno aberto,
onde me levará esta ausência de cor? Aguarda o toque escuro do lápis, um
contraste que faça sentido neste branco uniforme, pelo menos para mim. Dou
início ao movimento, à criação das palavras que vem de uma linha que parte do
centro da minha mente, percorrendo o pescoço, ombro, braço, mão e dedos,
ligando-se a este pedaço de madeira com um interior formado de palavras
comprimidas em carvão, que se unem ao papel libertando o pensamento num
pó escuro. O lápis não reflete a cor dos meus pensamentos, pelo menos neste
momento. Este movimento fluido de um traço negro deixa para trás escritas de
várias cores, sons e sentimentos, como o infinito universo multicolorido guardado
por detrás do véu noturno salpicado de branco, não se vê, mas sabemos que
está lá, atingível pela nossa imaginação e não pelo olhar, do mesmo modo estas
palavras escondem universos por detrás.
Calo a minha mente e persigo a inspiração, ouço o que me rodeia, infinitas
conversas, algumas perto, algumas distantes e outras de passagem, todas se
fundem no som e, no entanto, estão separadas, pequenos trechos de uma
sinfonia improvisada com intérpretes alheios à obra a que pertencem e que se
harmonizam inconscientemente. Juntamente com o som das conversas alheias
vem um murmúrio transportado no vento fresco de fim de outono, traz o
prenúncio do grito gelado do inverno, um grito que ecoa nas paredes frias da
solidão, vem com a falta do toque quente do sol, o qual nos alegra como que

160
misteriosamente, sem explicação, mas fazendo todo o sentido e dando sentido
à nossa existência, como se a vida nos abraçasse e nos disse-se ao ouvido:
“-Sim, estou aqui!”.
Vejo-me sentado no centro de uma circunferência, medida pelo raio da
minha audição, como um vértice perdido observo e ouço, sou rodeado por todas
estas conversas que são como caminhos com inúmeras saídas e sempre com
um fim, não vejo onde vão parar, posso apenas imaginar. O meu diálogo é
interior, converso com a imaginação e transcrevo para o papel, consigo escolher
qualquer caminho, ou saltar entre eles, sem barreiras nem fim, tenho mais
destinos à minha frente do que as conversas que me rodeiam neste jardim,
porque dependem de algo físico, a mente não tem barreiras, não necessita de
uma boca para falar nem de ouvidos para ouvir.
Olho para o relógio, o tempo perdeu-se na reflexão, reaparece agora com
o cair do sol nas árvores, surgindo com a noção de mais um dia findado. Limitado
pela luz para escrever fecho o caderno, mudo de rumo e entro no caminho
inevitável que me leva à realidade da vida quotidiana, conheço-o bem pois ando
nele todos os dias, e, no entanto, parece-me surreal.
Com o aproximar da cidade o verde dominante da natureza é sufocado
aos poucos até ser engolido pelas cores escuras das ruas, somando lugubridade
ao pôr do sol. A cidade não para, segue num movimento frenético pela escuridão
adentro, o seu barulho expulsa a paz do silêncio e abafa os pensamentos,
penetrando no subconsciente como um vírus. Somos moídos pelas engrenagens
desta máquina devoradora, que nos puxa em todas as direções como um
instrumento de tortura medieval, arrancando-nos os membros, cada um para seu
lado para serem repartidos e devorados por uma sociedade canibal, todos
servem de alimento e todos se alimentam, enojando-se à luz e saciando-se na
escuridão. A cidade é um organismo vivo e nós somos o sangue que corre nas
suas veias. Todos se entregam num sacrifício voluntário, deixando-se abraçar
pelos seus braços feitos de correntes de opressão, confortando-se na
resignação impotente da cobardia. Sentem-se seguros e felizes, sendo
retribuídos com os seus desejos e paixões, que embora sendo fugazes são
perpetuados em imagens de felicidade ilusória numa qualquer rede social,
enganando-se a si próprios e ao mundo.

161
Caminhamos num crescimento egoísta e horizontal que nos afasta da
plenitude a que nos destinamos, seguimos em frente procurando o nosso reflexo
num destino que nunca chega, só existe no nosso desejo, e o desejo vive na
ignorância, só conhece o que o satisfaz. Eu procuro esse reflexo no branco do
meu caderno, nos meus pensamentos, perpetuados em traços negros, para
amanhã poder olhar para eles como me olho ao espelho quando acordo num
novo dia. Serei o mesmo? Só mais uma página o dirá.

Alexandre Cruz de Oliveira


Alexandre Cruz de Oliveira nasceu em Lisboa a 25
de Abril de 1982, embora sempre tenha gostado de
escrever só recentemente desenvolveu um gosto mais
profundo pela escrita, inspira-se principalmente na
natureza como um catalisador de pensamentos através de
todas as sensações e estímulos que transmite criando
uma sinergia com os sentimentos inerentes ao ser
humano.

162
Amores pós-pandêmicos
Vanessa Dias

Era uma tarde de chuva. Margareth descansava na antiga poltrona de


veludo azul na biblioteca particular do primeiro morador do sombrio castelo,
agora tornado em hotel. Entre obras raras, poeira e mofo, Margareth acabou
encontrando o amor de sua vida. Oswaldo era um legítimo gentleman, um
cavaleiro de capa, relógio de bolso, senso estético apurado, moral vitoriana. O
ilustre cavaleiro fez-lhe mesuras, beijou-lhe as mãos, levou-a a conhecer cada
centímetro de sua vasta biblioteca e logo descobriram gostos compartilhados.
Diante do encantamento de Margareth, Oswaldo presenteou-lhe com um original
autografado pelo próprio Oscar Wilde. O que nasceu daquele encontro? Um
amor genuíno, fruto da admiração mútua, que atravessava as barreiras físicas e
temporais. Na primeira noite, Oswaldo sentou-se à beira da cama de sua amada,
com suas frias mãos acariciou seus negros cabelos, tocou-lhe a face ainda
maquiada, velou seu sono.
Na manhã seguinte, Oswaldo trouxe-lhe peônias colhidas do jardim.
Enquanto Margareth sentia um inusitado enternecimento, o cavaleiro soturno
pediu a mão de sua amada. Ao que a dama não conseguiu e nem quis hesitar.
Não se lembrava da última que dormiu em paz. Naquele momento, começou a
saga do casal em busca de um celebrante que aceitasse unir duas almas
apaixonadas, em vez de focar na união dos corpos físicos. Foram escarnecidos,
hostilizados, demonizados...
Lutaram a mais bela batalha contra uma sociedade materialista. Oswaldo
consolava a amada que quase se dava por vencida... já pensava em abreviar a
própria vida para encontra-se com seu cavaleiro. Até que, finalmente,
conheceram Macedônio. E, este, com os poderes materiais e espirituais a ele
concedidos, decidiu unir as duas belas almas em linda e caríssima cerimônia.
A alma de Oswaldo vibrou com tanta intensidade que quase se
materializou. Margareth pode sentir sua viril mundanidade. Teve asco. Deixou-
se arrastar para uma lua-de-mel brega e pegajosa. Seu estômago embrulhado
com a rigidez da felicidade de Oswaldo. Definitivamente, não era aquilo que
esperava da união. Oswaldo, arrastado pelos desejos da carne, sem se atinar
para os desejos do coração da esposa. Margareth precisava pedir o divórcio. Era

163
urgente. Consultou Macedônio na esperança de separar suas almas novamente.
Mas, ao que parece, o recém-inaugurado direito penado não previa essa
cláusula. Teriam uma eternidade para resolver essa bagaça.

Vanessa Dias
A autora é Cientista Social (UFF) e Mestre em
Memória Social (UNIRIO). Já atuou como pesquisadora e
docente no ensino superior. Atua como Gestora de Políticas
Públicas no município de Petrópolis/RJ. Participa do Coletivo
de autoras "Mulheres Maravilhosas". Vem se dedicando à
escrita de contos e crônicas abordando os desafios da vida
contemporânea. Publicou em coletâneas físicas, bem como
em revistas digitais. Mantém um perfil no IG: @
o_brasil_me_obriga_a_escrever, no qual busca uma escrita
diária mais leve e interativa. Contato: e-mail:
van.dias.pvgd@gmail.com

164
Prêmios experimentais
Benjamim Franco

Saíram os resultados: das 15 bilhões de pessoas na Terra, ou melhor, os


85.928.273 que se deram ao trabalho de comprar um bilhete da Lotto-Loto, uma
pessoa sortuda era a mais feliz de todas. Cem mil créditos, limpos: esse era o
prêmio principal. Havia também prêmios inferiores, para sortes inferiores:
créditos nas casas dos cinco dígitos, e também dos quatro; cruzeiros suborbitais,
kits completos para design de sobrancelhas, patinetas elétricas… além de
prêmios que poderiam ser considerados apenas…
—Experimentais? Prêmio é prêmio, né? — Animé não poderia esconder
seu sorriso, apesar de sua dentição ser natural; o amarelo claro de seus dentes,
assim como o verde de seus olhos, eram as coisas mais coloridas naquela sala.
—É um prêmio sim, e dos grandes — a Professora disse. Ela analisou
Animé de cima a baixo, tentando não encarar suas roupas velhas e frouxas, ou
seu cabelo natural — Porém, por questões jurídicas e éticas, ainda não podemos
divulgar, promover, ou, contemplá-los pro público em geral.
Animé observava o escritório, decorado em tons off-white de bom gosto.
Nenhuma das janelas projetadas nas paredes estava desalinhada, os livros
físicos eram tijolos cinzentos de espinhas intactas, e os poucos enfeites na
estante da Professora, as estatuetas e fotografias 3d, eram tão belas quanto
substituíveis, e pintadas em tons de carne discretos. —Tipo, topo tudo! Se não
for muito nojento ou perigoso ou…
A Professora girou sua caneta entre os dedos. — Seu corpo não sofrerá
perigo algum. Ouso dizer: vai fazer um bem danado pra suas… condições
médicas. Mas…
—Vai curar minha halitose?— Animé interrompeu.
A Professora sorriu, e enrolou a caneta na franja de sua peruca cinzenta.
—Sim, com certeza.
—Bora lá então! Onde eu assino?
Elu assinou o formulário. O procedimento poderia, então, iniciar.
Animé abriu os olhos. Elu não lembraria do que aconteceu antes: foi
necessário esforço para lembrar do laboratório, do curso intensivo obrigatório de
RC, ou Realidade Consentida, e da Câmara RC propriamente dita.

165
—Por que tanta cor? Tudo é tão… brilhoso.
A voz da Professora ecoava na cabeça delu. “Bem-vinde à Terra de
Antanho, e à Realidade Consentida. Animé, não precisa falar em voz alta. Só
pensa na Câmara RC e subvocaliza as coisas, falando em pensamento, e eu te
escuto, tá bom?”
“É tudo tão colorido. Tão vermelho e… azul?” Elu apontou pra uma
samambaia.
“Este tom específico de azul a gente chama de ‘verde’, Animé. Você vai
ter que se acostumar.”
“E que lugar é esse? Todo diferente…”
“Este é o seu quarto aqui na simulação! O seu quarto, na sua casa! Tá
feliz, Animé?”
Animé bafou as costas da mão, e cheirou. —A halitose sumiu. Sumiu!
Elu observou seu quarto. As paredes estavam vazias, pintadas em um
tom de pêssego. A mobília era minimalista: uma cama de solteiro com lençóis
azul-marinho, e na escrivaninha, havia apenas um espelho de mão. Havia, é
claro, a samambaia. Por último, havia um imenso guarda-roupas: um guarda-
roupas feito de…
—Madeira? Madeira de verdade? De árvore?!
“Animé, não se esqueça, esta é a Realidade Consentida… então não é
‘de verdade’ de verdade, mas é tão ‘de verdade’ como se fosse! Taí seu prêmio.”
Animé estava extasiade. —E tem árvores de verdade aqui?
Elu surgiu em frente à sua casa. Cercada por uma muralhinha circular, de
três tijolos de altura, e fincada em um murundu de terra roxa bem vermelha,
estava uma árvore.
“Terminalia catappa. Uma amendoeira da praia. Toda sua, Animé!”
Animé começou a chorar sem parar. Elu abraçou a árvore, esfregando a
casca áspera. Aí, algo caiu em sua cabeça.
—O que é isso?— Animé apontou para o pelote verde e oval.
“É o fruto. Caiu da árvore.”
—Estragou a árvore? Minha árvore quebrou? Ah, não!— Uma folha, do
tamanho da cabeça de Animé, caia, dançando pelo ar, até pousar junto a outra
folha, e a um panfleto de propaganda.

166
—Por que tudo é tão… sujo? Por que tudo fede tanto?— Elu empurrou a
folha com seu sapato. — Por que tudo é assim? — Animé olhou em torno: havia
rachaduras no cimento, mato nas frestas da calçada, e junto à guia amarelo-ovo,
algo que parecia… — Isso é… excremento?!
A Professora suspirou. “Não se esqueça: a Realidade Consentida é como
a Terra um dia foi. Mas será que temos que abrandar a simulação ainda mais?”
O coração de Animé disparou. Elu atravessou a rua correndo, em pânico
ao ver as folhas caídas, vermelhas e marrons, as paredes das casas e
comércios, pintadas em todas as cores; os panfletos, pôsteres e pichações.
—É muito pra mim— gritou Animé —É demais pra mim!
A Professora estalou a língua. —Realidade Consentida, abortar!

FIM

Benjamim Franco
Nascido e criado no Vale do Paraíba, entre Rio
e São Paulo, Benjamim Franco é técnico em
informática e historiador. Seus textos podem ser
encontrados em lugares como a Pulpa, a Revista
Pretérita, e Subtextos. Sua primeiro auto publicação,
O espírito da batata e outras histórias, está disponível
na Amazon.
Benjamim Franco
Nascido e criado no Vale do Paraíba, entre Rio
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e São Paulo, Benjamim Franco é técnico em
informática e historiador. Seus textos podem ser
Obrigado por ler até aqui,
a revista foi produzida com
muito carinho.

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Muito obrigado!

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