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Guerra e Mercenarismo

na

Atenas Clássica

Alair Figueiredo Duarte


Alair Figueiredo Duarte

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO


INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE

Guerra e Mercenarismo
na
Atenas Clássica

Alair Figueiredo Duarte

Rio de Janeiro
NEA/UERJ
2013

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Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

Copryright©2013: Todos os direitos desta edição estão reservados ao


Núcleo de Estudos da Antiguidade – NEA, da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, 2013.

Capa: Junio Cesar Rodrigues Lima

Descrição: Psykter (vase for cooling wine), ca. 520-510 B.C.; Archaic;
red-figure. Attributed to Oltos. Greek, Attic. Gift of Norbert Schimmel
Trust, 1989 (1989.281.69). Disponível: The Metropolitan Museum of
Art.

Editoração e Diagramação: Carlos Eduardo da Costa Campos &


Luis Filipe Bantim de Assumpção

Revisão: Gabriel Soares & Michael Barbalho

Projeto Editorial: Publicações NEA/UERJ

Direção: Prof.ª Dr.ª Maria Regina Candido

CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CTC/B

D812 Duarte, Alair Figueiredo. Guerra e mercenarismo na Atenas


clássica/ Alair Figueiredo Duarte.- Rio de Janeiro: Rio-DG: UERJ/NEA,
2013. 128 p. ISBN: 978-85-60538-10-2

1. Civilização grega. 2. Tropas mercenárias – Atenas (Grécia). I. Título.

CDU 938

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Alair Figueiredo Duarte

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Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

“É impossível que homens capazes de usar a


força e de resistir a ela sejam sempre submissos
[...] Os senhores do poder das armas têm também
o poder de sustentar ou mudar a constituição”.
(ARISTÓTELES, Política, 7, 1329 a)

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Alair Figueiredo Duarte

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Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

SUMÁRIO

Prefácio 11

Apresentação 14

Introdução 19

Capítulo I:

Grupos Étnicos: Cultura e Civilidade Helênica na


comparação entre Soldados-cidadãos e Soldados-
mercenários, no século V a.C. 31

I.1 – Barbarismo e Civilização: uma Ótica Antropocêntrica 32


I. 2 – Fronteiras Culturais 41
I.3 - O Conceito de Cultura e Natureza como Instrumento para
o Exercício do Poder 45
I. 4 – Linguagem e Civilidade 51
I.5 – Soldados-mercenários, Soldados-cidadãos: Identidades
Étnicas entre Culturas 57

Capítulo II

Mercenarismo sob a Análise comparativa do Soldado e da


Guerra na Sociedade Helênica 65

II.1- Comparando Arquétipos: o Guerreiro, o Soldado-cidadão e


o Soldado-mercenário 75
II. 2 - O Soldado-mercenário: um Especialista das Armas 83
II. 3 - O Poder Político e a Ação do Mercenarismo 100
II. 4 - O Mercenarismo 102

Conclusão 109

Glossário 116

Referências 121

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Índice de Tabelas e Gráficos

Tabela 1 - Baixas de Guerra na Grécia Clássica de 431-322 61


a.C.

Gráfico 1 - Taxa de Mortalidade na Hélade (431-322 a.C.) 62

Tabela 2 - Armamento do Período Micênico 66

Tabela 3 - Armamento Hoplita 68

Tabela 4 - Baixas Militares (431-404 a.C.) 105

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Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

ABREVIATURAS

Apud.: Citado por.

C.f.: Confira, Confronte.

Ed.: Editora.

Et. Al. E, Vários autores.

Fig.: Figura.

Frag.: Fragmento.

Ibidem: Na mesma obra.

Idem: No mesmo autor.

In: Em.

Loc.: No lugar citado.

p.: Página.

pp.: Páginas.

Passim: Em diversas passagens.

Tab. Tabela.

v.: Verso.

vv: Versus.

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Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

PREFÁCIO

Henrique Modanez Sant‟ Anna

Os dois termos gregos mais comuns para a caracterização do


soldado mercenário grego são xenos e misthophoros. O primeiro deles, em
princípio, faz referência ao estrangeiro, mas na condição de exilado ou
refugiado que se vê obrigado (ou disposto) a oferecer seus serviços
como soldado profissional, isto é, um misthophoros. Tal era o caso de
Clearco, um espartano exilado, que no comando de outros mercenários
havia aspirado ao poder tirânico em Bizâncio (Diodoro Sículo, Biblioteca
Histórica, 14.12 e Polieno, Estratagemas, 2.2). Os dois termos são, então,
intercambiáveis e aparecem nas fontes com propósitos idênticos (a não
ser quando xenos faz referência unicamente ao estrangeiro, visitante ou
convidado, como na Odisseia, 1.313).
Após a consagração da batalha de tipo hoplítico nas Guerras
Greco-Pérsicas, o número de mercenários contratados no pós-Guerra
do Peloponeso (momento de crise no mundo grego, portanto) parece
ter aumentado consideravelmente no Oriente Próximo. O caso mais
emblemático é, sem dúvida, o dos Dez Mil (na verdade, cerca de
13.000) misthophoroi recrutados por Ciro, o jovem na tentativa fracassada
de usurpação do trono persa (Xenofonte, Anábasis ou A Retirada dos
Dez Mil), número equivalente aquele dos hoplitas atenienses na
expedição de conquista da Sicília (415-413 a.C.), ocorrida durante a
Guerra do Peloponeso (Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, 6-7).
Ironicamente, o tipo hoplítico foi produto de amadores na guerra, os
soldados-cidadãos. Mas cidadãos não podiam se dedicar integralmente à
guerra (exceto os espartanos, mas por razões muito específicas),
deixando a tarefa para mercenários que combatiam como hoplitas em
longas e distantes campanhas, sem ter de possuir qualquer sentimento
cívico para o envolvimento no conflito. Por essa razão, a arte da guerra
grega a partir do séc.IV a.C. contava com um número cada vez maior

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Alair Figueiredo Duarte

de profissionais, os quais respondiam às necessidades de seu tempo de


modo mais satisfatório que os exércitos cívicos.
Nos finais do século IV a.C., Agátocles havia se
autoproclamado rei como os diádocos baseado na autoridade que
possuía entre suas tropas (vale dizer, mercenárias) e não na magistratura
que lhe cabia em Siracusa, onde seu poder tinha já se transformado em
mera formalidade. Somente mercenários (gregos, no caso) poderiam
compreender, em plena Sicília e norte da África, o significado de uma
realeza helenística, da forma como a caracterizamos hoje, devido ao
trânsito mediterrânico comum à sua profissão. Agátocles, no entanto,
não representa o único nem o mais importante caso no uso de
mercenários gregos no período helenístico, tampouco a história do
mercenarismo grego teve início naquele momento, remontando ao
menos até a segunda metade do séc.VII a.C., quando se pode notar a
presença de mercenários gregos a serviço dos faraós da 26ª dinastia.
Assim, diante do impacto do mercenarismo grego no mundo
mediterrânico antigo (os exemplos acima não fazem jus nem de longe à
sua relevância completa para a história antiga), impressiona a escassez
de trabalhos acadêmicos destinados exclusivamente ao mercenarismo
grego antigo. Uma explicação possível se retira da imagem do
mercenário entre os próprios antigos, aqueles “assassinos, mutiladores,
ladrões e arrombadores de casa”, como diria Políbio (Histórias, 13.6), o
que certamente modelou a maior parte dos interesses investigativos
modernos, sempre mais voltados à identificação do seu mundo com o
“modelo cívico” greco-romano.
O livro de Alair Figueiredo Duarte vem preencher as lacunas
existentes no campo dos estudos sobre a misthotiké (ou serviço
mercenário). Neste estudo, o tema do mercenarismo grego é tratado de
modo sério e competente, sempre aludindo às informações retiradas
das fontes. Além disso, merece destaque o fato de o autor ter explorado
as origens sociais dos soldados mercenários, quase sempre oriundos
dos grupos de soldados-cidadãos que a guerra regular e intensa abalou.
Somente um estudo que interprete em seus próprios termos os

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Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

soldados profissionais gregos, tão importantes para os rumos que a


história grega antiga tomou, pode dar conta de seu significado histórico.
Este livro representa não somente o esforço supracitado, mas também
a integração institucional (fomentada, no caso, pelo NEA-UERJ há 15
anos) necessária ao avanço da ciência. Ao leitor, por fim, convido a ler
este livro e a desfrutá-lo em todas as suas potencialidades.

Prof. Dr. Henrique Modanez de Sant‟Anna


Universidade de Brasília – UnB

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Alair Figueiredo Duarte

APRESENTAÇÃO

André Leonardo Chevitarese


Maria Regina Candido

Este livro faz parte de uma coletânea de publicações do


NEA/UERJ que visa democratizar o saber produzido na academia. O
pesquisador Alair Figueiredo Duarte integra o Núcleo de Estudos da
Antiguidade, atuando como professor da Pós-Graduação Lato
Sensu/CEHAM/UERJ na área da Sociedade Grega e ministra cursos
com temas relacionados à guerra e historia militar no período arcaico,
clássico e helenístico. Este eminente professor se especializou na
formação do mercenário no período arcaico, analisando as imagens de
vasos áticos que denotam o ritual da partida do soldado, além de
exercer a função de orientador de alunos de graduação e pós-graduação
em sociedades helênicas.
O professor Alair Figueiredo Duarte possui qualidades raras
nos dias atuais que é a ousadia de estabelecer o dialogo entre os saberes,
tendo em vista que a sua formação vem da área de Filosofia e dialoga
com a área de História e Arqueologia Fisica. Ao interagir com a
História, o pesquisador adquire a especificidade de trazer para o
historiador indícios do imaginário social que circulava na sociedade
pesquisada, delimitando certas ações, atitudes e comportamentos. A
seriedade, persistência e excelência com a qual o autor abraça uma
pesquisa também se destacam junto as suas publicações e artigos. A
publicação que se segue foi resultado de um longo tempo de pesquisa
cuja maturidade e qualidade expressam o cuidado com a delimitação do
tema, o estabelecimento de questionamentos, a definição de conceitos e
a sua aplicabilidade e singularidade na metodologia de analise do
discurso aplicada a documentação.
O tema sobre guerra e mercenarismo na Antiguidade detém
escassa publicação no que tange ao estabelecimento de analise
pertinente a formação do imaginário social do soldado-cidadão
comparado com o soldado-mercenário na Atenas do V - IV séculos
diante do recebimento da mistophoria. O fato levou o pesquisador a
desvendar a documentação buscando explicar qual o conceito
construído em torno do mercenário no período clássico e que
motivações socioeconômicas definiram a inserção do pagamento do
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Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

misthos e qual seria a aspiração desse soldado mercenário ao engajar-se


em uma guerra que não lhe pertencia. Essas questões permeiam toda
pesquisa do professor Alair Figueiredo Duarte que usa de linguagem
articulada que leva o leitor ao fácil entendimento e a especificidade da
metodologia de abordagem, ações que tornam o eminente professor
um dos mais recentes especialistas no tema sobre Antiguidade Grega.
Ratificando minhas observações, a obra também recebe a
análise de um eminente e renomado especialista em sociedades Antigas
como o Professor André Leonardo Chevitarese, o participa da
apresentação deste livro sob o convite do autor. Nas palavras seguintes
podemos verificar a análise do Professor André Chevitarese.
Foi com imensa alegria que aceitei o convite para escrever essa
apresentação, já que eu conheço o professor Alair Figueiredo Duarte há
muitos anos, desde quando ele era um jovem graduando da UERJ. Por
isso a minha satisfação, já que acompanhei de perto o seu esforço para
tornar-se, o que hoje ele é de fato, um especialista em História Antiga
Grega.
Esse livro, que tem como título Guerra e Mercenarismo na Atenas
Clássica, é resultado da pesquisa de Mestrado, orientada pela Dra. Maria
Regina Candido, desenvolvida e defendida em 2011 no Programa de
Pós-Graduação em História Comparada do Instituto de História da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Esse dado não deve ser banalizado, muito pelo contrário, ele
precisa ser explicitado pela sua raridade, já que a quase totalidade das
pesquisas de Mestrado e Doutorado, das mais diferentes áreas do
conhecimento, jamais ganhará uma versão para livro, o que acaba
dificultando o acesso de outros leitores, para além das próprias Bancas
Examinadoras que as leram. Por isso a minha ênfase, pois, nesse caso, o
público tomará contato com o que há de mais recente na pesquisa
sobre história militar no período clássico grego.
Ao mesmo tempo, a editora que está publicando esse livro
precisa ser parabenizada, especialmente por acreditar que é possível
publicar textos bons e atuais, fruto de pesquisas realizadas aqui no
Brasil. Também nesse caso é raro ver esse tipo de ação acontecer,
mesmo no âmbito das editoras universitárias. Tal constatação revela um
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Alair Figueiredo Duarte

verdadeiro contra-senso, principalmente quando se pergunta: para que


serve uma editora universitária? Parece óbvio, até que se demonstre o
contrário, que ela existe para publicizar todo um conjunto de pesquisas
que não tem um apelo comercial, mas um valor estritamente
acadêmico. Ora, quando se considera o papel da editora da UFRJ nesse
processo, constata-se a sua enorme coerência em virar as costas para a
produção de altíssima qualidade realizada nos inúmeros programas de
pós-graduações da própria Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Portanto, é importante insistir: não é fácil achar uma editora que queira
remar contra uma lógica largamente disseminada no mercado editorial
brasileiro, que prefere apostar na tradução de conteúdos ultrapassados,
cujos valores repousam quase que exclusivamente no seu uso
historiográfico. Vê-se claramente delinear aqui a triste constatação do
quanto de colonizado há nessa prática editorial.
Saúdo o professor Alair Figueiredo Duarte por esse seu livro,
que com a certeza é apenas o primeiro de muitos que a sua carreira
profissional nos brindará.
O leitor vai encontrar, ao longo da leitura, uma interessante
discussão sobre a presença cada vez mais crescente do elemento
“bárbaro” no meio cultural ateniense clássico, através da figura do
soldado mercenário. Torna-se central aqui atentar para o extenso uso
que Alair Duarte fez de dois importantes historiadores antigos gregos,
Tucídides e Xenofonte, esse último através de sua obra As Helênicas.
Esses historiadores serviram de base para que o autor pudesse
demonstrar o quanto essa presença “bárbara” contribuiu para o colapso
de um dos pilares centrais das antigas póleis, qual seja, a do cidadão-
soldado no fim do quinto século.
A linguagem do livro não é hermética, proporcionando uma
fácil leitura do início ao fim do texto. Quando, por estrita necessidade,
foi necessário utilizar termos técnicos, o autor organizou um útil
glossário, situado na parte final do livro, com as respectivas traduções e
significados. Portanto, fica aqui o meu convite para que o público

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Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

interessado em história militar leia o livro Guerra e Mercenarismo na Atenas


Clássica.

André Leonardo Chevitarese


Professor Doutor Associado
Universidade Federal do Rio de Janeiro
&
Maria Regina Candido
Professora Doutora Associada
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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Alair Figueiredo Duarte

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Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

INTRODUÇÃO

A Guerra sempre se tratou de uma temática atual. Os avanços


tecnológicos propiciaram o desenvolvimento de armas cada vez mais
poderosas e capazes de varrer a raça humana da face do planeta Terra.
Tal prerrogativa contribui para aumentar cada vez mais o interesse de
filósofos, historiadores, antropólogos e cientistas sociais pela temática.
Contudo, as análises isoladas, acabam por não propiciar recursos
necessários para que de fato possamos compreende a Guerra.
Quando abordamos a temática Guerra, em boa parcela dos
casos, é comum destacarmos seus efeitos e sua potencialidade
destrutiva; tal problemática nos assola desde tempos remotos. Este é
também um dos fatores que levam pacifistas, cientistas sociais e
pensadores a buscarem incessantemente, teorias capazes de amenizar
seus impactos ou mesmo erradicá-la da sociedade. Porém nenhum
projeto, até o momento, obteve sucesso.
Não acreditamos que algum dia haverá a extinção da Guerra, ou
mesmo, que a bondade e consciência humana possam erradicar as
armas nelas empregadas; mas defendemos que se de fato quisermos
compreendê-la, é preciso um estudo transversal e interdisciplinar entre
diversos ramos do conhecimento.
O fenômeno da Guerra é composto de diversos elementos.
Entendemos que ela deva ser analisada por partes e sob diferentes
perspectivas, de modo que possamos conhecer minuciosamente os
elementos que a compõem. Dentro destas especificidades, dispomo-nos
a analisar aqueles que participam dela de maneira direta e literal.
Analisaremos o soldado e as relações do contexto social de produção
em que estão inseridos.
Vemos que Estados Nações ao início do século XIX
“mergulharam” arduamente na criação de políticas e ideologias que
estimulassem o amor do indivíduo com seu solo pátrio. Foram
inventadas simbologias, bandeiras e hinos, que não somente ratificavam
as tradições locais; mas, que principalmente não abrem mão dos laços
de ancestralidade.
No século XX, os avanços tecnológicos exigiram inovações
estratégicas e novas táticas nos combates. Ao início do século XXI o
elevado número de Soldados-Mercenários nas guerras que assolam o

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Alair Figueiredo Duarte

Oriente Médio nos levam a refletir a postura das grandes potências da


atualidade. Houve uma valorização em se utilizar exércitos formados
por estrangeiros que lutam sob um contrato, em lugar do soldado da
pátria. O que leva estes homens a combaterem por outras bandeiras
que não seja a de sua pátria?
A partir da inferência de Marcel Detienne de que é possível
comparar o incomparável podemos - guardando as devidas proporções e
sem anacronismos - compreender o presente analisando e conhecendo
o passado. Nestas conformidades, cotejaremos a ação de Soldados-
Cidadãos e Soldados-Mercenários ao final do século V a.C.
Dados historiográficos mencionados por H. W. Parker mostra-
nos que o serviço mercenário veio ganhar notoriedade paralelamente às
tiranias do Período Clássico Helênico (PARKE, 1933, passim) e Matthew
Trundlle (2004: 12-13), aponta que Heródoto se utilizava do termo
epikouroi para se referir aos aliados e tropas auxiliares. Isto não somente
nos permite acompanhar historicamente a percepção que os gregos
tinham a respeito do Soldado-Mercenário; mas também, nos fornecem
indícios de que até o final do período Clássico, ainda não havia
categoricamente a existência do Mercenarismo como atividade e ofício
especializado na guerra. Entendemos os Mercenarismo não como a ação
de vender seus serviços como profissional de guerra, mas sim como um
fenômeno que se encontra além dos desejos individuais e envolve
problemas de ordem política, sociais, econômicas e agrárias
relacionados diretamente com questões militares. Percebemos que
somente após o século V a.C., Soldados-Mercenários tornam-se uma
sistematização político-estratégica das guerras entre os povos helênicos
possibilitando o Mercenarismo, o qual terá seu ciclo completo, nas ações
expansionista e políticas de Alexandre, o Grande.
A temática Guerra envolve problemas de ordem social que
transpassam o tempo unindo passado e presente sob diversas
conceituações que a definem como: τA continuação da Política por outros
meiosυ (CLAUSEWITZ, DA Guerra, 2003: 27); τDois ou mais grupos em
conflito necessitando fazer uso da violência através da força durável e organizadaυ
(BOBBIO, T. Geral da Política, 2000: 515-516); ou ainda, τUma falta de
garantias que acabam gerando uma luta real e violentaυ (HOBBES, Leviatã:
cap. XIII). Estas diversas denominações do que vem ser a Guerra
apenas nos demonstram como o estudo do tema pode ser complexo e
sem consenso.

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Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

Em Atenas, no século V a.C. cujo corte temporal estende do


final do V ao início do século IV a.C., a prática do mercenarismo
começou a tornar-se comum na Hélade e a integrar a polis dos
atenienses. O discurso do orador ateniense Isócrates nos apresenta
algumas das motivações desta prática, vejamos a citação: τRecortem na
Trácia território suficiente para que não apenas vivamos em abundância, mas que
possamos oferecer vida satisfatória aos gregos que passam necessidadeυ.
(ISÓCRATES, Panagérico, Apud. GARLAN, 1991: 145). A partir de
documentações do período, ratificados pela historiografia, torna-se
possível indicar que tal fenômeno figurou como resultado de um
colapso no sistema políade envolvendo questões de ordem sociais,
políticas, econômicas, ideológicas e agrárias (MARINOVIC, 1988: 12).
Nosso trabalho que toma por base a polis dos atenienses
partirá do arquétipo cívico do Soldado-Cidadão, no qual a figura tornou
possível realizar análises interdisciplinares daquela polis no fim do V e
início do IV século a.C. Adotamos como processo metodológico a
Análise do Discurso sob a perspectiva de Maria Aparecida Baccega
operacionalizada pela grade de Análise do Conteúdo de A. J. Greimas,
relacionado aos preceitos teóricos ou políticos filosóficos de Norberto
Bobbio descritos na Teoria Geral da Política. Nestas especificidades,
através da Análise do Discurso, percebemos nas documentações, a saber:
Tucidides, A História da Guerra do Peloponeso e Xenofonte, Helênicas; um
discurso antropocêntrico capaz de gerar entre os povos helênicos, uma
identidade que os distinguia das demais etnias e demarcava sua
Civilidade1. Neste sentido, será necessário identificar através de uma
análise crítica o que podemos entender por Grupos Étnicos, Natureza e
Cultura.
Neste processo metodológico destacamos as intertextualidades
e polifonias existentes nas documentações por acreditar que esta
sistematização, reforça a credibilidade da narrativa em análise, pois
entendemos que o Método possibilita um distanciamento do objeto em
análise e permite que o discurso seja avaliado sob diversos ângulos.

1 Termo que segundo as concepções de Marcel Detienne identifica-se como o

inconsciente histórico que carrega tudo que as tradições representam. A Civilidade é


capaz de dar forma as categorias coletivas, manifestada nas instituições sociais, tais
como: o direito, a política e as relações sociais. O veículo prático das Civilidades é a
Linguagem, pois este é o elemento capaz de produzir interpretações e produzir variações
de Civilidades. (DETIENNE: 2004: 42-44).
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Alair Figueiredo Duarte

Através do método da análise comparativa entre Soldados-Cidadãos e


Soldados-Mercenários é possível identificar que a relação entre estas duas
personagens transcendem as questões bélicas.
A partir da recorrência a um processo metodológico, evitamos
ou minimizamos que perspectivas marcantes sejam apagadas
(BACCEGA, 1955: 11-17). Tal prerrogativa encontra-se congruente a
proposta de Marcel Detienne em Comparar o Incomparável (DETIENNE,
2004: passim), o qual prioriza a comparação sob uma análise
interdisciplinar. Através desta perspectiva não somente evita-se que o
discurso do autor seja tomado como verdade absoluta, mas também
nos permite ver aquilo que não era evidente. Afinal, o sujeito é atuante
na construção do seu Discurso-Verdade2 não deixando meios de escapar
as Ideologias3. O sujeito que constrói o Discurso não é um indivíduo
isento, mas sim autônomo (BACCEGA, 2000: 72-73). Dessa forma,
tanto Tucídides ao descrever A História da Guerra do Peloponeso, quanto
Xenofonte nas Helênicas, ao utilizarem termos para se referem a
Soldados-Cidadãos ou Soldados-Mercenários embora não estejam deixando
de relatar os fatos ocorridos; o fazem segundo a perspectiva de seu
tempo, com todos os signos e Ideologias de sua época.
Alguns termos encontrado nestas documentações tais como
Epikourikós (aliado, companheiro de armas) em Tucídides; tanto quanto
Misthóforos (mercenário) são epítetos relacionados ao fenômeno do
Mercenarismo e se referem a tropas aliadas e ao Soldado-Mercenário
propriamente dito. O fato de estes combatentes receberem
nomenclatura totalmente diferenciada no desempenho de atividades
análogas, são exemplos factuais de que o Discurso cria um Autor Implícito.
Ou seja, alguém que τse mostra, normalmente, através do narrador, das
personagens e de outros procedimentos lingüístico que estão à disposição dele nos
processos discursivo (BACCEGA, 2000: 75). Neste sentido, a Linguagem
torna-se um elemento fundamental, pois é ela quem irá determinar o
caráter e a identidade do sujeito. Através da Linguagem são transmitidos

2 Assim denominamos o discurso da História, pelo fato do mesmo, abarcar entre seus

objetivos, a veracidade quanto a ocorrência dos fatos. Nesta conjuntura estão inseridos
e são indissociáveis as estruturas que concorreram para o acontecimento, assim como o
momento, (data registro) que aconteceram os fatos. Nota do autor.
3 Em conformidade com o Filósofo Político, Norberto Bobbio: Ideologia não exclui e

sim implica um elemento de falsa “consciência”. O único critério com base no qual se
pode julgar uma Ideologia é a sua eficácia prática, não sua verdade (BOBBIO, 2000:
passim).
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Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

e traduzidos os diversificados: sentimentos, emoções, apreensões e


desejos do indivíduo, por isso ela é capaz de em conformidade com os
preceitos de M. Detienne, de produzir interpretações e variações de
Civilidades (DETIENNE, 2004: 42-44).
Percebemos que o Historiador não se encontra fora desta
estrutura, neste sentido, não podemos afirmar que o discurso constante
nos documentos é um discurso totalmente isento. Mas, também seria
uma precipitação conceitual, no mínimo imprudência, declarar que seu
Discurso se restringe a juízos de valores intencionais conscientemente
inventados.
Tucidides ao escrever sua obra parece tomar como modelo a
obra de Heródoto – o relator da História da guerra entre Persas e
Gregos ao início do século V a.C. - porém, inovou no método
histórico, utilizando-se de uma análise que exigia a comprovação e autopsia
diferenciando de Heródoto que usa o testemunho indireto do ouvi dizer.
A inovação metodológica utilizada por Tucídides trata-se de um
acréscimo da provável herança do contato que teve com Anaxágoras e
postura iconoclástica do discurso de sofistas tais como: Protágoras,
Pródicos e Antifon4.
O segundo documento trata-se das Helênicas, a qual foi escrita
por Xenofonte com a finalidade de complementar a obra inacabada
Tucídides. As Helênicas compõem-se de sete livros, documentando a
Guerra do Peloponeso a partir de 411, até o seu fim em 404 e estendendo-
se até o ano de 369 a.C. Seu autor, o estrátego Xenofonte, foi discípulo
do filósofo Sócrates e participou da expedição de Ciro (Rei da Pérsia)
durante os anos de 403 a 399 a.C.; período no qual praticara o
Mercenarismo e tendo deixado registrado este acontecimento na sua
Anábase. Embora Xenofonte na Ánabase, relate a ação dos Soldados-
Mercenários sob seu comando no regresso a Hélade, história conhecida
como os dez mil, não a utilizaremos em razão de a narrativa abordar
uma ação efetiva e estabelecida da prática do Mercenarismo. Nesta
dissertação procuramos abordar o período de transição e os meios
pelos quais o Mercenarismo se estabeleceu na Hélade.
Podemos dizer que no século V a.C., o cidadão ateniense era
um homem ativamente político. O indivíduo somente se realizaria e
teria seu valor social reconhecido se estivesse integrado num corpo

4 Cf. Mário da Gama Kury, nota de introdução (TÚCIDIDES, 1986: 13-14).


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Alair Figueiredo Duarte

 (Zoon Politikós: Animal Político), (ARISTÓTELES,


comunitário, tal qual nos apresenta a concepção aristotélica de homem,
ζω
Política, I: 1256 a). A vida comunitária se faria representar até mesmo
no campo de batalha, através da Falange dos Hoplitas na qual a
coletividade agiria como um só corpo, formando uma só unidade.
Dentro dessa conjuntura, as armas amenizavam as diferenças entre
cidadãos e estrangeiros que combatiam lado a lado no campo de
batalha. Na Antiguidade, muitos acordos entre tropas cívicas e
estrangeiras eram estabelecidos por relações de Φ α (Philia: amizade) e
α α (symmachia: aliança), encerrando também o sentido de
Fidelidade a Fé Jurada (GARLAN, 1991: 41-156).
Como aponta Mattew Trundle (TRUNDLE, 2004: passim), até

recebiam a nomenclatura de pikourik  (épikourikós: auxiliares). A


o século V a.C., as tropas aliadas que combatiam mediante acordo,

partir do final do V e início do IV século a.C., começam a receber a


denominação (misthóphoros5: mercenário) em referencia ao
ato de vender seus serviços como artífice da guerra. Tal peculiaridade
nos remete a repensar se realmente havia Mercenarismo6 na polis dos
atenienses anteriormente ao século IV a.C. Outra questão: O que eram,
ou quem eram estes Soldados-Mercenários na Antenas Clássica?
A competitividade, o αɣ (Agon), presente na cultura helênica
sempre foi concebida pelos antigos helenos como algo completamente
saudável. Podemos apreender tais prerrogativas, através de
manifestações culturais helênicas como: as olimpíadas, os festivais
teatrais, os debates nas ekklésias e na arte da guerra. A sociedade
helênica se manifestava em atividades agonísticas de tal maneira, que
mesmo τfunesta em si, a guerra tomava um aspecto positivoυ (GARLAN, 1991:
14).

5 A palavra grega Misthophóros, significa: vender, alugar, receber pagamento; o Soldado-

Mercenário recebia este epíteto devido a sua atividade de valorizar o pagamento pelos
seus serviços nas armas e não se importar o motivo pelo qual está lutando.
6Entende-se o Mercenarismo não o simples ato da lutar sob um pagamento ou um acordo

pré-estabelecido. Mas sim, uma sistematização que envolve entre outras coisas,
problemas estruturais de ordem política, econômica, social e agrária que se relacionam
diretamente questões militares e interesses de determinadas potências em expandir seu
poder. O Mercenarismo independe da vontade daqueles que são afetados por ele,
daqueles que o praticam e daqueles que os promovem. Estes são apenas seus veículos,
são passivos diante deste fenômeno.
24
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

Contudo participar dela exigia determinados atributos possuir


recursos pecuniários para aquisição de uma armadura de hoplita era um
deles, privilégio acessível somente aqueles que tivessem por condição
social mínima, uma pequena propriedade capaz de produzir o suficiente
para a subsistência familiar e com o excedente adquirir armamento
militar. Para tal, o cidadão deviria ao menos enquadrar-se no grupo
censitário dos Zeugitas7. Combater como cavaleiro, era financeiramente
acessível apenas aos dois segmentos sociais mais providos de recursos,
a saber: Pentacosiomedinos e Hippies. Aqueles que não detinham
propriedades recursos pecuniários como os Thetai, que viviam de
jornada, combatiam armamentos de baixa qualidade: escudos feitos
com vime, sem couraça, arremessadores de dardo e fundas. Tais
prerrogativas, nos permitem apreender que no mundo helênico a
participação na guerra não se trata exclusivamente de questões culturais
e políticas, mas também uma condição econômica social.
Na Ilíada Homero destaca os feitos militares dos Heróis e
α (aristóis), os célebres e bem nascidos. No período clássico Yvon
Garlan (1991: 57) destaca que na polis dos atenienses, o status do
cidadão era determinado segundo fatores econômicos e pela sua
capacidade de atuar militarmente com excelência. Tais quesitos eram
fundamentais para paramentar a valoração e proeminência social.
Possuir recursos para investir na construção de uma trirreme ou
financiar um festival teatral poderia representar a distinção da condição
social (JONES, 1997: 234-235).
As armas com que os combatentes lutavam também
distinguiam o estrato social e evidenciavam interesses políticos de
grupos sociais na polis. Aristóteles (322-384 a.C.) era natural de
Estagira, cidade encravada no reino Macedônico e foi à Atenas na Ática
ainda jovem, com aproximadamente dezessete anos, permanecendo
como aluno de Platão na Academia por pelo menos vinte anos. Seu
discurso ratifica a observação de que o segmento social e a atividade
militar caminhavam juntos na Grécia Antiga.
Devemos nos lembrar que o estagirita tinha seu discurso entre
as elites, neste sentido sua análise social e política sobre a sociedade

7 Terceiro segmento censitário da sociedade ateniense. Na sociedade ateniense do V

século a.C., os segmentos sociais dividiam-se em quatro, a saber: Pentacosiomedinos,


Hippies, Zeugitas e Thetai. Ciclos censitários estabelecidos por Sólon no fim do século
VI a.C. por ocasião das reformas legislativas. (JONES, 1997: 6-7).
25
Alair Figueiredo Duarte

ateniense por mais equitativa e justa sempre partiria da perspectiva dos


grupos sociais aos quais circulava. Assim, da sua afirmação, podemos
apreender que além de cada modalidade de combate servir melhor a um
determinado sistema de governo, como o fato dos τOligarcas recorrerem
aos pobres para constituir sua infantaria é constituí-la contra si mesmoυ
(ARISTÓTELES, Política, 7: 1330 b), também nos mostra que havia
tensões sociais.
Como exemplo, o modelo democrático participativo durante o
período Clássico foi adequado a polis dos atenienses, em razão dos
menos providos de recurso haver conquistado um lugar social em
decorrência das tensões políticas e interdependência social. Oitenta por
cento da população era composta de camponeses e indivíduos sem
propriedades como os Thetai (KEEGAN, 1995: 260).
Naquela polis, a falta de contingente e a necessidade de
defender o território, obrigava os grandes proprietários de terras e ricos
comerciantes a recorrerem a outros segmentos sociais. Neste sentido,
cidadãos zeugitas e thetai, respectivamente, integravam o contingente do
corpo de infantaria pesada (Falange Hoplita), e ligeira (Peltastas).
Em 493- 492 a.C., no início do século V, Temístocles na
condição de Arkon (arconte)8 demonstrando interesse em investir na
frota naval ateniense. Em 483 a.C., foi encontrado um extenso veio de
prata em Laurion. Com o dinheiro proveniente destas minas, a polis
dos atenienses pôde construir uma poderosa frota de guerra.
A falta de recursos pecuniários de determinado grupo de
cidadãos foi adequada ao recrutamento e a necessidade de contingente
militar para tripular a extensa frota naval ateniense. Cidadãos sem
nenhum recurso para financiar um armamento tiveram a oportunidade
de combater como marinheiros, grupamento que diferente das demais
milícias cidadãs responsável pela defesa da polis, tinham sua equipagem
militar financiada por cidadãos ricos e pelo governo políade ateniense.
Aristocratas e oligarcas, embora possuíssem condições
financeiras para escolherem em quais armas combateriam, não
possuíam contingente suficiente para atender a demanda adequada.
Dessa forma, a população políade combatia com as armas segundo suas
posses e acabavam de uma maneira ou outra, através delas,

8 Magistrado eleito anualmente e encarregado de presidir o tribunal do Areópago, entre

suas incumbências cuidava da administração da cidade e dos julgamentos, inclusive


regulando o calendário. Os Arcontes totalizavam nove magistrados. (Nota do autor).
26
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

influenciando nas decisões do governo da políade e determinando em


conformidade com os interesses políticos, qual sistema de governo seria
mais adequado.
Yvon Garlan (1991: 72) nos aponta que a atividade militar
influenciava nas ações do governo políade, o qual deveria possuir
habilidade para evitar que disputas políticas se tornassem conflitos de
cavaleiros contra hoplitas ou de hoplitas contra peltastas e marinheiros.
O conflito entre as Cidades-Estados helênicas que ficou
conhecido como Guerra do Peloponeso, devido ao seu longo período de
duração (431-404 a.C.), especializou cidadãos dos últimos segmentos
censitários no emprego e manejo das armas. Ao seu fim, veteranos que
haviam perdido suas terras somando-se aqueles que já não as possuíam
antes do início da guerra, foram designados para fundar colônias na
Trácia permitindo que Thetai pudessem ascender à qualidade de Zeugita.
Nossa problemática consiste em buscar compreender o que
levaria o Soldado-Cidadão a deixar valores cívicos de defesa do solo
pátrio estruturados na tradição dos seus ancestrais, e integrar um grupo
bélico e a fazer da guerra uma atividade mercantil. A partir deste
momento o Soldado-Cidadão deixaria de ser a representação da
estabilidade política da polis, para tornar-se um fenômeno do poder
pessoal em expansão adequados aos interesses de projetos de políticos
expansionistas do século IV a.C.
O aprendizado militar atenienses tratou-se de um processo em
que as movimentações táticas e planejamentos estratégicos foram
adquiridos e desenvolvidos pelos strategos, a partir da experiência
adquirida no campo de batalha e passada as gerações futuras. O
processo de amadurecimento militar ganha proeminência no século V
a.C. quando a coalizão helênica vence o poderoso exército persa. Após
a incidência das Guerras Greco-Pérsicas e do embate no Peloponeso
envolvendo atenienses e espartanos, percebemos que as inovações
táticas nas batalhas navais e terrestres dotaram os homens de habilidade
no manuseio de armas, além de experiência em ação ofensiva e cerco ao
território inimigo. Uma vez detentores destes atributos e diante das
dificuldades sociais, este homens não conseguiram manter o mesmo
espírito cívico de lutar pela liberdade comunitária a que foram
doutrinados a defender em conformidade com as tradições.
Por uma necessidade de sobrevivência e diante das turbulências
políticas do período, os cidadãos atenienses, principalmente os de

27
Alair Figueiredo Duarte

baixos recursos, passaram a priorizar interesses pessoais e monetários


tornando-se distante às preocupações políticas. Assim, mais suscetíveis
de serem persuadidos pelos ardis do discurso especializado de
demagogos e a adotarem ações contraditórias aos princípios pelos quais
juraram defender.
A mutabilidade do Soldado-Mercenário apresentar-se como uma
ameaça a estabilidade política, depois de ter sido um Soldado-Cidadão,
envolvem questões políticas, jurídicas, administrativas e sociais, agrárias
e ideológicas capazes de transpassar desejos particulares.
Yvon Garlan nos mostra que seria equívoco concentrar todas
as responsabilidades referentes às origens do Mercenarismo que emergiu
na polis dos atenienses ao fim do século V a.C. exclusivamente a
problemas econômicos e agrários – embora o historiador aponte que
estas questões foram fundamentais (GARLAN, 1991: 140).
Ao cotejarmos Antiguidade e atualidade, percebemos
identificamos semelhanças. Afinal, atualmente o crescente número de
Soldados-Mercenários utilizados nas guerras e conflitos no Oriente-Médio
pelas potências da América do Norte e Européias sob o epíteto de
“Segurançasυ (TEIXEIRA, 2008), são semelhanças factuais aos
fenômenos sociais ocorridos no fim do século V a.C. O exemplo pode
ser verificado na busca de subsistência através das atividades na guerra
executada pelo Thetai após a Guerra do Peloponeso, um fator congruente
ao desejo dos jovens oriundos de países latino-americanos que almejam
melhores condições de vida para si e para os seus familiares.

Esses fatores, mais uma vez demonstra-nos a atualidade e


pertinência do tema e nos leva a reflexão se a Guerra, também envolve
uma problemática político-social e político-econômica e não se
encontram restritas a vontade dos chefes de Estado.
Defendemos com o presente trabalho duas hipóteses
principais, a saber:

1. Demonstrar que a motivação que conduziu Soldados-Cidadãos a


tornarem-se Soldados-Mercenários estaria diretamente relacionada a alta taxa de
mortalidade durante a Guerra do Peloponeso. Esta peculiaridade adequava-se a
necessidade do governo políade em contratar mão de obra militar especializada
liberando sua população masculina e política ativa, para cuidar dos assuntos da
polis. Tal estrutura, adequava-se a necessidade dos seguimentos menos

28
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

providos de recursos, que por não possuíam propriedade e viverem de jornada


de trabalho, visavam conseguir meios de subsistência e ascender socialmente.
2. Apresentar que embora houvesse Soldado-Mercenário na Hélade
desde os tempos remotos; não havia Mercenarismo anteriormente a Guerra do
Peloponeso. O termo Mercenarismo subentende uma prática exacerbada que
somente veio a ocorrer após a final do século V a.C., nos períodos anteriores a
segunda metade do século V a.C., haviam práticas isoladas, em grande parte
sob a relação de Symanchia. A propósito, os Soldados-Mercenários que aderiam ao
Mercenarismo tinham como seu principal objetivo, recuperar a Civilidade abalada
pelas inovações políticas e sociais que estavam desestruturando o sistema
políade ao final do período Clássico helênico.

29
Alair Figueiredo Duarte

30
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

CAPÍTULO I

GRUPOS ÉTNICOS: CULTURA E CIVILIDADE HELÊNICA


NA COMPARAÇÃO ENTRE SOLDADOS-CIDADÃOS E
SOLDADOS-MERCENÁRIOS NO SÉCULO V a.C.

O que teria possibilitado Soldados-Cidadãos, os guardiões


perpétuos da tradição e ancestralidade helênica, lutarem ao final do
século V a.C. como Soldados-Mercenários junto daqueles que eles próprios
sempre denominaram de “Bárbaros”? Que alterações teria sofrido a
Cultura Helênica ao final do século V a.C.? É no intuito de oferecer
respostas a estes questionamentos que abordaremos o conceito de
Cultura, Civilização e Barbárie em relação à sociedade helênica do século
V a.C., mais especificamente sobre a pólis dos atenienses.
Quando comparamos a sociedade helênica ao início e ao final
do período Clássico, percebemos alterações nos valores sociais que
levaram os gregos a refletir a própria sociedade e o momento vivido.
Obras como A História da Guerra do Peloponeso e Helênicas, escritas
respectivamente por Tucídides e Xenofonte, datam do final do período
Clássico e nos dão evidência desta inferência. Tucídides ao deixar um
registro póstumo àqueles que procuram a verdade (TUCÍDIDES, I,
22), contribui para ratificar o valor da Guerra do Peloponeso. Segundo o
historiador grego:

Nunca tantas cidades foram capturadas e


devastadas, algumas pelos bárbaros e outras
pelos próprios helenos combatendo uns
contra os outros. Nunca tanta gente foi
exilada ou massacrada, quer no curso da
própria guerra, quer em conseqüência das
dissensões civis (TUCÍDIDES, I, 22).

A preocupação de Tucídides nos remete a ratificar as


afirmações de Marcel Detienne quanto à relevância do método
histórico-comparativo (DETIENNE, 2004:passim), pois vemos que

31
Alair Figueiredo Duarte

ninguém se aproxima da verdade ou concebe algo como verdade, sem


comparar.
Tucídides (I, 22) ao desenvolver seu método histórico se
utilizou da comparação para chegar a um consenso, vejamos suas
declarações: “O empenho em apurar os fatos se constituiu em uma tarefa
laboriosa, pois as testemunhas oculares de vários eventos nem sempre faziam os
mesmos relatos a respeito das mesmas coisas.” Nesta perspectiva, para
compreendermos a Cultura Helênica e suas transformações ao final do
período Clássico propomos a comparação entre Soldados-Cidadãos e
Soldados-Mercenários na Atenas Clássica, antes e depois da Guerra do
Peloponeso.

I. 1- BARBARISMO E CIVILIZAÇÃO: UMA ÓTICA


ANTROPOCENTRICA

O αɣ (agon:disputa) e a competitividade presentes na cultura


helênica sempre foram concebidos pelos antigos helenos como algo
completamente saudável. Podemos apreender tais prerrogativas, através
de manifestações culturais helênicas como: as olimpíadas, os festivais
teatrais, os debates nas ekklésias e na arte da guerra. A sociedade
helênica se manifestou em atividades agonísticas de tal maneira que
mesmo “funesta em si, a guerra tomava um aspecto positivo” (GARLAN,
1991:14).
Porém, a guerra para os gregos não se tratava de violência
desmesurada. Entre pares, ou seja, de gregos contra gregos, a guerra
configurava-se de um conflito bélico regrado por ritos e convenções,
dentre elas: declaração nas formas devidas; sacrifícios adequados;
respeito pelos lugares sagrados, arautos, peregrinos, suplicantes,
juramentos às divindades; tréguas para repatriação dos mortos e
abstenção do excesso de crueldade (GARLAN, In: VERNANT,
1994:50). Todas estas convenções - salvo especificidades – alcançavam
eficácia, pois serviam como métron (medida) e evitariam que as partes
beligerantes envolvidas cometessem hybris, excessos. Em um conflito
envolvendo somente gregos, todas as guerras defensivas seriam

32
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

consideradas justas9; já em relação aos “bárbaros”, mesmo que se tratasse


de uma guerra ofensiva na qual o uso da violência e das armas tinha por
finalidade dominar, os helenos considerariam se tratar de uma ação
justa (GARLAN, 1991:29). Aristóteles nos aponta que na perspectiva
helênica, caberia aos gregos: “reinar como senhores sobre aqueles que merecem
ser escravo” (Política, 1334a Apud. GARLAN, 1991:29).
A integração entre Soldados-Cidadãos das Cidades-Estados
helênicas e Soldados-Mercenários estrangeiros que recebiam algum tipo
recurso pecuniário pelos serviços prestados como combatentes nas
guerras tornava-se cada vez mais freqüente a partir do século V a.C.. A
guerra de helenos contra persas ao inicio do século V a.C., assim como
o conflito pela hegemonia política entre atenienses e espartanos durante
a Guerra do Peloponeso na ultima metade do século, possibilitaram maior
proximidade entre gregos e não gregos.
Particularmente na pólis dos atenienses, a tradição helênica era
defensora de que grupos étnicos da região Ática e circunvizinhanças,
como o Peloponeso, eram naturalmente Civilizados pelo fato de viverem
inseridos na “cultura”, por exemplo: beber vinho com água e viver sob
domínio da lei. As demais etnias que habitavam a região mediterrânica e
que não vivessem à maneira helênica, praticando os ritos em honra aos
deuses helenos e falando a língua grega eram categorizadas como
“Bárbaras”.
Em linhas gerais, isto significa que o indivíduo assim
denominado, tratava-se de um inculto, tal qual define Aristóteles,
alguém sem leis capazes de pautar a sua conduta (Política, 1253a).
Portanto, o “Bárbaro”, sob a ótica dos gregos, seria um indivíduo
indigno de tratamento igualitário frente aos helenos. Neste discurso
habita a defesa ao distanciamento entre helenos e demais grupos
étnicos da região mediterrânica, como exemplificamos: os persas.
A concorrência destes fatos nos remete a refletir: O que é
“Barbárie” e, porque em determinado momento ela passou a tomar uma

9 A respeito das concepções de uma Guerra Justa ou uma Guerra Injusta, Norberto

Bobbio aponta para o consenso a respeito da legitimação e justiça da guerra sobre três
pontos, a saber: 1. A guerra defesa; 2. A guerra de reparação por uma ofensa; 3. A
guerra punitiva. Em todas as três possibilidades, fica especificado a resposta a uma
ofensa alheia, a qual exige um ato sancionador. Assim, o principal objetivo na
elaboração teórica da Guerra Justa é estabelecer o critério de legitimidade da mesma.
Porém, não basta que uma guerra seja legítima para ser justa, elas devem ser conduzidas
segundo regras que geralmente limitem seus efeitos nocivos (BOBBIO, 2003:121-122).
33
Alair Figueiredo Duarte

significação oposto a Civilização? Existe uma natureza definida para a


barbárie?
O argumento da pré-sociabilidade defendido pelos gregos na
Antiguidade mostrou-se tão eficaz que perdurou por centenas de anos
após sua hegemonia política. Ainda na Modernidade, grandes impérios se
utilizavam do mesmo discurso para justificar sua política de
colonização; ou seja: é totalmente justo que “Civilizados” detenham
supremacia sobre aqueles que vivem em “estado de Barbárie”. O debate
filosófico entre T. Hobbes, na obra Leviatã, e J. J. Rousseau, no Discurso
das desigualdades entre os homens, a respeito do Estado de Natureza10 destaca
a divergência das mentalidades durante a era Moderna. O debate
questionava se o problema estaria no homem ou na sociedade.
Contudo, não adentraremos no mérito da discussão; partiremos do fato
de que o homem já nasce inserido em um grupo social e mesmo que
tome a decisão de viver isolado, estará se comunicando e relacionando
socialmente, pois sua ação de alguma maneira sempre irá refletir nele e

 (Zoon Politikós: Animal Político). Segundo o


na comunidade. Aristóteles analisou este princípio quando definiu o
homem como ζ
que podemos abstrair da sentença aristotélica, o homem é um ser
naturalmente social porque somente desenvolve as potencialidades
humanas através das relações comunitárias (ARISTÓTELES, Política,
1253 a).
A relação entre o homem e a comunidade é dialética, o
indivíduo depende da sociedade tanto quanto o corpo comunitário
depende do indivíduo. Nesta relação o homem lê e interpreta o mundo
isoladamente, porém, é através do grupo social que toma consciência da
sua identidade.
Suas ações sempre se encontram vinculadas à comunidade na
qual nasceu ou na qual aprendeu a se relacionar. Isto fica evidente nas
especificidades lingüísticas. Por exemplo, entre os gregos da
Antiguidade, os termos: éthos (costume, uso, hábitos) e êthos (morada,
pátria, caráter), deram origem à palavra latina ética, que se define pela
finalidade e sentido da vida humana; os fundamentos da obrigação e do

10 Estado de Natureza: hipoteticamente, o estado em que viviam os seres humanos, sem


leis, antes de se organizarem em sociedade. Segundo Hobbes, seria o domínio da
anarquia e do conflito, "a guerra de todos contra todos". Segundo Rousseau, o estado
do "bom selvagem", a pureza originária do homem, "O homem nasce bom, a sociedade
o corrompe." (JAPIASSÚ e MARCONDES, 2001:47).
34
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

dever; natureza do bem e do mal; o valor da consciência moral


(JAPIASSÚ e MARCONDES, 2001:69). A análise nos mostra que os
termos, além de possuírem semelhanças fonéticas, representam
respectivamente a conduta humana e o habitat do indivíduo. Portanto,
o meio comunitário e o caráter do indivíduo não podem ser separados.
Caso tentássemos separá-los, a palavra perderia seu significado diante
dos valores sociais.
Assim, o pensamento do indivíduo sobre a sociedade são
apreensões que ele faz de maneira isolada; porém, ele somente segue os
princípios aos quais foi convencido serem socialmente corretos. Tal
inferência nos conduz à apreensão de que o homem sempre vê e define
o outro e o que é diferente a partir de uma visão particular, mas
comunitariamente etnocêntrica.
O etnocentrismo, ou seja, a tendência a considerar as normas e
valores da própria sociedade ou cultura como critério de avaliação das
demais sociedades, é inerente ao ser humano. Todo indivíduo,
independente da sua identidade cultural, tem a sensação de se encontrar
no centro do universo (LEACH, In: ROMANO, 1985:136). Os gregos
da Antiguidade não fugiam a esta regra, eram uma sociedade
etnocêntrica.
Mapas gregos do século VI a.C. procuravam sempre colocar a
Ática como centro do mundo conhecido e civilizado. Heródoto, no
século V a.C., destaca atenienses e espartanos como os mais poderosos
entre os gregos. Em sua narrativa é possível encontrar a seguinte
citação: “Procurou, então, saber quais os povos mais poderosos da Grécia no
propósito de fazer amigos, chegando à conclusão de que os lacedemônios e os
atenienses estavam em primeiro lugar: uns, entre os Dórios, outros, entre os Iônios
(HERÓDOTO, História, I, 56). Segundo Heródoto, com esta aliança,
Creso, rei dos Lídios, acreditava perpetuar seu reinado.
As sociedades ocidentais herdaram esta tradição helênica e
definem o que é “Bárbaro” a partir de uma dicotomia e relação binária
de oposição: “Civilização” versus “Barbárie”. Esta dicotomia trata-se de
um predicativo próprio da tradição, a qual toma por princípio que toda
sociedade ou civilização possui uma Territorialização: um lugar histórico
e antropológico inicial (DETIENNE, 2004:48). Marcel Detienne
propõe a revisão do conceito através do Comparativismo Construtivo, pois
a aplicação metodológica nos aponta que há sociedades e culturas,
como a japonesa e hindu, nas quais os deuses míticos não fundaram o

35
Alair Figueiredo Duarte

território pelo fato de lá habitarem desde a criação do universo. A


propósito da sua história, estas culturas defendem que de tempos em
tempos é necessário regenerar o mundo por meio de relações entre as
forças humanas e as sobrenaturais (DETIENNE, 2004: 48). Contudo, a
tradição antropocêntrica ocidental se difundiu perdurando o discurso
que estabelece como epicentro cultural e arquétipo de civilização, o
Ocidente. Tal qual aos gregos do período Clássico, ainda nos dias
atuais, primeiramente se unifica pelo grupo familiar, depois pelo
fundador mítico.
Inserido no discurso etnocentrista, documentações helênicas que
datam do século V a.C. mostraram-se importantes aos interesses dos
impérios do século XIX que emergiam como Estado-Nação, pois
necessitavam se firmar como cerne cultural do mundo “civilizado”.
Neste processo, a noção heróditiana de “mundo civilizado” era adequada
pelo fato de poder ser associada a um ponto central. Na visão de
Heródoto, os gregos se encontravam no epicentro do mundo
“civilizado”; a sua volta estavam aqueles que eram aparentados por
possuírem costumes semelhantes. Para além, outros povos que não
causavam nenhuma proximidade e, por isso, não mereciam a simpatia
humana (LEACH In: ROMANO, 1985:138 – 139). Vejamos o que cita
Heródoto:

Não há homens que possuam hábitos mais


selvagens do que os Andrófagos. Não conhecem
nem a lei, nem a justiça, e são nômades. Seus
costumes assemelham-se muito aos dos Citas,
mas falam um idioma próprio. De todos os
povos de que acabo de falar são os únicos a
comerem carne humana(História, V, 106).

O historiador apresenta os Andrófagos como ainda mais


“Bárbaros” que os povos citas não somente pelos costumes distintos aos
dos helenos, mas também por estarem localizados regionalmente em
lugares ainda mais longínquos. Contudo, as distâncias geográficas e a
visão exótica a respeito do outro, tendem a se reduzirem quando há
maior contato entre as culturas, ainda que esta relação seja em um
ambiente de animosidade.
Cristiano Bispo aponta que as Guerras Greco-Persicas permitiram
maior aproximação entre gregos e etnias africanas, como os etíopes
36
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

(BISPO, 2006:80-81). Segundo o pesquisador, a maneira pela qual os


atenienses percebiam os grupos de etnia etíope modificou em razão dos
persas possuírem número considerável destes grupos étnicos entre suas
tropas. Em conformidade com C. Bispo, à medida que os persas se
aproximavam belicosamente das Cidades-Estados que mantinham
fronteira com Atenas, os discursos em prol das etnias etíopes, que
anteriormente eram mínimas e se aludiam apenas a homens de rosto
tisnado, começaram a receber maiores descrições e definições (BISPO,
2006:81).
O discurso que define o outro, dependendo dos interesses
políticos, é capaz de se sobrepor às diferenças culturais. Na era
Moderna, durante a formação dos Estados-Nações, houve necessidade
de se adaptar a uma nova ordem política: separar culturas homogêneas
por fronteiras imaginárias e totalmente arbitrárias. Também deveria
inserir dentro do novo espaço geográfico, aquelas que sempre foram
diferentes. A proposta para o sucesso deste projeto repousava no culto
a símbolos inventados. As bandeiras e estandartes passavam a assumir
o papel da cultura na demarcação de territórios e seus limites por vezes
conflituosos.
Diferentemente dos gregos na Antiguidade, a invenção
burocrática do Estado Moderno tomava maior importância que a
Cultura na delimitação de fronteiras11. Neste período, as teorias
Positivistas que prezavam pelo cientificismo, contribuíam de maneira
importante pelo fato de muitas delas sinalizarem às etnias e culturas de
maneira hierárquica. Aqueles que estivessem do outro lado da linha,
através de uma secção vertical abrupta que não considera semelhanças e
costumes, passam a ser: o outro.
Embora os critérios para delimitar fronteiras na Antiguidade
não sejam os mesmos adotados da era Moderna, as novas concepções
tornavam-se aceitáveis pelo fato de manter a antiga perspectiva
etnocentrista de diferenciar e excluir.
As ciências biológicas também ofereceram sua contribuição
para estruturar o discurso hierarquizante de culturas, sociedades e

11Segundo o Dicionário de Filosofia: Limite (lat. limes, limitis: fronteira) 1. Aquilo que
separa uma coisa da outra que lhe é contígua, Fronteira. 2. Fim, término, ponto além do
qual não se pode progredir. (JAPIASSÚ e MARCONDES, 2001:119).
37
Alair Figueiredo Duarte

grupos étnicos. A teoria darwiniana de Evolução das Espécies12, por


exemplo, permitiu a muitos Estados em formação a justificativa
necessária aos seus interesses. Sua teoria tornava possível a idéia de uma
escala evolutiva na qual a raça humana seria o exemplo para os limites
dessa linha graduada. Na conformidade dos interesses, as apropriações
vincularam os humanos que tinham chegado ao topo da escala
evolutiva aos que fossem de etnia européia com suas respectivas
descendências.
A partir de uma concepção etnocentrista, tornava-se bastante
sustentável o seguinte pensamento: “Se estamos no centro do universo e somos
os únicos e verdadeiros humanos, logo, os outros por não serem iguais tanto nos
costumes quanto nos hábitos, são outra coisa em relação ao humano” (LEACH.
In. ROMERO, 1985:140). Mais uma vez, o discurso de autores clássicos
como Heródoto, Tucídides e Xenofonte tornavam-se atuais ao século
XIX e pertinentes a interesses geopolíticos.
A mentalidade científica do século XIX ratificava a defesa de
que o Ocidente através dos gregos da Antiguidade; era o berço do
mundo racional e civilizado. É bem verdade que não podemos ignorar
o legado intelectual que herdamos dos gregos: Filosofia, Teatro e formas
de governo, como a Democracia. Contudo, a problemática envolvendo a
hipótese de “um berço da civilização” não reside nas heranças
intelectuais, consiste no fato de que quando falamos em “Civilização”,
poucas vezes adotamos uma perspectiva histórica ou geográfica isenta;
quase sempre partimos de perspectivas etnocentristas. Ou seja, em
modo generalizado se parte do pressuposto que os elementos que se
encontram fora de uma região central a qual nos identificamos estão
fadados a serem marginalizados. Portanto, devem ser banidos e
extintos, mesmo que para isto tenhamos que recorrer à deflagração de
conflitos e de guerras. Vemos no estudo da Guerra, uma possibilidade à
reflexão dos paradoxos inseridos neste debate.
Atualmente, a respeito da guerra, há um princípio maniqueísta
na qual ela se identifica com o mal e a paz com o bem. Esta

12A Teoria da Evolução é um conjunto de pesquisas deixadas pelo cientista inglês Charles
Robert Darwin e pelo naturalista britânico Alfred Russel Wallace. Em suas pesquisas,
ocorridas no século XIX, Darwin procurou estabelecer um estudo comparativo de
várias espécies de diferentes regiões que possuem semelhanças. Darwin publica em
1858 a Origem das Espécies, nesta obra ele sugere que o homem e o macaco, em razão de
suas semelhanças biológicas, teriam um mesmo ascendente em comum.
38
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

peculiaridade, mais uma vez remete à relação de oposição binária:


Civilização versus Barbárie. Paz passa a representar um local comum aos
Civilizados; e Guerra, a própria Barbárie – lugar adequado aos insociáveis.
Contudo, mesmo os autoproclamados “civilizados” julgam adequado e
justo se valerem da Barbárie para protegerem suas vidas, propriedades e
liberdade.
Os gregos na Antiguidade, os quais etnocentricamente se
intitulavam os “Civilizados” do Mundo Antigo, deixam transparecer que
não somente valorizavam a paz, mas tornavam-na um objetivo a ser
alcançado. Podemos perceber tal pensamento através das palavras de
Aristóteles: “A paz é fim e o objetivo da Guerra (Política, 1334 a)”; e também
em Platão: “É na paz que se deve viver, o melhor que se puder, a maior parte da
existência (Leis, 803 d)”. Contudo, como mencionamos em linhas
anteriores, os gregos da Antiguidade eram também, amantes do
αɣ (agon), da disputa e não viam problemas em fazer a guerra, ela era
um fenômeno permanente. Yvon Garlan aponta que a pólis dos
atenienses de 490 a 338 a.C. teria guerreado em média mais de dois
anos em cada três (GARLAN, 1991:12). Qualquer indivíduo, até a
idade de sessenta anos poderia ser convocado a defender sua
comunidade. Cabia a cada cidadão se pronunciar a respeito, sabendo do
risco do seu trabalho e quais as suas despesas. Tais prerrogativas como
afirma Yvon Garlan, vinham acompanhadas de uma satisfação em
bater-se pela sobrevivência da pátria ameaçada, pois é no campo de
batalha que o caráter valoroso se mostrava; é através do combate que se
reconheceria a verdadeira Arete, virtude (GARLAN, 1991:14).
Para defenderem o solo dos ancestrais e assegurar a
sobrevivência dos seus descendentes, os helenos eram capazes de agir
com extrema agressividade, compatível às ações que eles classificavam
como atitude dos selvagens. Na Batalha de Maratona, ocorrida em 490
a.C., atenienses quando tiveram sua terra e sua liberdade ameaçada
pelos “bárbaros” persas, incutiram temor aos seus inimigos tamanha foi
a sua violência e energia. Através dos dados historiográficos podemos
mensurar o horror que foi aquela batalha. Victor Davis Hanson
menciona que em Maratona:

“Uma „loucura destrutiva‟ infectara as fileiras


gregas. À medida que os hoplitas gregos
chocavam-se impetuosamente contra as linhas

39
Alair Figueiredo Duarte

persas, eles devem ter compreendido que aqueles


homens cultivavam não apenas Apolo, mas
também o selvagem e irracional Dioniso”
(HANSON Apud. KEEGAN, 1985:268).

Haveria então uma gênese da Barbárie entre os “Civilizados”?


Como a “Barbárie” e a “Civilização” podem habitar em uma única
natureza? Verificando o que pode ser comum aos homens tanto quanto
aos animais, percebemos que um elemento a ser considerado são os
instintos. Embora existam fronteiras entre homens e animais como a
capacidade humana de raciocinar, abstrair e criar; todo animal racional
ou não, é capaz de ações naturais denominadas instintos ou àqueles que
preferem, podemos denominá-las: ações instintivas. É comum aos
homens após tomarem uma ação violenta, argumentar que agia tomado
pelo instinto.
Os apontamentos de Sigmund Freud nas correspondências
que trocara com Albert Einstein em 193213 tornam-se úteis para
compreender a relação entre as ações humanas violentas –- muitas
vezes consideradas atos de “Barbárie” – ou os atos de urbanidade,
comumente tomados como ações dignas dos “Civilizados”.
Quando questionado pelo físico A. Einstein: Por que a Guerra?
Sigmund Freud afirma que humanos são dotados de dois instintos, um
que visa preservar e unir, e outro que se destina a destruir e a matar
(EINSTEIN e FREUD, 2005:38-39). Segundo o psicanalista, nenhum
desses dois instintos é menos essencial que o outro e ambos não
operam isolados; estão amalgamados. O instinto de autopreservação
necessita ter agressividade a sua disposição para atingir os seus
propósitos (EINSTEIN e FREUD, 2005:38-39). Esta análise
comportamental humana descrita por Sigmund Freud, quando é

13 A década de 30 do século XX compreendeu os anos 1930 a 1939. Foi uma época


conturbada. Neste período, A. Hitler ascende ao cargo de chanceler na Alemanha e o
Partido Nazista alemão dá início ao extermínio de quem eles consideravam "raças
inferiores", em especial os judeus. Em 1939 tem início a Segunda Guerra Mundial, que
sucedeu à Guerra civil na Espanha (1936-1939). Nos Estados Unidos, Franklin D.
Roosevelt dá início ao New Deal, o plano de recuperação econômica dos Estados
Unidos da América após a quebra da bolsa de Nova York, em 1929. Muitos que foram
contemporâneos a esse período, a denominaram de a pior década do século XX, já que
começou com a Grande Depressão de 1929 e terminou com o início da II Guerra. Nota do
autor.
40
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

cotejada aos relatos historiográficos relativo aos gregos apontam-nos


que os helenos tanto quanto os ditos “povos bárbaros”, praticavam atos
violentos e atos de urbanidade. Isto nos leva a admitir uma natureza de
preservação comum a todos os humanos e rejeitar a concepção
hierárquica de culturas e “civilizações”. Portanto, não há civilização que
possa ser naturalmente superior. Inseridos nesta especificidade,
percebemos que a visão etnocentrista dos gregos na verdade prestava-se
a um único propósito: a preservação das tradições culturais. Tradições
que nos permitem nos dias atuais, delimitar a Civilização Helênica.
Uma Civilização supõe um vasto conjunto geográfico e histórico
que se estende por várias gerações de determinada sociedade com suas
numerosas etnias ou nações; atravessam continentes, línguas e regimes
políticos (WOLFF In. NOVAES, 2004:24). Podemos falar em uma
Civilização helênica, formada por diversas Cidades-Estado com diferentes
regimes políticos, leis e calendários religiosos para localizá-los histórica
e geograficamente: tebanos, corintos, espartanos, atenienses, trácios,
megarenses e beócios que habitavam um determinado território na
Hélade e se inseriam em uma estrutura cultural única de helenos.
Na Antiguidade, a Civilização helênica não era mensurada através
de fronteiras milimetricamente definidas como temos atualmente. Os
gregos percebiam a alteridade dos outros povos nos hábitos e costumes
culturalmente diferenciados. Sua percepção de Civilização tinha por base
o culto dos deuses, os ancestrais e o legado cultural deixado aos seus
descendentes.

I.2 - FRONTEIRAS CULTURAIS

Embora possamos considerar a Cultura14 como um dos


indicadores para delimitação das fronteiras no mundo helênico, não

14 Segundo o dicionário de Filosofia o conceito pode ser definido em cinco


proposições, mas destacaremos apenas quatro: 1. Serve para designar tanto a formação
do espírito humano quanto toda a personalidade do homem: gosto, sensibilidade,
inteligência. 2. Coletividade dos saberes possuídos pela humanidade ou por certas
civilizações: a cultura helênica, a cultura ocidental etc. 3. Em oposição a natura
(natureza), a cultura possui um duplo sentido antropológico: a) é o conjunto das
representações e dos comportamentos adquiridos pelo homem enquanto ser social. b)
um processo dinâmico de socialização pelo qual todos esses fatos de cultura se
comunicam e se impõem em determinada sociedade, seja pelos processos educacionais
41
Alair Figueiredo Duarte

podemos admiti-la como o único. Percebemos que entre os helenos a


concepção de fronteiras na Antiguidade envolvia tensões políticas,
religiosas, culturais e importância cívica e militar do cidadão na relação
espaço rural versus espaço urbano. Isto se trata de uma problemática a
ser solucionada e a qual nos aprofundaremos em outros trabalhos. Por
hora, muito brevemente, nos limitaremos em apontar o valor das
fronteiras na imaginária supremacia cultural defendida entre os
integrantes da cultura dos Helenos.
Exatamente por acreditarem serem os únicos dotados de
cultura, os gregos não creditavam autoridade moral ou política, as
fronteiras estabelecidas pelos costumes “Bárbaros”. Como nos indica
Catherine Peschanski, em um contexto onde as diferenças dos
costumes representam o outro, aquele que deve ser excluído; caberiam
aos “Bárbaros” duas prerrogativas fundamentais diante da visão
etnocêntrica helênica: primeiramente serem dominados e depois ficar
sem História (PESCHANSKI In. CASSIN, 1993:63-64).
Na atualidade, os tratados políticos são os principais
instrumentos no estabelecimento de fronteiras. A criação de um Estado
Judeu pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas
(ONU) em 194715 é um exemplo evidente desta proposição. Embora
nem sempre os tratados modernos e contemporâneos respeitem a
extensão das culturas e se pautem nelas para a delimitação das
fronteiras, elas continuam a ser o fator de identidade entre os grupos
étnicos. Marcel Detienne ao discorrer sobre Territorialização aponta que:
“a aldeia gera o limite e não o limite que gera a aldeia” (DETIENNE,
2004:49).

propriamente ditos, seja pela difusão das informações em grande escala. Nesse sentido,
a cultura praticamente se identifica com o modo de vida de uma população
determinada, vale dizer, com todo o conjunto de regras e comportamentos pelos quais
as instituições adquirem um significado para os agentes sociais e através dos quais se
encarnam em condutas mais ou menos codificadas. 4. Em sentido mais filosófico, a
cultura pode ser considerada como um feixe de representações, de símbolos, de
imaginário, de atitudes e referências suscetível de irrigar, de modo bastante desigual,
mas globalmente, o corpo social. (JAPIASSÚ e MARCONDES, 2001:47).
15 Em novembro de 1947, uma Assembléia Geral da ONU, presidida pelo brasileiro

Oswaldo Aranha, votou pela resolução 181, sobre a partilha da região Palestina, por
uma resolução, aprovada por 33 votos contra 13 e 10 abstenções. Nesta resolução
estava reconhecido o Estado Judeu que tinha 30% da população regional, mas deveria
ocupar 53% do território. Cf. CAMARGO. In. MAGNOLI, 2009:431).
42
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

A propósito da relação: Fronteiras e Identidade Cultural;


percebemos que fronteiras são linhas imaginárias descritas a partir de
uma visão etnocêntrica. Edward W. Said, ao apresentar o Oriente como
uma invenção do Ocidente (SAID, 1990:64) destaca na sua narrativa
como os grupos étnicos estabelecem Fronteiras Geográficas se utilizando
das Fronteiras Culturais:

Um grupo de pessoas que em uns poucos


hectares de terra estabelece fronteiras entre sua
terra e adjacências imediatas e o território além,
que chama “terra de bárbaros”. Em outras
palavras, essa prática universal de designar na
própria mente um espaço familiar que é “nosso”
como “deles” é fazer distinções geográficas que
podem ser inteiramente arbitrário porque a
geografia imaginativa do tipo “nossa terra e terra
bárbara”, não requer que os bárbaros
reconheçam esta distinção (SAID. Apud.
CHEVITARESE In. THELM e
BUSTAMENTE, 2004:66).

Como na Antiguidade helênica, as fronteiras geográficas eram


antropológicas e não políticas16; havia dificuldade em delimitar o ponto
exato no qual um território começava e no qual o outro tinha fim. Nos
pontos limites em que costumes e Culturas se encontram as diferenças
tem por tendência se mesclarem reduzindo suas distâncias, porém há
traços culturais que se manterão heterogêneos. A cultura e seus
delineamentos não dependem da proximidade e do distanciamento
espacial geográfico entre grupos étnicos para se definir e estabelecer
identidades. A identidade cultural para ser reconhecida, é dependente
das tensões entre os grupos étnicos.
Fançois Hartog nos mostra que o próximo e o longínquo
agem de maneira imbricada, o distanciamento espacial não é capaz de
excluir a proximidade cultural. O pesquisador destaca os gregos ao
analisarem Zalmoxis, um estrangeiro de naturalidade dúbia, geta ou
dácio que é mencionado por Heródoto no livro IV, cap. 94 da História

16 Segundo Cristell Müller, os acidentes geográficos como florestas, montanhas, vales


ou mesmo os domínios rurais eram utilizados como marco indicados dos limites
territoriais. MÜLLER. In. PROST, 1999).
43
Alair Figueiredo Duarte

(HARTOG, 1999:116-117). As discussões a respeito de Zalmoxis eram


se ele era um homem, um deus ou um daimon (almas humanas
divinizadas pela morte); tal debate não nos interessa neste momento. O
que se torna interessante nesta análise é que devido aos seus
conhecimentos filosóficos, os gregos para analisá-lo tomam por
referência a figura de Pitágoras, um heleno natural de Samos, cidade
localizada na Ásia Menor e distante da região considerada centro
cultural helênico: a Ática.
Na visão de François Hartog, o fato de o Zalmoxismo poder ser
visto como uma espécie de “avatar” do Pitagorismo reflete lembranças ao
citado movimento filosófico grego e permite a aproximação entre os
dois (HARTOG, 1999:139-140), porém as analogias ou proximidade
mantêm o distanciamento étnico, elas não são capazes de comprometer
as diferenças culturais estabelecidas na relação etnocêntrica: gregos e
“bárbaros”. Isto nos demonstra que a verdadeira fronteira não se trata de
um fenômeno espacial geográfico. Ela consiste na visão etnocêntrica do
individuo que se reconhece e é reconhecido como pertencente de
determinada Cultura. Por exemplo, os gregos destacavam a diferença do
outro, os denominando “Bárbaros”, não por se encontrarem em
localização geográfica fora da Hélade, mas, por serem capazes de
estabelecer um conjunto de elementos culturais que os tornavam
ímpares aos demais povos mediterrânicos (CHEVITARESE In.
THELM e BUSTAMEANTE, 2004:74).
Na Antiguidade, as fronteiras geográficas e históricas como
define André L. Chevitarese eram “fronteiras mentais” e se identificavam
em cinco aspectos, a saber:

1.As fronteiras, antes de existirem como convenções baseadas em


marcos geográfico entre as partes envolvidas em disputas fronteiriças,
ganham os primeiros contornos na mente de quem as estabelecem.
2.As fronteiras só são esboçadas porque se reconhece que tanto o
território (entendido como espaço de ação e de habitação) quanto às
prioridades esboçadas por um determinado grupo social são declarados
diferentes de um determinado conjunto social.
3.As fronteiras internas atenienses articulavam relações de poder, de
dominação e de graus variados de uma complexa hegemonia.
4.As fronteiras geográficas e históricas (mentais) acompanham de perto
e de um modo previsível, outros marcos geográficos centrados nas
diferenças sociais e econômicas.

44
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

5.As fronteiras geográficas e históricas (imaginativas) ajudam a mente a


intensificar o sentido de si mesma mediante a dramatização da distância
e da diferença, enfatizando o que está próximo e o que está distante
(CHEVITARESE In. THEML e BUSTAMANTE, 2004:66).

Como observamos, as fronteiras na Antiguidade helênica se


davam por meios arbitrários e imaginários em que a referência base
encontrava-se na concepção etnocêntrica, apontando o que é distante e
estranho, o “Bárbaro”, aquele que se encontra fora do “mundo civilizado”.

I.3- O CONCEITO DE CULTURA E NATUREZA COMO


INTRUMENTO PARA O EXERCÍCIO DO PODER

O que é Cultura e em que sentido ela coaduna, ou não, com o


conceito de Natureza? Embora tenhamos anteriormente destacado
como o Dicionário de Filosofia define o conceito de Cultura,
compreendemos que não se trata de tarefa simples apreender um termo
tão complexo. Para apresentarmos recursos mínimos visando
compreender o significado de Cultura, recorreremos ao método
comparativo de Marcel Detienne, denominado pelo próprio, como:
Comparativismo Construtivo ou Campo de Experimentação.
O Comparativismo Construtivo exige um trabalho coletivo e para
que seja realizado de maneira adequada se faz necessário uma rede
intelectual envolvendo pelo menos dois ou três campos de saberes
distintos (DETIENNE, 2004:47-48). Objetivando êxito em nossa
análise, verificaremos o que nos diz a Antropologia, as Ciências Sociais,
assim como as relações Étnicas Raciais.
Para a Antropologia, a palavra Cultura possui duas definições
principais que são inseparáveis: as formas gerais das culturas no
pensamento coletivo e a cultura sob visão e perspectiva da História
(BONTE Et. Al. 1991:190).
O termo técnico definido por cultura foi introduzido à
Antropologia por E.B. Tylor em 1865, no século XIX. Anteriormente
aparecia com o significado de agricultura (TYLOR, 1865:369. Apud.
SILVA Et Al.,1986:290). Porém, o termo somente toma sentido
conceitual sólido seis anos posteriormente, nas concepções do mesmo
autor. E. B. Tylor, em 1871, passa a conceber Cultura como uma
definição que conserva valores canônicos: “uma complexidade evolvendo
45
Alair Figueiredo Duarte

vários saberes, os conhecimentos, o direito, arte, os costumes, todos os usos e desusos


disponíveis ao homem que vive em sociedade” (TYLOR, 1865:369. Apud.
SILVA Et Al.,1986:190). Assim, a Cultura transformou-se em qualquer
coisa que existe e interage com a condição humana coletiva, em sua
característica universal o conceito de Cultura se opõe a Natureza
(STRAUSS. Apud. BONTE Et. Al. 1991:190). Sob a ótica
antropológica norte-americana, o conceito de Cultura seguiu uma
perspectiva ocidental que privilegia a idéia de desenvolvimento. Os
culturalistas americanos direcionam suas pesquisas, principalmente, para
a ocorrência dos fatos sociais seguindo os padrões britânicos de
sociedade. A. L. Kroeber e C. Kluckhohn na década de cinqüenta do
século XX definem que Cultura é um fenômeno que possui estruturas
capazes de revelar e levar a um saber comum que se constituiu e
desenvolveu a partir da noção de cultura animi, adotada pelos Antigos
(STRAUSS. Race et Histori, 1952 Apud. BONTE Et. Al. 1991:190).
A Antropologia em uma segunda abordagem analisa e aborda o
conceito de Cultura dentro da história como uma diversidade de
culturas. Inclusive se propõe a interrogar se a unidade da condição
humana se resume a uma pluralidade de culturas ou, consiste das
diferenças entre as culturas. (BONTE Et. Al. 1991:191). C. Lévi
Strauss, um Relativista Cultural, na obra Raça e História, em 1952,
responde a esta questão afirmando que a Cultura tem por função
reagrupar o que se encontra isolado a partir das coincidências
aproximativas (BONTE Et. Al. 1991:191).
As Ciências Sociais focalizam suas acepções na maneira como a
sociedade se relaciona com a concepção de cultura. Sociólogos
americanos como R. M. MacIver mostraram-se sensíveis à teoria de
autores alemães como A. Weber que relaciona Cultura com religião
subjetiva, filosofia e arte (SILVA, Et Al. 1986:291). Tal linha de
pensamento julga adequado analisar o conceito de Cultura em duas
perspectivas: pelo modo descritivo explanatório e pelo viés das culturas
particulares (SILVA, Et Al., 1986:291).
Segundo a concepção científica social do conceito de Cultura,
as linhas que demarcam a descrição das culturas, trata-se de uma
questão de nível, abstração e de conveniência para o problema
enfrentado. Cada caso deve ser analisado isoladamente: Cultura
Ocidental, Cultura Grego-Romana, Cultura Européia do século XIX, etc.;
todas as abstrações serão legítimas se definidas cuidadosamente

46
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

(SILVA, Et Al. 1986:291). Nestas conformidades, para que o discurso


em prol da Cultura seja legítimo precisamos definir suas perspectivas.
Deve-se estar atento a quem produz o discurso sobre a Cultura e como ele
é abordado. Michel de Certeau aponta um dado interessante a esse
respeito. O historiador faz sua análise sobre Culturas Plurais,
descrevendo o papel do academicismo e seu propósito em legitimar o
discurso envolvendo Cultura.
Na visão de M. de Certeau, o academicismo trata-se de um
universalismo fictício, pois ele define um lugar para a reflexão em que não é
possível realizar uma discussão sobre a Cultura nos seus aspectos
globais (CERTEAU, 2005:221-222). Nos encontros de especialistas há
um conjunto de determinações que fixam os limites circunscrevendo a
autoridade de quem fala e como é possível argumentar, quando abordam a
Cultura, segundo Michel de Certeau esta é a maneira pela qual se define
lugar. O academicismo, ao definir o lugar cria uma visão particularizada
que somente alcança seriedade no momento em que encontra seus
limites e se articula com o saberes absolutamente opostos (CERTEAU,
2005:221-222). Diante desta observação, percebemos a importância e
validade da proposta de Marcel Detienne ao defender um Campo de
Experimentação no método comparativo de pesquisa (DETIENNE,
2004:47-48). A tese de M. Certeau nos permite evitar que fiquemos
prisioneiros da lei tácita de um lugar particular quando debatemos
Culturas Plurais. Afinal, não há como transpormos a alteridade que se
mantém além das nossas perspectivas e que estão ancoradas na
experiência do outro (CERTEAU, 2005:221-222).
Ainda sob a luz da análise das Ciências Sociais, a conceituação
de Cultura permite a sua analise através do conceito e da idéia de

Sub-Cultura: “uma subdivisão da cultura


nacional, composta de uma combinação de
situações sociais fatoráveis tais como: o status,
classe social, base étnica, residência regional, rural
ou urbana, associação religiosa que forma uma
combinação; uma unidade de funcionamento que
possui um impacto integrado sobre um indivíduo
participante” (KLUCKHOHN, Apud. SILVA,
1986:292).

47
Alair Figueiredo Duarte

O conceito de Subcultura nos remete à análise social dos


Soldados-Cidadãos na Grécia Antiga, no qual os integrantes desta milícia
guerreira17 eram compostos em oitenta por cento de agricultores
(KEEGAN, 1995:260), todos reunidos a partir de sua base étnica e seu
culto religioso. As práticas comunitárias deste segmento da sociedade
helênica, sobretudo na pólis dos atenienses, permitem apreender a
razão pela qual os gregos viam diferenciação entre os helenos que
habitavam centros intelectuais como a Ática e gregos considerados
estrangeiros que habitavam os extremos da Hélade fazendo fronteiras
com outras etnias. As ações dos helenos representadas na figura de
Soldados-Cidadãos áticos também coadunam com as concepções
científicas sociais de Cultura de Folk.
Cultura de Folk trata-se de um comportamento comunitário
convencionalizado que se baseia no parentesco e é controlado
informalmente pelas tradições e sacralidade dos cultos religiosos
(SILVA, Et Al., 1982:292). Obras como The Classical Greek Battle
Experience, 1998, do historiador helenista Victor Davis Hanson, deixam
bem evidenciados a relação entre a esfera do sagrado, a sociedade
helênica e a guerra na Antiguidade (HANSON, 1988: passim).
A Cultura vista sob a perspectiva das Relações Étnicas e Raciais
trata-se de um sistema de significados e costumes com limites pouco
definidos e, sobretudo, instáveis. Sendo inclusive capaz de assumir
novos rumos e compartilhar os significados que mudam juntamente
com a Cultura, por isso não podemos tratá-la como um número finito
de unidades estáveis (CASHOMORE, Et Al., 2000:153-154).
A respeito das concepções “multiculturalistas” da atualidade,
Eduardo Viveiros de Castro defende que a distinção clássica entre
Natureza e Cultura não é capaz de descrever as dimensões e os domínios
internos das cosmologias não-ocidentais (CASTRO, 2002:347-349).
Quando o autor faz tal afirmação, não está se referindo aos antigos
helenos, mas abordando sociedades ameríndias da América há mais de
dois mil anos póstumos. Na sua análise, E. Viveiros de Castro defende

17Sistema militar onde a defesa de determinado território está submetida ao seu corpo
de cidadãos e não a um corpo militar profissional complexo, que demande
aquartelamento e financiamento por parte do Estado. Nesta estrutura militar, o cidadão
é responsável pelo próprio armamento guardando-o em sua própria residência e se
mobilizando sob convocação.
48
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

que o dualismo divisor entre Natureza e Cultura, advoga para


abandonarmos nossa herança intelectual.
Entre os gregos da Antiguidade, a natureza tratava-se de algo
vivo e detinha seu próprio “espírito” (metafísica), suas ações não
dependiam da ação humana. A Natureza era a própria
(physis:nascimento, origem, brotar) que originou o universo e para
onde todas as coisas caminham (LEACH In. ROMANO, 1985:67).
Emmanuel Carneiro Leão lembra-nos que em conformidade com as
escolas platônicas e aristotélicas, indicava céu, terra, vegetais,
animais e de maneira específica, também o homem (LEÃO, 1991:17).
Werner Jaeger destaca que Tucídides menciona este princípio quando
faz seus escritos para deixar um registro visando evitar erros no futuro.
Pois, considerando que a natureza do homem fosse única, os erros
poderiam voltar a acontecer. O estado saudável e normal depende de
proporção idêntica entre os elementos fundamentais da natureza no seu
conjunto (JAEGER, 2003:1006).
Aristóteles na sua Metafísica apresenta O Motor Imóvel, exemplo
de como os gregos da Antiguidade percebiam a Natureza e, também,
como ela se relacionava com o mundo. Segundo a teoria aristotélica,
todas as coisas seguem uma ordem e caminham em direção a um Motor
Imóvel que movimenta o universo pela atração. O movimento encontra-
se relacionado à capacidade de existência da coisa em ato e potência, ou
seja, o que a coisa é de fato e, respectivamente, o que ela poderia vir a
ser (ARISTÓTELES. Metafísica: passim); uma criança é
concomitantemente, um humano em ato e um adulto em potência.
Na Antiguidade, o futuro encontrava-se imanente no presente
tornando próprio e perfeito que as águas de um rio desçam a serra em
direção ao mar e que a pedra ao despencar de um abismo, vá em
direção ao solo. Todos os seres procuram caminhar para a ordem, seu
lugar de repouso (LEACH In. ROMANO, 1985:67). Para os gregos, o
homem era apenas mais um elemento nesta ordem natural. Nestas
conformidades, embora Platão tanto quanto Aristóteles fossem
defensores que gregos não escravizassem outros gregos (GARLAN,
1991:78-79), criando paradoxos aos interesses políticos e econômicos
das Cidades-Estado helênicas18, podemos dizer que na verdade ambos

18 Devemos destacar a importância da agricultura e da escravidão na sobrevivência

econômica da Cidade-Estado na Hélade. N. Harmond aponta que a distinção entre


senhor e servo manteve o privilégio da classe dos cidadãos na comunidade. Ela gerou a
49
Alair Figueiredo Duarte

os filósofos defendiam a ordem natural: justificar a submissão dos não


gregos (os “bárbaros”). Isto porque “Bárbaros” aparentavam hábitos
“naturalmente” distintos e, por isso, deveriam ser seus escravos em
conformidade com a natureza (Cf. EURIPEDES, Ifigênia em Aulis, Apud.
ARISTÓTELES. Política, 1252 a). A Cultura sob a visão etnocêntrica
dos gregos, encontrava-se diretamente relacionada à Natureza. Entre os
helenos havia um princípio imanente19 único capaz de explicar a
movimentação dos corpos celestes, crescimento das plantas e ciclo de
vida dos indivíduos (LEACH In. ROMANO, 1985:68-69).
No Renascimento, a concepção de Natureza sofre
transformações e passa a ser entendida como imutável, abandonando a
idéia de devir (mudança) como os gregos a percebiam; porém, é a partir
do século XVIII que o modelo de Natureza adotado na Antiguidade é
rompido (LEACH In. ROMANO, 1985:68-69). Matéria e espírito
tornam-se entidades separadas e não imanentes assim como Natureza e
Cultura, que passam a ser concebidos como atributos independentes e
separados. No século XIX, Cultura toma definitivamente a
representação de acúmulo de conhecimento (LEACH, In. ROMANO,
1985:68-69).
Até a primeira metade do século XIX, o termo alemão Kultur
tratava-se de um sinônimo do termo inglês e francês Civilisation, serviam
para se referir a ambas as concepções: Civilização e Cultura. Matthew
Arnold na obra, Culture and Anarchy (1869), equipara “Cultura” a
“Civilização” (LEACH In. ROMANO, 1985:68-69). Na citada obra, M.
Arnold apresenta “cultura” como um atributo do homem culto (no
sentido de bem educado e intelectualizado), sentido pelo qual o termo
ficou conhecido e difundido na atualidade, correspondendo a uma
visão elitista (LEACH In. ROMANO, 1985:68-69).
Posteriormente algumas perspectivas antropológicas
destacaram que o traço principal e característico da Cultura é a sua
capacidade de transmitir aprendizagem de geração para geração, sendo

economia agrícola que seria a fonte de auto-suficiência e assegurou aos cidadãos um


grau adequado de tempo livre para praticar as artes da paz e da guerra. (HAMMOND,
1959:101. Apud. KEEGAN, 1995:256-257).
19 Em conformidade com José Ferrarter Mora: diz-se que uma atividade é imanente a

um agente quando permanece dentro do agente no sentido de que tem no agente o seu
próprio fim. O ser imanente contrapõe-se, portanto, ao ser transcendente - ou
transitivo - e, em geral a imanência opõe-se à transcendência. (Cf: MORA, 1978:138).
50
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

por tudo isto, um conjunto de idéias e arquétipos que se encontram


adjacentes ao espírito (LEACH In. ROMANO, 1985:69). Percebemos
que esses arquétipos próprios do espírito destacam a importância da
Linguagem nas relações e nas antíteses que envolvem Cultura e Natureza.

I. 4 - LINGUAGEM E CIVILIDADE

Linguagens são representações simbólicas, os meios através dos


quais os seres se comunicam. Tal como nos aponta Maria Aparecida
Baccega:

A linguagem não é um domínio autônomo, que


subsiste e desenvolve por si mesmo. [...] A
instância da linguagem define o ser consciente.
No decorrer do tempo, a consciência vai se
constituindo através da assimilação de conjuntos
de representações e de idéias (BACCEGA,
2000:43).

A citação nos mostra que a Linguagem para tomar sentido


depende de três atributos: criatividade, relações comunitárias e
experiência adquirida. Embora alguns animais sejam capazes de
desenvolver os dois últimos atributos citados, apenas o homem é capaz
de desenvolver as três qualidades apresentadas e por isso são os únicos,
dentre todos os animais, capazes de dar sentido à Linguagem.
Se recorrermos mais uma vez ao pensamento aristotélico,
concordaremos com as afirmações do estagirita de que o homem é o
único animal que detém a capacidade de articular sons com
racionalidade, ou seja, com sentido de logos (ARISTÓTELES,
Política,1253 a).
Sabemos que a vida é um fenômeno natural e, em uma
primeira análise, pré-existe às relações culturais. Contudo, se
analisarmos as declarações de Aristóteles nos apontamentos acima, no
qual destaca a natureza da racionalidade humana e cotejá-las junto às
considerações de Maria Aparecida Baccega em relação à Linguagem, é
possível inverter a polaridade de interdependência dos fenômenos.
Natureza passa a ser totalmente dependente da Cultura, pois somente
51
Alair Figueiredo Duarte

seremos reconhecidos como humanos na medida em que exercemos o


dom da criatividade e do Logos, exclusivo aos humanos. Tal perspectiva
põe por terra algumas afirmações do período Clássico helênico de que
o grego era o único grupo étnico Civilizado em razão de sua Cultura e
sua ancestralidade. A condição cultural humana na perspectiva, ora
apresentada, se caracteriza pela capacidade de produzir e interpretar
Linguagens e não pela herança genética (natureza) dos ancestrais.
Ao refletirmos sobre as teorias de Thomas Hobbes, J. J.
Rosseau ou John Locke quanto ao homem em Estado de Natureza20, o
estado no qual ele se encontra livre como um selvagem ou totalmente
desprovido de relação comunitária; perceberemos que este homem seria
dotado de todos os atributos e características genéticas da sua espécie,
porém impossibilitado de executar comunitariamente o atributo
humano natural da Linguagem, pois ele estaria só.
Caso considerássemos apenas seus atributos biológicos e
desconsiderássemos os culturais, veríamos que o homem, mesmo em
Estado de Natureza, por seus apetites biológicos intentaria reproduzir e
teria que estabelecer algum tipo de linguagem com outro membro da
espécie (LEACH In. ROMANO, 1985:72-74).
A Linguagem trata-se de elemento importante a qualquer
sociedade, isto em razão dela desenvolver as Civilidades. Marcel
Detienne em Comparar o Incomparável, apresenta a Civilidade como um
veículo da Linguagem; ela dá forma às categorias coletivas produzindo
interpretações de Civilidades as quais se manifestam em instituições
comunitárias, tais como: o direito, a política e as relações sociais –
todos estes elementos, signos culturais (DETIENNE, 2004:42-44).
A Civilidade diverge da concepção de Civilização, enquanto que o
segundo conceito esteja relacionado a questões históricas e geográficas;
o primeiro, como se pode apreender em Marcel Detienne, trata-se de
uma manifestação prática da Cultura. A Civilidade qualifica o indivíduo
como um perfeito cumpridor dos deveres cívicos: leis, ritos, práticas
sociais e religiosas (DETIENNE, 2004:40-44). Especificidades que, em
uma relação maior ou menor, possuem gênese nos mitos.

20 Ver respectivamente: Thomas Hobbes. O Leviatã; Jean Jacques Rousseau. Discurso

das desigualdades entre os homens; John Locke. Segundo tratado sobre o


governo: ensaio relativo sobre à verdadeira origem extensão e objetivo do
governo civil.
52
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

Marcel Detienne, através de seu Comparativismo Construtivo,


percebe o mito como depositário fiel das Civilidades. Isto se dá, não
somente pelo fato de o mito se mostrar presente em todas as
Civilizações, mas principalmente por englobar os arquétipos da vida
social e espiritual de qualquer sociedade. O mito nos permite descobrir
muito do que não é evidente nas atividades mentais-comunitárias
(DETIENNE, 2004:42-43).
Podemos afirmar que o Mito para os gregos na Antiguidade
expressava o mundo e a realidade humana. Ainda nos dias atuais pode
ser visto como uma representação coletiva envolvendo a cultura de
determinada comunidade, e por isso, é capaz de unir gerações distintas
tornando o passado sempre atual, bem próximo ao presente e, garante o
futuro de sua sobrevivência na memória coletiva da comunidade por onde transita
(BRANDÃO, 1997:35-36). Os pesquisadores W. Robertson Smith e
Jane E. Harrison destacam o valor do Mito junto às relações sociais.
Segundo suas pesquisas: Mito são narrativas que foram ou são mal
compreendidas, são contos ou histórias que se encontram ligados não
só a costumes, às tradições, mas também a fatos que foram vividos pela
sociedade (FRAZER, 1890).
A respeito do Mito, M. Detienne afirma ainda que o fenômeno
trata-se de um pensamento que testemunha comportamentos proto-
históricos e que formam os esboços das categorias jurídicas, políticas
ou religiosas (DETIENNE, 2004:43).
Na sociedade helênica, mais propriamente na pólis dos
atenienses, os Mitos contribuíram para estruturar a Civilidade através de
instituições comunitárias como Agorá, o centro cívico da pólis; políticas
como a Pnix, local em que assembléias populares votavam e; jurídicas
como o Areópago, tribunal que tinha ingerência sobre questões religiosas
e jurisdição nos julgamentos dos crimes de homicídios. Todas as citadas
instituições atenienses - não devemos esquecer - possuem uma origem
segundo a versão e narrativa mítica e por esta razão, encontravam-se
imbricados a Civilidade daquela pólis.
As Civilidades são “retalhos” que compõem a Cultura. Assim
como na atualidade: brasileiros, argentinos e chilenos compõem a
Cultura Latino-americana, na Antiguidade: atenienses, espartanos e
corintos representariam a Cultura helênica cada qual com sua Civilidade.
Portanto, a Cultura encontra-se além da universalidade de idiomas ou
dialetos específicos, abarca os hábitos e costumes praticados por

53
Alair Figueiredo Duarte

determinado grupo étnico e suas potencialidades em se relacionar,


absorver ou transformar práticas comunitárias diversas. Catherine
Peschansk evidencia esta observação quando debate sobre os gregos e
o tempo, ela cita: “Mas os atenienses se transformaram em gregos e, ao fazerem
isso, mudaram de língua. Assim, ou se nasce grego ou se torna um grego”.
(PESCHANSKI In. CASSIN, 1993:62). Desta forma, vemos que a
Cultura se identifica com a prática cotidiana, o hábito. Portanto, é o
resultado de uma prática e não de algo inato. Tucídides ao documentar
a historicidade da Cultura helênica nos permite apreender que ela foi
“datada”, ou seja, construída e é analisada etnocentricamente. Em seus
relatos, encontramos elementos que descredenciam a supremacia da
Natureza sobre a Cultura, observemos:

Na realidade, todos os helenos costumavam


portar armas, porque os lugares onde viviam não
eram protegidos e o contato entre eles eram
arriscados; por isto em sua vida cotidiana eles
normalmente andavam armados, tal como ainda
fazem os bárbaros. O fato de algumas regiões da
Hélade ainda manterem esse hábito prova que,
em certa época, modos de vida semelhantes
prevaleciam por toda parte (TUCÍDIDES, I, 6).

Em conformidade com o relato do estratego historiador,


alguns helenos ainda mantém, ações que são dignas de “bárbaros”. Nesta
especificidade, deve-se considerar duas premissas: primeiramente, a
diferença cultural entre helenos e “Bárbaros” não é um fenômeno inato.
Depois, Tucídides analisa o modo de vida grego a partir de uma visão
etnocentrista, pois aponta os atenienses como pioneiros a adotarem
hábitos refinados dentre todos os outros helenos. Vejamos suas
afirmações: “Os atenienses, todavia, estavam entre os primeiros a desfazerem-se de
suas armas e, adotando um modo de vida mais ameno, mudaram para uma
existência mais refinada” (TUCÍDIDES, I, 6). Na citação é possível
verificar que de fato houve um discurso que estabeleceu a construção
da Helenicidade, a qual foi edificada nas tradições que deveriam ser
passadas às gerações futuras. O lugar e o segmento social dos homens
eram socialmente controlados, até na maneira de se vestirem, vejamos:
“De fato, não faz muito tempo que os idosos do segmento mais privilegiado, na fase
de transição para a vida mais agradável deixaram de usar túnicas de linho
54
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

rústico....” (TUCÍDIDES, I, 6). Devemos nos lembrar que em


conformidade ao modo de vida helênica - sobretudo, na pólis dos
atenienses - a “vida mais agradável” seria um privilégio dos cidadãos
idosos que ao longo da sua existência tivessem gerado filhos homens à
pólis, cultuado os deuses nas formas devidas, cumprido com o seu
dever de defender a pólis e, por tudo isso, deixado um exemplo aos
seus descendentes.
No século V a.C., adotava-se um estilo de vida que os helenos
consideravam mais refinado, observemos o que diz Tucídides (I:6):
“Roupas mais simples, como as usadas atualmente, foram adotadas primeiro pelos
lacedemônios, e em geral os homens mais ricos entre eles evoluíram para um estilo de
vida que os aproximou mais das massas que em outras regiões”. Nesta
observação, fica-nos a apreensão de que os atenienses se consideravam
mais refinados que os espartanos. Isto, em razão de atenienses
adotarem como forma de governo, o regime democrático no qual todos
os cidadãos eram iguais diante das leis. Seguimos na análise da
construção cultural dos helenos:

Os lacedemônios foram também os primeiros a


despirem-se e após tirar a roupa em público
untarem-se com óleo quando iam participar de
exercícios físicos; pois em épocas mais remotas -
mesmo durante os jogos olímpicos - os atletas
usavam panos enrolados em forma de cintos em
volta dos quadris nas competições, e não faz
muitos anos que esta prática cessou. Ainda hoje
entre alguns bárbaros (especialmente na Ásia,
onde há prêmios para o luto e o pugilismo), os
competidores usavam esses panos nos quadris. É
“possível demonstrar que os helenos antigos
tinham muitos outros costumes semelhantes aos
dos bárbaros atuais. (TUCÍDIDES, I, 6).

A valorização da estética corporal tratava-se de uma virtude


entre os princípios aristocráticos helênicos. Um corpo belo e vigoroso
tratava-se de uma prerrogativa aos que detinham tempo e condições
para se dedicarem ao ócio produtivo: intelectualidade, vida política ativa
(dedicar-se à administração e interesse dos assuntos comunitários), além
do treino para competir nos Jogos Olímpicos (VIEGAS, 2009:78-79).

55
Alair Figueiredo Duarte

A nudez, que expõe um belo corpo pode ser compreendida


como a ostentação do status social. Segundo a pesquisadora Alessandra
Viegas, era através do corpo que os gregos demonstravam saber
respeitar as medidas e evitar excessos, era imprescindível a um aristhos
(um bem nascido), possuir um belo corpo. O corpo representaria os
valores nobres: beleza, coragem, força; signos da manutenção do status
quo, entendido como supremacia sobre os menos favorecidos em seus
corpos (VIEGAS, 2009:78-79).
Como define Margaret Mead, a Cultura é “o conjunto das
representações e dos comportamentos adquiridos pelo homem enquanto ser social”
(MEAD In. MARCONDES e JAPIASSÚ, 2001:47). Portanto, é capaz
de estabelecer os diversos tipos de relações envolvidos em uma
sociedade, interliga-se às informações e conhecimentos adquiridos.
Além de tudo, a Cultura é responsável por desenvolver no indivíduo
uma opinião singular que agrupado a outros indivíduos por
similaridades de pensamento, criam a identidade social. As identidades
sociais por sua vez criam arquétipos que acabam por refletir nas
instituições comunitárias, representadas pelo seu código de leis, culto
religioso, festivais, sistema educativo e expressões artísticas. Enfim,
Cultura são signos criados e codificados pelo ser humano, ou seja:

O modo de vida de uma determinada população


vale dizer, com todo o conjunto de regras e
comportamentos pelos quais as instituições
adquirem um significado para os agentes sociais,
e através dos quais se encarnam em condutas
mais ou menos codificadas (MEAD In.
MARCONDES e JAPIASSÚ, 2001:47).

Cotejando a análise do conceito de Cultura e etnocentrismo aos


escritos de Tucídides, fica-nos perceptível que o discurso demarca o
desejo do autor em vincular o início da Civilidade dos povos helênicos a
sua contemporaneidade, Período Clássico. Neste corte temporal, houve
maior interação bélica, comercial e, conseqüentemente, maior contato
cultural entre helenos e demais etnias da região mediterrânica. A
relação, tradição cultural versus interações étnicas ao final do século V e início
do século IV a.C. ficou caracterizada na figura de Soldados-Cidadãos e
Soldados-Mercenários que a partir deste período começavam a combater
cada vez mais próximos e integrados taticamente aos exércitos políades
56
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

atenienses. Tal prerrogativa os conduziria a uma convivência, pois no


campo de batalha combatiam como unidade, compondo um exército
homogêneo.

I. 5- SOLDADOS-MERCENÁRIOS, SOLDADOS-CIDADÃOS
IDENTIDADES ÉTNICAS ENTRE CULTURAS

O Soldado-Mercenário tratava-se - como acontece até os dias


atuais – de um soldado especializado que combate por um governo
estrangeiro em troca de recursos pecuniários. Devido ao seu contato
com outras culturas através das guerras e dos exércitos no qual se
encontrava articulado, poderia resultar em um indivíduo culturalmente
híbrido. Contudo, é interessante verificar que helenos frente a outros
grupos étnicos mediterrânicos como os persas, embora combatessem
integrados, mantinham sua identidade e tinham sua alteridade percebida
pelo outro. O rei Ciro, o Jovem, da Pérsia, diante de seus Soldados-
Mercenários ao motivar as tropas de origem helênica acentuou as
diferenças nas seguintes palavras: “Homens da Grécia, não é por não ter
tropas bárbaras suficientes que eu os trouxe até aqui para lutar em meu nome. Eu
os trouxe até aqui porque pensei que fossem mais corajosos e fortes do que muitos
soldados bárbaros.” (XENOFONTE, Anábase, 1, 73. Apud. HANSON,
2002:78). Ciro, o Jovem, buscava reforçar o pensamento de alteridade
que os gregos tinham em relação aos outros povos da Antiguidade. Isto
é uma evidência de que estar a serviço de uma Civilização ou Cultura
diferente não significa fazer parte dela. Segundo Fredrik Barth, em uma
cultura os diversificados grupos humanos que a compõem com suas
diferenças peculiares formam-se unidades étnicas, as quais desempenham
papel importante na constituição das Fronteiras Culturais. (BARTH In.
POUTINHAGNT, 1998:198-188).
O Dicionário de Antropologia define Etnia em linhas gerais,
pela identidade lingüística e pelo fator cultural comum que abarca uma
dimensão territorial considerável. Nestes critérios, o termo tribo trata-se
de uma especificidade para grupos de menores dimensões (BONTE, Et
Al., 1991:242). Sobre estes propósitos, a denominação de Minorias
Étnicas não é um sinônimo de tribo; trata-se de pequenos grupos que se
definem por critérios convencionais internos e externos do próprio

57
Alair Figueiredo Duarte

Grupo Étnico. Dentre os critérios internos, exemplificamos: comunidade


de origem, cultura, religião ou linhas de parentesco que unem os
membros entre si; a respeito dos critérios externos: passado histórico
comum, posição social dentro da sociedade global e meio econômico
(BONTE, Et Al., 1991:242).
A análise conceitual envolvendo Minorias Étnicas e Grupos
Étnicos nos permite perceber que os critérios utilizados pelas Minorias
Étnicas para definir quem é seu par, permitem ao indivíduo se identificar
como integrante de determinado Grupo Étnico, que por sua vez, utiliza
dos mesmos critérios para se definir como membro de determinada
Cultura. Com esta observação, queremos destacar que as Culturas não
são uniformes, há variações morais nos hábito sociais entre os Grupos
Étnicos que a compõem. Diante desta prerrogativa, as diferenças
internas se mantém apesar do contato inter-étnico e da
interdependência dos grupos (BARTH In. POUTINHAGNT,
1998:198-188). Isto nos permite compreender não somente a razão pela
qual os gregos percebiam as diferenças entre os próprios helenos, mas
também a identificar como as relações entre os grupos étnicos ao final
do século V a.C. permitiram aos etnocêntricos Soldados-Cidadãos
políades combaterem como Soldados-Mercenários articulados em exércitos
distintos dos gregos e, ainda assim, manterem sua identidade cultural.
A guerra, ainda que por uma questão de animosidade entre os
grupos, acaba por aproximar Culturas distintas; por isso vemos que
Fredrik Barth não se equivocou em afirmar que, antropologicamente,
não há razões para alegar que a belicosidade entre duas sociedades
distintas seja o fator preponderante para perpetuar determinada cultura
(BARTH In. POUTINHAGNT, 1998:198-188). Edward Said, embora
concorde que a aproximação cultural proporciona homogeneidade e
consolida identidades, percebe que o encontro entre culturas distintas
sob a égide do “Imperialismo21“, cria a falsa idéia de que as pessoas e os

21 Imperialismo: expansão violenta por parte dos Estados, ou de sistemas políticos

análogos, da área territorial da sua influência ou poder direto e formas de exploração


econômica em prejuízo dos Estados ou povos subjugados, geralmente conexas.
Embora este fenômeno se ache manifestado sob formas e modalidades diversas em
todas as épocas da história, esta expressão é relativamente recente. Ela se impôs pela
primeira vez na década de 1870, na Inglaterra vitoriana, sendo usada para designar a
política de Disraeli, que objetivava robustecer a unidade dos Estados autônomos do
império, ou seja, criar a imperial federation. Mas é só pelos fins do século XIX que se
inicia o estudo sistemático dessa série de fenômenos, isto é, só então surgem as
58
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

grupos étnicos dominantes devam ser de uma etnia exclusiva: brancas,


negras, ocidentais ou orientais (SAID, 1995:411).
Embora a teoria do isolamento geográfico e social permaneça
como uma possibilidade para manter a cultura inalterada, esta tese se
trata de uma análise simplista (BARTH In. POUTINHAGNT,
1998:188), visto que nas documentações helênicas do século V a.C.,
como Tucídides e Xenofontes, há diversos relatos de contatos políticos,
comerciais e militares entre helenos e persas. No entanto, não
encontramos afirmações de que algum heleno - ainda que no ostracismo22
- tenha deixado de ser reconhecido como heleno. A relação entre
Soldados-Mercenários e as diversificadas culturas com as quais tinham
contato não ocorreria de modo diferente.
Segundo Yvon Garlan, o Soldado-Mercenário na Grécia Clássica
era notado mais por suas habilidades de combatente que por ser um
estrangeiro (GARLAN, 1991:142). Isto mostra que havia uma
integração entre a cidade e o Soldado-Mercenário, porém isto não
significaria que ele se tornaria um cidadão local. Como aponta Jean-
Christophe Couvenhes, a instalação de Soldados-Mercenários sobre o
território da cidade, no interior de seus muros e controle das suas ruas,
era feito de maneira integrada às milícias de Soldados-Cidadãos
(COUVENHES, 2004:78-97). Esta integração era conduzida pelo
comandante dos Soldados-Mercenários conforme os desejos da população

primeiras teorias sobre o Imperialismo, dando origem a uma seqüência de análises que
nunca deixaram de se desenvolver, em quantidade e qualidade, até hoje. (Cf. BOBBIO,
1998:620).
22 Ato da Ekklésia que bania alguém da Ática por dez anos, mas sem que lhe fosse

imposta a perda dos direitos de propriedade. Segundo José Antônio Dabdab Trabulsi,

“os votos eram feitos por incisão nos cacos de


cerâmica (ostraca), de forma e tamanho variados, do
nome do cidadão que se desejava ver ostracizado, para
simplesmente depositá-la na urna. Podia-se trazer
consigo o caco já escrito, para simplesmente depositá-
lo na urna. O que permitia o voto de todos os
cidadãos, pois, ainda que sejamos muito „otimistas‟
sobre o grau de alfabetização na Atenas Clássica, é
certo que pelo menos uma parte do corpo cívico não
sabia escrever. Uma vez fechada a votação e a
contagem dos votos realizada, o resultado era
proclamado”. (Cf. TRABULSI, 2001:99).
59
Alair Figueiredo Duarte

cívica local. Soldados-Mercenários participavam dos cultos religiosos locais


quando havia similaridades entre as divindades locais e as da sua terra
natal. Com exceção das tropas não gregas, em um rito religioso era
difícil distinguir Soldados-Mercenários das tropas políades locais
(COUVENHES, 2004:78-100).
O fato de em um culto religioso as diferenças entre helenos e
outra etnias se ressaltarem evita que cometamos interpretações
ambíguas, pois, ainda que Soldados-Mercenários formassem um exército de
etnia diversificada, cada Grupo Étnico manteria sua identidade como
Minoria Étnica. Quando estes mesmo Soldados-Mercenários estivessem
articulados a exércitos póliades ou de Cultura distinta a dos gregos, os
Grupos Étnicos, embora integrados, mantinham suas diferenças.
As distinções étnicas e culturais não dependem exclusivamente
de não interação social. Elas se organizam segundo a percepção dos
próprios autores e tem por característica estabelecer bases nas
interações entre as pessoas, inclusive, permite que se perpetuem as
diferenças culturais (BARTH In. POUTINHAGNT, 1998, pp. 196-
198).
Portanto, em consonância com os argumentos apresentados,
podemos concluir a partir do Comparativismo Construtivo proposto por
Marcel Detienne e através dos quais tivemos a oportunidade de
relacionar saberes históricos, antropológicos e filosóficos, que Soldados-
Mercenários do século V a.C. na Hélade mantinham sua identidade
cultural independente da localização geográfica e social. Por esta mesma
razão, Soldados-Mercenários gregos não viram problemas em combaterem
ao lado de exércitos não gregos denominados por eles de “exércitos
bárbaros”.
Como explicitamos anteriormente, apesar dos contatos
interculturais e das possíveis alterações à Civilidade Helênica, ela
continuaria sendo reconhecida como uma Civilidade típica de Grupos
Étnicos e da Cultura helênica. Neste sentido, a temeridade do Soldado-
Mercenário grego se afastar totalmente da sua Civilidade o motivaria
buscar o retorno as suas origens mantendo as tradições e culto dos
ancestrais, como podemos apreender dos dados historiográficos, os
quais relatam a ação dos Soldados-Mercenários que mantinham os aspectos
de uma pólis itinerante (Cf. GARLAN, 1991:143-145. e MOSSÉ In.
VERNANT, 1999:297).

60
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

Além das questões sócio-econômicas, Soldados-Cidadãos


tornavam-se Soldados-Mercenários em razão de sua Civilidade abalada. No
corte temporal que se estende do início do século V a.C. passando pelo
final da Guerra do Peloponeso em 404 a.C. até as primeiras décadas do
século IV a.C., quando o emprego de Soldados-Mercenários tornou-se
mais efetivo na Hélade, houve mudanças na geopolítica que afetou a
construção das relações sociais.
Dentre estes fatores, podemos mencionar a mortalidade dos
cidadãos masculinos em idade política ativa durante a Guerra do
Peloponeso. De acordo com Claude Mossé, o recenseamento feito por
Demétrio de Faleros em 317 a.C, mostra que durante o conflito na
Hélade, que durou vinte e sete anos e foi liderado por atenienses e
espartanos, a população ateniense teria sido reduzida à metade.
(MOSSE, Apud: CANDIDO, 2001:32). Na tabela que se segue
podemos verificar as baixas por geração de cidadãos e categoria cívico-
militar:

Período Morte Hoplita Cavaleiros Thetas Colonos Batalhas

431-400 49.450 12.050 550 20.500 2000 66

399-369 5.700 300 ? 1.400 - 16

368-338 4.750 30 30 1.750 - 14

338-322 4.100 350 50 650 - 08

Total 64.000 12.750 630 24.300 2000 104

Tabela 1: Baixas de Guerra na Grécia Clássica de 431-322. (BRULÉ, Apud.


CANDIDO, 2001:32).

61
Alair Figueiredo Duarte

70.000
60.000
Morte
50.000
40.000 Hoplita

30.000 Cavaleiro
20.000 Theta
10.000 Colonos
0 Batalhas

Gráfico 1: Taxa de Mortalidade na Hélade (431-322).

Através do gráfico acima podemos perceber o alto índice de


mortalidade, principalmente no período em que ocorreu a Guerra do
Peloponeso. Estes dados nos permitem apreender que as gerações
nascidas durante este período se habituaram não somente a conviver
com combates, morte e violência, mas passaram a compartilhar o
convívio com outras etnias gerando um convívio multicultural. Isto
ocorreu em razão da crescente demanda de Soldados-Mercenários que
eram contratados como tropa complementar aos cívicos Soldados-
Cidadãos.
Maria Regina Candido aponta que a alta mortalidade somada à
baixa natalidade do final do século V a.C. levou os atenienses a buscarem
alternativas para suprir a falta de demanda de contingente militar e incluiu
o Soldado-Mercenário entre a comunidade dos atenienses (CANDIDO,
2001:34). Vemos que tal medida contribuiu para que a tradicional Civilidade
do Soldado-Cidadão ateniense se tornasse sensível às inovações da sociedade
e se adaptasse admitindo, em razão dos interesses, o convívio com o
“Bárbaro”, o diferente. Dentre as adaptações, consta adotar o serviço
mercenário como alternativa de sobrevivência.
Em contrapartida, o Soldado-Cidadão ao se transformar num
Soldado-Mercenário buscava reestruturar sua Civilidade. Pois, salvo as exceções
dos espíritos aventureiros, ninguém suportaria viver por toda a vida ávido
de combates, sem leis e sem lar (Cf. ARISTÓTELES, Política, 1252 b).
62
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

Neste contexto, o arquétipo de Civilidade idealizado pelo Soldado-Mercenário


seria o Soldado-Cidadão. Desta primeira hipótese, coaduna Yvon Garlan, que
teria feito menção à busca pela estabilidade cívica dos Soldados-Cidadãos. O
historiador afirma se tratar de um engano considerar Soldados-Mercenários
seres associais seduzidos pelo caminho da aventura. Estes combatentes
não eram meros instrumentos nas mãos de seus empregadores. O soldado-
Mercenário, antes de tudo, aspirava por um fim às suas andanças e à
precariedade de sua condição social. O desejo destes combatentes, quando
não tinham possibilidade de retornar as suas casas, era se estabelecer em
algum lugar e nele obter meios para viver regularmente num contexto
cívico e passar este modelo de Civilidade a todos os seus filhos (GARLAN,
1991:156).
O desejo em recuperar uma cidadania e reestruturar a Civilidade
abalada pode ser apreendida, segundo o pensamento de Marcell
Detienne, como uma necessidade de tornar presente acontecimentos
anteriores de um grupo provido de memória (DETIENNE, 2004:76).
Percebemos que todos os fatores que contribuíram
isoladamente ou em conjunto de alguma maneira para a proliferação de
Soldados-Mercenários na Hélade, durante e após o século V a.C., não foi
um elemento isolado e sim um conjunto de fatores. Nessa nossa
primeira hipótese, defendemos que os fatores principais que motivaram
Soldados-Cidadãos a se transformarem em Soldados-Mercenários foram
problemas de ordem política, social-econômica somadas ao alto índice
de mortalidade da população masculina ativa. Nas linhas que seguem,
iremos analisar historicamente a ação destes artífices da guerra na
Hélade a partir da pólis dos Atenienses visando identificar o que
representou a sistematização do emprego de Soldados-Mercenários como
recurso militar alternativo as tropas cívicas políades.

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Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

CAPÍTULO II

MERCENARISMO SOB A ANÁLISE COMPARATIVA DO


SOLDADO E DA GUERRA NA SOCIEDADE HELÊNICA

Iniciamos nossa análise questionando: como era a Guerra na


Antiguidade e quem eram os combatentes que faziam dela, um
fenômeno indispensável às relações políticas, sociais e econômicas da
sociedade helênica?
Dos épicos e heróicos combates cantados nos versos da Ilíada e
Odisséia homéricas, podemos apreender a vivência cultural guerreira da
sociedade Palaciana, na qual o Ánax concentrava na sua figura os
poderes políticos, militares, religiosos e econômicos (VERNANT,
1994:15-16). Nesta estrutura política, que sobrevivera aproximadamente
até o século XII a.C., as muralhas que protegiam estes palácios
demonstram uma política centralizadora que atribuía ao seu líder a
figura de um grande protetor: “o Palácio é quem dirige a encomenda das
armas, o equipamento dos carros, o recrutamento dos homens, formação, a
composição e o movimento das unidades (VERNANT, 1994:18-19). O Ánax
figurava como um protetor, alguém capaz de dar respostas a todos os
problemas de que a sociedade daquele período necessitava.
As narrativas poéticas destacam a coragem e a bravura
destemida com que os aristóis23 se sobressaíam sobre os demais
combatentes. Somente ouvimos relatos de combates envolvendo
semideuses, assim como a peleja entre os próprios deuses (Cf.
HOMERO, Ilíada, passim). Neste período é perceptível que o carro-de-
guerra além do emprego operacional militar, tinha um valor político
singular, pois sua presença era imponente24. Através dele, o aristói vinha

23 Bem nascidos, os melhores, os célebres.


24 Conforme nos apresenta Jean Pierre Vernant, a técnica do carro-de-guerra deve ter
reforçado a especialização da atividade guerreira. Centralizar carros-de-guerra em um campo
de batalha supõe um Estado centralizado e poderoso em que os guerreiros dos carros,
quaisquer que sejam seus privilégios, estão submetidos a uma autoridade única. (Cf.
VERNANT, 1994:11-13).
John Keegan declara que não se pode designar a origem do carro-de-guerra com precisão,
eles podem ter sido trazidos por aurigas que se tornaram senhores dos reinos costeiros,
pois suas riquezas seriam capazes de comprar tecnologia militar. John Keegan vê alguns
problemas na maneira como os carros-de-guerra operavam em campo de batalha e como
eles eram empregados segundo as narrativas homéricas. Para o historiador, a verdadeira
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Alair Figueiredo Duarte

conduzindo seus cavalos propulsores e desembarcava para lutar


vestindo uma pesada armadura e armado com o arco, sua principal
arma.
Os armamentos utilizados no Período Palaciano poderiam ser
classificados segundo as afirmações de Paul Courbin (COURBIN, In:
VERNANT, 1999:cap. 3, passim) em ofensivos, defensivos, auxiliares e
meios de transporte. Vejamos a tabela abaixo:
Meios de Armamento Armamento Armamento
Transporte Ofensivo Defensivo auxiliares
Navio ς Armas de Fortificações Machado de
Carro ς combate dois gumes
Cavalo aproximado:
Espada - Punhal
- Adaga – Lança
de estoque
Armas de Capacete feito Funda
combate a com dentes de
distância: Javali -
Lança de
arremesso e
dardo.
Arco e Flecha Couraça de
bronze:em
escamas, plena e
em bandas.
Grevas
Escudos:em
oito; em torre e
redondo.

Tabela 2: Armamento do Período Micênico

vantagem de se utilizar carros-de-guerra consistia nos ataques em massa e na velocidade,


em Homero os guerreiros utilizavam o carro apenas como veículos de transporte, dos
quais desembarcavam para lutar a pé equipados com arco ou lança. (C.f. KEEGAN,
1995:254-255). Já Marcel Detienne destaca que no período Clássico o carro-de-guerra
tinha mais função de prestígio político que eficiência militar, segundo este autor, isto
serve para ilustrar seu declínio como arma de guerra. (C.f. DETIENNE,
In:VERNANT, 1999:.428).
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Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

Podemos destacar acerca deste período, o aspecto de


belicosidade no qual o ícone é a aristocracia guerreira, privilegiada dentro
da estrutura social do período (VERNANT, 1994:23). Inseridos em
um clã guerreiro que proclamava descendência divina, seus integrantes
partilhavam de uma Philia (amizade) dispensada somente aos iguais que,
sob o empenho da palavra, deveriam prestar assistência uns aos outros
quando necessário – inclusive para fazer a guerra. Indícios desta
prerrogativa encontram-se descritos no poema homérico Ilíada, no qual
gregos partem para resgatar Helena desembarcando nas praias inimigas
de Tróia (HOMERO, Ilíada, passim).
Embora o sistema político do período Palaciano fosse
centralizador, não podemos afirmar categoricamente que as
comunidades rurais que viviam ao redor dos palácios eram tão
dependentes dele que não pudessem subsistir sem o mesmo. Os
aldeãos e agricultores eram quem produziam os víveres necessários à
subsistência da sociedade (VERNANT, 1994:23-24). Posteriormente,
quando não mais vigorava o sistema político da Realeza Palaciana, estes
mesmos aldeões e camponeses seriam aparentemente mais
independentes, mas continuariam a alimentar reis e homens ricos do
lugar por meio de remessas e prestação de serviços (VERNANT,
1994:23-24).
A transição social do Período Palaciano para o período Arcaico
deu-se de modo gradativo e os armamentos empregados nas guerras
acompanharam as transformações da sociedade (DURCREY, Pierre,
1997:130). Victor Davis Hanson ratifica a afirmação e destaca que
evoluções táticas não podem ser consideradas um fenômeno puramente
militar, elas também possuem origens nas relações políticas e sociais
(HANSON, 1989:66-76).
Em meados do século VII a.C., juntamente com a emergência
da pólis, desenvolvem-se novas táticas de combate. Os aristocratas já
não eram os únicos a fazerem a guerra. Em razão do alargamento da
cidadania foi necessário desenvolver políticas de expansão e necessário
armar os cidadãos para a defesa de territórios conquistados (GARLAN,
1991:11). Agricultores ao tornaram-se donos de pequenas propriedades
obtiveram participação cidadã, se tornaram donos do campo de batalha.
Embora valores guerreiros que destacassem a figura do
comandante tenham permanecido, resistindo às transformações

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Alair Figueiredo Duarte

sociais25, surge uma nova maneira de guerrear na qual a virtude não está
em destacar a coragem sobre a dos demais através da luta individual.
Ser virtuoso e eficaz no campo de batalha, na nova ordem social, é
manter sophrosine (temperança). Os pequenos agricultores para
defenderem o solo dos ancestrais, continuam a combater de maneira
violenta, mas agora valorizam a disciplina em uma ritualizada batalha
campal decisiva (HANSON, 1989:passim).
A relação de Philia estabelecida pelos aristocratas transformou-
se em um acentuado espírito de corpo no qual a vida do companheiro,
dependia também do combatente que estava do seu lado portando um
escudo redondo que protegeria a ambos. A vitória não era mais do
indivíduo isolado, mas de todo o corpo militar organizado
compactamente em uma falange. O combatente passava a ser um
anônimo, comportamento comum à sociedade políade e democrática
na qual os cidadãos são iguais perante o corpo legislativo. Todo o
equipamento destes camponeses cidadãos pesava entre 30 / 35 kg.
Observe a relação de todo equipamento na tabela seguinte:

Armas de Defensiva Armas de Ofensivas


Escudo redondo de Espada curta aproximadamente
aproximadamente 90 cm de 50 cm
diâmetro (feito de madeira de Lança com 2,5m de comprimento
lei e revestido com uma placa com uma ponta de latão, ferro ou
de bronze) bronze
Elmo de bronze
Couraça de linho revestida com
placas de metal que lhe
protegem o tórax
Grevas de bronze que lhe
protegem os braços e pernas

Tabela 3: Armamento Hoplita

25 Nas batalhas do período Clássico, quando a guerra entre falanges já se encontra

estruturada, sempre temos em evidência a figura dos comandantes:Milcíades em


Maratona (490 a.C); Temístocles em Salamina (480-479 a.C); Leônidas nas Termópilas
(480-479 a.C.); Brásidas e Tucídides em Anphipólis (424 a.C).
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Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

Estes combatentes recebiam o epíteto de Hoplita devido ao seu


escudo redondo, o hoplon, o qual tinha a primazia de defender o solo
que foi conquistado pelos seus ancestrais e o companheiro que estava
ao seu lado.
O Combate Hoplita era ritualizado e não ocorriam sem os
devidos preparativos (KEEGAN, 1995:264). Em uma planície, as
falanges se encontravam frente-a-frente, em blocos compactos,
formadas por fileiras (no mínimo oito; número adequado a não deixar
espaços vazios). O espaço entre os combatentes eram em média de um
metro, de maneira, que um exército com tamanho médio (formado por
dez mil homens) chegava a se estender por dois quilômetros e meio
(GARLAN In. VERNANT, 1993:59).
Atravessando a chamada terra de ninguém26 (Território indefinido
e desabitado que se estendia até onde se julgava ser o limite de suas
longínquas fronteiras); após aproximadamente uns 150m em uma
corrida organizada - porém desajeitada devido ao peso da armadura -
havia o choque com a falange inimiga. À medida que a segunda fileira e
as subseqüentes reduziam o espaço entre os homens, a falange se

26 Terra de Ninguém: O conceito envolve questões acerca da defesa do território com


suas fortificações e a concepção de pólis propriamente dita. Como nos aponta Pierre
Ducrey, um fator fundamental para a existência de uma pólis é a existência de um
centro urbano protegido por uma muralha. Porém o que há além de suas muralhas, o
território políade estaria restrito a ela? O historiador destaca três teses a respeito da
defesa políade. Primeiramente, a reflexão de Yvon Garlan a respeito da defesa de
território; segundo suas perspectivas uma pólis depende de suas armas para conseguir
sucesso em uma batalha arrasando os inimigos. Daí a importância das muralhas e a
notoriedade da inovação estratégica adotada por Péricles durante a Guerra do
Peloponeso no séc. V a.C. (colocar a população protegida pelas muralhas e abastecer a
cidade através do seu porto). A segunda tese é de autoria de Josiah Ober o qual, alguns
anos posteriormente a Yvon Garlan, insere entre as possibilidades políticas na defesa de
uma pólis, “o código de honra”. Para J. Ober, este elemento moral prezava pela ritualidade
guerreira de afrontar o inimigo em terras descobertas e não somente através do abrigo
das fortificações. Por ultimo, a tese de Mark H. Munn, que aproxima as divergências
entre as proposições de Y. Garlan e J. Ober. Segundo M. H. Munn, os fortes que eram
colocados ao longo das fronteiras da Ática visavam não somente a proteção do
território, mas serviam também para atenuar o conflito em uma região que estivesse sob
proteção de várias estruturas. O autor se utiliza das muralhas para justificar a sua tese
em razão das fortificações que foram criadas exclusivamente para conter os ataques
espartanos à Beócia em 378 a.C. Atenienses e beócios tratavam-se de pólis vizinhas na
Ática e sempre disputaram o território de Orôpos nas suas fronteiras, no entanto se
uniram contra um inimigo comum. (DURCREY, 1997:130).
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Alair Figueiredo Duarte

comprimia e o peso provindo da retaguarda, empurrava as fileiras da


vanguarda. Neste momento alguns combatentes tombavam mortos ou
feridos e eram pisoteados pelas fileiras que vinham imediatamente de
trás. Os combatentes da segunda e terceira fileira tentavam abrir
brechas nas fileiras inimigas com suas lanças. Se obtivesse sucesso,
havia o othismos (“empurrão com o escudo”). Este era o método mais
eficaz para levar o rompimento das linhas inimigas e espalhar pânico e
confusão entre elas. Rompida a falange inimiga, estava configurada a
possibilidade de vitória (KEEGAN, 1995:264-265).
Nos momentos iminentes aos combates era habitual o
sacrifício de animais em ritos de sangue, sfagia; neste ritual um animal
saudável (comumente um caprino) tinha a sua garganta perfurada e seu
sangue ao cair ao solo garantiria a aprovação ou impediria hostilidades
das forças sobrenaturais do mundo subterrâneo. Era comum realizar
um desjejum cerimonial na manhã do combate, com uma ingestão, bem
maior, de vinho neste dia. Ouvia-se a exortação ao combate por parte
dos comandantes e, após os rituais de sfagia, avançavam contra o
inimigo proferindo o pean, cântico ou grito de guerra em honra a
Dioniso ou Apolo (KEEGAN, 1995:263). Após os combates, o
vencedor erigiria um troféu em honra aos deuses – carcaça de madeira
adornada com as armas do vencido – e após os acordos necessários
haveria um período de tréguas para que derrotados pudessem repatriar
seus mortos (GARLAN In. VERNANT, 1994:59).
A guerra, da Antiguidade até os dias atuais, sempre exigiu altas
somas O próprio Tucídides, estratego ateniense, admitira que, “o dinheiro é
quem torna as armas possíveis” (TUCÍDIDES, I, 83). Entre os helenos
pecuniárias a provisão do armamento ficava a cargo do próprio
cidadão, que deveria comprar e mantê-lo com seus próprios recursos,
exceção aos remadores que tinham o equipamento financiado por um
cidadão abastado e com recursos, enquanto que seu pagamento era
feito pelo governo da pólis27.

27 Segundo Daphné Gondicas, os remadores eram extremamente importante dentro da


tripulação de uma embarcação de guerra do tipo Trirreme. Para o pesquisador, quando
Atenas decidiu investir em frota de guerra, teve que recrutar um grande número de
homens e isto implicou uma programa sistemático de treinamento dos remadores e
recorreu às Thetai (seguimento social menos provido de recursos na sociedade
ateniense). Embora o decreto de Temístocles ao início do século V mencione
remadores estrangeiros, os xenoi, Péricles, posteriormente, mencionará a potencialidade
dos metécos (estrangeiros residentes em Atenas) desertarem. Contudo, em casos
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Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

Em Atenas, o armamento refletia a condição social do cidadão.


Quando Sólon, ao início do século VI a.C., tomou medidas de
erradicação da escravidão por dívidas e dividiu os grupos sociais
segundo a riqueza agrícola, não somente reduziu poderes da
aristocracia, mas também permitiu que grupos sociais ficassem
evidenciados através das armas que utilizavam para combater nas
guerras (JONES, 1997:7).
Aristocratas e oligarcas por serem abastados financeiramente,
geralmente combatiam como Cavaleiros; pequenos proprietários de
terras como Hoplitas (infantaria pesada) e indivíduos sem propriedades;
cidadãos pobres e sem nenhum recurso que vivia de jornada de
trabalho combatiam como Peltastas (infantaria ligeira) (GARLAN, In:
VERNANT, 1993:61-62).
A Cavalaria era uma arma das elites sociais, pois além do alto
custo de se manter um animal de grande porte como um cavalo, era
preciso tempo disponível para se praticar a equitação. Este corpo
militar era formado na sua maioria por cidadãos oriundos do segundo e
primeiro segmento social instituído por Sólon, os Hippies e os
Pentacossimedimminos. Sob a perspectiva militar, a Cavalaria era limitada
não somente devido ao alto custo de manutenção de um cavalo, mas
também por ser incapaz taticamente de penetrar as fileiras de lanças dos
hoplitas formados em falange (GARLAN In. VERNANT, 1993: 61-
62).
Segundo Yvon Garlan, as pinturas de vasos que datam do
início do século V a.C. retratam cenas de “aspirantes” a cavaleiros. Foi
Péricles em meados do mesmo século quem teria dotado a pólis
ateniense de um corpo de cavalaria regular. Em um primeiro momento
iniciou com quinhentos cavaleiros, depois este número foi estendido a
mil homens e mais duzentos arqueiros montados. A pólis dos
espartanos, rival da política dos atenienses no século V a.C., somente
veio se dotar de uma cavalaria constituída por quatrocentos homens,

extremos de falta de contingente, podiam-se armar até mesmo escravos. Embora o uso
de remadores escravos não fosse comum na era Clássica, não é raro encontrarmos
relatos que demonstrem que eles continuavam a ser utilizados. Em 406 a.C., os
atenienses equiparam 110 vasos de guerra em direção a Mytilene. Para tripulá-los fez
uso de livres e escravos; prometendo a liberdade aos escravos que serviram em seus
navios. Embora o decreto de Temístocles não contemplasse remadores escravos, para
atender os interesses da cidade, a pólis dos atenienses mantinha escravos embarcados
durante todo o ano. (GONDICAS In. BRUN, 1999:45-51).
71
Alair Figueiredo Duarte

em 424 a.C. Este efetivo não ultrapassava um décimo do contingente


que era empregado na Falange Hoplita (GARLAN In. VERNANT,
1993:61-63).
A principal função tática da cavalaria até o século V a.C. estava
restrita à exploração de terreno, desgastes da infantaria pesada inimiga e
perseguição aos adversários derrotados que se encontrassem em fuga,
sem, no entanto, tirar-lhe a vida. Somente no IV século é que ela
ocupará maior importância tático-estratégica realizando movimentação
articulada com infantaria. Sua equipagem de combate que envolvia o
armamento era: uma lança curta que poderia ser usada como dardo;
couraça leve, sem revestimento metálico; não havia estribos ou selas
fixas e seus animais não usavam ferraduras (GARLAN In. VERNANT,
1993:61-63).
Enquanto os cidadãos mais abastados combatiam como
cavaleiros e pequenos proprietários dotavam-se de uma armadura
hoplita constituindo a principal unidade de combate no período Clássico,
a Falange Hoplita; aqueles que não detinham recursos como os Thetai
(cidadãos do ultimo segmento censitário instituído por Sólon),
constituíam o corpo de infantaria ligeira.
Os cidadãos que combatiam na infantaria ligeira eram
denominados, Peltastas. Esta alcunha era proveniente do seu escudo leve
em forma de meia lua, era feito de vime e coberto por uma camada de
couro. A função tática da infantaria ligeira somente adquiriu
proeminência estratégica ao final do século V a.C., quando a unidade
teve a responsabilidade de proteger os flancos da Falange Hoplita. Até
este momento estava restrita a lançar projéteis (pedras, dardos e flechas)
à distância, incomodando o inimigo e não emitindo sinal efetivo de
perigo (GARLAN In. VERNANT, 1993:63). A partir da Guerra do
Peloponeso esta unidade ganha espaço nas estratégias militares devido a
sua capacidade de mobilização diante dos hoplitas que trajavam uma
pesada armadura (MOSSÉ In. VERNANT, 1999:296).
A marinha ateniense também foi uma opção aos cidadãos que
não detinham recursos financeiros para comprar uma armadura de
hoplita e muito menos condições de combater como cavaleiro. As
embarcações de guerra eram construídas pelo kraino (governo) da pólis
com impostos denominados Liturgias e Esphorai28 que recaiam sobre

28 Liturgias e Esphorai: As Liturgias tinham a finalidade de financiar festivais teatrais e

principalmente a manutenção de Trirremes. Segundo Yvon Garlan, estes impostos eram


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Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

cidadãos ricos, como os Pentacossiomedimno. Assim muitos Thetai, por


não necessitar financiar os custos do próprio armamento, tiveram a
oportunidade de combater como remadores e marinheiros nos
Trirremes, definindo um lugar social na pólis dos atenienses (CANFORA
In. VERNANT, 1993:108109).
Segundo Tucídides, a busca por recursos mercantis foi uma das
motivações para que atenienses construíssem Trirremes; e foram os
corintos os primeiros helenos que as construíram, como nos mostra a
citação: “Corinto foi o primeiro lugar em toda a Hélade onde foram construídas
trirremes. Aminocles um construtor naval coríntio, fez quatro naus para os sâmios
trezentos anos antes do fim da presente guerra” (TUCÍDIDES, I, 13). Contudo
foi Temístocles que, percebendo a potencialidade bélica dos Trirremes,
lançou os pilares do objeto que seria a principal força militar ateniense
no século V a.C e que daria à pólis de Atenas projeção política.
Por ocasião do seu arkontado em 493 a.C., Temístocles começa
a fortificar a região do Pireu através do seu porto localizado em Atenas,
substituindo a Baía de Phalerion como principal porta de acesso à cidade.
Temístocles persuade seus concidadãos a utilizar os recursos excedentes
provenientes dos veios de prata das minas de Laurion, para construir
uma frota naval em lugar de compartilhar com o Estado como era
costume. Através disto, Temístocles cria um projeto visando à defesa
da pólis e acaba por instituir as Liturgias em Atenas (GONDICAS In.
BRUN, 1999:29-30).
A geografia da Hélade, com diversas ilhas, tornava os navios
um importante instrumento de comunicação; fundamental ao comércio.
Durante o período Arcaico foram utilizados diversos tipos de
embarcações com propulsão a remo como os Pentacontiéres (nau que
exige somente 50 remadores). Porém foram os Trirremes (Triéres em
grego), navio de guerra inventado pelos corinthos no século VII a.C.,
que suplantou a todos tendo hegemonia sobre os mares pelo menos até
a era de domínio político dos romanos, seis séculos posteriormente. A

bastante onerosos e podia ultrapassar 6000 Drácmas, por isso teve-se que regulamentá-
lo dividindo o seu custo. No final da Guerra do Peloponeso pode ser dividida em duas
trierarquias. (C.f. GARLAN, In. VERNANT, 1993:62). Segundo Peter Jones: Liturgíai
(liturgia), trata-se de um serviço voluntário, para a comunidade, mas, na democracia
ateniense as liturgias eram compulsórias para aqueles que possuíssem muitos recursos.
Já a Eisphorai, se tratava de um imposto de emergência de guerra. Estima-se que tal
tributação pública, tenha sido estabelecida pela primeira vez ao início da Guerra do
Peloponeso. (JONES, 1997:234-235).
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Alair Figueiredo Duarte

principal característica do Trirreme está na sua velocidade e possibilidade


de manobras (GONDICAS In. BRUN, 1999:29-30).
O Trirreme tratava-se de uma nau de combate que poderia servir
também para transporte e pesava de 70 a 90 toneladas; possuía 35/37
m de comprimento; 3,5 m de largura e era dotada de um aríete de ferro
ou bronze na proa que servia para golpear as embarcações inimigas
levando-as a pique. O Trirreme possuía um calado baixo que
comprometia a sua navegação em águas profundas e em condições
climáticas desfavoráveis. Sua tripulação se constituía de 200 homens
assim divididos: 170 remadores (não escravos) postos em duas filas
sobrepostas assim divididas, 27 nas inferiores, 27 nas do meio e 31 nas
superiores; um estado maior formado por sete oficiais: um trierarca que
comandava a embarcação29, um Kubernetes, responsável pelas manobras
da nau; um Keulestes, oficial de remadores; um Prorates, oficial
responsável pela vigilância da proa; dois Toikharkoi, um responsável
pelo bombordo da nau e outro pela boreste; um Trieraulos, tocador de
aulos responsável pela cadência das remadas; além de 13 marinheiros,
dentre eles um carpinteiro, que era responsável pela manutenção da
embarcação e acompanhava todas as manobras; 10 Epíbates, infantaria
de marinha ou marinheiros armados; totalizando duzentos homens
(TAILLARD In. VERNANT, 1999:263). Segundo Peter Jones, de
acordo com a necessidade, o Trirreme possuía capacidade máxima para
comportar até 300 homens a bordo. Dentre a sua tripulação havia
também, 4 arqueiros (JONES, 1997:272).
A análise comparativa das armas e dos soldados que formavam
os exércitos helênicos a partir da pólis dos atenienses nos mostra que as
transformações na sua estrutura, foram marcadas por revoluções sociais
nas quais grupos menos providos de recursos conquistavam cada vez
mais notoriedade ao dotarem-se de armas e treinamento militar. Na
pólis dos atenienses, a articulação destes grupos sociais era
estreitamente ligada à capacidade de poder se armar e de defender a
pólis, resultando na especialização militar e articulação política.
O apogeu da especialização política, tanto quanto das
habilidades militares, ficaram evidenciadas na ação dos Demagogos dentro
do cenário político ateniense ao final do século V e pela acentuada

29 O Trierarca não precisaria, necessariamente, ser um marinheiro experiente. Poderia se

tratar do fiador da embarcação ou de um proeminente cidadão. Suas funções eram,


entre outras coisas, atuação política. (Cf. TAILLARD In. VERNANT, 1999:263).
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Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

utilização de Soldados-Mercenários no início do século IV a.C. por toda a


Hélade.
Partimos do princípio de que estes Soldados-Mercenários, figura
comum ao final do quinto século, um dia foram homens fiéis às
tradições dos ancestrais como Soldados-Cidadãos da pólis e, após um
século de conflitos constantes, tornaram-se veteranos de guerra à
procura de quem pudesse pagar pelo seu novo ofício: Artífice de Guerra.

II.1- COMPARANDO ARQUÉTIPOS:O GUERREIRO, O


SOLDADO, O SOLDADO-CIDADÃO E O SOLDADO-
MERCENÁRIO

Há diferenças entre o Guerreiro, o Soldado, o Soldado-Cidadão e o


Soldado-Mercenário? Em The Western way of war: Infantary battle in classical
Greece. University of California Press, 1989; Victor Davis Hanson deixa
bem definido o modelo eficiente de combate inaugurado pelos gregos
em meados do século VII a.C. Uma batalha campal violenta, porém,
disciplinada e decisiva (HANSON, 1989:passim).
Embora não seja unanimidade declarar que a coragem do
Soldado-Cidadão é produto de uma disciplina propriamente militar, mas
sim de um espírito de corpo que prezava por não abandonar os
companheiros em combate, como defende Yvon Garlan
(In.VERNANT, 1993:60), podemos afirmar que o surgimento da
falange dos hoplita em meados do século VII a.C. marca a história do
Ocidente. A ampliação da cidadania proporcionou participação política
àqueles que anteriormente se encontravam dependentes de
determinado estrato social. A partir desse período, houve valorização
do corpo militar e da disciplina em seu conjunto (HANSON, 2002,
passim). Neste momento, vemos o ocaso do modelo Guerreiro de
combater.
Seja em razão de novas rotas comerciais (KEEGAN, 1995:25)
ou para punir o rapto de esposas como diziam os poetas (Cf.
HOMERO, Ilíada, passim), o modelo Guerreiro valorizava a fúria, a força
e a coragem de um combatente sobre os demais, tal como fez Aquiles
tomado pela Lissa (fúria guerreira). O Pélida, como era denominado
Aquiles, arrasta o corpo do príncipe Heitor à frente das muralhas de
Ílion (HOMERO, Ilíada, vv: 315-320).

75
Alair Figueiredo Duarte

Com o surgimento da Falange dos Hoplitas inicia a era do Soldado,


um indivíduo disciplinado e cumpridor das ordens do seu comando,
sendo por isto um anônimo que deve agir sem paixão para evitar erros.
À sua antítese, temos o Guerreiro; um combatente que movido pelas
paixões vive intensamente a passionalidade da fúria, pois a vida
ameaçada pelo risco pode ser o momento da glória. Para o Guerreiro, o
combate somente tem valor se o risco for capaz de destacar sua bravura
sobre os demais. Já o Soldado é um anônimo, não somente valoriza,
como também se realiza com a vitória do grupo.
O modo como a Falange Hoplita combate - homens
disciplinados agindo em um mesmo passo que prioriza a ação coletiva -
evidencia a Guerra como uma atividade organizada, com objetivos
definidos estrategicamente, no qual “o planejamento dos combates, servem
para atingir a finalidade da guerra” (CLAUSEWITZ, 2003:172).
Portanto, diante da figura do Soldado, os objetivos estão acima
dos homens e não os homens acima dos objetivos, como fazem os
Guerreiros. Por esta razão é pertinente a afirmação de Aristóteles: “na
ordem natural a cidade tem precedência sobre a família e sobre o indivíduo, pois o
todo deve ter precedência sobre as partes” (ARISTÓTELES, Política, 1253 a).
Nas pólis em que vigoravam o regime democrático como Atenas, esse
princípio era um discurso eficaz. Como exemplo, podemos citar os
estrategos que foram condenados por não socorrerem os náufragos em
Arginusa em 406 a.C.. Aristóteles, citando o discurso de Xenofontes,
aponta que houve erros no julgamento, pois um dos estrategos acusados
encontrava-se na condição náufrago. Segundo Aristóteles, a
condenação teria acontecido em razão de a população ser manipulada
pelos acusadores e postularem para si os direitos de decisão
(ARISTÓTELES, Constituição de Atenas, 34.1).
A emergência da pólis é contemporânea à mudança na maneira
de combater e de se fazer a guerra e, sobretudo, marca as
transformações ocorridas nas estruturas políticas da sociedade helênica
(VERNANT, 1994:43). A diferença de comportamento no campo de
batalha vivenciada por Guerreiros e Soldados, evidencia a mudança de
mentalidade aristocrática do Período Palaciano para a estrutura políade: a
primazia da coletividade. Seria possível afirmar o mesmo na
comparação entre o Soldado e o Soldado-Cidadão?
Como nos aponta Matthew Trundle, o Soldado no período
Clássico grego, independente da arma com a qual lutava, recebia a

76
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

denominação de stratiotés (TRUNDLE, 2004:10). Porém, percebemos


que nem todo Soldado pode ser denominado um Soldado-Cidadão.
O serviço militar na estrutura políade ateniense era um dever
que deveria ser cumprido inicialmente entre os dezoitos anos até os
cinqüenta e nove – a quarenta e nove anos na ativa e o restante na
reserva (GARLAN In. VERNANT, 1994:49). É comum apontar o
Soldado-Cidadão ateniense como um homem que integra o demos como
cidadão livre, pequeno proprietário de terra e componente de uma
milícia-cidadã na qualidade de Hoplita; o qual, com o armamento que
guardava em sua própria residência, defendia a pólis se mobilizando em
caso de necessidade (GARLAN In. VERNANT, 1994: passim).
Restringir o epíteto de Soldado-Cidadão somente aos integrantes da
Falange Hoplita talvez não seja o adequado.
Como aponta Yvon Garlan, no regime democrático ateniense o
indivíduo se tornava um soldado defensor da pólis porque antes de
qualquer prerrogativa, ele era um cidadão e exercia sua cidadania
(GARLAN In. VERNANT, 1994: passim). Assim, podemos deduzir o
Soldado-Cidadão não como simples Stratiotés que cumpre uma obrigação
militar, mas a indivíduos conscientes de que qualquer invasão a terra
dos ancestrais representaria uma ameaça ao seu estatuto de homem
livre (KEEGAN, 1995:259). Pierre Vidal-Naquet nos demonstra que
durante a era Clássica, as atividades militares se confundiam com as
organizações e instituições cívicas (VIDAL-NAQUET In. VERNANT,
1999:214), portanto Soldados-Cidadãos encontram-se imbricados às
instituições políades e simbolizavam, respectivamente, o próprio Poder
Político30. A modalidade de poder responsável por organizar as
instituições e estabelecer, distributiva e comutativamente, a ação da
justiça no controle dos cidadãos (BOBBIO, 2000:221).
A democracia ateniense na era Clássica era participativa na qual
seus cidadãos isonomicamente decidiam diretamente os destinos da
comunidade sem representantes intermediários e não como vemos
acontecer nas democracias representativas dos dias atuais. O Soldado-
Cidadão não era um stratiotés por ofício, tratava-se de um cidadão que
para defender a terra dos seus ancestrais pegaria em armas por ser um
polités, cidadão que visa o bem da sua comunidade acreditando que os

30 A ordem-social estabelecida, os mecanismos que se utiliza o Estado para manter suas

instituições e controlar seus cidadãos. (BOBBIO, 2000:221).


77
Alair Figueiredo Duarte

interesses do grupo encontravam-se acima dos seus interesses


particulares. Por tudo isso, podemos afirmar que o Soldado-Cidadão
ateniense era um signo do Poder Político Legítimo. Tratavam-se de
cidadãos ativos, diretamente atuantes na vida política, portanto: capazes
de convencer, influenciar e determinar o comportamento de outros
sujeitos. Em conformidade com os preceitos filosóficos de N. Bóbbio,
vemos Soldados-Cidadãos como a própria manifestação Poder (Cf.
BOBBIO, 2000:216).
Como a participação política na pólis dos atenienses do século
V a.C. se dava isonomicamente e todo cidadão livre independente da
sua condição social tinha igualdade diante das leis, decidindo os
destinos da pólis nas assembléias diretamente pelo voto, consideramos
que a concepção de Soldado-Cidadão vai bem além da exclusiva condição
de combater como Hoplita ou simplesmente ser um stratiotés. Soldados-
Cidadãos são indivíduos politicamente ativos, comprometidos com o
presente e o futuro da sua comunidade, e por essa razão detém
capacidade de transformá-la.
Quando analisarmos as articulações políticas de Soldados-
Cidadãos e Soldados-Mercenários ao final do século V a.C. percebemos as
diversas modalidades de poder exercidas nas relações sociais, dentre
elas: o Poder Ideológico, o Poder Econômico, o Poder da Força e o Poder
Constituinte31.
O Poder Ideológico32 se torna fundamental para a análise
comparativa de Soldados-Cidadãos e Soldados-Mercenários. Em razão de
congruências nas relações e articulações da Linguagem33, o Poder Ideológico
torna-se eficaz através do Discurso. Como nos aponta Maria Aparecida
Baccega, o Discurso cria um Autor Implícito - alguém que “se mostra,
normalmente, através do narrador, das personagens e de outros procedimentos
lingüístico que estão à disposição dele nos processos discursivo (BACCEGA,
2000:75). A criação de um Autor Implícito, não se dá de maneira

31 Poder Constituinte, em linhas gerais, pode ser compreendido como a modalidade de


poder que, segundo o filósofo Antônio Negri, representa a capacidade de sublevação
das facções políticas que não constituem o status quo.
32 O ideológico é uma ação da Ideologia, conceito que para N. Bobbio implica um

elemento de falsa consciência. O único critério no qual podemos julgar uma Ideologia é
o de sua eficácia prática e não o caráter de sua verdade. BOBBIO, 2000:418-650).
33 Em um sentido genérico, pode-se definir a linguagem como um sistema de signos

convencionais que pretende representar a realidade e o que é usado na comunicação


humana. (C.f. JAPIASSÚ e MARCONDES, 2001).
78
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

intencional, são idéias equivocadas quanto à origem, caráter ou


composição daquilo que acreditamos conhecer. O Poder Ideológico faz
aumentar esta consciência equivocada e pode servir a diversos
interesses.
A análise da Linguagem sob a perspectiva histórica facilita
compreender o contexto social de produção de sociedades Antigas. As
maneiras como os helenos se referiam às tropas do período Clássico e
anos adjacentes, permitirão que não adotemos denominações
equivocadas ao Soldado-Cidadão ateniense do século V a.C., pois o termo
exige uma série de predicativos, inclusive servindo para não
confundirmos o Soldado-Mercenário com o fenômeno do Mercenarismo.
Os gregos nomeavam os soldados em consonância com o
armamento que empregavam (TRUNDLE, 2004:10). Assim, aqueles
que portavam o hoplon, eram denominados carregador do escudo,
hoplita; os levemente armados, psiloi, às vezes tinham sua identificação
especificada como: lançadores de dardos e arremessadores de pedra
(akontistai e petroboloi); arqueiros: toxotai; e peltastas soldados que traziam
um escudo em forma de crescente feito de vime e coberto com uma
pele de couro, o peltai, eram denominados peltastai; enquanto os que se
encontravam praticamente desarmados:(gymnetes) (TRUNDLE,
2004:10).
De acordo com Matthew Trundler, anteriormente ao século V
a.C. não havia um termo adequado para definir a prática do
Mercenarismo. Até o final do período Clássico, no qual o sistema políade
helênico começa a apresentar colapsos, surgiram várias designações
para definirem as tropas que de alguma maneira combatiam como
apoio, ou como aliadas (TRUNDLE, 2004:Cap. 1, passim).
A palavra mercenário vem do latim mecenarius e deu origem a sua
significação em outras línguas. Tanto a palavra francesa mercenaire,
quanto à inglesa mercenary todas se referem a um soldado com acentuada
experiência e que em troca da pecúnia a ser recebida, presta serviços no
ofício das armas indiferente a sua região de origem ou nacionalidade; se
optarmos por utilizar o termo adequado aos tempos modernos
(TRUNDLE, 2004:10). Quando analisamos a sociedade helênica do
período Homérico até o fim do século V, verificaremos que o grego para
se referir ao Soldado-Mercenário utilizou determinados termos. Até o
século V a.C., se adotou o epíteto Epikouros (companheiro, aliado)
baseado no ritual do Xenos que se refere às relações de Philia (amizade,

79
Alair Figueiredo Duarte

fé jurada) daquele que recebe um estrangeiro como um hóspede;


enquanto que no século IV a.C. percebe-se com maior freqüência o
emprego do termo misthos, referindo-se a natureza mercenária daquele
que vende sua experiência no ofício das armas e está preso a um pacto
(TRUNDLE, 2004:10).
O que gostaríamos de evidenciar nos apontamentos é maneira
pela qual o Soldado-Mercenário poderia ser concebido. Ao final do Período
Clássico, o termo Epikourikós se torna pontual, enquanto que Misthos é
encontrado com maior freqüência em todas as regiões da Hélade e para
compreender o verdadeiro significado da Linguagem é preciso
compreender como a sociedade helênica em determinado período a
percebia. Por exemplo, no período Homérico, a partir da narrativa Ilíada,
uma coalizão grega avança sobre o território troiano para honrar a
palavra dada. Todos os aristhos (bens nascidos) deliberaram em
assembléia guerreira que caso algo de errado ocorresse em relação ao
matrimônio de Helena e Menelau, todos que foram pretendentes da
noiva, deveriam prestar solidariedade ao marido (VERNANT,
2000:92). Noutra abordagem, Tucídides evidencia a ação de tropas em
auxílio a um aliado. O relato cita campanhas militares no território
trácio e nos permite perceber que na Hélade, durante o século V a.C.,
diferentemente dos períodos anteriores, apoiar militarmente por
relações de Philia já não é unanimidade:

Sitalces havia feito um acordo com os atenienses,


no sentido de por termo a guerra com os
calcídios da Trácia. [...] Convocou ainda muitos
montanheses da Trácia, chamados Dios, que são
independentes e usam sabres, grandes números
destes soldados serviam mediante salário,
enquanto outros vieram como voluntários
(TUCÍDIDES, II, 95-96).

Nesta particularidade, Sitalces, príncipe dos trácios, não


impediria que atenienses se estabelecessem na região e, por outro lado,
cobraria apoio na sua guerra contra os calcídios.
Segundo Yvon Garlan, o aliado não se comprometia por
inteiro nas campanhas de assistência. Nas alianças defensivas a
obrigação se resumia a enviar ao aliado uma tropa de reforço que se
limitasse a repelir a invasão sem que ele mesmo não viesse
80
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

necessariamente, declarar guerra contra os agressores. Todas as


despesas desta aliança eram cuidadosamente estipuladas com
antecedência (GARLAN, 1991:136). Por tal motivo, não podemos
declarar que todo stratiotés que recebesse algum tipo de remuneração
por seus serviços seria um Soldado-Mercenário. O pagamento poderia
fazer parte de um acordo previamente firmado. A diferença entre um
pacto de aliança militar e contrato de mercenários estaria no objetivo da
ação.
A associação de combate denominava-se symmachia e o Aliado
era quem prestava auxílio efetivo em tempos de guerra. A assistência
poderia se dar de várias formas: através do envio de contingente militar,
víveres, navios, armas ou recursos pecuniários. Esta prática se adaptava
a sistemas mais complexos de aliança, pois era comum que Cidades-
Estado com menor poder político se agregassem em torno de uma
potência para se proteger (GARLAN, 1991:41-42). Por exemplo, no
século V a.C. várias póleis se uniram a Atenas na Liga de Delos34 visando
obter a proteção da sua frota naval contra qualquer ataque,
principalmente dos estrangeiros persas.
Segundo Yvon Garlan, era comum que as despesas ficassem
por conta do solicitante, porém isto não significava que aquele que
enviou o socorro, estivesse isento de qualquer investimento nos
primeiros trinta dias, normalmente, a manutenção da tropa ficava a seu
cargo (GARLAN, 1991:46). Com Tucídides podemos encontrar
algumas referências, vejamos:

Para as tropas de socorro, a cidade que as enviar


fornecerá provisões para trinta dias após sua
chegada à cidade que pedir socorro, e nas
mesmas condições quando regressarem; se
desejar usá-las por um longo período, as tropas
que pedirem socorro fornecerá provisões as de
infantaria pesada, tropas ligeiras e arqueiros à
razão de três óbolos eginetas por dia, e para a

34 Aliança de Cidades-Estados helênicas sob a hegemonia de Atenas, formadas após as

Guerras Greco-Pérsicas com a finalidade de assegurar proteção à Hélade contra as invasões


dos persas. Os membros pagavam tributos a Atenas em dinheiro ou fornecendo navios.
Os recursos eram depositados inicialmente na ilha de Delos, contudo, em 542 a.C. os
atenienses transferem o centro de depósito deste tesouro para a sua pólis. (Cf. JONES,
1997:376).
81
Alair Figueiredo Duarte

cavalaria à razão de um drácma egineta


(TUCÍDIDES, V, 47).

O botim de guerra era algo que interessava tanto ao solicitante


do auxílio quanto aquele que havia prestado auxílio. Claude Mossé
afirma que os lucros obtidos com o botim seriam repartidos em partes
iguais (MOSSÉ, 1999:23). O princípio da isonomia nos leva a ratificar
que seriam raros os acontecimentos em que apenas uma das partes
ficasse com todo o lucro (GARLAN, 1991:48). Na Ilíada, Agamêmnon
por ter devolvido a sacerdotisa Criseida a seu pai resolveu tomar para si
Briseide, parte do espólio pertencente a Aquiles. Esta medida gerou a
cólera do filho de Peleu, que em retaliação decidiu não mais entrar no
campo de batalha contra os inimigos troianos (HOMERO, Ilíada, I,
270-430).
Segundo as forças empenhadas, poderia haver porcentagem na
divisão dos lucros como nos mostra a citação: “Depois os arcânios
entregaram aos atenienses um terço dos despojos e dividiram os restos entre suas
próprias cidades” (TUCÍDIDES, III,114). Como nos indica Yvon Garlan
a respeito das despesas e dos lucros nos botins de guerra, há indícios de
que quando não eram proporcionais ao empenho empregado havia
insatisfação (GARLAN, 1991:51). Vejamos o que relatou Xenofonte:
“corintios, arcadios e aqueus, na guerra contra vocês participaram de todos os
perigos, trabalhos e gastos. Depois que os lacedemônios conseguiram o que queriam:
poder, honra e glória, o que eles repartiram” (XENOFONTES, Helênicas,
III,12). O relato representa o discurso da embaixada tebana
persuadindo atenienses a não estabelecerem alianças com os espartanos,
tornando-se adversários de Tebas. Em concordância com os relatos, os
lacedemônios não seriam confiáveis no momento de dividir os lucros
da guerra.
No serviço mercenário a principal motivação não residia no
botim, mas sim no pagamento que receberiam. Matthew Trundle nos
declara que a pobreza e o exílio eram atributos que levariam o indivíduo
a se tornar um Soldado-Mercenário e se envolver em guerras estrangeiras.
O pagamento poderia variar de dois a nove óbolos ao dia, isto equivalia a
um drácma e meio (TRUNDLE, 2004:63). Documentações que datam o
século IV a.C. demonstram como o valor do pagamento a ser recebido
poderia ser importante: “Eteónico convoca os quiotas e insiste para reunirem
dinheiro visando pagar os marinheiros, evitando com isso, que eles mudem de lado”

82
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

(XENOFONTES, Helênicas, II, 45). A partir deste exemplo, podemos


apreender que a fidelidade neste período não descartaria os interesses
pecuniários que são inerentes ao Poder Econômico.
A Civilidade própria do Soldado-Cidadão não era mais
suficientemente capaz de preservar os laços de Philia que outrora
motivavam o pedido de auxílio a favor do aliado. O risco de não sair
vitorioso na guerra e conseqüentemente não receber os lucros a que
teria feito jus, passava a ser o ponto fundamental.

II. 2 - O SOLDADO-MERCENÁRIO UM ESPECILISTA DAS


ARMAS

O Soldado-Mercenário é um Soldado-Cidadão cuja Civilidade foi


comprometida, ele já não prioriza manter as tradições que irão
simbolizar e manter o Poder Político do solo pátrio. Trata-se de um
stratiotés que se tornou especialista nas armas e exerce a guerra como
ofício. O Soldado-Mercenário vende seus serviços a quem possa pagá-lo,
não se importando necessariamente, com a causa pela qual está lutando;
o seu interesse é pessoal e não político. Nesta conjuntura, torna-se
pertinente identificar quais fatos transformariam um Soldado-Cidadão em
Soldado-Mercenário.
Como nos apontam a historiografia que toma por base
documentos do período Arcaico até o IV século a.C., na Grécia Antiga o
surgimento do Soldado-Mercenário esteve relacionado a vários fatores
envolvendo problemas de ordem econômica, política, agrária e
ideológica (MARINOVIC, 1988:2). As denominações que recebiam os
stratiotés que apoiavam aliados contra inimigos comuns tomando por
base o Xénos; dão-nos evidências que permitem descrever as
transformações na sociedade helênica do período citado.
Dentre a historiografia envolvendo o Soldado-Mercenário
destacamos algumas obras que consideramos fundamentais: H. W.
Parke. Greek Mercenary Soldiers from Earliest Times to the Battle of Ipsus.
Oxford University, 1933; G. T. Griffith. The Mercenairies of the Hellenistic
Word. Cambridge, 1935; André Aymard. Mercenariet et Lχ histotorie grecque.
Universitaires de France, 1967; Ludmila Marinovic. Le Mercenariat grec au
IV avant siècle notre ère et La crise de La polis. L‟ Université de Besançon,

83
Alair Figueiredo Duarte

1988; Matthew Trundlle. Greek Mercenairies: from the late archaic period to
Alexander. Routledge, 2004.
H. W. Parke nos apresenta uma cronologia quanto ao
surgimento do Soldado-Mercenário reunindo documentos que estavam
dispersos. Revela-nos tratados que marcaram as características do
Soldado-Mercenário destacando sua influência nas atividades referente à
guerra e também aponta questões relacionadas à economia (PARKE,
1933: passim).
Segundo H. W. Parke, a desestruturação do sistema políade
helênico não é a principal razão para a emergência do Mercenarismo no
século IV a.C.; isto se encontra em segundo plano. Para este autor, a
transformação do Soldado-Cidadão em Soldado-Mercenário é o epicentro da
problemática. O Soldado-Mercenário surge a partir de um largo processo
que transformou projetos de domínio e expansão na unidade
fundamental da vida política helênica (PARKE, 1933:20-235). Tais
apontamentos podem ser verificados já a partir da Guerra do Peloponeso
nas ações adotada pela pólis dos atenienses que começou a intervir
diretamente na constituição de cidades aliadas da Liga de Delos (JONES,
1997:240).
Para compreendermos como o final do século V a.C. foi
importante para o estabelecimento do Mercenarismo na Hélade, não
podemos prescindir de mencionar a Guerra do Peloponeso pelo fato do
conflito ser marcante para o desenvolvimento propício à especialização
da infantaria ligeira e de marinheiros oriundos do segmento social Theta,
os quais obtiveram maior inserção social.
Os peltastas com armamentos leves da infantaria ligeira, durante
a Guerra do Peloponeso, foram os precursores na especialização das ações
de guerrilhas (BAKER,1999:254). Em contrapartida, percebemos que o
investimento da pólis dos atenienses em uma frota naval destinado à
guerra, além de permitir a ascensão social de cidadãos menos providos
de recurso também contribuiu para inovar a maneira de combater, pois
permitiu que planejamentos estratégicos não fosse exclusividade de
ações terrestres.
Yvon Garlan nos apresenta que a guerra entre os helenos se
dava em meio a um “código de agressão territorial”. O inimigo se
apresentava de imprevisto, beneficiando-se do efeito surpresa em
épocas favoráveis do ano. O objetivo visava minar a capacidade de
subsistência assim como a potencialidade econômica da Cidade-Estado

84
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

inimiga; ocupava seu território por curtos períodos (GARLAN,


1991:90). Embora o próprio Yvon Garlan admita que estas incursões
não inviabilizassem totalmente a agricultura inimiga, elas eram
realizadas geralmente no período da colheita, antes das vindimas,
quando as oliveiras já estavam carregadas (GARLAN, 1991:90-91).
A respeito das inovações estratégicas, vemos que Temístocles
quando fortificou as muralhas atenienses e iniciou a construção de um
porto na região do Pireu insistindo em um projeto de ampliação de
frota naval de guerra em 493-492; lançou os alicerceis estratégicos
defensivos que posteriormente ficou conhecido como Estratégia
Pericleana (GARLAN, 1991:90-91). Péricles ao início da guerra, em 431
a.C., persuadiu os cidadãos a votarem em assembléia que a população
rural deveria se refugiar no lado interno dos muros da asty
(CANDIDO, 2001:20). Adotando uma estratégia35 pouco difundida
pelos strategos do seu tempo, Péricles utilizou as muralhas que ligavam a
cidade ao porto como principal meio de defesa, pois as muralhas
atenienses permitiam a circulação de modo seguro pelo seu lado
interior36. Em contrapartida, através de uma poderosa esquadra os
atenienses mantinham sua hegemonia marítima e abasteciam a pólis
através do seu porto com grãos que provinham do Egito e da Criméia
(FUNARI In. MAGNOLI, 2009:33).
A postura defensiva adotada pelos atenienses resultou em
inovações nas estratégias de cerco, pois os invasores necessitariam
permanecer maior tempo em terras inimigas se quisessem causar algum
prejuízo considerável. Os espartanos, como nos descreve Tucídides,
chegaram a permanecer em território ateniense por pelo menos
quarenta dias (CANDIDO, 2001:21). Maria Regina Candido afirma que
a estratégia ateniense de esvaziar o espaço rural trata-se de um traço
marcante entre os strategos atenienses, pois foi utilizada por Temístocles

35 Cf. Carl Von Clausewitz, “Estratégia: é a utilização do recontro para atingir a finalidade
da guerra. Ela fixa uma finalidade para o conjunto do ato de guerra que corresponda ao
objetivo da guerra. Quer dizer: estabelece o plano de guerra e determina em função do
objetivo em questão, uma série de ações que a ele conduzem; elabora, portanto, os
planos das diferentes campanhas e organiza os diferentes recontros destas ações”.
(CLAUSEWITZ, 2003:171).
36 É relevante ressaltar que embora Péricles tenha lançado mão da proteção das

muralhas atenienses e de sua esquadra como estratégia defensiva; Péricles não deixou os
campos atenienses abandonados, realizava patrulhas esporádicas com a cavalaria a fim
de reprimir as incursões espartanas nos campos atenienses. (C.f. PROST, 1999:81).
85
Alair Figueiredo Duarte

anteriormente a 430 distribuindo mulheres e crianças nas póleis


localizadas fora da Ática como Trezena, Salamina e Égina; foi inovada
por Péricles durante a Guerra do Peloponeso; repetida por Hipérides e
relembrado por Lísias no discurso da Oração Fúnebre em homenagem
aos mortos na Batalha de Corinto no século IV a.C. (CANDIDO,
2001:22-23).
Para G. T. Griffith, a especialização do Soldado-Cidadão em
relação às guerras, é uma conseqüência de dois períodos e medidas
distintas: primeiro, figuram as reformas políticas Sólon ao final do
século VI a.C., que basicamente criavam uma relação de identidade
entre as armas e a condição social do sujeito; em segundo, os projetos
políticos de Isócrates, que defendia a conquista de terras estrangeiras
para fundar colônias. Tal medida incidia nos indivíduos sem
propriedade a esperança e também a oportunidade de ascenderem
socialmente à condição de zeugita quando conseguissem um pedaço de
solo para lavrar (GRIFFITH, 1935, passim).
A falta de subsistência para a sobrevivência do indivíduo é um
elemento importante, capaz de convencê-lo a aceitar inovações
políticas. Como tivemos a oportunidade de apreciar em linhas
anteriores, a relação entre o cidadão e as armas poderia representar o
estrato e o status social do cidadão dentro da pólis dos atenienses.
Vemos a busca por melhores condições de vida e maior prestígio social
como uma das motivações que levaram Soldados-Cidadãos a se afastarem
dos seus princípios de Civilidade e tornarem-se Soldados-Mercenários. Isto
se daria em razão dos stratiotés habituado a combates, ter novas
prioridades. Eles não estariam mais preocupados em lutar pelo bem
comunitário, suas novas preferências, como afirma G.T. Griffth, teriam
por primazia arriscar a vida em uma batalha mortal pela ambição ou
simplesmente para saciar um espírito aventureiro (GRIFFITH, 1935,
passim). Portanto, o Soldado-Mercenário diferentemente do Soldado-Cidadão,
seria um soldado especialista sem comprometimento político.
Ao final do século V a.C., Soldados-Mercenários eram usados
como um contingente militar complementar as tropas de Soldados-
Cidadãos e aos poucos foram sendo utilizados como força militar
principal (MARINOVIC, 1988:22). Maria Regina Candido nos aponta
que a partir da Guerra do Peloponeso, a morte passou a integrar o
cotidiano ateniense em acentuada escala (CANDIDO, 2001:50). Vemos
nesta prerrogativa um dado interessante que destaca a importância da

86
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

Guerra do Peloponeso no processo de proliferação de Soldados-Mercenários


ao final do século V a.C.. São elas: a morte e a ação política ativa dos
cidadãos.
M. Regina Candido afirma que a relação cotidiana do corpo de
cidadãos com a morte, infligiu na desorganização da comunidade
políade. Sendo Atenas uma comunidade masculina, na qual os direitos
de cidadania preteriam as mulheres em prol dos homens, as campanhas
militares exigiam que muitos chefes de família estivessem ausentes dos
assuntos pertinentes à política, primazia de um cidadão ativo. Tal
prerrogativa gerou a temeridade e risco iminente de ocorrer desvio nas
tradições dos ancestrais (CANDIDO, 2001:50). Nesta especificidade, a
contratação de Soldados-Mercenários viria a suprir a necessidade de
demanda ao contingente militar políade e permitiria aos cidadãos
masculinos dedicarem maior tempo para as atividades políticas e
cívicas. Esta potencial solução permitiu emergir no quarto século uma
nova concepção de comunidade à sociedade políade.
A capitulação de Atenas em 404 a.C. para a sua rival Esparta
trouxe por conseqüência a necessidade de um novo ordenamento
geopolítico, pois Atenas teria perdido juntamente com a Guerra do
Peloponeso, a liderança da Liga de Delos e a supremacia sobre o Mar Egeu.
Isto ocasionou também em perda de parte dos recursos proveniente
das póleis aliadas. Segundo M. Regina Candido, tais concurso de fatos
teria iniciado um processo de dissolução do conceito de comunidade,
no sentido de ação política voltada para o bem comum e emergido nos
cidadãos um interesse voltado para problemas pessoais e privados
(CANDIDO, 2001:50).
M. Regina Candido informa ainda que a partir do novo quadro
social e político, os cidadãos atenienses de baixos recursos monetários
preocupados em garantir sua subsistência, dedicavam maior tempo com

das práticas políticas políades; transformaram-se em δ ó  (idiótés)


seus assuntos privados e mostraram-se pouco motivados a participarem

(CANDIDO, 2001:50-51). É notório destacar que este fenômeno não


se tratava de uma transformação político-social exclusiva dos indivíduos
de baixo poder aquisitivo. Afetavam também aos integrantes das elites
sociais e os responsáveis pela administração políade (CANDIDO,
2001:5051). Portanto, a proliferação de Soldados-Mercenários ao final do
século V a.C. figurava como tropa complementar as tropas cívicas
políades em razão de um conjunto de fatores. Dentre os principais
87
Alair Figueiredo Duarte

identificamos: acentuado índice de mortalidade da comunidade cívica,


interesse dos governos políades em contratá-los, e indivíduos
interessados em serem contratados visando o pagamento a ser recebido.
Ao final do século V a.C., há uma espécie de profissionalização
do ofício guerreiro, os stratiotés atenienses em grande proporção
começaram a receber um soldo especial para combaterem como aliados
nas póleis sob a égide de Atenas (MARINOVIC, 1988:22). Esta prática
é fruto das inovações táticas inseridas durante a Guerra do Peloponeso.
Segundo Maria Regina Candido, a longa duração das campanhas
militares e o conseqüente afastamento dos cidadãos nos trabalhos que
lhe garantiriam a subsistência levaram a pólis dos atenienses a adotar
mitshoís (pagamento) aos soldados e siterésion, auxílio de suprimento
alimentar (CANDIDO, 2001:21). A historiadora afirma ainda que,
desde o início da Guerra do Peloponeso, houve a necessidade de
pagamento ao soldado cujo montante variava conforme a duração dos
conflitos.
O período das campanhas militares aumentava e em
determinados períodos poderiam chegar a oito meses, resultando na
permanência do hoplita ou marinheiro há aproximadamente um ano
fora da pólis. Os gastos diários destinados à tropa exigiam um grande
dispêndio financeiro por parte da pólis (CANDIDO, 2001:21). O
pagamento diário era feito em óbolos: três para infantes; dois para
cavaleiros e seis para marinheiros (FEYEL, Apud. CANDIDO,
2001:21). Embora o pagamento oferecido aos Soldados-Mercenários
pudesse ser muito superior ao que era pago aos Solados-Cidadãos37, o
benefício compensava, pois o contratante teria uma tropa disciplina e
especializada para o objetivo pretendido em curto espaço de tempo.
Durante todo o período Clássico, a imagem do cidadão estava
associada, em linhas gerais, ao hoplita. Após a Batalha de Queronéia em
338 a.C., os ephebos atenienses aprendiam não somente a combater
como hoplita, mas também a arremessar a lança e a manobrar a

37Cf. Mattew Trundle, os Soldados-Mercenários contratados Dion de Siracusa receberam


de presente por seus serviços 100 minas após conquistarem o objetivo pretendido, o rei
Cyro prometeu aos seus contratados, cinco minas caso obtivessem a vitória. Isto sem
mencionar o botim e o siterésion. (TRUNDLE, 2004:84).
Para termos noção da diferença entre o pagamento destinado a um Soldado-Cidadão e
um Soldado-Mercenário: seis óbolos constituíam um Drácma; cem Drácimas uma Mina;
sessenta Minas um Talento. (Cf. JONES, 1997:372).
88
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

catapulta (BAKER In. PROST, 1999:251), nos demonstrando que neste


período a preparação para a guerra exigia melhor qualificação. Neste
mesmo corte temporal, houve grande circulação de metais preciosos no
Mar Egeu. Na Ática, as Minas de Laurion forneciam prata, enquanto que
na Macedônia situava-se o depósito aurífero do Monte Pangeu (BAKER
In. PROST,1999:251). Metais preciosos, como ouro, prata e mesmo
outros não tão valioso como o bronze, possuíam vantagens sobre
víveres e elementos perecíveis como grãos pelo fato das moedas, antes
de qualquer juízo, valerem seu peso em metal e não se deteriorarem.
Contudo, devemos ressaltar que sociedades antigas dificilmente
tivessem sua economia totalmente monetarizada e o pagamento muitas
das vezes estaria relacionado ao botim conseguido com as vitórias
(TRUNDLE, 2004:80-103), que após consolidada, deveria ser dividida
em partes iguais entre todos os aliados (MOSSÉ, 1999:23). Dentre as
formas de pagamento à contratação de Soldados-Mercenários, também era
utilizado o sistema de trocas, as quais poderiam ser realizadas
envolvendo bens de consumo ou bens imóveis: vinhos, grãos de cereais
ou terras (TRUNDLE, 2004:1-9).
Os vinte e sete anos da Guerra do Peloponeso provocaram
conflitos políticos internos que acentuaram os danos ao sistema
financeiro das Cidades-Estados e isto veio a se agravar com a crescente
contratação de Soldados-Mercenários. Dentre várias especificidades,
inclusive com fins a contratação de Soldados-Mercenários, a hegemonia
ateniense do século V a.C. tinha feito muito para rentabilizar o
comércio no Mar Egeu e habituando a circulação de moedas,
especialmente na guerra (TRUNDLE, 2004:82-83). Tornou-se cada vez
mais comum, durante as guerras deste período, que Soldados-Mercenários
recebessem seus pagamentos em moedas. Para Ludmila Marinovic,
este processo de cunhagem das moedas associado ao pagamento de
tropas mercenárias, marcaram a desestruturação e declínio do sistema
políade (MARINOVIC, 1988:270).
A introdução da cunhagem de moedas nas cidades-Estado
helênicas demarca o sexto século a.C, entretanto sua circulação somente
se torna ativa no fim do século V e início do século IV a.C
(TRUNDLE, 2004:114). Tal fato nos possibilita inferir que durante e
após a Guerra do Peloponeso, o processo de cunhagem das moedas se deve
mais a atividades político-militares que por trocas comerciais e isto teria
ocorrido por uma necessidade dos governos políades regularizarem a

89
Alair Figueiredo Duarte

manutenção e permanência dos seus soldados (GARLAN, 1991:64-65).


Aristófanes na comédia Assembléia das mulheres, representa uma cena do
cotidiano ateniense ao final do século V. Vejamos: “Fui à Ágora comprar
farinha. Em seguida, no momento que acabava de estender meu saco, o arauto
gritou: já não aceita peça de bronze; doravante só a de prata tem valor”
(ARISTÓFANES, Assembleia de Mulheres, vv. 816-822. Apud.,
GARLAN,1991:59). Em conformidade com Yvon Garlan, a cena
representa a conseqüência das cunhagens de tetradácmas e drácmas de
bronze terem sido suspensas para transações internas. Segundo Y.
Garlan, o objetivo de retirá-las de circulação seria reutilizá-las no
financiamento de operações militares (GARLAN, 1991:59). Através da
análise de Yvon Garlan junto à comédia aristofânica, podemos
apreender como os gastos militares estavam pesando sobre as decisões
da política interna dos governos políades.
A crescente utilização de Soldados-Mercenários tornava a
circulação de moedas cada vez mais comum, principalmente devido às
campanhas militares na Magna Grécia. As moedas de prata eram
levadas a centros de cunhagem como Atenas e passavam por uma
refundição para apagar seus traços de origem. Ao final do século V a.C.,
moedas de estilo siracusano emitidas por oficinas gregas estavam
proliferando na Ática. Tal evidencia coaduna para ressaltar a relação
entre guerra e emissão de moedas, pois é muito provável que estas
moedas tenham chegado à região juntamente com o retorno de
Soldados-Mercenários das campanhas na Sicília (GARLAN, 1991:67).
Embora a ação de Soldados-Mercenários tenha se tornado habitual
a partir dos anos finais da Guerra do Peloponeso e se estruturado no século
IV, eles já eram utilizados em períodos anteriores a citada guerra.
Podemos afirmar que os tiranos do VI século a.C. teriam sido os
primeiros a empregar mercenários como serviço especializado de
combate na Hélade. Afinal, tiranos necessitavam de um extenso corpo
de guarda pessoal para se protegerem e manter a sua forma de governo
(TRUNDLE, 2004:44). Pisístrato, tirano de Atenas, teria usado
dinheiro das minas do Pangeu para contratar soldados da Trácia, Argos
e Tebas. Os Soldados-Mercenários com os quais teria derrotado seus
opositores e instituído o braço militar da sua tirania. Polícrates de
Samos contratou um largo número de soldados para integrar sua equipe
de guarda-costas (TRUNDLE, 2004:44). Dentre as tiranias da Sicília,
Hipócrates teria contratado vários homens para protegê-lo, inclusive é

90
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

difícil afirmar se eles eram de fato genuínos mercenários ou andarilhos


errantes, fugitivos à busca de terras e de uma comunidade para viver
(TRUNDLE, 2004:44).
Matthew Trundle analisa a ação de Soldados-Mercenários no
período de Alexandre, o Grande e aponta que neste período este tipo
de serviço foi utilizado em larga escala. A relação entre Soldados-
Mercenários era concebida como uma extensão familiar. M. Trundle
afirma que o fato de muitas das referências em prol da temática serem
proveniente de orações retóricas e comédias que indicam o verossímil e
não a análise isenta, fazem com que estes artífices da guerra sejam
descritos também como vagabundos (TUNDLE, 2004:3), referindo-se
ao indivíduo errante, andarilho, sem um referencial pátrio. Isto se trata
de um indício de que não podemos categoricamente declarar o caráter
do mercenário como totalmente vil.
Em relação à terminologia do termo, os gregos utilizavam ou
entendiam o termo Mercenário sob diversos contextos. Do período
Arcaico até o século V a.C. foram denominados ou chamados de xenos;
referindo-se ao ritual hospitaleiro referenciado ao amigo ou hóspede.
Durante o século V, recebe a denominação de epikourikós
(companheiro, aliado). Após este século, começam a receber a
denominação de misthós (ordenado, soldo, salário, aluguel); referindo-se
à natureza do mercenarismo por ela mesma. Ou seja: vender, alugar ou
receber um pagamento com fins de subsistência por seus serviços
prestados como Stratiotés (TRUNDLE, 2004:1013).
Segundo M. Trundlle, o termo misthói foi utilizado
primeiramente por Tucídides referindo-se ao pagamento dos
marinheiros e Xenofonte fez uso extensivo desta terminologia nas
Helênicas. Durante o período de Alexandre, o Grande, o mercenário era
chamado xenói-mistophorói; possivelmente para distinguir os gregos dos
não gregos que lutavam juntos durante a batalha (TRUNDLE,
2004:16).
A. Aymard faz abordagens peculiares à figura do mercenário.
Este historiador apresentar uma distinção entre o que é Mercenarismo e o
que vem a ser Mercenário. O historiador destaca que Mercenário trata-se
de um guerreiro profissional. Porém, aponta que nem todo guerreiro
profissional é um Mercenário (AYMARD, 1967:passim).
Mercenários são guerreiros estrangeiros lutando em auxílio a um
Estado aliado movido pelo xenos. Enquanto Mercenarismo, segundo as

91
Alair Figueiredo Duarte

concepções de Aymard, trata-se da ação propriamente dita de recorrer à


guerra em troca do pagamento, ou fazer dela seu sustento. Ou seja, para
Aymard, o conceito de Mercenarismo seria o produto de uma crise
econômica e social, portanto o símbolo de uma sociedade com
turbulências institucionais (AYMARD, 1967:passim).
Neste processo, dois períodos distintos contribuíram para o
surgimento do Mercenarismo: o século VIII se estendendo ao século VI,
e o século IV a.C. Enquanto o primeiro marca a estruturação do
sistema políade, o segundo representa a crise político-social que se
abateu sobre a pólis. Entre as constantes guerras que ocorreram neste
corte temporal, o historiador ressalta a importância da Guerra do
Peloponeso neste processo, seus efeitos, e a maneira diversa pela qual o
homem começou a perceber a morte; além dos problemas sociais e
econômicos decorrentes do longo período desta guerra (AYMARD,
1967:passim).
Embora não possamos determinar a unanimidade de consenso
historiográfico quanto à emergência e ação de Soldados-Mercenários no
mundo helênico, há um ponto comum entre as obras que se
propuseram a abordá-lo. Em uma parcela considerável delas, há
questões tangenciando as flutuações políticas do século V a.C. assim
como as turbulências econômicas no regime políade. Todas as
abordagens citam momentos de crise ou transição estruturais e política.
Segundo Ludmila Marinovic, alguns autores como M. Finley
concentram suas idéias na propriedade da terra, contudo todas as
características estão concentradas na evidência das permanentes guerras
da segunda metade do século V a.C. e no empobrecimento das massas
(MARINOVC, 1988:2). Outro ponto comum percebido entre os
autores reside no fato de a Guerra do Peloponeso (431-404 a.C) figurar
como uma referência para o crescimento e definição do que é o
Mercenarismo. Percebemos que tal proposição, encontra-se associada à
terminologia empregada para se referir ao Stratiotés que combatia como
aliado, Xenos ou Epikourikós, e àqueles que exerciam a guerra como o
ofício e dela retiravam sua subsistência, os misthóis ou misthóphoros.
A análise das terminologias e a comparação das ações táticas
destes dois tipos de stratiotés nos levam a afirma como segunda hipótese
que não havia Mercenarismo anteriormente ao período Clássico helênico.
Embora houvesse Soldados-Mercenários desde o período Arcaico na Grécia
Antiga, a prática do Mercenarismo iniciou ao final da Guerra do Peloponeso e

92
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

se consolidou a partir do século IV a.C. na articulação tática e


estratégica adotadas pelos exércitos helênicos no período Helenístico.
Os primeiros registros atestando o emprego do termo Misthóis
datam de 479 a.C. em Heródoto: História; 470 e 460 em Aristóteles:
Política; e 431 em Tucídides na História da Guerra do Peloponeso
(TRUNDLE, 2004:18). Misthóis é termo denominado aos stratiotés
especialistas, que faziam da guerra seu meio de subsistência.
A. Aymard na sua distinção sobre Mercenário e Mercenarismo
toma como epicentro da problemática as crises estruturais da sociedade
que acabam imbricando em questões bélicas. Em razão de o
pesquisador admitir a existência de mercenarismo anteriormente ao século
V a.C., vemos necessidade de proceder os ajustes devidos às
especificidades.
Como nos aponta Yvon Garlan, aliados eram aqueles que
prestavam assistência efetiva em tempo de guerra e symmachia era o
nome dado a este auxílio de força suplementar (GARLAN, 1991:41). A
partir desse acordo, o aliado poderia solicitar o envio de socorro
material como: víveres, navios, armas ou mesmo recursos pecuniários.
Era comum que Estados solidários se agrupassem sob o comando ou
chancelaria de uma força hegemônica formando ligas ou confederações
que poderia ser naval ou terrestre, tais como: Liga de Delos, Liga do
Peloponeso, Liga de Corinto. Para termos um exemplo, na Liga do Peloponeso
sob a égide de Esparta, elas eram teoricamente voluntárias (GARLAN,
1991:42).
As divisões quanto às despesas de guerra eram cuidadosamente
estipuladas previamente entre aliados (GARLAN, 1991, 136). Tal fato,
nos permite apreender que uma Cidade-Estado, ao solicitar ajuda,
poderia assumir as despesas referente à manutenção das tropas de
apoio, em parte ou totalmente. Nestas condições, A. Aymard
(1967:passim) estaria cometendo um equívoco; não haveria razões para
conceber tropas aliadas como mercenárias. O apoio militar nestes casos
estaria em conformidade com o conceito de xenos. Portanto, o corpo
expedicionário deveria ser considerado um epikourikói e não um misthói.
Tucídides fornece exemplos quanto à divisão das despesas de guerra e
especifica que o pagamento não era o único e principal elemento
envolvido. Havia também questões morais, vejamos:

93
Alair Figueiredo Duarte

Mas Perdicas disse que não havia trazido Brasidas


para ser juiz de suas pendências, e sim para ser o
destruidor de qualquer inimigo que ele mesmo
indicasse, e que Brasidas estaria agindo
erradamente se, não obstante, ele estar
contribuindo com metade das despesas do
exército lacedemônio. [..] Perdicas passou a
contribuir somente com um terço, ao invés de
metade das despesas considerando-se ofendido
(TUCÍDIDES, IV, 83).

Na passagem em evidência, Brásidas foi em auxílio de Perdicas


como um aliado e não como mercenário. Ter as despesas pagas por
quem as solicitou tratava-se de uma prática comum nas alianças
(GARLAN, 1991:43-45). Sendo assim, vemos na teoria de A. Aymard
uma maneira diversificada de interpretar o Mercenarismo. Embora
existam momentos que o xenos tenha uma ação bem próxima dos
misthóis (GARLAN, 1991:45), devemos estar atentos para as exceções,
pois a concepção conceitual de A. Aymard: Mercenário e Mercenarismo;
pode gerar equívocos. Um stratiotés não deixaria de ser um Soldado-
Cidadão por receber um soldo excedente pelos serviços de apoio militar.
Ademais, o termo Mercenarismo nos indica o uso contínuo e ação
proliferada de Soldados-Mercenários. Documentações do período como
Tucídides e Xenofontes, assim como a historiografia apresentada neste
capítulo, nos mostram que a prática corrente ao uso de Soldados-
Mercenários na Hélade somente é intensificada a partir do século V a.C.
Nos períodos anteriores, a ação de Soldados-Mercenários é uma prática
isolada. As relações de apoio militar são em sua maioria feitas em
concepção ao xenos.
Ressalvando as especificidades e realizando os ajustes
necessários, ratificamos que há diferenças entre Mercenarismo e Soldados-
Mercenários. O fenômeno envolvendo ambas as conceituações encontra-
se relacionado a turbulências políticas, como no aponta AYMARD
(1967:passim). Um exemplo desta premissa pode ser verificado ao
observarmos o cenário político e o período em que os autores
apresentados neste ensaio, dedicam atenção à figura do Soldado-
Mercenário e do Mercenarismo na Grécia Antiga.
Na década de trinta do século XX, quando G. T. Griffth e H.
W. Parker escreviam suas obras sobre o tema em análise, problemas

94
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

econômicos assolavam o sistema financeiro mundial que tentava se


reerguer de um colapso nas bolsas de valores de todo o mundo, em
razão da quebra da bolsa de Nova York ao final da década de vinte.
Motivada por problemas de ordem econômica, a Alemanha começava a
se armar e desafiar outras potências na Europa (AURÉLIO, 2005:19).
Ao final da década de sessenta, quando André Aymard escreve
sobre Mecenariato e a História dos gregos, o mundo vivia um período pós-II
Guerra Mundial, encontrava-se bi-polarizado no choque ideológico entre
capitalistas e socialistas e envolvido na chamada “Guerra Fria” – um
ambiente de Paz Negativa38. Diante do cenário geopolítico em vigor na
Guerra do Peloponeso, historiadores contemporâneos como: Victor Davis
Hanson e George F. Kennan realizaram analogias entre o conflito
envolvendo atenienses e espartanos no século V a.C. e o período
conhecido como Guerra Fria no século XX em nossa
contemporaneidade. Contudo, outros historiadores como Pedro Paulo
Funari ressalvam que estas hipóteses têm recebido críticas (FUNARI
In. MAGNOLI, 2009:43) devido aos possíveis anacronismos, na análise
comparativa entre os dois distintos períodos históricos. Porém, destaca
que o período da Guerra Fria não foi menos real que a Guerra do Peloponeso
(FUNARI In. MAGNOLI, 2009:43).
A este propósito, André Leonardo Chevitarese aponta que no
período conhecido como Guerra Fria, apesar da soberania dos países
envolvidos, havia uma série de tratados internacionais assegurando o
cumprimento dos acordos comerciais e militares estabelecidos entre as
hegemonias e outros países considerados seus “satélites”. Segundo A.
Chevitarese, na Antiguidade, o Tratado de Nícias que fora firmado entre
atenienses e espartanos no ano de 421 a.C39, por exemplo, pode ser
considerado como um acordo isolado entre as duas potências que

38 Conceito que segundo Norberto Bobbio exprime um ambiente que não pode ser
considerado efetivamente guerra, mas não pode ser considerado paz. Em um estado de
Paz Negativa, duas potências com poderes equivalentes e com interesses contrários
evitando se confrontarem diretamente para não se auto-aniquilarem. Também pode se
tratar de uma “Paz por obediência”, imposta. (BOBBIO, 2000:516- 517).
39 Tratado de paz entre Atenas e Esparta, que entre outros acordos, estabelecia a não

intervenção nos assuntos internos de suas aliadas por um período de cinqüenta anos,
mas que durou apenas três anos. O tratado tinha a finalidade de por fim a guerra entre
atenienses e espartanos que lutavam até aquele momento, dez anos, sem que nenhum
dos lados beligerantes capitulasse. Este acordo diplomático recebeu este nome devido
ser Nícias, estratego ateniense, o seu principal articulador. (TUCÍDIDES. V, 18-25).
95
Alair Figueiredo Duarte

buscavam a hegemonia política no período; não impedia outras


Cidades-Estados de continuarem a se enfrentar mutuamente e fazer
suas próprias alianças, como era comum entre os governos políades.
Portanto, a Guerra do Peloponeso como um todo nunca existiu. Tucídides
é quem, de maneira original, reuniu em um único ensaio os combates e
acontecimentos políticos do período “inventando” e dando forma
continuada a um conjunto de conflitos que se denominou Guerra do
Peloponeso. E é exatamente por essa razão que Tucídides passa a ser
considerado como historiador pela historiografia e não por
simplesmente registrar fatos tornando-os históricos, como faz a
imprensa na atualidade40.
Retomando a relação Soldados-Mercenários e turbulência político-
social, vemos que ao fim do século XX potências ocidentais avançaram
militarmente sobre territórios do Oriente-Médio. Nesta conjuntura
houve aumento relevante na utilização de tropas militares privadas,
ocasião em que o comandante da força multinacional de ocupação no
Iraque, David Patraus, fez seguinte afirmação: “sem as forças privadas é
impossível vencer uma Guerra” (SANCHES, 2007:56-57). O que se torna
importante neste cenário é que o progresso tecnológico do século XX
exigiu maior demanda de energia; inclusive pesquisas científicas
apontam para possíveis crises do setor. Não devemos esquecer que o
Oriente-Médio é uma região rica em recursos energéticos. A
necessidade de atuação militar para conquistar e ocupar territórios
desconhecidos torna-se uma questão relevante. Assim, quando
observamos o crescente número de “Empresas Militares Privadas”,
Private Milatary Company – os chamados (PMCs) – percebemos que, em
sua maioria, os recrutados são oriundos de países ditos periféricos tais
como: Sudão, Colômbia, África do Sul e Brasil (SANCHES, 2007:56).
Enfim, ainda na atualidade temos a relação Mercenarismo e crise.
Tanto na Antiguidade como na atualidade, há necessidade do
contingente militar se adequar à condição daqueles que nada possuem e
vêem nas guerras a oportunidade de mudarem sua condição social. Na
citação de Isócrates, esta peculiaridade é mais evidente: “Recortem na
Trácia território suficiente para que não apenas vivamos em abundância, mas que
possamos oferecer vida satisfatória aos gregos que passam necessidade”

40 Observações realizadas pelo Prof. Dr. André Leonardo Chevitarese da Universidade

Federal do Rio de Janeiro, por ocasião do exame de qualificação da presente


dissertação, o qual se realizou em 11/06/2010. Nota do autor.
96
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

(ISÓCRATES, Panegérico. Apud. GARLAN, 1991:145). Destacamos que


ao início do século V a.C. ainda não havia forças militares profissionais,
portanto não existia stratiotés que vivesse exclusivamente da atividade
militar como meio de subsistência. Péricles, que acreditava na
superioridade militar natural dos atenienses, tenta justificar por qual
razão sua pólis não deveria investir no treinamento contínuo de suas
tropas; vejamos a citação:

Somos também superiores aos nossos adversários


em nosso sistema de preparação para a guerra [...]
Nossa confiança se baseia menos em
preparativos e estratagemas que em nossa
bravura no momento de agir. Na educação, ao
contrário dos outros que impõem desde a
infância exercícios penosos para estimular a
coragem, nós, a nossa maneira de viver
enfrentamos tão bem quanto eles perigos
comparáveis (TUCÍDIDES, II, 39).

Na Hélade, sobretudo em Atenas, a defesa do território era


responsabilidade de uma milícia-cidadã na qual a estreita relação do
homem com a terra dos ancestrais figurava como elemento motivador
da coragem: “A maneira grega de lutar pode ser explicada como uma percepção
mental dos pequenos agricultores de que a terra dos seus ancestrais deveria
permanecer inviolada a qualquer custo” (HANSON, 1989:6). As instituições
democráticas tomavam o reflexo destes princípios.
Em Atenas, para que o cidadão pudesse ser eleito estratego,
deveria primordialmente possuir terras dentro das fronteiras da pólis e
ser pai de família (GARLAN In. VERNANT, 1994:66-67). Esta
preocupação, na qual identificamos um princípio de Civilidade, nos
demonstra que o amadorismo militar helênico não se perpetuaria por
muito tempo.
Na pólis dos atenienses do século V a.C., já era comum os
jovens hoplitas, após receberem sua formação básica, serem
convocados periodicamente para uma revista em que se observaria a
boa manutenção dos equipamentos e das armas, efetuando inclusive
algumas manobras em formação cerrada (GARLAN In. VERNANT,
1994:68).

97
Alair Figueiredo Duarte

Neste período começa emergir a especialização das técnicas


militares. Tal qual nos menciona Yvon Garlan, se cotejarmos as
campanhas militares narradas por Heródoto e por Tucídides,
verificamos que a disparidade é extrema. Em Tucídides há uma
supremacia de operações militares cuja astúcia sobrepõe a força
(GARLAN In. VERNANT, 1994:68).
No século IV a.C. aparecem tratados como o Poliorcético de
Eneias, o Tático; obras que recomendam treinos e preparação para a
guerra, como menciona Platão na Republica. Há uma especialização
militar dos estrategos atenienses no qual fica evidenciada a distinção entre
o político e o soldado (GARLAN In. VERNANT, 1994:69). Ainda no
século V a.C., quando Soldados-Mercenários não eram tão utilizados
taticamente e o Mercenarismo não era uma prática, algumas cidades
estabeleceram a prática manter um exército permanente. O contingente
destas forças poderia variar de trezentos a mil homens.
Em 422, os argianos selecionaram mil cidadãos dentre os mais
jovens e mais robustos, para alimentá-los por conta da pólis que os
deixavam isentos de qualquer serviço; sua única obrigação encerrava se
dedicar constante para a guerra. A pólis de Tebas reformulou seu
Batalhão sagrado em 379 a.C., trezentos homens teriam sua formação
militar e manutenção assegurada pelo governo da pólis. No mesmo
período, a Liga Arcádia41 organizou um grupo de eparitóis (guardas
públicos) (GARLAN In. VERNANT, 1994:70), demarcando o século
V a.C. como um período de especialização militar. Esta prerrogativa
associada aos problemas políticos econômicos e agrários criou o
ambiente necessário para que cidadãos sem recursos começassem a
participar da guerra como meio de subsistência, visando obter recursos
que possibilitasse a ascensão social do peltasta, em sua maioria theta, para
o zeugita, que se assemelhava a figura do hoplita.
Nesta conjuntura, definimos o Soldado-Mercenário como um
indivíduo que se tornou um estrangeiro em busca da Civilidade
fragilizada pelas crises em suas terras de origem, ou seja, alguém que
buscava a estabilidade da cidadania através do Mercenarismo.

41 A Liga Arcadia foi uma reunião de várias Cidades-Estado da região Arcádia e do

Peloponeso em uma única força. A liga foi fundada em 370 a.C. aproveitando-se do
decrescente poder de Esparta que e havia dominado militarmente toda a região. Nota
do autor.
98
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

O Mercenarismo se estabelece nas relações comunitárias assim


como nas esferas do Poder, por isto quem o pratica assim como quem o
promove não procede de maneira independente nas suas deliberações.
Suas decisões encontram-se envolvidos a diversos fatores de ordem:
política, econômica, social e militar. O Mercenarismo necessita das
turbulências em pelo menos um destes setores para tornar realizável a
antítese do Poder Político, entendido como a ordem estabelecida pelo
Estado.
Nos momentos em que o Poder Político se utiliza do Mercenarismo
visando estabelecer sua autoridade, acontece o contrário; é ele quem
está se estabelecendo e utilizando o Poder Político. Uma vez adotado, não
há como evitar sua ação, pois o Mercenarismo percorre por entre as
estruturas da sociedade e a desestabiliza. Soldados-Cidadãos atenienses
recorreram à prática do Mercenarismo após o final o século V a.C. pelo
fato deste fenômeno deixar transparecer a possibilidade de estabilidade.
Nesta conjuntura, a fronteira entre Soldados-Cidadãos e Soldados-
Mercenários transcende questões de recursos monetários especialidade e
habilidade militares. A principal diferença entre estas duas personagens
reside no âmbito institucional em que agem politicamente, pois ambos
buscam a estabilidade na Civilidade e na Cidadania. Enquanto Soldados-
Cidadãos procuram mantê-las, Soldados-Mercenários buscam recuperá-la.
A historiografia não perde oportunidades de mencionar os dez
mil que acompanharam Xenofonte na sua Anábase, e destacar suas
características de uma “República Viajante” em vários aspectos:
“mantinham assembléias inspirados na vida cívica [...] em meio a aplausos e elogios
expressos ruidosamente” (GARLAN, 1991:143-144). Em outro momento:
“Os mercenários falangistas de Alexandre, O Grande, gozavam de uma
familiaridade com seus superiores nos banquetes e torneios esportivos reais
desconhecidos da corte persa” (HANSON, 2002:120-121). Todos estes
Soldados-Mercenários que se encontravam nos exemplos citados, traziam
uma nostalgia da comunidade políade e da Civilidade abalada.
Apontar a distinção entre Soldados-Cidadãos e os Soldados-
Mercenários, somente é possível diante da compreensão do que vem a ser
Civilidade e Linguagem (DETIENNE, 2004:42-44). Através desses
conceitos, não só poderemos identificar e conceituar o que são ou
quem foram os Soldados-Cidadãos e Soldados-Mercenários, mas também
aproximar passado e presente através das Mudanças (DETIENNE,
2004:76-91), pois quando na atualidade não pudermos encontrar algo

99
Alair Figueiredo Duarte

estritamente idêntico, utilizaremos algo oposto ou proporcional para


compreender comparativamente.

II. 3- O PODER POLÍTICO E A AÇÃO DO MERCENARISMO

Afinal, o que é o Poder? Norberto Bobbio aproxima a prática


política do conceito de Poder. Sua afirmação é de que o termo Política
sempre designa “o poder ultimo, soberano e supremo de uma comunidade sobre
um território” (BOBBIO, 2000:216). Nestas prerrogativas, mais uma vez,
não podemos prescindir da definição aristotélica de que “o Homem é um
animal político” (ARISTÓTELES, Política, I, 1256 a). Entende-se por
Político, uma condição natural de sociabilidade do Homem na qual se
destacam as relações de domínio e obediência. Pois toda relação social
ou comunitária, somente se estabelece através de normas ou de leis em
prol de um interesse comum. Caso contrário nos encontraríamos diante
do Estado de Natureza hobbesiano (HOBBES, Leviatã, XIII:passim). Se
de fato o homem, tal qual nos aponta Aristóteles, é um ser
naturalmente social percebemos que no âmbito da política (âmbito do
comunitário) não há como se pôr à parte as relações de poder que os
homens estabelecem entre indivíduos e entre grupos. Assim, o Poder
pode ser “entendido como a capacidade que um sujeito tem em condicionar,
influenciar e determinar o comportamento de outro sujeito ou de um grupo”
(BOBBIO, 2000:216).
Cotejando a teoria de N. Bobbio às ocorrências e fatos da pólis
dos atenienses ao fim do V e início do IV século a.C., percebemos a
evidencia com que cidadãos dos primeiros segmentos censitários
exerciam domínio sobre os demais grupos políticos utilizavam-se de
uma postura ideológica42 para manipular as massas. Nas comédias
aristofânicas do período em análise, encontramos conotações referentes
à maneira como determinados grupos políticos se mantinham no topo
da hierarquia social. Na visão de Aristófanes, os cidadãos
economicamente abastados e que possuíam preparação política,

42 O ideológico é uma ação da Ideologia, conceito que para N. Bobbio implica um

elemento de falsa consciência. O único critério no qual podemos julgar uma Ideologia é
o de sua eficácia prática e não o caráter de sua verdade. (BOBBIO, 2000:418-650).
100
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

persuadiam os demais com belos discursos, ao mesmo tempo em que


subjugavam economicamente os que eram menos providos de recursos.
Em Atenas, no século V a.C., havia um consenso: o cargo de
strategoi deveria exigir algum conhecimento técnico de combate. Ao final
do século V e início do IV, a necessidade desta prerrogativa se
acentuou quando se acrescentou ao conhecimento técnico o saber
especializado de combate. Os critérios de eleição haviam mudado e os
strategois que se elegiam doravante dominavam as técnicas inerentes aos
assuntos de guerra e se diferenciavam dos demagogos, que eram
mestres da oratória nas assembléias (GARLAN, 1991:139).
A partir das inovações políticas que emergiram ao final do
século V, os integrantes da elite social ateniense deixaram evidentes
algumas características inerentes ao Poder Político: evitar uma distribuição
equitativa do poder na qual existem aqueles que comandam e aqueles
que obedecem. Contudo, na pólis dos atenienses, tal prerrogativa
ocorreu através do uso acentuado da Violência Estrutural43. Ao final do
século V a.C., como destaca Yvon Garlan, oradores e strátegois passaram
a agir em conjunto, formando corriolas mais ou menos estruturadas e
representativas de diferentes correntes, para manterem-se no poder
(GARLAN, 1991:140). Isto vem ratificar a visão de José Antônio D.
Trabulsi de que o regime democrático ateniense era competitivo, elitista
e, paradoxalmente, antidemocrático (TRABULSI, 2001:93).
O Poder Político se distingue das outras formas de poder, trata-se
de um signo que representa a ordem-social estabelecida; são os
mecanismos que se utiliza o Estado para manter suas instituições e
controlar seus cidadãos. Para obter o efeito desejado, o Poder Político
pode se utilizar diversos meios e de outras formas de poder, dentre eles:
o Poder Ideológico, o Poder Econômico e em sua ultima instância, o Poder da
Força (BOBBIO, 2000:221). Sendo este último a violência empregada
por quem está autorizado por um sistema normativo (BOBBIO,
2000:514).

43 Em conformidade com Norberto Bobbio: uma violência que as instituições de

domínio exercem sobre o sujeito, incluindo-se nela as injustiças sociais, as desigualdades


entre ricos e pobres, poderosos e não poderosos, a exploração em diversas
ramificações, além do imperialismo e do despotismo. (BOBBIO, 2000:176).
101
Alair Figueiredo Duarte

A crescente contratação de Soldados-Mercenários ao fim do século


V a.C. nos permite compreender que a ação conjunta entre strategos e
oradores, pode ser interpretada como uma tentativa de manutenção do
Poder Político. O Mercenarismo atendia às especificidades do Poder Político,
pois todo contingente militar contratado poderia ser utilizado tanto
para manter a ordem, quanto para dissuadir inimigos ou submetê-lo a
seus interesses através da Força.
Entre as prerrogativas do uso e Soldados-Mercenários por parte do
Poder Político conta a particularidade de permitir que um maior número
de cidadãos esteja possibilitado de cuidar de seus afazeres, contribuído
para aumentar o poder econômico da pólis. Além, é claro, de poder
contar com um stratego experiente e bem treinado aos serviços enquanto
estiver lhe pagando (MOSSÉ In. VERNANT, 1999:296).
Para termos uma noção da articulação entre Mercenarismo e Poder
Político, em conformidade com as proposições de Matthew Trundle, a
contratação de Soldados-Mercenários entre os gregos teve inicio diante das
tiranias do século VI a.C., pois tiranos necessitavam de um extenso e
hábil corpo de guarda para prover sua segurança pessoal (TRUNDLE,
2004:5). Com esta atitude a elite social, ratificava a ação do Poder Político
através do Poder Econômico.

II.4 - O MERCENARISMO

O início do Mercenarismo ao final do período Clássico deu-se em


razão de condições sociais e políticas favoráveis. Em primeiro lugar,
havia a necessidade de segmentos menos providos de recursos
conseguirem subsistência e, em segunda abordagem, o interesse de
governos políades em reunir contingente militar especializado e estarem
dispostos a pagar por este contingente para cumprir projetos de
projeção de poder (GARLAN, 1991:156). Nestas conformidades, o
Mercenarismo caracterizava a nova ordem política, inclusive foi bem
aceito pelas massas pelo fato de servir como perspectiva de
sobrevivência tanto aos que nada possuíam, quanto para aqueles que
tudo perderam nos conflitos bélicos do final do século V a.C..

102
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

O Mercenarismo diante dos estratos sociais menos favorecidos


figurava como uma sublevação social as pressões políticas que o
cumprimento dos deveres cívicos exigia e do oportunismo que
emanava por parte dos cidadãos mais abastados, os quais se utilizavam
da sua potencialidade econômica articuladamente às estruturas do
sistema democrático para se perpetuarem à frente das instituições que
representavam o poder.
Porém, a via econômica não é o único campo de ação do Poder
Político. Na forma de Poder Ideológico, o Poder Político torna legítimo o uso
da força física e impede a insubordinação domando a desobediência
segundo os interesses desejados. Incluí-se nesta conjuntura o
desencadear da guerra contra qualquer resistência inimiga (BOBBIO,
2000:221-222), pois toda articulação política é uma luta pelo poder e a
tipologia de poder mais definitiva é o da violência (ARENDT,
1970:15). Embora sejam pares, Violência44 distingue-se de Força visto
que a primeira se trata de um ato transgressor das normas estabelecidas,
por isso é totalmente ilegítimo; enquanto que a segunda, devemos
lembrar, trata-se de um ato legal, pois está amparado pelas normas e leis
estabelecidas.
Para que o Poder Político possa se estabelecer, não há como se
prescindir da Força – seu aparelho coercitivo legítimo – a qual tem por
finalidade coibir a Violência, uma ameaça à ordem estabelecida.
Contudo, vemos que a Força jamais conseguirá extingui-la, pois a
violência também se manifesta na forma de Violência Estrutural, isto é,
uma violência que as instituições de domínio exercem sobre o sujeito,
incluindo-se nela as injustiças sociais, as desigualdades entre ricos e
pobres, poderosos e não poderosos, a exploração em diversas
ramificações, além do Imperialismo e do Despotismo (BOBBIO, 2000:517).
Segundo N. Bobbio, uma maneira de amenizar a ação da
Violência Estrutural seria possibilitar que decisões no âmbito social não
partissem exclusivamente dos grupos dominantes. Ou seja, as decisões
que determinam o ordenamento social também deveriam partir das

44 O conceito de Violência muda segundo se trate de ação individual ou coletiva. A

violência pessoal e individualizada, salvo casos excepcionais é condenada. A violência


das instituições ou cometida seguindo as normas sociais, salvo casos excepcionais, é
justificada. (BOBBIO, 2000, 176).
103
Alair Figueiredo Duarte

massas socialmente menos favorecidas para as elites sociais, e não de


cima para baixo como víamos acontecer na pólis dos atenienses no
século V a.C. Porém, em razão das estruturas que compõem o Estado
(instituições de domínio que exercem o poder de maneira vertical
descendente) e pelo fato dos homens serem dotados de uma
antropologia negativa denominada Rude Matéria, na qual os mesmos se
apresentam como um animal violento, passional e enganador
(BOBBIO, 2000:55), esta perspectiva mostra-se inaplicável.
A historiografia nos mostra que na sociedade helênica, a
aristocracia e os financeiramente abastados sempre ocuparam o topo de
uma hierarquia social, mesmo em regimes democráticos como viveu a
pólis dos atenienses no século V a.C., em que se prezava pela isonomia.
Sessenta e cinco por cento (65%) dos strategos eleitos eram grandes
proprietários de terra e pertencentes à aristocracia ateniense (PROST,
1999:114-115).
A Guerra Peloponeso por vezes impediu camponeses de cuidarem
das suas propriedades em razão de estarem envolvidos em campanhas
militares ou mesmo em razão da migração forçada para a cidade,
decorrência dos saques inimigos (GALENO, 2005:122). Os danos
causados à agricultura, embora não tenham sido tão devastadores
contribuíram para um inchaço demográfico nos centros urbanos
gerando problemas de ordem social (GALENO, 2005:130). Quando a
guerra acabou, embora pobres continuassem sendo a maioria entre os
cidadãos atenienses ativos que votavam nas assembléias, a situação para
eles havia se agravado, pois apenas um quinto destes cidadãos possuía
terras e permaneciam na área urbana da pólis (GALENO, 2005:124).
Em conformidade com Peter Jones, a população ateniense em 431 a.C.
estimava cerca de 300.000 a 350.000 (JONES, 1997:159). Segundo as
estatísticas de Pierre Brulé, as baixas militares que se contabilizaram do
período de 431 a 400 a.C., estimavam aproximadamente 55.000
cidadãos (BRULÉ In. PROST, 1999:61). Veja tabela a seguir:

104
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

Período Perdas Hoplitas Cavaleiros Thetai Colonos Média Nº de


de anual Batalhas
Cidadãos

431- 49.500 12.050 x 550 10.250 2000 1.648 66


400 a.C 1.5 = x2=
> 55.000 >18.100
>20.500

Tabela 4: Baixas Militares (431-404)

Dentre as alternativas que visavam solucionar o problema


demográfico que emergiu entre os atenienses após a Guerra do Peloponeso,
encontrava-se a fundação de colônias com o excedente contingencial
das guerras. Tal particularidade levou Isócrates a sugerir em 380 a.C. o
seguinte: “Recortem na Trácia território suficiente para que não apenas vivamos
em abundância, mas que possamos oferecer vida satisfatória aos helenos que passam
necessidade” (ISÓCRATES, Panegírico. Apud. GARLAN, 1991:145). Outra
possibilidade para solucionar o inchaço populacional urbano seria se
beneficiar dos serviços de experientes veteranos de guerra em projetos
políticos de expansão territorial como fez Alexandre, O Grande, que
chegou a empregar milhares de Soldados-Mercenários em 329 a.C.
(KEEGAN, 1995:245-246).
Na pólis dos atenienses do período Clássico, as relações internas
envolvendo grupos políticos se davam por meio de tensões. Com a
Guerra do Peloponeso, elas tiveram por tendência aumentar. Um exemplo
de tensões entre facções políticas rivais pode ser apreciado na Revolução
ou Golpe Oligárquico ocorrido em 411 a.C., o qual instaura em Atenas um
governo conhecido como “O Conselho dos Quatrocentos”. Diante do
triunfo dos oligarcas, soldados e marinheiros da frota que estava
aportada em Samos se mobilizaram e organizaram uma Ekklésia que
destituiu os strategos simpáticos à facção Oligarca, ou seja, realizaram uma
espécie de contragolpe. Em 410 a.C., a democracia já havia sido
restituída (MOSSÉ In: VERNANT, 1999:293).
O Poder necessitaria destas tensões para ser o que é?
Observando o pensamento aristotélico, defensor de que tudo visa a um
Bem maior procurando seu lugar de ordenação (Cf. ARISTÒTELES.
105
Alair Figueiredo Duarte

Ética a Nicômacos, 1094 a), vemos que as tensões existentes nas relações
político-sociais, também não se encontram à parte desta teoria. Neste
sentido, as revoluções, embora intentem abruptamente mudar o status
quo45, estão na verdade à procura de novas respostas para determinados
problemas; procuram restabelecer a ordem.
No século V a.C., a pólis dos atenienses vivenciava um regime
democrático no qual o corpo de cidadãos através das Ekklésias
representava o Poder Constituído. Esta modalidade de poder era legítima
porque se referia e se identificava com o conceito de política, o meio
pelo qual os cidadãos eram detentores do poder através de um corpo
comunitário.
Embora, tal como mencionamos anteriormente, o Poder Político
fosse conduzido pelas elites sociais através das instituições
democráticas, no sistema democrático radical - como foi o sistema político
ateniense ao final do século V a.C. - os que integravam o corpo
comunitário de cidadãos eram os verdadeiros detentores do poder.
Embora pudessem ser atingidos pelo Poder Ideológico e manipulados por
discursos eficazes, os cidadãos atenienses eram capazes de alterar a
ordem estabelecida através do voto nas Ekklésias. Um exemplo desta
premissa ocorreu na votação pela condenação dos strategos que
retornaram da campanha naval em Arginusa, anteriormente abordada
neste trabalho. Nesta contextualidade, há possibilidades de que as
alterações políticas não ocorram de maneira cooperativa, então ela é
alterada abruptamente pela stásis (a guerra civil), a qual, segundo as
especificidades do contexto social de produção, justificaria a máxima
proclamada por Mao Tsé-Tung de que “o poder brota do cano de uma arma”
(Mao Tsé-Tung. Apud. ARENDT, 1970:6).
Em documentações do período analisado - dentre elas
comédias aristofânicas - podemos apreender que durante a Guerra do
Peloponeso houve acentuada atividade da Violência Estrutural. Porém,
percebemos que esta Violência Estrutural se manifestava através das
tensões políticas que o regime democrático radical ateniense permitia,
pois em conformidade com Julián Galeno, em Atenas havia uma tensão
política entre campo cidade pelo exercício real do Poder Político. O
surgimento de lideranças políticas ao estilo típico dos políticos

45 O estado em que estão atualmente as coisas. (AQUAROLE, 1993:70).


106
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

demagogos demarcava a distinção entre cidadão urbano e massas rurais


(GALENO, 2005:125). Segundo Julián Galeno, o historiador Tucídides
em várias passagens de seus escritos crítica as assembléias de cidadãos
pelas decisões tomadas. Aristófanes procede, tal qual o mencionado
historiador, porém destaca que as decisões da massa cidadã na sua
grande maioria, simples camponeses, eram facilmente enganada por
belos e eficazes discursos políticos (GALENO, 2005:126).
Tal ocorrência de fatos nos demonstra que o Poder Político
embora emanasse do Demos, encontrava-se dividido entre os segmentos
Zeugitas e Thetai que ora apoiavam facções políticas oligárquicas, ora
facções políticas aristocratas que os levavam a seguir discursos que
acentuavam as tensões políticas entre campo e cidade. Esta incidência
tornava o Poder Político suscetível às ameaças de sublevação por parte
destas massas populares, ocorrência que sob a perspectiva filosófica de
Antônio Negri, trata-se de um fenômeno que torna os acontecimentos
históricos e o quadro político-social intimamente relacionado (NEGRI,
2002:22).
As massas de Soldados-Mercenários na Hélade ao final da Guerra
do Peloponeso eram em grande parte sem-terras, Soldados-Cidadão veteranos
seduzidos por melhores condições de vida. Um atrativo para suprir a
necessidade de contingente militar de potências políticas do período
(KEEGAN, 1995:245-246). Este quadro social foi o produto de séculos
de tensões políticas relacionando armas e direitos de cidadania.
O surgimento da Falange dos Hoplitas, em meados do século VII
a.C., nos mostra que o alargamento da cidadania e maior participação
política dos camponeses não se trataram de algo dado gratuitamente. A
consolidação destes direitos veio com as reformas de Sólon, contudo,
as elites sociais continuaram a operar o poder através de clientelismos,
que lhes permitia manipular lavradores tanto quanto aqueles que viviam
de jornada (GALENO, 2005:130-131).
Após a Guerra do Peloponeso, muitos lavradores que haviam
perdido suas terras durante a guerra viram em trabalhadores urbanos
pobres - sapateiros, ferreiros e tantos outros artífices que viviam de
jornada - uma causa comum. Indivíduos que tinham se habituado à
participação na vida política ativa – principalmente após as reformar de

107
Alair Figueiredo Duarte

Efialtes46 - não admitiriam passividade diante do novo quadro político


social. Ao adotarem o Mercenarismo como forma de subsistência, as
camadas menos providas de recursos se apresentavam como parte ativa
de um quadro social revolucionário, não como instrumentos passivos
ou meros produtos de uma turbulência social que relacionava guerra,
economia e política. Soldados-Mercenários oriundos das massas
camponesas e artífices das camadas pobres assumiriam a postura de um
Poder constituinte, a possibilidade de sublevação contra o Poder Político.

46 Efialtes era filho de Sofónides liderou, conjuntamente com Péricles, a facção

democrática em Atenas no final da primeira metade do século V a.C. Foi um dos


responsáveis pela reforma do Areópago, órgão controlado pela aristocracia, limitando o
seu poder ao julgamento de casos de homicídio e crimes religiosos. Esta reforma teria
ocorrido em 462 a.C. e não teria sido bem recebida entre a aristocracia. (GALENO,
2005:125).

108
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

CONCLUSÃO

A visão antropocêntrica dos atenienses em relação às demais


etnias que habitavam a região mediterrânica no século V a.C.
modificou-se consideravelmente após a Guerra do Peloponeso. Isso
ocorreu em razão do alto índice de mortalidade e baixa taxa de
natalidade no corte temporal que se estendeu de 431 a 400 a.C.
Como a guerra trata-se de um fenômeno capaz de aproximar
culturas - ainda que seja por atos de Força ou Violência - as gerações
atenienses que nasceram no período em evidência se habituaram não
somente com a morte e a violência cotidiana dos combates e
campanhas militares, eles acostumaram-se a conviver com o “Bárbaro”
através da contratação de Soldados-Mercenários que tornava-se cada vez
mais freqüentes ao final do século V a.C.
Embora a aproximação de Culturas distintas tenda a reduzir as
diferenças propiciando mudanças na estrutura cultural da sociedade, os
gregos mantinham sua identidade cultural através das unidades étnicas.
Assim, tropas helênicas que se encontravam articuladas taticamente a
outras etnias, embora fossem de poleis e regiões distintas da Hélade,
viam na Cultura um fator comum à Civilidade.
A Civilidade diverge da concepção de Civilização. Enquanto
Civilização encontra-se relacionado a questões históricas e geográficas;
Civilidade se trata de uma manifestação prática da Cultura, qualificando o
indivíduo como um perfeito cumpridor dos deveres cívicos: leis, ritos,
práticas sociais e religiosas (DETIENNE, 2004:40-44). Através das
constantes guerras do século V a.C. e dos problemas de ordem
econômica social decorrente dela, a Civilidade dos Soldados-Cidadãos
atenienses tendeu a se modificar. Através disto, os cívicos Soldados-
Cidadãos atenienses, defensores da tradição dos ancestrais, ao tornarem-
se Soldados-Mercenários e se integrarem ao Mercenarismo, estavam na
verdade, buscando recuperar a Civilidade alterada e a estabilidade na
cidadania perdida.
Na pólis dos atenienses, a participação política e a isonomia
que caracterizava o cidadão livre, dotado de igualdade diante das leis e
com direito à palavra se solidificou no século V a.C. e chegou ao
extremo, caracterizando uma democracia radical. Curiosamente foram
estas mesmas prerrogativas que permitiram o ocaso desta estrutura.

109
Alair Figueiredo Duarte

Soldados-Cidadãos conheceram o fim da sua era no século V a.C..


Contudo fizeram surgir o poder e a ação dos Soldados-Mercenários no
século IV através do Mercenarismo. Vemos que este fenômeno se
desenvolveu das crises do regime políade abalando sistematicamente
estruturas políticas, econômicas, agrárias e militares.
No século IV a.C., Soldados-Mercenários eram figura comum,
caracterizando o Período Helenístico como um período propício à prática
do “Imperialismo”. E isso ocorreu pelo fato de que, enquanto
profissionais das armas, os Soldados-Mercenários estavam ligados à
obediência do comandante e, antes de qualquer coisa, ao cumprimento
do seu contrato (MOSSÉ, In: VERNANT, 1999:297). O desinteresse
do indivíduo com a participação política tornava o Mercenarismo um
terreno fértil para projetos expansionista, a qual visava manter todas as
movimentações políticas sob uma única égide. Apesar das turbulências
políticas e adaptação a um novo quadro social, o Mercenarismo
apresentava a esperança de restabelecimento da ordem social.
Devido ao cenário agonístico da política interna em Atenas,
Soldados-Cidadãos daquela pólis tinham sido vítimas de Violência
Estrutural na era democrática. As relações entre póleis durante a Guerra
do Peloponeso possibilitou aos Soldados-Cidadãos se tornarem um Soldado-
Mercenário, emergindo como força de sublevação contra instituições de
domínio na sociedade helênica através do Mercenarismo, um signo de
instabilidade: o Poder Constituinte.
No século V a.C., emergiu a especialização militar na Hélade e
transformou a Guerra - um fenômeno identitário da sociedade e da
cultura helênica – numa atividade cada vez mais técnica e relacionada
com os interesses políticos e diplomáticos das Cidades-Estados. Tal
peculiaridade fica-nos mais evidente quando analisamos o discurso de
Tucídides em A História da Guerra do Peloponeso. Nesta obra, o
historiador nos apresenta diversas descrições quanto ao emprego de
Soldados-Mercenários47.
A metodologia utilizada sobre a documentação a saber:
Tucídides com A História da Guerra do Peloponeso e Xenofonte com As
Helênicas; nos permitiu analisar o contexto social de produção da pólis
dos atenienses no período Clássico. Sob a perspectiva da Análise do
Discurso articulada à grade de Análise do Conteúdo de A. J. Greimas.

47 Ver Tucídides ( I, 115.4; II, 33.1, 70.3, 79.3; III, 18.1, 34.2, 85.3, 109.2; VI, 46.2,

129.3, 130.3, 131.3; VII, 43.1, 57.3,9,11, 58.3; VIII, 25.2, 28.4,38.3).
110
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

Semiótica e Ciências Sociais foi possível destacar as intertextualidades e


polifonias existentes.
O Método possibilitou um distanciamento do objeto de análise e
permitiu que o discurso fosse analisado sob diversos ângulos. Como
exemplo, através do método foi possível identificar através da análise
Comparativa Produtiva (DETIENNE, 2004:48) entre Soldados-Cidadãos e
Soldados-Mercenários que a relação entre estas duas categorias
transcendiam as questões bélicas junto aos atenienses. Com a
recorrência aos recursos metodológicos, evitamos ou minimizamos que
perspectivas marcantes sejam apagadas, pois o sujeito que constrói o
Discurso não é um indivíduo isento, mas sim autônomo. Dessa forma,
tanto Tucídides ao descrever A História da Guerra do Peloponeso quanto
Xenofonte nas Helênicas, utilizaram determinados termos para se referir
aos Soldados-Cidadãos e aos Soldados-Mercenários. Embora, não tenham
deixando de relatar os fatos ocorridos, os autores o fazem segundo a
perspectiva de seu tempo com todos os signos e ideologias de sua época,
ou seja o período Clássico e Helenístico.
A nomenclatura pela qual Tucídides se refere a estes
combatentes, Epikourikós (TUCÍDIDES:passim), nos permite apreender
não somente a proximidade entre Soldados-Mercenários e tropas políades,
mas também declarar que houve ao início do século IV a.C., projetos
políticos que envolviam guerra e relações diplomáticas direcionado ao
emprego de Soldados-Mercenários.
Nas exposições apresentadas por Marcel Detienne (2004,
passim), onde é possível comparar sociedades e culturas distintas no
tempo e no espaço, houve oportunidade de se refletir sociedades da
Antiguidade a partir de nossa atualidade e vice-versa. Neste sentido, é
relevante novamente destacar a declaração de David Patraus quanto à
importância dos PMC nas novas estratégias de guerra. Isto mais uma
vez, destaca a relevância da temática envolvendo Soldados-Mercenários,
pois vemos que a ação e emprego destas tropas desde a Antiguidade
não permite que a desconsideremos nos assuntos pertinentes à guerra.
A guerra não poderia ser dissociada da cultura entre os povos
helênicos. No período Clássico, por exemplo, a visão de cidadania
estava condicionada ao agon (disputa). Havia toda uma prática social
voltada para a competitividade. Tal atributo pode ser percebido em
atividades esportivas como jogos olímpicos, festivais teatrais, o discurso
nas assembléias e postura no campo de batalha. Nas palavras de Platão,

111
Alair Figueiredo Duarte

percebemos que atividades nas quais o agon encontra-se presente havia


um ideal de cidadão-guerreiro que dentre as virtudes do seu caráter
deveria abrigar uma coragem destemida, vejamos: “Ora, daqueles que
morreram em campanha, quem cair gloriosamente, não diremos que pertencem à raça
de ouro?” (PLATÃO, República, 468 a)
Na pólis dos atenienses, a condição de cidadão-guerreiro
poderia refletir o status social do indivíduo, pois todo o armamento era
financiado pelo próprio cidadão que sob um sistema de milícia se
apresentava para lutar quando convocado. A capacidade econômica dos
cidadãos se dotarem de um armamento adequado em caso de
necessidade era um fator primordial (GARLAN In. VERNAN,
1994:57).
Os zeugitas formavam 80% da infantaria pesada helênica, os
Hoplitas (KEEGAN, 1995:260), agricultores, pequenos proprietários de
terra. Ao abordamos a pólis dos atenienses quanto à relação
envolvendo condição social e armas, fica-nos perceptível que os
cidadãos os quais não possuíam propriedades - e por isso viviam de
jornada de trabalho, como os thetai - buscavam ascender socialmente à
condição de hoplita. Tornando-se especialistas na guerra, os integrantes
deste seguimento social instituído pelas medidas políticas de Sólon,
teriam a oportunidade de conseguir recursos pecuniários para dispor de
uma armadura de combatente e com ela participar mais ativamente da
guerra (CANFORA In. VERNANT, 1994: 108-109).
Ao início do século V a.C., Atenas investiu em uma frota naval
de guerra e desta maneira surgiu a oportunidade de muitos thetai que
não possuíam recursos pecuniários para dispor de uma armadura de
hoplita ascenderem à condição de cidadãos-guerreiros tornando-se
marinheiros da pólis ateniense, considerada a detentora da maior
armada do mundo helênico (CANFORA In. VERNANT, 1994: 108-
109). Nestas condições, podemos observar como as freqüentes guerras
e conflitos no século V a.C. poderiam estar diretamente relacionados às
questões sociais e como elas permitiram a especialização dos atenienses
nos assuntos militares. Principalmente em se tratando dos cidadãos e
habitantes da pólis dos atenienses, afinal de 490 a 338 a.C., esta pólis
guerreava dois, de cada três anos (GARLAN, 1991:12).
Diante da experiência de combate adquirida, principalmente
durante a Guerra do Peloponeso, que durou vinte e sete anos, 431 a 404
a.C., aqueles que não tinham propriedades juntamente com aqueles que

112
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

as perderam viram nas guerras um ambiente propício para conseguir


recursos pecuniários. Esta relação envolvendo guerra e economia
justifica, em parte, o crescimento da prática do Mercenarismo. Tais
apreensões tomam maior pertinência quando observamos as afirmações
de Matthew Trundle de que o uso de Soldados-Mercenários neste período
foi bastante explorado e que a maioria dos mercenários gregos provinha
de pequenos proprietários de terra, Soldados-Cidadãos, camponeses das
pólis helênicas (TRUNDLE, 2004:1-3).
Esta peculiaridade contribuiu para desencadear mudanças de
ordem político-social e ações práticas por parte do Poder Político que
procurou manter o controle sobre seus cidadãos. O que pretendemos
dizer com Mudança, na especificidade do Poder Político em se utilizar de
todos os instrumentos possíveis para se perpetuar alterando-se e se
adaptando à nova ordem político-social, não se refere necessariamente
a uma mudança cronológica e histórica - embora num primeiro olhar
isto seja o mais evidente. Referimo-nos a uma mudança de estado do
próprio objeto que ao procurar uma resposta a partir dele mesmo, gera
algo novo e imprevisível.
Marcel Detienne afirma que o conceito de Mudança, encontra-
se relacionado ao passado e ao presente (DETIENNE, 2004:76-91). O
pesquisador declara que para se entender as Mudanças, ou seja, no que o
objeto de análise se tornou, muitas vezes é preciso recorrer a “uma idéia
oposta e a uma mudança proporcionada” (DETIENNE, 2004:78). Tal
premissa, dentro do debate envolvendo a guerra e a sociedade ateniense
no V século a.C., mostra-nos que o melhor meio que Soldados-Cidadãos
encontraram para desafiar a Violência Estrutural a qual eram submetidos,
foi transformarem-se em Soldados-Mercenários e adotarem valores que em
muitos aspectos divergiam das tradições as quais foram herdeiros. Em
contrapartida a estas ações, o Poder Político visando manter sua égide
utilizou-se do Poder Ideológico construindo uma imagem pejorativa da
figura do Soldado-Mercenário. E o fez comparando-o com o Soldado-
Cidadão, destacando o que era singular em cada um deles.
O discurso circulante entre as elites enaltece as qualidades do
Soldado-Cidadão e concomitantemente difama o Soldado-Mercenário. Isto
foi feito mesmo quando o Soldado-Mercenário não era o ponto
fundamental da discussão, mas sim, a natureza da coragem. Vejamos
que diz o discurso de Aristóteles:

113
Alair Figueiredo Duarte

Os soldados profissionais, mostram-se covardes


quando a tensão do perigo é muito grande e
quando são inferiores em número e em
equipamentos. E, com efeito, são os primeiros a
fugir, enquanto que as tropas de Soldados-
Cidadãos morrem em seus postos
(ARISTÓTELES, Ética a Nicômacos,1116 b).

As prerrogativas aristotélicas nos permitem apreender que de


fato houve uma construção da figura do Soldado-Mercenário. Se esta
figura trata-se de uma imagem positiva ou negativa aos receptores do
discurso, depende da tensão entre os poderes envolvidos.
Ao final deste trabalho, podemos declarar que ao fim das
guerras do século V a.C. os segmentos menos providos de recursos da
sociedade ateniense tornaram-se Soldados-Mercenários possibilitando o
Mercenarismo, não somente em razão da especialização nos assuntos
pertinentes à guerra, mas também em conseqüência da Violência
Estrutural vigente e do convívio com o outro, que era contratado para
suprir a falta de contingente militar devido ao alto índice de mortalidade
durante a Guerra do Peloponeso. As gerações que nasceram no período do
citado conflito, quando atingiram a idade adulta no final século V a.C.,
já não encontravam tanta dificuldade que seus ascendentes em se
articularem militarmente a exércitos formados por várias etnias.
A parir da análise das flutuações envolvendo relações de poder,
o Mercenarismo ao fim do período Clássico helênico apresentava-se
como parte ativa de um quadro social revolucionário e não mero
produto da turbulência social que relaciona guerra, economia e política.
O fato de existir naquela sociedade um Poder Político mutável capaz de
adaptar-se a um novo ordenamento utilizando-se do Poder Ideológico
construiu um discurso em prol da figura do Soldado-Mercenário a partir da
figura do Soldado-Cidadão. Porém, os discursos poderiam mudar em
decorrência dos interesses envolvido. Afinal, os Soldados-Mercenários no
exército de Alexandre, o Grande, recebia a denominação de xenoi-
Misthophoroi, para ser diferenciado dos não gregos (TRUNDLE,
2004:17).
Também pôde ser atestado que de fato havia um planejamento
político para empregar massas populares sem ocupação e adquiriram
114
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

habilidades militares especializadas. Dentre as propostas, encontravam-


se a fundação de colônias ou mesmo empregá-los em guerras de
conquista como fez Felipe da Macedônia seguido por seu filho
Alexandre, o Grande.
Por último, a partir das proposições apresentadas chega-se à
conclusão de que o Mercenarismo foge às esferas individuais dos desejos
humanos e habita o plano das relações políticas. Não se trata de uma
discussão sobre o bem ou mal, justo ou injusto, mas sim de relações
que envolvem o Poder em diversas esferas. Enquanto hegemonias
políticas poderiam usar o Mercenarismo para perpetuar sua égide, outras
esferas da sociedade puderam se utilizar dele para desestabilizar uma
ordem vigente – ainda que a ação tenha sido consciente. Destacamos
esta observação, em razão do fato de que Soldados-Cidadãos, ao se
tornarem Soldados-Mercenários na Hélade do período Clássico, não tinham
entre seus objetivos o intuito de desestabilizar governos e subverterem
a ordem. Soldados-Cidadãos tornaram-se Soldados-Mercenários
primeiramente em busca de melhores condições de vida e visavam
retomar à Civilidade perdida juntamente com sua cidadania própria do
Soldado-Cidadão.

115
Alair Figueiredo Duarte

GLOSSÁRIO

Agon - αɣ contenda, luta, qualquer disputa inclusive os festivais teatrais e


jogos olímpicos.
Areté - - virtude, coisa admirável no caráter do indivíduo.
Barbaros - - bruto, rude, sem civilidade; aquele que não fala a língua
e nem vive segundo os costumes helênicos.
Cleuruquia ς - assentamento de cidadãos pobres que recebiam um
pedaço de terra em território conquistado. Estes indivíduos conservavam
todos os direitos de cidadania.
Civilidade: consciência histórica que carrega tudo que as tradições
representam. (cf. Marcel Detienne. Comparar o Imcomparável. 2004).
Democracia ς - governo do demos, o demos era composto pelo
corpo de cidadãos; massas populares da pólis.
Demos - - comunidades locais que foram a base das reformas políticas
de Clistenes. O demos tratava-se do pré-requisito para possuir uma cidadania
em Atenas. Outros significados: cidadãos mais pobres; corpo de cidadãos
adultos; constituição democrática; o povo de Atenas na Ekklesia.
Drácma ς - unidade monetária que tinha como referência mínima o
óbulo; seis óbulos constituía um drácma; cem drácmas:uma mina; sessenta
minas: um talento.
Eisforái ς - Imposto sobre capital, muitas vezes recolhido quando a
cidade estava em guerra. Este imposto era cobrado principalmente por
estrangeiros residentes na pólis, os metecos.
Epikourikós - ό - companheiro, aquele que combate junto;
companheiro de combate, auxiliar.
Estratego - ό - oficial general. Em Atenas eram eleitos todo ano
diretamente pelo voto do demos, podendo ser reeleito.
Força: Violência praticada sob respaldo de uma legislação ou norma social.
(Cf. Norberto Bobbio. Teoria geral da Política. 2000).
Guerra: Conflito organizado e violento entre dois ou mais grupos políticos
com finalidade de estabelecer a ordem e firmar seu poder político contra os
demais. (Cf. Norberto Bobbio. Teoria geral da Política. 2000).
Guerra de Tróia: conflito de dez anos entre gregos e troianos, o conflito teria
ocorrido, segundo os poemas épicos de Homero, em aproximadamente entre
1200 a.C.
Guerras Greco-Pérsicas: Guerra entre helenos e povos persas ao início do
século V, 490-479 a.C.
Guerra do Peloponeso: Conflito entre helenos envolvendo a pólis dos
atenienses e a pólis dos espartanos em uma guerra pela liderança política na
Hélade que durou vinte e sete anos, 431-404 a.C.
116
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

Hélade -  - (hellás): palavra que designava todo o mundo grego e não


uma única cidade, incluindo-se no termo o fator de identidade cultural.
Hippieis ς - segmento censitário formado por cidadãos com renda
anual estimada em no mínimo quinhentos médimnoi.
Hoplita - ὁ - soldado que integrava uma milícia cidadã e combatia
munido de escudo circular, lança medindo 2,5 m; couraça, grevas e elmo de
bronze. Em conjunto formavam a Falange Hoplita, corpo de infantaria pesada
que combatia de maneira organizada e em fileiras de homens perfilados.
Isegoria - - mesmo direito a palavra.
Isonomia - - igualdade perante as leis.
Liturgia - - imposto pago aos cidadãos mais ricos de Atenas para
financiamento de peças teatrais e despesas de funcionamento e manutenção de
uma trirreme.
Liga de Delos: Confederação de póleis sob a liderança de Atenas com a
finalidade de garantir a segurança da Hélade contra as invasões dos persas. Os
membros desta coalizão de póleis pagavam tributos a Atenas em navios ou em
dinheiro.
Liga do Peloponeso: Confederação de póleis sob o comando de Esparta
visando garantir a segurança dos helenos contra o domínio estrangeiro. Com a
criação da Liga de Delos comandada pelos atenienses criou-se uma
bipolaridade de poder na Hélade, onde Esparta dominava como potência
terrestre e Atenas como potência naval.
Linguagem: Conceito capaz de produzir interpretações de Civilidade. (Cf.

 - medida ática para medida de grãos, aproximadamente


Detienne Marcel. Comparar o Imcomparável. 2000).
Médimnos -
54 litros.
Mercenarismo: fenômeno onde problemas políticos, econômicos e agrários
se relacionam diretamente com questões militares. O Mercenarismo sobrevive
das crises e turbulências políticas e paira além das vontades pessoais, pois ele é
necessário em determinado quadro social. Quem o pratica, assim como quem

 - emigrante, cohabitante, estrangeiro residente, não-


o promove, são seus instrumentos passivos.
Meteco -
cidadão que habitasse amais de um mês a pólis. Os metecos estavam sujeitos
ao serviço militar e aos impostos especiais, porém proibidos de possuírem
grandes (muitas propriedades) agrárias.
Misthos - ό - salário, ordenado, estipêndio, soldo, aluguel, honorário.
Misthóphoros - ό -soldado-mercenário, aquele que vende seus
serviços de especialista nas armas.
Óbulo: ver drácma.
Oikós: casa, lar, inclui-se neste conceito as propriedades e os escravos.

117
Alair Figueiredo Duarte

Ostracismo ς ό ό - banimento do cidadão ateniense pela assembléia


pelo período de dez anos sem retirar os seus direitos de propriedade.
Peã ς
 - soldado da Infantaria Ligeira, combatiam com um
- canto de batalha.
Peltastas -
escudo feito de vime e coberto com couro (pelte). Antes e durante o século V
a.C. tinha como principal função fustigar o inimigo, no século IV, tornou-se
uma importante força de combate.
Pentakosiomédmnoi ς - segmento social formado por
pessoas com rendimentos anual superior a quinhentos médmnoi de cereais.
Era o segmento com maior recurso financeiro, seguido por: Hippieis (300-500
médimnoi); Zeugitas (200-300 médimnoi); Thetai (menos de 200 médimnoi).
Philia - Φ - amizade; companheirismo, fé jurada.
Pireu: porto de Atenas.
Poder: capacidade de um sujeito influenciar, condicionar e determinar o
comportamento de outro sujeito. (Cf. Norberto Bobbio. Teoria Geral da Política.
2000).
Poder Constituinte: capacidade de sublevação contra o Poder Político. O
Poder Constituinte não deseja se tornar o Poder Político. (Cf. Antônio Negri.
O Poder Constituinte: ensaio sobre as alternativas da modernidade. 2002)
Poder Político: Poder que o Estado detém sobre seus cidadãos e suas
instituições. (Cf. Norberto Bobbio. Teoria Geral da Política. 2000).
Poder Político Legítimo: o Poder Político nas mãos dos cidadãos sem

 - Cidade-Estado auto-independente do mundo helênico. Todas


intermediações e representtatividade.
Pólis -
as poleis tinham sua própria constituição, seus critérios de cidadania e seus
modelos e sistemas de cunhagem.
Política: O termo que deriva do sentido aristotélico de vida em comunidade e
bem comum. Porém, também possui estreita relação com o conceito de Poder.
Geralmente se usa o conceito de Política para designar a esfera das ações que
tem alguma referência à conquista e ao exercício de um poder soberano numa
comunidade. (Cf. Norberto Bobbio. Teoria Geral da Política. 2000).
Thetes: cidadãos do ultimo segmento cesitário que recebiam menos de 200
médimnoi por ano.
Timé ς - honra valor.
Tranitai ς - remadores que remavam no nível mais alto da trirreme e,
portanto, tinham que puxar os remos mais altos com ângulos mais agudos. Os

 - comandante de uma trirreme, cidadão abastado


tranitais ganhavam mais que os remadores das fileiras abaixo.
Trierarca -
escolhido para financiar a construção e manutenção desta nau de guerra.
Trirreme: embarcação de guerra com propulsão a remo de 170 remadores
divididos em três fileiras sobrepostas. A trirreme era armada com um aríete de
ferro ou bronze na ponta.
118
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

Violência: infração as leis ou convenções estabelecidas, ato de violência física


praticado por quem não está autorizado por um sistema legislativo ou
normativo. (Cf. Norberto Bobbio. Teoria Geral da Política. 2000).
Violência Estrutural: Violência praticada pelas instituições do estado para
controlar e manter a ordem sobre seus cidadãos. Estão incluídas na Violência
Estrutural, as relações entre poderosos e não poderoso, ricos e pobres. (Cf.

 - estrangeiro, amigo, hóspede, alguém que através dos laços de


Norberto Bobbio. Teoria Geral da Política. 2000).
Xénos -
amizade decorrem direitos e deveres recíprocos.
Zeugita ς - indivíduos do terceiro segmento censitário ateniense que
recebiam até 300 médmnoi e eram donos de uma pequena propriedade.

119
Alair Figueiredo Duarte

120
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

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126
Guerra e Mercenarismo na Atenas Clássica

AGRADECIMENTOS

Ao término da presente dissertação, não há como descrever a


satisfação e o sentimento de dever cumprido. A reflexão quanto às
dificuldades e obstáculos são elementos que depois de transpassados
podem ser interpretados como necessários; e quanto maior foi seu grau
de dificuldade, fazem aumentar nosso júbilo por vencê-los e mais
agradável os “sabores” da conquista.
São tantas pessoas e instituições que deveríamos prestar
agradecimentos que tememos cometer injustiças. A todos que de
maneira direta ou indireta contribuíram para a realização desta obra,
meus eternos agradecimentos. No entanto, seria ingrato de minha parte
deixar de citar determinadas pessoas.
À Vanessa, declaro a felicidade de estar ao seu lado e agradeço
a paciência pelas horas de ausência em que minha dedicação estava
voltada aos livros.
À Universidade Federal do Rio de Janeiro e aos docentes do
Programa de Pós-Graduação em História Comparada, agradeço pela
seriedade do trabalho e pelos ensinamentos ministrados.
À Minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Maria Regina Candido, mestra
e amiga. Com seriedade ao ministrar seus ensinamentos e orientações,
de maneira gentil e hábil, consegue unir a Academia ao saber popular
quando descontraidamente afirma: τSe a caneta é pesada, é porque a enxada
é leve!υ. Sábias palavras; posso atestar a veracidade desta sentença! Eu,
que pelas experiências vividas sempre estive habituado a suportar as
intempéries do tempo, pude realmente atestar que a caneta, por vezes,
pode ser mais “pesada” que mochilas e equipagens militares.
Ao Núcleo de Estudos da Antiguidade da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (NEA/UERJ), meus agradecimentos por
tudo que esta amada instituição fez por mim e ao seu conceituado
corpo de pesquisadores, meus campanhas de jornada em pesquisa de
sociedades antigas
Ao Prof. Dr. André Leonardo Chevitarese, agradeço as
observações e apontamentos durante a pesquisa, as quais contribuíram
para amadurecer minhas idéias e buscar caminhos adequados para
chegarmos com maior segurança às hipóteses.

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Alair Figueiredo Duarte

Aos Professores Doutores Maria do Carmo Parente e


Alexandre Carneiro pelos livros da própria biblioteca que foram
cedidos em empréstimo. Também gostaria de agradecer ao corpo
administrativo da secretaria do Programa de Pós-Graduação em
Historia Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(PPGHC/UFRJ).
Aos Professores Doutores Cláudio Umpierre Carlan e Pedro
Paulo Funari, meus agradecimentos pelas colaborações as indicações
bibliográficas.
Ao Prof. Dr. Mattew Trundle e Prof. Ms. Henrique Modanez
Sant‟Anna pelas observações que foram bastante pertinentes à minha
pesquisa.
Meus familiares e amigos que pacientemente suportaram meu
humor ácido nos momentos de angústia e luta contra o tempo durante
a execução da redação deste trabalho.
A todos, inclusive os que por ventura não tenha mencionado,
meus sinceros agradecimentos!

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