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Centro Universitário Ibero-Americano

Heder Osny de Souza Honorio

A Tradução Intersemiótica em V de Vingança

São Paulo

2007
Centro Universitário Ibero-Americano

Heder Osny de Souza Honorio

A Tradução Intersemiótica em V de Vingança

Trabalho acadêmico apresentado ao Curso de Graduação em


Letras, Tradutores e Intérpretes do UNIBERO – Centro
Universitário Ibero-Americano, para aprovação em disciplina.
Orientador: Prof. Adauri Brezolin.

São Paulo
2007
Heder Osny de Souza Honorio

A Tradução Intersemiótica em V de Vingança

Trabalho de Conclusão de Curso

UNIBERO

Letras, Tradutores e Intérpretes (Inglês)

Data de aprovação:

Membros da Banca:

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________
RESUMO

O propósito deste trabalho é apresentar e discutir as estratégias utilizadas na tradução

intersemiótica dos quadrinhos V de Vingança (Alan Moore e David Lloyd, Panini Comics,

2006) para o cinema, com o filme homônimo (dirigido por James McTeigue, Roteiro de Andy

e Larry Wachowski, Warner Bros. Pictures, 2006). O procedimento adotado para a análise

inclui verificar os elementos mantidos, excluídos e adaptados, tomando por base teóricos

como Julio Plaza, Scott McCloud e Roman Jakobson,e as declarações dos próprios

responsáveis pela transformação. Os resultados indicam que houve uma preocupação da parte

dos roteiristas em construir um enredo consistente com o original e internamente coeso, de

forma a apresentar a uma nova audiência a mensagem apresentada pelos autores originais nos

anos 80.

Palavras-chave: V de Vingança, tradução intersemiótica, quadrinhos, cinema

ABSTRACT

This paper aims to present and discuss the strategies used in the intersemiotic

translation of the work V for Vendetta (Alan Moore e David Lloyd, Panini Comics, 2006)

from the comics to the cinema with the eponymous movie (directed by James McTeigue, with

screenplay by Andy and Larry Wachowski, Warner Bros. Pictures, 2006).The procedure

adopted for the analysis included the verification of the elements that were kept, excluded or

adapted, grounded in the works of theorists as Julio Plaza, Scott McCloud and Roman

Jakobson, as well as the statements of the people responsible for the transformation. The

results point out to a concern, by the screenplayers, in building a plot that was consistent with

the original and presented internal cohesion, in order to present to a new audience the

message presented by the original authors in the 80's.

Key words: V for Vendetta, intersemiotic translation, comics, cinema


5

INTRODUÇÃO.............................................................................................12
1.Transportando histórias entre diferentes veículos.......................................15

1.1.As linguagens...........................................................................................15

2.Mecanismos da transmutação.....................................................................18

2.1.Personagens..............................................................................................18

2.1.1.Mantidas................................................................................................18

2.1.2.Suprimidas.............................................................................................27

2.2.Ambientação.............................................................................................28

3.Análise das Cenas........................................................................................31

3.1.Mantidas...................................................................................................31

3.2.Adaptadas.................................................................................................31

3.3.Excluídas..................................................................................................32

3.4.Adicionadas..............................................................................................33

CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................35

REFERÊNCIAS.............................................................................................36
6

INTRODUÇÃO

A transformação de um texto de determinado meio para outro diferente recebe o nome

de Tradução Intersemiótica, termo conhecido principalmente devido ao ensaio de Roman

Jakobson, Aspectos Lingüísticos da Tradução, em que o lingüista russo descreve os três tipos

de tradução como interlingual, intralingual e intersemiótica.

Mais especificamente, os filmes que são Traduções Intersemióticas(TI) de Histórias

em Quadrinhos(HQ) apresentam resultados cada vez mais positivos, tanto em termos de

sucesso financeiro, quanto em relação ao sucesso na reconstrução da obra original em uma

diferente mídia, como vemos neste trecho de uma matéria do jornalista e quadrinista Claudio

Yuge para o site paranaense Bonde:

“Talvez porque os roteiros da linguagem irmã do cinema sejam fáceis de adaptar, os

personagens sejam carismáticos e a tecnologia hoje proporcione o tratamento ideal

para filmes como esses. A todo momento surgem novidades sobre versões de

revistas de heróis consagrados e, apesar de algumas mancadas, a indústria tem

atiçado a curiosidade dos fãs .”1

Por outro lado, porém, os leitores de quadrinhos costumam reagir de forma negativa a

respeito de tais traduções e, em certas situações, os próprios autores da obra original recusam-

se a ter seus nomes associados à obra cinematográfica, como é o caso do próprio Alan Moore,

que, além do V de Vingança(V for Vendetta no original) aqui analisado, teve suas obras As

Aventuras da Liga Extraordinária(The League of the Extraordinary Gentlemen) e Do

Inferno(From Hell) traduzidas para cinema, e sempre se posicionou de forma contrária a tais

traduções, como fica claro neste trecho de uma entrevista:

1
YUGE, Cláudio, Cinema vive ''boom'' de adaptações de quadrinhos,
http://www.bonde.com.br/colunistas/colunistasd.php?id_artigo=1388, acesso em 09/07/07
7

“I've read the screenplay, so I know exactly what they're doing with it, and I'm not

going to be going to see it. When I wrote "V," politics were taking a serious turn for

the worse over here. We'd had [Conservative Party Prime Minister] Margaret

Thatcher in for two or three years, we'd had anti-Thatcher riots, we'd got the

National Front and the right wing making serious advances. "V for Vendetta" was

specifically about things like fascism and anarchy.(...) It's a thwarted and frustrated

and perhaps largely impotent American liberal fantasy of someone with American

liberal values [standing up] against a state run by neo-conservatives — which is not

what "V for Vendetta" was about. It was about fascism, it was about anarchy, it was

about [England](...)”2

Essa posição do autor é influenciada pela chamada visão “tradicional” da tradução,

segundo a qual “o tradutor traduz, isto é, transporta a carga de significados, mas não deve

interferir nela, não deve 'interpretá-la'”3. Amplamente criticada por Arrojo, por exemplo, essa

visão é questionada por teorias mais contestadoras da tradução, que a definem como

produtora de significados4 e colocam em xeque a noção de fidelidade a um original absoluto,

propondo, em vez disso, que a tradução deverá “ser fiel não ao texto 'original', mas àquilo que

consideramos ser o texto original, àquilo que consideramos constituí-lo, ou seja, à nossa

interpretação do texto de partida.5”, bem como à nossa própria noção de tradução e ao

propósito da tradução.

O conceito é expandido por Júlio Plaza, ao explicar que: “É evidente que tudo parece

2
MOORE, Alan, MTV.com, Alan Moore: The Last Angry Man,
http://www.mtv.com/shared/movies/interviews/m/moore_alan_060315/, acesso em 28/05/07.
“Eu li o roteiro, então eu sei exatamente o que eles vão fazer, e não pretendo assistir ao filme. Quando eu escrevi
"V," a política estava mudando para bem pior por estes lados. Nós tivemos a Margaret Thatcher(Primeira Ministra do Partido
Conservador) por cerca de dois ou três anos, tivemos os tumultos anti-Thatcher, tivemos a Frente Nacional e a extrema direita
alcançando progressos importantes. "V de Vingança" era especificamente sobre assuntos como fascismo e anarquia.(...) O
filme é uma fantasia americana liberalista distorcida, frustrada e talvez impotente feita por uma pessoa com valores
americanos desafiando um estado dominado por neo-conservadores, e isso não tem nada a ver com “V de Vingança”, que era
sobre fascismo, anarquia e a Inglaterra(...). ”(Nossa tradução)
3
ARROJO, Rosemary. Oficina de tradução – A teoria na prática. São Paulo, Editora Ática, 2003, p.13
4
Idem, p.24
5
Idem, p.44
8

traduzível, mas não é tudo que se traduz. Traduz-se aquilo que em nós suscita empatia e

simpatia como primeira qualidade de sentimento(...)”6.

Tendo isso em mente, neste trabalho buscaremos retratar a forma como foi executado

o processo tradutório na obra V de Vingança e os elementos transmutados durante esse

processo.

Para esse fim, no primeiro capítulo de nossa análise teremos uma reflexão,

fundamentada nas teorias de Roman Jakobson e Julio Plaza, a respeito do conceito de

tradução intersemiótica. No capítulo seguinte, discutiremos as formas pelas quais foi efetuada

a transmutação dos quadrinhos em obra cinematográfica, e para esse fim, abordaremos o

tratamento dado aos personagens e à ambientação. Em seguida, no capítulo 3, abordaremos as

cenas incluídas, excluídas, mantidas e adaptadas, e analisaremos a sua relação com a forma e

o conteúdo originais da obra. Por fim, nas Considerações Finais, apresentaremos as

conclusões a que nossa análise nos conduziu.

6
PLAZA, JULIO, Tradução Intersemiótica, São Paulo, Perspectiva, 1987, pp.33-34
9

1.Transportando histórias entre diferentes veículos

Júlio Plaza (1987), em seu livro Tradução Intersemiótica, apresenta três diferentes

formas que a Tradução Intersemiótica pode assumir, de acordo com a espécie dominante de

signos utilizada. Os signos, por sua vez, são divididos “conforme a sua natureza própria,

quanto a sua relação com seu objeto e quanto a sua relação com seus interpretantes” 7. As

espécies de signos são: os ícones, que apresentam semelhanças entre suas qualidades, seu

objeto e seu significado; os índices, que operam pela sua relação real com o seu Objeto

Dinâmico, e os símbolos, para serem interpretados, operam com referência à uma convenção

ou hábito.

As três espécies de signos desdobram-se, respectivamente, nos seguintes tipos de

tradução intersemiótica:

a) Tradução Icônica:

Caracteriza-se por abordar a semelhança de estruturas entre o original e o traduzido. O autor

aprofunda a descrição ao dividi-la em tradução icônica isomórfica e paramórfica, que são

aquelas que embora apresentem uma leitura equivalente ou semelhante ao original, o façam

por meio de estruturas iguais ou diferentes, respectivamente.

b) Tradução Indicial:

Esta segunda forma de tradução intersemiótica é caracterizada por apresentar uma relação de

continuidade com o original. Para este tipo de tradução, Plaza também estabelece duas

modalidades distintas: A tradução topológica-homeomórfica, que apresenta uma

correspondência ponto a ponto com relação ao original, ou como o próprio autor explica:

“a todo ponto de uma figura corresponde um ponto e somente um da outra, e a dois

pontos vizinhos de uma correspondem dois pontos vizinhos de outra. Assim, os dois

conjuntos são equivalentes topologicamente, conseguindo, com isto, continuidade na

7
PLAZA, JULIO, Tradução Intersemiótica, São Paulo, Perspectiva, 1987, p.21
10

passagem biunívoca de um conjunto para outro e vice-versa.”8

e a tradução topológica-metonímica, que explora

“a noção de homeomorfismo parcial, de caráter metonímico(pars pro toto), como

forma de estabelecer a continuidade entre original e tradução. Pelo deslocamento de

metonímias (partes do original) e sua localização no novo contexto sígnico, tem-se o

“deslizamento de significantes”. Estes procuram a conexão sintagmática que alude à

relação de contigüidade, pois a relação da metonímia dá-se por contigüidade

produzindo um efeito de sentido. Os elementos deslocados podem, assim, ser

“orientados” espacialmente e contextualmente, procurando novas organizações e

cristalizações.”9

c) Tradução simbólica

Por fim, o terceiro tipo descrito por Plaza é a tradução simbólica, que opera por meio

da convenção usada para a sua interpretação. Plaza define seu funcionamento da seguinte

forma: “Ao tornar dominante a referência simbólica eludem-se os caracteres do Objeto

Imediato, essência do original. A tradução simbólica define a priori significados lógicos, mais

abstratos e intelectuais do que sensíveis”10

Portanto, a escolha por uma das formas define se a tradução irá operar,

respectivamente, através de similaridades de estruturas, continuidade entre original e

tradução, ou pela aproximação de símbolos. No filme analisado no presente trabalho,

podemos perceber que, em vez de optar por uma única forma dominante de tradução, os

diretores fazem um constante intercâmbio entre as três. Assim, cenas como o reencontro de V.

com a Dra. Delia Surridge podem ser qualificadas como Tradução Indicial, enquanto o

segmento em que Evey é abordada à noite por agentes do governo apresenta características de
8
Idem, p.92
9
Idem, p.92
10
Idem, p.93
11

Tradução Icônica, e a mudança da caracterização de personagens como Lewis Prothero, Peter

Creedy e Gordon Dietrich pode ser definida como uma Tradução Simbólica.

1.1.As linguagens

Ao analisar a tradução de uma obra dos quadrinhos para o cinema, é interessante

tomar nota de algumas das características de cada um destes meios. Em comum, ambas as

obras apresentam o fato de serem sincréticas: no caso dos quadrinhos, trata-se de uma

combinação de texto lingüístico com texto pictórico, como podemos ver na definição

defendida por Scott McCloud, em sua obra Desvendando os Quadrinhos, que os classifica

como “Imagens pictóricas e outras justapostas em seqüência deliberada” 11. O autor propõe,

ainda, uma comparação entre os quadrinhos e o cinema ao afirmar que:

“A animação é seqüencial em tempo, mas não especialmente justaposta como nos

quadrinhos. Cada quadro de um filme é projetado no mesmo espaço – a tela –

enquanto nos quadrinhos, eles ocupam espaços diferentes. O espaço é para os

quadrinhos o que o tempo é para o filme”12.

McCloud ainda prossegue na comparação ao afirmar que “(...)você pode dizer que,

antes de ser projetado, o filme é apenas um gibi muito, muito, muito lento”13.

Cabe lembrar aqui, que apesar dessas semelhanças, o cinema é uma forma

fundamentalmente diferente dos quadrinhos, pois trata-se de um texto audiovisual, ou seja, o

sincretismo que existe é entre os elementos sonoros (falas, efeitos sonoros, música incidental)

e o componente visual (tomadas, planos de enquadramento, iluminação).

Roman Jakobson (1974) afirma que:

11
McCLOUD, SCOTT, Desvendando os Quadrinhos, São Paulo, M. Books, 2005,p.9
12
Idem, p.7
13
Idem, p.8
12

“O cinema trabalha com fragmentos de temas e com fragmentos de espaço e de


tempo de diferentes grandezas, muda-lhes as proporções e entrelaça-os segundo a

contigüidade ou segundo a similaridade e o contraste, isto é: segue o caminho da

metonímia ou o da metáfora (os dois tipos fundamentais de estrutura

cinematográfica).”

Cabe esclarecer aqui os sentidos de metonímia e metáfora. Massaud Móises define a

metonímia como a figura de linguagem que:

“(...)consiste no emprego de um vocábulo por outro, com o qual estabelece uma

constante e lógica relação de contigüidade qualitativa.(...)De acordo com a variação

do relacionamento entre os termos, a metonímia pode resultar do efeito pela causa, o

continente pelo contido, o possuidor pela coisa possuída, o autor pela obra, o

inventor pelo invento, o concreto pelo abstrato, o lugar de procedênca pelo do objeto

que dali procede, o significante pelo significado, etc”14

O mesmo autor define metáfora, na mesma obra, da seguinte forma, após um longo

ensaio sobre o conceito: “O processo, ou a forma, da metáfora consiste no mecanismo de

aproximação de seus termos(...). Quanto ao resultado, constitui a transformação de sentido

determinada pelo encontro dos dois termos.”15

Tendo em mente essas características que em determinados momentos aproximam ou

distanciam as duas formas de comunicação, no próximo capítulo discutiremos alguns dos

aspectos da obra V de Vingança presentes nos quadrinhos e a forma como foram tratados em

sua tradução para o filme de mesmo nome.

14
MOISÉS, Massaud, Dicionário de Termos Literários, São Paulo, Cultrix, 2004, p.291
15
Idem, p.286
13

2.Mecanismos da transmutação.

Segue uma exposição da transmutação executada por Andy e Larry Wachowski sobre

a obra de Alan Moore e David Lloyd , com o uso de uma abordagem comparativa entre os

personagens e a ambientação(envolvendo tempo, local e clima da história) nas duas formas da

obra.

2.1.Personagens

Dividiremos esta seção da análise entre personagens mantidas e suprimidas. Cabe uma

breve nota sobre a personagem Valerie Page: uma vez que no início da narrativa (tanto nos

quadrinhos quanto no cinema) ela já está morta, achamos prudente, para os fins desta análise,

considerá-la como um elemento da ambientação, que será discutida mais adiante.

2.1.1.Mantidas

Adam Susan/Adam Sutler

Na obra de Alan Moore, o nome do líder é Adam Susan, e ele fala bastante de si

mesmo. Ele apresenta sinais de megalomania, como podemos ver no capítulo cinco do tomo I,

quando ele descreve a si mesmo como “Líder dos perdidos. Governante das ruínas.” 16, bem

como no capítulo 7 do tomo III, quando ele expressa a si mesmo sua sensação de solidão

perante a multidão de seus governados: “Só eu estou aqui, não? Desde pequeno, sei que

ninguém mais é real”17.

Além disso, Susan apresenta, no começo da história, uma aparência dominadora que

aos poucos se dissolve, culminando com a descoberta que o super-computador Destino (que

Susan via, ao mesmo tempo, como uma manifestação de Deus e como uma amante fiel) foi
16
MOORE, Alan e LLOYD, David, V de Vingança, Panini Comics, São Paulo, 2006, p.39
17
Idem, p.234
14

invadido por V, resultando na aceleração de sua desestabilização mental e emocional.

Já o chanceler Adam Sutler, dos irmãos Wachowski, apresenta a característica

dominadora de Susan de uma forma intensificada, mantendo sua sanidade mental estável no

decorrer da narrativa, somente cedendo a um surto de desespero quando Peter Creedy o

captura e leva para ser executado na presença de V.

A caracterização do personagem no filme apresenta características da tradução

simbólica, uma vez que retém apenas aquilo que há de mais abstrato no personagem (Uma

figura de poder inflexível que coordena os esforços das diversas áreas dentro de sua

organização), mas não aborda em detalhe os caracteres de sua personalidade, como a já

mencionada relação com o computador Destino. De fato, é digno de nota o fato de que no

filme os membros da “cabeça” efetivamente não o encontrem pessoalmente, e têm sua

comunicação restrita a um sistema de videoconferência, afastando, assim, ainda mais os

caracteres de personalidade de Sutler em relação a Susan; o modo de operações de Susan é

conduzir conversas individuais com os seus comandados dentro de seu próprio gabinete, o

que lhes dá a oportunidade de reconhecer suas características humanas, ou ocasionalmente,

sem sair do mesmo gabinete, acessa as câmeras do local onde eles estão para receber

informações atualizadas em tempo real. Sutler por sua vez, reúne o seu pessoal em uma sala

de reuniões com um telão onde aparece sua imagem e vocifera, de maneira impessoal, com o

grupo como um todo. De forma geral, vemos que Susan, nos quadrinhos, é um líder de

governo fascista, enquanto Sutler, no cinema, aproxima-se mais da figura de um presidente de

corporação. Considerando esses fatos, juntamente com a declaração de Moore já citada no

início deste trabalho sobre sua obra tratar de fascismo e o filme efetivamente lidar com a

questão dos neo-conservadores), chegamos à associação feita por Plaza, de que “a tradução

simbólica define a priori significados lógicos, mais abstratos e intelectuais do que

sensíveis”18, como é o caso aqui, em que menos ênfase é dada ao fato do líder da Nórdica
18
PLAZA, JULIO, Tradução Intersemiótica, São Paulo, Perspectiva, 1987, p.93
15

Chama ser líder de um governo fascista do que ao fato dele ser uma figura de poder, de forma

ligeiramente mais abstrata.

Conrad Heyer

Na obra em quadrinhos, Conrad Heyer, chefe do “Olho” (o departamento responsável

pelas câmeras de segurança espalhadas por Londres) é um marido submisso à sua esposa, que

manipula um caminho de intrigas e traições para que Conrad chegue ao poder e

conseqüentemente ela torne-se a mulher por trás do poder.

Uma vez que o roteiro do cinema não se interessou em reproduzir as intrincadas

tramas secundárias de intriga política da HQ, a presença de Conrad Heyer no filme tem uma

importância altamente diluída. Ele é apenas o responsável pelo “Olho”, mas não se envolve

profundamente na trama, nem temos a oportunidade de observar maiores detalhes a respeito

de suas características principais.

Considerando tudo isso, podemos enquadrar a caracterização de Conrad como um caso

de tradução indicial do tipo topológica-metonímica, uma vez que ao fazer um recorte de um

único aspecto do personagem (o responsável pelo “Olho”, simplesmente, e nada mais) e

inserí-lo em um roteiro que não dá margem às outras características de sua personalidade

(como a subserviência à sua esposa, por exemplo; de fato, o filme nem sequer menciona se

Conrad é casado), os diretores estão executando o processo ao qual Plaza se refere com as

seguintes palavras: “Pelo deslocamento de metonímias (partes do original) e sua localização

no novo contexto sígnico, tem-se o “deslizamento de significantes”19.

Delia Surridge

A Dra. Delia Surridge é um dos personagens que tem uma participação virtualmente

idêntica nos quadrinhos e no filme. Ela é uma legista que trabalha na Scotland Yard, e que no
19
Idem, p.92
16

passado trabalhou no campo de Larkhill desenvolvendo novas armas biológicas. Ela mostra-

se arrependida pelo seu passado, e quando é visitada por V, que irá matá-la, mostra-se

aliviada por não ter mais que suportar o peso daquelas memórias.

É interessante notar uma diferença importante na forma de pensamento das duas

versões da personagem; na HQ, a médica tem uma visão pessimista de si própria e da

humanidade: “Acho que eu também gostei do que fiz naquela época. As pessoas são

diabólicas. Há algo errado conosco. Uma falha hedionda. Nós merecemos a forca. Merecemos

muito.”20 Já no filme, a Dra. Surridge é mostrada como uma ferramenta nas mãos do sistema:

“Eu não sabia o que eles iam fazer. Eu juro.”21

O fato de tratar-se de duas diferentes versões da personagem que apresentarem reações

superficialmente semelhantes (sentimento de culpa, necessidade de expiação e alívio pela

morte) que em um nível mais profundo são sensivelmente diferentes (como já foi dito, nos

quadrinhos Delia tem uma visão negativa sobre a humanidade de forma geral, e no filme ela

age apenas como uma ferramenta do poder) a um mesmo fato (terem conduzido experimentos

em seres humanos no campo de Larkhill) faz com que classifiquemos a caracterização da

personagem como uma tradução icônica isomórfica, que ocorre “quando substâncias

diferentes cristalizam-se no mesmo sistema, com a mesma disposição e orientação de átomos

e moléculas”22. Ou seja, dois personagens que encaravam de forma distinta as suas atividades

no campo de Larkhill cristalizam-se em uma mesma interpretação de Delia Surridge no

presente, abalada por remorsos pelo que ocorreu no campo, ansiando o perdão da parte de V,

e por fim, em paz para morrer como uma forma de retribuição.

Dominic

Dominic (cujo sobrenome não é mencionado) é o assistente de Eric Finch, que na HQ

20
MOORE, Alan e LLOYD, David, V de Vingança, Panini Comics, São Paulo, 2006, p.74
21
McTEIGUE, JAMES, V de Vingança, São Paulo, Warner Bros Video, 2006
22
PLAZA, JULIO, Tradução Intersemiótica, São Paulo, Perspectiva, 1987, p.90
17

é o primeiro a desvendar a conexão de V com o campo de Larkhill.

Já no filme, Dominic é um personagem de importância reduzida, um caso semelhante

ao de Conrad Heyer, e assim como ocorre com Heyer, pode-se considerar Dominic também

como apenas um recorte de um aspecto do personagem como é apresentado nos quadrinhos (o

recorte, neste caso, é do fato dele ser o assistente de Eric Finch, simplesmente), e como tal,

uma tradução indicial do tipo isomórfica-metonímica.

Eric Finch

O detetive Eric Finch, chefe do “Nariz” (o departamento de investigações da

“Cabeça”) é uma das personagens principais da HQ (uma das três a experimentar um

momento de “iluminação”). Ele não tem entusiasmo pelo governo fascista da Nórdica Chama,

apenas é uma pessoa naturalmente ligada à noção de ordem, como podemos ver nesta

declaração no capítulo 3 do tomo I: “Pessolmente, eu não me preocupo com essa coisa de

`Nova Ordem´. Meu trabalho é apenas ajudar a Inglaterra a sair deste buraco”23.

Na HQ, Finch passa por uma profunda transformação após ser afastado do “nariz” por

causa de uma briga com Peter Creedy.

Durante esse período de suspensão, o detetive decide experimentar uma dose de LSD

para, atavés das alucinações provocadas, alcançar uma percepção da realidade comparável

com a de V. Ao alcançar tal percepção, percebe que a causa de seu descontentamento com a

vida é resultado de ele permitir-se ser usado como uma ferramenta em mãos alheias.

Já no filme, Finch segue o estilo de detetive clássico em filmes policiais, não

apresentando de forma clara o seu descontentamento com o governo, e não chega a realizar a

sua experiência alucinógena e muito menos a encontrar V.

A solução de tradução usada para este personagem foi a de uma tradução simbólica,

empregando a imagem abstrata de uma pessoa que faz parte do sistema e persegue o agitador
23
MOORE, Alan e LLOYD, David, V de Vingança, Panini Comics, São Paulo, 2006, p.32
18

da ordem que ameaça esse sistema, embora não esteja necessariamente contente com o

sistema da forma que é.

Evey Hammond

Tanto nos quadrinhos quanto no filme, Evey Hammond é a personagem que dá início

à narrativa. Nos quadrinhos, ela é uma jovem de dezesseis anos que está saindo para a sua

primeira noite de trabalho quando é abordada por agentes do “dedo” (a polícia repressora do

governo) que a atacam. Ela é resgatada por V, que a leva para seu esconderijo, a Galeria das

Sombras. No decorrer da história, V começa a ensinar-lhe sobre as formas de cultura que

foram erradicadas quando a Nórdica Chama assumiu o poder. Evey, apesar de sua

personalidade frágil, decide aliar-se a V em sua vingança, mas logo percebe que não tem a

dureza necessária para lidar com assassinatos.

A personalidade de Evey é modificada após V aprisioná-la em uma cela semelhante à

que ele mesmo ocupou em Larkhill, onde ela descobre um bilhete de despedida escrito por

Valerie Page, uma prisioneira que já estava morta. Ao ler aquelas linhas sobre quem ela foi

antes de ser aprisionada, como foi sua vida antes dos fascistas tomarem o poder, Evey

desenvolve uma força de personalidade que ela não sabia existir. Quando ela é levada para a

sala de interrogatório e lhe oferecem a oportunidade de assinar uma confissão falsa ou de ser

fuzilada, ela recusa-se a mentir para si mesma, percebendo que sua integridade é mais

importante que sua vida. Ao perceber isso, o guarda que a leva de volta à cela, lhe diz que ela

está livre.

Ao descobrir que o seu aprisionamento foi uma farsa, Evey passa por um conflito

emocional que desencadeia um ataque de asma durante o qual ela quase morre, mas ao

reencontrar a mesma paz de espírito que encontrou quando foi ameaçada de morte, ela supera

a crise e tem uma iluminação, semelhante à de V e de Eric Finch.


19

Ao fim da narrativa, quando V morre, ela compreende que cabe a ela assumir para si

sua máscara e o seu manto e levar adiante sua obra inacabada.

Como podemos ver, o papel de Evey na HQ é essencial, e o mesmo ocorre no filme,

com as diferenças de que aqui Evey não é uma jovem prostituta, mas uma funcionária da TV

estatal, e só é levada por V para o seu esconderijo após o seu ataque à torre Jordan. De fato, o

diretor do filme, James McTeigue, diz no documentário Liberdade! Sempre!:

“Havia algumas coisas que nós queríamos abordar. Uma delas era a personagem

Evey, que nos quadrinhos era uma garota de cabelos louros meio insignificante.

Achamos melhor fazê-la um pouco mais inteligente, uma pessoa com mais

esperteza, não apenas um joguete de V.24”

No filme, ela apresenta uma personalidade mais forte que nos quadrinhos, como

podemos ver na cena da invasão à torre Jordan, em que Evey ataca um policial que tenta deter

V.

Por fim, nesta versão Evey não toma sobre si o manto de V. Em vez disso, temos a

possível interpretação de que cada membro da população deve, em algum sentido, ser V,

como veremos mais adiante.

Considerando as diferenças expostas, podemos ver que as duas versões da personagem

essencialmente agem de formas diferentes a situações semelhantes, caracterizando um caso de

tradução icônica paramórfica, na qual, segundo Plaza temos “o segundo modelo (a tradução)

similar ou equivalente ao primeiro, porém, com estrutura diferente e equivalente.” 25

Gordon Dietrich

Gordon é um dos personagens que no filme sofreu alterações mais impactantes, como

24
McTEIGUE, JAMES, Liberdade! Sempre! São Paulo, Warner Bros Video, 2006
25
PLAZA, JULIO, Tradução Intersemiótica, São Paulo, Perspectiva, 1987, p.90
20

resultado de o filme ter afastado seu foco das intrigas políticas internas do partido. Nos

quadrinhos, Gordon é um traficante do mercado negro que acolhe Evey após esta ser

abandonada por V, e começa um romance com a jovem. Quando Evey começa a se

acostumar-se com a sensação de segurança, de ter uma vida estável, Gordon é assassinado por

um concorrente por controle dos negócios.

Já o Gordon do cinema não é um contrabandista, mas sim um apresentador de TV, e

não se envolve sentimentalmente com Evey, mas mostra-lhe seu acervo de objetos de arte

banidos, inclusive uma cópia do Corão e fotografias pornográficas. Ao descobrir isso, Evey

ao mesmo tempo em que fica chocada, também expressa um alívio por estar junto a alguém

que assim como ela tem um segredo perigoso para esconder.

Assim como é o caso com a personagem Adam Sutler/Susan, o caso de Gordon

Dietrich é o de uma tradução simbólica, no sentido de que foi mantida a função que a

personagem desempenha na trama (abrigar Evey após ela romper com V, e em seguida

morrer, iniciando na jovem o processo de reação contra a situação em que vive), mas em todo

o resto a personagem foi alterada drasticamente.

Lewis Prothero

Nas duas versões, Prothero foi o comandante do campo de Larkhill, onde V foi cobaia

de experimentos que lhe concederam suas habilidades sobre-humanas.

Nos quadrinhos, após a destruição de Larkhill, o governo remanejou Prothero para

personificar a voz do super-computador Destino, que todas as noites é transmitida por rádio

para toda a cidade. Faz parte do esquema de dominação da Nórdica Chama convencer a

população que Destino tem vida própria e suas decisões são infalíveis.

Prothero é a primeira vítima de V, e a única que sobrevive a seu ataque, apesar de ter

sua mente irremediavelmente afetada, mergulhando num estado catatônico e tornando-se


21

inútil para a sua função como voz de Destino. Quando o governo é forçado a trocar a voz que

representa o computador, esse é o primeiro golpe que V desfere contra a credibilidade do

governo perante os cidadãos.

Já no filme, Prothero foi remanejado do papel de Destino para a televisão, aonde ele

faz um programa chamado “A Voz de Londres”. No lugar de dominar o povo por meio de um

homem que posa como um computador infalível, aqui a Nórdica Chama domina a opinião

popular abertamente através da televisão. E é essa diferença de métodos presente na história

que leva V, a assassiná-lo, ao invés de torturá-lo psicologicamente.

Vemos aqui outro caso de tradução indicial isomórfica-metonímica, caracterizida por

apresentar um recorte de um aspecto da personagem (o seu passado como o responsável pela

segurança no campo de Larkhill), sem detalhar suas outras características (como sua coleção

de bonecas, por exemplo), e inserí-lo em uma situação diversa, como um apresentador de TV,

e não como a personificação da voz de um computador.

Peter Creedy

Nos quadrinhos, Peter Creedy é o sucessor de Derek Almond no “dedo” após este ser

assassinado por V na casa de Delia Surridge. Ele é apresentado após a invasão de V à torre

Jordan. Logo no início ele já desenvolve um desentendimento com Eric Finch, que leva este

último a ser afastado de Londres para evitar maiores problemas.

Conforme a estabilidade mental de Susan começa a degenerar, Creedy torna-se a

verdadeira figura de poder da Nórdica Chama, levando às ruas a repressão de seus soldados

armados, e mesmo recrutando um pequeno exército particular composto de criminosos

recrutados por Alistaire Harper, que no fim das contas assassina Creedy ao ser subornado por

Helen Heyer, que exerce poder sobre ele por meio de dinheiro e sexo.

Apesar de sua posição, Creedy não é um tipo militar. Ele é um homem que acredita no
22

governo através da força exercida sobre os fracos, lembrando nesse aspecto o líder Adam

Susan. Contudo, ele também é um corrupto, sempre pronto a exercer essa força através do

dinheiro.

O Peter Creedy do filme incorpora muitas características de Derek Almond, como o

fato de ser um homem determinado e duro, bem como o fato de sofrer pressão direta do

chanceler Adam Sutler com relação à captura de V. O Creedy do filme também incorpora a

sede por poder de Helen Heyer, sendo mostrado como um dos principais responsáveis pelos

supostos ataques terroristas que foram a plataforma que levou à ascenção da Nórdica Chama

ao poder. Outro sinal dessa característica herdada de Heyer, é que ao invés de planejar um

esquema para tomar o lugar de Sutler com um exército particular, este Creedy faz um acordo

com V: o mascarado propõe entregar-se a Creedy se este matar Sutler.

Vemos aqui, portanto, outro exemplo de tradução indicial topológica-metonímica, em

que de forma semelhante aos outros casos deste tipo de tradução até agora apresentados, são

apresentados recortes do original em um novo contexto, porém, neste caso específico, foram

usados recortes de diversas partes do original (extraídas das personagens Helen Heyer, Derek

Almond, e o próprio Peter Creedy), consolidados como um único elemento em um contexto

diverso.

Reverendo Lilliman

Assim como Delia Surridge, o Reverendo Lilliman é um dos personagens que no filme

é retratado com maior semelhança à sua contraparte dos quadrinhos. No momento em que

ocorre a narrativa, ele é o bispo responsável pela Catedral de Westminster, onde entre muitas

outras pessoas, congregam os membros da cúpula do governo, mas secretamente o bispo é um

pedófilo e cliente regular de uma agência de prostitutas que lhe atende com garotas menores

de idade.
23

Esta forma de transposição, em que a personagem traduzida possui as mesmas

características da personagem original, pode ser classificada como uma tradução indicial

topológica-homeomórfica, em que “o objeto imediato do original é apropriado e transladado

para um outro meio”26, de forma a obter uma “correspondência entre elementos, isto é,

correspondência ponto a ponto entre os elementos dos dois conjuntos de signos”27.

Roger Dascombe

Em ambas as formas, da obra, Roger é o responsável pela “boca”, o departamento

encarregado das comunicações. Quando V invade a torre Jordan, de onde são feitas a

transmissões da TV estatal, para apresentar o seu manifesto à população de Londres, ele veste

Dascombe com uma cópia de sua fantasia e o deixa amordaçado para ser encontrado pelos

policiais que estão a caminho de invadir a torre, e no final das contas, Dascombe é baleado e

morto, quando os policiais pensam que ele é o verdadeiro V. Na versão dos quadrinhos,

nenhum sinal de V é encontrado na torre, enquanto na versão cinematográfica, é durante sua

fuga que V reencontra e toma sob sua proteção Evey Hammond.

Cabe mencionar que nos quadrinhos, Dascombe faz parte do mesmo núcleo da história

dos Almond e dos Heyer: quando Derek Almond é morto, Dascombe toma sua viúva,

Rosemary como amante, em troca de sustento financeiro. E quando Dascombe morre, ficando

sem ninguém, Rosemary começa a desenvolver o plano que resultará na morte de Adam

Susan.

No filme, como já mencionamos, essa trama toda que resulta no assassinato de Susan,

não ocorre, e dessa forma, o papel de Dascombe acaba sendo bem mais discreto do que nos

quadrinhos. Efetivamente, o filme apenas nos oferece algumas poucas aparições de Dascombe

em reuniões da “cabeça” antes da seqüência da invasão à torre e seu assassinato, o qual não

26
Idem, p.91
27
Idem, p.92
24

apresenta maior impacto sobre a história.

Podemos, assim, considerar que a transição da personagem Roger Dascombe

enquadra-se no modelo da tradução indicial do tipo topológica-metonímica, seguindo mesmo

um padrão semelhante aos das personagens Conrad Heyer e Peter Creedy, já analisados aqui,

e que fazem parte de um mesmo núcleo dentro da narrativa.

O personagem que dá título à história é também um dos que sofreram as mudanças

mais profundas. Nos quadrinhos, ele é um anarquista com capacidades sobre-humanas obtidas

graças a experimentos médicos executados no campo de Larkhill, que afetaram tanto seu

corpo quanto sua mente. Após encontrar uma carta de sua vizinha de cela, Valerie Page, V

passa por uma mudança semelhante àquela pela qual Evey passará alguns anos depois, e

decide fugir do campo. Em busca de sua liberdade, V utiliza fertilizantes e produtos de

limpeza para confeccionar gás mostarda e napalm, e os utiliza para destruir o campo, fugindo

de lá com terríveis queimaduras, mas passando por uma iluminação, semelhante àquela que

Finch e Evey vivenciarão posteriormente.

Após sair do campo, V passa os cinco anos seguintes preparando a sua operação de

vingança contra não só os responsáveis pela deformação de seu corpo e sua mente, mas

também contra o sistema que permitiu que tais pessoas realizassem tais atrocidades. Durante

esse tempo, ele também trata de assassinar cada um dos funcionários que trabalharam em

Larkhill, fazendo de maneira que pareçam acidentes sem conexão entre si.

Os recursos de V parecem ser inesgotáveis. Nos cinco anos que se seguiram à queda

de Larkhill, o mascarado conseguiu acesso aos computadores do governo (inclusive

dominando o sistema de Destino), e por extensão tem acesso a tudo o que as câmeras de

segurança capturam, sabe dos horários de partida e chegada de todos as formas de transporte e
25

consegue facilmente recuperar a cultura perdida que foi proibida pelo regime da Nórdica

Chama, construindo com esses recursos, a Galeria das Sombras, o lar de onde ele planeja

derrubar o sistema.

O propósito declarado de V nos quadrinhos é instalar a anarquia na Inglaterra. Ele vê a

si mesmo não mais como uma pessoa, mas como uma idéia, ou talvez como um aspecto de

uma idéia, como ele diz a Evey:

“A anarquia ostenta duas faces, a criadora e a destruidora. Destruidores derrubam

impérios, fazem telas com os destroços, onde os criadores erguem mundos melhores.

Os destroços, uma vez obtidos, tornam as ruínas irrelevantes. Fora com os

explosivos, então. Fora com os destruidores. Eles não têm lugar em nosso mundo

melhor”28.

Como podemos ver por este trecho, V considera que sua morte é necessária para que o

mundo melhor que ele idealizou venha à existência, e assim, ele prefere entregar-se à morte

nas mãos de Eric Finch, que após receber sua iluminação, consegue encontrar a entrada para o

esconderijo de V, que o encontra desprevinido, mas mesmo assim se deixa alvejar de maneira

fatal, sem porém, deixar claro que está agonizando depois de ser atingido. Ao invés disso, ele

diz a Finch que “não há carne ou sangue dentro deste manto pra morrerem. Há apenas uma

idéia. Idéias são à prova de balas”29.

O V do cinema, por outro lado, segue mais o tipo do aventureiro de capa e espada,

como Zorro ou os Três Mosqueteiros, por exemplo. Trata-se de uma figura romântica,

galante, e de fato, ele vê a si próprio como um semelhante de Edmond Dantes, de “O Conde

de Monte Cristo”, com uma vingança a executar que é até mesmo mais importante que a sua

própria vida.

28
Idem, p.224
29
Idem, p.238
26

A morte de V no filme não parece ser algo que ele realmente planeja desde o

princípio, mas ele não teme enfrentar os homens armados de Creedy, exterminando todos eles

com suas facas e matando Creedy com suas próprias mãos, enquanto lhe repete a mesma frase

que nos quadrinhos é dita a Eric Finch, sobre ele ser uma idéia.

Semelhantemente ao que ocorre com a personagem de Evey Hammond, a transposição

de V foi feita por meio da tradução icônica paramórfica. Uma vez que na versão em

quadrinhos ambas as personagens constituem um mesmo núcleo, o que vemos aqui é que na

transposição cinematográfica, foi mantida essa estrutura, apresentando um V radicalmente

diferente juntamente com uma Evey radicalmente diferente daqueles que são mostrados nos

quadrinho.

2.1.2.Suprimidas

Alistaire Harper

Alistaire Harper é um elemento de complicação da trama. Ele é diretamente

responsável pela morte de Gordon Dietrich, e indiretamente responsável pela captura

simulada de Evey. Além disso, ele se envolve nas tramas de Peter Creedy e de Helen Heyer

para tomar o poder da Nórdica Chama. Ao se envolver com Helen Heyer, ele se torna um

agente duplo, apenas aguardando o momento para assassinar Creedy e colocar o seu exército

pessoal a serviço de Heyer. Porém, este plano é frustrado quando Conrad Heyer descobre que

sua mulher está traindo-o com Harper. Conrad prepara uma emboscada para Harper em sua

casa e ambos lutam e matam um ao outro.

Derek Almond

A participação de Derek Almond é breve, mas muito importante para o rumo da


27

narrativa. Ele é o chefe do “dedo”, e como já dissemos anteriormente, muitas das

características presentes no Peter Creedy do cinema estão originalmente presentes nele, como

o seu comportamente áspero e a pressão exercida sobre ele pelo Líder para que dê um fim em

V. Além dessas características, vemos que Almond desconta suas frustrações com sua esposa,

Rose, agredindo-a e exercendo pressão de poder sobre ela, chegando até mesmo a ameaçá-la

com uma arma.

Quando Delia Surridge é assassinada, Almond vai à sua casa na tentativa de encontrar

V antes que ele deixe o local. Ele de fato encontra o assassino, mas no momento em que vai

executar V, percebe que sua arma (que no mesmo dia ele havia usado para aterrorizar Rose)

está descarregada, e imediatamente o mascarado o mata.

A morte de Almond deixa Rose sem sustentação financeira, e gradualmente

psicológica, também. Essa situação que se arrasta por meses leva Rose a assassinar o Líder

Susan, que é o responsável pela miséria em que a morte de Derek deixou-a.

Helen Heyer

Esta personagem está envolvida em um grande esquema de manipulação. Ela

inferioriza seu marido, Conrad, de forma semelhante à que Derek Almond faz com Rose,

porém, ao invés de usar para esse propósito a força e a violência, utiliza o sexo, deixando-o

totalmente submisso enquanto planeja e arquiteta movimentos para levá-lo ao comando da

“cabeça” e efetivamente comandá-lo dos bastidores.

Rose Almond

Rose Almond é a esposa submissa de Derek Almond. A morte de Derek deixa Rose

sem sustentação financeira, pois seu marido não permitia que ela trabalhasse. Primeiramente

ela se torna parceira de Roger Dascombe, mas não demora muito para que ele também morra
28

na invasão à torre Jordan. Por fim, a única solução que ela encontra é trabalhar como

dançarina em um clube noturno. Aos poucos ela começa a perceber a degradação de sua

situação, e conclui que o culpado por ela é Adam Susan. Como conseqüência, durante uma

aparição pública do líder, Rose o mata com um tiro na cabeça à queima-roupa.

Podemos perceber, aqui, que as personagens suprimidas fazem parte todas de um

único núcleo da história. Assim sendo, julgamos oportuno analisar a operação efetuada na

supressão dessas personagens como uma única operação, efetivamente a da supressão do

núcleo referido.

Ao eliminar esse núcleo de personagens, efetivamente ocorre um efeito de “afastar” a

tradução de seu original, o que confere a essa operação, como um todo, as características da

tradução icônica, que nas palavras de Plaza: “estará desprovida de conexão dinâmica com o

original que representa; ocorre simplesmente que suas qualidades materiais farão lembrar as

daquele objeto, despertando sensações análogas”30.

2.2.Ambientação

Ambas as versões são ambientadas na Inglaterra, após o partido fascista da Nórdica

Chama ter assumido o poder sobre o país.

A versão em quadrinhos é ambientada em um ano de 1997 projetado de acordo com a

visão de 1982. O filme não apresenta em momento algum uma menção clara à época, situando

a trama apenas em um futuro próximo, de forma genérica. Nas duas versões os autores situam

os acontecimentos que levam à história atual no tempo em que foram escritas (no caso da HQ,

tais acontecimentos são mostrados nos anos 80, e no filme são mostrados no final dos anos

90).

A diferença de ambientação temporal produziu uma alteração no clima em relação à


30
PLAZA, JULIO, Tradução Intersemiótica, São Paulo, Perspectiva, 1987, p.93
29

HQ. Os quadrinhos de Alan Moore apresentam uma tonalidade altamente pessimista,

envolvendo uma guerra nuclear e a implantação de um estado fascista, levando à retratação do

personagem V como um terrorista anarquista. Essa visão de futuro foi fortemente influenciada

pelo próprio clima político dos anos 80, como o próprio Moore explica no artigo Por trás do

sorriso pintado:

“Partindo da suposição que os conservadores obviamente perderiam as eleições de

1983, comecei a elaborar um futuro em que o Partido Trabalhista houvesse chegado

ao poder e removido todos os mísseis do solo britânico, impedindo, assim, que a

Grã-Bretanha se tornasse um alvo importante no caso de uma guerra nuclear. Com

perturbadora facilidade, bolei o curso dos acontecimentos a partir desse ponto até a

tomada de poder por fascistas na Grã-Bretanha pós-holocausto dos anos 90”31.

Por outro lado, o filme dos Irmãos Wachowski apresenta uma abordagem mais

relaxada a respeito do tema de poder político. O clima mantido nessa obra, apesar de sério, é

de certa forma mais descontraído do que os quadrinhos, como vemos no comentário do ator

Stephen Fry:

“Creio que a sátira, no filme, existe em profusão. É um filme que não se restringe

em sua sátira contra o autoritarismo, a opressão, contra a mudança geral que está

ocorrendo no século XXI em países chamados de civilizados contra os direitos dos

homossexuais, a liberdade religiosa, contra 'o outro', contra forasteiros.”32

Essa mudança de enfoque político é a responsável pela ausência do antagonismo entre

anarquia e fascismo no filme, como vemos na declaração do diretor James McTeigue a

respeito da personalidade de V: “(...)acha que pode provocar grandes mudanças no governo


31
MOORE, ALAN, Por trás do sorriso pintado, In V de Vingança, Panini Comics, São Paulo, 2006, pp.275-
276
32
FRY, STEPHEN, Liberdade! Sempre! São Paulo, Warner Bros Video, 2006
30

se fizer com que o povo se una e perceba como o governo de alguma forma perdeu o

controle(...)”33.

Percebemos aqui, portanto, mais um exemplo do uso da tradução icônica paramórfica,

que não apenas é o mesmo tipo de alteração executada sobre as personagens V e Evey, como

é efetivamente a alteração responsável pela forma em que foi executada.

33
MaC TEIGUE, JAMES, Liberdade! Sempre! São Paulo, Warner Bros Video, 2006
31

3. Análise das Cenas

A seguir, teremos uma análise de algumas das cenas presentes no filme e a forma

como se relacionam com a HQ.

Classificamos as cenas como: mantidas, adaptadas, excluídas e adicionadas, e

selecionamos uma cena de cada uma dessas categorias. Como “mantidas” consideramos as

cena que apresentam a mesma trama nas duas versões, com pequenas modificações em alguns

casos, mas sem alterar seu desenvolvimento. Consideramos como “adaptadas” as cenas que

apresentam elementos presentes no original, mas que seguiram um desenvolvimento diferente

para chegar ao mesmo resultado. As cenas “excluídas” são aquelas que não foram

reproduzidas no filme nem substituídas por outras semelhantes. Por fim, temos a categoria das

“cenas adicionadas”, que são cenas que não estão presentes no texto original, mas que por um

motivo ou outro estão presentes no filme.

3.1.Mantidas

3.1.1.O assassinato de Delia Surridge

Esta cena foi recriada no cinema de forma bem semelhante aos quadrinhos. De fato, a

diferença principal é que nos quadrinhos a atitude mental da médica é de reconhecimento da

culpa e aceitação da execução de V.

A caracterização da personagem é responsável pela personagem, em seus momentos

finais, ter duas diferentes atitudes: Na HQ, ela pede a V para ver seu rosto sem a máscara, e

admira a visão antes de morrer; já no filme, ela pergunta ao mascarado se é tarde demais para

pedir desculpas, e morre tranqüila por seu arrependimento ser compreendido.

A uma primeira análise, seria possível classificar a cena como uma tradução indicial

topológica-homeomórfica, devido a apresentar uma “correspondência entre elementos, isto é,

correspondência ponto a ponto entre os elementos dos dois conjuntos de signos” 34. Porém,
34
PLAZA, JULIO, Tradução Intersemiótica, São Paulo, Perspectiva, 1987, p.92
32

nesta cena temos a presença da personagem Delia Surridge, que como já vimos anteriormente,

foi transportada ao filme por meio de uma tradução icônica isomórfica, bem como de V, que

foi objeto da tradução icônica paramórfica. Este fato nos traz à atenção a declaração de Plaza

quanto à sua proposta de tipologia da tradução intersemiótica:

“Quando dizemos tipologia, não queremos evidentemente nos referir a uma

grade classificatória de tipos estanques que deve funcionar de modo fixo e

inflexível, mas nos referimos, isto sim, a uma espécie de mapa orientador para as

nuanças diferenciais (as mais gerais) dos processos tradutores. São tipos de

referências, algumas vezes simultâneos em uma mesma tradução, que por si

mesmos, não substituem, mas apenas instrumentalizam o exame das traduções

reais.”35

Portanto, o que temos aqui nesta cena é uma tradução tradução indicial topológica-

homeomórfica, caracterizada pela correspondência de elementos entre o original e a tradução,

porém alguns desses elementos foram tratados, individualmente, com tipos diversos de

tradução.

3.2.Adaptadas

3.2.1.Evey e os Homens-dedo

Esta é a cena inicial nas duas narrativas. Aqui é apresentado um paralelismo entre

Evey Hammond em seu quarto e V na Galeria das Sombras, ambos preparando-se para sair à

noite. No filme esse paralelismo é acentuado pela câmera que passa de forma intermitente de

Evey para V, e alcança seu ponto máximo quanto o espelho da penteadeira de Evey é

mostrado como se fosse o outro lado do espelho usado por V.

Devido à diferença na caracterização de Evey, no filme ela não se oferece como

prostituta para um policial à paisana, mas é abordada por um homem que após a reação da

jovem revela-se policial e chama seus amigos. Em ambas as narrativas Evey é salva por V,

35
Idem, p.89
33

porém no filme o mascarado não mata nenhum dos policiais.

Por fim, dois elementos que representam a presença do governo opressor foram

preservados nas duas narrativas: No primeiro momento da cena, quando os protagonistas

estão arrumando-se, há uma narração de fundo (na HQ é Lewis Prothero transmitindo a Voz

do Destino e no filme é o mesmo Prothero transmitindo seu programa “A Voz de Londres”), e

no segundo momento, quando Evey é abordada pelos policiais vemos um cartaz da Nórdica

Chama no parede do beco em que ocorre a ação.

As alterações desta cena apresentadas até o momento são relacionadas simplesmente

às alterações feitas sobre as respectivas personagens (Evey, V, e Prothero), sendo até este

ponto mais um exemplo da tradução indicial topológica-homeomórfica. Porém, na seqüência

desta cena, em que V apresenta-se a Evey, temos diferenças mais marcantes: nos quadrinhos,

após salvar Evey, V detona explosivos plantados nas casas do Parlamento e leva a jovem para

viver em sua Galeria das Sombras, ao passo que na tradução cinematográfica, V explode o

Old Bailey, e não as casas do Parlamento, que são poupadas para o dia 5 de novembro do ano

seguinte. Além disso, nesta versão, Evey retorna ao seu cotidiano em vez de viver com V.

É possível, portanto, interpretar a transformação desta cena nos moldes da tradução

indicial topológica-metonímica, ao combinar partes do original em uma tradução feita

exclusivamente para o seu novo meio.

3.3.Excluídas

3.3.1.Confronto entre Conrad Heyer e Alistaire Harper

Esta cena é o clímax do esquema de manipulação arquitetado por Helen Heyer para

levar seu marido Conrad ao poder. Quando a sanidade de Adam Susan começa e deteriorar,

Helen planeja providenciar o assassinato de Peter Creedy, o provável sucessor de Susan no

caso dele se tornar incapaz de governar.


34

Para alcançar este objetivo, Helen entra em contato com Alistaire Harper, que

comanda o exército particular de Creedy, e faz um acordo com ele para eliminar Creedy

quando chegar o momento. Além disso, Helen e Harper começam a ter encontros sexuais, e

um desses encontros é filmado e gravado por V, que tem acesso a todas as câmeras de

vigilância do “Olho”. Quando Susan é assassinado por Rose Almond, Creedy assume o poder

em caráter de emergência, e como esperado, Harper o executa em segredo e parte para a casa

de Helen.

Paralelamente a isso, Conrad Heyer recebe uma fita com a gravação do encontro de

Helen e Harper, e quando Harper chega, os dois lutam. Harper fere mortalmente Conrad e é

estrangulado por ele. Quando Helen chega em casa, vê Harper morto e Conrad agonizando.

Ao compreender que a luta entre os dois resultou no fim de seus planos de influenciar o

poder, Helen sai da casa e deixa Conrad assistindo sua própria agonia por um circuito fechado

de TV.

Essa cena é o ponto a partir do qual a Inglaterra mergulha efetivamente no estado

anárquico que V almejava. Com os membros da liderança política eliminando um ao outro,

não há ninguém para preencher o vácuo do poder e a população começa a seguir suas próprias

leis. A ausência desta seqüência, portanto, é um elemento importante no processo de desviar a

narrativa de seu tom anarquista, e como tal, pode ser interpretada como outro caso de tradução

icônica paramórfica .

3.4.Adicionadas

3.4.1.Programa humorístico de Gordon

Esta cena ocorre durante o período em que Gordon Dietrich abriga Evey Hammond

em sua casa. Gordon diz a Evey que apresentará uma entrevista em seu programa que

quebrará recordes de audiência. A entrevista em questão é uma cena humorística,


35

apresentando um sósia do chanceler Adam Sutler sendo entrevistado a respeito do

terrorista(V), enquanto outro ator fantasiado como V esgueira-se pelo palco e começa a pregar

pequenas peças, como trocar o charuto de “Sutler” por um charuto explosivo e infiltrar-se no

meio da banda musical do programa, enquanto “Sutler” faz declarações sobre como o

terrorista logo será detido. A cena desenvolve-se com o “terrorista” sendo capturado e

desmascarado, revelando o mesmo rosto do sósia de Sutler. Por fim, os dois sósias começam

a discutir entre si sobre quem é o verdadeiro Sutler, e ambos ordenam ao pelotão de guardas

presente que atirem no impostor. Por fim, o pelotão atira em ambos os sósias, e o quadro

humorístico termina com “V” aparecendo do fundo do cenário e acenando para a platéia.

Após a exibição do quadro humorístico, vemos Gordon discutindo ao telefone com seu

agente. Gordon corre o risco de ser preso, por veicular material politicamente ofensivo, mas

não o leva muito a sério, acreditando que tudo poderá ser remediado com um pedido de

desculpas em público.

Por fim, na mesma noite a casa de Gordon é invadida por homens do “dedo”, liderados

por Peter Creedy em pessoa. Eles agridem e capturam Gordon enquanto Evey esconde-se e

tenta fugir da casa antes que os homens a capturem.

Assim como a cena anteriormente analisada é importante na HQ por introduzir a

Inglaterra mergulhada no clima anárquico, esta cena é importante para o filme por trazer um

elemento próximo à realidade dos dias de hoje, ou nas palavras de Alan Moore, “um estado

dominado por neo-conservadores”36. Tal alteração, como observada em outros exemplos ao

longo deste trabalho com efeito semelhante, pode ser classificada como uma operação da

tradução icônica paramórfica.

36
MOORE, Alan, MTV.com, Alan Moore: The Last Angry Man,
http://www.mtv.com/shared/movies/interviews/m/moore_alan_060315/, acesso em 28/05/07.
36

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisar as transformações ocorridas na obra analisada, percebemos uma

preocupação dos diretores do filme em trazer uma crítica aos costumes políticos de nosso

tempo, de forma semelhante ao que já fora executado por Alan Moore em sua obra original

em quadrinhos.

Apesar da atitude de reprovação por parte de Alan Moore, percebemos que nesse caso

a tradução intersemiótica foi realizada de forma bem-sucedida, atingindo os objetivos

propostos à tradução, de trazer para o texto de chegada os temas tratados no texto de origem e

ao mesmo tempo tratá-los de forma relevante para os leitores atuais. Tendo em mente esses

objetivos, podemos dizer que a escolha dos roteiristas do filme em ambientar a história em um

estado autoritário semelhante aos Estados Unidos atuais e retratar um terrorista inspirado em

heróis românticos de capa e espadas atende aos critérios de uma tradução aceitável e

adequada aos conceitos expostos por Arrojo (2003), se considerarmos que a HQ “V de

Vingança” foi originalmente lançada em uma publicação inglesa no início dos anos 80,

durante o mandato de Margaret Thatcher, e o filme de mesmo nome foi produzido nos

Estados Unidos em 2006, posteriormente aos ataques terroristas que marcaram a opinião

pública norte-americana, e durante o governo conservador de George W. Bush.

Não é exagero afirmar que houve uma preocupação da parte dos roteiristas em

construir um enredo consistente com o original e internamente coeso, de forma a apresentar a

uma nova audiência a mensagem apresentada pelos autores originais nos anos 80 de uma

forma que não soasse datada ou deslocada.

Por meio do uso combinado de diversas formas da tradução intersemiótica, foi

possível aos roteiristas conceber um filme com caraterísticas icônicas, no sentido de que não

exigia do espectador conhecimento prévio da obra da qual foi originado, indiciais, no sentido
37

de que apresenta uma relação de continuidade para com o seu original, e mesmo

características simbólicas, no sentido de que apresenta questões mais abstratas do que seria

possível sem as alterações de ambiente executadas no filme.


38

REFERÊNCIAS

ARROJO, Rosemary. Oficina de tradução – A teoria na prática. 4ª Ed., São Paulo: Editora
Ática, 2003.

JAKOBSON, Roman. Lingüística e Comunicação. 8ª Ed., São Paulo: Editora Cultrix, 1974.

McCLOUD, Scott. Desvendando os Quadrinhos. 1ª Ed., São Paulo: M. Books do Brasil


Editora Ltda, 2005.

McTEIGUE, JAMES, V de Vingança, São Paulo, Warner Bros Video, 2006

MOISÉS, Massaud, Dicionário de Termos Literários, São Paulo, Cultrix, 2004

MOORE, Alan e LLOYD, David, V de Vingança, Panini Comics, São Paulo, 2006

MOORE, ALAN, Por trás do sorriso pintado, In V de Vingança, Panini Comics, São Paulo,
2006, pp.275-276

PLAZA, Julio. Tradução Intersemiótica. 1ª Ed., São Paulo: Editora Perspectiva, 1987.

REFERÊNCIAS DA INTERNET

MOORE, Alan, MTV.com, Alan Moore: The Last Angry Man,


http://www.mtv.com/shared/movies/interviews/m/moore_alan_060315/, acesso em 28/05/07

YUGE, Cláudio, Cinema vive ''boom'' de adaptações de quadrinhos,


http://www.bonde.com.br/colunistas/colunistasd.php?id_artigo=1388, acesso em 09/07/07

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