Você está na página 1de 15

ENTRE OS ELOS FICCIONAIS: Dialogismo e Intertextualidade na Adaptação de

Presença de Anita da Literatura para a Minissérie de TV

JOSEANE MENDES FERREIRA

Projeto de Tese apresentado junto ao Programa de


Pós-Graduação em Letras, da Universidade Federal
da Paraíba – UFPB, a ser desenvolvido no curso de
Doutorado em Letras, área de concentração Litera-
tura, Cultura e Tradução, linha de pesquisa Tradução
e Cultura.

JOÃO PESSOA
2018
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO/JUSTIFICATIVA ......................................................................................................... 3
2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ................................................................................................................. 8
3 OBJETIVOS ................................................................................................................................................. 13
4 CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO ..................................................................................................... 14
5 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................... 15
3

1 INTRODUÇÃO/JUSTIFICATIVA

Uma das práticas mais consagradas entre os produtores de ficções televisuais é,


sem dúvida, a tradução1, inclusive aquela que se inspira na literatura como o texto-fonte.
Se os autores de TV buscam referências na literatura, não há pecado em fazê-la, uma
vez que, há convergências estéticas entre a ficção literária e os textos adaptados para as
telas. Ambas são produções regidas por uma linguagem que busca uma estratégia estéti-
ca, com produções que dialogam entre si, constituindo assim um ponto interessante em
torno dos trabalhos com a adaptação.
No centro das discussões que envolvem o diálogo entre textos literários e suas
traduções para outros sistemas midiáticos existe uma gama de estudos que se ocupam
em analisar aspectos importantes no que toca à adaptação de um sistema a outro. Como
se sabe, não é de hoje que obras literárias servem de textos-fonte para a criação de adap-
tações para as telas. Trata-se de uma prática comum, inicialmente com o cinema e de-
pois se incluiu também a televisão. Uma vez implantada, a expansão da televisão foi
muito rápida e assim como o cinema, permite abordagens diversas através de linguagens
múltiplas (BALOGH, 2005).
No Brasil, as ficções televisuais seguem uma forte tendência de serem produzi-
das a partir de textos literários. No que se refere ao gênero minissérie, as produções da
Rede Globo, por exemplo, seguem essa tendência de maneira constante. Basta olhamos
para trás e veremos Hilda Furação (1998), Os Maias (2001), A casa das sete mulheres
(2003), Capitu (2008)2. A lista é imensa. Essas relações intertextuais entre literatura e
audiovisual, segundo Corseuil (2005), podem acontecer de várias formas: o texto audio-
visual pode gerar romances, pode redimensionar a importância de obras literárias ou
pode gerar filmes comerciais, como foi o caso na minissérie O Auto da Compadecida
(1999). Essas adaptações ganham cada vez mais espaço dentro da TV brasileira, acarre-
tando, inclusive, em altos índices de audiência e premiações indicadas pela crítica espe-
cializada ou pelos telespectadores.

1
Dentre os significados de tradução está transpor de uma língua(gem) para outra, reescrever algo. Hoje o
conceito de tradução está amplo, não se restringe à tradução interlinguística, mas abrange a tradução
intersemiótica. Assim, os estudos de tradução se preocupam com a adaptação.
2 Respectivamente, as minisséries têm como texto-fonte os seguintes romances: Hilda Furação, de
Roberto Drummond; Os Maias, de Eça de Queirós; A casa das sete mulheres, de Letícia Wierzchows-ki;
Dom Casmurro, de Machado de Assis.
4

Nesse contexto, este projeto tem o intuito de realizar um estudo entre linguagens
midiáticas através de análises e interpretações discursivas entre a minissérie Presença
de Anita, do autor de telenovelas Manoel Carlos, adaptada para a TV e exibida origi-
nalmente pela Rede Globo em 2001, e o romance homônimo, do escritor e jornalista
Mário Donato.
No romance Presença de Anita, publicado originalmente em 1948, na última fa-
se do Modernismo brasileiro, Mário Donato polemizou ao trazer temas considerados
ainda chocantes como o adultério, a sedução, a morte e o erotismo. Devido aos temas,
Rocha (2012, p. 10) destaca que a referida obra é “um dos romances mais ousados da
literatura brasileira”. Por meio de um estilo marcante e preciso, Donato representa em
sua narrativa um lado obscuro do ser humano através dos dilemas emocionais do perso-
nagem Eduardo, o qual oscila entre a idealização das mulheres e o desejo sexual por
elas.
A narrativa trata de um pacto entre os amantes Anita, uma adolescente, e Eduar-
do, um homem casado, mais velho e experiente. As temáticas do livro são variadas, en-
tretanto uma das mais destacadas é a morte. Em seu texto, Donato compõe aspectos
melancólicos em Anita que culminam com atitudes ligadas à morte. Vale ressaltar que,
na narrativa, Anita e Eduardo fazem um pacto no qual acordam em cometer suicídio
juntos na ilusão de viverem unidos na eternidade. Anita também entrega uma arma ao
amante e pede que ele atire nela: “Então? Vamos partir?” (DONATO, 2001, p. 8).
As polêmicas que envolveram a obra fizeram com que a Igreja Católica a repro-
vasse pelo fato de o romance ter causado indignação em alguns segmentos cristãos da
população do estado de São Paulo. A obra foi então censurada, o que quase ocasionou a
excomunhão de Mário Donato.
Uma das adaptações da obra literária de Mário Donato foi a transmutação para o
formato de minissérie, de autoria do premiado autor de TV Manoel Carlos e com dire-
ção de Ricardo Waddington e Alexandre Avancini. A produção televisual foi composta
por 16 capítulos e exibida pela Rede Globo, no período de 7 a 31 de agosto no ano de
2001. Um ano depois, a Som Livre lançou Presença de Anita em DVD numa coleção
contendo três discos. O sucesso de audiência da minissérie foi tão grande que a Rede
Globo chegou a pensar na ampliação da trama, porém isso não aconteceu.
A partir das leituras da minissérie, percebemos que Manoel Carlos intensificou o
drama do enredo original em sua narrativa, reescrevendo uma estória de obsessão, sedu-
5

ção e morte, na qual a Anita ganha o centro da trama. Nesse sentido, a obra de Manoel
Carlos apresenta de maneira mais intensa algumas temáticas, uma vez que a ficção tele-
visual conta com outros recursos de ordem audiovisual que proporcionam uma aborda-
gem mais enfática dos temas, como a interpretação dos atores, a focalização, a trilha
sonora. Um dos temas que teve um maior destaque na minissérie foi o erotismo por
meio da personagem Anita, que na trama foi interpretada pela atriz Mel Lisboa em seu
primeiro trabalho na TV. Temos na minissérie vários elementos eróticos em diversas
cenas da trama, seja na descrição de objetos, nos diálogos, e nos momentos íntimos en-
tre Anita e seus amantes ou mesmo na ambientação do novo cenário.
Manoel Carlos, dentro as exigências que se fazem necessárias num processo de
adaptação, privilegiou alguns recortes do enredo literário, levando em consideração o
tempo da narrativa que foi ambientada para o século XXI. Com o contexto da tradução
intersemiótica, percebemos também as mudanças na forma de abordar os temas, algo
que é completamente necessário quando se adapta. Alguns temas puderam desaparecer
e outros serem ainda mais intensificados a fim de atingir novos objetivos, tais como a
aceitação pelo grande público ou pela crítica especializada.
O interesse pelo tema surgiu a partir de pesquisas acadêmicas sobre tradução in-
tersemiótica com o olhar nas adaptações de obras literárias para o audiovisual que vi-
nham sendo desenvolvidas desde o curso de Mestrado, com o foco no cinema. Com o
interesse constante pelo assunto, ampliamos a análise para a TV, cujo alcance da mídia
é a ainda maior na cultura brasileira, a fim de dar continuidade às pesquisas. Dessa for-
ma, a ampliação do escopo de pesquisa para a TV também é um assunto de interesse
social, já que as pesquisas ainda são em quantidade inferior se comparadas às que en-
volvem adaptações cinematográficas.
Quanto à escolha do corpus, há o interesse pessoal pelo gênero minissérie, bem
como pelas obras de Manoel Carlos, especialmente Presença de Anita, por se tratar de
uma obra que teve grande repercussão na TV, marcou a carreira da atriz Mel Lisboa,
trouxe recordes de audiência, premiações e pela beleza do conjunto da obra. Ou seja, foi
uma adaptação importante para a ficção televisiva brasileira. Ademais, a minissérie nos
oferece amplas e reais possibilidades para o trabalho que pretendemos desenvolver.
Ainda sobre o interesse, destacamos que embora o livro tendo tido repercussão e
ter alcançado um grande número de leitores no ano de sua publicação, a obra de Mário
Donato ocupa lugar um tanto adjacente no arsenal dos escritos modernistas da geração
6

de 45. Em muitos manuais de historiografia literária, a obra nem chega a ser citada. Isso
nos causou motivação para a pesquisa e também inquietações, pois uma obra que já foi
adaptada sob três formatos (filme, novela e minissérie3), a nosso ver, poderia ter um
papel mais destacado nos manuais e nos conteúdos sobre literatura modernista.
A narrativa de Manoel Carlos trouxe várias mudanças para a obra televisual, tais
como a adaptação da linguagem e o recorte dado ao roteiro, o acréscimo e a supressão
de personagens, a inserção de tramas adjacentes, todas elas levando em consideração o
contexto da adaptação. Isso nos motivou a buscar os diálogos e intertextos entre a mi-
nissérie e o texto-fonte, como também nos motivou a procurar as principais transmuta-
ções ocorridas.
A respeito da relevância da pesquisa, podemos destacar que o alcance que as
obras adaptadas para a TV têm pode contribuir, inclusive, para que o texto-fonte seja
reeditado e revisitado dentro do painel da historiografia literária. Dentro dessa perspec-
tiva, a pesquisa terá grande relevância por tratar de um tema atual e de importância no
campo das letras, uma vez que a prática da tradução intersemiótica através adaptação
cresce consideravelmente nos trabalhos que envolvem cultura de massa. Há ainda o fato
que a televisão tem um papel de grande importância em diversas áreas diversas esferas
sociais, inclusive no que diz respeito à cultura. Para muitas pessoas, a televisão consti-
tui-se no único meio de acesso a bens culturais e entretenimento. Com isso é importante
refletir sobre as produções ficcionais, que são um dos maiores veículos de entretenimen-
to na TV brasileira.
Para tanto, foram levantadas no catálogo eletrônico da CAPES, teses e disserta-
ções, buscando trabalhos cuja temática se relacionasse com esta investigação. Nesse
levantamento pudemos encontrar três dissertações de mestrado. A primeira, uma pes-
quisa do ano de 2005, cuja temática se volta para uma análise sociológica, analisa a se-
xualidade na Rede Globo através da minissérie Presença de Anita. A segunda, desen-
volvida do ano de 2008, delimitou uma abordagem com questões sobre o erotismo no
espaço da narrativa apenas na obra de Mário Donato. A terceira, uma pesquisa do ano
de 2012, trouxe um estudo que objetivou a análise da adaptação do romance de Mário
Donato, para o longa-metragem homônimo de 1951 com foco no roteiro adaptado.

3
Além da minissérie de Manoel Carlos, Presença de Anita ganhou uma adaptação cinematográfi-ca
homônima em 1951, dirigida por Ruggero Jacobbi e produzida pela Cinematográfica Maristela, e ainda
foi novela intitulada A outra face de Anita, de Ivani Ribeiro, exibida em 1964, pela TV Excelsior.
7

Dessa forma, há muitas lacunas e novos aspectos a serem abordados. Assim, será
a primeira tese sobre Presença de Anita e trará originalidade numa nova abordagem,
que se diferencia integralmente das pesquisas anteriores, a qual busca analisar os aspec-
tos dialógicos e intertextuais entre a minissérie e o texto-fonte, bem como com outra
ficções. A originalidade também se encontra no que se refere à análise das principais
transmutações ocorridas por meio da análise das narrativas.
Ressaltamos que a maioria dos estudos sobre adaptação se volta para o cinema, e
neste caso, se concentrará no processo de transmutação da linguagem literária para a
televisual, no caso específico de uma minissérie exibida pela Rede Globo, levando-se
em conta os aspectos referentes à cultura de massa, à literatura e à intersemiose.
A pesquisa justifica-se também por ter como corpus, não só a minissérie, mas
também um romance que poderá ser mais evidenciado após a pesquisa. Além disso, há
poucas pesquisas sobre a obra de Mário Donato e as que existem são artigos ou disser-
tações. Vale destacar também a importância de se pesquisar sobre o processo da adapta-
ção para a TV tendo como corpus principal uma das obras de maior repercussão do re-
nomado autor de telenovelas, Manoel Carlos.
Nesse sentido, a pesquisa é de grande relevância para os estudos literários e, so-
bretudo, para a área dos estudos de tradução intersemiótica. A investigação proporcio-
nará aos pesquisadores interessados em relacionar a literatura a outros sistemas, refleti-
rem sobre a maneira como algumas obras literárias são adaptadas para as telas. Isso cor-
responde a um caminho fértil para compreender não apenas a forma como se tem dado
esse intercâmbio entre literatura e TV no Brasil, mas principalmente para se perceberem
os valores culturais e intertextuais que norteiam o processo de adaptação. Além disso, a
pesquisa também contribuirá para o desenvolvimento de novas análises entre sistemas
midiáticos, uma habilidade que consideramos importante para o pesquisador e/ou pro-
fessor de literatura, interligando o texto literário a outras linguagens, neste caso a televi-
sual.
Esses são alguns fatores que evidenciam o interesse em desenvolver a pesquisa,
bem como sua relevância. Com essas considerações iniciais, este projeto intitulado
“ENTRE OS ELOS FICCIONAIS: Dialogismo e Intertextualidade na Adaptação de
Presença de Anita da Literatura para a Minissérie de TV” propõe identificar como as
duas obras dialogam nessa adaptação, destacando os pontos em comum com texto-
8

fonte, mas também ressaltando outros pontos acrescentados por Manoel Carlos ao adap-
tar Presença de Anita.

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

A ficção televisual Presença de Anita (2001), bem como a obra literária homô-
nima de 1948 apresentam ampla possibilidade de análises temáticas, no entanto este
projeto delimita uma abordagem nas análises das relações estabelecias através do dialo-
gismo e intertextualidade entre as obras, a partir de algumas categorias de análise. A
partir dessa perspectiva, podemos delimitar o seguinte problema central da pesquisa, a
saber: Quais as relações dialógicas e intertextuais estabelecidas entre a minissérie Pre-
sença de Anita, de Manoel Carlos, e o romance homônimo, de Mário Donato?
Segundo o próprio Manoel Carlos, através do livro Memória Globo (2008), ficou
muito pouco do romance de Donato na sua adaptação. Mas a atmosfera ficou. Anita, por
exemplo, não é tão importante na obra literária (inclusive divide o protagonismo com outros
personagens) quanto na minissérie. No livro, a cunhada de Eduardo se destaca bastante e na
TV, Manoel Carlos eliminou a cunhada e transportou para Anita algumas histórias que a
envolvia. Anita ganhou versão na qual ela tem o protagonismo absoluto. Com as
transmutações, buscaremos ver como as formas de intertextualidades ressignifi-cam o
discurso da minissérie, já que, conforme destaca Corseuil (2005, p. 320),

é nesse processo intersemiótico que a adaptação necessita ser vista, não como
obra segunda, necessariamente fidedigna a um romance ou a um texto histó-
rico, mas como obra independente, capaz de recriar, parodiar e atualizar os
significados do texto adaptado.

Longe da fidelidade indesejada também frisada por Stam (2008), a obra de Ma-
noel Carlos recriou e também manteve aspectos do texto-fonte. Então este projeto busca
as relações intertextuais entre as duas produções, a “atmosfera” que ficou, conforme
destaca o autor da minissérie.
Levando em consideração o contexto social da adaptação, partimos da hipótese
de que Manoel Carlos transmutou e intensificou alguns temas do texto-fonte principal-
mente através de elementos que envolvem a personagem Anita a fim de obter maior
autonomia para a sua obra. Para isso, ele dialogou com o texto-fonte e com outras fic-
ções de sua autoria, a exemplo de Laços de família (2000). A hipótese sugere ainda que
9

as transmutações mais significativas no discurso proposto na minissérie seriam o prota-


gonismo absoluto de Anita e a intensificação da temática do erotismo, ocasionando in-
clusive o sucesso da minissérie diante dos telespectadores. Vale destacar que, de forma
geral, as tramas de Manoel Carlos giram em torno de personagens femininas. Em Pre-
sença de Anita, a partir dessas transmutações, mudou-se o fio condutor da narrativa,
pois na obra de Donato as inquietações de Eduardo são muito mais destacadas, direcio-
nando a ele os olhares do leitor. No entanto, Manoel Carlos preferiu direcionar os olha-
res do telespectador para Anita. Isso originou uma mudança nos temas, no foco, no es-
paço e nos personagens, atribuindo outros sentidos que o audiovisual conseguiu desen-
volver a partir da sua linguagem própria e de suas estratégias narrativas.
Hutcheon (2011) considera que pensar a adaptação nunca foi tão importante
quanto nos dias atuais. Sendo assim, a partir da delimitação do problema central da pes-
quisa, temos os seguintes desdobramentos a serem questionados a respeito do tema:
a) Quais as estratégias discursivas e estéticas utilizadas por Manoel Carlos para adaptar
a obra de Mário Donato?
b) De que forma ocorre o dialogismo entre a minissérie e o texto-fonte?
c) Na minissérie, como foram as principais transmutações ocorridas nos personagens e
no espaço e por quê?
d) A minissérie mantem intertextualidade com outras ficções do próprio Manoel Carlos?
e) O que as altas doses de erotismo, sexo e o protagonismo absoluto de Anita ocasiona-
ram na minissérie adaptada?
f) Quais são as estratégias narrativas foram utilizadas no texto audiovisual?
g) Quais os sentidos que a minissérie de TV conseguiu desenvolver a partir da sua lin-
guagem própria e de suas estratégias narrativas?
Diante desses questionamentos que surgem a partir do problema central, optare-
mos por conduzir a fundamentação teórica da tese com base nos conceitos de Dialogis-
mo, de Mikhail Bakhtin e de Intertextualidade, de Gérard Genette.
Os avanços dos estudos de tradução se propõem a colocar a adaptação como um
fenômeno tradutório, uma vez que, com muita frequência, autores e roteiristas têm usa-
do obras literárias como texto-fonte para a criação das ficções televisuais. A possibili-
dade de transmutação de um romance para a televisão, por exemplo, é uma forma de
interação a qual dá espaço a interpretações e redefinições de sentido, conforme o objeti-
vo que quem o adapta. Roman Jakobson (1991) propõe a classificação dos tipos de tra-
10

dução em três categorias, a saber: a tradução intralinguística, que consiste numa inter-
pretação de signos verbais mediante outros signos verbais do mesmo idioma; a tradução
interlinguística que trata de uma interpretação de signos verbais mediante signos de ou-
tro idioma; e a tradução intersemiótica que se realiza na interpretação de signos verbais
através de sistemas de signos não verbais. Dessa forma, os estudos de adaptação do tex-
to literário para a TV, do qual faz parte a nossa pesquisa, estão inseridos nesta última
categoria, ampliando-se, assim, a possibilidade de análises.
Nessa nova perspectiva de estudo, a tradução intersemiótica cresce considera-
velmente, ocupando um lugar de destaque dentre do arsenal teórico dos estudos de tra-
dução. Lefevere (2007) destaca que a tradução é uma das muitas formas sob as quais as
obras de literatura são reescritas, incluindo-se entre as outras formas as resenhas, a críti-
ca, a historiografia literária, as antologias e as transposições para outros sistemas semió-
ticos. Com isso, o autor considera que:

Produzindo traduções, histórias da literatura ou suas próprias compilações


mais compactas, obras de referência, antologias, críticas ou edições, reescri-
tores adaptam, manipulam até um certo ponto os originais com os quais eles
trabalham, normalmente para adequá-los à corrente, ou a uma das correntes
ideológica ou poetológica dominante de sua época (LEFEVERE, 2007, p.
23).

Para o autor, as reescritas produzem novos textos a partir de outros já existentes,


garantindo, inclusive, um processo contínuo para a sobrevivência das obras literárias.
Segundo Stam (2006), a teoria da adaptação tem à sua disposição amplos concei-
tos para dar conta da mutação entre mídias, tais como: reescrita, tradução, transmutação,
recriação, transmodalização, significação, dialogização. “As palavras com prefixo
“trans” enfatizam a mudança feita pela adaptação, enquanto aquelas que começam com
o prefixo “re” enfatizam a função recombinante da adaptação” (STAM, 2006, p. 27).
Nessa perspectiva, podemos destacar que:

O termo para adaptação enquanto “leitura” da fonte do romance, sugere que


assim como qualquer texto pode gerar uma infinidade de leituras, qualquer
romance pode gerar um número infinito de leituras para adaptação, que serão
inevitavelmente parciais, pessoais, conjunturais, com interesses específicos.
(STAM, 2006, p. 27).

Na tradução intersemiótica da narrativa literária de Presença de Anita em narra-


tiva televisual ocorre uma interpretação, não só da linguagem, mas de toda a forma esté-
tica e temática constitutivas do romance, que passam a ser reescrita através de um meio
11

semiótico diferente do anterior, esse agora constituído também pela linguagem não-
verbal. Por isso, “a adaptação deve dialogar não só com o texto original, mas também
com seu contexto, [inclusive] atualizando o livro, mesmo quando o objetivo é a identifi-
cação com os valores neles expressos” (XAVIER, 2003, p. 62).
Tratando de questões relativas à intersemiose nas artes (ao diálogo entre as dife-
rentes linguagens artísticas), cuja complexidade se manifesta no fenômeno da adapta-
ção, Hutcheon (2011) enfatiza que uma adaptação traz uma combinação da repetição
com a diferença, da familiaridade com a novidade e a beleza da adaptação está na rein-
venção e revitalização do familiar. Com isso, o autor e o roteirista podem dialogar com
o texto-fonte, recriando ou transmutando as narrativas adaptadas.
Diante dessas perspectivas, a futura pesquisa utilizará como base teórica os con-
ceitos de Dialogismo e Intertextualidade. Esses conceitos, para Stam (2006), nos aju-
dam a resolver os problemas insolúveis que sondam a questão da fidelidade. O dialo-
gismo criado por Bakthin diz respeito às possibilidades geradas pelas práticas discursi-
vas da cultura. Em sua proposta, o teórico explica o processo através do qual um texto
revela a existência de outros textos em sua construção interior. Para Bakhtin (1997), um
texto não existe sem o outro, quer como forma de rejeição ou atração, permitindo, dessa
maneira, o diálogo entre dois ou mais discursos. Com esse dialogismo, é possível per-
ceber que

um enunciado é sulcado pela ressonância longínqua e quase inaudível da al-


ternância dos sujeitos falantes e pelos matizes dialógicos, pelas fronteiras ex-
tremamente tênues entre os enunciados e totalmente permeáveis à expressivi-
dade do autor (BAKHTIN,1997, p. 318).

Nessa perspectiva, a ficção televisual estabelece claras relações com o texto-


fonte do qual originou a adaptação. Todavia, o texto adaptado estabelece também o dia-
logismo com outros textos, não apenas com o texto-fonte.
Ao considerar o processo dialógico entre os textos, Julia Kristeva reutiliza o
conceito empregado por Bakhtin como sendo uma intertextualidade, destacando que há
o diálogo com outros textos e com os interlocutores. A partir dos aportes anteriores,
Gerard Genette, em sua obra Palimpsestos (2006), cria o conceito de transtextualidade,
referindo-se a “tudo aquilo que coloca um texto em relação com outros textos” (STAM,
2006, p. 29). Em sua proposta de análise, Genette divide a transtextualidade em cinco
12

categorias com as quais podemos estabelecer relações dialógicas entre os textos, sendo
aplicável às análises de obras adaptadas.
O primeiro tipo de transtextualidade é a intertextualidade, que consiste em “uma
relação de copresença entre dois ou vários textos, isto é, essencialmente, e o mais fre-
quentemente, como presença efetiva de um texto em um outro” (GENETTE, 2006, p. 8).
Essa copresença de dois textos pode ser percebida nas formas de citação, plágio e
alusão. (STAM, 2006). A citação seria um intertexto com diálogo direto, ao passo que a
alusão seria indireto. Stam (2006) destaca que a alusão pode tomar formas distintas es-
pecíficas para cada mídia. O movimento de câmera, por exemplo, pode ser uma alusão.
O segundo tipo é a paratextualidade, a qual estabelece uma relação dialógica
dentro da própria obra literária. Os paratextos seriam o título, o prefácio, o posfácio,
epígrafes, ilustrações e “todas as mensagens acessórias e comentários que circundam o
livro” (STAM, 2006, p. 30). Nessa perspectiva, no texto audiovisual, podemos evocar
os materiais como pôsteres, trailers, resenhas e entrevistas com o diretor.
O terceiro tipo é a metatextualidade a qual estabelece uma relação de crítica para
com o texto-fonte ou adaptações anteriores. Ou seja, uma adaptação critica o texto do
qual se originou ou mesmo as adaptações que foram feitas anteriormente, tentando mos-
trar o que poderia ser evitado. A metatextualidade também evoca adaptações não identi-
ficadas.
O quarto tipo é a arquetextualidade, que é sugerida pelos títulos e subtítulos de
um texto ou quando diz respeito às adaptações com nomes enganosos. Nesse caso, o
espectador procura traços do texto-fonte e não encontra.
Stam (2006) considera que todas as categorias propostas por Genette são suges-
tivas, mas o quinto tipo é o mais claramente relevante para os estudos com a adaptação.
Trata-se da hipertextualidade. O quinto tipo, conforme destaca Stam (2006, p. 33) “se
refere à relação entre um texto, que Genette chama de “hipertexto”, com um texto ante-
rior ou “hipotexto”, que o primeiro transforma, modifica, elabora ou estende”. Desse
modo, as adaptações são hipertextos derivados de hipotextos que foram transformados
por operação de seleção de um romance e podem formar um grande e cumulativo hipo-
texto disponível. (STAM, 2006). Levando esse quinto tipo para o nosso corpus de análi-
se, além da minissérie, o filme e a novela também seriam variações de leituras hipertex-
tuais disparadas de um mesmo hipotexto: o livro de Mário Donato.
13

Quanto à adaptação de 2001, o fato é que Manoel Carlos, por meio do seu hipo-
texto (a minissérie) fez escolhas e transmutações ao seu modo e estilo, consciente da
linguagem com a qual trabalha para traduzir aspectos da narrativa de Mário Donato.
Portanto, na análise desse processo é importante observar o diálogo estabelecido entre o
hipertexto e o hipotexto, e os novos sentidos que a adaptação conseguiu desenvolver a
partir da sua linguagem própria e de suas estratégias narrativas como minissérie de TV.
Para tanto, iremos buscar nos estudos de narratologia de Genette as respostas pa-
ra a nossas indagações, a fim de estabelecermos os intertextos entre as duas narrativas,
analisando a instância narrativa, a focalização, o espaço e os personagens, bem como os
procedimentos adaptativos do texto da minissérie. Para tanto, as categorias escolhidas
para desenvolver a análise serão a intertextualidade, com os dialogismos por meio de
citações e alusão, destacando o papel dos ângulos das câmeras; a paratextualidade, com
as análises dos extras dos DVDs de Presença de Anita com as cenas de bastidores; e a
hipertextualidade, com análise entre o hipotexto e outros textos que estabelecem dialo-
gismo com a minissérie. A princípio, pensamos nessas categorias.
A partir dessas relações intertextuais, as adaptações têm objetivos diversos, po-
dem mudar o foco narrativo, destacar um determinado tema ou personagem, alterar o
tempo, recriar o espaço, mas tudo isso guardando um elo com o hipotexto. A adaptação
entra assim num processo contínuo de dialogismo artístico, gerando novos textos, não
só para o cinema ou a TV, mas também literários.
Com as ideias de Genette, vemos que as relações transtextuais refletem a vitali-
dade das artes através da hipertextualidade. A arte então é vista como reescrita, tradu-
ção, adaptação. De forma sucinta, foi apresentada a base teórica que sustentará a tese.

3 OBJETIVOS

Geral

- Analisar as relações dialógicas e intertextuais estabelecidas entre a minissérie Presen-


ça de Anita, de Manoel Carlos, e o romance homônimo, de Mário Donato.

Específicos
- Identificar as estratégias discursivas e estéticas utilizadas por Manoel Carlos para
adaptar a obra de Mário Donato;
14

- Identificar de que forma ocorre o dialogismo e os intertextos entre a minissérie e o


texto-fonte?
- Saber como foram as principais transmutações acorridas nos personagens e no espaço
e por quê?
- Saber se a minissérie mantem intertextualidade com outras ficções de Manoel Carlos;
- Discutir se as altas doses de erotismo, sexo e o protagonismo absoluto de Anita
ocasionaram ganhos para a minissérie;
- Analisar as estratégias narrativas utilizadas no texto audiovisual;
- Buscar elementos que evidenciem os sentidos que a minissérie de TV conseguiu de-
senvolver a partir da sua linguagem própria e de suas estratégias narrativas;
- Contribuir com novos estudos sobre as relações entre literatura e televisão.

4 CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO

Atividades Períodos

2019.1 2019.2 2020.1 2020.2 2021.1 2021.2 2022.1

Cumprimento dos 35 créditos em


disciplinas obrigatórias e optativas x x

Estágio de docência x x

Elaboração do Relatório de estágio x

Levantamento bibliográfico, leitu- x x x x x x


ras e fichamentos

Produção do primeiro capítulo da x


tese

Produção do segundo capítulo da x


tese

Produção do terceiro capítulo da x


tese

Exame de qualificação x

Reescrita da tese após a qualifica- x


ção

Produção do capítulo final x

Defesa da tese x
15

5 REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina Pereira. São
Paulo: Martins Fontes, 1997.

BALOGH, A. M. Conjunções – disjunções – transmutações: da literatura ao cinema e à


TV. 2 ed. São Paulo: Annablume, 2005.

CORSEUIL, Anelise Reich. Literatura e cinema. In: BONICCI, Tomas; ZOLIN, Lúcia
Osana. (Org.) Teoria Literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas.
2.ed. Maringá: Eduem, 2005.

DONATO, Mário. Presença de Anita. Objetiva: São Paulo, 2001.

GENETTE, Gerard. Palimpsestos: a literatura de segunda mão. Tradução (extratos):


Luciene Guimarães; Maria Antônia Ramos Coutinho. 2ºed. Belo Horizonte: FA-
LE/UFMG, 2006.

HUTCHEON, Linda. Uma teoria da adaptação. Trad. André Cechinel. Florianópolis:


Ed. da UFSC, 2011.

JAKOBSON, R. Aspectos linguísticos da tradução. Linguística e comunicação. Tradu-


ção de Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1991.

LEFEVERE, A. Tradução, reescrita e manipulação da fama literária. Tradução de


Claudia Matos Seligmann. Bauru: Edusc, 2007.

MEMÓRIA GLOBO. Autores – Histórias da teledramaturgia. Editora Globo. 2008.


(vol.2).

ROCHA, Marcos Donizete Aparecido. Desvendando "Presença de Anita": uma análise


do filme da Maristela de 1951. São Paulo, 67 p. Dissertação (Mestrado em Comunica-
ção) Universidade Anhembi Morumbi, 2012.

STAM, Robert. A Literatura através do cinema - realismo, magia e a arte da adapta-


ção. Tradução de Marie-Anne Kremer e Gláucia Renate Gonçalves. Editora da UFMG,
2008.

STAM, Robert. Teoria e prática da adaptação: da fidelidade à intertextualidade. Ilha do


Desterro. Florianópolis, nº 51, jul-dez. 2006, p. 19-53.

XAVIER, Ismail. Do texto ao filme: a trama, a cena e a construção do olhar no cine-ma.


In: PELLEGRINI, Tânia et. al.(org.) Literatura, cinema, televisão. São Paulo: SENAC,
Instituto Itaú Cultural, 2003.

Você também pode gostar