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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

PPGAC – ECA USP

Projeto de pós-doutorado

Por uma lógica do corpo: cinestesia e coreografia na criação em


videodança

Pesquisadora: Dra. Karina Campos de Almeida


Supervisora: Profa. Dra. Sayonara Sousa Pereira

Agosto, 2019
São Paulo, SP

Resumo
Adotando como conceitos-chave as noções de cinestesia e coreografia, pretende-se
investigar novas possibilidades estéticas e dialógicas no campo da criação em
videodança, analisando estratégias composicionais fundamentadas na
interdisciplinaridade entre os campos da dança, cinema e artes visuais. Buscando
defender um tipo de lógica particular, criada pelo próprio corpo que dança, apresenta-se a
hipótese de que a cinestesia – sexto sentido que eclode nas artes do século XX –
desempenha papel central nas composições coreográficas feitas para videodança. Através
de uma abordagem historiográfica, que compreende o surgimento e o desenvolvimento da
linguagem da videodança, seus artistas expoentes e sua crescente expansão na
contemporaneidade, objetiva-se pesquisar estratégias composicionais que possam
apontar para possíveis metodologias, modos de fazer e ensinar dentro dessa nova forma
de expressão artística. Serão analisadas obras que marcaram o contexto artístico
internacional e também nacional, visando identificar quais são as especificidades
composicionais que emergem da linguagem da videodança, considerando as múltiplas
possibilidades poéticas que surgem a partir da interação entre dança e tecnologia. O
aporte teórico-metodológico será construído a partir de determinados estudos de Susan
Foster, Alain Berthoz, Laurence Louppe, Katrina McPherson, Helena Katz e outros. A
pesquisa visa à escrita e publicação de artigos, desenvolvimento de material didático para
ensino de videodança, criação e apresentação de obras artísticas, organização de evento,
período de estudos no exterior, divulgação dos resultados em congressos nacionais e
internacionais e ensino de disciplina no PPGAC-ECA USP junto à supervisora do projeto.

Palavras-chave: Cinestesia. Coreografia. Videodança. Composição. Dança. Cinema. Artes


Visuais. Corpo

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
PPGAC – ECA USP

Postdoctoral research project

For a body logic: kinesthesia and choreography in the creation of


videodance

Researcher: Ph.D. Karina Campos de Almeida


Supervisor: Prof. Ph.D. Sayonara Sousa Pereira

August, 2019.
São Paulo, SP.

Abstract
Adopting as key concepts the notions of kinesthesia and choreography, I intend to
investigate new aesthetic and dialogical possibilities in the field of videodance, analyzing
compositional strategies based on interdisciplinarity between dance, cinema and visual
arts. In order to defend a particular kind of logic created by the dancing body itself, I
present the hypothesis that kinesthesia plays a central role in choreographic compositions
made for videodance. Through a historiographic approach, which includes the emergence
and development of the medium of videodance, its exponents artists and its increasing
expansion in contemporaneity, I intend to identifiy compositional strategies that can point to
methodologies, concerning the creation process and also the teaching process within this
new form of artistic expression. I will analyze works that marked the international and
national artistic context, aiming to identify the compositional specificities that emerge from
the field of videodance, considering the multiple poetical possibilities that arise from the
interaction between dance and technology. I will also analyze some educational materials to
investigate how researchers and artists are dealing with videodance creation process within
a learning context. From the theoretical point of view, the research is dialoguing with
references from Susan Foster, Alain Berthoz, Laurence Louppe, Katrina McPherson, Helena
Katz, and others. The research aims at writing and publishing articles, developing a
videodance educational material, creating and presenting artistic works, event organization,
attending national and international conferences, studying abroad and teaching a
videodance course in PPGAC -ECA USP together with the project supervisor.

Keywords: kinesthesia; choreography; videodance; composition; dance.

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Projeto de Pós-Doutorado Dra. Karina Campos de Almeida
PPGAC-ECA USP Profa. Dra. Sayonara Sousa Pereira

1. Introdução

O sentido cinestésico é um comportamento independente e afortunado. Ele


permite que a experiência de dançar seja parte de todos nós1 (CUNNINGHAM
in VAUGHAN, 1997: 10).

O projeto aqui apresentado prevê a realização de 24 meses de pesquisa de pós-


doutorado no Departamento de Artes Cênicas da USP (PPGAC-ECA), sob supervisão da
Profa. Dra. Sayonara Sousa Pereira2. Cinestesia e coreografia são os conceitos-chave que
impulsionam a pesquisa, que irá se concentrar na investigação de novas possibilidades
estéticas e dialógicas no campo da criação em videodança, analisando diversas
estratégias composicionais fundamentadas na interdisciplinaridade entre os campos da
dança, cinema e artes visuais. Buscando defender um tipo de lógica particular, criada pelo
próprio corpo que dança, apresenta-se a hipótese de que a cinestesia – sexto sentido que
eclode nas artes do século XX – desempenha papel central nas composições
coreográficas feitas para videodança. Os anos de 1950 marcaram o campo da dança com
uma “virada coreográfica”, um momento caracterizado por radicais experimentações e
colaborações entre artistas de diferentes linguagens. A partir desse período histórico,
marcado por uma série de iniciativas de vanguardas, o corpo deixa de ser visto como
instrumento da expressão subjetiva e passa a ser o próprio meio pelo qual a expressão
acontece. Diversos artistas passaram a investir na composição como um espaço de
invenção, no qual era mais importante não aquilo que a obra “diz”, mas aquilo que a obra
“produz”. Em outras palavras, a composição passou a focalizar aquilo que emerge da
própria lógica inventada pelo ato cênico, da própria corporeidade que ali está, sem a
necessidade de ter uma estrutura narrativa “fechada” conduzindo o desenvolvimento da
obra. Desde então, dramaturgias e narrativas passaram a pensadas em suas pluralidades,
abraçando a diversidade de sentidos que emergem do corpo cênico. A videodança surge
a partir desse efervescente cenário cultural, mas tem em seu fermento as poéticas radicais
dos filmes experimentais de vanguarda do início do século XX. Através de uma abordagem
historiográfica, planeja-se estudar esse contexto interdisciplinar do surgimento e
desenvolvimento da linguagem da videodança, seus artistas expoentes e sua crescente
expansão na contemporaneidade, objetivando apontar para possíveis metodologias,
modos de fazer e ensinar dentro dessa nova forma de expressão artística. Para tanto, serão
analisadas obras que marcaram o contexto artístico internacional e também nacional,

1
“The kinesthetic sense is a separate and fortunate behavior. It allows the experience of dancing to be part of all
of us”.
2
SAYONARA PEREIRA (1960). É professora, pesquisadora, orientadora, editora da revista Sala Preta e diretora
do LAPETT – Laboratório de Pesquisa e Estudos em Tanz Theatralidades na Universidade de São Paulo -
ECA/USP. Pós Doutora (2016) pela Freie Universität Berlim-Alemanha, Pós Doutora (2009) e Doutora (2007) em
Artes-Dança pela Universidade de Campinas (UNICAMP)-SP Brasil. Graduada em Pedagogia da Dança pela
Hochschule Für Musik und Tanz-Köln/Alemanha (2003). Na Alemanha, a convite da bailarina e coreógrafa
Susanne Linke, especializou-se na Folkwang Hochschule (1985), escola dirigida, na ocasião, por Pina Bausch.
Em Essen se radicou e atuou como bailarina, coreógrafa e pedagoga por 19 anos (1985-2004). É autora de
diferentes peças coreográficas, livros, papers e trabalhos escritos. Sua pesquisa transita entre o processo
criativo de obras cênicas, com temáticas contemporâneas, as memórias gravadas e inscritas no corpo do
intérprete e a análise de gestuais, em associação com elementos encontrados no Tanztheater.

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Projeto de Pós-Doutorado Dra. Karina Campos de Almeida
PPGAC-ECA USP Profa. Dra. Sayonara Sousa Pereira

visando identificar quais são as especificidades composicionais que emergem da


linguagem da videodança, considerando as múltiplas possibilidades poéticas que surgem
a partir da interação entre dança e tecnologia. Este projeto, portanto, pretende contribuir
com a produção e difusão de conhecimento específico na área da videodança no Brasil,
bastante atual e em crescente demanda no campo profissional das Artes da Cena, área
ainda pouco tratada nos currículos dos cursos de graduação em Dança, Artes Cênicas ou
Cinema, por carência de professor especializado.

2. Fundamentação teórica

Ao longo do século XX, à medida em que a interdisciplinaridade e a colaboração entre


artistas de diferentes linguagens ganham força, diversas noções composicionais migram
de um território artístico para outro. Como num ciclo com retroalimentação, cria-se uma teia
de conexões e desdobramentos que ampliam os horizontes no campo da criação. Tema,
variação, contraste, clímax, harmonia, dissonância, plano, perspectiva, contraponto, roteiro,
partitura, acumulação, justaposição, conflito, colagem, cinestesia, montagem e
aleatoriedade são algumas noções composicionais que foram exploradas de um modo
recorrente ao longo do século XX, transitando entre as áreas da música, da dança, do
teatro, do cinema e das artes visuais. É evidente que diante de um modus operandi
particular, cada linguagem artística debruça-se sobre sua materialidade, revelando suas
especificidades. Sendo a interdisciplinaridade um aspecto fundamental dessa histórica
“tradição de rupturas” (QUILICI, 2015) que nutre o século XX, o artista contemporâneo é
impulsionado a investigar novas poéticas composicionais, percebendo zonas de
convergência, divergência e adensamento entre uma linguagem artística e outra, entre um
campo de conhecimento e outro. E, nesse contexto de contaminação entre diferentes
linguagens, a videodança configura-se como um novo meio para explorar a poética do
corpo em movimento.

2.1 Videodança

A cinese é, de fato, o traço comum que vincula coreografia e cinematografia


como escrituras de movimento (CALDAS, 2012: 248).

Se na contemporaneidade o campo da videodança encontra-se em crescente


expansão, suas origens podem ser retraçadas aos filmes experimentais de vanguarda do
início do século XX. René Clair (1898-1981), Sergei Eisenstein (1898-1948) e Maya Deren
(1917-1961) estão dentre os diversos artistas que romperam com as formas tradicionais de
emoldurar o corpo e o movimento no cinema, propondo outras construções narrativas,
outras formas de explorar o encadeamento de imagens e, consequentemente, a
construção de sentidos que emerge a partir da montagem. Ao longo do século XX, tanto
com as vanguardas históricas (aquelas do início do século XX), como com as vanguardas
tardias (aquelas do pós-Segunda Guerra Mundial), o sentido de narrativa é expandido e o
“texto” passa a ser construído por uma multiplicidade de “textos” que se manifestam pela

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materialidade de cada elemento que compõe a imagem, a cena, a coreografia - corpos,


objetos, vídeos, sons, figurinos, luzes, palavras, etc -. Os filmes experimentais e também a
dança, principalmente a pós-moderna, investem numa espécie de lógica cinestésica,
sensorial e imagética que convida o espectador a imaginar junto, a criar associações
diante de tudo que vai sendo tecido pela obra.
É possível identificar um olhar coreográfico, uma ênfase numa lógica sensorial e
cinestésica em diversos filmes experimentais do início do século XX. Em Entr’Acte3 (1924),
com roteiro de René Clair e Francis Picabia (1879-1953), o corpo e o movimento são
explorados, por exemplo, no modo como os objetos são animados e nas inusitadas formas
de habitar o espaço urbano, subvertendo as “verdades” estabelecidas pela narrativa
tradicional, expressando uma quebra de noções como “personagem”, “cenário” e
“enredo”. Nesse filme, vemos ainda uma bailarina saltando e girando em câmera lenta,
filmada em contraplongé (de baixo pra cima), sob uma superfície de vidro transparente.
Em O Encouraçado Potemkin (1925), de Sergei Eisenstein, a emblemática sequência da
escadaria de Odessa apresenta um aglomerado de corpos descendo freneticamente a
escada, ressaltando o olhar teatral e coreográfico do cineasta russo, que através de sua
montagem dialética propõe uma construção de sentidos que se dá pelas associações
criativas desencadeadas pela justaposição das imagens e do conflito entre elas. Em
Meshes of the Afternoon (1943), Maya Deren explora um experimentalismo focado na
questão corporal, criando formas inovadoras de emoldurar o corpo no espaço, investindo
numa concepção de tempo que incorpora a ideia de constante metamorfose, trabalhando
com a plasticidade temporal das imagens em movimento, brincando com a repetição para
criar um outro tipo de continuidade. Deren nomeava suas obras de “filme-dança”,
expressando a especificidade das relações entre corpo, câmera e montagem, permitindo a
criação de uma dança que só poderia existir no cinema.
Esse território experimental nutrido pelos filmes de vanguarda abriu os caminhos para as
possibilidades de relações criativas entre corpo e câmera, impulsionando o surgimento da
chamada videodança. A partir de meados dos anos de 1970, Merce Cunningham (1919-
2009), sempre interessado no diálogo entre dança e tecnologia, passa a ser um dos
expoentes dessa nova forma de expressão artística. Em parceria com artistas visuais e
cineastas, tais como Nam June Paik (1932-2006), Charles Atlas (1949-) e Elliot Caplan
(1931-), Cunningham levou suas inovadoras propostas coreográficas para a tela. Em Merce
by Merce by Paik (1975), vemos, por exemplo, a continuidade do movimento contrastando
com a descontinuidade do espaço, manipulado pelo uso do cromaqui. Em Points in Space
(1986), a câmera navega pelo espaço cênico do estúdio, aproximando-se dos corpos dos


3
Entr’Acte reúne diversos artistas comprometidos com o movimento Dada. Conforme descreve Argan, o
movimento Dada “surge quase simultaneamente em Zurique, a partir de um grupo de artistas e poetas (Arps,
Tzara, Ball), e nos Estados Unidos (depois da exposição de 1913, o Armory Show, aberto à arte de vanguarda),
com dois pintores europeus, Duchamp e Picabia, e um fotógrafo americano, Stieglitz, aos quais logo se somará
outro pintor americano, Man Ray. O movimento se alastra com rapidez; a ele aderirá o pintor alemão Max Ernst,
dele se aproximou Schwitters. São os anos da Primeira Guerra Mundial, cuja mera conflagração, mas positivo
porque o comportamento do mundo, que pretende ser lógico e é insensato, é um nonsense negativo e letal.
Todavia, o nonsense, o acaso também podem ter uma coerência e um rigor próprios. Desfinalizada e
desvalorizada, a arte já não é senão um sinal de existência; significativo, porém, quando tudo em redor é
morte” (ARGAN, 1992: 353).

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bailarinos, revelando a multiplicidade de pontos de vistas que compõem a obra, nos


fazendo observar detalhes dos movimentos e das relações que ali são exploradas.
As características das obras acima citadas (ainda que tenham sido descritas muito
brevemente) revelam aspectos desse outro tipo de lógica e produção de sentidos, que
surge nessa teia de relações interdisciplinares que nutre o campo das artes no século XX
e, mais especificamente, quando a dança frequenta o cinema e o cinema frequenta a
dança. Nas palavras de Paulo Caldas, “desnecessário lembrar que a palavra grega kínesis
é base etimológica de cinético, e também de cinema. A cinese é, de fato, o traço comum
que vincula coreografia e cinematografia como escrituras de movimento” (CALDAS, 2012:
248). Imersas num ciclo de contaminações poéticas, dança e cinema têm seus caminhos
cruzados desde o início de suas trajetórias, tanto pelo viés etimológico da palavra cinese,
como pelo interesse em construções de sentidos que emergem dos corpos em movimento
na tela. E, a chamada videodança, vem pontuar com vigor esse hibridismo que nasce a
partir do diálogo entre diferentes formas de arte.
Marcada pelo experimentalismo e pelo hibridismo, a videodança explora uma poética
que emerge de uma lógica cinestésica e sensorial, que revela novas possibilidades de
relação corpo-espaço-tempo. Para Caldas,

Se a videodança extrema e complexifica questões da própria dança


contemporânea, ainda tratar-se-á de reconhecer nela uma dimensão
coreográfica qualquer, algo que afirme uma lógica cinética como
poética: uma dramaturgia de movimento. Mas agora já não se trata
mais necessariamente de reconhecer no corpo tal dimensão. Ela já
não pode se deter aí: a cinese como interface vai autorizar o trânsito
inquieto entre cinema/vídeo e a dança. Compreendidas como
poéticas do movimento, coreografia, cinematografia e videografia se
confundem como cinegrafia, como escritura de movimento; e talvez
seja esse o modo de produzir nas imagens sobre a tela uma
dimensão cinestésica que, como na dança, prolongue a experiência
do ver para além dos olhos (CALDAS, 2012: 253).

A poética do movimento dentro da linguagem da videodança está atada a uma


investigação profunda dessa dimensão cinestésica citada por Caldas. A coreografia do
movimento do bailarino e a coreografia da câmera – o como o corpo será observado pela
lente – são guiados por uma lógica cinestésica que constrói uma dramaturgia do
movimento. Em um certo sentido, a videodança adensa questões fundamentais da dança
contemporânea, trazendo para si a verticalização de um modo de pensar-fazer
coreografias profundamente guiado pela cinestesia.
Thierry De Mey4, Anne Teresa De Keersmaeker5, Wim Vandekeybus6, Lloyd Newson7 e
Paulo Caldas8 estão dentre os artistas que têm explorado de modo aprofundado o diálogo


4
Thierry De Mey (1956-), nascido em Bruxelas, Bélgica, é um compositor de música e realizador de cinema,
focado em filmes de dança. Figura emblemática da cena experimental desde os anos 80/90, é co-fundador
dos quartetos Maximalist! e Ictus. Escreveu para vários grupos musicais e colaborou com vários
coreógrafos e diretores de teatro.
5
Anne Teresa De Keersmaeker (1960-), nascida em Mechelen, Bélgica, é bailarina, diretora e coreógrafa de
dança contemporânea. Figura expoente do campo da dança, é fundadora da companhia Rosas e uma das
fundadoras da escola PARTS (Performing Arts Research and Training Studios), localizada em Bruxelas,
Bélgica.

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entre dança e cinema, entre coreografia e cinematografia. E, por essa razão, suas
videodanças serão analisadas nessa pesquisa.

2.2 Cinestesia

Em termos gerais, a cinestesia refere-se a sensação do movimento, sendo derivada do


grego kinein, movimentar-se, e aisthesis, sensação. A percepção da posição e do
movimento do corpo é dada pelos órgãos sensoriais (proprioceptores) dos músculos e
articulações. De acordo Reason e Reynolds (2010), embora os termos cinestesia e
propriocepção sejam em alguns casos usados como sinônimos, frequentemente se faz
uma distinção entre “propriocepção”, referindo-se a um estímulo vindo do interior do
organismo e “exterocepção”, referindo-se a um estímulo proveniente do exterior do
organismo. A cinestesia, considerada como parte integral da percepção, deve ser
entendida não apenas como algo visual mas como uma percepção ativa e multissensorial
(REASON; REYNOLDS, 2010: 52-3).
Susan Foster (2011) defende que a noção de coreografia tem, incorporada dentro dela,
a noção de cinestesia, que por sua vez se refere a um determinado modo de experienciar
o movimento e a fisicalidade e que, em troca, convoca em outros corpos uma forma
específica de sentir em relação a isso. A fim de demonstrar como a cinestesia desempenha
um papel central na percepção e realização do movimento, Foster articula referências do
campo da neurociência, tais como as pesquisas sobre os sistemas aferentes e eferentes e,
também, sobre o funcionamento dos neurônios-espelho. Ao longo de seu texto, a autora
nos mostra como a informação cinestésica não está apenas relacionada à entrada de um
estímulo sensorial captado pelos receptores musculares e articulares, mas também à uma
ampla variedade de outras fontes de sentidos, tais como vestibular, cutânea e visual. A
partir das referências trazidas por Alain Berthoz (2000), por exemplo, Foster (2011) discute
como os neurônios-espelho atuam na percepção cinestésica, disparando sinais quando o
sujeito realiza uma ação e também quando o sujeito vê uma ação sendo realizada. Ao
assistir à dança, circuitos motores no cérebro do observador são ativados, e ainda que não
necessariamente resulte em movimentos visíveis, esses movimentos são ensaiados
também na sua mente. Nesse sentido, dançarino e observador compartilham de uma
mesma experiência cinestésica proporcionada pela dança: “o observador, assistindo à
dança, está literalmente dançando sozinho” (FOSTER, 2011: 123).


6
Wim Vandekeybus (1963-), nascido em Herenthout, Bélgica, é bailarino, diretor, coreógrafo e cineasta.
Fundador da companhia de dança contemporânea Ultima Vez, localizada em Bruxelas, Bélgica. Artista
emblemático na intersecção entre diferentes linguagens artísticas, tais como teatro físico, dança e cinema.
7
Lloyd Newson (1957-), nascido em Albury, Austrália, é um bailarino, diretor e coreógrafo de dança
contemporânea. Fundador da companhia DV8 Physical Theatre, Londres, Inglaterra, cujas obras são
referências no campo da dança contemporânea, teatro físico, cinema e videodança.
8
Paulo Caldas (1968-), nascido em Rio de Janeiro, é bailarino, coreógrafo e diretor. Fundador da Staccato
Dança Contemporânea, Rio de Janeiro e um dos fundadores do Dança em Foco - Festival Internacional de
Vídeo & Dança, primeiro evento brasileiro dedicado exclusivamente à interface vídeo/dança - e professor
auxiliar do curso de graduação em dança da Universidade Federal do Ceará.

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Foster aproxima, então, o termo cinestesia da noção de empatia, considerando os


estudos de Robert Vischer (1994) e Edward Titchener (1909), que conceituaram a empatia
como um forte e vital componente da sensação cinestésica, como uma experiência
empreendida pela subjetividade do indivíduo. Foster (2011) aponta que tanto para Vischer
(1994) como para Titchener (1909), o processo de alteridade desencadeado pela empatia,
que parte do que alguém sente sobre a experiência do outro, inclui o que o corpo do outro
estava fazendo – o ritmo e a intensidade da ação e a localização do corpo no espaço
(FOSTER, 2011: 127). A autora defende que, por meio da empatia cinestésica, a
experiência de assistir a uma coreografia cria uma mutualidade do observar, do sentir e do
agir como um tipo de ressonância. Para Foster,
Coreografia, qualquer que seja o seu significado, pode fornecer pistas
para esta experiência específica do físico, pelos modos que ela registra
ou documenta o movimento e também as formas que estabelece
princípios sobre os quais o movimento está para ser aprendido e
trabalhado. A noção de empatia, então, teoriza o potencial da
organização cinestésica do corpo de alguém para inferir a experiência
de outro (FOSTER, 2011: 175).

A noção de noção de cinestesia nos permite atualizar o sentido de coreografia, nos


fazendo pensar nas relações estabelecidas entre obra e espectador. Diante de uma
coreografia, o observador se depara com novos modos de dançar, expandindo as
potencialidades expressivas e poéticas sobre sua própria corporeidade, atentando-se,
devido ao sentido cinestésico, para novas formas de sensibilidade, novas formas de ser e
estar no mundo.
No que se refere à videodança, essa relação entre cinestesia e coreografia pode ser
intensificada, uma vez que os processos de captação das imagens, edição e montagem
permitem uma manipulação específica do movimento na tela, convidando o espectador a
navegar por uma poética do corpo que dança e da dança dos corpos (os múltiplos
corpos/elementos que compõem um quadro). Nesse sentido, ao intensificar essa relação
intrínseca entre cinestesia e coreografia, os processos criativos em videodança nos
oferecem materiais para o estudo de uma lógica cinestésica, um pensar-fazer específico
do corpo, um tipo de comunicação que se dá pela escritura do movimento no espaço-
tempo.

2.3 Coreografia

Ao longo da História da Dança no Ocidente, mais especificamente em um contexto


euro-americano, os termos “composição” e “coreografia” agregaram diversos tipos de
práticas, tendo os seus sentidos transformados e questionados diante das particularidades
e padrões vigentes de cada contexto.
O uso atual do termo coreografia extrapola as definições de “a arte de dançar” e “a arte
de escrever danças no papel”, “a grafia” da dança. Conforme discute Susan Foster, em
seu artigo Choreographies and Choreographers (2009), se o termo coreografia foi
difundido inicialmente no século XVIII, através dos sistemas de notação feitos pelos

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mestres de dança à pedidos de Luís XIV, foi apenas no século XX que o sentido de
coreografia foi ampliado, passando a ser associado à ideia de composição. A autora
aponta que no decorrer do século XIX, o termo coreografia caiu em desuso, tanto na língua
francesa como na inglesa e que, quando era utilizado em jornais ou críticas, referia-se
indiscriminadamente ao ato de dançar, de aprender a dançar ou de compor uma dança.
Foi apenas no final dos anos de 1920 e início de 1930, que o termo coreografia passou a
ser empregado de um novo modo, especialmente nos Estados Unidos, quando os jornais
de Nova York contrataram críticos especializados em dança. Nesse contexto, tais críticos
passaram a se referir ao coreógrafo como o autor da dança e à coreografia como a
apresentação encenada de movimento, resultante do processo criativo de composição em
dança (Cf.: FOSTER, 2009: 105-6). Em Nova York, nesse período dos anos de 1930, o
crítico John Martin contribuiu significativamente para a difusão da dança moderna,
tornando-se um dos maiores defensores dessa nova forma de expressão artística.
De acordo com Foster (2009), outro fato que marca a difusão e o emprego do termo
coreografia de uma nova maneira é quando, a partir de 1935, a Bennington College passa
a oferecer cursos específicos de composição de dança, análise musical, história e crítica
de dança. O corpo de professores da escola era formado por figuras ilustres da dança
moderna, como Martha Graham (1894-1991)9, Hanya Holm (1893-1992)10, Doris Humphrey
(1895-1958)11, Charles Weidman (1901-1975)12 e Louis Horst (1884-1964)13. Graham, Holm
e Humphrey ensinavam as suas próprias abordagens técnicas de dança moderna,
investindo em suas visões particulares e inovadoras de exploração do movimento.
Segundo Foster (2009), os professores da Bennington contribuíram para a difusão de um
entendimento da composição coreográfica como um processo que considerava uma
abordagem mais pessoal, em que o indivíduo tornava-se a origem do movimento e o corpo
o instrumento da expressão subjetiva (Cf.: FOSTER, 2009: 107-9).
A partir dos anos de 1930, os ensinamentos de Louis Horst e Doris Humphrey sobre
composição coreográfica tornaram-se uma grande influência no campo da dança
moderna. Horst, que era mentor, músico e companheiro de Graham, desenvolveu sua


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Martha Graham (1894-1991), bailarina, coreógrafa e professora estadunidense, figura que integra a
segunda geração de pioneiros da dança moderna norte-americana. Estudou com Ruth S. Denis e Ted
Shawn, bailarinos da primeira geração da dança moderna norte-americana. Fundou a Martha Graham
Dance Company, formando diversos bailarinos tais como Alvin Ailey (1931-1989), Twyla Tharp (1941-), Paul
Taylor (1930-2018), Merce Cunningham (1919-2009), dentre outros.
10
Hanya Holm (1893-1992), nascida em Worms, Alemanha, bailarina, coreógrafa e professora, foi aluna de
Emile Jacques-Dalcroze (1865-1950) e Mary Wigman (1886-1973). Mudou-se para Nova York nos anos de
1930, fez parte do corpo docente da Bennington College, ao lado de Martha Graham, Charles Weidman e
Doris Humphrey.
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Doris Humphrey (1895-1958), bailarina, coreógrafa e professora estadunidense, figura que integra a
segunda geração de pioneiros da dança moderna norte-americana. Também estudou com Ruth S. Denis e
Ted Shawn, bailarinos da primeira geração da dança moderna norte-americana. Foi parceira de Charles
Weidman na criação da Humphrey-Weidman Company. Deixou um importante estudo na área de
composição de dança, The Art of Making Dances (1958). Influenciou diversos artistas, tais como José
Limon, que deu continuidade ao desenvolvimento dos ensinamentos de Humphrey junto à José Limón
Dance Company.
12
Charles Weidman (1901-1975), bailarino, coreógrafo e professor estadunidense, faz parte dos pioneiros
da segunda geração da dança moderna norte-americana. Foi parceiro de Doris Humphrey na criação da
Humphrey-Weidman Company.
13
Louis Horst (1884-1964), músico, compositor e professor estadunidense, foi parceiro de Martha Graham
como diretor musical e professor de composição em dança na Martha Graham School. Lecionou na área de
composição em instituições como Bennington College, Barnard College, Sarah Lawrence College, dentre
outras.

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abordagem composicional em dança tendo como referência o campo da música,


apoiando-se em estruturas como tema, variação, contraste, cânone, repetição, clímax,
desenvolvimento lógico, dentre outras (articuladas em padrões de frase como ABA, ABAB,
ABCAB, etc). Além disso, a abordagem de Horst também era inspirada em determinados
movimentos das artes visuais, tais como o primitivismo e o expressionismo. Já Humphrey
desenvolveu um trabalho específico associando a respiração com as noções de queda e
recuperação. Em seu livro The Art of Making Dances (publicado em 1958, após a sua
morte), Humphrey articulou diversas noções composicionais características da dança
moderna. E, conforme aponta Holly Cavrell, em seu livro Dando Corpo à História (2015),
Humphrey, assim como os demais dançarinos modernos, trabalhavam em suas
composições com os eventos históricos, como

a Guerra Civil Espanhola, a Grande Depressão, a política de Franklin


Delano Roosevelt, o início da Alemanha Fascista e Hitler, a América
ainda fortemente agrária, a construção de enormes arranha-céus, a
Guernica de Picasso, as pinceladas elétricas de cor de Kandinsky e
a aproximação da Segunda Guerra Mundial com suas armas
nucleares (CAVRELL, 2015: 142).

Cavrell (2015) apresenta uma citação de Humphrey que demonstra como a dançarina
estava interessada em repensar a composição em dança, considerando o turbilhão de
mudanças sociais, políticas e históricas de sua época, questionando a missão dos artistas
perante à sociedade:
Me parece que aquela convulsão social do cataclisma do primeiro
mundo foi, mais do que qualquer outra coisa, responsável pela
emergência da teoria composicional. Os choques atingiram a vida
impensada dos bailarinos até o âmago, especialmente nos Estados
Unidos. Tudo foi re-avaliado à luz da violência e de terríveis rupturas,
e a dança não foi uma exceção... Nos Estados Unidos e na
Alemanha, bailarinos se perguntavam questões sérias. ‘Sobre o que
estou dançando?’; considerando o tipo de pessoa que sou e não o
mundo em que vivo, vale a pena? Mas se não, que outro tipo de
dança deve haver, e como ela deve ser organizada? (HUMPHREY
apud MEYERS, 2008: 17 in CAVRELL, 2015: 142).

A virada coreográfica, que ocorre a partir de 1950, questiona os pressupostos da dança


moderna e, portanto, as noções composicionais disseminadas por Horst e Humphrey. E,
com as implosões de padrões feitas por artistas como Alwin Nikolais (1910-1993)14, Paul
Taylor (1930-2018) 15 , Merce Cunningham (1919-2009) 16 e pelo coletivo Judson Dance


14
Alwin Nikolais (1910-1993), bailarino, coreógrafo, cenógrafo, compositor e diretor estadunidense, estudou
Bennington College com Hanya Holm, Martha Graham, Doris Humphrey, Charles Weidman, Louis Horst e
outros. É conhecido pelo seu trabalho multimídia que integra dança, luz, cenários, objetos cênicos,
projeções, explorando como a abstração pode se manifestar no corpo que dança.
15
Paul Taylor (1930-2018), bailarino, coreógrafo e diretor estadunidense, estudou na Juilliard School e
dançou na Martha Graham Dance Company, com Doris Humphrey, Charles Weidman, Jose Limon, Jerome
Robbins e George Balanchine. Fundou a Paul Taylor Dance Company que tem em seu repertório mais de
140 obras.
16
Merce Cunningham (1919-2009), bailarino, coreógrafo, professor e diretor estadunidense, estudou Belas
Artes na Cornish School e dança na Bennington College. Dançou na Martha Graham Dance Company, mas
seu interesse por novos modos de composição o aproxima de John Cage, parceiro de arte e vida. Fundou a
Merce Cunningham Dance Company, criou mais de 200 obras marcadas pelo experimentalismo,
envolvendo operações do acaso, tecnologia, novas mídias, relações entre diferentes formas de arte.

10
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PPGAC-ECA USP Profa. Dra. Sayonara Sousa Pereira

Theater (1962-1964)17, a prática da composição coreográfica passa a compreender outros


valores. O corpo deixaria de ser visto como instrumento da expressão subjetiva e passaria
a ser o próprio meio pelo qual a expressão acontece. Esses artistas passaram a investir, de
uma forma intensa, na composição coreográfica como um espaço de invenção, onde era
mais importante não aquilo que a obra “diz”, mas aquilo que a obra “produz”. Em outras
palavras, a composição coreográfica passou a focalizar aquilo que emerge da própria
lógica inventada pelo ato de dançar, do próprio corpo que dança, sem a necessidade de
ter uma estrutura narrativa linear conduzindo o desenvolvimento da obra. Nesse sentido,
Laurence Louppe (2012) nos apresenta uma definição de composição que lança luz ao
experimentalismo que é deflagrado a partir de 1950 e que continua a reverberar na cena
atual da dança contemporânea:

Como matriz de invenção e organização do movimento que


dará origem à obra, e mais ainda como filosofia de acção, a
composição é um elemento fundamental da dança contemporânea.
A sua definição e o papel na escola contemporânea pertencem-lhe
somente e estão ligados a toda a sua história. Com efeito, a
composição é um exercício que parte da invenção pessoal de um
movimento ou da exploração pessoal de um gesto ou motivo que
termina com uma unidade coreográfica inteira, obra ou fragmento de
obra. (...) De facto, não somente implica um
desenvolvimento a partir de movimentos originais
suscitados pela inspiração individual, mas também, a sua
poética exige ainda que essa própria ‘invenção’ dê lugar a
todo o trabalho constitutivo que lhe confere o seu ‘grão’
singular e mesmo a curva inteira do seu trajeto (LOUPPE,
2012: 223-4, grifos meus).

Pensar e praticar a composição como filosofia de ação pressupõe o entendimento de


que todo movimento está impregnado de processos interiores e pela experiência do
bailarino. Diante da multiplicidade de sentidos que podem compor a cena, o dançarino
compõe sua dança e sua expressividade tendo na mente e no corpo tudo o que ela pode
significar, acionar, desvelar. Compreender, portanto, a composição como um espaço em
que invenção e organização andam de mãos dadas faz com que a ideia de coreografia
seja atualizada e melhor entendida na atualidade, sendo vista como uma prática criativa
em que cada escolha de movimento, com sua qualidade técnica-expressiva, traz consigo
uma poética própria do corpo que dança.
Louppe (2012) nos diz que a poética “procura circunscrever o que, numa obra de arte,
nos pode tocar, estimular a nossa sensibilidade e ressoar no imaginário, ou seja, o conjunto
das condutas criadoras que dão vida e sentido à obra” (LOUPPE, 2012: 27). A autora
argumenta, também, que a poética da dança emerge do encontro entre os corpos, do
próprio ato de dançar e do fazer, pois a arte da dança está ligada

(...) a todas as raízes mais profundas do sujeito que possam colorir


um enunciado gestual. A dança, que podemos considerar a poesia

17
O Judson Dance Theater (1962-1964) foi um coletivo de artistas que se reuniu por 2 anos no espaço da
Judson Church, Nova York, a fim de experimentar novos modos de criação e colaboração em dança.
Bailarinos, atores, músicos, poetas, músicos e artistas visuais participavam das performances, borrando as
fronteiras entre as artes. As criações do Judson Dance Theater foram marcadas por um radical
experimentalismo e criaram o terreno para o surgimento da dança pós-moderna.

11
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PPGAC-ECA USP Profa. Dra. Sayonara Sousa Pereira

do corpo, intensifica e exemplifica essa relação. Isso significa que é


sobretudo na dança que a dupla presença do bailarino-espectador,
também ela um encontro de corpos, se actualiza num diálogo
intensificado, diálogo este tanto mais marcante para o nascimento
das estesias por implicar um encontro no tempo e no espaço. Esse
encontro não poderia ser adiado. Ele próprio provoca uma
experiência de percepção no tempo e no espaço, uma travessia
dessa experiência, de ambas as partes. Uma poética da dança, e
sobretudo da dança contemporânea, cujos princípios teóricos são
extremamente ricos, tem a vantagem de estudar os mecanismos
dessa situação excepcional. Como o próprio nome indica, ela faz
parte do fazer (em grego, poiein) (LOUPPE, 2012: 29).

Compreender a poética da dança como algo que emerge do encontro gerado pela
dupla presença dançarino-espectador, do próprio ato de dançar e do fazer, envolve,
também, o entendimento do corpo como corporeidade. Segundo Valerie Preston-Dunlop e
Ana Sanchez-Colberg (2010), a corporeidade abrange

(...) um corpo que é pessoal, social, emocional, animal, mineral,


vegetal, sexual, biológico e psicológico assim como um agente do
movimento, aquele que é dado um contexto, um espaço, que é ele
próprio sócio-pessoal, político, doméstico, abstrato, consciente,
inconsciente, etc (PRESTON-DUNLOP; SANCHEZ-COLBERG, 2010:
09).

Ou ainda, e mais especificamente, a poética da dança contemporânea engendra a


noção de corporeidade dançante, definida por Michel Bernard como

uma rede plástica instável, ao mesmo tempo sensorial, motora,


pulsional, imaginária e simbólica que resulta de uma interferência de
uma dupla história: de uma parte, aquela coletiva da cultura a qual
pertencemos e que forjamos nos primeiros hábitos de nutrição, de
higiene, do andar, de contatos, etc., e aquela, essencialmente
individual e contingente, de nossa história libidinal que modelou a
singularidade de nossos fantasmas e de nossos desejos (BERNARD
apud PRIMO, 2014: 45).

A partir das referências aqui articuladas, é possível notar que o emprego do termo
coreografia na contemporaneidade envolve uma matriz de invenção, experimentação e
organização de movimentos e também o investimento numa poética que emerge da
própria corporeidade dançante. E, ainda, como vimos anteriormente, segundo Foster
(2011) a noção de coreografia tem, incorporada dentro dela, a noção de cinestesia. Essa
atualização do termo coreografia é fundamental para as experimentações criativas no
campo da videodança. A coreografia na videodança irá explorar de um modo intenso a
empatia cinestésica, a elaboração e invenção de movimentos que acontece tanto para o
dançarino como para o observador. Uma poética cinestésica que apresenta ao observador
novos modos de dançar, expandindo as potencialidades expressivas e poéticas sobre sua
própria corporeidade, convidando-o a olhar para novas formas de sensibilidade, novas
formas de ser e estar no mundo.

12
Projeto de Pós-Doutorado Dra. Karina Campos de Almeida
PPGAC-ECA USP Profa. Dra. Sayonara Sousa Pereira

3. Justificativa

Desde 2011, quando participei da residência artística “Narrative and poetics in the
process of devising dance for the screen” na The Place, London Contemporary Dance
School, tenho pesquisado o contexto interdisciplinar do surgimento e desenvolvimento da
linguagem da videodança. Tal residência artística fez parte da pesquisa de mestrado “A
composição como decomposição - um olhar sobre a criação em dança”, orientada pelo
Prof. Dr. Eusébio Lobo da Silva, com bolsa FAPESP, de 2010 a 2012, desenvolvida no
PPGADC da Unicamp. Quando estive em Londres, pude acessar e coletar referências
bibliográficas especializadas em videodança, além de entrar em contato com
pesquisadores e artistas renomados na área, o que contribuiu muito para que meu
processo de formação nessa linguagem fosse iniciado de forma estimulante. No doutorado,
no entanto, a pesquisa acerca da videodança não foi meu campo específico de estudo.
Como pesquisadora, senti a necessidade de verticalizar meus estudos acerca da
composição e suas relações interdisciplinares, verificando em que medida a dança vinha
atuando como catalisadora de diferentes noções composicionais ao longo do século XX.
Se, por um lado, a videodança não foi um aspecto central em minha pesquisa de
doutorado, por outro lado, estudei a fundo determinados artistas expoentes do cinema
experimental de vanguarda que, por sua vez, criaram os alicerces para que os pioneiros
da videodança edificassem posteriormente suas obras. A pesquisa “Entre-territórios: a
dança como catalisadora de diferentes noções de composição” foi orientada pelo Prof. Dr.
Matteo Bonfitto, com bolsa FAPESP/BEPE, de 2012 a 2016, com um semestre de doutorado
sanduíche na Barnard College Department of Dance, Columbia University, Nova York.
Paralelamente a pesquisa, dei continuidade aos meus estudos no campo da videodança,
colaborando e criando com outros artistas, produzindo obras e apresentando-as em
festivais especializados. Após o doutoramento, comecei a organizar o material bibliográfico
e videográfico que havia coletado em Londres, Nova York e também no Brasil sobre
videodança, vislumbrando o planejamento de um curso de longa duração, ou uma
pesquisa de pós-doutorado na área.
O curso de longa duração tornou-se concreto quando, de agosto a dezembro de 2017,
fui selecionada para ministrar uma disciplina inédita no Curso de Dança da UNICAMP,
atuando como Professora Especialista Visitante em Graduação. A disciplina configurou-se
como uma das ações do projeto18 “O corpo em foco: perspectivas interdisciplinares na
composição coreográfica e na videodança”, elaborado por mim sob coordenação geral da
Profa. Dra. Marisa Lambert, coordenadora do Curso de Dança da UNICAMP. Sob o título
de “Experimentações em videodança: narrativas e poéticas do corpo em movimento”, a
disciplina teve 50 alunos matriculados, os quais permaneceram até o final do curso. O
programa da disciplina teórico-prática foi elaborado por mim, considerando uma
metodologia guiada pelo estudo de bibliografia especializada, exibição e análise de
videodanças, exercícios de criação e elaboração de uma videodança de curta duração. A

18 Além da disciplina, foram realizadas uma Mostra de Videodança, uma mesa de discussão Dança e
Tecnologia, uma oficina aos alunos do PROFIS-UNICAMP e a organização de um acervo composto por
bibliografia especializada e videodanças.

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Projeto de Pós-Doutorado Dra. Karina Campos de Almeida
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criação no campo da videodança foi analisada a partir de uma abordagem historiográfica,


apoiada na apreciação de obras que marcaram o contexto artístico internacional e também
nacional. Especificidades da linguagem da videodança foram tratadas considerando as
múltiplas possibilidades poéticas que surgem a partir da interação entre dança, cinema e
tecnologia. Como resultado da disciplina, foi organizada uma Mostra de Videodança19,
exibindo obras que marcaram o contexto histórico dessa expressão artística e, também,
aquelas que foram criadas pelos alunos ao longo da disciplina.
Depois de terem cursado a disciplina, os alunos ampliaram suas referências estéticas e
técnicas, adquirindo um conhecimento específico sobre a historiografia dos filmes
experimentais e videodança, desenvolvendo competências para explorar as noções de:
enquadramento, planos, ângulos, perspectivas, movimento de câmera, profundidade de
campo, continuidade de movimento na videodança, construção da imagem na tela
(conflitos gráficos, sonoros, de volume, de luz, de perspectiva, de assunto e ponto de
vista), argumento, roteiro, storyboard, montagem e edição.
Ter ministrado essa disciplina foi fundamental para a elaboração desse projeto de pós-
doutorado, que deseja apontar para possíveis metodologias, modos de fazer e ensinar
dentro dessa nova forma de expressão artística. A partir dessa experiência de ensino,
pude perceber como é grande o interesse dos novos artistas-pesquisadores das Artes da
Cena pela videodança e, também, como é escassa uma formação especializada nessa
área de atuação. Nas palavras20 da coordenadora do Curso de Dança da Unicamp, profa.
Dra. Marisa Lambert,

Os conhecimentos específicos compartilhados pela professora sobre


a interrelação entre dança e tecnologia proporcionaram aos alunos
um outro espaço para o amadurecimento de novas ferramentas de
criação e composição, o que resultou no alargamento de suas
competências enquanto artistas e futuros professores. Seu trabalho
na disciplina “Experimentações em videodança: narrativas e
poéticas do corpo em movimento” ofereceu um contato prático-
teórico claro e minucioso com princípios e conceitos próprios dessa
linguagem, tão em voga na atualidade. Conteúdos do campo
midiático, vídeo e cinema – como noções de perspectiva,
enquadramento, corte/edição (...) – entrelaçados ao uso apurado da
cinestesia do corpo, proporcionaram um aprendizado ativo de
comunicação expressiva e construção poética (LAMBERT, 2017: 10-
11).

Considerando a atual e crescente demanda no campo profissional de conhecimentos


relacionados à videodança e tendo em vista de que se trata de uma área ainda pouco
abordada nos currículos dos cursos de graduação em Dança, Artes Cênicas ou Cinema,
por carência de professor especializado, essa pesquisa de pós-doutorado visa contribuir


19
Como registro deste evento, foram criados um teaser de divulgação e uma matéria feita pela RTV – Unicamp,
composta por entrevistas e pela exibição das videodanças. O teaser pode ser conferido aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=NBHhyCQALPc&t=2s . A entrevista pode ser conferida aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=32KaBhrfZSU&list=LLIbv86TkZal7E9QWkatWBLA . O programa da RTV –
Unicamp com as videodanças criadas para a disciplina pode ser visto aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=TIvZnsMCtoM&t=2240s.
20
Relatório final de atividades do projeto “O corpo em foco: perspectivas interdisciplinares na composição
coreográfica e na videodança Profa. Dra. Karina Almeida; Coordenação geral do projeto: Profa. Dra. Marisa
Lambert, Curso de Dança, Instituto de Artes. Edital 14 do programa “Professor Especialista Visitante em
Graduação” da Universidade Estadual de Campinas, 2017.

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com a produção e difusão de conhecimento específicos na área, investigando propostas


metodológicas de ensino e estratégias de criação relacionados a essa nova forma de
expressão artística.

4. Hipóteses

Buscando defender um tipo de lógica particular, criada pelo próprio corpo que dança,
apresenta-se nessa pesquisa a hipótese de que a cinestesia desempenha papel central
nas composições coreográficas feitas para videodança. Nesse sentido, cinestesia e
coreografia serão adotados como conceitos-chave para investigar novas possibilidades
estéticas e dialógicas no campo da criação em videodança, analisando estratégias
composicionais fundamentadas na interdisciplinaridade entre os campos da dança,
cinema e artes visuais. Tendo em vista as articulações tecidas até aqui, as perguntas
norteadoras dessa pesquisa são: Como criar uma dramaturgia do movimento tendo o
sentido cinestésico como principal guia para a relação entre corpo e câmera? Como
explorar a continuidade da coreografia e a relação entre corpo e espaço-tempo a partir de
pressupostos composicionais específicos da videodança? Quais os conceitos que
emergem quando investigam-se narrativas guiadas por uma lógica do corpo na
videodança? Quais são as metodologias de ensino possíveis dentro do campo da
videodança? Como as especificidades conceituais, estéticas e metodológicas que
emergem da criação em videodança podem contribuir com a criação em dança
contemporânea? Como a poética da videodança, guiada pela cinestesia, pode contribuir
com novas formas de registro de obras cênicas?

5. Metodologia

Desenvolver uma pesquisa de pós-doutorado que visa estudar e problematizar as


noções de cinestesia e coreografia como conceitos-chave na videodança, envolve uma
série de questionamentos processuais e também incertezas acerca do próprio fenômeno a
ser estudado. Nesse contexto, pretende-se praticar um modo de olhar para esse campo de
investigação que analisa, relaciona e compõe a partir e na experiência de criação,
entendida aqui como teórico-prática. Dentro do território da pesquisa qualitativa, encontra-
se na Cartografia uma possibilidade metodológica que considera esse processo da
experiência e o sujeito na experiência, considerando as relações que emergem entre o
pesquisador e aquilo que está sendo pesquisado. De acordo com Passos e Benevides
(2009) a cartografia pode ser entendida como método de pesquisa-intervenção em que

(…) Mergulhados na experiência do pesquisar, não havendo


nenhuma garantia ou ponto de referência exterior a esse plano,
apoiamos a investigação no seu modo de fazer: o know how da
pesquisa. O ponto de apoio é a experiência entendida como um
saber-fazer, isto é, um saber que vem, que emerge do fazer. Tal
primado da experiência direciona o trabalho da pesquisa do saber-
fazer ao fazer-saber, do saber na experiência à experiência do

15
Projeto de Pós-Doutorado Dra. Karina Campos de Almeida
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saber. Eis aí o ‘caminho’ metodológico (PASSOS e BENEVIDES,


2009: 18).

Tendo em vista o cumprimento dos objetivos e a verificação das hipóteses levantadas, a


presente pesquisa se orientará pelas diretrizes que seguem:

1. Experimental – Pela coleta, análise e revisão bibliográfica de materiais relacionados aos


estudos das noções de cinestesia e coreografia, na área da dança contemporânea e da
videodança; pela pesquisa historiográfica do surgimento da videodança e seu cruzamento
com o cinema experimental, compreendendo a análise de determinadas obras que
marcaram o contexto nacional e internacional dessa expressão artística; pela realização de
experimentações práticas de criação em videodança, guiada por procedimentos e
reflexões emergentes da pesquisa. As experimentações práticas serão realizadas em
parceria com um grupo de pesquisa, formado por alunos/artistas que se interessarem em
participar do projeto, sob supervisão geral da Profa. Dra. Sayonara Pereira.

2. Qualitativa – Pela qualificação e análise dos resultados obtidos em experimentação


prática relacionados às expectativas causadas pelo estudo teórico.

Materiais

No que se refere aos materiais, além das referências teóricas e artísticas já


mencionadas no item 2. Fundamentação teórica, apresentamos aqui eixos temáticos que
irão guiar os estudos a serem realizados nessa pesquisa.
1) Pioneiros da relação corpo e câmera no cinema de vanguarda – Estudo teórico
(historiografia e análise) relacionado à determinadas obras de Eadweard Muybridge
(1830-1904), Loie Fuller (1862-1928), Auguste Lumière (1862-1954) e Louis Lumière
(1864-1948), George Mélies (1861-1938), René Clair (1898-1981), Fernand Léger (1881-
1955) e Stanley Brakhage (1933-2003). Estudo prático explorando enquadramento com
a câmera fixa (efeito cone e profundidade de campo) e a edição na câmera através da
mudança do espaço.
2) Os filmes experimentais de Maya Deren (1917-1961) e suas contribuições para a
videodança – Estudo teórico (historiografia e análise) relacionado à determinadas obras
de Deren. Estudo do conceito de geografia criativa associado aos elementos que
compõem a linguagem audiovisual (enquadramento, profundidade de campo, planos,
ângulos, perspectiva, conceitos e edição na câmera).
3) A lógica cinestésica e continuidade nas obras de Maya Deren (1917-1961) e Hilary
Harris (1929-1999) – Estudo teórico (historiografia e análise) das obras A Study in
Choreography for Camera (1945), de Maya Deren e Nine Variations on a Dance Theme
(1966) de Hilary Harris. Estudo prático sobre cinestesia, coreografia e a continuidade
do movimento dançado como questões centrais do filme.

16
Projeto de Pós-Doutorado Dra. Karina Campos de Almeida
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4) Visão expandida do conceito de narrativa – Estudo teórico de obras (historiografia e


análise) de Pascal Baes (1959-) e Katrina McPherson (1967-). Estudo prático sobre
continuidade, aproximando os conceitos de stop-motion, raccord e geografia criativa.
5) A construção da imagem na tela: forma, luz e som – Estudo teórico (historiografia e
análise) de determinadas obras de Sergei Eisenstein (1898-1948), focando nos
conceitos de montagem dialética, justaposição e conflito. Estudo prático sobre a
relação entre forma e sentido dentro do audiovisual, focalizando o processo associativo
disparado pelo trânsito entre pensamento por imagens e pensamento conceitual.
Exercícios com câmera que proporcionem a experimentação de diferentes relações de
forma e luz (linhas e formas geométricas, volume, perspectiva, luz, sombra,
tonalidades, ótica e cores) e também de som (exploração da sonoridade das coisas e a
percepção sonora do entorno).
6) Dança, tecnologia e experimentação: Oskar Schlemmer (1888-1943), Alwin Nikolais
(1910-1993), Merce Cunningham (1919-2009), John Cage (1912-1992) e Nam June Paik
(1932-2006) – Estudo teórico a partir de determinadas obras dos artistas citados,
focando na relação entre as noções de corpo, abstração e tecnologia. Estudo prático a
partir de exercícios com câmera buscando formas de captação e edição focados na
abstração do corpo na tela.
7) Analívia Cordeiro (1954-), Paulo Caldas (1968-) e Alexandre Veras (1969-):
contribuições para videodança no Brasil – Estudo teórico de determinadas obras dos
artistas citados, ressaltando suas contribuições específicas para a disseminação da
videodança no Brasil.
8) Un jour Pina a demandé (1983) de Chantal Akerman (1950-2015) e O Lamento da
Imperatriz (1989), de Pina Bausch (1940-2009) – Estudos teóricos a partir das obras
citadas, destacando as particularidades de cada filme e suas contribuições para a
relação entre Dança e Cinema.
9) Colaborações entre Anne Teresa De Keersmaeker (1960-) e Thierry De Mey (1956-) –
Estudos teóricos a partir de determinadas obras dos artistas citados. Estudo prático
focando na questão da edição como coreografia, explorando noções de pulso, frases
de movimento, simetria e assimetria, espaço/plano/take.
10) A narrativa na videodança – estudos teóricos a partir de determinadas obras do DV8,
de Lloyd Newson (1957-), Philippe Decouflè (1961-) e Wim Vandekeybus (1963-).
Estudo prático acerca dos pontos de partida e metodologias na produção de uma
videodança. Exercícios de criação com câmera escolhendo um dos seguintes pontos
de partida: tema, história, ideias formais, visual ou sonoro. Exercícios de elaboração de
roteiros e storyboards, a partir de proposta de roteiros imagéticos ou sensoriais.

Cada eixo temático foi desenvolvido visando traçar um panorama histórico e artístico do
surgimento da videodança, especificando os principais conceitos que emergem dessa
forma de criação. E, o estudo de tais conceitos através de exercícios práticos específicos,
visa uma produção de conhecimento que entrelace teoria e prática e, sobretudo, aponte

17
Projeto de Pós-Doutorado Dra. Karina Campos de Almeida
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para possíveis metodologias, modos de fazer e ensinar dentro dessa nova forma de
expressão artística.
Visando aprofundar a pesquisa aqui desenvolvida, pretendo realizar um período de
estudos no exterior, na The Place – London Contemporary Dance School, Londres, que em
2018 inaugurou o primeiro curso no mundo de Mestrado em Videodança (MA Studies in
Screendance). Esse período de estudos no exterior será planejado em parceria com a
referida instituição e dependerá de aprovação de fontes de financiamento.
Durante esses dois anos de pesquisa de pós-doutorado proponho lecionar, junto à
supervisora deste projeto, disciplinas no PPGAC-ECA USP. A atividade docente será
também uma oportunidade de aprofundamento dos estudos propostos neste projeto, tanto
no campo teórico como no prático. A disseminação dos resultados da pesquisa será feita
através de participação em congressos nacionais e internacionais, além da publicação de
artigos em revistas especializadas e criação e apresentação de obras artísticas.

6. Objetivos

Objetivo geral:

Desenvolver uma pesquisa teórico-prática sobre novas possibilidades estéticas e


dialógicas no campo da criação em videodança, adotando como conceitos-chave as
noções de cinestesia e coreografia, analisando estratégias composicionais fundamentadas
na interdisciplinaridade entre os campos da dança, cinema e artes visuais.

Objetivos específicos:

- Delimitar os conceitos de videodança, coreografia e cinestesia a partir de revisão


bibliográfica;
- Analisar determinadas obras do cinema de vanguarda e de videodança, identificando
suas contribuições para a relação dialógica entre Corpo e Câmera;
- Pesquisar estratégias composicionais que possam apontar para possíveis
metodologias, modos de fazer e ensinar dentro do campo da videodança;
- Realizar experimentações práticas em parceria com um grupo de pesquisa, explorando
os conceitos emergentes dos estudos teóricos;
- Organizar um material didático para ensino de videodança; ministrar disciplina no
PPGAC-ECA USP junto à supervisora do projeto.
- Escrever artigos acadêmicos a partir dos materiais resultantes dessa pesquisa e
divulgar resultados da pesquisa em congressos nacionais e internacionais;
- Realizar um período de estudos no exterior;

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7. Plano de trabalho

A presente pesquisa será desenvolvida no período de dois anos, a contar da data de


aprovação do projeto submetido ao PPGAC-ECA USP. Ao longo desse período, será
desenvolvida uma pesquisa teórico-prática sobre novas possibilidades estéticas e
dialógicas no campo da criação em videodança. O plano de trabalho será guiado através
dos dez eixos temáticos descritos detalhadamente na metodologia e envolverá pesquisa
de natureza teórica através de leitura bibliográfica; análise de determinadas obras do
cinema de vanguarda e de videodança, identificando suas contribuições para a relação
dialógica entre corpo e câmera; pesquisa de estratégias composicionais, possíveis
metodologias, modos de fazer e ensinar dentro do campo da videodança;
experimentações práticas em parceria com um grupo de pesquisa, explorando os
conceitos emergentes dos estudos teóricos; elaboração de artigos científicos;
organização de evento científico; oferecimento de disciplinas de pós-graduação, junto à
supervisora do projeto, no PPGAC-ECA USP; participação em congressos e seminários
nacionais e internacionais e período de pesquisas em outros estados e no exterior (The
Place – London Contemporary Dance School, Londres).
As atividades descritas acima serão articuladas junto à supervisora do projeto, Profa.
Dra. Sayonara Pereira, através de encontros de orientação individual e coletiva, junto ao
seu grupo de pesquisa, LAPETT.

8. Cronograma

ATIVIDADE/ MÊS 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24
- Pesquisa de natureza X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X
teórica através de leitura
bibliográfica, considerando
os eixos temáticos da
pesquisa;
- Análise de determinadas X X X X X X X X X X X X X X X X
obras do cinema de vanguarda
e de videodança, identificando
suas contribuições para a
relação dialógica entre Corpo
e Câmera, considerando os
eixos temáticos da pesquisa;
- Elaboração de artigo sobre os X X X
materiais teóricos e
audiovisuais pesquisados;
- Pesquisa de estratégias X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X
composicionais, possíveis
metodologias, modos de fazer
e ensinar dentro do campo da
videodança, considerando os
eixos temáticos da pesquisa;
- Experimentações práticas em X X X X
parceria com um grupo de
pesquisa, explorando os
conceitos emergentes dos
estudos teóricos;
- Elaboração de artigo sobre as X X X
estratégias composicionais e
metodologias no campo da
videodança, articulado com
materiais provenientes das
experimentações práticas.
- Organização de evento X X X
científico;
- Oferecimento de disciplinas X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X
de pós-graduação, junto
à supervisora do projeto, no
PPGAC-ECA USP;
- Participação em congressos X X X
nacionais e internacionais;*
- Período de pesquisas em X X X X
outros estados e no
exterior **
- Elaboração de artigo final X X X
sobre a pesquisa;

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Projeto de Pós-Doutorado Dra. Karina Campos de Almeida
PPGAC-ECA USP Profa. Dra. Sayonara Sousa Pereira

* A depender de quando
se iniciar a pesquisa e de
fontes de financiamento
(número pode variar)
**A depender de quando
se iniciar a pesquisa, de
fontes de financiamento e
dos contatos que serão
feitos

9. Considerações finais

Este projeto visa desenvolver uma pesquisa teórico-prática sobre novas possibilidades
estéticas e dialógicas no campo da criação em videodança, adotando como conceitos-
chave as noções de cinestesia e coreografia, analisando estratégias composicionais
fundamentadas na interdisciplinaridade entre os campos da dança, cinema e artes visuais.
Os conceitos de videodança, coreografia e cinestesia serão abordados a partir de revisão
bibliográfica, articulada com uma pesquisa historiográfica do surgimento da videodança e
seu cruzamento com o cinema experimental, compreendendo a análise de determinadas
obras que marcaram o contexto nacional e internacional dessa expressão artística. A
pesquisa histórica acerca do surgimento da videodança e as experimentações práticas
serão realizadas a partir de dez eixos temáticos que irão guiar os estudos a serem
realizados. A fundamentação da pesquisa será teórico-prática, desenvolvida através do
cruzamento de referências apresentadas por teóricos como Susan Foster (2009; 2011),
Alain Berthoz (2000), Laurence Louppe (2012), Katrina McPherson (2006), Helena Katz
(2005), Valerie Preston-Dunlop (2010) e Ana Sanchez-Colberg (2010) e por artistas como
René Clair (1898-1981), Sergei Eisenstein (1898-1948) e Maya Deren (1917-1961), Merce
Cunningham (1919-2009), Thierry De Mey (1956-), Anne Teresa de Keersmaeker (1960-),
Paulo Caldas (1968-), dentre outros.
Considerando a atual e crescente demanda no campo profissional de conhecimentos
relacionados à videodança e tendo em vista de que se trata de uma área ainda pouco
abordada nos currículos dos cursos de graduação em Dança, Artes Cênicas ou Cinema,
por carência de professor especializado, essa pesquisa de pós-doutorado visa contribuir
com a produção e difusão de conhecimento específicos na área, investigando propostas
metodológicas de ensino e estratégias de criação relacionados a essa nova forma de
expressão artística.

10. Bibliografia

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