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04 a 07 de outubro de 2016
1. INTRODUÇÃO
O modelo comum de desenvolvimento industrial, que se baseia na produção e
consumo de bens, segue metodologias tradicionais lineares e centralizadoras,
semelhantes às das ciências exatas. No entanto, a nova realidade planetária e as
emergências das sociedades contemporâneas, cada vez mais complexas, exigem uma
abordagem de projeto abrangente e sistêmica, que contemple diversos fatores na
criação de artefatos (Bonsiepe, 2012).
Para substituir esse modelo que é mantido por países desenvolvidos e
poderosos economicamente sobre seus dependentes, se fazem necessárias uma
revisão e reformulação do sistema: os países periféricos devem desenvolver suas
próprias tecnologias se pretendem alcançar a emancipação e a autonomia, sua
‘segunda independência’ (Bonsiepe, 2012).
O instrumento que permite operacionalizar essa proposta passa pelo projeto
segundo Papanek (1984, 2006). A atividade do Design não é isolada e tem
consequências sociais e éticas, portanto pode e deve contribuir nessa tarefa, através
de metodologias orientadas para a realidade dos grupos, das sociedades e o respeito
ao meio natural.
Os países periféricos copiam ou ‘mimetizam’ um modelo de desenvolvimento
que, além de insustentável, mantém a sua dependência tecnológica em relação aos de
centro. Esse modelo é fundamentado na produção/consumo de bens e numa
assimetria tecnológica na qual os países desenvolvidos e mais poderosos
economicamente produzem e exportam tecnologias sobre a matéria importada dos
seus dependentes (Bonsiepe, 2012)
Essa assimetria é mantida pela proteção dos mercados e a ingerência que
restringe as iniciativas emancipatórias dos países periféricos. A solução seria revisar
esse sistema modificando suas metodologias, orientadas para manter esse modelo
centralizador, linear, fragmentado e desarticulado. A partir dessas observações, propor
novos modos de produzir, criar tecnologias próprias, próximas à realidade e
especificidades de cada sociedade (Bonsiepe, 2012).
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que para Janine significa a verdadeira revolução desse campo, transformando este
termo num conceito ainda mais amplo que o da biônica que na maioria das vezes
aborda a natureza apenas como modelo. Apesar do termo derivar da palavra grega
“Biomimesis”, onde “bios” siginifica vida e “mimesis”, imitação, a biomimética não se
restringe a considerar apenas a imitação da forma biológica, mas considera também o
conceito de replicação do comportamento dos organismos biológicos.
De acordo com Santos (2010), ela corrobora com a filosofia do design
ambiental, que também tem a visão multidisciplinar onde muitos setores industriais
podem substituir o método tradicional de projeto e produção dos bens de consumo
pelo “método” da natureza que é bem mais equilibrado e menos oneroso para o
ambiente.
Benyus documentou e integrou suas descobertas na obra Biomimética,
Inovação inspirada na Natureza e ainda criou o Biomimicry Institute 3.8, um instituto
cujo site disponibiliza conteúdo, reúne pessoas envolvidas com o tema e é um canal de
divulgação de diversos workshops, palestras e inclusive um curso de especialização
nessa área online. Dentre os conteúdos disponíveis, Janine elenca os três elementos
essenciais e interconectados para a prática desta ciência (Figura 1), são eles:
1. Ethos, que é uma representação do respeito, responsabilidade e gratidão da
espécie humana pelo planeta;
2. (Re) Conexão, que indica que nós somos parte da natureza, pessoas e
natureza estão na verdade profundamente entrelaçadas. Nesta perspectiva, existe
uma reconexão do humano com o meio natural;
3. Emulação, representando os princípios, padrões, estratégias e funções
encontradas na natureza que podem inspirar o design. A emulação representa um
sentimento que instiga a imitar ou a exceder outrem, de forma estimulante e
cooperativa (BIOMIMICRY INSTITUTE 3.8, 2015).
Esta metodologia, que apesar do nome remeter ao design, pode ser aplicada
em diversas áreas, e inclui quatro fases que fornecem as etapas para o processo de
Aplicação da Biomimética, são elas: Escopo, Descoberta, Criação e Avaliação.
No Escopo se tem a definição do problema, a identificação das funções e a
integração com os princípios da vida. Na Descoberta, se faz a investigação de
elementos da natureza que atendam aos requisitos do Escopo. A seguir, se faz a
abstração através das estratégias biológicas. Na fase de Criação, é feito um Brainstorm
para gerar alternativas que correspondam e tenham similaridade com os elementos
escolhidos e por fim, na fase de Avaliação, se vai medir para escolher a solução que
melhor atender aos princípios propostos por esta ciência.
Ainda falando em método para a prática da Biomimética, a solução encontrada
através da natureza pode partir de uma investigação sem ter um problema específico
para resolver, ou por outro caminho, já tendo o problema específico a ser resolvido.
Este último, Benyus chama de “Desafio Biológico” e é útil para uma configuração
"controlada", ou para a criação de um processo interativo de design, (Figura 3).
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Figura 4 – PAX WATER MIXER (USA) Misturador de água inspirado na forma em espiral dos
jarros e de fenómenos naturais que proporciona maior eficácia.
Fonte: VERSOS, 2010.
5. CONCLUSÃO
Ao longo de nossa evolução técnica-científica nos afastamos gradualmente da
dependência e do modo natural de atender às nossas necessidades. Esse afastamento
foi útil para nos tirar do nomadismo e da passividade que nos mantinha sujeitos às
dificuldades e vicissitudes da natureza e da existência. Essa evolução nos tornou
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capazes de prever estações, mudar cursos de rios, plantar e colher, domesticar outros
animais e plantas: uma transformação que nos potencializou e artificializou (Flusser,
2004)
À medida que nos apropriamos dos segredos da vida, também nos afastamos
das leis que a tornaram viável, pois imitamos o modelo artificial a ponto de não nos
reconhecermos como seres dependentes do suporte natural. O conhecimento que
desenvolvemos e suas tecnologias precisam de um senso ético criterioso que trace
prioridades para uma nova forma de criar, mais relacional, ecológica (Capra, 1997,
2001).
A sustentabilidade dos sistemas deve ser amparada pela ciência e nela se
embasar para se reformular e fundamentar teoricamente. Ao mudar a lógica da
imitação do modelo artificial linear insustentável para emular um outro, complexo,
limitado, sistêmico e interdependente que se autorregula, estaremos adotando a
maneira como a vida se sustenta, interagindo através de fatores que favorecem a vida
e suas transformações, permitindo o tipo de tecnologia mais viável e inteligente que já
tivemos acesso (Benyus, 2012).
É importante ressaltar e incentivar a implementação de tal metodologia
biomimética nos países subdesenvolvidos (periféricos) como forma de incentivar o
financiamento de mais pesquisas no país e nos demais países em desenvolvimento,
que se estiverem alinhados a essa nova abordagem, poderão suplantar não apenas as
dificuldades imediatas, presentes no cotidiano de suas economias que estão
envolvidas nas imposições do mercado globalizado, mas também gerar produtos mais
inovadores e patentes, o que acarretará ao longo desta prática num incremento da
qualidade, da viabilidade e de certa paridade tecnológica comum nos países
desenvolvidos.
Soluções biomiméticas simples como a do misturador de água PAX MIXER, com
referência em formas de espirais recorrentes na natureza podem trazer grandes
benefícios econômicos, sem o montante de investimento em pesquisa de ponta como
é feito em países desenvolvidos, o que já configura como uma maneira inteligente de
fazer e utilizar o Design em concordância com o cenário atual com foco em
sustentabilidade.
REFERÊNCIAS
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Milano, Centro Ricerche in Strutture Naturalli.
BENYUS, Janine M. Biomimética: Inovação inspirada pela natureza. 6ª ed. São Paulo:
Ed. Pensamento- Cultrix, 2012.
BONSIEPE, Gui. Design, Cultura e Sociedade. 1 Ed. São Paulo: Blucher, 2011
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BONSIEPE, Gui: Design como Pratica Projetual. São Paulo: Blucher 2012
CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação. 22 Ed. São Paulo, 2001
CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida. 1 Ed. São Paulo, 1997
DE MORAES, Dijon: Limites do Design, 2ª Ed. São Paulo: Studio Nobel, 1999;
FLUSSER, Vlém. O Mundo Codificado. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
GRUBER, P. Biomimetic in Architecture [Architekturbionik]. In: Biomimetics Materials,
Structures and Processes - Examples, Ideas and Case Studies. Berlim: Springer-Verlag,
2011.
KAZAZIAN, Thierry (Org.). Haverá a Idade das Coisas Leves: Design e Desenvolvimento
Sustentável. 2ª Ed. Tradução: Eric Roland Rene Heneault. – São Paulo: Ed. SENAC São
Paulo, 2005.
PAPANEK, Victor. Design For The Real World: Human Ecology and Social Change. 2nd
Ed. London: Thames & Hudson, 2006
VERSOS, Carlos. A.M. Design biônico: a natureza como inspiração criativa. Dissertação
(Mestrado). 2010. 186p - Universidade da Beira Interior, Covilha, Departamento de
engenharia Eletromecânica.
WAHL, D. C. (2006). Bionics vs. biomimicry: from control of nature to sustainable
participation in nature. WIT Transactions on Ecology and the Environment, 87, 2006.