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20/11/23, 21:26 As mães que assumiram cabelos cacheados para inspirar filhas - BBC News Brasil

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As mães que assumiram cabelos cacheados


para inspirar filhas

ARQUIVO PESSOAL/WERUSKA GOEKING E AMANDA VIDAL

Weruska Goeking e sua filha Manuela, (à esquerda), e Amanda Vidal com sua filha, Laura

Giulia Granchi
Da BBC News Brasil em Londres
@GranchiGiulia

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cgxk8qz3dp5o 1/10
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29 setembro 2023

A primeira tentativa de Weruska Goeking para "domar os cachos" aconteceu quando ela tinha 11 anos. O procedimento
escolhido foi o relaxamento capilar, uma técnica também química, mas considerada menos potente que a famosa progressiva.

A ideia, apoiada por sua mãe, que também tinha cabelos encaracolados, era diminuir o volume para que fosse mais fácil
pentear e cuidar dos fios — e para Weruska, se parecer mais com as moças que eram consideradas o "padrão de beleza" da
época.

"Como a maioria das cacheadas que cresceram nas décadas de 80 e 90, eu não tive referências de modelos, atrizes... Figuras
que usassem seus cabelos naturais com orgulho. Meu desejo de ter os fios lisos começou bem cedo", lembra ela, que hoje tem
40 anos e trabalha como gerente de marketing e conteúdo em São Paulo.

Foram 25 anos de sua vida passando por alisamentos - a progressiva, que deixa os fios realmente lisos e dura entre quatro a
seis meses, a depender dos fios, veio logo depois do relaxamento capilar. Escovas, sessões de chapinha e produtos diversos
também fizeram parte da longa rotina pelo liso perfeito.

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A opção de alisar os cabelos foi colocada à prova na medida em que Weruska era exposta a conteúdos de mais e mais mulheres
assumindo seus cabelos naturais na internet. Em paralelo a isso, crescia a vontade de ser mãe.

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"Eu já vinha flertando com a ideia de ver meu cabelo natural de novo, buscando referências, pesquisando sobre transição
capilar… Quando engravidei, veio o reforço que eu precisava para abraçar minha identidade."

ARQUIVO PESSOAL/WERUSKA GOEKING

Weruska em três versões: com os fios alisados, durante a transição capilar e com seus cachos naturais

Quando recebeu a confirmação de que seria mãe, Weruska conta que começou a refletir como ensinaria a criança a amar seu
corpo, sua identidade e seu cabelo — especialmente se fosse uma menina, o que se confirmou algumas semanas mais tarde.

"Não fazia sentido eu não aceitar uma parte de mim mesma, como meu cabelo, e tentar ensiná-la a se amar. A Manuela
desempenhou um papel fundamental nessa decisão."

Assim como para muitas mulheres que passam pela transição capilar, a fase foi desafiadora para Weruska. "Eu não estava
preparada para cuidar do cabelo natural, e estar com ele metade cacheado e metade liso era complicado. Cortei, tirando toda a
química, após um ano e alguns meses de transição."

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ARQUIVO PESSOAL/WERUSKA GOEKING

Os cachos de Manuela, filha de Weruska

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A força da identidade
Na avaliação da psicóloga Danielle Braga, o ato de assumir os cachos tem relação direta com mostrar a essência, personalidade
e ancestralidade.

"Acho que está tudo bem querer mudar, mas quando optamos por alisar o cabelo por uma pressão externa, estamos, de certa
forma, representando um papel social para sermos aceitos e nos encaixarmos minimamente em um contexto social. Assumir
nossos cabelos é uma quebra em relação a essa violência."

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ARQUIVO PESSOAL/DANIELLE BRAGA


Danielle Braga é psicóloga social e atua em coletivos periféricos da Zona Sul da cidade de São Paulo

O impacto da rejeição do cabelo natural — por si próprias ou por


outras pessoas— pode ter um impacto negativo grande na vida
de meninas, diz Braga.

"Como será que a mente dessa menina vai se comportar em


outras relações no futuro se foi uma figura de cuidado dizendo
que ela não pode ou não deve deixar o cabelo como ele é
naturalmente? Provavelmente ela constantemente pensará que
não é suficiente"

Quanto às mães e cuidadoras que permitiam ou incentivavam o


alisamento dos cabelos das meninas, a psicóloga avalia que a
decisão era tomada por um conjunto de motivos — e que não
seria justo colocá-las como vilãs mal-intencionadas.

"Muitas dessas mães são negras, e pode ser que tenham


enfrentado preconceito devido ao cabelo e estivessem tentando
proteger suas filhas. Essas decisões também podem estar
relacionadas ao contexto da época", diz Braga.

"A transição é uma ruptura, permitindo deixar para trás um BBC Lê


passado de dor, negligência e silenciamento, e assumir sua
verdadeira identidade em um mundo que ainda não a enxerga Podcast traz áudios com reportagens selecionadas.

com olhos gentis, que às vezes a exotizam, é um processo


Episódios
complexo e desafiador, mas é fundamental para a nossa
evolução."

Já o movimento que mães como Weruska fazem — de romper com um ciclo de anos na mudança da aparência — tem, na visão
de Braga, um impacto na autoestima e no amor-próprio.

"Quando as mães podem transmitir essa mensagem, o processo de aceitação se torna mais positivo. As meninas também são
preparadas para enfrentar a escola e os comentários de forma diferente."

"Ao invés de dizer 'vamos alisar o cabelo para não passar por isso', as mães podem dizer 'vou conversar com a diretoria, isso não
vai ficar assim'. Essa sensação de proteção, de ter alguém que olha por você, te protege e te cuida, é valiosa. Essa geração não
vai aceitar menos do que merece. "

'Educar pelo exemplo'


Diferentemente de Weruska, a carioca Amanda Vidal, de 40 anos, ainda alisava o cabelo quando sua filha, Laura, nasceu.

"Quando ela tinha cinco anos, estava tentando deixar os fios naturais, mas eu não gostava do que via no espelho. Cedi à voltar
para o alisamento sem pensar no impacto que isso teria nela", conta.

Não demorou muito para que Laura começasse a pedir para ter os fios lisos como o da mãe — ela dizia querer “poder jogar os
cabelos de lado”.

Amanda teve um flashback. “Era exatamente o que eu falava quando era mais nova — meu sonho era ter um cabelo bem
lisinho para poder jogar. Foi aí que eu comecei a me preocupar com isso e tentei convencê-la de que seu cabelo era lindo do
jeito que era, mas não funcionou como eu esperava.”

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ARQUIVO PESSOAL/AMANDA VIDAL

Amanda, 40 anos , e Laura, 7

"Eu percebi que não podia dizer que seu cabelo era lindo enquanto alisava o meu. Precisava educar pelo exemplo, então,
comecei a trabalhar nisso dentro de mim. Foi um processo longo."

"Agora, ela balança seu cabelo e não se preocupa mais com o volume, porque ela sabe que é linda do jeito que é. Isso me deixa
muito feliz."

"Esse exemplo que eu pude dar não era tão comum no passado. Minha mãe também tinha cabelo cacheado, mas alisava com
progressiva porque acreditava que era melhor e a fazia sentir-se mais bonita e arrumada. Havia um estigma de que cabelo
cacheado não ficava arrumado, o que não é verdade.:

A tentação da busca pelo 'perfeito'


Amanda acredita que essa mudança — da qual ela e outras mães fazem parte — pode ajudar as futuras gerações a aceitarem
seus cabelos naturais desde cedo.

"Sem sentir a pressão de alisá-los para se encaixar em padrões de beleza tradicionais. Isso é maravilhoso, todos devem se sentir
bem consigo mesmos do jeito que são."

Ela diz não aceitar comentários externos sobre os fios de Laura. "Se sugerem que ela prenda ou passe um creme, por exemplo,
eu digo que ela pode usar como quiser — e que não existe cabelo cacheado sem frizz."

Weruska concorda — e acrescenta que é perigoso reforçar padrões de perfeição também para as cacheadas.

"É importante não trocar uma prisão estética por outra. Aceitar e amar nosso cabelo natural envolve também aceitar a
diversidade dos outros. Cuido do cabelo da minha filha com atenção e carinho, mas evito reforçar padrões de perfeição."

"Não a elogio apenas quando o cabelo está recém lavado ou preso. É importante que ela saiba que seu cabelo é lindo em
qualquer estado, e que não existe um cacho 'perfeito'".

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