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Capa: LA Design
Revisão Geral: Ivany Souza
Diagramação digital: Cris Andrade e Lilian Guedes
Criado no Brasil
MOSCOU - RÚSSIA
Olho para o lado, vendo Jordyn afastar sua mão para longe. Nicole
fica surpresa e puxa sua mão para si.
― Não se atreva a tocar nela ― minha amiga diz com frieza, fazendo-
me piscar por sua forma protetora.
A loira nos observa numa expressão resignada.
― Eu ainda não esqueci aquele tapa ― lembra antes de se afastar
para a sala de reunião com seus saltos irritantes.
Esfrego meu rosto, sentindo-o quente e latejante.
― Você está bem? ― Jordyn pergunta, e a encaro cansada.
― Estou. Posso saber o que estava fazendo no meu quarto? ―
pergunto, vendo-a morder seu lábio.
― Eu dei só uma arrumadinha de leve antes de pegar essa sua
camiseta emprestada e achei aquele remédio no lixo, e...
― Tudo bem ― interrompo-a, revirando meus olhos ao notá-la com
uma das minhas camisetas. ― Todos já estão na sala de reunião?
― Sim. Donna pediu para te avisar, mas não esperava que você
estivesse com essa iguana com cabelo de espiga de milho ― Jordyn diz,
cruzando os braços, seu comentário me faz rir.
― Onde você arruma esses apelidos?
― Eu me inspiro ― sorri.
― Obrigada, Jordyn, me juntarei a vocês daqui a pouco. Só preciso de
um pouco mais de ar puro antes de entrar lá ― Jordyn acena e se afasta.
Poucos segundo depois, sou surpreendida com a entrada de Matt. Faz
algumas semanas que não o vejo. Ele vem com sua inseparável pasta e traz
outro homem ao seu lado.
― Olá, Mine, quanto tempo! ― caminha em minha direção,
parecendo nervoso ao apertar minha mão.
― Olá, senhor Polosh ― cumprimento, dando-lhe um sorriso
educado.
― Sem formalidades, só Matt ― pede. ― Acho que estou um pouco
atrasado ― observa, ajustando a gravata escura.
― Não, chegou bem na hora. Estão todos reunidos na sala de reunião
― informo e, pela primeira vez, observo o homem de meia-idade ao seu lado.
Ele tem os olhos castanhos fixos em mim, usa óculos e terno escuro, é
alto, de cabelos grisalhos e um pouco acima do peso. Pelas rugas de
expressão, imagino que tenha uns 65 anos. Eu o encaro por um tempo,
intrigada com seu olhar profundo, o qual não me agrada. Uma tossida de Matt
me chama atenção, e pisco meus olhos confusos para ele.
― Esse é Ronald Keller, acabou de chegar ao país. É um velho amigo
no ramo da advocacia e me ajudou nos processos dos documentos. Achei
melhor trazê-lo, caso haja algum inconveniente. Não se preocupe, ele é de
extrema confiança ― Matt explica, o senhor à minha frente está paralisado.
Pisco confusa com seu olhar, mas não recuo, apenas lhe dou um
sorriso educado.
― Seja bem-vindo, senhor Keller ― estendo minha mão para
cumprimentá-lo.
Ronald alcança minha mão, e sou surpreendida quando ele a leva até
os lábios.
― É um galanteador ― Matt murmura, balançando a cabeça. Franzo
a testa e sorrio, puxando minha mão para meu peito. ― Ele não fala nossa
língua, é francês.
― Oh... ― me surpreendo. ― Je parle un peu le français ― digo que
falo um pouco de francês.
Sorrio agradecida pelos livros de línguas de Johnatan, francês foi o
idioma que mais me encantou, poderia facilmente me dedicar ao russo, mas,
na primeira tentativa, desisti ao sentir a dor profunda em meu peito por
lembrar de sua voz sussurrada junto ao meu ouvido.
Ambos me olham surpresos.
― Eu disse que ele era francês? Oh, não, não, ele é alemão. É que
acabei de chegar da França, me desculpe. ― Matt ri de si mesmo, me fazendo
piscar constrangida pelo erro. ― Podemos? ― pergunta, dando-me espaço
para seguir em frente.
― Claro, me acompanhem ― peço um pouco desconfortável com o
olhar de Ronald.
Na sala de reunião, vejo todos reunidos, incluindo meu pai, que se
encontra de pé atrás de uma poltrona. Nicole está de pé com os braços
cruzados, batendo seu salto contra o chão, demonstrando sua impaciência, o
advogado careca, próximo à mesa. Quando Matt entra na sala junto com
Ronald, sento-me na poltrona e observo todos nervosos com o que está por
vir.
― Olá. Como estão? ― Matt cumprimenta, seguindo para a mesa.
― Eu pensei que a leitura do testamento fosse tratada de forma
particular, Matt Polosh ― a loura o interrompe, demonstrando sua irritação.
― A leitura do testamento é de interesse de todos aqui presentes,
Nicole ― ele demonstra sua frieza, e aperto meus lábios para não sorrir da
expressão incrédula que a mulher tem em seu rosto.
― Podemos começar, Polosh? ― o outro advogado interrompe de
maneira impaciente.
― É claro, senhor Hocky ― Matt ironiza e murmura algo em alemão
para Ronald, que lhe entrega uma pasta parda. ― Obrigado por todos estarem
presentes. Trabalhei de forma árdua para conseguir provas e o registro de
muitos documentos. Como em muitas das reuniões que já presenciei com
John, eu não deveria ler um testamento sem essas provas.
― Eu queria entender por que eu e minha filha temos que estar
presentes aqui ― meu pai murmura, e engulo em seco.
― Porque é de suma importância, tanto para mim quanto em memória
a Johnatan Makgold ― Matt explica ao me olhar. Engulo o nó em minha
garganta, não gostando da forma como ele se refere a Johnatan.
― O senhor Hocky está aqui por causa do interesse nas empresas em
que Johnatan possuía e nas propriedades?
― Sim, exatamente. Tenho assinaturas e cópias dos registros de todas
suas empresas, assim como suas parcerias, os contratos, contatos de
companhias... ― Hocky tagarela com veemência, fazendo Matt acenar, noto
também certo interesse nos olhos de Nicole, claro.
Observamos Matt organizar algumas pastas sobre a mesa e pegar um
dos papéis. Ele começa sua leitura, resumindo a fortuna, empresas dentro e
fora do país, companhias, propriedades e sociedades. A imensidão do
trabalho feito por Johnatan me faz ficar nervosa, sabia que toda sua fortuna e
status que conquistou despertaria interesse de todos os lados, principalmente
de seu pai.
Observo Hocky escutar atentamente, assim como Nicole. Quando
Matt começa a falar sobre os bens, noto que todos ficam aflitos. Quando
Donna abraça Ian ao seu lado, meu coração se aperta, e volto minha atenção
para Matt.
― Para minha governanta, Donnatela Benzarque, deixo minha
propriedade privada no campo em Nova Zelândia, na cidade de Queenstown,
no direito de cuidar, organizar e administrar. Caso haja falecimento da
mesma, o bem deverá ser passado para seu filho, Ian Benzarque, com o
mesmo propósito deixados por sua mãe, além de cuidar dos meus cavalos
Hush, Sid e Lake. ― Assim que Matt termina, todos nós suspiramos
aliviados.
Olho para Donna, vendo seus olhos em lágrimas. Jordyn a abraça,
beijando seu rosto; sorrio para ela com carinho. Ian aperta sua mão com
emoção.
― Isso, se não houver a hipoteca da casa ― o advogado careca
interrompe.
― Chegaremos a esse detalhe, senhor Hocky ― Matt informa antes
de voltar com a leitura.
Nós nos surpreendemos ao saber de outra propriedade privada fora do
país dada a Peter. Jordyn e James ficam chocados ao ganharem apartamentos,
de suas escolhas, de propriedades construídas em cidades dentro ou fora do
país, com a condição de que ambos continuem seus estudos; as mensalidades
permanecerão sendo pagas por Matt. Para desespero de Hocky, Matt é o
único autorizado a mexer no dinheiro e nas contas, tanto a particular quanto a
empresarial, a qual engloba todos os negócios administrativos. Para minha
surpresa, Johnatan deixou em aberto a aceitação de meu pai em administrar
uma marcenaria.
― Eu me recuso! ― papai dispara.
― Tudo bem, senhor Clark ― Matt aceita educadamente.
― Isso está tudo muito caridoso, mas quando chegaremos à parte que
envolve trabalho? ― Nicole interrompe, e a observo.
Eu nem mesmo me lembrava de que ela existia naquela sala, pelo
visto, nem mesmo Ronald, que a observa com desconfiança.
― Agora ― Matt afirma, pegando outro documento para entregar
uma cópia a Hocky. ― Resumidamente, o senhor Makgold pediu que todos
seus bens empresariais, tanto em companhia quanto em sociedades, e o
restante das propriedades, assim como a fortuna deixada por ele, incluindo a
fortuna familiar, estejam nas mãos de Mine Anne Clark. Ordena que a mesma
esteja a par de tudo, sem se recusar. E, com a minha ajuda, Mine saberá
administrar tudo isso sem se preocupar. Se houver algum problema, eles
serão resolvidos imediatamente, e eu serei encarregado de lhe passar tudo que
entra e sai. Posso ser autorizado a mexer nas contas, mas quem ordena é ela.
Arregalo meus olhos e prendo minha respiração. Isso não pode estar
acontecendo!
― O que isso quer dizer? ― Nicole debocha nervosa.
― Quer dizer que sua companhia imobiliária, o Hospital em
Queenstown e os demais empreendimento que possuem vínculos com a MK
Enterprise têm uma nova proprietária. Ou seja, Mine Anne Clark é sua nova
chefe, Nicole ― Matt informa, encarando-a.
― Isso é impossível! ― Hocky diz rispidamente.
― Desculpe, Hocky, havia me esquecido de você. O senhor disse que
tinha as cópias de documentos e contratos? Pois bem, eu tenho os originais
por completo. Outra coisa importante é que nada que o senhor Makgold
possuía foi hipotecado e, se houve, já está liquidado. Então, nem o senhor e
nem ninguém, fora os que estão citados no testamento, têm o direito a algum
bem do meu falecido cliente ― o tom firme assusta todos os presentes.
― Minha filha não pode aceitar isso! ― meu pai diz, puxo minha
respiração de acordo.
― Quer dizer que a Mine está cagada de rica? ― Jordyn dispara em
choque, e Peter a cutuca para chamar sua a atenção.
― Eu não posso aceitar ― sussurro, olhando assustada para Matt.
― É claro que não! ― Nicole dispara friamente. ― Não se sabe se
esses documentos são mesmo os originais. São muitas parcerias e
companhias para aceitar esse tipo de absurdo.
― Bem, foi por isso que fui atrás delas para lembrar o que iria ocorrer
futuramente. Confirme você mesma e pode procurar por registros. Você
assinou documentos ao entrar como parceira, tendo a ajuda da MK na
construção e no crescimento do negócio. A menos que você não tenha lido as
cláusulas do contrato com atenção ― Matt explica, entregando a pasta para
Nicole analisar. ― E, Mine, o senhor Makgold sabia que iria estar sujeita a
negar, porém você não tem saída.
― O quê? ― pergunto incrédula.
― Há restrições para isso. Se você se recusar, mesmo que alguns bens
estejam passados para todos nessa casa, haverá o risco de perderem tudo.
Cada um de vocês aqui presentes possui notas dadas pelo senhor Makgold, e
todas informam suas responsabilidades. Todos os documentos foram
assinados por ele, e os mesmo serão assinados por vocês, e, principalmente,
por você, Mine ― Matt esclarece.
Olho para todos me observando com expectativa.
― Johnatan não deveria ter feito isso ― murmuro, engolindo o nó em
minha garganta.
― Ele fez, porque confiava e acreditava em você ― Matt diz, se
aproximando de mim com os documentos e a caneta.
― Isso é um absurdo! Eu me recuso a trabalhar junto com essa
imprestável! Ela não sabe nem organizar um jogo de copo, quanto mais
administrar tudo isso, pelo amor de Deus! ― Nicole esbraveja, meu pavor se
transforma em fúria.
― O senhor Makgold também sabia da sua postura em relação a isso,
por mais que tivessem anos de parceria. Ele fez questão de assinar uma carta
de demissão, relatando a quebra de contrato, caso não estivesse de acordo.
Lembrando que Mine também terá que assinar para oficializar seu
desligamento. ― Matt mostra a carta, fazendo Nicole o olhar em choque.
― Ele seria incapaz de fazer isso comigo, seria incapaz de deixar uma
empregadinha tomar posse de tudo. Logo ela, que se aproveitou e está se
aproveitando da fortuna Makgold! ― Nicole dispara irritada.
― Meça as palavras ao falar da minha filha! ― meu pai diz com
frieza.
― Ah! Por favor, o senhor é um velho se aproveitando da situação,
assim como todos nessa casa ― a mulher continua.
Tomo a caneta da mão de Matt e puxo a carta, assinando com raiva;
em seguida, levanto-me para entregar à Nicole.
― Só falta sua assinatura, e estarei feliz em desfazer qualquer aliança
com você. ― Ela me observa com os olhos frios, puxa a carta da minha mão
e rasga o documento com ódio.
― Não vou lhe dar esse gostinho ― retruca.
― Ótimo, então, vai ter que me aturar ― digo ríspida e me viro para
Matt, que me observa assustado. Provavelmente, não esperava minha atitude.
― Onde assino essa porcaria?
― Você não quer ler primeiro, Mine? ― meu “agora” advogado
murmura, talvez tentando me tranquilizar.
― Há alguma coisa que possa prejudicar a mim e os demais
assinando esses documentos? ― pergunto, o olhando fixamente.
― Não, exceto se você não assinar ― lembra-me.
― Filha, pensa bem ― escuto meu pai atrás de mim e suspiro.
― Johnatan me sujeitou a isso, pai, se eu não fizer, todos eles estarão
perdidos, sem nada, e tudo que conquistaram até aqui, por anos trabalhados,
terá sido em vão... ― murmuro para meu pai, observando todos
esperançosos.
― Esse não é seu dever ― sua súplica aperta meu coração, sua
preocupação é algo palpável.
― A partir de agora é ― afirmo e me viro para onde Matt indica, na
pilha de papéis, que devo assinar. ― Juro que, se Johnatan estivesse aqui, eu
o socaria até a morte ― resmungo irritada e vejo a sombra de um sorriso no
rosto de Ronald antes de retomar sua postura séria. Talvez ele entendesse um
pouco a nossa língua.
Depois que concluo, deixo Matt se ocupar com os outros, explicando
suas notas enquanto assinam. Sinto os olhos de Nicole em mim e, com frieza,
eu a encaro, assim como ao Hocky, mantendo minha postura mais firme. Meu
pai continua cético, com certeza, não gostando da ideia, mas não me
arriscaria a segurança financeira de todos em risco, por mais absurda que seja
a atitude de Johnatan.
Quando tudo finaliza, Nicole e Hocky assinam os documentos do
acordo com cara de poucos amigos. Em seguida, levanto-me, pronta para
fugir dali.
― Se sente feliz agora, empregadinha? Conseguiu o que queria? Já
não bastou matar Johnatan, agora quer possuir tudo o que já foi dele? ―
Nicole dispara seu veneno assim que gira em seus saltos para me afrontar.
Aperto meus dentes e avanço em sua direção, mas sou interrompida
por um braço firme em minha cintura, olho para o lado surpresa, vendo
Ronald me encarar confuso e, ao mesmo tempo, assustado com a minha
frieza disparada em sua direção. Inspiro fundo e me afasto, na intenção de
mostrar que está tudo bem. Uma tossida discreta de Matt nos chama atenção.
― Bem, acho que isso tudo já tirou muitas dúvidas e muito peso das
costas ― sorri para Donna, que demonstra seu alívio. ― Eu e Ronald iremos
revisar novamente os acordos, agora oficializados, a fim de passarmos novos
contratos para as companhias. E, para descontrair, teremos a inauguração de
gala do Hotel Makgold amanhã à noite. Eu deveria ter anunciado antes, mas,
estive ocupado com tudo isso, junto com a organização, e não queria assustar
vocês.
― Somos convidados? ― James pergunta confuso. Nicole rosna
inquieta.
― Mine é a nova proprietária e deve estar presente na inauguração,
não será necessário se apresentar para todos os empresários, apenas os mais
importantes. E ela decidirá se vocês podem ir ou não. Aliás, a inauguração é
também uma homenagem a Johnatan ― Matt informa de maneira
profissional.
Seguro minha respiração. Tinha conhecimento de que o prédio estava
terminado, mas não sabia que, no meio disso tudo, eu seria, de alguma forma,
a dona. Aperto meus lábios e encaro todos, tanto Jordyn quanto Ian me olham
com expectativa.
― Onde eu estiver, eles estarão comigo ― digo por fim, deixando
minha expressão se suavizar; todos os que amo ficam felizes com minha
decisão. Em parte, não quero que se sintam presos na casa como eu estou.
― Perfeito! ― Matt diz satisfeito.
― Por favor... ― Nicole ironiza.
― Peço licença a todos ― Donna fala, se levantando. ― Senhor
Polosh, está tudo certo conosco? Não teremos nenhuma preocupação de
agora em diante?
― Não precisam se preocupar com nada ― Matt garante.
― Sendo assim... ― Donna caminha até a saída da sala do escritório,
nos deixando confusos. ― Desejo que você, senhora Banks, se retire desta
casa. Nada contra seu advogado, mas ambos e, principalmente a senhora, já
causaram estresse demais nesta casa. Por favor, se retirem, não há mais nada
que possam fazer aqui ― Donna pede com educação, mas, pela primeira vez,
sinto uma pontada de desprezo em sua voz.
Nicole a olha chocada. Ian, Jordyn e James gargalham, sem conter o
divertimento.
― Então, é assim, Matt Polosh? Deixará que empregados caipiras
como esses se aproveitem da riqueza de Johnatan depois de sua morte?! ―
Nicole cospe seu ódio mortal.
― JÁ CHEGA!
Meu sangue ferve por suas palavras. Quando dou por mim, já estou
com seus cabelos louros enroscados em meus dedos, a arrastando para fora e
ignorando seus gritos de protesto, enquanto a mantenho imobilizada. E,
quanto mais ela grita, mais a arrasto para fora da casa. Escuto passos curiosos
atrás de mim e algumas risadas. Assim que passo pela saída, faço questão de
rebocá-la até seu carro e jogá-la no chão.
Minha respiração está acelerada, meu corpo ferve, e sinto meus olhos
como brasa. Quando a encaro no chão, com o rosto avermelhado e os cabelos
bagunçados, vejo sua expressão chocada, mas sem perder a fúria e a
petulância em sua expressão. Eu me aproximo dela e me curvo, apoiando-me
em meus joelhos, ela se afasta intimidada.
― Agora você tem ideia do quanto não é bem-vinda a essa casa.
Qualquer coisa que tiver para resolver sobre questões profissionais, elas
devem ser relatadas para Matt. Querendo ou não, Nicole, estou no comando,
e, quando eu não precisar mais de você, farei questão de demiti-la. Então,
fique um pouco mais feliz por eu te dar uma segunda chance! ― minha frieza
a surpreende. ― Pegue todo esse seu orgulho e carregue para longe daqui
junto com o lixo que há em você!
Ergo meu corpo, mantendo minha postura rígida, pronta para seguir
para dentro de casa. Uma parte da plateia sorri com a cena que acaba de
presenciar, a outra parte permanece em choque.
― Está explicado seu interesse ― escuto a mulher sussurrar, rindo
com sarcasmo. Viro meu rosto duramente, vendo-a se levantar cambaleante.
― Esperou Johnatan morrer para ter tudo isso, não é mesmo?
― Pense o que quiser ao meu respeito, Nicole, mas nunca trate a
lembrança de Johnatan dessa maneira, não para as pessoas dessa casa! Não
para mim! ― avanço com ódio e sou contida por braços de meu pai e Ronald
ao meu redor.
― Nicole, acho que por hoje chega, por favor! ― Matt pede
educadamente.
Me afasto dos braços de meu pai e Ronald bruscamente.
― Eu preciso ficar sozinha ― digo entredentes.
Sigo para dentro da casa, caminhando direto para a academia, onde
posso equilibrar minha dor e controlar a raiva que há em meu corpo.
"Cobertura"
Assim que chego à mansão, vou até onde os cavalos estão. Hush e
Lake correm enquanto Sid os observa; assim que nota minha presença, fica
ao meu lado. Acaricio sua pelagem branca e me distraio com seus
companheiros. Não é a mesma coisa, sem Johnatan eles parecem solitários.
Lake, mesmo ainda sendo o mais bobo, parece sentir saudades do dono.
No celeiro, vejo James colocar os fenos dos cavalos em suas celas.
Ele sorri e acena para mim, fico feliz que esteja bem e sei que provavelmente
Jordyn está se distraindo com sua limpeza. Depois de ficar mais um pouco
com os cavalos, sigo para dentro de casa, encontrando Donna na cozinha.
― Você chegou, como está? ― Donna me cumprimenta com um
sorriso aberto.
― Bem. ― Sorrio, pegando um dos seus pães caseiros.
― Eu imagino o excesso de trabalho. Está tudo bem com as
empresas? ― sua pergunta me faz engolir o pão com força.
― É... sim! Mais tarde terei que ver outros papéis. É uma burocracia
― minto e mordo meu lábio. ― Meu pai esteve aqui? ― mudo de assunto
rapidamente.
― Sim, depois que voltei do enterro do doutor Banks. Minha nossa,
tão jovem! Mas depois a esposa me expulsou com o Ian ― Donna lamenta.
― Eu imagino que ela tenha feito isso ― aperto meus lábios ao
pensar em Michael, mal tive tempo de lamentar sua morte. ― Teve alguma
informação sobre o que aconteceu?
― Ainda não. Nenhuma notícia ― Donna informa.
― O que resta agora é saber o que ocorreu de fato com ele ― engulo
em seco. Donna acena com tristeza. ― Amanhã verei meu pai ― digo,
querendo ver seu sorriso de volta.
― Isso é maravilhoso, querida. Ele sente sua falta ― sorri com amor.
― Eu imagino ― termino de comer meu pão. ― Vou ver Jordyn, sei
que ela deve estar louca sem mim.
― Você nem imagina. Ela colocou Ian para ajudá-la. ― Donna avisa,
fazendo-me ri.
Com Ian presente, não tive a oportunidade de conversar com Jordyn,
apenas poucas palavras para saber se estava bem. E mais uma vez eu tinha
que concordar, é vazio sem Johnatan por perto. Observar os cavalos pelas
janelas faz meu coração se apertar. Minha preocupação está me matando.
Ao anoitecer, após o jantar, insisto para que Peter me leve de volta à
Colmeia.
Assim que chego à sala equipada, me surpreendo com todos
presentes.
― Como ele está? ― fico confusa com todos ali.
Dinka e Shiu se olham, o lado do rosto de Shiu está um pouco
inchado.
― Está na academia ― Matt responde com um suspiro. ― Recebi a
amostra que Nectara me trouxe, não deveriam ter voltado para o bar, não sem
nós.
― Estamos bem não estamos? ― dou de ombros. ― Onde fica a
academia?
Matt fica em alerta.
― Mine, eu sei que você quer ficar ao lado dele. Ficamos inseguros
em soltá-lo ou não, até ele insistir que estava sob controle ― Matt notifica,
surpreendendo-me.
― Então, ele está se comunicando diretamente? ― digo esperançosa.
― Mais ou menos ― Dinka nos interrompe. ― Ele ainda está sob o
efeito, mas controlado. Não aconselhamos se aproximar ― explica, e encaro
seus olhos verdes.
― Ele disse que estava no controle, logo, não fará nada ― disparo.
― Mas é melhor prevenir ― Nectara concorda.
Inspiro fundo.
― Podemos voltar amanhã, Mine ― sinto o aperto gentil de Peter em
meu ombro.
Balanço minha cabeça.
― Ele pediu que você não se aproximasse por enquanto ― as
palavras de Cassandra me chocam.
Sinto o aperto em meu coração. A preocupação que passei nas últimas
horas me atormenta e não posso simplesmente ignorar. Fecho a cara e seguro
minhas lágrimas por causa da rejeição. Nem pensar!
― Onde fica academia? ― pergunto novamente, enquanto me
encaram boquiabertos.
― Mine, é melhor não ― Shiu insiste e se encolhe quando lhe dou
um olhar apertado.
― Até parece que Johnatan não conhece Mine Clark! Vou para essa
academia nem que precise fazer um escândalo. Ele sabe que sou teimosa e
vou continuar sendo até morrer, principalmente quando tenta me ignorar! ―
disparo ríspida e me volto para Shiu.
― Eu não vou acompanhá-la, desculpe Mine. Ele dá medo quando
está atacado ― Shiu se defende.
― Venha ― Dinka diz, roubando a atenção de todos. ― O que é?
Irmãos! Não queiram ver uma mulher nesse estado ― ele aponta e o
acompanho.
― Obrigada ― agradeço quando estamos distantes de todos.
― Só não chega muito perto, não confiamos ainda ― Dinka pede em
alerta.
Assim que viramos o corredor, nós nos aproximamos de uma porta
com uma fresta de vidro. Dinka estende sua mão, indicando que é a
academia, e me aproximo para espiar. É maior que na mansão, com uma
variedade de equipamentos organizados, mas meu foco está em Johnatan à
frente, dando socos e chutes em três sacos de pancadas que o rodeiam.
Mesmo eufórico, ele ainda mantém sua postura profissional, só que é um
tanto assustador ver a força que usa contra os sacos.
― Pode me deixar sozinha, Dinka? ― peço, observando-o atrás de
mim como um segurança.
― Mas...
― Por favor!
― Estarei por perto ― acena a contragosto e se afasta.
Com um suspiro, coloco minha digital e entro. De início, já escuto a
respiração abafada e os socos brutais de Johnatan.
Caminho devagar sem querer assustá-lo. Ele está vestido apenas com
uma calça moletom cinza, e, em suas mãos e pés, há bandagens.
Abro minha boca e a fecho em seguida, estar perto de Johnatan é
intimidante. Toda minha coragem parece ter descido pelo ralo.
― Johnatan ― chamo num sussurro.
Os socos são interrompidos, sua cabeça se ergue levemente, mas logo
me ignora e volta ao seu treino.
Aperto meus dedos e avanço meus passos.
― Não! ― o comando em tom ofegante, assim como sua palma
erguida, me impede de seguir em frente.
― Eu preciso saber se está bem ― digo quase sem voz, enquanto
sinto as lágrimas preencher meus olhos.
― Não, eu não estou. Por favor, vá! ― Johnatan não me olha.
Meu coração se afunda.
― Por quê? ― pergunto embargada.
Ele inspira fundo depois de afastar o suor do seu rosto, mantendo os
olhos fechados.
― Eu não quero machucá-la novamente ― sussurra relutante.
― Você não vai ― asseguro, reprimindo a vontade de abraçá-lo.
― Eu não teria tanta certeza ― diz fixando seus olhos febris em
minha direção.
Por um lado, eu respiro aliviada por estarem apenas vermelhos.
― Cassandra disse que os efeitos passam. Eu também tive
alucinações, não me lembro direito do que me aconteceu depois que apaguei.
Com você pode acontecer o mesmo. É só uma questão de tempo ― digo com
urgência assim que volta aos socos e chutes frenéticos, mas sem qualquer
cuidado.
― Não, Mine! Não comigo! ― sua firmeza me assusta, tornando-o
mais febril. ― É como ter a memória de um medo fixado em sua mente e o
pavor das cenas se repetindo por horas. Como se o passado voltasse e você
estivesse vivenciando tudo de novo. Tudo é tão real, que você não enxerga
manipulações, nem jogadas. Só que a dor física não é a pior parte, mas sim as
lembranças, e é a partir dela que vem a dor interior. Eu me lembro, vejo e sei
o que fiz com você, portanto, nada disso será esquecido! ― seu tom é um
misto de aflição e raiva.
Eu sinto o quanto está conturbado, também me angustia vê-lo daquela
forma. Choro por ele, por mim, por nós. A dor em meu peito é torturante.
― Então, deixa eu te ajudar ― soluço.
― Não, não assim ― lamenta olhando em meus olhos. ― Eu
machuquei você, não quero voltar a fazer isso. Eu ainda tenho as alucinações
e não quero descarregar toda essa merda em você ― diz, deslizando as mãos
por seus cabelos molhados.
Seus olhos imploram por isso, engulo minhas lágrimas com esforço.
― Confio em você e não estaria aqui por nada. Por todo esse tempo
eu aceitei você, o seu jeito, o seu humor, a forma como vive. Eu passei pela
dor, pela preocupação, pela angústia e não vai ser agora que vou deixá-lo ―
ergo meu dedo ao enfrentá-lo. ― Então, escute bem, não será agora que não
vou me importar com você. E se eu tivesse o poder, faria toda essa porcaria
desaparecer para sempre! ― puxo o ar com força e solto de uma vez. ― Mas
só dessa vez Johnatan, só dessa vez, vou deixá-lo sozinho.
Eu me afasto, abraçando meu corpo, posso sentir seus olhos em
minhas costas e ergo minha postura ao seguir até a saída.
― Sabe qual é primeira função da minha lista? ― escuto-o e me viro
para olhá-lo.
Balanço a cabeça.
― Qual? ― pergunto rouca.
― É dizer o quanto eu amo você ― Johnatan diz com fervor. ― Eu te
amo, minha Roza.
9 – CÓDIGOS SECRETOS
― Não quer adiantar meu treino? Não vou demorar muito na casa do
meu pai ― digo sem jeito, aproximando-me de seu carro depois de vermos os
cavalos.
Johnatan se aproxima pensativo e fecho meus olhos ao sentir seus
dedos acariciarem meu rosto.
― Ele sente sua falta ― aceno.
― Eu não o visitei muito...
― Porque esteve ocupada com seus... treinos. ― Johnatan acusa de
forma gentil, estremeço.
― Eu queria que ele me ensinasse como ensinou você ― confesso,
Johnatan parece incomodado com minhas palavras. ― Tudo bem, eu sei que
você teve seus propósitos...
― O que Edson quer para você é o melhor. Só está preocupado, não
quer que a filha perca a cabeça e acabe se transformando como eu. Em uma
assassina ― as palavras me assustam.
Balanço a cabeça.
― Você não é um assassino ― recuso-me a pensar dessa forma.
― Em tese, sim eu sou. Assim como eu, Edson não quer que a filha
dele perca a doçura, a compaixão, a sensibilidade ― Johnatan beija meus
lábios, e faço uma careta quando se afasta.
― Não sou tão fraca assim ― resmungo.
― Você é um pouco de tudo, mas acho que quando tocam em seu
ponto fraco, acaba se tornando...
― Uma leoa ― completo, mas Johnatan nega.
― Uma fera ― ele não demonstra, mas noto em seus olhos o orgulho.
― Acho que foi uma das coisas que aprendi com meu novo professor
― eu o abraço e, antes que ele proteste, beijo-o com ternura. ― Eu te amo!
― Não tanto quanto eu amo você ― declara com nossos lábios
colados.
― É mesmo? ― ergo minha sobrancelha, fazendo-o rir.
― Eu tenho que ir ― diz, mas não se move.
― Colmeia? ― pergunto, enquanto beijo seu queixo.
― Sim. Devo confessar que, por mais absurdo o que você e Nectara
fizeram voltando àquele bar, o celular que você pegou está sendo útil ―
sorrio satisfeita. ― Dinka e Shiu estão invadindo os códigos dos contatos,
estão tendo algumas pistas. Eu irei a alguns dos lugares para investigar.
Cassandra e Nectara já estão a caminho de outros.
― Lugares que a máfia costuma frequentar? ― meu coração acelera.
― Sim. Estamos estudando os movimentos ― ele informa.
― Obrigada ― meu agradecimento o deixa confuso.
― Pelo o quê? ― franze a testa.
― Por estar me passando todas essas informações ― digo, sem deixar
de me sentir honrada.
Johnatan sorri rapidamente.
― Não posso te manter longe de tudo, por isso, temos que nos
prevenir ― sussurra junto aos meus lábios.
― Juntos? ― me empolgo em seus braços.
― Por enquanto, você está na fase... Novata ― Johnatan beija-me
brevemente antes de entra em seu carro.
― Sabe, podemos ter aqueles nomes de parceiros? ― insisto.
Johnatan ri da minha ideia, mas não me responde.
― Até logo, minha Roza ― despede-se.
Aceno para ele e o observo se afastar com seu carro. Faço um
beicinho quando some do meu campo de visão. Encaro o campo com tristeza,
é como se tudo voltasse ao vazio novamente. Em seguida, sigo rastejando
meus passos até o celeiro para alimentar os cavalos.
― Vocês estão animados ― sorrio, acariciando a pelagem negra de
Hush. ― Eu me sinto aliviada.
― Não me diga que você está dando cenouras para eles ― James, diz
entrando no celeiro.
Lake pega da minha mão e sai correndo.
― Desculpe ― mordo meu lábio.
― Tudo bem, mas não pela língua solta. Donna está nos torturando
― James resmunga.
Dou de ombros.
― Bem feito ― brinco, fazendo-o resmungar e sorrir. ― Vou ver
como está Jordyn.
― Cuspindo fogo ― James gargalha.
Meu coração acelera e minha visão perde o foco, quando dou por
mim, já estou me enfiando na Picape de Donna desesperada.
Dou a ré e freio abruptamente quando James corre até minha janela.
― Aconteceu alguma coisa? ― pergunta, examinando minha
expressão. Provavelmente, todo o sangue desapareceu do meu rosto, dando o
lugar a palidez.
― Zander, o homem que nos atacou e que sequestrou Jordyn, pode
estar com meu pai... ― disparo sem fôlego e não tenho tempo para
explicações.
Acelero o carro, ignorando os protestos de James. Lembrar-me de
Zander me deixa desesperada. Imaginar que ele possa fazer algo contra meu
pai ou qualquer pessoa que amo acende a fúria em meu peito, assim como
minha angústia.
Mesmo que seu alvo seja Johnatan, Zander pode atrair suas vítimas
por ordem de Charlie. Assim que chego à vila, estaciono a meio-fio e saio do
carro batendo a porta com força. Observo a movimentação do lugar
rapidamente e corro até minha casa.
Tento controlar a tensão de meu corpo e, em silêncio, caminho até a
entrada, analisando a porta aberta. Checo a sala e a cozinha vazias. Caminho
até os quartos e encontro tudo arrumado. No banheiro não há ninguém.
Inspiro fundo e volto para a sala, observando o balcão com as madeiras.
Localizo sua espingarda encostada atrás da porta e, antes de pegá-la, assusto-
me ao ver meu pai passar pela porta, carregando uma parte de um armário
desgastado.
― Mine? ― meu pai fica surpreso. Por um momento, suspiro
aliviada.
Ele deixa o objeto de lado e corro para seus braços.
― Você está bem? Está machucado? Alguém veio visitá-lo? ― meu
desespero expressivo o deixa perplexo, ainda mais quando tateio todo seu
rosto e seus braços.
― Filha, está tudo bem ― assegura, surpreso com minha presença e
confuso com minhas perguntas. ― Por que não estaria?
Engulo em seco ao morder meu lábio inferior.
― P-por nada ― gaguejo estremecida. ― Eu só senti sua falta e acho
que nunca me perdoaria se algo lhe acontecesse ― abraço-o, apertando meu
rosto contra seu peito.
Seus braços me apertam.
― O que pensa que sou? Um velho sem forças? ― brinca. Sorrio. ―
Que bom que está aqui.
Afasto-me para olhar seus olhos cinza.
― Onde estava? ― pergunto, observando a velha parte do armário.
― Na casa de Cesar. Estou restaurando algumas peças ― meu pai
sorri, logo me assusto quando Cesar entra.
― Olá, Mine, que bom que está aqui ― Cesar me cumprimenta.
Inspiro fundo na tentativa de aliviar a minha tensão.
― Querida, está se preocupando demais ― Meu pai ri e beija meu
rosto.
― Pelo que vejo há muito trabalho a fazer ― digo, observando as
madeiras.
― Seu pai está me fazendo trabalhar que nem um cavalo. Já não basta
minha loja e vem mais isso? ― Cesar reclama.
― Posso ajudar a trazer o restante?
Na verdade, boa parte de mim quer ficar para manter o inimigo longe.
― Bem, então, temos um trabalho duro a fazer. Mine, você pegará os
mais pesados. ― Cesar brinca, e o sigo até sua casa.
Para meu divertimento, ele me passa apenas as partes mais leves do
armário, e sigo até a casa de meu pai sem perder meu foco de alerta. Há
crianças brincando; enquanto as mães carregam as sacolas de compras para
dentro de casa ou regam suas plantas, alguns dos homens chegam de algum
lugar, outros se ocupam com alguns afazeres no exterior de suas casas. Tudo
parece normal, muito tranquilo. Apenas me distraio quando Cesar acelera os
passos à minha frente e o sigo na disputa. Meu pai também nos acompanha, e
fico mais aliviada por não ter nenhuma presença de Zander.
― Agora só faltam mais duas ― Cesar inspira demonstrando
cansaço. ― Assim, minha esposa não reclamará da falta de espaço em casa
― brinca, seguindo de volta para sua casa.
― Eu vou pegar a outra peça ― digo ao meu pai e caminho
calmamente até a casa de Cesar.
De repente, meus joelhos travam. Em seguida, fico cega com a
claridade à frente, meu corpo é empurrado para trás devido a um baque forte.
Logo, sinto minhas costas se chocarem em algum lugar. Pisco os olhos à
procura de foco, meus ouvidos zunem devido à explosão. Contorço-me no
chão e percebo que estou distante. Ergo minha cabeça e arregalo meus olhos
ao ver a casa de Cesar em chamas. O fogo se espalha com rapidez, deixando
os vizinhos em pânicos.
Os gritos agonizantes são ocos para meus ouvidos. Tento me manter
de pé, encarando a tragédia com pavor. As pessoas correm para longe, outras
se seguram umas as outras em busca de ajuda. Eu me espanto ainda mais
quando vejo duas crianças caídas no chão. Tusso devido à fumaça negra que
se espalha.
― PAI! ― grito, enquanto forço meus pés a seguirem em frente.
Sinto mãos me puxarem para trás, mas as empurro, enquanto corro
para minha casa. Meu pai está parado em choque, vendo a casa de Cesar
destruída em chamas, um grito de uma mulher agonizante me chama atenção
e observo a esposa de Cesar ser puxada para longe, outra grita por seu filho.
― MINE! FILHA! ― meu pai me alcança e examina meu rosto. ―
Cesar...
Vejo a dor em seu rosto.
― Pai... Pai, eu sinto muito ― digo trêmula, mas logo escuto o
pânico ao redor e vejo um homem alto passar entra as pessoas. ― Zander ―
sussurro perplexa.
― O quê? ― meu pai mal pergunta direito, pois eu rapidamente o
empurro contra o chão quando outra casa explode.
É assustador. É como estar no inferno sentindo o ambiente quente, o
cheiro desagradável e, aos poucos, os gritos das pessoas desesperadas
pedindo ajuda. Tusso e me afasto para ver meu pai.
― Temos que sair daqui ― eu me surpreendo com James, que nos
ajuda a levantar e vejo que Jordyn está presente.
Tento me manter de pé outra vez, vendo ambos ajudarem meu pai e
percebo que uma de suas pernas está ferida.
― Mine! ― meu pai me chama.
― Eu estou aqui, pai ― respondo sem fôlego.
Eu os sigo para longe e paro ao escutar a mulher que continua a gritar
por seu filho. Logo atrás está Zander parado com seu capuz, os olhos fixos
em mim, enquanto lança um leve sorriso nos lábios. É quando percebo que há
uma espécie de controle em sua mão. Ele percebe meu olhar e ameaça.
Olho a vila em chamas; há pessoas feridas, há crianças caídas perto
das chamas e sei que há mais explosivos escondidos como num campo
minado. Sem pensar duas vezes, pego dois dardos afiados de pontas grossas
enroscados nas mangas do meu casaco e arremesso.
Zander solta o pequeno dispositivo assim que um dardo atinge sua
mão e outro sua coxa. Ele arranca os dardos, e aproveito a movimentação
espalhada para correr em sua direção, antes que ele pegue o controle, mas em
vez disso, Zander se afasta em direção a um carro escuro que se aproxima.
Ele entra no automóvel, tirando seu capuz, dando-me um sorriso aberto.
Escuto Jordyn me chamar, mas a ignoro, enquanto avanço até o carro
e arremesso outro dardo, que se fixa na calota da roda. Ao ver Zander abrir a
janela, noto que aperta outro controle. Em seguida, abaixo-me com a próxima
explosão.
A última casa é a minha. As lágrimas preenchem meus olhos e
observo meu pai cair ajoelhado com tristeza. Crescemos ali, vivemos ali, seu
trabalho estava ali e seu melhor amigo o ajudava.
O carro acelera para longe, deixando-me assistir o horror das pessoas
ao redor, a perda de seus entes queridos, os gritos por socorro, a dor nos
olhos de cada um e, principalmente, de meu pai. Para ele não era um simples
lar, ali era sua vida, o seu sustento, a sua paz. Tudo é demais para mim, a
sensação de fracasso me enfraquece e, antes que eu perca completamente
minhas forças e caia no chão, sinto um braço envolver minha cintura.
Estou abatida demais para me mover ou lutar seja lá com quem for.
― Mine? ― a voz sussurrada em meu ouvido faz meu corpo tremer e
minhas lágrimas caírem.
― Johnatan... Por quê? ― não quero uma explicação para o que
acabou de acontecer, mas uma explicação por tanta maldade, por tanta frieza.
Viro meu rosto, vendo-o preocupado. Johnatan toca minha face com
cuidado, como se estivesse afastando a sujeira, enquanto seca minhas
lágrimas. Sinto uma leve pontada de dor acima da minha sobrancelha quando
ele a toca e afasta, revelando meu sangue em seu polegar. Percebo que
Johnatan se esconde por trás de um moletom e um boné de um time de
basquete.
― Vamos para casa ― murmura com carinho, como se estivesse
tendo o cuidado de não me assustar ainda mais ao me manter em seus braços
com firmeza.
Eu o abraço com força.
― MEU FILHO! MEU FILHO! ― a mãe continua gritando. Olho
para o lado, vendo-a ser consolada pelos moradores.
James tenta se aproximar das chamas para ajudar a afastar um ferido,
em seguida, volta para carregar meu pai até o carro. Jordyn aproveita para se
juntar com alguns moradores a fim de jogar baldes de água contra as chamas.
― Mine, vamos ― Johnatan insiste, e fico paralisada, observando a
destruição.
― O filho dela ― sussurro e avanço até as pessoas em vão, os braços
de Johnatan me detêm.
― Mine, os feridos foram trazidos para longe, os demais estão mortos
― murmura junto ao meu ouvido. ― Agora vamos!
― Ela só quer o filho ― insisto, mas Johnatan permanece em
silêncio.
Viro-me para ele.
― Está morto, Mine ― dispara, olhando em meus olhos.
Vejo a preocupação em seus olhos, a angústia e a frieza.
― Você não é como eles ― digo de forma ríspida. ― Você perdeu
sua família, por isso, não permita que eles continuem destruindo outras.
Minhas palavras o surpreendem. Encaro minhas mãos sujas e logo me
distraio com Johnatan avançando até as chamas depois de pegar bruscamente
um balde de água de Jordyn e jogar em si.
Os gritos da mãe imediatamente cessam ao ver o homem correr pelo
fogo. Johnatan usa a passagem do fogo mais baixo, escondendo-se com sua
blusa para não inspirar a fumaça, depois some do nosso campo de visão.
Sinto a mão fria de Jordyn sobre minha e a encaro.
― Você está bem? ― sou incapaz de responder.
Minutos depois de tanta aflição, nós nos distraímos quando Johnatan
passa pelas chamas, carregando duas crianças no colo, enroladas num
cobertor gasto. O garoto aparenta ter uns seis anos de idade e a menina, de
cabelos louros, parece ter uns nove. Outra mulher de cabelos claros corre até
a garotinha, puxando-a dos braços de Johnatan. Em seguida, cai de joelhos no
chão, aos prantos, quando se depara com a filha morta em seus braços.
A mãe que gritava por seu filho permanece imóvel até Johnatan lhe
entregar o garoto, e, antes que ele se afaste, de cabeça baixa para não ser
reconhecido, observo a mulher segurar sua mão para agradecê-lo. Johnatan
acena e caminha em minha direção. As pessoas ficam atentas às crianças em
vez de encarar Johnatan. Para minha surpresa, o garoto abre os olhos
assustados e puxa o ar com força.
Olho para Jordyn sorrindo, vendo-a emocionada. Johnatan caminha
em passos largos. Antes que eu o felicite por ter salvado o garoto, sou puxada
para seus braços. Observo-o me carregar no colo com a expressão séria.
― Agora, vamos sair daqui ― diz duramente, levando-me até a
Picape de Donna. ― Jordyn, leve Edson até a mansão.
― Sim, senhor ― Jordyn obedece a ordem e corre até o carro de
James.
No carro, Johnatan prende meu cinto, em seguida, dá a partida em
silêncio. Pergunto-me por que está tão sério, estremeço, não querendo escutar
a resposta. Talvez o que houve na vila fosse alguma lembrança do seu
passado. Agito minha cabeça e vejo a ambulância, assim como corpo de
bombeiros, se aproximarem da vila com suas sirenes ensurdecedores.
Johnatan corta caminho e acelera.
Quando chegamos à mansão, ele sai do carro rapidamente para abrir
minha porta. Saio com sua ajuda e me distraio com meu pai, um pouco
manco, se aproximando. Ele nem mesmo esperou que James estacionasse.
Sua expressão me faz estremecer, mas seu olhar frio é disparado para
Johnatan ao meu lado.
― VOCÊ! ― meu pai dispara rudemente. ― Não percebe que tudo
que acontece à nossa volta, todas essas desgraças, é por sua culpa?!
― Senhor Clark, apenas entre. Vamos cuidar dos seus ferimentos...
― NÃO ME VENHA COM GENTILEZAS MAKGOLD! De você
eu não quero nada! ― meu pai o interrompe, avançando em sua direção, mas
sem atacá-lo. ― Sabe o que causou? Sabe o que vai causar?!
― Papai... ― eu o interrompo quando ambos se enfrentam.
James e Jordyn ficam em alerta. Logo, Peter aparecer na varanda com
Donna e Ian ao lado, assistindo à briga assustados.
― Mine, não tente me impedir! Quantas vezes te alertei para ficar
longe dele? Viu o que acabou de acontecer? ― meu pai descarrega a fúria em
sua voz.
― Jamais tive a intenção de prejudicar aquelas pessoas ― Johnatan
se defende sem perder sua postura, mas posso sentir a raiva em seu tom de
voz.
― Talvez você não, mas o homem que deixou viver para ver as
pessoas se destruindo aos poucos, sim. Em outras palavras, não tente negar
que você é a cópia perfeita de Charlie Makgold ― as palavras bruscas de
meu pai fazem Johnatan rosnar e avançar.
Rapidamente me coloco no meio dos dois.
― PAREM! Papai o que está falando? ― inspiro fundo. ― Johnatan
não é assim ― digo, tendo sua atenção incrédula para mim.
― Como pode dizer isso, Mine? Olhe à sua volta, isso não é vida!
Matar pessoas, destruir o que elas tanto conseguiram com seu próprio suor,
sem precisar crescer em cima dos outros ― meu coração se aperta por sua
dor explícita. ― Minha casa... Aquela casa era simples, era humilde, eu a
construí com meus esforços. Você cresceu vendo o quanto dependíamos do
meu trabalho! Minha vida inteira estava naquela casa, assim como das outras
famílias, assim como do meu melhor amigo. Não precisávamos de muito, o
pouco que tínhamos já era o bastante ― escutar sua voz falhar é como uma
facada em meu peito.
― Eu sinto muito, pai ― seguro minhas lágrimas e toco seu rosto
sofrido. ― Eu sei o quanto você lutou, o quanto você se esforçou. Não jogue
sua mágoa em quem não teve culpa. Johnatan não é igual ao pai dele. Ele só
está tentando acabar com tudo isso.
Meu pai balança a cabeça e esfrega seu rosto exasperado. Depois,
seus olhos cinza são disparados para Johnatan, que o ignora.
― Mine, venha! ― Johnatan toca minha cintura ― Me deixa cuidar
da sua ferida.
― Cuidar dela? ― meu pai continua ríspido.
Inspiro fundo.
― Sim ― Johnatan responde em tom mais frio, fazendo-me arrepiar.
― Minha única prioridade é ela e, enquanto eu a vir machucada, mesmo que
seja um arranhão, eu estarei cuidando. Queira você ou não.
Balanço minha cabeça, ambos se encaram com um ódio intenso.
Antes que eu fale alguma coisa, meu pai me interrompe.
― Eu implorei, pedi tanto para que se afastasse dela. Se tivesse
ouvido meus conselhos, tudo seria diferente ― as palavras de meu pai me
deixam confusa.
― Provavelmente, você já amou, Edson, mas não com a mesma
intensidade que eu ― Johnatan rebate sem piedade.
― Deveria ter continuado se fingido de morto e desaparecido para
sempre. Ou talvez a própria morte tornasse tudo mais simples ― o tom de
ameaça vinda do meu pai me faz me afastar perplexa.
Olho para ambos e toco minha testa quando sinto um peso em minha
cabeça. Fecho meus olhos e inspiro fundo.
― Então, você sabia? ― disparo entredentes ao abrir meus olhos em
direção ao meu pai. ― Sabia que ele estava vivo e, mesmo assim, escondeu
de mim? ― encaro ambos sem acreditar.
― Não contei, porque queria acreditar que ele havia desaparecido ―
Edson confessa.
O peso em minha cabeça se intensifica.
― Mine,...
― Claro... Por que eu não estou surpresa? ― destaco minha raiva
para Johnatan e o vejo se aproximar, mas me afasto. ― Quer saber?! Podem
se matar, estarão fazendo um ótimo favor para mim.
Viro-me e caminho em passos rígidos.
― Mine? Acho que não é uma boa ideia deixá-los sozinhos ― escuto
Jordyn dizer assim que passo entre ela e James.
Paro e olho para trás dando de ombros.
― Eu arremessei dardos contra Zander, porém um dos dardos não o
atingiu como eu queria, mas se fixou na calota do carro ― informo,
deixando-a confusa. ― Hipoteticamente, minha intenção não foi acertá-lo e
sim rastreá-lo, o dardo possui um microrrastreador. Peça para o Shiu achar a
localização, ele deve ter acessos aos equipamentos das armas de Johnatan ―
aviso rapidamente e sigo para dentro da mansão.
No meu quarto, bato a porta com força, arranco meu casaco, seguindo
para o banheiro e observo meu reflexo no espero. Cabelo bagunçado, roupas
desgastadas, olhos cinza febris, rosto corado e sujo pela fumaça escura.
Acima da minha sobrancelha há um corte, no armário pego um
pequeno kit de primeiros socorros e começo a limpar minha ferida de forma
agressiva, nem mesmo me importando se doí ou não. Lavo meu rosto e volto
a observar o corte mais de perto. O reflexo de Johnatan ao lado, escorado na
porta, me chama atenção, mas logo volto para minha ferida.
― Pare com isso ― ele se aproxima.
Eu o encaro pelo espelho com frieza.
― Eu espero que seja uma alma penada falando comigo ― digo
umedecendo o algodão com exagero.
― Seu pai é bem como você, pensava muito nisso quando estava fora.
Ele queria que eu pegasse a oportunidade e desaparecesse de vez ― sua
explicação me faz ignorá-lo ainda mais. ― E é claro que eu não iria fazer
isso.
― Como eu disse, não estou surpresa. Um tanto irritada, mas não
surpresa ― confesso. ― E por que não pegou a oportunidade? ― coloco as
mãos na cintura, a pergunta até mesmo me surpreende.
Vejo seus olhos se erguerem e sua testa franzir.
― Acho que o meu te amo não foi o suficiente para você ― disfarço
quando minha respiração trava. ― Talvez eu devesse te mostrar...
― Não! ― digo ao vê-lo se aproximar pronto para me tocar.
― Certo, eu posso fazer isso mais tarde. Então, me deixe cuidar do
meu amor ― diz me fazendo erguer em alerta.
Sinto minhas costas doerem um pouco devido à pancada que levei,
mas não demonstro desconforto.
― Está tentando me manipular, Johnatan Makgold? Uma tática de
sedução Grekov? ― ainda permaneço séria.
Sua sobrancelha se ergue.
― Sedução Grekov? ― pergunta confuso.
― Sim, porque o nome Makgold costuma ser mais usado na hora da
raiva ― disparo.
Johnatan suspira exasperado.
― Você é difícil ― esfrega seu rosto. ― Mesmo sendo sexy estando
toda na defensiva, não que eu esteja tentando persuadir você ― defende-se.
Ele se aproxima e me afasto o máximo que meu banheiro permite.
― Acho que você deveria ver os assuntos que diz respeito à máfia.
Shiu pode estar rastreando o dardo no carro...
― O carro explodiu depois de sair da cidade ― Johnatan comunica
em tom frio quando o ignoro. ― Podemos conversar civilizadamente?
― Então, me deixe sozinha para que meus nervos aflorados se
acalmem ― aponto meu queixo em direção a saída antes de me virar para o
espelho novamente.
Sua expressão fica rígida e vejo seu corpo se erguer. Seus olhos
demonstram reprovação.
― Eu posso fazer isso o dia inteiro, Mine ― sei que lutar com ele é
algo impossível.
Largo o algodão no balcão e inspiro fundo. Viro-me, encostando na
pia e cruzando meus braços.
― Tudo bem. Vamos manter as coisas claras ― retruco, nada
intimidada com seus olhos frios.
― Justo ― concorda, fazendo minha sobrancelha se erguer. ― A
propósito, eu amo você ― eu o fuzilo com o olhar, assim como ele faz
comigo.
Ignoro suas últimas palavras sem deixar que meu emocional vença.
― Humm... Há alguma coisa que eu ainda não saiba? ― pergunto e
aperto meus dentes ao ver seus olhos fixos nos meus.
― Sim ― responde com cuidado ao observar minha reação.
Puxo o ar com força antes de assentir duramente.
― Pode aproveitar a oportunidade para dizer ― forço minha voz a
sair com firmeza.
Johnatan mantém seus olhos em mim por um tempo, deixando-me
confusa de imediato. Não posso recuar, por isso, permaneço parada quando
ele se aproxima. Rapidamente, seus braços fortes cercam minha cintura,
levando-me até ele com força. Eu não poderia me sentir embaraçada, nem
mesmo tocar seus braços assim que me tem colada ao seu corpo, muito
menos com a respiração acelerada.
― Você é minha! ― tanto suas palavras quanto seus olhos são
profundos e, ao mesmo tempo, serenos.
Quando abro minha boca para protestar, o indicador em meus lábios
me interrompe.
― Minha esposa.
13 – COMPANHEIRA
De volta ao mundo real, depois que Johnatan sai, vou até o quarto
onde está meu pai. O espaço é amplo, com uma cama com dossel e móveis
vazios, tudo em tom creme. Quando entro, sinto meu coração se apertar ao
vê-lo sentado de cabeça baixa, não sei por quanto tempo ele permaneceu
naquela posição.
― Pai? ― chamo-o, notando seu joelho enfaixado.
― Não aceito que aquele homem a treine, não aceito que você siga
esses passos. ― sua voz está mais grossa.
Seguro minha respiração e solto bruscamente.
― Johnatan falou para você... É claro ― resmungo.
Eu me pergunto se o linguarudo também falou sobre o casamento,
mas permaneço em silêncio sobre esse assunto. Neste momento, é melhor
evitar mais discussões.
― Acha que concordo? Mine, você não será a mesma... ― sinto a dor
em sua voz.
Aproximo-me da cama para sentar ao seu lado e abraçá-lo.
― Eu continuo aqui. Prometo nunca mudar ― asseguro com todo
meu coração.
― Matando pessoas? ― suas palavras me surpreendem.
Penso por um segundo.
― Se for para manter a salvo quem eu amo, sim ― digo com
sinceridade.
― Você é incapaz de fazer isso, Mine ― meu pai afirma, apertando
seus braços ao meu redor. ― Treinar para entrar nesse mundo transforma o
ser humano aos poucos. Não quero que seja assim, não quero que se torne
uma pessoa fria e sem escrúpulos, sem escutar o lado da verdade, sem escutar
as pessoas à sua volta, sem agir com o coração. Querida, se você soubesse o
tamanho do seu coração!
― Papai,... ― afasto-me para olhar em seus olhos cheio de tristeza
―, sei que sou teimosa e impulsiva, mas não quer dizer que deixarei de ser
quem eu sou. Johnatan também não quer, e ambos têm a mesma opinião.
― Não me compare com aquele ser ― Edson o despreza.
― Pai, eu o amo muito. Um dia você vai perceber que ele não é como
Charlie Makgold, pois tudo que Johnatan tem feito é para o bem de todos que
o cercam ― meu pai abre a boca, mas o interrompo com a palma erguida. ―
Ele pode ter causado essa impressão no início, e acho que a vida ensina as
pessoas a enxergarem o mundo de outras formas. Johnatan pode ter
aprendido, sem perceber, o que era importante em sua vida.
― Não confio nele ― Edson Clark permanece com seu orgulho
intacto.
― Por que o odeia tanto? ― vejo seus olhos distantes. ― Papai?
― Pelo o que se transformou, pela dor que causou ― responde
exasperado.
Acaricio seus cabelos grisalhos e beijo seu rosto.
― Certo, vou respeitar suas escolhas e sua opinião ― quero lhe dar
apoio pelo o que está passando.
Ele me observa emocionado, sua dor inquieta aperta meu coração.
― Oh, querida ― eu o abraço assim que vejo suas lágrimas caírem.
― Não restou nada. O que direi aos clientes? Como irei ao enterro do meu
melhor amigo, ver sua esposa, seus filhos, ver todas aquelas pessoas
desabrigadas? Se fosse uma morte honrosa, sem dor, sem violência,
estaríamos comemorando tradicionalmente um funeral em sua homenagem,
mas foi uma tragédia. Não há felicidade assim... Pelo contrário, há medo.
Eu o abraço com força, desejando sumir com toda a sua angústia.
― Vai passar... Nós vamos conseguir ― conforto-o, apertando meu
rosto contra seu peito. ― Por que não descansa um pouco? Prometo ficar
aqui até você adormecer.
Assim que concorda, ajudo-o a se deitar e fico ao seu lado, mantendo-
me forte por ele. Depois de alguns minutos, adormece num sono profundo.
Observo-o por um instante, é como se não dormisse há dias. Suspiro e me
curvo para beijar sua testa.
14 – PEGANDO PESADO
Ao avançar para Zander, analiso sua postura. Ele não recua, pois está
pronto para uma boa luta. A última vez que o enfrentei, havia pulado em seu
corpo. Imagino que é esse tipo de ataque que ele espera no momento, mas, ao
invés de percorrer seu corpo como uma serpente, atinjo seu estômago com
um soco certeiro e, sem hesitar, golpeio seu pescoço com a lateral da minha
mão.
Zander tosse um pouco surpreso com minha agilidade. Não me
permito recuar e continuo o atacando entre socos e chutes. O olhos cor de
gelo aceita os golpes até se manter firmemente agressivo para atingir minha
cintura e a lateral da minha perna. Seria fácil se não estivesse usando esse
maldito vestido.
― Vejo que anda se exercitando ― seu deboche me enfurece.
Novamente tento acertá-lo com socos, mas são bloqueados por seus
braços, enquanto suas mãos me empurram para longe.
Tiro a mecha do meu cabelo na frente do meu rosto ao manter minha
postura rigidamente. Zander abre seu sorriso arrogante. Percebo que o atingi
no canto da boca assim que toca a ferida para ver seu sangue escorrer.
― Vocês são uns monstros ― disparo trêmula devido à adrenalina
que invade meu corpo.
― Não, querida. Fomos criados para sermos assim ― Zander balança
sua cabeça.
Seus olhos cor de gelo me observam atentamente.
― Onde está Nicole? ― meu ódio o faz sorrir ainda mais.
― Também gostaria de descobrir. Ela ficaria feliz em ver o que
acabou de assistir. ― Zander provoca minha ira.
Ao pensar que eu esteja distraída com suas provocações, vejo-o agir
rapidamente. Eu me esquivo dos seus golpes com facilidade, analisando as
direções de onde quer me atingir e aproveito para chutar seu joelho, mas
quando sigo para chutar suas bolas, Zander agarra minha perna e, num
movimento brusco, faz meu corpo girar e cair no chão. Rosno de dor pela
pancada em meu quadril, enquanto me protejo dos seus ataques.
Quando sua mão envolve meu pescoço e sufoca minha respiração,
sinto o sangue latejar em meu rosto. O ponto em meu ouvido volta a zumbir e
tento abrir minha boca para falar algo, porém o aperto se intensifica.
Alarmada, encaro o sorriso sombrio de Zander, pois é o mesmo sorriso que
ele tinha ao presenciar o assassinato de minha mãe no vídeo.
Não posso lhe dar o gosto de fraquejar. Felizmente, com minhas mãos
livres, atinjo seus ouvidos e enrosco minhas pernas em seu corpo, fazendo-o
se afastar e cair no chão, onde o mantenho imóvel. Ele luta para tentar se
livrar do meu aperto, enquanto, rapidamente, enrosco uma perna em seu
pescoço, ao mesmo tempo em que mantenho meu outro joelho preso em seu
antebraço direito.
Sinto sua outra mão livre me atingir com força, mas ignoro a dor do
golpe para arremessar uma kunai no meio da sua palma assim que arranco a
arma afiada presa na cinta de couro presa em minha coxa. A lâmina pontuda
atravessa toda sua mão e gruda-se contra o chão. Zander grunhe, mas suporta
a ferida.
E, antes que ele tenha a ideia de mover suas pernas, arranco dois
dardos do meu vestido e arremesso com força contra suas coxas, fazendo-o
estremecer embaixo de mim. Sua risada sufocada me faz encarar seu rosto
avermelhado com ódio, em seguida, eu o golpeio com uma força brutal.
― Espero que esteja confortável, marionete ― disparo com firmeza,
girando outra kunai entre meus dedos para aproximá-la de seus olhos.
Zander sorri, e assisto o corte de sua sobrancelha sangrar.
― Impressionado ― sufoca com os dentes apertados quando tenta
mover a mão ferida. ― Não sabia que Mine Clark tinha essa capacidade.
Corto seu rosto, fazendo-o rosnar, e volto a ameaçar com a faca ninja.
― Senhora Makgold para você ― anuncio, vendo seus olhos me
encararem brevemente confusos.
Agora é minha vez de lhe dar um sorriso frio.
― Foi capaz de se casar com um homem que possui o nome de
alguém que provocou a morte de sua mãe? ― Zander ri e engasga quando
aperto ainda mais minha coxa envolta de seu pescoço.
― O que quer dizer? ― pergunto entredentes.
― Quero dizer que sua mãe, antes muito linda, fugiu com Charlie
Makgold. Sua mãe te abandonou quando você era quase uma recém-nascida
― dispara com esforço e tosse em seguida, quando volto a apertá-lo. ―
Nesse tempo ela apoiou e esperou por Charlie até ele se livrar da sua família,
mas deixou Johnatan vivo. Que descuido, não?
Sinto as lágrimas preencherem meus olhos.
― Está mentindo! ― rosno com dor no coração.
Zander solta uma gargalhada engasgada.
― Mentido? Sua mãe fugiu com o Makgold, iludida por um amor que
nunca existiu. Estava tão deslumbrada, que apoiava Charlie na LIGA. Ela não
era um membro, apenas uma intrusa, segundo as palavras de Nicole ― meu
sangue ferve ao escutar o nome da loira assassina. ― Agora pense... Sua mãe
não pensou em você uma única vez. Nem mesmo para retornar à família.
Preferiu ficar ao lado do chefe da máfia para apoiá-lo. Só que, ao contrário
dela, Charlie nunca a amou, apenas a usou e, quando viu que já havia
aproveitado o bastante, jogou-a para os tubarões aproveitarem. Por um ano,
ela serviu como escrava, saciando desejos de desconhecidos. Claro, à base de
tortura ― o sorriso triunfante do sádico faz meu estômago embrulhar ao
relembrar a primeira e última imagem da minha mãe pelo televisor.
― Como podem causar tanta dor nas pessoas? ― esforço-me para
segurar o choro.
― A dor faz parte da vida, senhora Makgold. ― Zander ironiza com
os dentes apertados. ― Uns... uns vivem felizes, outros nem tanto. Olha o
exemplo de Johnatan Makgold, como a vida o transformou.
Percebo que cada vez que diz o sobrenome, uma pontada de ódio em
sua voz é explícita. Ao mesmo tempo em que destaca seu ódio, ele gosta de
soar com orgulho, como um causador de tantos tormentos.
― E Nicole?! ― engulo minhas lágrimas ao perguntar com fúria. ―
Desde quando ela pertence à LIGA?
― Nicole praticamente nasceu naquele lugar. Ela sempre nos
pertenceu ― Zander informa com um sorriso aberto, e soco seu rosto.
― SEUS DESGRAÇADOS! MONSTROS! ASSASSINOS! ― xingo
cada palavra, atingindo seu rosto até ver o sangue escorrer em seu nariz.
Zander tosse e engasga. Sem pensar duas vezes, pego o pequeno
frasco que guardei entre meus seios e o abro. Tapo sua respiração para que
sua boca abra e despejo o líquido transparente em sua boca. O infeliz
engasga, impossibilitando-o de engolir. Fecho sua boca com uma pancada e
mantenho sua respiração presa enquanto se debate embaixo de mim. Assim
que engole, vejo-o perder os sentidos aos poucos.
Aguardo um instante, observando seus olhos fechados sem qualquer
movimento. Naquele momento, não sinto piedade, nem compaixão, não me
importo se esteja morto. Quando me afasto cautelosamente, assusto-me com
as pancadas contra a porta escura de metal.
― Mine... ― a voz abafada de Johnatan ecoa do outro lado. ―
MINE, ABRA!
Escutar sua voz me deixa confusa e, ao mesmo tempo, nervosa.
Seguro minhas lágrimas ao me lembrar do vídeo. Do outro lado, Johnatan
insiste com fúria.
Inspiro fundo, abaixando-me para recolher minha bolsa.
― Está tudo bem! ― respondo ofegante, mas nem isso o faz parar de
tentar abrir a porta, enquanto reclama com alguém.
Em seguida, abro minha bolsa e verifico minha arma elétrica.
Com minha súbita falta de atenção, Zander se move como um
furacão, jogando-me no chão, livrando-se da faca atravessada em sua mão.
Seu corpo se prende contra o meu e movo uma de minhas mãos para atingi-
lo. Zander a agarra com firmeza, em seguida, alcança minha mandíbula,
apertando-a com força. Grito de dor e minha reação o faz se aproximar para
grudar seus lábios nos meus.
Luto, na tentativa de afastá-lo, mas Zander reage com fúria,
machucando-me. Imediatamente, sinto o gosto amargo em meu paladar.
Depois, sua mão tapa minha boca e meu nariz para que eu engula o líquido.
Movo meus braços contra ele, sem conseguir respirar e sinto o líquido
amargo descer por minha garganta. Não consigo mexer minhas pernas, pois
estou ajoelhada no chão, sentindo o peso de seu corpo contra o meu ao me
imobilizar.
Quando Zander move minha cabeça para cima com violência, eu o
vejo aproximar sua boca novamente para me beijar na intenção de distribuir o
restante da droga em minha boca. Movo-me inutilmente para mantê-lo
afastado, mas, com o desequilíbrio, reajo rapidamente ao ver minha arma
elétrica caída ao lado, pegando-a e atingindo seu pescoço com o choque.
Seu corpo trêmulo cai em cima de mim ao receber a carga, mas logo é
arrancado com brutalidade e jogado do outro lado da sala. Levanto-me, vendo
Johnatan à minha frente com os punhos cerrados. Por outro lado, Zander
parece feliz em vê-lo e o enfrenta com ódio.
― Olha quem entrou na diversão ― Zander força sua voz a sair.
Sem pensar duas vezes, ambos avançam numa luta mortal. Cambaleio
para trás, vendo Johnatan surrar Zander com força. Em seguida, sinto duas
mãos em meus ombros. Ao olhar para trás, vejo Matt assustado.
― Johnatan, temos que ir ― o advogado diz, enquanto tenta me
manter em pé.
― Só quando eu o matar ― escuto o rosnado de Johnatan e o observo
chutar o peito de Zander, empurrando-o para longe até ele cair no chão.
Sem hesitar, Johnatan gira o corpo de Zander, deixa-o de joelhos e
flexiona seu braço pronto para quebrá-lo.
O rosto de Zander está mais inchado e ensanguentado. Ele tosse
sangue e sorri com ironia em minha direção.
― Eles sabiam... ― Zander ri ironicamente. ― Tanto Edson como o
seu amado Johnatan sabiam sobre sua querida mamãe ― vejo Johnatan me
lançar um olhar assustado.
Arregalo meus olhos para ele e lá está a reprise do vídeo da morte de
minha mãe.
Johnatan não assiste, apenas escuta imóvel. O choque está estampado
em sua face.
― O que você fez, seu infeliz?! ― Johnatan murmura com ódio,
apertando o pescoço de Zander sem piedade.
― Não só mostrei, como também lhe contei a verdade. Vocês
obviamente não foram capazes de fazer isso ― Zander dispara com esforço.
― Mas sabe, até que ela lembra um pouco a vadia da mãe.
Caminho em sua direção sem pensar duas vezes, giro meu corpo e
chuto seu rosto com a mesma força que meu ódio atinge. Pela minha visão
periférica, vejo Matt desligar o televisor e encaro Zander caído aos pés de
Johnatan.
― Está morto? ― disparo com firmeza.
Johnatan se curva para verificar a pulsação.
― Não. Só foi nocauteado ― responde. ― Mas farei com prazer...
― Não! ― ordeno antes que ele siga em frente.
Johnatan olha para cima, confuso. Curvo-me para pegar o frasco no
chão e entregar para Matt, que me olha chocado. Johnatan observa o objeto
na mão do advogado.
― Não precisavam testar os experimentos? ― pergunto, olhando para
ambos. ― Aí está à cobaia.
― Eu não sei o que dizer. ― Matt fica perplexo.
― Ele conseguiu guardar um pouco do líquido na boca e acabou me
beijando, fazendo-me engolir o restante ― tusso.
Johnatan me encara. Sua mandíbula trava e percebo seus olhos em
chamas, mesmo estando com lentes.
Subitamente, sinto minha garganta mais seca e minha respiração
acelerada. Minha cabeça gira. Afasto-me, querendo fugir dali o mais rápido
possível. Ao passar por Johnatan, sinto seus dedos em meu braço, impedindo-
me de seguir em frente.
― Tire esse infeliz da minha frente. Saia pelos fundos, leve-o para a
caminhonete. ― Johnatan exige.
― Pode deixar ― Matt responde.
― Espere ― Johnatan me interrompe novamente.
Não olho para seu rosto.
― Não me toque ― peço seriamente.
Pela minha visão periférica, eu o vejo me encarar com seriedade.
Ele inspira fundo com minha rejeição e puxa meu corpo para
sussurrar ao meu ouvido:
― Está pensando que sou um desses homens que deixa suas mulheres
fugirem? Está muito enganada. Eu posso te tocar e posso fazer o que eu bem
quiser. Você é minha esposa, o que significa que você é minha ― olho em
seus olhos com descrença e puxo meu braço.
― Para seu governo, eu me pertenço! Portanto, acho melhor você
baixar a bola ao pensar que sou sua prioridade nesses momentos, assim como
deixar de ser um machista egocêntrico e começar a aprender sobre limites
dentro de um matrimônio, e, principalmente, respeitar a mim, que sou sua
esposa! ― Johnatan recua com meu olhar fervente.
― Mine, me descul...
― Você sabia, não sabia? ― interrompo-o sem qualquer empatia por
suas lamentações. ― Sabia que minha mãe estava viva. Você e meu pai...
Agora posso entender por que tanto ódio ― meus lábios estremecem.
Seus olhos se abaixam com tristeza.
― Eu sinto muito ― sussurra e me afasto quando sua mão se ergue
para tocar meu rosto. ― Para onde pensa que vai?
O Johnatan autoritário está de volta, mas logo fecha os olhos
brevemente e se controla.
― Eu vou embora, mas não pelos fundos ― informo com os dentes
apertados.
Ao me afastar, caminho para fora da sala, observando o corredor do
banheiro de onde o corpo do outro membro foi retirado. Inspiro fundo antes
de aparecer para todos na festa e círculo pelo salão até encontrar a saída.
Pela minha visão periférica, como também à minha frente, ao passar
pelos convidados, vejo alguns homens lançarem olhares discretos. Em
seguida, sinto que alguém me persegue e olho para trás vendo Johnatan me
seguir.
No elevador, seguimos juntos em silêncio sem nenhum contato. No
ponto de ouvido, escuto Shiu pedir para recuar e Cassandra dizer que há
informantes do lado de fora. Quando as portas do elevador se abrem,
caminho em passos largos até a saída principal, deixando Johnatan para trás.
Assim que avisto nosso carro, sou interrompida por ele. Minha cabeça
gira quando me puxa para encarar seus olhos.
― Está furiosa ― diz analisando meu rosto.
― O que esperava? ― tento controlar minha respiração acelerada. ―
Você sabia, meu pai sabia e, mesmo assim, não me disseram nada. Deixaram
que eu descobrisse da pior forma possível.
― Não foi tão simples assim, Mine. Você sofreria da mesma forma
― alerta.
― Talvez bem menos do que assistir àquele horror ― engulo minhas
lágrimas e fecho meus olhos por um instante. ― Sabia sobre Nicole? Sabia?!
― Eu também me surpreendi ― Johnatan confessa.
― Eu avisei sobre aquela mulher. Não me enganei quando desconfiei
dela ― afirmo, observando-o. ― E você nunca me escutou.
― Eu sei ― fica quieto, absorvendo o que digo.
― Espero que, da próxima vez que a encontrar, faça a coisa certa. Ou
reza para que eu não a encontre primeiro ― informo com ódio. ― Agora,
podemos ir?
Ele me olha por um instante, sei que pode ver a dor em meus olhos.
Viro-me e sigo para a SUV. Escuto seu rosnado atrás de mim e o vejo se
mover à minha frente, deslizando seus dedos em seus cabelos em frustração.
De repente, paro de caminhar, um pontinho vermelho embaixo da
traseira do carro me chama atenção. Franzo a testa confusa e seguro o braço
de Johnatan bruscamente.
― O que foi, minha Roza?
Assim que ele me pergunta derrotado, puxo-o para trás. Em seguida,
somos empurrados para longe devido à explosão do nosso carro. Puxo o ar
com força e rastejo no chão com fraqueza, sabendo que agora a droga começa
a fazer efeito. Quando olho para o lado, vejo Johnatan piscar os olhos e tocar
meu rosto assustado. Meus ouvidos zunem.
― SAIAM DAÍ AGORA! ― Não me diga, penso com ironia só de
escutar a voz de Dinka rosnar pelo ponto de ouvido.
Mesmo com os tímpanos zunindo, minha atenção se volta para os
gritos distantes, até perceber que o inferno começou quando motocicletas se
aproximam para atirar.
Observo que um deles cai ao ser atingido.
― Dinka está dando cobertura, vamos? ― Johnatan diz, ajudando-me
a levantar.
― Johnatan? ― aponto para os outros carros com as mesmas luzes
vermelhas embutidas nas traseiras.
Outra moto se aproxima atirando, e nos encolhemos.
À frente, na fileira dos primeiros carros, observo duas explosões,
seguindo para a fileira de carros até nós. Johnatan me levanta rapidamente e
corremos.
― VÃO PARA A ESQUERDA. SHIU ESTÁ ESPERANDO. RÁPIDO!
― Dinka informa aos gritos e olho para trás, vendo as explosões dos carros
se aproximando.
Escuto atentamente um bip baixo, enquanto analiso as luzes piscando
embaixo dos carros, como se estivessem em contagem regressiva, uma delas
está mais acelerada. Em seguida, localizo Shiu em uma van à nossa frente e
pulo em Johnatan assim que um carro explode próximo de nós. Pisco meus
olhos vendo as explosões nos perseguirem. Tusso por causa da minha
garganta seca e estremeço nos braços de Johnatan.
― Mine? ― sua voz parece distante e só o que vejo depois de seu
rosto preocupado é a escuridão.
20 – EFEITO LETAL
"O amor não só fortalece como também faz sumir a parte amarga do
nosso coração. De modo literal, me desculpe se te fiz sentir diminuída. Juro
que não foi, e nunca será, essa a minha intenção. Se muitas vezes faço isso,
saiba que é uma forma de mantê-la protegida ao meu lado. Eu aprecio você,
minha Roza. Eu amo você!"
Encaro o cartão por alguns instantes, sentindo meu peito doer com
suas palavras sinceras. Limpo minhas lágrimas e aperto o buquê contra meu
peito. Depois de alguns minutos, deixo as rosas na cama junto com o cartão e
me levanto.
Estou com uma camisola de seda curta, cor de pele. Olho para meu
corpo confusa, ao mesmo tempo impressionada por não sentir dores, nem
mesmo ter hematomas em meus braços. Caminho descalça sobre as pétalas
macias, olhando o quarto vermelho emocionada.
Sorrio levemente, mas me entristeço com o coração atormentado.
Mesmo sendo um ato de desculpas, Johnatan me escondeu a verdade. Parte
de mim se sente enganada. Sim, seria melhor se me contassem a verdade
desde o início.
Balanço minha cabeça confusa, giro meu corpo e sigo até a saída, na
intenção de procurar informações, principalmente sobre o assunto Zander.
Coloco minha digital, vendo a porta se abrir. Antes que eu dê um
passo avançado para frente, dou de cara com o peitoral nu de Johnatan. Ele
está apenas de calça moletom e descalço. Com a respiração ofegante,
pergunto-me se estava treinando.
Olho para cima, vendo seus olhos azuis surpresos ao me ver acordada.
― Como se sente? ― sua pergunta sussurrada me deixa arrepiada e
sua preocupação faz meu coração se apertar ainda mais.
― Melhor do que imaginava ― mordo meu lábio, por algum motivo,
coro.
Johnatan parece bloquear minha saída, colocando-se mais próximo de
mim. Próximo o bastante para que eu sinta seu perfume intenso e inebriante.
― Não esperava que acordasse agora. Iria me juntar a você ― diz
com cautela. ― Desculpe por te deixar sozinha ― vejo a luta em seus olhos,
assim como a ansiedade entre eles.
― Acho que sempre estive sozinha ― controlo minhas lágrimas.
― Mine...
― Por que não me disse a verdade? Por mais que me machucasse...
Por que deixou essa história vir à tona dessa forma? ― olho em seus olhos,
vendo-o encolher. ― Pelo menos, eu saberia que tipo de mãe eu tive.
― Mesmo sabendo, queria te poupar desse sofrimento. Não valeria a
pena e Edson também sabia disso. Ninguém quis se arriscar.
Quando Johnatan se aproxima, me afasto, com os braços cruzados em.
― Meu pai foi o pior, mas saber que você sabia também... ― engulo
meu soluço e tento em vão segurar minhas lágrimas. ― Alguma vez pensou
em me dizer a verdade?
Sua expressão está cheia de agonia e seus olhos parecem suplicantes.
Johnatan assente, fazendo-me ofegar.
― Uma vez, mas não me arrisquei ― responde com a mandíbula
travada.
― E por que não?
Johnatan me olha com intensidade. Estremeço.
― Porque sei que, mesmo demonstrando ser uma pessoa forte, você é
frágil. E doeria mais em mim vê-la sofrer, assim como está doendo agora ―
declara com fervor. ― Eu tive que concordar com Edson em não dizer a
verdade. Ele não queria te fazer sofrer, Mine.
Aperto meus lábios e fecho meus olhos.
― Eu não deveria crescer numa ilusão de uma mãe boa e
companheira. Sendo que o que ela fez foi me abandonar para viver com outro
homem ― seco minhas lágrimas. ― E nem sequer pensou em me levar.
― Edson não permitiria ― Johnatan diz rapidamente.
― Mesmo assim... ― desabafo. ― É como uma rejeição.
Johnatan afasta minhas lágrimas com seus dedos.
― Nunca mais diga isso ― ergue meu queixo para me fazer olhar em
seus olhos. ― E se o melhor para ela foi se afastar com Charlie, fez a escolha
certa. Não iria querer alguém que te fizesse sofrer mais do que está sofrendo
agora ― seu tom fica mais firme.
Encolho-me aos soluços, dando-lhe razão.
― Será que ela me amou? Nem que fosse um pouquinho? ― minha
voz estremece.
Seu olhar de comoção me deixa solitária. Johnatan inspira com calma.
― Não posso dizer que sim nem que não ― responde com cuidado,
acariciando meus cabelos. ― Mas estou certo de que Edson deu o seu
melhor. Ele se esforçou muito para te criar sozinho, além disso, em nenhum
momento te abandonou. Pode ter certeza de que amor nunca lhe faltará ― ele
me dá seu sorriso torto.
― Mas isso é diferente ― faço uma careta.
― Amor não é diferente. ― O sorriso fraco não chega aos seus olhos,
a dor está dentro deles. ― Olhe para mim. Me imagine antes, onde o amor
para mim não existia. Eu estava sozinho, sentia que o ódio era o único
sentimento que existia dentro de mim. Até você aparecer...
― Se estiver tentando me sentir melhor...
― Não estou querendo isso. Quero que, por um momento, tente se
colocar no lugar de alguém que passou pela mesma situação que você agora
― Johnatan me interrompe.
― Mas nossas situações são bastante diferentes. Você tinha sua mãe e
sua irmã...
― Que foram cruelmente tiradas de mim. ― Johnatan dispara em tom
sério. ― Naquele momento, eu me senti sozinho, mais sozinho do que você
imagina. Todo o amor que eu sentia no momento, todas as alegrias que
supostamente tive, foram transformadas em ódio. A solidão invadiu minha
vida em questão de minutos. Não sabe o quanto eu daria minha vida para tê-
las comigo outra vez.
A dor em seus olhos faz meu coração doer.
― Me desculpe ― sussurro quase sem voz.
Johnatan ergue minha cabeça para encará-lo.
― Não tem por que me pedir desculpa. Eu é que tenho que agradecer
por me fazer voltar a viver, por me fazer descobrir o que é um amor intenso e
demonstrar o verdadeiro significado da felicidade ― seu polegar desliza pelo
meu rosto para afastar minhas lágrimas. ― Essas são as únicas coisas com as
quais não consegui lutar para mantê-las afastadas de mim.
Sorrio sem jeito e inclino minha cabeça em sua mão.
― Nunca quis que se afastasse ― digo, apreciando seu sorriso doce.
― Viu só? É assim que funciona o amor. Não há uma explicação
concreta, só devemos senti-lo, protegê-lo e agarrá-lo com unhas e dentes,
com todo o nosso ser. E da mesma forma que nos fortalece, ele também nos
machuca ― diz com fervor, fazendo meu coração acelerar.
― Porque ele incha até nos sufocar ― concordo pensativa.
― Ele também se aperta tanto a ponto de sangrar ― encaro seus
olhos intensos.
Ergo minha mão em direção ao seu peito, sentindo seu coração bater
acelerado em minha palma.
― Você tem razão. Não há explicação ― suspiro, mas logo me
assusto. ― Johnatan... ― me engasgo ao encarar minha mão, assustada.
Johnatan ergue sua mão para colocar sobre a minha em seu peito.
Olho para cima em choque e volto a encarar nossas mãos cada vez mais
alarmada.
― Eu disse que lhe daria uma oficial ― Johnatan comunica, enquanto
continuo encarando meu anelar.
É um lindo anel de ouro com pequenos cristais, na pedra principal,
uma esmeralda. Eu me aproximo para olhar mais de perto, sem conseguir
acreditar. Quando levanto a cabeça, vejo o sorriso brilhante de Johnatan. Sua
mão aperta a minha, levando-a até seus lábios para plantar um beijo no lindo
anel.
― É-é de verdade? ― gaguejo perplexa.
Johnatan ri da minha expressão.
― Com certeza! ― responde com tranquilidade. ― Não me diga que
só se deu conta agora ― seu sorriso se abre ainda mais.
Confirmo com a cabeça.
― Quando colocou? ― pergunto.
― Depois que te tirei da banheira e coloquei sua camisola, venerei
seu sono profundo e coloquei em seu dedo ― Johnatan informa. ― Acho que
esteve tão distraída que não se deu conta ― ele se diverte.
Aproximo minha mão do meu rosto para olhar mais de perto.
― Era da sua mãe? ― sua expressão se torna amarga.
― Nunca pensaria em lhe dar algo do tipo ― fico confusa.
― E por que não? ― franzo o cenho o vendo suspirar.
― É o que a maioria dos apaixonados fazem, não é? Dá uma joia que
pertenceu à sua mãe ou avó, mas não daria a aliança que pertenceu à minha
mãe, porque o presente teria sido dado por meu pai e, daquele homem, os
sentimentos postos em uma união não foram sinceros, nunca existiu amor por
parte dele ― dispara com frieza, e toco seu rosto, sem conseguir tirar os
olhos da minha aliança.
― Eu entendo...
Distraidamente, deslizo minha mão por seu rosto até colocá-la em
frente aos seus olhos, onde eu possa apreciá-la.
Johnatan se diverte, e arrumo minha expressão boquiaberta.
― Você gostou? ― pergunta, beijando minha palma.
É impossível não sorrir, ainda mais quando vejo seus olhos cheios de
esperança.
― Ela é linda ― respondo, suspirando apaixonadamente. ― Não
apenas gostei, eu amei. Amei mais que as pétalas e as rosas no quarto.
Espere, eu amei essa parte também, assim como o cartão ― confesso toda
confusa, fazendo-o sorrir.
― Então, vamos admirar os presentes...
Johnatan se aproxima com segundas intenções. Ele envolve os braços
em minha cintura, erguendo-me para ficar da sua altura. Passo meus braços
em volta do seu pescoço e me curvo para beijar seus lábios com carinho.
― O que faremos? ― pergunto inocentemente.
Meu marido sorri em meus lábios e me leva de volta para o quarto,
travando a porta.
― Bem... Primeiro vou amá-la ― sussurra junto ao meu ouvido,
enquanto desliza meu corpo contra o seu. ― Depois, saciarei minha sede.
Seus dedos sobem suavemente por minhas costas até deslizar as alças
da minha camisola para baixo.
― Hum... Estou começando a ficar mal-acostumada ― murmuro
suavemente, sentindo seu sorriso em meus lábios.
Fecho os olhos e suspiro com sua boca percorrendo meu ombro até
meu pescoço. Passo minhas mãos por seus braços firmes, puxando-o para
mim. Assim que minha camisola cai aos meus pés, Johnatan explora suas
mãos por toda parte do meu corpo. Ofego e me entrego aos seus toques.
Na cama repleta de pétalas, deito-me rastejante até apreciar seu corpo.
Noto Johnatan tirar sua calça, todo provocante, e engulo minha sede ao vê-lo
nu, pronto para mim. Em seguida, sou dominada por suas mãos em meu
corpo, assim como sua boca contra a minha pele. Ele se curva para agarrar
minha coxa direita e deslizar seus lábios com suavidade, fazendo-me arrepiar
por inteira. Gemo ao sentir sua língua percorrer minha pele até estar próxima
ao meu sexo.
Meu corpo se ergue com desejo. Ofego com prazer ao senti-lo sugar
minha carne sensível e pulsante. Enquanto sua língua provoca minha entrada,
suas mãos percorrem meu corpo, provocando meus seios. Seu gemido
profundo me faz estremecer e minhas entranhas se apertarem devido à tortura
deliciosa do momento.
Johnatan me provoca com mordidas leves ao se afastar, deslizando
seus lábios em minha pele com delicadeza até mesmo quando provoca meus
seios com seus dentes, suavemente. Logo, os murmúrios em russo fazem meu
corpo se arrepiar e meu sangue ferver.
Eu o beijo com prazer, arranhando suas costas num desejo dominador.
Quando sua língua invade minha boca, aquilo que foi um beijo romântico se
transforma em algo ardente. Ofego, percorrendo minhas mãos por seus
músculos e gemo com sua ereção se esfregando com força em meu sexo.
Mordo seu lábio assim que o sinto me penetrar. Meu corpo arqueia e
se gruda contra o seu. Ele se move dentro de mim profundamente, levando-
me ao delírio. Gemo ofegante, deixando-o me explorar com suas mãos
perversas, sua boca excitante e seus movimentos selvagens até eu atingir meu
prazer com intensidade. Minhas pernas se apertam contra seu corpo e o
abraço com força. Depois, suas mãos deslizam por meu corpo, puxando-me
para ficar sentada de frente para ele. Toco seu rosto e o beijo com todo o meu
amor.
― Podemos ficar assim o resto do dia? ― pergunto de olhos
fechados.
Sua boca deslizar até os meus seios.
― Não está saciada? ― sussurra em minha pele, em seguida,
mordisca meu mamilo.
Estremeço em seus braços quentes.
― Sempre vou pedir mais ― sorrio.
― Que tal uma dose de tortura sexual? ― inspira o perfume em meu
pescoço, encolho-me, toda arrepiada.
Dou risada quando me agarra por não o responder e gemo. Em
seguida, volta a se mover dentro de mim, fazendo meu corpo subir e descer.
Jogo minha cabeça para trás, entregue ao prazer novamente, soltando leves
gritos com sua tortura quando para de se mover para me ver suplicar.
21 – O PLANO
Assim que entro na sala, meus olhos vão direto para Zander. Ele está
de moletom e sem camisa. Em sua pele exposta e musculosa há algumas
marcas superficiais. Sua cabeça está abaixada, com os cabelos escuros
molhados jogados para frente. Ele respira calmamente e me pergunto se está
em uma espécie de meditação com suas mãos espalmadas sobre a mesa. Ao
me aproximar, vejo suas veias escuras e seu pulso machucado, como se
estivesse recentemente preso. Percebo que segura a respiração quando nota
minha aproximação. Puxo a cadeira à sua frente e me sento para observá-lo
mais de perto.
― Seu perfume é inconfundível ― seu tom é áspero.
― Como se sente, Zander?
Recosto-me na cadeira, cruzando meus braços e pernas.
Assim que sua cabeça se levanta, vejo seus olhos cinza febris. Seu
rosto está corado, sua face esquerda está levemente arroxeada e seu lábio
inferior com um corte. Percebo que há três microplugues pretos fixos em seu
pescoço, notando que faz parte do monitoramento de Matt. O inimigo, no
entanto, não demonstra nenhum tipo de emoção, nenhum tipo de resistência,
mas ficaria mais desapontada se eu não percebesse a forma como trava sua
mandíbula, aquilo significa que os experimentos estavam dando efeito. Ele
sorri para mim, observando a sala à sua volta. Em seguida, encara o vidro
escuro atrás de mim, onde sei que Johnatan e Matt estão monitorando.
― Melhor que do que imagina ― Zander responde minha pergunta.
Ergo a sobrancelha com desconfiança.
― Não me diga ― sorrio com a mesma ironia e olho para o vidro
escuro. ― Pensei que o encontraria pior ― dou de ombros e tenho certeza de
que Johnatan sorriu com meu comentário.
― Estamos trabalhando em um medicamento para cicatrização ―
escuto o advogado pela sala. ― Não seria bom abusar demais de uma cobaia
tão valiosa, senhora Makgold. ― Matt responde pelo interfone e me viro para
Zander com um sorriso sombrio.
― Tem razão ― concordo. ― Acho que o hóspede merece um bom
descanso para novos testes ― meu comentário faz Zander me encarar
profundamente.
― O que veio fazer aqui? Interrogar-me? ― Zander zomba e tosse
em seguida, sorrio. ― Espero que seja melhor que seu marido.
Suspiro.
― Por que não diz logo onde está Charlie Makgold? Ou melhor,
como funciona a LIGA? Ou... pode nos dizer sobre o paradeiro de Messi ―
faço as perguntas tranquilamente, vendo-o se recostar na cadeira.
― Deveria tomar cuidado. Como pode ver, não estou preso ― mostra
seus pulsos.
― Você está impossibilitado. Sei que, se tentar se esforçar para me
atacar, vai ficar pior do que já está ― disparo.
Zander acena dando uma risada fria.
― Eu não teria tanta certeza...
― RESPONDA! ― disparo em tom firme, fazendo-o suspirar.
Zander se curva na mesa, apoiando-se em seus cotovelos.
― Se eu soubesse sobre o paradeiro do infeliz de Messi daria a
informação sem oposição. Nada me daria mais prazer que ver o desgraçado
morto ― murmura rispidamente.
― Isso não é novidade, Zander ― digo com sarcasmo. ― E quanto às
outras perguntas?
Zander sorri se afastando.
― Os verdadeiros membros da LIGA jamais quebram sua fidelidade
― diz com orgulho, dando-me uma piscadela.
― Sempre há algo que o faça quebrar ― exaspero. ― Tente
colaborar, Zander, para o seu próprio bem ― insisto.
Seu sorriso se abre de forma arrogante.
― Agora é seu coração implorando por isso? ― pergunta com ironia.
― Não entenda como uma piedade, porque é a única coisa que não
sinto por você no momento ― disparo.
― Eu gosto da sua atitude e a coragem de ficar frente a mim com
naturalidade. É espontâneo, isso me agrada ― o imbecil sorri.
― Não estou aqui para receber elogios ― aperto meus dentes e afasto
minha cadeira.
Zander acha graça da minha atitude, mas logo suspira.
― É claro que não ― murmura atento ao vidro escuro. ― Mas
qualquer homem daria a honra de cortejá-la, não é mesmo?
Reviro meus olhos e me levanto.
― Em algum momento você vai ceder ― digo exasperada.
― Provavelmente sim ― responde, logo seus olhos avaliam meu
corpo à sua frente. ― Se me concedesse, eu a foderia com prazer de todas as
formas. Com o mesmo sentimento que sente por mim, sem piedade ― ele
pronuncia, levantando-se e socando a mesa.
Antes que eu possa ter qualquer reação vejo a mesa de aço ser virada
para o lado, chocando-se contra a parede. Logo, Johnatan empurra Zander
contra a parede, atacando-o com socos brutos. Zander tenta golpeá-lo, mas
parece fraco demais para isso, facilitando Johnatan de acertá-lo diversas
vezes no rosto e no estômago.
― JOHNATAN! PARE! ― grito assim que sua mão se fecha no
pescoço de Zander e arremessa sua cabeça contra a parede, deixando-o preso.
Ambos se encaram com ódio. Johnatan tem sua respiração ofegante e
os olhos injetados de fúria, enquanto o rosto machucado de Zander fica
vermelho devido ao aperto. Nenhum deles cede, nem mesmo Johnatan, que o
mantém pressionado.
Matt e Shiu entram na sala, observando a cena chocados.
― John, não vale a pena! ― Matt toca seu ombro. O gesto faz o braço
livre de Johnatan golpeá-lo na lateral da nuca, fazendo Matt se afastar.
Arregalo meus olhos quando Johnatan volta a bater a cabeça de
Zander novamente contra a parede. Zander sorri embriagado, cuspindo o
sangue do corte em sua boca.
― Escute seu amigo ― Zander provoca, escutando Johnatan rosnar.
― Johnatan, ele está apenas te provocando. Não lhe dê ouvidos! ―
alerto, segurando Shiu no lugar para que não se aproxime de Johnatan.
Zander se diverte sombriamente sem deixar de encarar Johnatan com
frieza. Logo, escuto o infeliz pronunciar palavras em russo. Meu estômago se
embrulha com sua voz acelerada e desafiadora, isso faz com que leve
Johnatan para um nível mais violento ao jogar Zander contra o chão. Corro
para ficar entre eles. Abraço Johnatan, agarrando sua cintura e o mantendo no
lugar.
― Chega! ― peço com esforço assim que o corpo dele tenta avançar
e para abruptamente com minha interrupção, seus braços me cercam com
força. ― É isso que ele quer. Não caia no seu jogo ― sussurro apenas para
Johnatan, mas, de repente, escuto a risada engasgada de Zander atrás de mim
junto com suas palmas.
― Parabéns, senhor Makgold. ― Zander continua o provocando. ―
Tem uma esposa muito gostosa ― Johnatan rosna enfurecido.
Tento mantê-lo longe de Zander assim que ele volta a avançar, mas
felizmente Matt me ajuda, puxando-o para longe assim como Shiu faz com
Zander, colocando-o sentado na cadeira novamente.
― ASSIM QUE EU TIVER A OPORTUNIDADE, EU MESMO O
MATAREI! ― Johnatan ameaça ao ser afastado por Matt. ― Reze para não
me encontrar nessa sala sozinho, fantoche!
― Leve-o daqui ― peço a Matt e observo seu esforço, enquanto
Johnatan tenta atacá-lo; em seguida, Dinka aparece para puxar Johnatan para
fora da sala.
Viro-me, vendo Zander sentado na cadeira com os braços apoiados
nos joelhos, enquanto limpa o sangue do corte em sua boca.
― Isso foi um inferno ― Shiu murmura cansado.
O comentário faz com que Zander gargalhe. Suspiro e aperto o ombro
de Shiu.
― Acho melhor você colaborar, Zander ― aconselho, vendo-o se se
levantar para me encarar de perto.
Shiu o mantém afastado de mim, fazendo Zander cambalear para trás.
― O que uma garotinha como você vai fazer? Ser seu rato de
laboratório? Chamar seu marido para me bater na tentativa de me fazer falar
alguma coisa? ― Zander dispara com ódio. ― Eu já passei por coisas piores,
já vivi à base de treinos pesados dos quais vocês nem imaginam. Podem me
torturar o quanto quiserem, mas de mim só vão ter meu silêncio! ― seus
olhos febris e suas palavras furiosas fazem meu sangue ferver.
― Sempre há um ponto fraco ― rebato em ameaça, notando Shiu se
encolher com meu olhar em Zander. ― E, quando eu descobrir... Eu mesma
vou interrogá-lo.
― Estarei esperando, ou não ― ele diz, sentando-se novamente.
― Aliás, se está pensando que um deles vai te resgatar, está muito
enganado ― meu alerta o diverte.
― É claro que não, mas, com certeza, eles colocam outro no lugar ―
Zander dispara seu sarcasmo.
Viro-me para Shiu, que tem os olhos em Zander caso ele se
movimente.
― Pede para preparar um lugar para esse ser descansar. Sei que
depois Matt vai voltar a usá-lo como cobaia ― ordeno, vendo Shiu acenar.
Saio da sala direto para a cabine, encontrando Dinka.
― O senhor Makgold está perguntando por você. Pediu para que a
mantivesse afastada de Zander ― diz, observando o inimigo na sala pela
parede de vidro.
― Está tudo bem. Ajude Shiu ― aceno e saio da cabine exasperada.
Na sala de monitoramento, encontro Johnatan andando de um lado
para o outro, vejo Matt parado próximo ao corredor como se estivesse
bloqueando sua saída.
― Shiu e Dinka vão levá-lo para um quarto ― informo a Matt.
― Sim, já temos um lugar reservado com apenas uma cama e um
banheiro aberto ― Matt diz rapidamente.
Assim que o advogado se afasta, Johnatan caminha em minha direção
feito um furacão.
― Não a quero novamente naquela sala com aquele verme! ―
Johnatan dispara furioso.
― Ele só está te provocando, Johnatan.
― Não interessa! Não a quero com ele ― ignora meu alerta.
Esfrego as mãos em meu rosto.
― O que ele te disse em russo? ― cruzo meus braços.
Johnatan puxa o ar com força e o solta, deslizando seus dedos em seus
cabelos.
― A mesma coisa que pronunciou a você, mas de maneiras mais
explícitas, comparando-a com sua mãe ― Johnatan responde entredentes.
Engulo meu nervosismo.
― Você viu aquele vídeo? ― lembro-me de que ele não viu o vídeo,
apenas escutou.
Johnatan acena com cautela.
― Cassandra está tentando localizar Nicole ― informa.
― Tenho certeza de que, se ela foi capaz de matar minha mãe,
também foi capaz de matar o próprio marido ― acuso e vejo Johnatan ceder,
tocando meu rosto com carinho.
― Vou levá-la para casa ― sussurra, em seguida, me puxa para um
abraço apertado.
― Não. Preciso que fique aqui para descobrir algum modo de fazê-lo
falar ― murmuro em seu peito e sinto seus braços endurecerem. ― Eu sei
que ele vai ceder, só precisamos ter calma.
― A única coisa que quero é cortar seus testículos e dar para os
tubarões. ― Johnatan murmura em meus cabelos.
Sorrio com a forma ameaçadora misturada com uma pontada sombria
de seu ciúme.
― Você não muda mesmo ― digo rindo e o abraço.
Em poucos minutos, sinto seu corpo relaxar. Logo, murmura:
― Eu acho que preciso de alguns dias em casa ― olho para cima,
recebendo seus beijos. ― Preciso ver nossos filhos ― rimos.
― Eles sentem sua falta ― beijo seu queixo. ― Resolva o que tem
que resolver e estarei te esperando em casa ― dou-lhe um sorriso aberto.
Johnatan olha em meus olhos, acariciando meu rosto.
― Se não tivéssemos com todo esse inferno, eu a levaria para longe
― desabafa com desejo, fazendo-me corar. ― Eu a teria só para mim.
Meu coração pula com emoção e meu sangue se aquece.
― E para onde me levaria? ― pergunto timidamente.
Johnatan me dá seu sorriso perfeito e relaxado.
― Para um lugar bem longe disso tudo ― aperta-me em seus braços e
me arrepio quando funga meu pescoço e espalha beijos em meu rosto. ― Eu
a encheria de mimos... e presentes... e rosas... e mais presentes... e sexo ―
sua última palavra me faz gargalhar.
― Então, é essa a intenção? Safado ― bato em seu ombro.
― Em parte sim, mas faria qualquer coisa para estar do seu lado em
um momento tranquilo ― declara, beijando meus lábios delicadamente.
― Sinto que está soando como uma promessa ― aprecio e aperto seu
corpo contra o meu para acariciar suas costas largas.
Ele está pensativo, enquanto beijo seu queixo e sua mandíbula.
― Bem, com certeza, é uma promessa ― sorrimos um para o outro.
― Para nós dois ― beija a ponta do meu nariz.
― Então, selemos nossa promessa, de ter um momento de paz, com
um beijo ― faço biquinho.
― Você é uma safada! ― gargalhamos na sua tentativa de imitar
minha voz. ― Mas eu tenho que agradecer pela paz que traz à minha vida.
Somente você consegue me dominar. Eu fico cada dia mais apaixonado por
você ― suas palavras me fazem corar.
Envolvo meus braços em seu pescoço e o trago para mim.
― Eu também sou apaixonada por você ― sussurro em seus lábios,
mordiscando-o. ― É por isso que você tem uma grande mulher ao seu lado
― brinco.
― Agora, está se achando ― ele me dá sua risada rouca e me beija
com paixão. ― Hum... Vou pedir para James te levar ― diz, interrompendo
nosso beijo.
― Tudo bem ― concordo.
Sorrio quando volta a me beijar, em seguida, se afasta.
― Ah! Só um segundo ― ergue seu indicador, retornando para me
beijar novamente. ― Só mais um... E mais outro... O último... Não, mais
um... ― sussurra com os lábios ainda grudados nos meus.
Eu o abraço com força para segurá-lo junto a mim.
― Ok, Johnatan, vai ― digo rindo e o empurrando.
― Tudo bem... Pare de me seduzir ― acusa ao arrumar sua blusa no
lugar e se afasta.
Eu o observo com um suspiro apaixonado até ele sumir do meu
campo de visão e aprecio o silêncio do lugar. Em seguida, pulo assustada
com o toque de um celular. Aproximo-me do barulho, reconhecendo o
aparelho de James. No identificador de chamadas, vejo o registro de Ian.
Pisco meus olhos confusos e atendo rapidamente.
― Ian? Sou eu, Mine ― sorrio ao falar e franzo a testa quando não o
escuto. ― Ian?
― O garoto está conosco e em breve sua mãe também. Johnatan
Makgold tem uma bela casa ― meu coração se afunda ao pensar em Ian e
Donna.
― O que fez com eles? ― estremeço.
― O garoto está bem, por enquanto. Então, faremos uma troca. Traga
nosso membro da LIGA e devolveremos o garoto. E... esperamos que não
esteja acompanhada, caso contrário...
― MINE! MINE! ME SOLTA! SOCORRO! ― escuto Ian grita de
dor. Quando é interrompido, eu me assusto.
― Não o machuquem! ― imploro alarmada. ― Ele é só uma criança!
― Está avisada. Estamos próximo à mansão Makgold, você tem
apenas vinte minutos ― o homem de voz grossa anuncia, desligando
imediatamente.
Respiro com dificuldade ao encarar o celular. Corro para um dos
computadores de Shiu e hackeio o sistema da mansão para ativar o sistema de
proteção.
― Mine? ― viro-me distraída ao ver Cassandra me observar confusa.
― O que aconteceu? ― pergunta olhando a tela à minha frente, mas não
tenho tempo para explicações.
Encaro o corredor onde Zander deve estar e balanço minha cabeça.
Ele não facilitaria com apenas uma troca. Imediatamente, entrego o celular de
James para Cassandra.
― Rastreie a última chamada, verifique se Donna continua na mansão
e passe as informações para Johnatan. Depois me encontrem no local ― digo
apressadamente, enquanto me afasto. ― Consegue passar as informações
para um dos carros?
― Sim... Mas, Mine? ― dispara confusa.
― Agora! ― ordeno e corro para a saída até o estacionamento.
Corro até o carro escuro que penso ser de Cassandra, feliz por ser
ligado por chave e não por digital. Assim que saio, piso no acelerador e sigo
em direção à mansão. O carro é mais veloz do que imaginei, o que me
agrada, mesmo quebrando algumas leis de trânsito.
― Mine... ― escuto a voz de Shiu no carro e encontro um pequeno
telefone automático embutido no painel.
― Sim ― respondo com esforço, sentindo meu corpo tremer ao
pensar em Ian.
Logo, lembro-me das palavras de Zander em relação a outro no lugar,
é claro que eles vão procurar por algo para nos atingir.
― Eles acabaram de se mover para longe da mansão ― Shiu informa.
― Estão seguindo para o lado oeste ― diz confuso.
― E Johnatan? ― pergunto.
― O senhor Makgold já está a caminho ― Shiu avisa, e o escuto
digitar algo em seu teclado. ― Eles estão em um Volvo prata sem placa. À
sua esquerda há uma saída, siga direto e vire à direita, assim, vai conseguir
impedir que eles cheguem à rua principal.
Reconheço o caminho ao fazer o que me pede. Viro à direita,
escutando os pneus do carro cantarem. Logo na entrada, encontro o Volvo e
choco o meu carro contra o conversível, empurrando-o de volta. Piso no
acelerador com mais força até notar a fumaça que se faz do lado de fora
devido aos esforços dos pneus.
Em seguida, o veículo se choca contra o meu e dá a ré. Acelero em
sua direção, sem lhe dar espaço para passar. Depois, ele se move para trás
rapidamente e freia abruptamente. Freio assim que vejo um homem careca
sair para atirar contra o meu carro, suspiro aliviada por ser blindado. Assisto
ao homem dar a volta no Volvo e puxar Ian para fora.
Engulo em seco, encarando meu retrovisor para ver se alguém se
aproxima. Estamos quase próximos da rua da mansão, cercados por árvores e
arbustos. Encaro Ian assustada. Ele tem seus olhos vendados por um lenço
escuro e as mãos amarradas. Avalio a marca avermelhada no lado direito do
seu rosto e seu uniforme da escola sujo. O careca alto de terno escuro puxa os
cabelos do garotinho, fazendo-o grunhir. Em seguida, aponta a arma para a
cabeça dele.
Controlo minhas emoções e inspiro fundo ao sair do carro com as
mãos levantadas, sinto meus olhos se encherem de lágrimas ao escutar o
choro de Ian misturados com suas súplicas.
― Onde está Zander? ― o homem pergunta, encostando ainda mais a
arma na cabeça do menino.
― Solte-o, por favor ― peço calmamente.
― Mine? MINE! ― meu coração se aperta por seu desespero.
― Esse não foi o acordo ― o homem reclama, seus olhos escuros
estão cheios de ódio.
Um movimento entre as árvores me distrai como se fossem vultos.
Inspiro fundo e tento me aproximar deles com cuidado.
― Posso te levar até ele, mas, por favor, solte o garoto ― exijo,
vendo-o apontar a arma em minha direção.
― Quando fazemos um acordo, ele deve ser comprido! ― assim que
o homem fala, joga Ian contra o chão e mira sua arma.
― NÃO!
Quando escuto o tiro, minhas pernas travam, impedindo-me de correr
assim que vejo Hush e Lake invadirem a pista em direção oposta ao homem e
saltarem num movimento sincronizado, fazendo seu corpo girar no ar
desorientado.
Os cavalos relincham furiosos, e vejo o corpo do homem caído no
chão. Depois, Hush ergue suas patas dianteiras e as afunda brutalmente
contra o peito do membro da máfia, fazendo-o engasgar e ficar imóvel.
Quando Lake caminha para o lado, dando espaço para Hush, observo o
homem careca morto à minha frente.
― Ian? ― volto minha atenção para o garoto caído no chão,
movendo-se confuso.
O alívio me atinge por ele não estar ferido. Mas, de repente, seguro a
respiração ao sentir um cano gelado apontado para minha nuca.
― Você vem comigo. Dê ordens a esses cavalos para se afastarem ―
uma voz masculina com o sotaque francês me faz estremecer.
Franzo a testa ao reconhecer a voz de algum lugar. Ele empurra a
arma em ameaça. Inspiro fundo, apertando meus lábios para não sorrir. O
pobre coitado está tremendo.
― Só tem um problema ― alerto, enquanto olho para o homem morto
no chão.
Hush fica parado, suas orelhas se levantam em alerta para qualquer
barulho, sabendo que há outra ameaça próxima a mim. Por outro lado, Lake
parece embaraçado, como se não soubesse o que fazer: aproxima-se de mim
ou fica no lugar soltando respirações afobadas.
― E qual é? ― o francês pergunta.
― Os cavalos não entendem minha língua ― digo com orgulho,
observando Hush caminhar em minha direção lentamente, ao mesmo tempo
em que protege Ian no chão.
― Se atreva a cogitar atirar em minha esposa, e estouro seus miolos
muito antes de você apertar o gatilho ― o tom repentino de Johnatan me faz
estremecer.
Viro-me lentamente ao encontrá-lo com a arma apontada para o
senhor Abram. Isso, é o francês da festa! Eu encaro a arma do francês em
minha direção, sua mão treme e seus olhos se arregalam.
Logo vejo Sid surgir lentamente atrás de Abram, erguendo sua
enorme cabeça para farejar intensamente a nuca do homem. Quando a égua
solta sua respiração pesada e ofegante, escuto seu relinchar baixo e
ameaçador. Ela está pronta para matá-lo, só aguarda o comando.
23 – ALIA-SE
Gaspard Abram não mantém sua mira com firmeza, em seus olhos
posso ver o medo. Ele sabe que, se fizer algo, ultrapassará sua linha de limite,
não tem como escapar. Sid continua a encará-lo, pronta para atacar.
― Você não quer fazer isso, senhor Abram ― afirmo, encarando-o.
― Eu só recebo ordens, senhorita ― responde na defensiva.
― Senhora! ― Johnatan o corrige com firmeza, fazendo o pobre
coitado estremecer.
Pela minha visão periférica, posso ver Johnatan com sua arma
apontada, já destravada. Inspiro fundo para manter o controle. Eu posso
desarmá-lo com facilidade devido ao seu medo, mas não quero assustá-lo
ainda mais. Ao invés disso, sigo com minha tranquilidade.
― Senhor Abram, sua esposa sabe que está envolvido com a LIGA?
― seus olhos se arregalarem com minha pergunta espontânea. ― Não
entenda como uma ameaça. Só quero saber se ela sabe sobre você.
Por um momento, ele fica pensativo, se deve ou não me responder.
― Não ― diz com esforço.
― Imagino como ela ficaria se soubesse o tipo de trabalho que o
marido anda exercendo ― disparo com frieza e vejo seu corpo enrijecer.
― Está me ameaçando?! ― seu tom firme faz Sid relinchar, e escuto
Johnatan suspirar pesadamente sem paciência, levanto minha mão para ele.
― Não! ― ordeno ao olhar para Sid, vendo seus olhos negros me
observarem, voltando a encarar o homem amedrontado à sua frente.
Até mesmo escuto os passos de Hush, atrás de mim se interromperem
com meu pedido. Pelo menos um não eles entendem.
― De qualquer forma, você estará morto, senhor Abram. Se tentar
atirar em mim, você irá morrer e, se sair vivo daqui, estará morto do mesmo
jeito ― garanto, vendo sua expressão duvidosa.
― Pode estar enganada ― Abram diz apreensivo.
A risada sombria de Johnatan ecoa pelo lugar.
― Você sabe que não e mesmo que isso aconteça, você não será o
único a pagar por isso. Sua esposa e seus dois filhos também irão, porque o
que está fazendo é a mesma coisa que colocar sua família em risco ―
assusto-o com meu tom acusatório. ― Gostaria que eles sofressem mais do
que você irá sofrer? ― pergunto.
Ele recua derrotado, abaixando sua arma. Ao lado, Johnatan
permanece instável, sem baixar a guarda. Eu o olho fixamente, como um
aviso. Ele suspira com a mandíbula travada, como se estivesse controlando a
fúria. Em seguida, mira sua arma para longe. Gaspard se assusta de imediato
quando um tiro é disparado, devido à arma destravada.
― Acho que você está com sorte hoje. Dê graças aos céus por isso ―
Johnatan murmura para ele com ódio.
Abram se vira para mim relutante.
― Não é tão simples assim, senhorita...
― SENHORA! ― Johnatan o lembra num tom autoritário,
assustando até mesmo a mim.
O rosto do homem fica pálido. Aceno para ele.
― Se-senhora ― corrige-se gaguejando. ― De qualquer jeito, estou
perdido.
Encaro Johnatan e me viro para o francês novamente.
― Quem os enviou aqui? ― Johnatan pergunta.
― Cada um recebe uma ligação com uma ordem. Nós nos
encontramos, seguimos o plano e colocamos em prática ― Abram explica.
― Sequestrando uma criança? ― o homem engole seco. ― E quem
faz esse tipo de comando? Charlie Makgold? ― o nome lhe chama atenção.
― O Mestre não entra em contato direto conosco ― reviro meus
olhos pela forma como o chamam.
― Mestre ― Johnatan debocha, inspirando fundo. ― Eu não tenho
paciência para isso ― toco em seu ombro como um aviso.
― Senhor Abram, eu sei que já fez muita coisa errada desde que se
aliou à LIGA, e seu pior erro foi colocar sua família em risco, mas dentro de
você tem algo de bom. Apenas fuja disso ― peço, vendo seus ombros se
curvarem.
― Não é tão simples, senhora ― murmura derrotado.
― Agora falou certo ― Johnatan observa, e o repreendo com meus
olhos. ― Olha, só estou tentando manter minha calma aqui, porque eu já teria
acertado a cabeça dele ― ele realmente está nervoso com toda a situação.
― Pelo menos, tente enxergar os dois lados ― peço, olhando
Gaspard.
Ele tem medo até de olhar diretamente para Johnatan.
― Estou tentando ― Johnatan diz relutante, enquanto olha para
Gaspard em ameaça.
Balanço a cabeça.
― Não há outra saída ― o francês demonstra seu arrependimento e
sei que em seus pensamentos está sua família.
― Alia-se a nós ― disparo, vendo seus olhos se arregalarem
confusos. ― Sei que na LIGA há pessoas preocupadas com suas famílias.
Que além de nós, desejam que todo esse inferno acabe.
― E o que vou ganhar com isso? ― Abram pergunta com cuidado.
Olho para Johnatan, que parece relutante, depois volto para ele.
― Sua família, a segurança dela e sua liberdade ― asseguro, vendo-o
pensativo. ― A única coisa que exigimos será sua lealdade e sua confiança.
― E se algo me acontecer? ― pergunta assustado.
― Nesse caso, não permitiremos que nada aconteça com sua família
― prometo.
Gaspard assente uma vez.
― Há algum plano para começar? ― suspira e olha para Johnatan
brevemente.
― Por enquanto, só peço que converse sobre isso com pessoas da
LIGA das quais você confie, as que têm o mesmo propósito...
― Mine... ― Johnatan me interrompe em alerta.
― Apenas tente. Temos que ter opções e nos arriscar para dar início à
caçada ― disparo para Johnatan com firmeza.
Ele fica relutante por um momento, em seguida, volta-se para encarar
Gaspard mais de perto.
― Se nos trair, eu te procuro até no inferno. O resto você já sabe o
que acontece. ― Johnatan o ameaça, nada feliz com a ideia.
― Tudo bem ― Abram concorda por fim. Vejo suas mãos trêmulas
ao guardar a arma. ― Agora, terei que ter uma boa desculpa para dar ―
continua temeroso.
Olho para meu marido.
― Não me olhe assim. Já é difícil o bastante aceitar essa decisão ―
Johnatan dispara seu humor negro.
― Ajude-o ― peço exasperada, vendo-o ficar rígido.
Johnatan inspira profundamente e rosna. Em seguida, segue até onde
está o cadáver do homem careca. Os cavalos permanecem em suas posições,
Hush lhe dá espaço para passar e vejo Ian, ainda vendado, encolhido no chão
ao lado de Lake.
― Esse cara tem família? ― Johnatan pergunta ao procurar algo
dentro do paletó do cadáver, usando um lenço.
― Pelo pouco que conheço, não. Ele tinha acabado de se juntar à
LIGA. ― Gaspard responde, franzo a testa confusa. ― Há muitos homens,
são poucos que conhecemos, mas não mantemos contatos. Apenas seguimos
ordens ― explica.
― E quanto a Zander? ― demonstro minha curiosidade.
― Ele é o treinador principal da LIGA. O braço direito do Mestre...
Quer dizer, Charlie Makgold ― Abram diz, fazendo minha sobrancelha se
erguer.
― Agora entendo o interesse na troca ― digo pensativa.
― Estou impressionado que conseguiram pegá-lo ― o francês se
choca.
― Sim e está servindo de cobaia para alguns experimentos ―
Johnatan assusta o homem com o comentário sarcástico.
Olho em direção ao meu marido, que pega ama do homem morto,
destrava e rapidamente atira em Gaspard. Sobressalta, escuto Ian gritar
assustado.
― Johnatan! ― me alarmo, vendo Abram se curvar e cair de joelhos.
― Mas por que...
― Calma, minha Roza. Só acertei a coxa dele ― Johnatan diz
tranquilamente, depois se curva para colocar a arma na mão do cadáver e
guarda seu lenço no bolso. ― Digitais ― aponta.
― Eu sinto muito ― lamento ao francês, que grunhe de dor.
― A desculpa que dará é simples. Diga que você teve um
desentendimento sobre o plano com o seu colega ali. Ele se alterou com uma
crise nervosa e atirou em você. O resto você se vira. Eu aconselho que pegue
uma pedra e esmague sua cabeça, já que seu peito foi esmagado pelo meu
cavalo. Aliás... Conheça nossos filhos ― Johnatan aponta para os cavalos à
nossa volta.
Abram os encara alarmado, se assustando com Sid atrás dele.
― Eles são enormes ― diz sufocado.
Aperto meus lábios para não rir.
― Isso é tudo. Não se atreva a falhar conosco. E agradeça à minha
esposa por continuar vivo ― Johnatan ordena, enquanto reviro meus olhos.
― Obrigado ― Gaspard agradece rapidamente quando vê Hush se
aproximando.
― Está tudo bem ― engulo em seco.
― Por favor, limpe a bagunça ― Johnatan ordena.
― E onde posso encontrá-los quando precisarem de alguma coisa? ―
Abram pergunta.
― Nós o acharemos ― Johnatan responde sem hesitar.
Rapidamente, afasto-me para pegar Ian.
― Calma, sou eu ― sussurro delicadamente quando Ian tenta lutar
contra mim. ― Está tudo bem.
― Eu ouvi tiros e as vozes ― Ian estremece, enquanto o levo para
trás do carro a fim de que não veja a cena aterrorizante.
― Está tudo bem agora ― asseguro, desamarrando suas mãos e
tirando sua venda.
Observo seu rosto corado, engolindo minha agonia. Ian pisca seus
olhos arregalados e me abraça com força.
― Estava vindo para casa a pé... ― o garoto começa a explicar, e o
abraço, beijando seus cabelos.
Quando Lake se aproxima, noto uma de suas patas dianteira
machucada. Provavelmente, na hora de defender Ian, o tiro o pegou de
raspão, mas mesmo assim me assusto por estar machucado. Acaricio sua
pelagem caramelo quando chega mais perto.
― Por que não ligou para que fôssemos buscá-lo? ― repreendo Ian e,
ao mesmo tempo, observo Johnatan, pelo vidro do carro, conversando com o
francês.
― Não queria incomodar. Sei que James e Jordyn estão ocupados,
estudando. E também sei que Peter está trabalhando muito ― Ian se explica.
Por um lado, fico aliviada que continue pensando dessa forma.
― Tudo bem, mas quando chegarmos à mansão, deve correr para seu
quarto e se trocar. Não diga nada à sua mãe, tudo bem? Não podemos
preocupá-la ― peço a Ian, vendo seus olhos arregalados me encararem.
Meu coração se aperta ao ver suas lágrimas, e me curvo para beijar
seu rosto.
― Vamos ― escuto Johnatan atrás de mim e aceno. ― Ele vai seguir
com o plano. ― eu o escuto sussurrar.
― E o carro de Cassandra? ― sigo-o sem afastar Ian dos meus
braços.
― Não se preocupe com isso... ― Johnatan murmura com a testa
franzida ao notar a pata machucada de Lake.
Ele se aproxima para analisar o cavalo, dando um suspiro pesado. Em
seguida, pronuncia um comando para eles. Hush se afasta imediatamente,
porém Sid continua encarando Abram.
― Sid! ― Johnatan a chama com firmeza, fazendo-a se mover para
trás e passar por Gaspard para farejá-lo antes de se juntar na corrida com
Hush.
Ian e eu sorrimos ao ver Lake pensar que Johnatan está prestes a lhe
dar carinho. O Lesado coloca sua enorme cabeça em seu ombro e o puxa
como se estivesse dando um abraço. Mesmo não estando com humor para
isso, Johnatan não contém seu sorriso, acaricia sua pelagem e lhe dá tapas de
camaradagem.
Mesmo o caminho sendo um pouco longo, seguimos até mansão a pé,
sem olhar para trás. Ao invés disso, divirto-me assistindo Lake farejar e
bagunçar os cabelos de seu dono. Ao chegarmos, Ian corre para os fundos
como pedi.
― Vou cuidar de Lake e, depois, dar uma olhada em Ian ― Johnatan
avisa e aceno. ― Você vai querer conversar com seu pai, não é mesmo?
― Sim ― inspiro fundo.
Antes que eu siga em frente, Johnatan me puxa para beijar meus
lábios e se afasta.
Na sala de entrada, encontro Donna seguindo para a cozinha.
― Olá, querida ― ela saúda com um sorriso materno.
― Oi! ― cumprimento da mesma forma.
― Estou preocupada com Ian, até agora não voltou. Estou tentando
ligar para James... ― ela diz preocupada e a interrompo.
― Ele acabou de chegar. Está no celeiro com Lake ― minto, vendo
seus ombros relaxarem. ― Johnatan também está com eles.
― Esses garotos ― sorri, balançando a cabeça.
― E meu pai? ― pergunto.
― Está no quarto. Ele parece intimidado com a casa ― diz com um
sorriso apertado.
― Em breve ele vai se acostuma ― garanto a ela. ― Vou vê-lo.
Encaro a porta do quarto do meu pai antes de bater. Inspiro fundo e
bato timidamente.
― Entre ― escuto.
Quando abro a porta, eu o encontro sentado na cama, colocando os
sapatos. Ele havia acabado de tomar banho. Assim que me vê, encara-me
com surpresa.
― Vai sair? ― observo.
― Vou até a vila para ver como anda a reforma. Não gosto de ficar
aqui sem fazer nada ― informa com uma careta.
― Se quiser, pode trazer madeiras para cá e continuar com seu
trabalho ― opino.
― Prefiro ter meu próprio espaço ― diz ignorando minha hipótese.
― Você não veio aqui só para isso, não é mesmo? ― pergunta na defensiva.
Balanço a cabeça e me sento ao seu lado.
― É sobre a mamãe ― o sinto encolher.
― Makgold me avisou sobre o que aconteceu. Um deles me levou até
você naquele lugar. Não sabe como ficou meu coração ao vê-la naquele
estado ― papai confessa, apoiando-se em seus joelhos.
― Você viu o vídeo?
Ele suspira, negando com a cabeça.
― Não tive coragem ― confessa.
Engulo em seco.
― Por que mentiu? Por que não me disse sobre a mamãe? ― meu
coração se aperta.
Seus olhos claros me encaram com dor.
― Você pode estar chateada comigo e com razão, mas não queria que
crescesse sabendo que teve uma mãe que a abandonou. Uma mãe que deixou
a própria família por outro homem. Ele a iludiu, fez promessas e a fez
acreditar num futuro que nunca existiu. ― meu pai lamenta com angústia.
― Você a amava? ― pergunto com esforço.
Edson assente com os lábios apertados.
― Antes dela nos deixar, discutimos. No início, não sabia que era por
causa de Charlie, mas depois da morte da família Makgold, descobri que foi
por ele ― papai desabafa, segurando suas lágrimas. ― Por um momento, eu
tinha a esperança de que ela retornasse. Que voltaríamos a ser felizes. E,
enquanto você crescia, eu a imaginava com sua mãe. Depois que descobrir a
verdade, foi pior que uma traição, pior que uma ilusão, não poderia suportar
isso. Tampouco suportar ver você nos braços de uma mulher que não merecia
o amor ― seu tom se torna frio e, ao mesmo tempo, solitário.
Seco minhas lágrimas.
― Há quanto tempo ela mantinha um relacionamento com o pai de
Johnatan? ― pergunto.
― Muito antes de você nascer. Ela começou a ficar distante... ― ele
esfrega seu rosto exasperado e arregalo meus olhos.
― Espere...
Ele me encara com a testa franzida devido à minha expressão.
― Não, não ― balança a cabeça ao entender minha reação. ― Não
pense que é filha dele. Por um momento, também achei, mas fiz exames que
comprovaram que você é mesmo minha filha ― afirma com os olhos cheios
de lágrimas.
Meu coração se acalma e inspiro fundo.
― Deveria ter me dito a verdade. Não deveria ter me escondido ―
sinto meu coração se apertar ainda mais. ― Pai? Por um momento, ela nos
amou?
Vejo-o perplexo, a dor não deixa seus olhos.
― Você se lembra quando eu falava da sua mãe? Seus olhos
brilhavam, eu lhe dizia o quanto a amava e o quanto ficaria feliz em tê-la
conosco. Para você era como contar uma história de contos de fadas, logo
adormecia, mas não queria falar demais sobre ela, porque mais cedo ou mais
tarde você me perguntaria e eu não teria respostas ― suas palavras me fazem
chorar. Sua mão se estica para acariciar meu rosto. ― Eu não queria fazer
você sofrer, filha. Queria que essa dor existisse apenas para mim. E tudo que
fiz foi pensando em você. Eu te criei, esforcei-me ao máximo e quanto mais
eu me esforçava, mais eu pensava no seu melhor.
― Papai... ― choro, tocando seu rosto.
― Você não pôde ter a melhor mãe do mundo, mas, com certeza, eu
me sacrifiquei pelos dois lados ― tenta brincar, e o abraço com força.
― Você foi o melhor... Foi o melhor pai do mundo. O único ―
declaro, sentindo seu abraço apertado.
― Oh, querida! Não sabe o tamanho do meu amor por você ―
declara num tom rouco por segurar o choro. ― Não sabe o quanto me
arriscaria e daria minha vida por você.
Aperto meus braços em volta de seu corpo.
― Obrigada por tudo que tem feito por mim ― suspiro, afastando-me
para secar meu rosto e respirar com calma. ― E... É por isso que odeia tanto
Johnatan?
― Talvez por culpar Charlie por todo sofrimento que tem me
causado. Quanto ao filho, eu só não me sinto confortável com ele por perto
― confessa, dando de ombros, e balanço minha cabeça, apertando meus
lábios para não continuar o assunto.
― Vou aproveitar que vai sair para ajudar Donna na cozinha, só não
chega muito tarde...
― Esse velho sabe se virar ― Edson me interrompe quando
demonstro minha preocupação.
― Mesmo assim ― insisto, vendo acenar com a cabeça e me viro.
― Mine? ― volto minha atenção para ele rapidamente. ― Só pensa
no que está fazendo, filha. Eu a protegi tanto para que não chegasse a isso.
Para que não seguisse esses passos... ― papai reluta.
Sei que está mencionando a LIGA e meus treinamentos.
― Se continuo fazendo isso, é para proteger quem eu amo. Como
você, que fez o mesmo por mim e continua fazendo ― digo, dando-lhe um
sorriso antes de sair e fechar a porta.
Na cozinha, ajudo Donna a preparar o jantar. Jordyn chega em
seguida, com seu laptop, parece distante e, ao mesmo tempo, aborrecida ao
apertar as teclas com raiva.
― Está tudo bem? ― pergunto a ela quando tiro os pães do forno.
Ela pisca os olhos, assustada com minha pergunta.
― Está sim, eu só não consegui obter sucesso em uma pesquisa ―
franzo a testa com seu comentário muito formal e a vejo fechar o laptop de
uma vez antes de se afastar de mim.
― Não quer ajuda? ― insisto.
― Não, está tudo bem... Obrigada, vou ver Ian ― responde,
acenando.
Quando James aparece na cozinha, olha para Jordyn, que o ignora
com uma expressão séria. Ergo minha sobrancelha para ele quando me vê o
observando e se encolhe. Eu vou ter que investigar sobre isso? Reviro meus
olhos, depois deixo James com Donna e sigo para meu quarto pensativa,
talvez Johnatan ainda possa estar com Ian.
Em meu quarto, sigo para o banheiro a fim de tomar um banho
demorado e relaxante. Deixo a água cair sobre meu corpo, inspirando fundo.
Meus pensamentos vão diretos para Jordyn. Pergunto-me se ainda continua
recebendo os e-mails do desconhecido. De alguma forma, devo pegar seu
laptop para investigar, Shiu pode me ajudar de alguma forma. Rapidamente,
o plano se faz na minha cabeça, mas preciso manter Jordyn longe. Esfrego
meu rosto molhado, inquieta, e volto a me concentrar em meu banho.
Quando termino, seco meu cabelo e escovo meus dentes. Franzo a
testa por não ter Johnatan comigo e sigo para o meu quarto, procurando, no
guarda-roupa, alguma camisola confortável. Pego uma de seda branca curta,
vestindo-a e colocando uma calcinha, seria estranho demais rondar pela casa
sem uma peça íntima. Depois de colocar um robe, saio do quarto descalça, na
intenção de procurar Johnatan, pensando que ele talvez esteja na biblioteca.
Na sala de entrada, encontro Peter.
― Como está, senhora Makgold? ― olho-o com firmeza. ―
Desculpe... Mine ― ele ri sem jeito.
― Bem ― sorrio. ― Você viu Johnatan?
― Acabei de falar com ele e o vi seguindo para a floresta ―
responde.
Franzo a testa pensativa, mas logo sorrio ao imaginar a tenda.
― Obrigada, Peter ― agradeço, recebendo seu sorriso de volta antes
de caminhar até a saída.
24 – JUNTOS
Meu corpo se choca contra o chão quando sou golpeada por Nectara
pela décima vez. Estou na segunda fase do dia. Não imaginei que ela seria tão
rápida em seus movimentos, ou talvez eu estivesse sendo a distraída.
― Cansada, senhora Makgold? ― escuto-a, enquanto me levanto
cambaleante.
E isso é só um aquecimento, muito pior do que foi com Johnatan.
Uma das coisas que observei em Nectara é que ela gosta de provocar, de estar
no comando de tudo, e, pelos seus olhos negros puxados, posso ver a
determinação, assim como a ousadia na esperança que seu oponente recue.
Afasto as mechas do meu rosto suado e a encaro seriamente.
― Nem um pouco ― respondo com firmeza.
Inspiro fundo antes de avançar para ela e continuamos nossa luta.
Estamos no tatame verde escuro, o espaço é amplo, como a maioria
das salas de treino da Colmeia. Na parede de aço, do lado esquerdo, há
coleções de armas. Muitas delas são adagas e espadas. Todos os armamentos
afiados estão muito organizados por tamanhos, alguns me parece estranhos.
Fora isso, o lugar é limpo, diferente da sala de vidros, à qual também fui com
Nectara na primeira fase e onde fui manipulada com os vidros se movendo,
enquanto a japonesa me atacava. Pior foi ter que seguir o primeiro treino no
escuro. Não sei qual parte do meu corpo está mais dolorido.
Num giro rápido, consigo agarrar um de seus braços, torcê-lo e jogá-
la contra o tatame com força. Afasto-me para inspirar fundo novamente,
enquanto seco meu rosto com minha própria camiseta. Um golpe forte em
meu joelho me faz curvar e, em seguida, cair. Aperto meus dentes e encolho
minha perna, massageando o local da dor.
― Jamais pense que venceu uma luta ― Nectara aconselha, depois,
joga a toalha em meu rosto e se afasta.
Reviro meus olhos. Sento-me, alongando meu corpo até meus pés.
― Agora, vamos começar? ― retruco com ironia ao me levantar.
Sigo até o frigobar para pegar uma água.
― Possivelmente ― zomba e logo se vira para me encarar,
amarrando seus cabelos com um palito. Eu observo sua agilidade. ― Você
precisa treinar ainda mais sua esquerda.
Aceno, enquanto bebo minha água. Na noite anterior, Johnatan disse
isso. Durante o jantar, comemos algo leve e seguimos para os treinamentos.
Eu queria esquecer a pequena discussão que tive com James, por isso,
começar com os treinos pesados faria arrancar o estresse que estava dentro de
mim. E consegui, mesmo tendo que lidar com os comandos e as exigências
de Johnatan. Mas, hoje, ao chegar à Colmeia, não duvidei de que fosse a isca
perfeita para Nectara, enquanto Jordyn permanecia praticamente de licença.
― Como está Jordyn? ― Nectara pergunta, e balanço minha cabeça,
voltando minha atenção para ela.
― Feliz por não estar aqui ― minha resposta a faz sorrir.
― Devo dizer que ela é boa, tanto ela quanto James, mas não elogio
― confessa.
Ergo meus olhos surpresa.
― E por que não?
― Elogiar faz com que as pessoas se iludam ― dá de ombros e se
afasta. ― Venha comigo.
Suspiro.
― Não vai me dizer que tem outra sala equipada para treinamentos
exclusivos com Nectara ― indago ao segui-la.
― Aqui há muitas salas. Em breve você terá a sua favorita, apenas
para treinar ― murmura, abrindo uma porta de aço e seguindo em frente.
Acho que o único lugar que se tornará o meu preferido é meu pequeno
espaço próximo à sala de monitoramento, onde está instalada minha barra de
ferro. Pelo menos, foi lá que eu exigi que meu pole dance fosse colocado
assim que cheguei à Colmeia.
Se do lado de fora há centenas de lâminas, aqui era bem diferente. Em
vez de paredes de aços, o lugar é substituído por mármore negra com as
iluminações avermelhadas embutidas e velas acesas, da mesma cor, em
candelabros de vidro. Observo algo escrito em japonês no teto, franzo a testa
ao pensar que seja uma pronúncia religiosa. As armas estão organizadas, o
lugar parece tranquilo e, ao mesmo tempo, intimidante. As velas aquecem a
sala e exalam um perfume suave. Fico parada no centro, enquanto Nectara
segue para abrir um compartimento de vidro à frente.
Quando ela se vira, têm em suas mãos um tecido de veludo vermelho
enrolado. Fico confusa e a vejo afastar o tecido para revelar dois cabos pretos
cintilantes.
― Pegue-as ― estende as mãos. ― São suas.
Confusa, pego os dois cabos e a encaro.
― O que é isso? ― analiso sem entender.
São frios e firmes, também um pouco pesados.
― Suas espadas ― Nectara responde com orgulho.
Espadas? Não é como as outras, em minhas mãos só há literalmente
dois instrumentos de metais escuros.
― Não me diga ― digo com sarcasmo.
Nectara abre um sorriso.
― Só segure os cabos com firmeza, mas longe do corpo. Com o
tempo você vai pegar a prática ― fico ainda mais confusa com sua
explicação.
Faço o que me pede e seguro os objetos com firmeza. De repente, dou
um salto para trás ao ver as lâminas retas saltarem para fora. É como uma
katana... Ou melhor... É uma katana.
Fico impressionada. Posso ver até mesmo minha expressão chocada
nas lâminas assim que as aproximo de meu rosto.
― Minha nossa ― murmuro ainda em choque.
― Eu mesma as criei. Bem, eu tenho meus contatos para criações das
minhas armas. São todas exportadas do Japão. A sua, em especial, é
programada com suas digitais. Se alguém tentar arrancá-la e usar contra você,
não conseguirá, pois as lâminas retornam para dentro.
Enquanto Nectara explica, observo o canto inferior entre o cabo e a
lâmina. Há duas pequenas setas, uma indicada para baixo e a outra para cima.
― O que isso significa? ― mostro a pequena marca.
― Isso simboliza o retorno.
Abro minha boca e aceno.
― Eu adorei ― não consigo parar de encará-las. ― Obrigada!
― Não há de quê. Em parte, foi o senhor Makgold que escolheu o
modelo ― minha instrutora me surpreende.
Abro meu sorriso e afrouxo os dedos, as lâminas pulam para dentro
novamente.
― Vamos treinar com elas? ― já estou esperançosa.
― Mas é claro! Achou que eu lhe emprestaria algumas das minhas?
― ela ergue sua sobrancelha, fazendo-me ri.
Voltamos para a sala ampla. Nectara tem uma espada mais pesada,
pelo menos é o que imagino. O cabo é mais resistente, de cor dourada, e a
lâmina mais grossa e pontuda.
Um clique alto da porta sendo fechada nos chama atenção e nos
viramos. É James, tem os cabelos bagunçados, usa calça moletom e uma
regata preta, expondo seus músculos. Em seu bíceps direito há um curativo.
Seus olhos claros me revelam que ainda está com raiva.
― Não pensei que estivesse ocupada ― dirige-se à Nectara,
caminhando descalço e deixando sua bolsa escura próxima a saída.
― Está atrasado ― Nectara o repreende.
Ele acena.
― Estava com Jordyn ― confessa.
― Pelo que eu saiba, é Jordyn que está se recuperando, e não você ―
a japonesa ergue seu indicador quando James abre a boca, pronto para
protestar. ― Nada de romances e sentimentos intensos. A partir do momento
que entram nessa sala, devem manter em suas mentes que estão para
aprender, para honrar seus compromissos. Fora daqui, podem fazer o que
quiserem ― sinto que seu aviso é até mesmo para mim.
― Como você quiser ― James diz com os dentes apertados, e o vejo
pegar sua espada em sua bolsa.
Nectara nos observa.
― Interessante... James, lute com a Mine.
Arregalo meus olhos para ela.
― Só pode estar de brincadeira ― disparo irritada.
― Você tem suas espadas e James tem a dele. Assim como observou,
os movimentos de seus oponentes numa luta corporal, não será diferente. Só
tem que ter cuidado. Ambos possuem armas ― Nectara explica, mas quero
protestar.
Antes que eu tome qualquer atitude, sinto a aproximação de James.
Ao me virar em sua direção, arregalo meus olhos e aperto meus cabos
fazendo as lâminas aparecerem. Ergo-as acima da minha cabeça quando a
espada de James se choca contra as minhas, num peso brutal. Ele rosna e,
num impulso, faço-o se afastar até ver as faíscas das lâminas afiadas raspando
umas nas outras.
James gira sua espada nas mãos com velocidade e volta a tentar me
atingir. Observo seus movimentos brutos e me afasto, usando minhas espadas
contra a sua.
Pela minha visão periférica, Nectara nos assiste com atenção, como se
examinasse nosso comportamento. Sinto James mais bruto do que no
primeiro ataque. Quando ousa tentar me atingir no estômago, recuo e golpeio
suas costelas com um chute. O garoto não se intimida, mas nos damos
espaço, circulando pelo tatame, enquanto avaliamos um ao outro.
Ele tem a expressão séria e os olhos frios. Quando toma a iniciativa
de atacar, curvo-me para arrastar uma das minhas pernas em seus
calcanhares, fazendo-o pular para não ser atingindo. Rosno exasperada e me
defendo quando ele volta a avançar. Eu sequer tenho espaço para escalar seu
corpo como uma serpente para derrubá-lo de vez.
Devo confessar que ele é bom; mesmo possuindo uma só espada,
quase do mesmo modelo de Nectara, ele a mantém como proteção para seu
corpo. Por outro lado, sua brutalidade acende minha raiva, fazendo com que
eu revide as agressões.
Assim como uso as espadas, utilizo meu corpo quando vejo que tenta
me atingir com os braços levantados. Logo, golpeio sua coxa com um chute
forte. James se curva e, com minhas espadas seguradas com firmeza, consigo
desarmá-lo.
― Bom ― o tom de Nectara me faz me afastar de James. ― Espero
que, com essa pequena atividade, tenha resolvido o problema de vocês.
Respiro fundo, enquanto observo James se levantar cambaleante.
― Como estão? ― a voz de Johnatan invade a sala.
Fico mais tranquila ao vê-lo se aproximar. De imediato, sua testa
franze para James curvado, massageando a coxa esquerda.
― Num ótimo começo de treinamento ― Nectara responde e me
olha. ― Só precisa de mais peso pesado.
― Espero que não seja para descontar a fúria ― disparo para James.
― Lembre-me disso da próxima vez ― murmura.
― Suponho que já fizeram as pazes ― nossa treinadora cruza os
braços.
Reviro os olhos.
― Certo! O que eu perdi? ― Johnatan pergunta atento.
― Não foi nada demais ― interrompo. ― James só está preocupado
com Jordyn. ― evito falar muito, mesmo assim, meu marido tem seus olhos
em alerta, principalmente para James.
― Eu só não gostei da maneira como trataram Jordyn para um
interrogatório ― James desabafa, enquanto inspira fundo.
― Seria evitado se Jordyn não tivesse concordado, mas ela estava de
acordo ― Johnatan diz seriamente.
― Olhem só! Obrigada pela interrupção, senhor Makgold, mas
estamos em um treino ― Nectara dispensa-o sem rodeios.
― Vim buscar minha esposa ― Johnatan comunica, puxando-me
para seus braços.
― Agora? ― a japonesa ergue sua sobrancelha.
― Exatamente ― informa no mesmo tom cético. ― Vamos.
Franzo o cenho, em seguida, eu o observo.
― O que houve? ― caminho ao seu lado.
― Não posso ficar muito tempo longe de você ― Johnatan desabafa
assim que dá espaço para eu passar.
Sorrio com doçura.
― Mas preciso treinar ― digo chocada. ― Você viu minhas espadas?
― mostro meus cabos para ele.
Johnatan me lança um sorriso doce ao ver minha empolgação.
― Que bom que gostou ― beija minha testa.
― Mesmo assim, preciso praticar ― lembro-o.
― Eu sei ― sorri, acariciando meu rosto. ― Por que não me disse
que você e James estavam com problemas? Sabe que eu poderia resolver em
questão de segundos.
― Acredito nisso, mas ele se importa com Jordyn, está gostando dela
― confesso.
― Deveria proibir relacionamentos na equipe... ― Johnatan murmura
pensativo.
― Isso vale para nós? ― escondo meu sorriso.
― Por isso que não posso proibir ― ri, e seguimos juntos pelo
corredor.
― E quanto ao Zander? Acredita que ele possa sentir algo por
Jordyn? ― reflito, abraçando sua cintura.
― Amor e compaixão são sentimentos que aquele infeliz não pode ter
― Johnatan dispara com frieza.
Estremeço.
― Ele falou algo hoje?
― O de sempre, se é de manhã, tarde ou noite... Nada de interessante
― Johnatan revela satisfeito. ― Na verdade, agrada-me ver o verme confuso
com o fuso horário.
Balanço minha cabeça, sorrindo com seu humor sombrio.
― Senhor... ― olho para frente, Cassandra se aproxima numa postura
rígida. ― Problemas.
Sinto todo o alívio de Johnatan ao meu lado evaporar. Logo, seguimos
Cassandra rapidamente até a sala de monitoramento.
― Shiu ― Johnatan já o chama com urgência.
― Houve um ataque em uma das suas empresas, senhor. ― Shiu
informa com atenção, digitando em seu teclado e colocando o fone no
ouvido, atento à tela.
― Qual? ― Johnatan exige.
― Em Dallas. Os funcionários foram feitos de reféns, enquanto uma
parte dos bandidos vasculhavam o prédio ― Cassandra explica. ― Poucos
conseguiram escapar. Por outro lado, os tais bandidos são bastante
organizados.
― LIGA ― Johnatan sussurra com rispidez.
― Acabaram de explodir o gerente de telemarketing, senhor! ― Shiu
comunica em choque, assustando-me.
― Ligue para a empresa e transfira para mim! ― Johnatan ordena
firmemente.
― O senhor não pode correr esse risco. Todos pensam que está morto
― Shiu dispara e vejo Matt se aproximar.
Johnatan se curva para Shiu com frieza.
― Eu dou as ordens e você as obedece ― Shiu engole seco e acena
temeroso. ― Não deixe o assunto vazar para a imprensa. Se qualquer um
tiver provas contra isso, suborne, pague para manterem a boca fechada ―
Johnatan ordena.
― Sim, senhor ― Shiu balança a cabeça.
― Vamos manter a calma, temos uma reunião hoje ― Matt
aconselha.
Os olhos azuis em chamas de Johnatan são disparados para mim.
― Cancele!
― John...
― Está vendo o que está acontecendo? É arriscado! ― sibila.
― Não acho que correremos o risco ― Matt tenta manter o equilíbrio
do humor sombrio na sala. ― Pense, não podemos nos intimidar diante disso.
Johnatan esfrega seu rosto e vejo Dinka se aproximar, ele parece que
acabou de sair de um treino pesado.
― Vamos reforçar a segurança ― Johnatan alertar. Logo, vejo Dinka
compreender a situação ao se afastar rapidamente. ― Se notar qualquer coisa
fora do normal, mantenha-me informado. Gaspard entrou em contato? Ele
deveria ter falado sobre esse ocorrido.
― Não, senhor. Já tentei localizá-lo, mas não consegui.
Provavelmente, a máfia decidiu agir de última hora ― Cassandra explica.
Balanço minha cabeça para manter meus pensamentos focados.
― O que devo fazer nessa reunião? Seria bom eu me preparar. Agora,
mais do que nunca, não sabemos com quem estamos lidando ― interrompo e
vejo Matt concordar.
Johnatan suspira.
― Teremos cortes com alguns empresários. Descobri desvio de
dinheiro em algumas partes dos relatórios. Os documentos de algumas
empresas até mesmo estão incompletas ― Johnatan esfrega seus cabelos
exasperado.
Atento-me no que devo fazer. A maior parte do serviço é com Matt.
Da minha parte, só precisará da assinatura. Johnatan dá nomes, mas ao
mencionar Nicole, minha expressão se amarga.
― Vou ter que olhar mesmo para a cara daquela mulher? ― digo com
repulsa.
― Mantenha as aparências, amor. Sei como se sente perto dela, mas,
em momentos assim, com testemunhas, seria arriscado. ― Johnatan
aconselha.
Faço uma careta.
― Vou fazer o possível ― dou de ombros.
― Tudo bem, cuide dos negócios de Dallas, mas não se arrisque
diretamente ― Matt pede ao amigo.
Johnatan olha em minha direção, encarando-me de cima abaixo.
― Cassandra! ― seu chamado me assusta.
― Sim? ― ela se aproxima.
― Ajude Mine a se vestir ― Johnatan ordena.
― Claro. Vamos? ― viro-me automaticamente para pegar minhas
espadas, que havia deixado sobre a mesa e a sigo.
― Ele fica insuportável quando se coloca como chefe mandão ―
resmungo.
Cassandra disfarça sua risada com uma tossida.
Meus olhos se arregalam para Susan caída no chão sem fôlego. Ela
estremece e aperta o estômago, o sangue mancha sua camisa.
― Armadilha ― escuto Johnatan murmurar.
De repente, sou jogada no chão, enquanto seu corpo me protege.
Encolho-me a cada barulho de disparos que ecoam pelo quarto. Não
consigo ver, mas presumo que há armas por todos os lados, assim como vi
próximo à televisão embutida. Escuto tanto os vidros se quebrando, como
também objetos caindo. Quando os tiros são interrompidos, Johnatan relaxa
seus braços com cautela, permitindo-me espiar.
O quarto, de luxuoso passou para destruído. Johnatan também observa
atento, pois sabemos que ali é apenas o começo. Em seguida, ele me olha
preocupado, acaricia meu rosto e afasta a sujeira dos meus cabelos. Suas
roupas estão empoeiradas, assim como o lugar.
― Temos que sair daqui ― murmura, e aceno.
Rapidamente, sinto uma mão quente e pegajosa prender a minha.
Olho em direção ao contato, vendo Susan assustada. Sua mão treme contra a
minha, num aperto enfraquecido.
― Não me deixe aqui ― implora fracamente, o sangue escorre por
sua boca e suas lágrimas começam a cair. ― Me tirem daqui... Por favor...
Tapo minha boca com a outra mão quando sua respiração é
interrompida, seus olhos falecidos alarmados estão fixos nos meus.
De repente, Johnatan puxa minha mão agarrada com a de Susan para
me levantar e aperta meu corpo contra o seu. Não entendo sua reação, mas o
sinto se mover mais rápido, sacando sua arma e atirando contra o vidro da
sacada enquanto nos arrastamos pelo o local. De imediato, percebo que o
quarto abastece um sensor de movimento ao voltar a atirar em todas as
direções.
Quando olho para trás vejo os tiros serem disparados em direção ao
chão, acertando o cadáver de Susan. Um estrondo no vidro à frente me distrai
e percebo que Johnatan o quebrou depois de arremessar um vaso de
porcelana. Mas o pior de tudo é quando os tiros voltam a parar com um som
de destrava, como se estivesse sendo recarregados antes de mirar em nossa
direção.
Johnatan abraça meu corpo com firmeza e rola comigo para fora da
sacada assim que os tiros começam a seguir até nós. É tudo tão rápido que
apenas sinto minhas costas se chocarem contra ele, deparando-me com o céu
nublado e o prédio. Ao olhar em volta, percebo que estamos em um andaime
suspenso. Um de seus braços me aperta, enquanto escuto algo ser
arrebentado. Nem mesmo tenho tempo para reagir, já sentindo o frio na
barriga quando o equipamento desce numa velocidade assustadora até nossos
corpos se chocarem bruscamente devido ao impacto.
Puxo o ar com força, encarando o céu nublado novamente. Nem
mesmo consigo me mover direito, mas sem me dar tempo, Johnatan vira-se
contra mim para me proteger. Espio, sob seu ombro, o quarto de Susan
explodir. Meus ouvidos zunem pelo barulho ensurdecedor e a luz da explosão
me cega brevemente. Fecho meus olhos com força e me escondo debaixo do
corpo de Johnatan.
Quando o sinto se afastar, olho para cima, distraída com o fogo. Logo
focalizo os olhos de Johnatan preocupados. Ele me toca, como se procurasse
por alguma ferida.
― Você está bem? ― pergunta ofegante enquanto examina meu
rosto.
Balanço minha cabeça, incapaz de falar. Depois arregalo meus olhos.
― Susan...
― Já passou ― beija minha testa. ― Vamos.
Johnatan me ajuda a levantar e sair do andaime.
― Suas costas ― preocupo-me.
Vejo Johnatan mover seus ombros para trás até escutar os estalos dos
seus ossos.
― Já tive quedas piores ― murmura.
Olho em volta, estamos atrás do prédio, isso significa que podemos
chamar atenção. Johnatan também percebe o risco, enquanto limpa suas
roupas. Logo depois, puxa-me para longe, até chegarmos a uma rua mais
movimentada, onde nos misturamos com facilidade. De relance, percebo os
curiosos correrem aglomerados em direção ao prédio e me agarro em
Johnatan como proteção, ele saca seu celular para fazer uma ligação rápida.
― Cassandra ― apenas a chama, depois desliga.
Franzo a testa ao escutar sua respiração tensa e olho para cima, vendo
seus olhos em alerta. Ele se curva para beijar minha testa antes de envolver
seu braço em meu ombro.
― Estamos sendo seguidos? ― desconfio quando nossos passos se
aceleram e viramos a esquina, para longe da movimentação.
― Sim ― confirma.
Disfarçadamente, observo uma loja de cosméticos na intenção de
virar meu rosto para trás, noto que dois homens se aproximam. Eles também
caminham, seguindo nossos passos, mas sem olhar em nossa direção. Viro-
me para Johnatan e o abraço com força.
― Onde está Cassandra? ― falo com urgência.
― Seguindo-nos também. Provavelmente, do outro lado da rua ―
Johnatan explica e inspiro fundo conforme a movimentação vai se
tranquilizando.
Quando viramos a próxima esquina, em direção ao sul, a estrada está
mais vazia e os muros dali são altos. Entrelaçamos nossos dedos e seguimos
em frente, em direção à avenida. Para nossa irritação, uma SUV preta
bloqueia nossa saída. Johnatan e eu travamos nossos passos e olhamos para
trás, para os dois homens se aproximando com olhar de diversão. Distraio-me
quando escuto as portas do carro à frente se fecharem.
Aperto a mão de Johnatan ao ver três homens de toucas balaclava
saindo da SUV.
― Fique perto de mim ― Johnatan solta minha mão e puxa meu
capuz para cobrir minha cabeça.
É como se estivéssemos em um círculo fechado. Os dois homens sem
toucas, que têm a aparência mestiça, não são tão altos, porém são mais
musculosos.
Sem termos tempo, os dois mestiços avançam para Johnatan, como se
quisessem ser os primeiros a entrarem na brincadeira. Assim como eu,
Johnatan permanece imóvel esperando suas aproximações, observando os
adversários. Quando os mestiços se aproximam para atacar Johnatan, ele
move seus braços e pernas golpeando ambos com agilidade. Um deles tenta
me atacar e movo meu punho cerrado em sua mandíbula a ponto de escutar
seus dentes se baterem.
Tanto eu quanto Johnatan nos movemos com agilidade, golpeando e
nos protegendo dos ataques. Os outros três de toucas assistem, como se
esperassem sua vez. Percebo que Johnatan mantém os dois homens em minha
direção para que eu os atinja com mais brutalidade, até ele notar o cansaço de
ambos antes de girar seus corpos para torcer seus braços.
Um deles afasta cambaleante, dando tempo necessário para Johnatan
quebrar o pescoço de seu companheiro, deixando-o cair no chão sem vida. O
mestiço que restou não parece satisfeito, ele rosna, avançando em nossa
direção, mas antes que o indivíduo se aproxime de mim, Johnatan o puxa
para longe, segurando sua cabeça com firmeza e mantém sua boca aberta para
jogar uma espécie de pastilha branca, fechando-a em seguida. O homem se
debate, mas Johnatan o mantém firme em seus braços.
Sem esperar pela aproximação dos três restantes, Johnatan saca duas
facas da manga de sua jaqueta e arremessa. Uma acerta o coração de um e a
segunda lâmina crava no pescoço do outro. Ambos caem sem nem terem
tempo de lutar. Pisco impressionada. Em seguida, Johnatan joga o mestiço no
chão, como se ele fosse um saco de batatas. Com o efeito da pastilha, vejo o
homem se engasgar antes de morrer. Agora só resta um.
O que sobrou não se intimida, mesmo vendo seus aliados mortos no
chão. Ele é esguio, tem quase a mesma altura de Johnatan, posso não ver seu
rosto, mas seus olhos castanhos demonstram frieza.
Enquanto caminha, arranca de suas costas duas barras médias. Ele
move as barras como se fossem baquetas e logo seus braços giram de um
lado para o outro brutalmente. Johnatan e eu nos movemos em defesa para
não sermos atingidos. Ao mesmo tempo em que o oponente é rápido, ele é
habilidoso, mas aproveito o pouco tempo que tenho de sua breve distração
para acertar seu joelho com um chute e dar socos em suas costelas. Johnatan
também faz o mesmo, deixando o agressor se curvar, sem perder a
oportunidade, o homem consegue acertar meu quadril.
Mesmo com dor pelo ataque, deixo a raiva me consumir, enquanto
contra-ataco, acertando seu rosto com um chute e enroscando meu braço
direito no seu esquerdo. Em seguida, cravo minhas unhas por cima de sua
malha preta, desarmando-o. Só que, por outro lado, o homem consegue
atingir Johnatan, e me distraio ao vê-lo recuar com o golpe na garganta. Sem
perder tempo, o agressor me puxa, girando meu corpo e mantendo seu braço
enroscado em meu pescoço. Minhas pernas se desequilibram, e tusso com o
aperto sufocante.
Pisco meus olhos ferventes, vendo Johnatan levantar seu olhar em
ameaça. Sinto o cano frio da arma em minha têmpora. Johnatan não se
intimida.
― Fique longe ou ela morre ― o homem ameaça ofegante, e
permaneço imóvel mesmo sendo agarrada com força.
A sobrancelha de Johnatan se ergue ao escutar o alerta, mas, num
piscar de olhos, eu o vejo arrancar uma pistola com silenciador da sua jaqueta
e atirar em nossa direção.
Minhas pernas travam e meus olhos se fecham com força. Solto
minha respiração assim que o homem cai atrás de mim. Ao abrir meus olhos
devagar, não ouso olhar para trás, sabendo que Johnatan o acertou na testa.
― Ninguém ameaça minha esposa ― Johnatan grunhe ferozmente,
fazendo meu coração se derreter, mesmo nós dois estando um caos.
Corro para abraçá-lo.
― Machucou? ― toco seu pescoço.
― Eles batem como uma mocinha ― Johnatan faz uma careta.
Sorrio.
― Onde está Cassandra?
― É isso que quero saber ― ele pega seu celular do bolso, mantendo-
me presa em seu braço.
Com curiosidade, vejo um dos mestiços caídos com a boca
espumando. Seus olhos estão abertos, brancos e arregalados. Penso que a
pastilha é um veneno inventado por Matt.
― Está de brincadeira...
A voz monótona e o corpo rígido de Johnatan me chama atenção.
Franzo a testa, vendo seus olhos fixos à frente. Viro meu rosto para ver o que
lhe aborrece além da SUV.
Arregalo meus olhos para um homem alto que sai do carro,
provavelmente, tem mais de dois metros de altura. Ele usa roupas escuras e
coturnos. Em sua mão, nota-se nitidamente a tatuagem da LIGA. Ele tem a
cabeça raspada nas laterais e olhos claros. Quando move sua cabeça de um
lado para o outro, é possível escutar até seus ossos estalarem.
― Ele deve pesar uns cento e cinquenta quilos ― sussurro para
Johnatan.
― Ou mais ― Johnatan me puxa para trás de seu corpo.
O homem gigante observa os corpos no chão com um sorriso amargo,
mostrando seus dentes escuros. Encolho-me intimidada.
― Johnatan... Amor? Ele é duas vezes maior que você ― cochicho,
ficando na ponta dos pés.
Brevemente, seu rosto se vira em minha direção e encaro sua testa
franzida.
― Se eu me arrebentar, você vai cuidar de mim? ― Johnatan
pergunta, como se tivesse se divertindo.
Reviro meus olhos e volto a me encolher quando o gigante nos encara
com curiosidade.
― Sabe o que fazemos quando encontramos corpos assim? ― a voz
do gigante é horripilante. ― Assamos em brasa ― observa os corpos e se
curva para um dos mestiços, próximos aos seus pés, para pegar sua mão. ―
Ou comemos cru. Minha parte preferida é o cérebro.
Sinto a bile subir em minha garganta ao vê-lo arrancar o dedo
mindinho do mestiço morto, em seguida, morder o pedaço do dedo e
mastigar.
Agarro o braço de Johnatan para me equilibrar, ele apenas me
observa, como se demonstrasse sua proteção, mas a atitude do gigante faz
meu sangue sumir do rosto e minhas pernas ficarem bambas. Logo me
assusto com disparos altos, surpreendendo-me com meu pai segurando uma
arma prata, enquanto atira contra o gigante.
Os tiros seguem em direção à cabeça e rosto do homem. O gigante
tenta se defender, mas cai de joelhos. Escondo-me atrás de Johnatan, incapaz
de assistir à cena. Em seguida, escuto o corpo cair, até mesmo o chão
estremece.
― Temos que ir ― a voz rígida e aborrecida de meu pai me chama
atenção. ― Eles cercaram o quarteirão.
Afasto-me, vendo Johnatan acenar pensativo.
― Pai... ― digo sem fôlego.
Edson inspira ofegante.
― Estou com um carro ― ele me observa preocupado, assim como os
corpos à nossa volta. ― A garota com a van teve que despistar muitos deles
― informa. Me preocupo com Cassandra.
Sem querer, encontro o pedaço do dedo no chão. A cena em minha
cabeça faz meu corpo estremecer e me curvo para vomitar. Sinto as mãos de
Johnatan me puxarem para longe, para um canto afastado, enquanto coloco
para fora o que tenho no estômago. Meu corpo estremece e sinto as lágrimas
em meus olhos. Quando finalmente paro, levanto meu corpo, vendo Johnatan
preocupado.
― Tudo bem... Já passou ― Johnatan me conforta segurando meu
rosto com as duas mãos. ― Vá com seu pai ― pede.
― O quê? ― estremeço.
― Mine, você não está bem. Aliás, mesmo que estivesse, ainda assim
mandaria ir com o seu pai. ― Johnatan afirma, beijado minha testa e
ajustando meu capuz. ― Estarei com você em breve. Senhor Clark, dê a ela
muita água...
― Não precisa me ensinar como cuidar da minha própria filha ―
meu pai o interrompe exasperado.
― Johnatan ― o chamo.
― Minha Roza, por favor ― Johnatan implora. ― Eu te amo, vai
ficar tudo bem. Agora, preciso encontrar Cassandra, mesmo que o restante da
equipe já esteja a caminho.
Engulo em seco e aperto meus lábios, fazendo uma careta quando o
vejo se aproximar para beijar minha boca. Ele revira os olhos e beija meu
nariz.
― Promete que vai voltar? ― peço acariciando seus cabelos. ―
Promete para mim?
Johnatan agarra minhas mãos e inspira o perfume em meus punhos
antes de beijar minha pele.
― Eu prometo.
― Vamos, Mine ― Sinto meu pai me puxar.
Cambaleio para longe, sem perder o foco em Johnatan.
Quando ele some do meu campo de visão, acompanho meu pai em
passos largos e com a cabeça baixa. Ele esconde a arma em seu bolso para
abraçar meu ombro com força. No fundo, sei que está aborrecido.
― Pensei que estivesse observando a reforma ― murmuro.
― Acha que sou tão lerdo a ponto de não me dar conta do que
acontece ao meu redor? ― praticamente rosna. ― Quando sinto que algo de
ruim está para acontecer com você, a certeza de não estar errado é gritante.
Chegando ao carro, estacionado em uma loja pouco movimentada,
acomodo-me no banco de trás sem hesitar. Por outro lado, meu pai entra na
loja rapidamente para comprar quatro garrafinhas de água.
― Peter? ― digo assim que o vejo no volante.
― Tive que vir correndo, assim como os outros. Não estamos seguros
aqui ― Peter informa com urgência.
Assim que meu pai entra, Peter dá a partida.
― Beba ― meu pai ordena, entregando-me as quatro garrafinhas de
água. ― Vocês têm que estar mais atentos do que nunca. Sabe que Charlie
Makgold pode armar uma emboscada sem ao menos esperar. Johnatan pode
ter tudo sob controle, mas você não tem ideia do que um Makgold é capaz!
― Já chega! ― disparo frustrada e passo minhas mãos no rosto
exasperada. ― Até quando vai compará-lo com o pai dele? Johnatan não é
assim. Ele está se arriscando a todo o momento para manter vivas as pessoas
com quem se importa. Veja o que ele fez até hoje e o que está fazendo. Não
olhe só para seu umbigo, pai, você, mais que ninguém, sabe o quanto
Johnatan vive dia após dia tentando sobreviver para que esse inferno acabe!
― respiro ofegante e sinto minhas lágrimas.
― Filha, a única coisa que me importa é você ― meu pai rebate.
Encaro a janela.
― Acha que ele escolheu ter essa vida? Acha que cada uma das
pessoas que o rodeia escolheu viver assim? Ele só quer paz, mas enquanto
estiver assim, sei que vai fazer o impossível para que isso termine, e eu o
estarei apoiando. É isso que as pessoas fazem quando se amam de verdade,
apoiam-se, dão forças, lutam e eu faria a mesma coisa por você! ― olho para
meu pai, vendo seus olhos piscarem sem foco, sem ter o que dizer.
Pelo retrovisor do carro, Peter me observa com um sorriso agradecido
e me recosto no banco, tentando beber a água.
Durante o caminho, não pergunto para onde estamos indo, mas pela
direção que o carro toma na estrada, sei que estamos indo direto para a
mansão. Esfrego minha testa, tendo meus pensamentos de flashbacks dos
ocorridos de hoje. Ordeno-me mentalmente a pensar em primeiro lugar em
Johnatan, depois em Cassandra e o restante da equipe, mas logo o rosto
inocente de Allan toma conta de meus pensamentos, assim como o infeliz do
Zander. Provavelmente Shiu tenha boa parte das informações e tentar
procurá-lo no momento não seria o certo, pois sei que ele deve estar ocupado
ajudando os outros.
Assim que Peter estaciona na mansão, saio do carro rapidamente,
como se precisasse de ar. O sol está quase se pondo, e caminho pelo campo
observando os cavalos, assim que eles notam minha presença, vejo Lake
correr em minha direção, circulando empolgado. Sid também se aproxima,
observando-me com seus enormes olhos negros e estico minha mão para
acariciar sua pelagem branca, enquanto ela se curva.
Quando Hush escuta a movimentação, segue farejando, como se
estivesse preocupado. Eu ainda me impressiono que, mesmo sendo cego, ele
pode ser tão inteligente! Depois que Sid se ergue, vou até Hush para abraçar
seu pescoço. Sua enorme cabeça se curva, como se retribuísse meu abraço.
Dou um sorriso repentino ao sentir Lake me farejar e esfrego minha mão em
sua cara.
― A cada dia que passa vocês estão mais lindos ― elogio, sorrindo
por eles serem minha distração.
Permaneço com os cavalos por um tempo. Eu também poderia me
distrair ainda mais com Jordyn ou Ian, mas, no momento, o que desejo é ficar
sozinha e esperar por Johnatan. Entro na casa pelas portas do fundo, para
tomar um rápido banho, vestir uma das camisas de Johnatan que encontro no
quarto e escovar meus dentes. Quando retorno para o campo, o sol já
desapareceu pelas montanhas, ao invés de ficar com os cavalos, sigo direto
para a tenda na floresta.
Assim que passo pelos tecidos, jogo-me na cama cansada. Mesmo
sentindo meu estômago vazio, não sinto fome e me recuso a pensar na cena
desagradável dessa tarde.
De repente, um movimento nos tecidos me faz saltar sentada, logo
vejo a cabeça de Sid entrar, é como um déjà vu das vezes que passei meses
sem Johnatan. Sorrio para ela e volto a deitar, batendo em meu travesseiro
para que ela se junte a mim. A égua deita próxima à cama e coloca sua
cabeça no travesseiro. Viro-me para acariciá-la pensando em Johnatan, temo,
no momento, que ele possa não voltar.
Seu olho claro me encara com ódio, mas suas palavras fazem meu
autocontrole evaporar. Ao me aproximar dele, agarro seus cabelos entre meus
dedos e arremesso sua cabeça contra a mesa. Sinto seu corpo vibrar com meu
ataque repentino, em seguida, ele ergue a cabeça, sacudindo-a embaraçado.
Olho para Johnatan como se pedisse desculpa pelo ato espontâneo,
mas ele parece apreciar. Em seguida, meu marido puxa uma cadeira à frente
para se sentar, depositando sua arma prata sobre a mesa.
― Surpreso, não é? Preciso informar que o homem que está de
prontidão lá fora não é um dos seus, mas não se preocupe, ele não vai nos
interromper. Aliás, sua boate está cercada, não só pelo meu pessoal, como
também pelos meus brinquedinhos. Resumindo, mensageiro, qualquer ação
ou reação fora do comum, serão acionados e o seu Paraíso se transformará
num verdadeiro inferno ― Johnatan sorri sombriamente, apreciando o corte
que fiz na sobrancelha de Messi. ― Ah! E lhe apresento minha incrível
esposa. Ela não é extraordinária? ― aponta em minha direção educadamente.
Messi me olha chocado quando lanço um sorriso hostil.
― O quê? ― dispara incrédulo, virando-se para Johnatan.
Johnatan se curva, seus olhos azuis em chamas são como faíscas,
intimidantes até mesmo para mim.
― Não passou pela sua cabeça que estava mexendo com a pessoa
errada? ― seu tom obscuro me arrepia dos pés à cabeça.
A risada de Messi me deixa em alerta.
― Não me diga que Johnatan Makgold conseguiu achar uma mulher
em meio a tantas amantes ― o infeliz se vira para encarar minhas pernas. ―
Ela até que é bastante gostosinha. Não sabia que tinha uma mulher tão...
Quente. Vale muita grana. Se quiser, posso te recompensar para ela ficar a
noite toda. O que quer em troca?
Ergo minha sobrancelha e, antes que eu acerte sua mandíbula com um
soco direto, Johnatan se levanta, mirando sua arma com silenciador na
direção do único olho que resta ao homem.
― É melhor tomar cuidado com o que diz. Meu humor está abaixo de
zero. Não vai querer ficar sem seu outro olho, muito menos, levar de brinde
seus miolos espalhados. E acredite... Quero muito fazer isso ― Johnatan o
intimida e se afasta, sem tirar seus olhos raivosos de Messi.
― Me matar, Makgold, não vai resolver seus problemas ― o
mensageiro pode até tentar, mas ele deixa escapar sua tensão.
― Claro que não. Só que será um merda a menos no mundo ―
Johnatan responde com desdém.
― Foda-se! O que vocês querem?
― Simples. Onde se esconde Charlie Makgold? Ou melhor, onde é o
esconderijo dele? ― pergunto a Messi.
Seu sorriso petulante faz meu sangue ferver.
― Olha só! Johnatan Makgold em miniatura ― dispara com ironia,
mas antes que volte a dizer mais provocações, acerto sua mandíbula com
força, fazendo seu rosto virar bruscamente.
Quando volta à sua posição normal, vejo-o limpar o sangue que
escorre no canto da sua boca.
Johnatan encosta-se em sua cadeira satisfeito.
― Acho melhor responder. Sabe, minha esposa é muito boa em
interrogatórios ― Johnatan alerta, em seguida, ativa o ponto que está em seu
ouvido. ― E, quanto ao dinheiro que depositei, ele está voltando para minha
conta. Estou sabendo que você possui uma bela quantia. Meu hacker está
agora mesmo transferindo seu dinheiro para uma instituição. Linda caridade,
parabéns.
― Seu miserável... ― assim que Messi ousa avançar em Johnatan,
puxo o tecido que amarra meu robe e enrosco em seu pescoço, fazendo-o
ficar no lugar.
Meu autocontrole com tudo aquilo está no limite. O cretino tosse com
força, tentando inutilmente mover sua cabeça. Seguro o tecido com força com
uma das mãos, enquanto a outra golpeia seu tampão. Messi grunhe de dor.
― Agora, responda ― ordeno sem paciência.
― Eu não sei... ― engasga ao tentar dizer, olho para Johnatan que me
dá um sinal para que eu afrouxe o tecido. ― Faz muito tempo que não o vejo.
― Mas mantêm contato e, possivelmente, você está em dívida. Não
tente nos enganar, Messi, temos o sistema da LIGA em nossas mãos ―
Johnatan dispara.
Solto o homem, que puxa o ar com força, arrancando o tecido do seu
pescoço. Pego-o novamente e amarro em minha cintura.
― Se eu disser, vão me deixar em paz? ― o charlatão ainda quer se
assegurar.
Johnatan o observa com atenção.
― Acha mesmo que confiaria em você vivo?
― É um acordo, Makgold! ― Messi revela seu ódio desesperado.
― Você é um mensageiro, não tente entrar em acordo comigo ―
aceno ao concordar com as palavras de Johnatan.
― Você faz serviços para ele. Traz essas garotas para trabalhar para
vocês ilegalmente e, como se não bastasse, torturam e matam quando não
precisam mais delas. Que tipo de ser humanos são vocês? ― cuspo as
palavras com horror. Minha vontade no momento é socar esse ser até a morte.
― Ninguém te falou? Vivemos numa cadeia alimentar.
Sobrevivência, garota ― o infeliz ainda é petulante.
― Senhora Makgold para você! ― Johnatan o repreende em tom frio.
― Eu poderia socá-lo até não aguentar mais, só que agora vejo que
não vai valer a pena. Sabe, Messi, você poderia simplificar nosso trabalho em
vez de passar por todo esse sofrimento. Já pensou nas famílias de cada uma
delas? Nos sonhos que elas têm? São mulheres, são pessoas, são seres
humanos... ― engasgo para controlar minha fúria ― Olha, nossa única
intenção aqui, seu mensageiro de quinta, é acabar com isso e viver em paz.
Aquele que se diz seu chefe, porém, não pensa dessa forma e cada dia que
passa só piora a situação! ― digo em frustração, como se fosse meu maior
desabafo.
Messi inspira fundo em silêncio.
― Você tentou fugir, mas não conseguiu. Charlie te encontrou e,
agora me pergunto, por que ainda não te matou? ― Johnatan observa Messi
com atenção.
O silêncio toma conta do lugar, apenas as batidas das músicas ocas da
boate ecoam pelas paredes. O mensageiro se move desconfortável, mas tem o
cuidado de não se mexer demais.
― Não faço trabalho diretamente com ele. Temos um acordo...
― Acordo... ― Johnatan repete, erguendo sua sobrancelha para que
ele prossiga.
― Desde o dia em que você arrancou... ― ele não consegue dizer
sobre seu olho. ― Eu passei por uma cirurgia...
― Segue direto ao ponto ― ordeno impaciente com seus rodeios.
Messi aperta os lábios.
― Charlie me encontrou. Foi até a mim e ele mesmo terminou de
fazer isso ― ele aponta para as marcas de sua face. ― Tudo porque, mesmo
eu estando cara a cara com seu primogênito, não consegui matá-lo e,
covardemente, fugi.
― E o que te prende? ― pergunto, seguindo para o lado de Johnatan.
― Se você está em um acordo, o que fez Charlie Makgold aceitar?
― O acordo não foi diretamente meu, mas dele ― Messi suspira
enquanto aguardamos sua resposta. ― Charlie sempre descobre aquilo que
mais tememos, ele sempre tem uma carta na manga. É o tipo de pessoa que
pode estar quieto por um tempo, fazendo você pensar que tudo está em paz,
mas, na verdade, ele está estudando ou planejando a melhor forma de ataque
― pela primeira vez escuto a raiva em suas palavras e não são diretamente
para nós.
― O que ele planejou para você? ― Johnatan se atenta.
Messi fica pensativo e, ao mesmo tempo, esfrega as mãos em suas
pernas, demonstrando nervosismo.
― Ele tem em suas mãos o meu sobrinho ― revela entredentes.
Franzo a testa perplexa. Johnatan se apoia em seus joelhos para olhá-
lo com atenção.
― Sobrinho? ― pergunto confusa.
― É claro. Daniel Halloper ― Johnatan murmura, e o encaro surpresa
por ele saber. ― Eu vi a ficha dele antes de vir para cá.
― Dan ficou sobre minha responsabilidade aos dez anos, depois que
meu irmão e minha cunhada faleceram... assassinados ― Messi diz com
esforço. ― Charlie sabia tudo sobre o garoto. E eu sabia que, se falhasse,
Daniel sofreria as consequências. Foi o que aconteceu quando ele atingiu a
maior idade.
― Quantos anos ele tem? ― pergunto.
― Por volta de vinte e três a vinte e quatro anos ― o homem
responde, balançando sua cabeça. ― A questão é que se eu falhar, o garoto
sofre as consequências. Vocês devem saber como funciona a mente de um
Makgold, não posso fazer nada por vocês ― sua ironia faz Johnatan rosnar.
― Deveria agir dessa forma com as outras pessoas também, Messi ―
repreendo-o. ― Você tem um sobrinho, talvez seja sua única família...
― É mais difícil ainda imaginá-lo ter afeto por alguém ― Johnatan
provoca.
Messi o encara com ódio.
― A mulher com quem meu irmão se casou era a mulher que eu
amava, o filho que tiveram era sua vida. E em memória dela eu devo protegê-
lo ― sua defesa nos surpreende.
Franzo o cenho ao ver Johnatan levantar da cadeira e guardar sua
arma.
― Então, nos ajude a encontrar Charlie Makgold para acabar com
todo esse inferno, e, em recompensa, tiraremos seu sobrinho de qualquer
lugar em que esteja ― Johnatan diz pacificamente.
Messi o encara por um momento.
― Como posso confiar em você?
― Eu não faria uma viagem arriscada, vindo até esse inferno para pôr
em risco a vida da minha esposa exibindo-a assim, se bem que isso não
engulo até agora. Tampouco arriscaria minha equipe, por nada ― Johnatan
tenta controlar sua voz.
O mensageiro fica surpreso.
― Messi, você nos ajudando, significa que deve quebrar qualquer
laço de aliança absurda que tem com essa LIGA, começando com sua boate.
E qualquer traição...
― Você será morto por mim e seu sobrinho pela máfia ― Johnatan
me interrompe para deixar claro seu alerta.
― Não será tão fácil assim ― Messi diz pensativo.
― Dê seus pulos. Se quiser nos acompanhar, faça as coisas certas.
Ou, se não, sofra as consequências ― assim que Johnatan se levanta, ele me
acompanha até a porta, mas antes de sairmos, avisa: ― Estarei no hotel Ritz
Carlton até às oito da manhã, passou desse horário, não teremos nenhum
acordo. E, se falhar conosco, reze para não perder seu olho direito.
Ao abrir a porta, damos de cara com Matt.
― Alerta vermelho ― Matt anuncia fazendo Johnatan e eu nos
olharmos. ― Não permiti a entrada da mulher chamada Karoá, minha atitude
chamou sua atenção.
― Foi agora? ― pergunto.
― Sim.
― Hey! Não vão desligar essas coisas? ― Messi protesta atrás de nós
e nos viramos para encará-lo ainda sentado.
― Neste momento não estamos confiando tanto em você, mensageiro
― Johnatan dispara, depois se vira para Matt.
Mas logo vejo Karoá se aproximar. Pelos seus passos pesado e a
expressão fria, ela não está nada bem, atrás dela três seguranças a seguem.
― Peguem-nos! ― ordena.
Os seguranças se aproximam sem hesitar. Matt golpeia, com um
chute, um deles, que salta para trás pelo impacto. Outro tenta agarrar
Johnatan, mas é nocauteado com um soco na lateral do pescoço. Karoá me
encara perplexa, afastando-se quando Matt atinge o outro segurança.
Johnatan o ajuda, agarrando o homem mais baixo e acertando seu rosto com
um soco curvado, fazendo com que a sua cabeça bata contra a parede e seu
corpo desabe no chão.
― Eu sabia que você traria problemas ― Karoá diz ríspida,
avançando em minha direção.
Rapidamente, acerto seu estômago com um soco, fazendo-a se afastar
à procura de ar. Ela cambaleia para dentro do escritório e olha para o chefe.
― Karoá, deixe-os! ― Messi ordena.
― Está fora de si? ― ela grunhe nos olhando com ódio.
― Me obedeça! Dê ordens para os outros permitirem suas saídas ―
Messi fala com firmeza. ― Vamos, mulher, eu estou preso a uma bomba!
Distraio-me quando Johnatan aperta o ponto em seu ouvido e franze a
testa ao nos encarar.
― Só que os outros não são dos nossos, senhor ― Karoá informa,
mas ao mesmo tempo, escuto Johnatan soltar um palavrão em russo.
― O que foi? ― sussurro pra ele, vendo seus olhos escurecerem.
― Zander.
Assim que diz o nome, escutamos um tiro ecoar. Depois, vêm os
gritos. Mais três supostos seguranças correm em direção à sala de Messi,
quando notam nossa presença, avançam. Johnatan e Matt os afastam numa
luta frenética.
Estremeço, de repente, sentindo meu corpo enfraquecer. Caio de
joelhos e toco minha nuca, como se uma carga elétrica passasse por mim, me
enfraquecendo. Olho para trás, vendo vagamente Karoá com a arma.
Rapidamente, movo meu corpo num giro agachado e arrasto minha perna
esticada nas suas, fazendo-a cair no chão.
Em seguida, levanto-me, ignorando minha fraqueza, e, sem lhe dar
chances de se recuperar, golpeio-a com murros violentos. Karoá se defende,
empurrando minhas mãos agitadas, mas logo a afasto com um chute em seu
joelho curvado, ela grunhe de dor. Depois, com ajuda do salto, giro meu
corpo rapidamente, movendo minha perna esquerda em direção ao seu rosto.
A mulher cambaleia para trás, chocando-se contra os quadros da sala de
Messi antes de desabar no chão.
Por um momento, observo-a imóvel e logo confiro sua pulsação.
― Mine! ― a voz urgente de Johnatan me faz erguer as mãos em
defesa.
― Eu não a matei! ― me viro para ele, em seguida, relaxo. ―
Desculpe. Temos que ir.
― Esperem! Vão me deixar aqui? ― lembro-me de que Messi
continua ali.
Por outro lado, Johnatan confere seu relógio e percebo que
desbloqueia algo. Observo o mensageiro franzir o cenho ao se levantar
devagar.
― Vamos! Nectara e Cassandra estão nos dando cobertura ― Matt
informa com urgência. ― Há outra saída.
Escuto os gritos do outro lado, enquanto sou puxada por Johnatan.
― E as garotas? Temos que salvá-las! ― digo em desespero.
― Faremos o possível, Mine ― escuto Matt dizer, enquanto nos leva
para outra saída, não muito longe do escritório de Messi.
Ao passarmos por um curto corredor, consigo ter uma rápida visão
completa da boate por uma parede de vidro escura. As mulheres correm para
fora do lugar, enquanto homens lutam uns contra os outros. Há pessoas
caídas e logo localizo Cassandra e Nectara lutando com vários deles, assim
que nocauteiam um, não perdem tempo para lutar com outros que se
aproximam, dou-me conta de que elas os bloqueiam para não chegarem até
nós.
Quando as perco de vista, já estou do lado de fora. Estremeço com o
frio e fico surpresa pela chuva forte.
― O carro não deve estar muito longe. Vá ajudar os outros ―
Johnatan ordena para Matt, que dispara para dentro da boate novamente.
Agarro a mão de Johnatan, e caminhamos em linha reta pelo local que
parece um galpão aberto até paramos abruptamente quando algo cai à nossa
frente. Solto um grito ao ver o corpo de Camille se debater com a corda
amarrada em seu pescoço. Como um reflexo, vejo Johnatan arremessar uma
pequena faca em direção a corda, fazendo Camille cair.
Corro até ela e a puxo para longe da chuva. Observo que está muito
machucada e nua. Abraço-a, afastando a corda de seu pescoço, e a vejo
estremecer, agarrando-me, enquanto chora.
― O que está acontecendo? ― pergunta quase sem voz.
Olho para Johnatan, que franze a testa, observando o espaço pouco
silencioso. Ele retira sua jaqueta e me entrega para que eu cubra Camille. Em
seguida, toco o rosto machucado da garota.
― Saiam daqui! Agora! ― Johnatan ordena com firmeza. Seu tom de
voz é tão sombrio, que faz Camille estremecer ainda mais em meus braços.
Com minha ajuda Camille se levanta e se esforça para correr comigo
pela chuva. Ao olhar para trás, assusto-me com Zander se aproximando em
direção a Johnatan. Nas mãos do sádico há uma barra de ferro, ele a gira com
facilidade, esperando Johnatan, que caminha pela chuva em sua direção,
encarando-o com ódio. Aquilo não será nada bom, vai ser violento, vai ser
brutal...
― Droga ― murmuro aflita, enquanto puxo a garota cambaleante
para longe.
Sinto Camille agarrar minha cintura com força quando uma van se
aproxima e estaciona à nossa frente. Shiu abaixa o vidro nos encarando
assustado.
― ENTREM! ― ele grita.
Rapidamente abro a porta para ajudar Camille a entrar.
― Shiu, onde estão os outros? ― pergunto, olhando para trás e
ignorando a chuva que encharca meu corpo.
― Estão arrebentando! ― Shiu se empolga, ao mesmo tempo em que
se certifica se Camille está bem no banco de trás. ― Parece que Messi
manipulou alguns seguranças para ficarem do nosso lado. Está a maior
pancadaria ― ignoro sua animação, e nos assustamos ao ver Johnatan e
Zander brigando.
Aquilo é assustador, pior do que imaginei.
Entro na SUV de uma vez, interrompendo Shiu de sair. Sei que sua
intenção é boa, mas naquele caso, não.
― Não tem como sairmos daqui, não sem a equipe, muito menos
podemos nos meter em uma briga daquela ― digo, numa dúvida que me
choca, enquanto nos olhamos fixamente.
Shiu acena de acordo e, por um momento, vejo seus olhos puxados
cheio de emoção.
― Eu rompi o portão para que as mulheres fugissem. Alguns homens
também escaparam... Uh! Aquilo ali não está nada bom, Mine ― Shiu se
distrai, olhando para a frente.
Johnatan e Zander brigam, são como dois leões. O verme move sua
barra de ferro com uma velocidade assustadora, até mesmo atinge Johnatan,
mas meu amor não demonstra fraqueza. A chuva parece ser insignificante
para eles. Por outro lado, ambos são bons, são bem-treinados, pois se movem
em sincronia, defendendo-se e atingindo um ao outro. Quando os dois caem
no chão para se enfrentar, meu coração dispara, posso não escutá-los, mas
noto que um provoca o outro em palavras agressivas. Logo, escuto o rosnado
alto de Johnatan por cima da chuva, o que me faz arrepiar dos pés à cabeça e
meu coração palpitar.
Ao lado, no laptop, Shiu segue com seu trabalho, monitorando as
câmeras, ao mesmo tempo, alertando Dinka e James pelo ponto de ouvido
sobre as ameaças que os cercam. Em seguida, escuto Dinka ordenar para que
Shiu exploda uma das áreas interiores da boate.
Pisco meus olhos fixos à frente em agonia. Não é como das vezes em
que Johnatan enfrenta um inimigo. Algo em Zander o faz avançar com mais
fúria e meu coração dói ao pensar no que o infeliz esteja usando contra ele.
Imediatamente escutamos a explosão, mas nem mesmo aquilo faz os dois
homens se desgrudarem e meus pensamentos mais obscuros, junto com meus
pressentimentos, elevam-se: ou se separam ou um morre.
Apresso-me, verificando se Camille está bem. Ela está encolhida,
agarrada à jaqueta de Johnatan. No meu caso, sinto meus lábios tremendo de
frio, mas ignoro ao encarar Shiu.
― Consegue encontrar a ficha de Zander? Talvez tenhamos algo a
nosso favor... ― interrompo-me ao ver Zander erguer sua barra de ferro e
tentar acertar a cabeça de Johnatan. ― RÁPIDO! ― sinto como se meu
coração fosse sair pela boca.
A barra de ferro é cravada no chão e engulo meu pavor com força.
― Só um minuto ― Shiu se apressa, invadindo o sistema da LIGA à
procura de Zander.
Assim que encontra seu perfil, confiro freneticamente, sem perder a
atenção em Johnatan. Eu o vejo tenso e, ao mesmo tempo, sem controle
quando consegue agarrar Zander e arremessá-lo contra o chão, sua única
intenção é matá-lo, enquanto o mantém imobilizado.
― Talvez Zander esteja armando uma armadilha ― estremeço em
choque vendo um lado de Johnatan que nunca vi diante dos meus olhos.
― Ah... Merda... ― a voz de Shiu me chama atenção.
― O que foi? ― pergunto. Meus olhos vão para seu laptop, onde há
uma foto de Zander.
Na fotografia, ele está um pouco mais jovem, com o cabelo num
estilo militar, mas, ao lado das informações sobre seu perfil, está o que nos
chama atenção.
Arregalo meus olhos para a frente, vendo Johnatan acertar, a sangue
frio, Zander com brutalidade. Estremecida, chuto meus saltos e saio da SUV,
batendo a porta em desespero.
― MINE! ― ignoro o protesto de Shiu e corro pela chuva até eles.
Johnatan está pronto para matar Zander, agarrando a barra de ferro e a
erguendo.
― JOHNATAN! ― grito com todas as minhas força. ―
JOHNATAN, NÃO! PARE! ELE É SEU IRMÃO! NÃO FAÇA ISSO!
Grito alarmada, voando a mão sobre meu peito quando o vejo
arremessar a barra de ferro com tudo em direção a Zander e o escuto soltar
um rosnado agonizante.
39 – BASTARDO
No banho deixo que a água quente aqueça meu corpo e relaxe meus
músculos. Ao terminar, seco meu corpo e me enrolo em um roupão branco
felpudo. Em frente ao espelho, afasto o vapor com a mão, observando meu
rosto, enquanto seco meus cabelos com o secador.
Quando finalizo, saio do banheiro, travando meus joelhos no meio do
quarto, vendo Johnatan caminhar em minha direção, descalço e sem camisa.
Em suas mãos há um copo de suco de laranja com dois comprimidos. Sorrio
surpresa, mas antes que eu diga algo, ele aproveita para colocar os
comprimidos em minha boca e oferece o suco.
― Hum... ― engulo tudo com a ajuda do suco.
― Beba tudo ― obedeço sem pestanejar, ainda mais com seu olhar
atraente.
― Obrigada, está delicioso ― sorrio lambendo minha boca.
― Obrigado ― engasgo-me com seu sorriso torto.
― Eu quis dizer o suco ― tusso, rindo quando seu sorriso desaparece.
Ele caminha até a mesa para colocar o copo, observo que algumas
partes do seu corpo estão avermelhadas, assim como o lado esquerdo do seu
rosto, mas, graças a Deus, o pequeno corte é apenas superficial. Ao retornar
para mim, envolve seu braço em minha cintura, puxando-me para seu corpo.
Fico sem ar e me apoio em seu peitoral, enquanto encaro seus olhos com
intensidade.
― Vamos ver se isso é mais maravilhoso que o suco ― sua voz rouca
me arrepia.
Johnatan aproxima sua boca para sugar meus lábios primeiro, depois
me beija intensamente. Arrasto minha mão de seu peito até seu ombro,
puxando-o para mim. Sinto sua mão descer pelo meu corpo lentamente, como
se acompanhasse o beijo apaixonado. Logo o sinto apertar minha bunda com
força, fazendo-me pulsar e grudar-me ainda mais contra o seu corpo. Envolvo
meus braços ao redor do seu pescoço e o beijo desesperadamente,
demonstrando o quanto o desejo. Até que uma batida forte na porta faz
nossos lábios desgrudarem num som estralado.
Johnatan parece embriagado ao mesmo tempo embaraçado. Também
estou da mesma forma ao me perguntar como vim parar na cama tão
rapidamente. Johnatan se levanta apoiando-se com os braços no colchão,
enquanto encara para a porta fechada.
― O que é?! ― seu tom frustrado me faz rir.
― Serviço de quarto ― reconheço a voz de Shiu do outro lado.
Johnatan tenta se levantar, mas o seguro.
― Não, não. Espere... ― sorrio. ― Eu pedi por uma refeição,
estamos exaustos e com fome, certo? Então, por que não vai tomar um banho
rápido? ― sugiro, beijando-o rapidamente.
― O que eu não faço por você ― murmura, levantando-se. ― Só não
abro essa porta, porque estou... avantajado.
O comentário me faz rir. Levanto-me e sigo até a porta, fechando meu
roupão. Johnatan caminha para o banheiro e, assim que fecha a porta, abro a
minha.
Shiu está à frente com os olhos fechados, empurrando um carrinho de
aço.
― Olá, Shiu ― trago o carrinho para dentro do quarto.
― Eu interrompi, não foi? Olha, não foi minha intenção. Não queria
deixar o senhor Makgold mais nervoso do que já está. Eu tenho medo ― sua
desculpa rápida sai embaraçada. Isso me faz rir.
― Shiu, está tudo bem, não se preocupe. Ele está no banho ― vejo
seu olho direito se abrir com cuidado e logo suspirar em alívio.
― Menos mal. Ainda bem que você atendeu. Todos estão na sala de
TV, assim que chegou seu pedido, James me informou e eu trouxe ―
informa, inspirando fundo.
― Muito obrigada, Shiu. Até mais ― sorrio ao vê-lo sair
praticamente correndo.
Reviro meus olhos; em seguida, fecho a porta e empurro o carrinho
até a cama. Meu estômago ronca só de sentir o cheiro das comidas. Belisco o
pão, enquanto organizo os pratos preferindo a cama em vez da mesa de café
da manhã. Na segunda prateleira do carrinho encontro duas taças e uma
garrafa de vinho.
Sento-me na cama com a garrafa e o saca-rolhas. Ergo minha
sobrancelha na luta para abri-lo. Antes que eu tenha a brilhante ideia de pegar
a faca, Johnatan sai do banho com uma toalha enroscada no quadril e outra
em seu pescoço para secar os cabelos. A distração é imediata ao vê-lo
caminhar de volta para o quarto com todo seu corpo másculo com essência de
pós-banho.
― Está maravilhoso ― elogio, lutando com o saca-rolhas.
― Agora isso é para mim? ― sorri, secando sua nuca, aceno. ― E
quanto ao beijo?
Mordo meu lábio.
― Saboroso.
Sua testa franze quando encara minhas mãos.
― O que está fazendo? ― pergunta depois de afastar a toalha de seu
pescoço, deixando-a estendida na cadeira.
― Hum... Tentando abrir isso. Melhor usar uma faca ― digo
impaciente.
― Não, Roza, está fazendo errado ― diz, pegando a garrafa e o saca-
rolhas das minhas mãos.
Dou de ombros e pego as taças.
― Preferia gelado ― digo impressionada ao vê-lo tirar a rolha com
facilidade.
― Na verdade, normalmente você bebe em temperatura ambiente ―
Johnatan explica. ― E, quanto mais velhos, mais saborosos ficam.
― Eu não vou tomar coisa vencida ― falo com uma careta.
― Apenas prove ― ri.
Ergo as taças para que ele despeje o vinho branco.
Degusto o sabor do vinho suave e levemente doce. Johnatan se senta
ao meu lado para me observar.
― Ainda prefiro gelado ― digo rindo.
― Exigente ― sorri e se curva para beijar meus lábios. ― O que
temos para comer? ― a pergunta me faz corar, pois seus olhos famintos
descem por meu corpo.
― Salada de salmão, pães e sopa de legumes caprichada, senhor ―
mostro-lhe os pratos na cama. ― E, de sobremesa, salada de frutas.
Johnatan observa com uma careta. Ajusto-me na cama, cruzando
meus pés e pegando meu prato.
― É nessas horas que sinto mais falta de Donna ― escuto-o
murmurar.
― Não parece tão mal ― pego um pouco da salada com o garfo e o
sirvo na boca.
Johnatan prova, encarando-me descaradamente. Sorrio e volto para
minha refeição antes que perca o controle. Depois que terminarmos de nos
alimentar, colocamos as coisas de volta no carrinho e apreciamos o vinho até
a garrafa esvaziar.
Eu não tenho vontade de dormir. Nos poucos cochilos que tive, o que
me atrapalhava era o começo de pesadelos. Ao invés disso, fico rolando pela
cama pensativa. Johnatan teve que sair para conversar com Dinka sobre a
invasão, nós nem mesmo tivemos cabeça para nos reunir. Agora sem Shiu,
parece que tudo se complica.
Levanto-me da cama impaciente e saio do quarto, andando até a sala
de monitoramento. Encontro James sozinho, sentado e pensativo.
― Oi! ― cumprimento rouca, tendo sua atenção.
― Você deveria descansar. O senhor Makgold está com Dinka e Matt
― seu comunicado termina com um suspiro profundo.
Puxo uma cadeira e sento-me à sua frente.
― Eu não consigo ― admito sem ânimo. ― Tudo parece diferente
agora ― olho para os computadores desligados com tristeza.
― Fomos pegos de surpresa ― assente relutante, deslizando os dedos
em seus cabelos, como se estivesse exasperado. ― Mesmo assim, sabemos os
riscos que corremos.
― Não quero que isso aconteça novamente ― disparo com os dentes
apertados.
Ele me oferece seu sorriso complacente.
― O que aconteceu com Shiu poderia ter acontecido com qualquer
um ― assegura. ― Não podemos evitar, Mine, mas estamos todos juntos,
como Shiu disse, somos uma família ― sua lembrança me faz sorrir
brevemente.
― Por mais que nos arrisquemos, devemos ter mais cuidado ―
inspiro fundo.
― O que devemos fazer é seguir em frente e ajudar uns aos outros. Se
algo acontecer, devemos apenas nos lembrar da vitória conquistada e da
honra de estar fazendo parte disso tudo ― seu sorriso gentil me aquece, em
seguida, ele se curva para apertar minhas mãos em conforto. ― Não podemos
lamentar pelo inevitável, muito menos, desistir e deixá-los vencer.
Aperto meus lábios ao assentir de acordo.
― E como está Jordyn?
― Está dormindo agora. Também está em choque com tudo o que
aconteceu, mas ficará melhor ― assegura com um sorriso encantador.
― Fico feliz que a esteja apoiando ― sorrio.
― Para falar a verdade, gosto de vê-la fragilizada. Não que isso seja
uma coisa boa, mas me dá tempo suficiente para ficar ao seu lado e acolhê-la
― a confissão me faz sorrir ainda mais. ― Exceto, nas vezes em que ela está
atacada, isso eu apenas consigo suportar.
Pela primeira vez no dia, minha risada aparece, mesmo sendo ligeira.
― Jordyn é incrível. Você a ama ― digo com carinho.
― Sim, amo ― admite.
Uma tossida nos distrai. Jordyn se aproxima com os cabelos
bagunçados. Ela ignora, com uma careta, as provocações de James e se senta
em seu colo. Permaneço com eles até que, aos poucos, os restantes da equipe
aparece na sala de monitoramento, o ânimo de todos não é cem por cento,
mas estamos à procura de distração. Noto que Cassandra se aproxima de
Dinka e o abraça com força. Eu os assisto distraída, feliz ao pensar que se
reconciliaram em meio a tanta tristeza.
― Se quiserem, todos podem ir para casa. Lá vocês vão relaxar
melhor que aqui. ― Johnatan sugere, fazendo todos refletirem sobre a
proposta.
Levanto-me e sigo em sua direção para abraçá-lo.
― Concordo com você ― aceno, observando seu rosto sereno.
― Você não dormiu, não é? ― eu vejo a preocupação em seus olhos.
― Eu tentei ― admito, recebendo seus beijos em meus lábios.
― Vou cuidar de você assim que chegarmos à mansão. Você estará
mais confortável na tenda e com os cavalos ― Johnatan não poderia estar
mais certo.
― E com você ― completo, vendo seu sorriso; em seguida, ele me
acolhe em seus braços.
Depois de conferir se está tudo certo com minhas roupas, sigo até a
saída, dando de cara com Jordyn.
― Oi! ― pisco ao ser pega no flagra.
Ela franze a testa e me olha desconfiada.
― Oi! Bem... Eles já chegaram, temos que ser rápidos ― gagueja,
enquanto ajusto o ponto em meu ouvido.
― Perfeito. Vamos...
― Você está bem?
― Sim ― escondo meu nervosismo. ― Por que a pergunta?
Seu olhar duvidoso me deixa confusa.
― Parece diferente. Não sei... ― engulo em seco, mas logo minha
amiga ri e balança a cabeça antes de seguir para o andar de baixo. ― Queria
te pedir uma coisa...
Observo-a com cautela.
― Hum... O que você quer? ― pergunto desconfiada, enquanto
descemos as escadas.
Jordyn cora, sorrindo abertamente.
― Será que tem a possibilidade de dispensar James e eu quando tudo
isso acabar? ― ela pede sobressalta. ― É claro, se tudo der certo e não
precisarem mais da gente.
Inspiro fundo.
― Está pedindo permissão pra mim? ― faço uma careta.
Depois, paro para encará-la no meio da sala de entrada.
― Você é a senhora da casa. Quando o todo poderoso não está, eu
devo consultar a rainha do deserto ― em meio a tanto conflitos, a garota me
faz rir.
Aceno.
― Fique à vontade, Jordyn, mas espere até a poeira baixar. É bom nos
mantermos atentos ― pondero apreensiva.
― Obrigada, chefa.
― Jordyn! ― repreendo, vendo-a sair correndo.
― Vê se come alguma coisa na cozinha, Donna preparou uma
refeição antes de sairmos ― diz sobre os ombros.
Distraio-me quando Peter se aproxima.
― Espero que dê tudo certo.
― É o que mais desejamos, Peter. Por favor, cuide de Donna e Ian.
Qualquer coisa que dê errado, o sistema irá informá-lo ― peço a ele,
recebendo um aceno confiante.
― Não se preocupe. O K-Shiu já me assegurou dos planos por aqui
― Peter aperta meus ombros. ― Boa sorte!
― Obrigada!
Depois de comer uma refeição reforçada na cozinha, saio da mansão,
já atenta à movimentação de todos pelo campo. Dinka e Cassandra estão
próximos a um helicóptero camuflado, conversando com um homem. Ele usa
roupas escuras e um boné, pelas poucas rugas de expressão, aparenta ter
quarenta anos. Antes de me aproximar, sinto alguém puxar meu braço. Ao
olhar para trás, encaro meu pai dos pés à cabeça.
― Não pense que vai sair sem mim ― dispara rudemente, terminando
de carregar um fuzil.
― O quê? Papai? ― arregalo meus olhos.
― Como assim o quê, menina? Eu sempre disse que iria te proteger.
Agora mais do que nunca não vou te deixar sozinha, e sei que precisarão de
mais ajuda do que imaginam. Isso não é nenhuma brincadeira, filha! ― sua
fúria é justificável, mas no fundo, no fundo, encontro em seus olhos cinza a
preocupação. ― Não vou ficar aqui de braços cruzados pensando no pior.
Sua angústia faz meu coração se apertar e o abraço com força,
deixando-o que me aninhe em seus braços.
― Se eu pedir para ficar será perda de tempo, não é mesmo? ―
murmuro em seu peito.
― Se eu pedisse para você ficar, escutaria? ― rebate.
― Não.
― Então, sabe como nossos gênios funcionam ― seu comentário me
faz rir e o deixo se afastar para seguir os outros.
Estranhamente, impressiono-me ao notar que até meu pai possui um
ponto de ouvido, mas Karoá e Messi não. Agora, não acredito que tenha feito
os dispositivos antecipadamente.
― Shiu? ― eu o chamo, já recebo sua resposta em meu ouvido. ―
Por que Karoá e Messi não têm uma escuta como todos?
― Simples, senhora ― seu orgulho é intocável até mesmo para um
software avançado ―, eles precisam conquistar minha confiança. Ao invés
disso, seguiram com os outros nos setores combinados.
Balanço minha cabeça de acordo.
― Está certo ― pondero pensativa. ― E quanto ao meu pai?
― Ele está usando o do senhor Makgold. Eu autorizei. Edson irá
seguir na área externa para dar cobertura ― Shiu informa.
― Obrigada.
Volto a caminhar em direção a Dinka e Cassandra. Eles me
cumprimentam, enquanto eu observo o homem alto de aspecto forte.
― Olá, Mine! Esse é Marco Bergonzi, ele é o comandante da base
militar. O pai dele é chefe do exército e tem autorização para nos guiar até a
localidade do navio ― Dinka nos apresenta e aperto a mão do comandante.
― Meus amigos me contaram sobre o ocorrido. Tenho dois homens
de confiança fazendo a supervisão da aeronave até o local ― Marco numa
voz potente.
Observo.
― Se conhecem há muito tempo? ― minha pergunta é mais por
precaução.
― Sim, somos praticamente irmãos. Dinka e eu somos amigos desde
quando entramos para o exército. Eu também fui padrinho do casamento de
ambos ― Marco ri, noto Cassandra se encolher. ― Os dois já me ajudaram
muito, então, devo favores a eles.
― Eu agradeço a ajuda. Mesmo assim, não queremos o colocar em
problemas ― digo agradecida.
― Não se preocupe. Tenho anos de experiência e sei como funciona
um campo minado desse tipo. Eu estarei sobrevoando ao redor ― Marco
assegura como um profissional confiante, e volto a agradecê-lo.
Deixo-os se organizarem, enquanto fico entretida com a aproximação
de Lake. Sorrio para o cavalo caramelo ao encarar seus grandes olhos negros
e sinceros.
― Voltaremos em breve. Você e os outros cuidem de tudo por aqui,
ok? ― murmuro e o impeço de se curvar para abraçar seu pescoço.
Por questão de segurança, Nectara pede que eu já coloque um cinto
para a descida nas cordas resistentes assim que chegarmos ao navio; em
seguida, ela me passa luvas de choque específicas, criadas por Shiu. Observo
o tecido de couro, vendo pequenos sinais redondos por onde passam linhas,
os quais carregam as cargas elétricas. Não ouso nem me arriscar acionar o
acessório, não no momento.
Quando todos estão prontos, seguimos direto para o monstruoso
helicóptero e coloco meu cinto de segurança com a ajuda de Matt. Depois,
Shiu reforça as coordenadas para todos antes da aeronave começar a decolar.
O sistema explica, individualmente, o caminho que cada um seguirá.
Eu seguirei para a sala onde Johnatan se encontra. Ao que parece, os
membros da máfia o transferiram para outra área, mas até lá, tenho que tentar
fingir como se fizesse parte da LIGA e estivesse cumprindo funções.
Quando eu chegar à sala, nós teremos apenas meia hora para recuar
devido aos explosivos programado por ele assim que forem colocados na
parte interna onde estão os motores do navio.
Movo minha perna impacientemente, à medida que sobrevoamos para
fora de Queenstown. Escuto Marco e Cassandra darem os comandos de voo e
me distraio com o restante da equipe, preparando seus armamentos. Fico
surpresa ao ver uma bolsa de armas extras entre nós. Logo, recebemos a
informação de que estaremos próximos ao mar em meia hora.
Assim que a água domina nosso campo de visão, encaramos o azul
abaixo de nós.
― Localizamos movimentação próxima! ― Cassandra grita no banco
da frente, e a vejo pegar seu binóculo.
― Parecem querer desviar ― escuto Marco falar desconfiado, ao
mesmo tempo em que observa sua tela de monitoramento fixa no painel; logo
Shiu confirma para todos a hipótese.
Puxo o ar profundamente para conter minha preocupação. À minha
frente, meu pai toca meu joelho em conforto, dando-me seu olhar confiante e
amável. Sorrio brevemente e permaneço à espera até que estejamos prontos
para o ataque.
De repente, o sinal de aproximação é disparado, deixando todos em
alerta. Abaixo de nós está o navio em meio à imensidão do oceano. Com isso,
Shiu já notifica as movimentações na embarcação e vejo Matt, Dinka e meu
pai destravarem suas armas. Por outro lado, Marco nos comunica sobre a
proximidade do navio, na intenção de não prejudicar nossa descida pelas
cordas.
Ajusto meu ponto de ouvido, conectando-me com Shiu. Assim que o
helicóptero se aproxima do convés da embarcação, o sistema nos informa
sobre vigias na área externa. Dinka, Matt e meu pai apontam seus fuzis com
silenciador e atiram quando alguns deles começam a aparecer. Os homens
com fardas pretas caem antes mesmo de tentarem reagir.
Rapidamente, tiro meus cintos de segurança do banco e me preparo
para desder na corda, enquanto escuto Dinka explicar a maneira certa que
devemos agir, por mais que o dispositivo de rapel seja automático.
O navio de carga é maior que imaginei. Aproximo-me da porta aberta,
e, sem ter um comando ou o preparo dos outros, desço pela corta até meus
pés tocarem o solo do navio. Cassandra, Nectara e Jordyn descem em
seguida, e caminhamos, observando o local com atenção. Um homem louro
sai de uma cabine com um armamento potente, pronto para disparar em
direção ao helicóptero e é atingido na cabeça por James no momento em que
desce pela corda.
― Mine, não é melhor tentar entrar pela porta de emergência? ―
Nectara sugere ao meu lado quando notamos a porta de aço fechada, sabendo
que é o elevador principal, o qual dá para os corredores e a outra passagem
mais estreita dá para o segundo andar.
A porta de emergência, por mais que seja a de entrada mais curta, no
momento não seria uma boa escolha, considerando a movimentação de fácil
acesso ao convés. Por outro lado, o balançar do navio não é nada agradável
para mim.
― É melhor vocês seguirem pela outra passagem. Eu vou entrar pela
principal ― afirmo, caminhando à frente. ― Shiu, destrave as portas,
bloqueie qualquer tipo de acesso ou alerta. Mostre que tudo está intacto e
controle as câmeras de segurança.
― Já estou trabalhando nisso. Um deles deu alerta de invasão, mas
não chegou até a parte interna ― escuto-o.
― Ótimo. Agora me guie até Johnatan ― ao entrar no elevador
aberto, observo brevemente o restante da nossa equipe descer do helicóptero
antes da porta se fechar.
No elevador não há botões, muito menos algum painel especificando
o andar exato, por sorte, sinto-me tranquila por Shiu o estar operando.
Depois, assim que as portas se abrem, deparo-me com uma área plena, onde
estão caixotes empilhados e alguns homens distantes, ocupados com seus
afazeres em organizar o estoque.
― Aproveite a distração e siga direto ― Shiu ordena.
Obedeço, caminhando com confiança, sem demonstrar que sou uma
invasora.
― O que há nessas caixas? ― murmuro, até chegar a uma porta dupla
de aço forte.
― Armamentos ilegais ― aguardo poucos segundos, vendo as portas
deslizarem para o lado.
Assim que entro, dou de cara com um corredor branco e vazio.
Depois que as portas se fecham atrás de mim, continuo andando, sempre
atenta a qualquer ameaça.
― Johnatan continua isolado? ― averiguo.
― Sim, em outra sala. Agora, após passar por duas entradas, vire à
esquerda. Em seguida, vá pela direta, lá você encontrará uma escada de
poucos degraus. Caminhe até o final do corredor e vire à direita novamente.
É onde você vai encontrar um espaço amplo com pouca movimentação.
Então, deverá seguir para um corredor com a luz azul ― o sistema explica
tão rapidamente que noto precisar me concentrar ainda mais em suas
coordenadas.
― Johnatan está sozinho? ― preciso me preparar para não ser
surpreendida.
― Há dois vigias na porta ― inspiro nervosa só de pensar no que
deve estar acontecendo. ― Alguém ordenou que um membro fosse até a
câmera fria.
Lembro-me disso no mapa, mas não achei que fosse algo necessário,
não até agora.
― Para quê? ― murmuro sobressalta não pela informação, mas, ao
chegar ao espaço amplo, vejo Zander caminhar em passos firmes em direção
ao corredor da luz azulada.
Disfarçadamente, giro meu corpo em direção a outro setor para que
ele não me veja e sigo uma mulher ruiva de óculos com um jaleco. Estranho,
penso.
― Senhora Makgold, está indo na direção errada ― o sistema me
repreende como um GPS irritante. Ignoro, sabendo que a tal câmara fria
segue pela direção oposta da sala onde Johnatan se encontra.
Algumas pessoas com fardas passam por mim, enquanto finjo ser o
guia da mulher distraída, e as deixo seguir sem lhes dar um sorriso sequer,
sabendo que nenhum deles são corteses uns com os outros. Em seguida, a
ruiva para em frente a porta da câmera fria, na qual acessa o código e
rapidamente entra, sem me notar.
Disfarçadamente, aguardo ao lado da porta, observando-a pela fresta
de vidro se mover às pressas, colocando alguns frascos junto com as seringas
em um carrinho auxiliar. Pelo breve vislumbre que tive do local, não me
surpreenderia que aquilo fosse feito para medicamentos ilegais.
Coloco minhas luvas, pronta para a saída da mulher. Assim que
acontece, surpreendo-a por trás e aperto seu pescoço, ao mesmo tempo em
que impeço que a câmera se feche. Seu corpo estremece violentamente com o
choque e a escuto engasgar antes de cair no chão. Antes de empurrá-la para
dentro da câmera fria, retiro, às pressas, seu jaleco e os óculos, encontrando
em um dos bolsos uma estranha chave de três pinos e volto a guardá-la no
lugar, junto com minhas luvas elétricas.
― Shiu, desative a refrigeração do lugar e o código de acesso da
entrada e saída ― peço, assim que a porta se fecha, notando, pelo controle de
acesso, que a entrada de ar fria foi desligada.
No fundo, não acho que a mulher seja uma ameaça, já que a pouca
reação, tanto distraída, quanto embraçada, me fez refletir se ela foi obrigada a
fazer aquilo, mas, principalmente, porque em sua carteira, escondida em um
dos meus bolsos diz seu nome e a profissão de enfermeira em um asilo de
Queenstown. Por outro lado, não sei por quanto tempo ela permaneceu ali.
Olho ambos os lados ao caminhar disfarçada, deixando a ruiva
desacordada para trás.
― Ótimo disfarce senhora ― Shiu elogia.
― Como estão os outros? ― pergunto, retomando o caminho e
empurrando o carrinho até finalmente chegar ao corredor da luz azul.
― Dinka e James estão tentando controlar um batalhão. Messi e
Edson estão dando cobertura externa. Matt e Karoá estão a caminho da
entrada, pensando em se separar para despistar os vigias. Quanto à
Cassandra, Nectara e Jordyn? Elas estão à sua volta ― franzo a testa, mas
logo me distraio ao escutar alguém se sufocar.
Atrás de mim, vejo Cassandra matar um homem e o arrastá-lo para
longe.
Assim que chego à área da luz azul, avisto dois vigias no final do
corredor. Enquanto me aproximo, eles se afastam para minha entrada. Engulo
em seco e abro a porta quando é destravada por Shiu. Para minha surpresa, o
lugar é como uma cópia idêntica à cabine de interrogatório na Colmeia.
Exceto pelo fato de que há pouca iluminação e a sala principal é o único local
escuro.
Inspiro fundo e disfarçadamente, empurrando o carrinho até o canto
da parede. Há um aparelho ligado com luzes acessas como se estivesse em
volume de nível máximo. Uma entrada abrupta me faz erguer o corpo
rigidamente, mas mesmo sem olhar para trás, imagino que mais de uma
pessoa está na cabine.
― Ele parece reagir bem ― escuto uma voz rouca indagar e me
afasto, fingindo preparar a seringa depois de colocar as luvas descartáveis.
Um homem acima do peso vai até o aparelho e me seguro para não
buscar informações com Shiu.
― O aparelho é desconhecido não está conectado com o sistema ― o
sistema responde minhas perguntas silenciosas em meu ponto, engulo meu
nervosismo. ― Não há cabos de entradas.
― Me deixe sozinho com ele ― reconheço a voz de Zander, enquanto
permaneço em meu lugar apenas escutando.
― Mas, senhor... ― o homem tenta persuadir.
De repente, seguro minha respiração quando escuto o tiro estrondoso
atrás de mim. O corpo pesado do homem cai aos meus pés.
― Você! Ande logo com isso! ― Zander ordena para mim com
petulância.
Controlo minha fúria ao vê-lo entrar na sala de interrogatório.
Uma dupla de vigias entra na sala, carregando o homem morto fora
dali. Eu não quero nem imaginar o que eles são capazes de fazer para se livrar
do cadáver. Minha intuição não dura muito tempo, pois assim que giro meu
corpo, arregalo meus olhos. As luzes foram ligadas e Johnatan está sentado
em uma cadeira de aço com os braços presos. A blusa branca de gola V cola
em seu corpo molhado, assim como alguns fios de seu cabelo úmido em sua
testa. Noto que em seus ouvidos há um fone.
Quando Zander para à sua frente, vejo os olhos febris de Johnatan se
abrirem numa fúria intensa, posso até mesmo imaginar o quanto sua
respiração está extremamente sufocada. Estremeço.
― Shiu, peça para alguém despistar os dois vigias do lado de fora ―
sussurro depois de apertar o ponto em minha orelha para me conectar,
enquanto observo Johnatan pelo vidro, não fazendo ideia do que ele está
escutando.
Suas mãos apertam o descanso de braço e nem mesmo consigo
escutar o que Zander diz, pois, a sala é a prova de som. A mandíbula de
Johnatan trava com firmeza, enquanto fecha os olhos com força, seu rosto
está um pouco corado, como se tivesse sido agredido recentemente.
Estranhamente, a luz é apagada de novo e, rapidamente, sigo para dentro da
sala, empurrando o carrinho de cabeça baixa.
― Vamos para minha parte favorita? ― o tom malicioso na voz de
Zander me assombra.
Em seguida, no canto inferior da parede à frente de Johnatan, vejo um
televisor com uma gravação antiga. O vídeo parece ligado junto com o
aparelho da cabine. Meu espanto maior é quando Zander avança as cenas e
aumenta o volume.
― JOHN!!! ― tanto a voz da criança quanto da mulher são
horripilantes. Meu corpo vibra só de assistir à cena.
No vídeo, vejo um garoto caído no chão, de onde tenta inutilmente se
levantar, enquanto é cercado por homens que o agridem com brutalidade. O
garoto se arrisca em lutar, mas é interrompido no mesmo momento em que
sua mãe e sua irmã também o são. Quando a câmera corta para a criança e a
mulher sendo atacadas por outros homens, fecho meus olhos. É a cena mais
triste, mais revoltante, mais horrível que já vi em toda minha vida.
Ao escutar a risada de Zander, meu sangue ferve por sua falta de
compaixão. Não satisfeito, ele aumenta ainda mais o volume, fazendo
Johnatan soltar um rosnado doloroso. Viro-me quando Zander desliga o
televisor, deixando tudo escuro novamente, mas ainda com as vozes muito
familiares para Johnatan num replay infinito.
Agora, mais do que nunca, eu posso entender seu ódio, posso
entender como não conseguiu reagir para ajudar sua família. A raiva cresce
dentro de mim e me dou conta de que Zander, impaciente, aproxima-se em
minha direção depois de ordenar algo que não escutei, mas só percebo que
segurava o carrinho com força quando o arremesso às cegas, atingindo o
bastardo infeliz que cambaleia.
Sem lhe dar chances para reagir, alcanço a bandeja pesada do chão e
volto a agredi-lo, mas antes que isso aconteça, sinto-o puxar a bandeja da
minha mão e jogá-la para longe. O barulho é oco por baixo dos gritos dos
vídeos. Preparo-me concentrada, lembrando-me dos treinos que já tive no
escuro na Colmeia. Quando pressinto que está prestes a avançar, recuo e, no
mesmo momento, eu me abaixo para golpear sua perna brutalmente, fazendo-
o cair. Imediatamente, ordeno que Shiu ligue as luzes.
― Você! ― Zander olha-me com fúria ao tentar se levantar.
Percebo que os machucados em seu rosto não foram causados só por
mim, no momento em que atingi o carrinho, há outras feridas recentes. Por
outro lado, ele não parece surpreso com minha presença. Seus olhos cor de
gelo são frios e cheios de ódios. Tenta me atingir, mas sou rápida e bruta,
aproveitando que está de joelhos, para golpear sua cabeça com um chute,
onde cai para trás desacordado.
Rapidamente, corro até o televisor, arrancando os cabos. Inspiro
aliviada pelo súbito silêncio e logo vou até Johnatan para soltá-lo, notando
que as entradas das travas são do mesmo formato da chave que achei no
bolso do jaleco.
De repente, assim que retiro os fones de seu ouvido e o jogo para
longe, Johnatan, com os olhos apertados, se lança como um leão selvagem
em minha direção e afasto seus punhos fechados em socos diretos até sentir
meu corpo grudar-se contra a parede.
― Johnatan... Não! ― peço desesperada e o abraço com força.
Sinto seu corpo enfraquecer imediatamente; em seguida, seus braços
me seguram como se eu fosse sua salvação.
― Minha Roza. Você está aqui! ― o alívio em sua voz aperta meu
coração.
Eu o abraço com força, desejando tirar as imagens horríveis que
tornou a presenciar.
― Sim... ― digo ao me afastar para encher seu rosto de beijos até
encontrar seus lábios. ― Não poderia ficar de braços cruzados. Por que não
me disse seus planos?
Lentamente, seus olhos se abrem um pouco apreensivos.
― Já se arriscou demais estando aqui. Tenho que te manter longe
disso.
― Lá se foi a tranquilidade ― reviro os olhos e me encolho ao
receber seu olhar repreendedor. ― Certo, temos que ir. Já adianto que não
temos muito tempo.
― Sim. Shiu está operando? ― ergo minha sobrancelha para ele.
― Pergunto-me por que não me disse isso antes também? ― saio de
seus braços, deixando-o se afastar.
― Tudo aconteceu rápido demais ― Johnatan responde, verificando
os bolsos das roupas escuras de Zander para pegar as armas, olhando o corpo
do bastardo com ódio.
― Em casa conversamos sobre isso, senhor meu marido. Agora, não
se preocupe com ele. Em breve, esse navio vai afundar ― para minha
surpresa, noto um sorriso perverso em seus lábios.
― Só você para me tirar do inferno em que me encontro, amor. Estou
orgulhoso ― meu coração dispara aquecido por seu elogio.
― Você está bem? ― pergunto ao sairmos da sala de interrogatório e
seguirmos direto para a saída da cabine.
Johnatan fecha os olhos brevemente.
― Por enquanto, não quero pensar nisso. Não há tortura pior do que a
que acabou de acontecer ― desabafa e toco sua face um pouco corada.
― Te machucaram.
― Isso não é nada do que senti ao relembrar o passado. As
provocações de Zander não me atingiram tanto quanto aquilo ― confessa,
inspirando o perfume em meu pulso.
― Eu sinto muito. Não pensei que fosse tão... É melhor irmos ―
balanço minha cabeça, não querendo ver a tristeza em seus olhos e deixo que
abra a porta para que eu saia primeiro, agradecida pelos vigias não estarem
presentes.
Antes de Johnatan sair, ele observa a porta atentamente. Franzo a testa
quando aponta para um pequeno sensor no teto, o qual se reflete para as luzes
azuis. Toco o ponto em meu ouvido para me conectar com Shiu.
― Shiu, desative... ― Johnatan ergue seu dedo me interrompendo.
O alarme ensurdecedor dispara por todos os lados.
― E bom mantê-los em alertas. Quanto tempo, temos? ― Johnatan
pergunta.
Engulo em seco, eu não esperava por aquilo.
― Meia hora ― respondo com a mão na barriga.
Johnatan percebe o movimento, meu sangue gela.
― O navio está te deixando enjoada? ― sua observação faz meu
sangue gelar.
Nego com a cabeça relutante.
Um grupo de homens armados se aproxima e corremos quando os
disparos são feitos em nossa direção. Não é nada parecido com o que tivemos
que enfrentar no subterrâneo. Há mais homens aqui do que no prédio. Eles
disparam sem hesitar. Quando corremos para outro corredor oposto, mais
grupos aparecem e nos afastamos para proteger nossos corpos. Johnatan
destrava a arma já atirando, enquanto eu arranco três pequenas facas da
minha manga e arremesso.
― POR AQUI! ― escuto Dinka gritar no final do corredor e o
seguimos.
Cinco homens nos interrompem e Johnatan luta com dois deles,
enquanto Dinka mata o restante. Pela minha visão periférica, vejo um outro
indivíduo se aproximar, atento, e rapidamente cravo uma das minhas facas
em direção à sua mão, sabendo que ele estava prestes a atirar em Johnatan.
Dinka o mata com um tiro na nuca.
― Estamos cercados ― Shiu informa no ponto e Dinka me observa
perplexo.
Mesmo exasperado, Johnatan consegue nocautear outro homem,
jogando-o no chão brutalmente. Impressiono-me ao perceber que lutou com
mais de três ao mesmo tempo, é bem provável que apareçam mais deles.
Minha teoria só dura meio segundo quando mais tiros disparados me fazem
curvar e correr até outra parede para me proteger. Assim que Johnatan fica à
minha frente, assusto-me com seu braço machucado.
― Te acertaram ― digo sem fôlego.
Johnatan olha para seu braço esquerdo.
― Só foi de raspão ― seu olhar me examina para ver se eu também
estou ferida.
Mal temos tempo e os tiros contínuos me deixam em alerta, enquanto
Dinka consegue acertar mais deles com agilidade, dando-nos cobertura.
― É melhor seguirem reto. Eles estão bloqueando as saídas ― Dinka
desconfia.
Assentimos de acordo, logo Johnatan se mantém à minha frente como
proteção, mas, de repente, somos surpreendidos por uma arma apontada.
― Você vem comigo ― Karoá dispara, fazendo meus olhos se
arregalarem.
51 – DUELO
― Não pode fazer isso. Se for para sair daqui, vamos sair juntos ―
retruco, mas engulo em seco quando Johnatan me encara com os olhos sérios.
― Eu mandei você ir com eles. Estarei com você em alguns minutos.
Será que é difícil para você entender que estarei mais preocupado com você
aqui? ― sua bronca é como um tapa na minha cara.
Em seguida, Johnatan suspira e toca meu rosto.
― Amor, por favor. Eu sei o quanto você quer me ajudar... Acredite,
você me ajuda sempre. Mas, às vezes, é preciso pensar como nos sentimos
quando não podemos nos proteger, sabendo que tudo está um caos e o tempo
corre às pressas. Essa é nossa chance de estarmos livres.
Seguro meu choro e inspiro fundo, enquanto olhos em seus olhos.
Pior seria se eu revelasse... Balanço minha cabeça ao me dar conta da minha
situação.
― Certo ― digo relutante. ― Mas entenda que não vou me sentir
nada bem sabendo que continua aqui dentro ― deixo-o me abraçar e beijar
minha testa.
― Eu prometo estar com você em breve ― garante antes de beijar
meus lábios ternamente. ― Faremos o seguinte, nós nos encontramos no
andar superior, você viu o mapa desse lugar. Lá tem uma espécie de galpão
que dá direto para a saída. É mais seguro e com pouca movimentação ― de
algum modo, Johnatan tenta não ser tão duro comigo.
Afasto-me com os lábios apertado, evitando de olhá-lo, mas é
impossível, pois ele também me observa com a mesma intensidade. Antes
que eu dê mais um passo à frente, onde Daniel me aguarda, volto correndo
para Johnatan e o abraço com força. Seus braços me seguram, fazendo meus
pés saírem do chão. Acaricio seu rosto e sorrio ao ver seu sorriso tranquilo.
― Eu te amo! ― sussurro ao beijá-lo com amor.
― Não tanto quanto eu amo você, minha Roza ― sussurra em meus
lábios.
Relutantemente nos separamos. Em seguida, volto a caminhar até
Daniel, sem olhar para trás.
O agente me dá cobertura, enquanto mais membros da LIGA se
aproximam. Um deles me surpreende, mas o golpeio com um chute no joelho
e empurro sua arma para longe. Antes que eu o nocauteie, Daniel o mata.
Frustrante.
O tremor do lugar volta, dessa vez com mais força, e tento me
encostar na parede. Pulo para o lado quando a estrutura do teto cai entre nós,
separando-nos. Logo, as luzes do navio começam a falhar, deixando-me
preocupada.
― Senhora Makgold?! ― Daniel chama em alerta, e tusso pela
poeira.
― Eu estou bem ― asseguro, mas não consigo vê-lo.
A movimentação do navio já começa a me dar náuseas.
― Caminhe à frente, vou encontrá-la em breve. Por favor, tenha
cuidado ― o agente pede e corro sem perder minha atenção às ameaças ao
redor.
Até que outro vigia corre em minha direção; mesmo machucado, ele
está desesperado. Mantenho meu corpo firme, tendo o cuidado ao me mover.
Tenho um vislumbre dele arrancar de suas costas dois machados. Defendo-
me para não ser atingida, observando sempre os pontos precisos para abordá-
lo.
Seria arriscado demais serpentear por seu corpo como eu gostaria, por
isso, aproveito uma brecha da sua distração, com seu machado cravado na
parede, para golpear sua costela com um chute violento. Ele grunhe numa
língua diferente e desiste dos machados para lutar comigo.
Afasto uma de suas mãos frenéticas e puxo a outra para quebrá-la,
num giro impulsionado pelo meu corpo, escutando-o gritar de dor antes de
cair. Aproveito sua impotência para agarrar seu cabelo e chocar sua cabeça
contra o chão, deixando-o desacordado. Rapidamente, alcanço o outro
machado, que está no chão, e me atento ao raso vazamento de água que se
aproxima. Assustada, volto a seguir meu caminho.
― SOCORRO! ― um grito me faz parar abruptamente e encarar um
pequeno corredor com luzes falhando entre o teto rachado.
Caminho devagar, atenta aos barulhos de objetos caindo no chão.
Detenho-me na entrada para espiar. Zander mantém Jordyn presa em suas
mãos, apertando seu pescoço e arremessando-a para longe.
― Onde está seu chefe?! ― o ódio de Zander é mais explícito do que
antes.
Jordyn puxa o ar com força e luta contra Zander quando ele volta a se
aproximar para machucá-la. Seus golpes ágeis parecem leves, entretanto o
infeliz está alheio aos seus movimentos. Quando derruba Jordyn com
violência mais uma vez, assisto-o caminhar com um sorriso zombeteiro e
pegar uma espécie de adaga longa que estava caída no chão.
Aperto o machado em minhas mãos pronta para arremessá-lo, mas
sou distraída com a chegada de James que o afasta numa luta bruta. Zander
não recua, mantendo sua atenção em matar Jordyn, que tenta se manter de pé.
James grunhe ao impedi-lo, enquanto Zander aperta a adaga com força,
movendo-a em direção a Jordyn.
Alarmada com a situação, arremesso o machado que seguro de uma
vez. Para meu espanto, Zander pega a tempo e retorna o machado para mim.
Abaixo-me rapidamente, vendo o machado cravar contra a parede acima da
minha cabeça. Inutilmente, mesmo se eu for arremessar minhas facas ou um
dos meus dardos, isso não vai fazê-lo parar e eu me arriscaria demais se
lutasse com ele junto com minhas espadas.
― NÃO! ― o grito fino de Jordyn me dá calafrio.
Ao levantar meu olhar estremeço dos pés à cabeça com James
encarando Zander com os olhos arregalados. Zander puxa a adaga
atravessada na barriga de James antes de empurrá-lo para o chão. James tosse
sem qualquer reação e Jordyn corre para socorrê-lo.
― PARE! AGORA! ― ordeno com rancor, levantando-me sem
pensar para mantê-lo longe de Jordyn.
Quando vejo voltar a erguer a adaga ensanguentada para atingir
Jordyn, saco meus cabos e os fixo em cada lateral de seu tronco, acionando as
lâminas, ouvindo o rasgar de sua carne interna. Os movimentos de Zander
param por ali, o sangue escorre de sua boca assim que me olha nos olhos sem
nenhum remorso, mas é quando me dou canta de que ele usa o pouco do seu
tempo para virar a adaga para mim.
Em seguida, eu me assusto com um tiro alto, que empurra sua cabeça
bruscamente para trás. Ao olhar atrás de mim, vejo Daniel abaixar sua arma.
Eu sinto meu corpo gelado assim que recuo minhas lâminas e vejo Zander
cair de costas com um tiro na cabeça, o sangue que se espalha é como uma
possa horripilante.
Olho para meus cabos em minhas mãos trêmulas ao pensar que, pela
primeira vez, matei alguém e rapidamente guardo-os no lugar, assim que me
distraio com a presença de Daniel à minha frente. Puxo o ar com força, pois
não tenho tempo de assimilar tudo e corro para James.
― James, aguenta mais um pouco, temos que sair ― Jordyn pede em
desespero e me olha com os olhos cheios de lágrimas. ― Não podemos
deixá-lo aqui!
James tenta falar algo, mas apenas tosse e tenta puxar o ar. O sangue
encharca sua roupa. Seu rosto perdeu toda a cor e seus olhos piscam,
lentamente enfraquecido.
Acaricio seu rosto na tentativa de conter minha aflição.
― Você vai ficar bem... ― minhas palavras estremecidas são
automáticas.
― Temos que ir ― Daniel nos lembra e o encaro com lágrimas nos
olhos.
― Tem que nos ajudar a tirá-lo daqui ― imploro, vendo-o recuar.
― Senhora Makgold, essa não é minha função. Ele não vai
sobreviver.
Eu quero brigar, quero protestar, quero exprimir toda minha revolta,
mas não há forças em mim diante da situação.
― E quem é você para dizer algo assim?! Nós nunca deixamos um
membro da equipe para trás. Dane-se suas funções! Se ele ficar, eu também
fico! ― Jordyn grita com ódio.
Tento tocar seu ombro, mas ela recua para abraçar James em
desespero. Olho para cima, vendo Daniel observar a cena com relutância.
― Você consegue carregá-lo. Ele precisa mais de proteção do que eu
― peço sem qualquer esperança.
Daniel solta um suspiro exasperado.
― Se quer que eu ajude... Me dê licença ― dispara em tom ríspido.
Jordyn se afasta e deixa que Daniel cuide de James, amarrando uma
cinta firme acima da ferida. O agente se esforça ao máximo para colocar
James em seu ombro e Jordyn o ajuda com cuidado. Depois, eu o escuto
informar sobre o ferido em seu rádio, enquanto o seguimos para fora,
deixando Zander morto para trás, em sua poça de sangue.
Homens da equipe SWAT se aproximam para ajudar Daniel com
James. Jordyn os segue, e caminho preocupada com as luzes falhas. Nós nos
seguramos quando o navio volta a estremecer bruscamente, o som das
estruturas é ainda mais assustador.
― SAIAM DAQUI! ― Daniel grita, de repente, quando mais
membros mafiosos aparecem, atirando incansavelmente.
Uma explosão na entrada ao meu lado faz Daniel me empurrar
gentilmente para o chão e me proteger.
― MINE! ― escuto a voz de Jordyn ao longe.
Não enxergo ninguém devido à fumaça, mas prendo a respiração para
não a inspirar, o zumbido em meu ouvido me deixa incomodada. Sigo às
cegas, puxando minha blusa para meu nariz e não encontro Jordyn. Corro
ligeiramente, sabendo que me perdi deles e tento me lembrar de em qual setor
me encontro. Assim que me livro da fumaça, solto a respiração e avisto uma
escadaria para uma área superior. Sigo até ela, deparando-me com o galpão
que Johnatan havia mencionado.
É como na planta que vi no sistema. O lugar tem um centro aberto e
posso escutar, mesmo de longe, o barulho de helicópteros e as explosões.
Meu desespero parece inacabável ao me preocupar em como está o restante
da equipe, bem como Johnatan.
Caminho pelo galpão amplo até chegar ao teto aberto. O lugar
conservado é equipado por pilhas de canos e barrar extensas de ferros
potentes que se prendem apenas por correntes nas laterais. Franzo a testa,
lembrando-me sobre os tais armamentos e talvez boa parte da produção seja
relacionada a isso. Em seguida, atento-me para um movimento de uma porta
sendo fechada. Olho em alerta e vejo Johnatan se aproximar com cautela. O
alívio me invade imediatamente.
― Mine... ― ele diz como se tirasse um peso de suas costas, dando-
lhe conforto.
Sorrio emocionada e corro até ele, pronta para despejar todas as
minhas inseguranças, mas sou interrompida por um tiro em meu ombro,
fazendo-me cambalear e cair para o lado. Apoio-me no chão, em choque, ao
ver a bala cravada em meu colete. Olho na direção em que ocorreu o disparo.
Alguém se aproxima, jogando algo no chão e batendo palmas. Johnatan rosna
e fica imóvel.
Charlie Makgold aparece na luz, revelando seu sorriso para Johnatan.
Ele nem mesmo parece ter tido problemas devido ao caos que se encontra em
seu navio. Suas roupas escuras e seus sapatos engraxados parecem intocados.
Claro, são suas marionetes que fazem isso por ele.
― Como é bom te encontrar depois de tantos anos ― Charlie admite
com petulância. ― Como vai, filho? E você, minha nora? Parece bem melhor
depois da última vez que a encontrei ― a malícia em sua voz faz meu
estômago se embrulhar.
― Não dirija a palavra à minha esposa. Você não tem esse direito ―
Johnatan dispara, os pelos da minha nuca se arrepiam por sua frieza. ― E
quanto a mim? Estou pronto para acabar com você.
Charlie ri assentindo. Querendo ou não, ambos se aparecem
fisicamente.
― Estou esperando por isso ― o ódio em meio às suas palavras são
explícitas.
Johnatan mantém os olhos em chamas no pai. Engulo meu pânico e
sinto minhas pernas tremerem com o reencontro. Johnatan não responde, mas
sua expressão é a mais sombria que já presenciei. Não há qualquer tipo de
piedade, muito menos compaixão. É como se fossem dois inimigos muito
poderosos que precisam ser eliminados.
Sem que eu espere, ambos avançam, depois de recarregarem suas
armas, mas, antes, lutam com velocidade, atingindo um ao outro com golpes
fortes e brutais. Johnatan não esconde sua raiva, rosnando e não deixando que
seu pai o provoque com palavras sujas. De repente, eu me assombro quando
levantam as armas, parando-as uma contra a testa do outro, prontos para
dispararem.
― ATIRA! ― a ordem firme e furiosa de Johnatan me faz
estremecer.
Meu coração se desespera ao assistir ao duelo.
52 – OLHO POR OLHO
O ódio nos olhos de ambos é tão notável quanto fatal. Aperto meus
olhos, enquanto eles apertam o gatilho. De imediato, escuto apenas um clique
das armas descarregadas. Pisco surpresa, mas antes que meu alívio tome
conta do meu corpo, Charlie acerta uma coronhada na cabeça de Johnatan,
afastando-o e jogando sua arma para longe.
Assim que Johnatan se recompõe, ambos circulam, de punhos
cerrados, antes de se atacarem numa luta livre. Meu coração se amedronta ao
presenciar a brutal briga entre pai e filho. Eles conseguem acertar um ao
outro com golpes rápidos, profissionais e, ao mesmo tempo, violento. É uma
verdadeira luta de inimigos em um campo perigoso. Os acertos estalados e o
grunhido raivoso de cada um me fazem estremecer no chão e me encolher.
Outra explosão, dessa vez mais próxima e forte, faz o chão sacudir no
momento em que me seguro em meu lugar ao tentar me manter de pé.
Johnatan e Charlie não se importam com o ocorrido. Como se aquilo fosse
incapaz de afastá-los depois de tantos anos, reflito horrorizada.
Meu medo se intensifica ainda mais, quando Charlie derruba
Johnatan, mantendo-o de joelhos, pronto para matá-lo, mas meu marido
revida com a mesma fúria, atingindo uma das pernas do pai com o cotovelo e
a lateral da mão, não permitindo que Charlie seja mais forte que ele. O golpe
é tão forte, que me faz saltar para trás e me assustar com um corpo de um
vigia morto próximo à pilha de ferros.
Controlo meu estado emocional, pois devo agir rápido antes que o
pior aconteça. Distraio-me por um minuto ao escutar o rosnado furioso de
Charlie. Ele parece frustrado, enquanto os dois voltam a circular, avaliando o
ponto mais fraco do oponente.
― Olhe só para você. É como eu, não se abate tão facilmente ―
Charlie articula sem fôlego e afasta o sangue que escorre de sua boca
machucada.
Assim como ele, Johnatan também tem o rosto corado, mas com
machucados superficiais.
― Não me compare a alguém tão desprezível feito você ― Johnatan
arfa em tom firme, sem perder qualquer controle do seu corpo rígido.
― Você é meu filho. Tem meu sangue. E... muitas coisas que me
pertencem ― o mafioso infeliz dispara no mesmo tom do filho. ― Johnatan,
Johnatan. Se tivesse se juntado a mim...
― E me transformado como Zander? ― meu marido rebate em tom
zombeteiro e balança sua cabeça.
Charlie sorri, demonstrando brilho em seus olhos antes de dizer
satisfeito:
― Ele era apenas um bastardo, uma peça chave nada importante.
Aliás, eu o encontrei morto, pena que fizeram isso antes de mim.
Fico chocada ao escutar o prazer em aniquilar as pessoas em seu tom
de voz, mesmo sendo aquele que tenha o eu próprio sangue. Sacudo minha
cabeça e aproveito que eles apenas se provocam para procurar alguma arma
no vigia morto, enquanto não me torno o centro das atenções.
― Me diga! O que te leva a fazer algo assim? Qual o prazer em
destruir, ferir e matar pessoas, entre elas sua própria família?! Que espécie de
humano é você que enxerga apenas coisas materiais e fortunas? Fortuna essa
que não foi com seu esforço, claro, que foi roubada dentro das suas sujeiras?
― Olha só quem fala. A pessoa que acaba de roubar o próprio pai.
Não se vanglorie tanto, garoto! ― a voz ríspida do infortunado faz meu
sangue ferver.
― Jamais vou me vangloriar para alguém que obriga pessoas a
chamá-lo ridiculamente de Mestre! Não pense que, de alguma forma, vou
usar o dinheiro sujo para meu benefício! ― Johnatan deixa claro sua posição,
destacando sua raiva. ― Aceite, Charlie. Você é um perdedor, sempre foi,
mesmo que tenha conquistado um serviço criminoso com trabalho desonesto,
você é o tipo de homem que não valoriza o que tem. Não valoriza uma
família e coloca sua ambição acima de suas escassas conquistas.
Vergonhosamente, você vive à custa dos outros. É um incapaz, um impotente
que não consegue ter seu mérito reconhecido, porque é imprestável! Nada
que me lembre você me traz orgulho, nada em você me faz ter pena ou
compaixão. Apesar de que, nem mesmo você tem esse tipo de sentimentos,
não é verdade?
É como se Johnatan tivesse guardado suas palavras durante muito
tempo, deixando-as serem soltas com uma bola fervente contra o opressor.
Ao invés de usar as provocações de Charlie contra sua existência, ele não só
se pôs como exemplo, como também se colocou de modo geral junto àqueles
que foram vítimas inocentes.
Mesmo que lhe doesse relembrar tudo que já viveu ao estar frente a
frente com o homem que passou dia após dia tentando destruir sua vida, mas
as palavras retrucadas em si contêm a força de destruir um ego hostil. Meu
coração se enche de orgulho ao escutar meu marido agir com inteligência,
fazendo-me admirá-lo ainda mais.
― John... Você sempre foi assim. Culpa da inútil de sua mãe por
mimar demais e colocar limites estúpidos em você e na pirralha da sua irmã.
Vocês nunca tiveram orgulho próprio. Nenhuma ambição...
― Não use sua boca imunda para citá-las. Você não teve nenhuma
piedade. Foi ardiloso, frio, calculista, covarde, cruel... Tão cruel a ponto de
deixar que ferisse uma criança! DEIXOU QUE FERISSEM A SUA
PRÓPRIA FILHA! ― Johnatan cospe cada palavra com tanto fervor, que as
veias de seu pescoço saltam.
Por outro lado, o tal Mestre fica satisfeito por tirar seu filho do sério.
― Olha o homem que você se tornou? Por mais que me esforçasse ou
ficasse impressionado com sua evolução ao tentar te capturar, agora,
observando bem, vejo que está enfraquecendo ― Charlie analisa com calma,
enquanto engulo meu nervosismo ao notar que o chão começa a se mover
para a direita sinuosamente. ― Talvez seja por se envolver com uma mulher
sem conteúdo. É por isso que se tornou tão... insignificante? O que um amor
estúpido não faz com o ser humano, não é mesmo? Deveria ter continuado
com a vida que começou a te pertencer desde seus dezesseis anos. As
mulheres com quem se divertia para conseguir chegar até a mim eram
numerosas.
As objeções do desgraçado deixam meu corpo mais tenso e atento.
Paro de vasculhar a farda do vigia já com a arma em minhas mãos, enquanto
sinto os pelos da minha nuca se arrepiarem em alerta. Um rosnado de
Johnatan me estremece. Rapidamente, eu me curvo quando um tiro é
disparado em minha direção, acertando um dos ferros ao meu lado.
Abaixada, olho para trás e vejo Johnatan o afastar para longe como
um leão enraivecido, jogando a pistola no chão. Charlie sorri ao ver a ira
exposta do filho e sei que suas provocações foram propositais, para deixá-lo
vulnerável.
Johnatan o mantém por baixo do seu corpo e o golpeia no rosto com
ferocidade. Mesmo Charlie estando machucado, ele parece não se importar
com a fúria do filho. Em defesa, Charlie o joga para o lado e ambos rolam
sem desgrudar um do outro. Logo miro a arma pronta para atirar, mas os dois
se movem inquietos.
No primeiro momento, tento acertar em Charlie, só que acabo errando
o alvo. Com isso, o barulho chama sua atenção, e o vejo tentar alcançar sua
outra arma de sua bota, a qual é jogada para longe de seu alcance. Johnatan o
afasta, mantendo-o de joelhos com esforço e chocando sua cabeça contra a
dele.
Charlie pisca desorientado antes de cair no chão. Em seguida,
Johnatan não lhe dá tempo para reagir e o pressiona contra o piso novamente,
só que, dessa vez, para estrangulá-lo. Charlie engasga e ergue seus braços
para afastar Johnatan, que recebe os golpes fortes sem se importar.
― Me matar... só vai fazê-lo ser igual a mim... Não somos tão
diferentes ― Charlie se esforça para dizer entre seu sufoco.
Johnatan fica imóvel, encarando-o com ódio e, ao mesmo tempo,
absorto em pensamentos.
― Você é doente. Um ser humano sem alma. Sem coração... Sem
amor! ― Johnatan arfa entredentes.
O infeliz tosse rindo, seu rosto já começa a mudar de cor devido ao
aperto.
― Um dia vai me entender e saber o quanto somos parecidos. Pense...
― puxa o ar com força ― Pense bem, sua mãe e sua irmã já foram nossas
peças descartadas. Estamos, estamos no mesmo jogo... Queremos liderar,
queremos aquilo que vai nos tornar donos de uma nação.
Aquilo é o limite para Johnatan que sai do controle e soca seu pai
brutalmente. Charlie tenta revidar, golpeando Johnatan no estômago e, antes
que eu volte a atirar, distraio-me com um barulho assustador. Johnatan
também se atenta ao que acontece e me olha brevemente em alerta.
Quando ousa correr para mim, Charlie o puxa para longe.
Rapidamente, corro até as correntes, segurando-as com esforço quando o
navio começa a se curvar. A água invade o lugar como uma explosão à
direita, onde estão Charlie e Johnatan. Os dois se seguram para se manterem
no lugar.
Seguro-me com firmeza em uma das correntes, ainda mantendo a
arma em minha mão direita, o corpo do vigia cai para baixo até sumir na água
invasiva. Um barulho próximo me chama atenção e ergo meus olhos, na área
aberta onde me encontro, vejo o helicóptero de Marco se aproximar,
procurando a melhor forma de se locomover para nos resgatar.
O navio se curva ainda mais com o peso da água. Ao olhar para baixo,
assusto-me, pois Johnatan é puxado mais para o fundo por Charlie. A
preocupação nos olhos febris de meu marido está em mim segura nas
correntes. As luzes do galpão piscam e se apagam, deixando apenas a
claridade aberta do navio iluminar o lugar.
O barulho do navio se movendo, pronto para afundar de vez, causa-
me pânico. Um rosnado de Johnatan me chama atenção, ambos lutam,
arrastando-se próximos da água.
Controlo minha respiração acelerada e observo o local onde me
seguro com firmeza, em seguida, solto uma das minhas mãos brevemente
para mirar a arma na estrutura à frente, onde as correntes seguem presas aos
ferros, e atiro, arrebentando algumas delas. Subitamente, as enormes e
grossas barras de ferro caem de uma vez, e me protejo a tempo.
― JOHNATAN! ― grito desesperada para que ele tenha cuidado.
Ele recebe meu chamado e pula para o lado, segurando-se em uma
barra de escoramento na parede. Charlie também se salva ao mesmo tempo,
louco para agarrar o filho e jogá-lo em frente às enormes barras que caem
violentamente e se afundam na água. É desesperador escutar um estalo no
navio, o que me faz me desequilibrar, mas me mantenho segura na corrente.
Charlie ergue seu olhar para mim assim que miro a arma em sua
direção, quando aperto o gatilho, percebo que está descarregada. O sádico
sorri sombriamente até que noto que ele resgatou sua pistola carregada,
mirando-a para cima. Imediatamente, Johnatan pula para ele, fazendo com
que o tiro atinja outra pilha de canos de metal.
Ambos caem na água ao serem empurrados por uma barra e se
afastam quando voltam à superfície, se protegendo. O barulho ensurdecedor
dos ferros se batendo uns contra os outros me assusta e só piora a invasão da
água no local. Na abertura do galpão, observo mais helicópteros se
aproximando com a equipe de resgate.
Uma extensa barra de metal bloqueia sua descida e me distraio ao
localizar um de nossos explosivos fixo no metal que ameaça cair. Charlie
também vê e puxa Johnatan para ficar exposto junto a ele. Inspiro fundo,
encarando os helicópteros que se aproximam — com a equipe de Daniel — e
a distância da barra.
Quando Charlie planeja atingir Johnatan com as últimas barras que
caem acima do cano bloqueado, escorrego pelo chão curvado, deslizando
minhas mãos pela corrente em direção ao explosivo. Assim que meus pés
fixam e se empurram contra a barra extensa, arranco o aparelho e deslizo para
baixo, como se estivesse descendo em uma avalanche numa velocidade
extrema.
Por reflexo rápido, Johnatan se defende da aproximação, jogando
Charlie contra o chão inclinado e saltando para cima da barra pesada, que
empurra o corpo do líder da máfia para o fundo à minha frente. Rapidamente,
eu me curvo a tempo de fixar o explosivo na gola de seu casaco e o nocauteio
com um soco firme, tendo a corrente enroscada em meu punho.
― ELE NÃO É COMO VOCÊ! ― destaco meu ódio ao inimigo.
Antes que eu me afunde com ele por completo, sinto meu braço
direito ser puxado e segurado num aperto forte. Ao erguer minha cabeça,
pisco pela claridade do céu sem conseguir ver o rosto de Johnatan, apenas sua
silhueta segurando firme a mesma corrente em que eu estava segura.
Ergo minha mão direita e enrosco meu braço contra o seu, firmando-
me em seu bíceps rígido. Depois, sinto um vento forte se aproximar, agitando
a água abaixo dos meus quadris, mostrando-me a sombra do helicóptero e o
barulho alto de sua aproximação.
A água gelada começa a subir acima de minha cintura, enquanto
Johnatan tenta me puxar com esforço. Algo me prende no lugar pelo
calcanhar e tento afastar com meus pés. Arfo assustada assim que nossos
braços escorregam a ponto de manter nossas mãos unidas com força.
― Rápido! ― escuto Johnatan ordenar num rosnado.
― Eu estou presa! ― desespero-me ao sentir uma das correntes
enroscada em meu tornozelo.
A corrente forte da água invadindo o lugar não ajuda e tento me
segurar, mas sou puxada para o fundo, fazendo com que nossas mãos se
desgrudem. E a única visão que tenho é da água violenta invadindo a área
aberta do galpão antes de Johnatan gritar em desespero, enquanto seguro o ar
em meus pulmões.
― MINE! ― o grito aterrorizante que invade meus ouvidos é
bloqueado pela água.
Sinto-me ser puxada ainda mais quando tento lutar contra a maré na
intenção de encontrar a mão de Johnatan, mas quanto mais luto, mais afundo.
Com a pouca claridade, consigo ver Charlie se aproximar, enquanto puxa a
corrente presa em meu tornozelo.
Mantenho meu corpo no controle assim como meus pulmões firmes,
sabendo lidar com a água que me envolve. Eu treinei para aquilo, para
permanecer por mais tempo sem respirar e não será um imbecil imprestável
que irá me vencer.
Travo minha mandíbula ao apertar meus dentes e tento chutar o rosto
de Charlie para longe do meu pé. Curvo-me na tentativa de me soltar, mas o
infeliz não permite. A parte mais frustrante, além de tentar me defender para
ficar livre, é que nem mesmo a água ajuda, tornando apenas uma luta
miserável.
Então, para tentar manter Charlie distante, sigo um pouco mais para o
fundo e, com esforço, aproveito a velocidade e enrosco a corrente em volta
do pescoço dele antes de mover meus braços em direção à superfície.
Johnatan mergulha à minha procura e me puxa com ele, logo o sinto
fixar algo em minha cintura, o que faz com que nos movamos mais rápido
contra a água. Charlie se debate e, mesmo prestes a ser enforcado, enrosca
seu braço na corrente para puxar junto a ele.
Johnatan tenta afastá-lo, mas somos distraídos quando mais alguém
mergulha. Meu pai observa-me com atenção até olhar para baixo e localizar
Charlie. Johnatan não me deixa reagir e segura meu corpo com firmeza,
enquanto meu pai tenta afastar a corrente de meu tornozelo. Logo, um
barulho oco me assusta e me dou conta de que Charlie atirou novamente.
O tiro atinge meu pai, pois seu corpo é levado para trás devido ao
impacto. Tento lutar nos braços de Johnatan, enquanto somos puxados assim
que sinto meu pai soltar a corrente. Curvo meu corpo para tentar puxá-lo
comigo, vendo-o arrancar o explosivo do casaco e colocá-lo na boca de
Charlie com esforço, ao mesmo tempo em que o mantém longe de mim.
Sem pensar abro minha boca em vão, na tentativa de chamar por meu
pai. O ato faz com que a água salgada invada minha boca, fazendo minha
garganta arder com o contato repentino e o ar em meus pulmões parecerem
presos assim que tento tossir, mas a situação só piora quando subitamente
meu corpo busca oxigênio. Sinto-me fraca, enquanto permito que Johnatan
me puxe para a superfície.
Assim que minha cabeça fica fora da água, tusso engasgada. Em
seguida, somos puxados por um helicóptero, tendo as cordas de segurança
fixas à nossa volta. Tusso com força, envolvendo meus braços em volta do
pescoço de Johnatan, enquanto tento controlar minha respiração acelerada e
interrompida.
Meu marido aperta seus braços ao meu redor e cola sua boca na
minha rigidamente. Ele solta sua respiração até encher meu peito, depois,
suas palmas em minha espinha me afundam, numa pressão cuidadosa, e logo
me afasto para cuspir toda a água acumulada em minha garganta.
― Devagar, devagar... ― Johnatan arfa ao me ver puxar o ar
desesperadamente.
Mas nem mesmo o escuto direito, pois tento me mover para achar
meu pai, enquanto o helicóptero sobe, erguendo-nos pelas cordas.
― Pa-pai... MEU PAI! ― minha garganta arde
Johnatan me mantém em seus braços. Noto que uma das cordas que
meu pai seguia havia sido arrebentada. Outro helicóptero se aproxima mais
de perto com Daniel, e o vejo pular para mergulhar, levando consigo outra
corda de segurança.
― Puxem! ― Johnatan ordena para cima.
― PAI! ― desespero-me, enquanto me afasto para longe.
― Não temos tempo! MINE, ME ESCUTA! ― Johnatan grita para
chamar minha atenção em meio à minha agitação. ― Temos que ir.
Ele me abraça, vendo em meus olhos a angústia exposta. É impossível
lutar. Meu peito arde e, ao puxar o ar, sinto minha garganta queimar.
Johnatan mantém seus braços firmes em minha cintura e somos puxados para
dentro do helicóptero da SWAT, com soldados.
Logo meu corpo desaba de alívio ao lado de Johnatan quando meu pai
é resgatado por Daniel, sendo socorrido por outro helicóptero, que se afasta
junto com o nosso. Johnatan também parece aliviado, e o abraço aos prantos,
sendo acolhida por seus braços firmes.
Depois de breves minutos, recomponho-me surpresa que tenha mais
de dez helicópteros, mas não vejo o de Marco. Segundos depois, eu o avisto
sobrevoando ao redor da metade do navio, que se afunda devagar. Olho para
imensidão do oceano, enquanto o piloto dá um comando em código. Encolho-
me nos braços de Johnatan quando a explosão do navio cega meus olhos, ele
me abraça com força e acaricia minhas costas.
― Você está bem? ― vejo a urgência em sua pergunta, a
preocupação refletida em suas palavras.
Choro e soluço com força.
― Acabou... ― digo como uma oração glorificada e o abraço,
apertando meus braços ao seu redor e grudando meu rosto molhado contra o
seu, enquanto prende os cintos em meu corpo.
Os ombros de Johnatan caem relaxados ao ver a esperança em meus
olhos. Ele acaricia minha face com delicadeza ao acenar.
― Acabou ― meu corpo parece flutuar não só com sua reposta, mas
também com aquela profundidade obscura de seu olhar, que desaparece a
cada segundo.
Sua emoção, maior que a minha, é tão grande, que me faz perder o
fôlego assim que beija meus lábios com amor.
Gemo emocionada, intensificando nosso beijo e nem mesmo me
importo que haja quatro soldados armados à nossa volta. Quando nos
afastamos, suspiro, sem deixar minha preocupação de lado.
― Charlie o feriu ― volto minha atenção para a janela, estamos
distantes dos outros helicópteros.
― Ele ficará bem ― Johnatan assegura e volto a olhá-lo, perdendo-
me em seu olhar intenso. ― Você é tão... Forte, valente. Tão firme. Colocou-
se numa situação muito perigosa, eu deveria repreendê-la, mas, depois do
susto, estou encantado ― sua voz suave e rouca me faz estremecer.
Pisco, sentindo meu corpo aquecer, e inclino minha cabeça em sua
mão.
― Há uma coisa que vai me incomodar mais tarde, mas prefiro não
dizer nada por enquanto ― quero falar sobre o que fiz com Zander, só de
pensar estremeço.
Johnatan não questiona, mas percebe que me mantenho insegura
perante os soldados.
― Por outro lado, eu aprendi com o melhor ― sorrio e beijo seus
lábios brevemente.
― Não ― Johnatan balança a cabeça, deixando-me confusa. ― Não
me envergonho em dizer que aprendi a me tornar alguém melhor, a defender
quem eu amo. Você me ensina e me motiva a seguir dessa forma. Me faz
valorizar todos os dias o que mais tenho de precioso, que é você. E só não
cedi aos erros, porque eu a mantive em meus pensamentos onde sinto que me
guia para longe da escuridão. Na verdade, não quero ser pior do que já fui,
não quero me tornar em alguém como ele.
Sorrio emocionada e acaricio seu rosto.
― Você não é. Você é bom, tem um coração enorme. É forte o
suficiente para lidar com os perigos e seguir no controle. Isso eu aprendi com
você. Mesmo que, muitas vezes, não tenha muita paciência para certas
provocações ― rimos do meu comentário e suspiramos, olhando um nos
olhos do outro. ― Eu não vou permitir que mude sua forma de agir ou de
pensar, nem mesmo suas ordens, pois sei que faz para o bem de todos. Só eu
sei o que há dentro deste seu grande coração. É por isso — e por muito mais
motivos — que o amo com toda minha alma.
Johnatan me escuta com atenção, dando-me um sorriso presunçoso. É
a primeira vez, desde que o conheci, que o vejo mais aliviado, mais à
vontade. Ele está glorioso.
― Mine, você não é só minha fraqueza, é também minha força, minha
vida ― a terna declaração me faz suspirar apaixonada.
Meu marido beija meus lábios, apertando minha mão contra seu peito
com força, permitindo-me sentir seu coração bater acelerado.
― Agora, podemos viver em paz? ― murmuro em seus lábios e me
delicio com sua risada rouca.
― Temos mais uma etapa.
― O quê?
Franzo a testa, mas logo entendo assim que se direciona aos soldados,
que não parecem muito confortáveis com a cena romântica que acabaram de
presenciar. Coro.
― Para onde vamos? ― Johnatan pergunta para eles.
O piloto pigarreia antes de responder:
― Para Wanaka, nossa equipe se instalou num local próximo para
atendimentos ― o piloto explica.
Logo, avistamos a cidade Wanaka com a área fechada e equipada
próximo às montanhas. O lugar sempre foi calmo e isolado, exceto hoje. Na
área central, destaca-se uma enorme tenda escura.
Há mais helicópteros ao redor, além de carros com a logo das
empresas, estacionados próximos à tenda. Soldados se movem de um lado
para o outro, alguns seguindo para os helicópteros de grande porte prontos a
fim de decolarem novamente, outros, para dentro da tenda. A área também
foi equipada por máquinas de seguranças e vigias atentos a meio metro do
local.
Assim que nosso helicóptero pousa, avistamos Daniel se aproximando
e se curvando devido ao vento forte. Ao sairmos, Johnatan e eu, seguimos de
mãos dadas ao seu encontro, enquanto o helicóptero se afastar para longe.
Meus olhos vasculham a movimentação e me surpreendo quando nos
entregam cobertores. Johnatan cobre meus ombros e me aperta ao seu lado.
― E meu pai? ― disparo impaciente observando a imensa tenda
negra.
Homens de fardas entram e saem apresados, dando comandando uns
aos outros.
― Permanece inconsciente, mas calma ― Daniel tenta me confortar.
― Edson Clark ficará bem. Levou um tiro no ombro esquerdo, a bala já foi
removida. Ele também aspirou muita água. Foi encaminhado para o nosso
centro cirúrgico na capital ― explica.
Arregalo meus olhos e me viro para Johnatan.
― James... Ele foi ferido ― estremeço, assim que os olhos de
Johnatan disparam para o agente. ― Zander estava a ponto de acertar Jordyn,
mas James interveio e acabou recebendo o ataque ― lembro-me do choque
de Jordyn, os olhos perdidos de James e... Zander.
― Ele foi enviado diretamente para a capital. A garota se recusou a
ficar conosco e foi junto com ele. Não sabemos sobre o estado de saúde, mas
foi atendido com urgência ― a voz de Daniel não é esperançosa, o que
desperta ainda mais minha agonia.
Johnatan percebe que tremo e tenta me confortar.
― Eu o matei. Matei Zander, e Daniel deu um tiro em sua cabeça ―
as lágrimas caem sem parar quando me lembro dos olhos cor de gelo. ― Eu
me sinto horrível.
― Amor, ― Johnatan me segura antes que eu despenque ― eu sinto
muito, querida. Você agiu em defesa... Oh, minha Roza. Sinto muito por ter
passado por isso...
― Não preferem entrar? ― Daniel aponta sua cabeça em direção à
tenda.
Sinto-me fraca, mas Johnatan continua me segurando firme em seus
braços, enquanto me observa preocupado.
― Mine?
Pisco desorientada.
― Eu vou ficar bem ― esfrego meu peito angustiado. ― Onde estão
os outros? ― ignoro a preocupação de Johnatan, preciso me distrair.
― Alguns estão sendo atendidos por nossa equipe de médicos no
local e outros, em observação, até mesmo meu tio Messi ― Daniel informa
sem jeito.
Franzo a testa pensativa, logo me dou conta de que as coisas podem
se complicar com todas essas autoridades ao nosso redor. Isso não é bom,
isso não é nada bom, meu subconsciente reflete em alerta.
― Não vamos sair daqui tão cedo, não é? ― Johnatan pergunta
exasperado.
― Sinto muito, senhor Makgold, mas nossos investigadores estão
com o caso da LIGA, estão em busca de novas informações...
― O que quer dizer? ― interrompo o agente com desconfiança.
Na verdade, eu queria perguntar se vamos ser presos, mas logo um
soldado se aproxima para falar algo no ouvido de Daniel, fazendo-o acenar.
― Nosso diretor, o senhor Barrett, está aguardando.
Johnatan ergue sua sobrancelha surpreso.
― Diretor? ― Daniel assente. ― Preciso levar minha esposa para ser
atendida primeiro, depois verei seu diretor e os investigadores.
O agente observa com cautela.
― A senhora Makgold também ― engulo em seco, assim que
Johnatan o encara seriamente.
― Primeiro a saúde da minha esposa. Depois, resolvo qualquer
assunto com esse Barrett.
― Senhor Makgold, vai me desculpar, mas estamos em uma área de
segurança, seguimos regras e leis...
Meu marido se aproxima, dando-lhe um olhar de alerta.
― Eu não estou aqui para receber ordens, muito menos respeitar
normas ou leis como se estivéssemos em um campo de batalha ― a rispidez
dele me faz olhar em volta, sem saber o que fazer. ― Primeiro minha esposa.
Daniel não se intimida, mas assente.
― Tudo bem. Não quero deixá-los desconfortáveis. Vou levá-los até
a área hospitalar da tenda ― Daniel dispara relutante.
Balanço minha cabeça e chamo a atenção de ambos com uma tossida.
― É melhor eu ir sozinha ― Johnatan fica perplexo com minha
decisão. ― Assim, você se adianta com esse diretor e o encontro em breve.
Encolho-me, sabendo que ele não aceita minha decisão.
― Posso pedir para que alguém a acompanhe ― Daniel parece de
acordo.
― É melhor ― sussurro para meu marido.
Logo, avisto Matt sair da tenda com um curativo acima de sua
sobrancelha. Assim que ele nos avista, caminha em nossa direção.
― Como vocês estão? ― pergunta ao se aproximar.
― Bem... Por enquanto. E a equipe? ― Johnatan murmura sem
humor algum. Lá se foi a paz, o sorriso libertador, o olhar suave.
Suspiro entristecida.
― Estão sendo interrogados e dando seus depoimentos ― Matt faz
uma careta.
― Vejo que Matt foi liberado. Posso ir com ele para ser atendida e o
verei em breve ― deixo que meus olhos insistam mais que minhas palavras,
e Johnatan cede relutante.
― Matt, leve-a para a área hospitalar. Tenho que resolver um assunto
― Johnatan pede ao amigo, que acena desconfiado.
― Assim que terminar, leve a senhora Makgold até o local reservado
do diretor Barrett ― Daniel pede antes de se afastar com Johnatan.
Eu os observo entrarem na tenda em silêncio.
― Já disse a ele? ― Matt pergunta ao meu lado.
Estremeço.
― Ainda não.
53 – ANJO
MESES DEPOIS...
Depois de tomar um banho relaxante, visto uma legging de moletom
escura e uma blusa bata branca antes de sair do quarto. Caminho descalça até
a cozinha, carregando minha sapatilha e meu celular.
― Johnatan já chegou?! ― minha voz alta assusta Donna.
― Minha nossa, querida. ― ela põe a mão em seu coração. ― Me
assustou.
― Desculpe ― sento-me na cadeira já devorando um cookie com
leite, enquanto calço minhas sapatilhas.
― Ainda não, mas ele já deve estar a caminho ― Donna diz,
servindo-me de mais cookies. ― Ian deve chegar daqui a pouco da escola, e
o restante da turma pretende jantar aqui.
Sorrio para ela e me distraio com uma mensagem de Jordyn, dizendo
que James conseguiu mover o dedo. Meus olhos se enchem de lágrimas e
conto para Donna, que se emociona comigo. Quando Johnatan foi visitá-lo
pela primeira vez, não me deixou acompanhá-lo.
Até o momento não o vi pessoalmente, apenas em fotos e recebendo
mensagens de Jordyn. Sua melhora é lenta, não demonstrou nenhuma reação
desde então, apenas uma, quando Jordyn lhe disse sobre Sid e me informou
sobre as lágrimas de James, mas as chances de conseguir qualquer outra
reação eram mínimas.
Mesmo assim, nunca deixei de encorajá-la, e até mesmo trocávamos
poucas mensagens sobre minha gravidez, pois a maior parte do assunto era
nosso sofrimento em ter James naquele estado.
Assim como hoje, Johnatan viaja para Wellington uma vez por
semana na intenção de ver James e saber das últimas informações sobre a
LIGA e dos poucos homens capturados. No momento, seu maior estresse era
o insistente diretor Arnold Barrett. Depois do ocorrido da infiltração da
equipe de Arnold no navio, Johnatan exigiu que não tivesse nenhuma
aproximação deles na casa.
― Vou ligar para ele ― eu não sei quantas vezes liguei para Johnatan
hoje.
Johnatan atende no meio do primeiro toque.
― Vai demorar? ― resmungo, acariciando minha barriga volumosa
ao sentir meu bebê mexer.
A emoção de sentir meu bebê dentro de mim é maior do que qualquer
outra coisa que já senti na vida, eu estava ansiosa para tê-lo em meus braços.
Por outro lado, justamente hoje era dia de consulta e, na verdade, agradava-
me ter Johnatan ao meu lado, enquanto a doutora Regina Nivela e sua
sobrinha ginecologista, Bianca, encarregavam-se de nos dizer como estava
seguindo com a gestação. Segundo elas, éramos fortes e saudáveis.
― Minha Roza, você me ligou faz cinco minutos. Já estou a caminho,
amor ― Johnatan se impressiona.
― Sentimos sua falta. Não demora ― peço, escutando seu riso do
outro lado da linha.
― Prometo chegar mais cedo do que imaginam. Amo vocês ―
declara com fervor, fazendo-me sorrir ainda mais.
― Pode ter certeza de que o bebê escutou isso. Ele não para de se
mexer ― digo rindo e suspiro. ― Nós nos vemos em breve, te amo. Pense,
quanto mais cedo estiver aqui, mais cedo saberemos o sexo do bebê ― hoje
era o grande dia.
Desligo rapidamente e olho para Donna, que se aproxima para tocar
minha barriga.
― Parece mais empolgado do que nunca ― ri.
Eu, por outro lado, sinto minha boca se encher d'água.
Eu li, pesquisei, soube de relatos que muitas mulheres dizem sobre
enjoos durante a gestação, mas esse problema eu não tive até o momento. Até
agora, minha gravidez é tranquila, exceto por algumas azias e,
principalmente, desejos.
― Donna?
― Sim?
― Pode fazer meu omelete assado com legumes e gotinhas de limão
por cima? ― meu pedido deixa a governanta confusa.
― Limão?
― Isso... ― engulo a saliva antes de me levantar. ― Eu já volto.
Sigo para os fundos da casa para apreciar o dia ensolarado como todas
as manhãs. Assim que saio de casa, eu me distraio com os relinchados altos
de Hush e Lake. Desde a partida de Sid, tudo parece diferente, achamos que,
pelo menos, isso voltaria ao normal, mas, de certa forma, eles sofriam,
principalmente Lake.
A cada dia que passava o cavalo caramelo se mostrava mais solitário
e sem muitas brincadeiras, mas não era só por Sid, ele também sentia a falta
de James, farejava, procurava por eles e não os encontrava. Com um suspiro
triste, caminho até encontrá-los, pois tenho certeza de que estão na frente de
casa e tenho que dar a volta pelo campo.
Paro abruptamente ao encontrá-los se afrontando. Isso jamais
aconteceu. Hush parece impedir Lake de fazer algo, mas o cavalo avança,
afastando Hush. Ambos erguem suas dianteiras e se empurram. Hush se
mantém de forma rígida, enquanto Lake relincha. Mesmo que Hush não
possa enxergá-lo, Lake apresenta um olhar negro sombrio antes de atacar
Hush com brutalidade.
― Hey! Não! Já chega! Parem... PAREM AGORA! ― ordeno aos
gritos, mas me mantenho distante para não ser atingida por eles.
Hush tenta afastar Lake novamente. Meu coração se aperta por vê-los
brigar.
― LAKE, PARE!
Meu grito desesperado sai alto suficiente. Ambos se separam num
relinchado ofegante. Aproximo-me de Hush e acaricio sua pelagem negra,
notando que acima de seu olho direito está machucado. Olho para Lake com
tristeza e, ao tentar acariciá-lo, ele se afasta relinchando, como se estivesse
envergonhado; em seguida, curva-se para mim. Balanço minha cabeça em
negação, novamente me aproximo para tocar sua cabeça.
Distraio-me quando o portão da casa se abre e sei que Johnatan está
chegando. O som profundo vindo de Hush me assusta. É quando Lake corre
para longe até sair pelo portão. Arregalo meus olhos perplexa. Sem pensar
duas vezes, corro até a saída, vendo-o se distanciar. Meu coração se
desespera.
― Lake! Lake, volta! Lake, não! Volta! ― corro em vão.
Quase tropeço, se não fosse por Hush me manter firme, bloqueando-
me com sua cabeça, enquanto me escoro em seu pescoço à procura de
equilíbrio.
O carro de Johnatan, que se aproxima, para abruptamente a meio-fio.
Ele sai do carro chocado, batendo a porta com força, olhando para a estrada
confuso e depois para mim.
Afasto-me de Hush e caminho até ele.
― O que pensa que está fazendo, Mine?! ― seu tom é severo, mas
meu desespero é maior.
― Faça alguma coisa. Vá atrás dele ― choro ao implorar. ― Lake
não está bem, ele não é assim. Não pode deixá-lo ir.
Johnatan suspira pesadamente e acaricia meus cabelos, abraçando-me.
Tento manter minha respiração controlada.
― Mine, eu nunca os deixei presos. Eles são livres, jamais vou
mantê-los aqui contra a vontade ― Johnatan sussurra ao afastar minhas
lágrimas.
― Eu entenderia se não fosse por nada, mas ele está sofrendo. Eu o
quero por perto, não quero que se vá. Por favor ― imploro, soluçando em
seguida.
Johnatan observa Hush, erguendo sua mão para acariciar o cavalo
antes de suspirar ao encontrar o machucado acima de seu olho.
― Você não deveria se colocar nessa situação ― Johnatan me
repreende, esfregando seu rosto exasperado. ― Eu te conheço. Você é
impossível.
Inspiro fundo ao encará-lo perplexa.
― O que está pensando?
Engulo meu nervosismo quando seus olhos em chamas se fixam em
mim.
― Prometo a você que vou procurar Lake. Só que neste momento,
Mine, vou me ocupar em levá-la para a ilha.
Não há protesto, pois Johnatan já saca seu celular do bolso e liga para
Cassandra, enquanto me ajuda a ir para casa aos prantos.
56 – METAMORFOSE
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