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2005 International Nuclear Atlantic Conference - INAC 2005

Santos, SP, Brazil, August 28 to September 2, 2005


ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENERGIA NUCLEAR - ABEN
ISBN: 85-99141-01-5

ASPECTOS NORMATIVOS SOBRE OCORRÊNCIA NATURAL DE


MATERIAL RADIOATIVO EM REJEITOS DE PETRÓLEO

Selma P. de Jesus1, José C. Vitorelli2 e Ademir. X. da Silva3


1
Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN–RJ)
Rua da Passagem 123, 9º andar, Botafogo
22290-030 Rio de Janeiro, RJ
parente@cnen.gov.br
2
Programa de Engenharia Nuclear – COPPE
3
Programa de Engenharia Nuclear/COPPE – DNC/EE
Universidade do Federal do Rio de Janeiro
Centro de Tecnologia, Bloco G, sala 206, Caixa Postal 68509
21945-970 Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, RJ
jclaudio@lnrtr.coppe.ufrj.br

RESUMO

Uma das grandes problemáticas no Brasil, sobre os rejeitos gerados na produção de petróleo com presença de
radionuclídeos, é a escassez de legislação que indique a classificação e o destino destes materiais. Como a
legislação específica para este caso, é pouca, procurou-se neste trabalho fazer um apanhado de documentos
internacionais que já contemplam este assunto [1-8], embora tais documentos não sejam suficientes para
contemplar a realidade brasileira, eles servem de ponto de partida para balizar a elaboração de um documento
com esta finalidade. Foram selecionados países de relevante significância na regulamentação na área de
TENORM (Technologically Enhanced Natural Occurring Radioactive Material) e foi feita uma discussão dos
níveis de isenção e dispensa específicos para geração de rejeitos radioativos na produção de petróleo.

1. INTRODUÇÃO

A formação de incrustações e borras com conteúdo radioativo em instalações de produção de


petróleo tornou-se objeto de estudo devido a falta de uma legislação especifica sobre o seu
controle e pelo grande volume de rejeitos gerados.

O urânio e o tório presentes nas rochas reservatórios de petróleo [1] são praticamente
insolúveis e são pouco carreados pelo petróleo e pela água de formação, que são bombeados
em conjuntos para a superfície. No entanto, os seus filhos, isto é, 226Ra e 228Ra são mais
solúveis e sob certas condições físicas e químicas são carreados da rocha reservatório para a
superfície. O rádio pode permanecer na solução da água produzida ou co-precipitado com o
bário na forma de complexos compostos de sulfatos, carbonatos e silicatos encontrados nas
incrustações e nas borras. A formação deste precipitado insolúvel é causada pelas mudanças
de pressão e de temperatura conforme a água e o petróleo são bombeados para a superfície.

O material precipita no interior das tubulações causam a perda gradual da produtividade, o


que promove a substituição desses tubos. Já a borra é uma mistura de petróleo, sedimentos e
produtos de corrosão que acumulam dentro das tubulações, no fundo de tanques de
armazenagem e outros equipamentos. A borra é formada, principalmente, de carbonatos e
silicatos contendo rádio. Esta borra é retirada destes equipamentos e armazenada em
tambores. Assim, existem duas formas de deposição destes rejeitos: tubulações com
incrustações e tambores contendo borra oleosa.

2. APLICAÇÃO DOS CONCEITOS DE ISENÇÃO E DISPENSA EM MATERIAIS


CONTENDO TENORM

O material radioativo derivado das práticas nas instalações de petróleo é definido como
TENORM (Technologically Enhanced Naturally Occurring Radioactive Material), ele se
caracteriza pelo aumento das concentrações dos radionuclídeos como resultado das práticas
humanas.

Uma estrutura regulatória se faz necessária para avaliação de cada instalação geradora de
TENORM. Assim, devem ser determinados os critérios de isenção (exemption) e dispensa
(clearance) [2]; o critério de isenção determina se uma prática ou uma fonte deve ser
submetida às normas da autoridade regulatória e o critério de dispensa indica se uma fonte ou
uma prática autorizada pode ser liberada do controle da autoridade regulatória, podendo
existir em diversos níveis, desde liberação incondicional até liberação com condicionantes em
diversos níveis. Na dispensa incondicional, o material pode ser liberado do local sem que haja
informação do seu destino. Ao contrário, na dispensa condicional, para que o material seja
liberado do local ele estará sujeito a certas condições de deposição.

Segundo os documentos IAEA-TECDOC-855 [2], para evitar que um material que já


foi liberado do controle regulatório se torne imediatamente sujeito ao controle, novamente, o
limite de isenção deve ser maior que o de dispensa. Porém, no caso de materiais contendo
TENORM, por se tratarem de volumes muito grandes de material, os critérios de isenção e
dispensa se unem, sendo estipulado um único valor para ambos.

3. APLICAÇÃO DA NORMATIVA CNEN

Como a Norma CNEN NE-3.01 não previa o controle de materiais de origem natural, foi
editada a Posição Regulatória 6.02 [3], que determina a classificação das instalações de
produção e exploração de petróleo e gás ou parte delas de acordo com a Seção 4 da Norma
CNEN NE-6.02 [4], desde que possam vir acumular quantidades de materiais contendo Ra-
226 e/ou Ra-228 e seus descendentes radioativos em quantidades superiores a 100 Bq/g.

Com a elaboração da Norma de Diretrizes Básicas de Proteção Radiológica, isto é Norma


CNEN NN-3.01 [5], os materiais contendo TENORM que anteriormente estariam fora do
controle da CNEN; passaram a ser passíveis de controle, desde que este controle seja
considerado necessário pela CNEN. A Norma CNEN NN-3.01, foi elaborada em
concordância com as diretrizes do documento BSS-115 [6] e introduz o conceito de “prática”
para toda atividade humana que introduz ou modifica fontes ou vias de exposição de forma a
aumentar a probabilidade de exposição de pessoas ou o número de pessoas expostas. Se
verificarmos os critérios de isenção para o Ra-226 e para o Ra-228 na BSS-115
encontraremos o valor de 10 Bq/g, tanto para o Ra-226 quanto para o Ra-228. Este valor se
contradiz com o critério de isenção adotado na Posição Regulatória 6.02, no entanto, ela foi

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elaborada durante a vigência da Norma NE-3.01 de julho de 1988 [7]. A partir da vigência da
Norma NN 3.01 todas as outras normas CNEN deverão ser ajustadas às novas diretrizes.

4. DIRETRIZES MUNDIAIS EM MATERIAIS CONTENDO TENORM

Atualmente, o conceito de “prática” é utilizado, na maior parte dos documentos


internacionais que abordam o trabalho em indústrias que apresentam materiais contendo
TENORM, entretanto, a Comissão Européia, que elaborou seu próprio Basic Safety Standards
(EC-BSS) [8], criou uma nova categoria de trabalho chamada “work activities”. Nesta
categoria são incluídas as indústrias que geram TENORM durante o seu processo, mas a
atividade afim não utiliza as propriedades radioativas deste material. A Comunidade Européia
não estipula valores de isenção.

A Agência Internacional de Energia atômica (AIEA) estabelece na BSS-115 o critério


individual de isenção como sendo a dose individual no membro do público de 10 µSv/ano por
prática. Segundo Menon [9] a AIEA propõe no Safety Series 89 o critério de dose individual
de 10 µSv/ano para industrias nucleares e uma otimização no caso de industrias geradoras de
TENORM. No TEC DOC 855 [2] o valor de 10 µSv/ano é usado como base para avaliar
níveis de dispensa incondicional, isto é, o critério de dose não será excedido,
independentemente do uso ou aplicação deste material após sua liberação. Neste sentido,
apresentamos na tabela 1 os Níveis Incondicionais de Dispensa (NID) para o Ra-226 e o Ra-
228 e podemos perceber larga faixa destes valores, isto ocorre devido aos diferentes cenários
estudados.

Tabela 1. Níveis Incondicionais de Dispensa (NID) [2].

Utilização Ra- 226 (Bq/g) Ra-228 (Bq/g)


Aterro 0,3 ≤ NID ≤ 70 0,3 ≤ NID ≤ 1
Incineração 2 ≤ NID ≤ 200 3 ≤ NID ≤ 300
Reciclagem 0,07 0,1

Na EC-BSS o critério adotado para industrias geradoras de TENORM é de que se a dose


anual nos trabalhadores for menor que 1mSv/ano, nenhuma precaução especial precisa ser
tomada. Ao contrário da BSS-115 a EC-BSS não estipula nenhum valor de isenção em termos
da concentração de atividade, embora a BSS-115 não diga com clareza que os limites de
isenção ali encontrados sejam aplicados neste caso.

O critério para estabelecer os níveis de isenção e dispensa em termos de dose não pode ser
diretamente aplicado por isso, é necessário convertê-los em quantidades práticas, tais como,
concentração de atividade, concentração, etc. Segundo Páscoa [10], o Instituto Americano de
Petróleo estabeleceu algumas opções de descarte de rejeitos contendo TENORM nas
indústrias de petróleo, conforme é informado na Tabela 2. Ainda no Trabalho de Páscoa é
citado que o nível de isenção para descarte em aterro sanitário, segundo a Commissariat a
l’Energie Atomique (CEA) é de 1 Bq/g para o Ra-226 e 2 Bq/g para o Ra-228.

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Tabela 2 – Valores de dispensa para rejeitos produzidos nas industrias de petróleo [10].

Opções Borra (Bq/g) Incrustação (Bq/g)


Enterro irrestrito 1 5
Espalhado numa camada de 6 cm de solo 4 4
Espalhado e misturado numa camada de 20 cm de solo 10 10
Aterro Sanitário 15 66

5. CONDIÇÕES LIMITANTES EM VÁRIOS PAÍSES

Na busca documentos internacionais referentes ao assunto foram encontrados normativas de


alguns países que contemplam o assunto TENORM, contudo estas normas internacionais são
referentes a realidades dos paises de origem, não sendo suficientes para descrever e adequar a
realidade brasileira; servindo apenas como referência de fundamentos para torná-la atual e
coerente à problemática brasileira.

Um dos países analisados foi os Estados Unidos da América, que com a sua autonomia
estadual confere uma diferença de valores para os Estados Norte Americanos [11,12,13,14],
relacionando a concentração de atividade (Bq/g) do material contendo TENORM (Tabela 3)

Tabela 3. Limites de isenção para materiais contendo TENORM

Estados Norte Americanos Ra-226 – Ra-228 Outros


Radionuclídeos
Louisiana [11] 0,185 Bq/g a 5,55 Bq/g
a
Mississippi [12] 0,185 Bq/g 5,55 Bq/g
Novo México[13] 1,11 Bq/g a somente para o 226Ra 5,55 Bq/g a
Texas [14] 1,11 Bq/g 5,55 Bq/g
a. Acima da radiação de fundo (BG.)

A EC-BSS não possui valores específicos de concentrações de atividades relacionadas a


“work activities”, porém alguns países membros da Comunidade Européia estabeleceram
seus próprios limites, conforme se pode observar na Tabela 4.

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Tabela 4. Limite de dispensa (TENORM) para alguns países Europeus.

Países Europeus Concentração de Atividade Total


Alemanha [9] 500 Bq/g a
Noruega [9] 10 Bq/g b
Holanda [9] 100 Bq/g a
Reino Unido [15] 100 Bq/g
a. Considera dose individual de 1 mSv/ano
b. Para o Ra-226 a, o Ra-228 e o Pb-210

O Canadá [16] recomenda que materiais contendo TENORM podem ser liberados sem
restrições radiológicas quando associados à dose inferior a 0,3 mSv/ano no público e
estabelece limites derivados de dispensa incondicional (LDDI), vide Tabela 5.

Vários países, tais como, Argentina, Peru, Coréia, Índia, Egito, Cuba, e México utilizam
Normas Compatíveis [17] com a BSS-115.

Tabela 5. Limite Derivado de Dispensa Incondicional no Canadá [16].

Radionuclídeo Liquido (Bq/l) Sólido (Bq/g) Ar (Bq/m3)


Ra-226 (em equilíbrio com seus filhos) 5 0,3 0,05
Pb-210 (em equilíbrio com Bi-210 e Pó-210) 1 0,3 0,05
Ra-226 (em equilíbrio com Ac-228) 5 0,3 0,005

6. CONCLUSÃO

É importante que os rejeito contendo radionuclídeos naturais sejam manipulados e


armazenados de forma eficaz e regulamentada por Normas Nacionais coerentes com os
princípios científicos consagrados, levando em consideração as tecnologias disponíveis, os
custos operacionais e o impacto ambiental. Entretanto, verifica-se pelas normativas
apresentadas neste trabalho que não há um consenso internacional sobre uma regulamentação
apropriada ao caso do TENORM. O assunto, na maioria das vezes, é tratado de forma geral,
especificamente nas industrias de petróleo somente o Instituto Americano de Petróleo
estabelece valores para esta prática.

No caso dos rejeitos contendo borras e incrustrações, devem ser estipuladas as vias críticas
considerando-se a armazenagem dos tubos com as incrustrações ou providenciando-se a sua
limpeza e armazenando-se somente as incrustrações. O armazenamento definitivo como
rejeito deve ser feito sob condições supervisionadas tanto no repositório como no transporte
da plataforma até o mesmo.

No caso brasileiro deve ser gerado valores de isenção e dispensa específicos para esta prática
e em função deles poderá ser feita uma re-adequação industrial de tubulações utilizando
práticas para limpeza eficazes das tubulações, visando utilizações secundárias dos tubos.

INAC 2005, Santos, SP, Brazil.


REFERÊNCIAS

1. Gazineu M. H. P., Araújo A. A., Brandão Y. B., Hazin C. H., Godoy J. M. O.,
“Radioactivity Concentration In Liquid And Solid Phases Of Scale And Sludge Generated In
the Petroleum Industry”, Journal of Environmental Radioactivity, Volume 81, pp. 47-54
(2005).
2. International Atomic Energy Agency, Clearance Levels for Radionuclides in Solid
Materials: Application of Exemption Principles – IAEA TECDOC-855, Vienna, Austria
(1996).
3. Comissão Nacional de Energia Nuclear, Instalações de Produção e Exploração de
Petróleo e Gás com Materiais, Peças ou Componentes Contaminados com Ra-226 e Ra-228
e seus Descendentes Radioativos – Posição regulatória 6.02/002, CNEN, Brasil (2005).
4. Comissão Nacional de Energia Nuclear, Licenciamento de Instalações Radiativas – Norma
CNEN NE-6.02, CNEN, Brasil (1984).
5. Comissão Nacional de Energia Nuclear, Diretrizes Básicas de Proteção Radiológica –
Norma CNEN NN-3.01, CNEN, Brasil (2005).
6. International Atomic Energy Agency, International Basic Safety Standards for Protection
against Ionizing Radiation and for the Safety of Radiation Sources – Safety Series 115, IAEA,
Vienna (1996).
7. Comissão Nacional de Energia Nuclear, Diretrizes Básicas de Radioproteção – Norma
CNEN NE-3.01, CNEN, Brasil (1988).
8. Commission of the European Communities, Recommendations for the Implementations for
the implementation of Title VII of the European Basic Safety Standards Directive (BSS)
Concerning Significant Increase in Exposure Due to Natural Radiation Sources – Radiation
Protection 88, Vienna, (1997).
9. Menon S., “ A Nuclear Decommissioner’s Views on the regulation of TENORM”,
Proceeding of WM’01 Conference, Tucson, 25/02 – 01/03, Vol. 1 (2001).
10. Páscoa A. S., “Potential Environmental and regulatory Implications of Naturally
Occurring Radioactive Materials (NORM)”, Applied Radiation Isotopes, Volume 49, pp.189-
196 (1998).
11. Louisiana Administrative Code, Regulation and Licensing of Naturally Occurring
Radioactive Materials (NORM) – Title 33, Part XV, Chapter 14,Lousiana, USA.
12. Mississippi Administrative Code, Regulations for control of radiation in Mississippi- Part
801, Section N- Licensing of Naturally Occurring Radioactive materials (NORM),
Mississippi, USA.
13 New Mexico Administrative Code, Naturally Occurring Radioactive Materials (NORM)
in Oil and Gas Industry – Title 20, Chapter 3.1.14, New Mexico, USA.
14. Texas Administrative Code, Licensing of NORM – Title 25, Chapter 289, Subchapter F,
Texas, USA.
15. Smith D. M., Kemball P., “Regulatory Control and NORM – the U.K.”, Applied
Radiation Isotopes, Volume 49, pp.211-214 (1998).
16. Minister of public Works and Government Services Canada, Canadian Guidelines for the
Management of Naturally Occurring Radioactive Materials, Canada (2000).
17. Tsurikov N., “TENORM Legislation – Theory and Practice”, Proceding of II
International Symposium on TENORM, Rio de Janeiro, 12-17 September, Vol. 1 (1999).

INAC 2005, Santos, SP, Brazil.

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