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Diretoria 2019-2020
Adriano Correia Silva (UFG)
Antônio Edmilson Paschoal (UFPR)
Suzana de Castro (UFRJ)
Franciele Bete Petry (UFSC)
Patrícia Del Nero Velasco (UFABC)
Agnaldo Portugal (UNB)
Luiz Felipe Sahd (UFC)
Vilmar Debona (UFSM)
Jorge Viesenteiner (UFES)
Eder Soares Santos (UEL)
Diretoria 2017-2018
Adriano Correia Silva (UFG)
Antônio Edmilson Paschoal (UFPR)
Suzana de Castro (UFRJ)
Agnaldo Portugal (UNB)
Noéli Ramme (UERJ)
Luiz Felipe Sahd (UFC)
Cintia Vieira da Silva (UFOP)
Monica Layola Stival (UFSCAR)
Jorge Viesenteiner (UFES)
Eder Soares Santos (UEL)
Diretoria 2015-2016
Marcelo Carvalho (UNIFESP)
Adriano N. Brito (UNISINOS)
Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros (USP)
Antônio Carlos dos Santos (UFS)
André da Silva Porto (UFG)
Ernani Pinheiro Chaves (UFPA)
Maria Isabel de Magalhães Papaterra Limongi (UPFR)
Marcelo Pimenta Marques (UFMG)
Edgar da Rocha Marques (UERJ)
Lia Levy (UFRGS)
Diretoria 2013-2014
Marcelo Carvalho (UNIFESP)
Adriano N. Brito (UNISINOS)
Ethel Rocha (UFRJ)
Gabriel Pancera (UFMG)
Hélder Carvalho (UFPI)
Lia Levy (UFRGS)
Érico Andrade (UFPE)
Delamar V. Dutra (UFSC)
Diretoria 2011-2012
Vinicius de Figueiredo (UFPR)
Edgar da Rocha Marques (UFRJ)
Telma de Souza Birchal (UFMG)
Bento Prado de Almeida Neto (UFSCAR)
Maria Aparecida de Paiva Montenegro (UFC)
Darlei Dall’Agnol (UFSC)
Daniel Omar Perez (PUC/PR)
Marcelo de Carvalho (UNIFESP)
Produção
Antonio Florentino Neto
Capa
Adriano de Andrade
Comitê Científico: Coordenadoras e Coordenadores de
GTs e de Programas de Pós-graduação
F488
Filosofia francesa contemporânea / Organização Dirce Eleonora Nigro
Solis...et al -- São Paulo: ANPOF, 2019.
371 p.
ISBN: 978-85-88072-77-0
Introdução
Este texto visa a apresentar um entrelaçamento entre teoria do direito e teoria do
caos. O texto foi construído a partir da exposição e defesa de 07 teses que serão elaboradas
a partir do relacionamento do direito com a teoria da ciência, até à colocação de uma nova
relação entre a metodologia científica e os limites da descrição filosófica do direito.
1) O jurídico é imensurável
O jurídico, aqui compreendido como o caráter jurídico de um fato socialmente
observável (um contrato, um crime, um processo, um tributo, uma eleição, etc.), é
imensurável.
Faço expressa referência ao conceito de mensuração, central para a filosofia da
ciência de Bunge (1976, 2015). Para o filósofo, a mensuração é uma atitude empírica do
cientista, enquanto observador, em relação a determinado fenômeno, com intuito de
precisa-lo. A mensuração seria, assim, a essência do fazer ciência, é o ato que a constitui e
o qual pode ser apresentado como o conjunto dos seguintes elementos: a existência de um
objeto mensurável, uma medida ou padrão de medição, um instrumento de medição e um
observador (BUNGE, 1976, p. 119).
A mensuração não se confunde com a medida, ainda que ambas costumem
compartilhar a matematização ou a simbolização como linguagem formal. A medida é
parte da mensuração, certamente, mas a recíproca não é verdade. Este ponto é relevante e
será retomado à frente.
O jurídico pode ser medido, por assim dizer, por critérios absolutos, que seguem um
código positivo/negativo ou por critérios relativos, que seguem uma escala gradual.
No primeiro caso, teremos juízos sobre o legal e o ilegal, o típico e o atípico, o válido
e o inválido, o eficaz e o ineficaz, e assim por diante. No segundo, teremos avaliações sobre a
urgência, a necessidade, a adequação, que variam do mais ao menos, mas que não implicam
uma oposição ou uma relação de contrariedade. O importante a notar dessa característica
do jurídico é que ela não estabelece nem uma medida nem um instrumento de medição.
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Pedro Augusto Simões da Conceição
2 Imagem retirada de um estudo público elaborado pelo Ministério Pùblico do estado do Bahia.
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Caos e direito: Teoria dos institutos fractais
Aqui, vamos tomar a simples palavra esponja e veremos que ela permite
expressar os fenômenos mais variados. Os fenômenos são expressados:
já parece que foram explicados. São reconhecidos: já parece que são
conhecidos. Nos fenômenos designados pela palavra esponja, o espírito
não está sendo iludido por uma potência substancial. A função da
esponja é de uma evidência clara e distinta, a tal ponto que não se
sente a necessidade de explicá-la. Ao explicar fenômenos por meio da
palavra esponja, não se terá a impressão de cair num substancialismo
obscuro; também não se terá a impressão de fazer teorias, já que se trata
de uma função toda experimental. À esponja, corresponde portanto um
denkmittel do empirismo ingênuo.(BACHELARD, 1996, p. 91).
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Pedro Augusto Simões da Conceição
Aqui também o direito não é ciência e não faz ciência, pois Telles Junior não se
propõe a mensurar as interações entre homens, mas apresenta o direito como o campo
que regula as interações entre homens4, mas a aproximação, além de criativa, revela um
potencial crítico não positivista na aproximação entre direito e ciência.
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Caos e direito: Teoria dos institutos fractais
O direito opera com uma modelagem analítica, por meio da ideia de subsunção
de fatos a normas, visando à uma conclusão que, por sua vez, não será necessariamente
lógica, porque conta com um elemento de arbitrariedade na prescrição, mas será sempre
normativa, no sentido de que dependerá de um movimento para sua efetivação, ou seja, de
um fazer direito.
A subsunção funciona de modo similar a uma função e tende a apresentar os
processos normativos como subestruturas do todo normativo (o ordenamento, muitas vezes
tido como o próprio direito) - aqui ainda, porém, o procedimento de interpretação não
corresponde a uma mensuração, a não ser de modo metafórico (como uma medida do fato
em termos de adequação à norma) e individualizado, caso a caso.
Ao utilizar a modelagem subsuntiva para projetar respostas normativas a fatos futuros,
o direito encontra severos problemas por lidar apenas com abstrações (um homicídio
abstrato, um contrato abstrato, e assim por diante). Essa expectativa de que as coisas
aconteçam de forma linear e não caótica dá ao direito a capacidade de projeção também
linear, sendo que o principal aspecto dessa linearidade se dá sempre pela individualização
dos casos futuros.
A projeção de um conjunto de casos futuros acaba resvalando para a política e para
a economia. Assim, por exemplo, é jurídico o assunto de um homicídio futuro, mas é tema
de política criminal o conjunto de homicídios futuros, ainda que, para cada um deles, se
estabeleça uma resposta jurídica.
Em defesa de uma generalização das expectativas jurídicas, surgiu o movimento do
Law and Economics, para trazer ao direito o potencial predicativo da microeconomia ou,
quando muito, da economia comportamental.
Essa limitação da generalização do direito fez com que o tema da justiça se deslocasse
para uma problematização política (uma justa política criminal, uma justa política
educacional, etc.) e econômica (justiça distributiva, justiça e liberdade econômica, etc.)
enquanto que aos casos individuais restou um posicionamento da justiça enquanto justeza,
enquanto uso correto da técnica jurídica, que implica, sobretudo, um bom conhecimento, por
parte do jurista, das técnicas de subsunção5.
6) O direito é caótico
Se há algo a ganhar com a compreensão do direito como sistema, é preciso observá-
lo em seu dinamismo não linear.
5 Sobre este deslocamento, assunto é debatido em: SIMÕES DA CONCEIÇÃO, Pedro Augusto. When the Law
Performs: inquiries on the possibility of an aesthetics of law, Revista Contemplação, 2018 (17), p.84-105.
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Caos e direito: Teoria dos institutos fractais
sobre a legitimidade da condenação e o resultado final, visto em 2018, acirrou ainda mais
os debates: a confirmação da condenação em segunda instância (em tempo recorde, mesmo
para a velocidade dos julgamentos da Operação) levou à inelegibilidade do ex-presidente.
Uma infinidade de resultados diversos também possíveis seriam igualmente válidos.
Pequenos inputs podem causar respostas aberrantes, não apenas em matéria de
interpretação e argumentação jurídica, mas também nas respostas institucionais (juízes
que decidem durante as férias e outras peripécias).
Esses são apenas dois exemplos que visam demonstrar o aspecto não-linear,
verdadeiramente caótico do direito. Assim visto, nem o sistema jurídico é linear, nem o
fazer direito é científico. O estudo dos objetos jurídicos, porém, quando se tem em mente
serem eles caóticos, se aproxima muito mais de uma postura científica que ao fazer a defesa
de uma técnica jurídica voltada para os dogmas da segurança e previsibilidade.
O empecilho para se fazer uma ciência do caos jurídico, por assim dizer, é o momento
de inseparabilidade entre a descrição e a prescrição, que ocorre precisamente no estudo/uso
dogmático do direito os quais, a cada comentário (descritivo ou prescritivo), exigem uma
série de tomadas de decisões do analista/usuário.
Essas decisões operam dentro de um cenário duplo de validades hermenêuticas e
institucionais que precisam ser habilmente equilibradas pelo jurista, mas que permitem um
campo amplo de possibilidades criativas, estabilizadas por fatores tradicionais (a doutrina
consolidada, a jurisprudência, o cenário político, os movimentos sociais, etc.).
A questão é que essas decisões operam juízos em que o X da questão não pertence
à mensuração, pertencem, e isso defendo, à justiça. O direito não faz ciência - faz justiça.
Nesse sentido, a objetividade própria ao direito toma assento em um campo
conflituoso que é o de debate acerca do justo. É uma objetividade apenas em um sentido
hegeliano - uma objetividade criada pela mediação de distintas singularidades subjetivas.
Mas o ponto de maior relevância na afirmação da caoticidade do direito está na
potencial superação do seu caráter imprevisível. Superação, aqui, significa quase um
sinônimo de compreensão ou, ao menos, capacidade de observação.
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altamente sensíveis às condições iniciais, de modo que alterações ínfimas nas informações
iniciais que alimentam o sistema de previsão poderiam resultar em alterações drásticas na
previsão.
O imaginário popular conhece esse lema pelo efeito borboleta. Ironicamente, uma
visão bidimensional do que ficou conhecido como o atrator de Lorenz (imagem acima - de
fato representada em três dimensões) lembra uma borboleta. O atrator de Lorenz mostra
que mesmo os sistemas caóticos possuem um atrator, ou seja, um ponto para o qual o
sistema pende, uma tendência que se manifesta mesmo dentro de um padrão caótico8.
Esses padrões desvendados pela observação do caos também podem auxiliar o jurista
na sua observação e aplicação do direito.
8 A explicação matemática pormenorizada é muito mais complexa, e envolve um aprofundamento sobre o sistema de
Larenz e suas equações diferenciais ordinárias - mas foge absolutamente do escopo deste trabalho.
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O aspecto institucional do direito é prolixo: por ser normativo, é jurídico, mas por
ser factual, é também político, econômico, social, moral, e assim por diante. As normas,
contudo, apesar de apresentarem-se mais jurídica que qualquer outra coisa, em função
da positividade jurídica, também possuem elementos cuja definição sempre escapa do
puramente jurídico.
Por isso os institutos surgem como inteligência dogmática para lidar com essa
ambiguidade normativo-factual do direito vivido, que vai muito além dos jogos de poder
institucional e das peripécias da hermenêutica jurídica.
Uma pessoa que lida com contratos toda a vida sabe muito sobre contratos, uma
pessoa que estuda sobre contratos toda a vida sabe muito sobre contratos. No direito, teoria
e prática possuem uma simbiose linda: tanto o teórico quanto o advogado sabem muito
sobre contratos.
Essa é a magia dos institutos. E por que seriam eles fractais?
Porque eles são pontos de atração para o caos hermenêutico-institucional do direito.
As normas mudam, os ventos da jurisprudência também, mas o contrato permanece lá,
como uma constante. A forma contratual e seus conteúdos típicos volta e meia reaparecem,
trazendo algum conforto para aqueles que precisam operar em um mundo complexo.
O mesmo ocorre com o crime, com a pena, com a sociedade, com a empresa, com o
casamento, com a parentalidade, com o tributo, e assim por diante.
Os institutos são atratores. E mais que isso: eles possuem estruturas fractais. Como
destaquei em outro estudo acerca do contrato:
8) Conclusão
Olhar para o direito em seu aspecto hermenêutico-institucional como um sistema
caótico que pode ser decifrado pelos institutos jurídicos, seus atratores fractais, é apenas
uma tentativa epistemológica de se ressuscitar uma certa tradição teorética kelseniana e
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reconciliá-la com a tradição (mais presente) das críticas às instituições jurídicas, campo
no qual temos bebido das mais diversas fontes (da sociologia e filosofia francesa, com
Bourdieu e Foucault na ponta de lança, mas também da nossa própria sociologia pátria, na
esteira de Florestan Fernandes e Buarque de Hollanda).
O esforço aqui mediado visou também reconciliar as tentativas de aproximação
entre humanidades e ciências exatas, pós-Sokal, em uma pequena empreitada contra a tara
positivista por um marco científico próprio ao direito.
Nesse sentido, não deixo de apresentar uma espécie de ontologia das coisas jurídicas
- e que seriam essas coisas? Os institutos jurídicos. Ao mesmo tempo fechados em sua
normatividade positiva e em sua aplicabilidade institucionalmente limitada e abertos em
sua potencialidade semântica e em sua flexibilidade sintática no momento da aplicação.
Se concluo por algum avanço prático este é de índole pedagógica: o que é estudar
direito senão estudar as coisas jurídicas? O estudo que abre o jurista à prática - sendo a
recíproca absolutamente verdadeira – é o estudo dos institutos e a exploração de seu caráter
fractal.
Pela via da repetição, superar o caos que se impõe ao direito com o intuito de, assim,
abrir alas para a realização da justiça.
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Referências bibliográficas:
BACHELARD, Gaston. A Formação do Espírito Científico. Rio de Janeiro: Contraponto,
1996.
BUNGE, Mario. On confusing ‘measure’ with ‘measurement’. In. Idem. (Ed.) The
Methodological Unity of Science. Boston: Reidel, 1976.
BUNGE, Mario. Física e Filosofia. São Paulo: Perspectiva, 2015.
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MANDELBROT, Benoit. Fractals and Chaos: the Mandelbrot set and beyond. New York:
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MANDELBROT, Benoit. Les Objets Fractals: forme, hasard et dimension. Paris:
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MANDELBROT, Benoit, The Fractal geometry of nature. New York: Freeman, 1977.
SIMÕES DA CONCEIÇÃO, Pedro Augusto. When the Law Performs: inquiries on the
possibility of an aesthetics of law, Revista Contemplação, 2018.
SMALE, Steve. Finding a Horseshoe on the Beaches of Rio, in ABRAHAM, R.; UEDA,
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TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. O direito quântico. Revista Da Faculdade De
Direito, Universidade De São Paulo, 68(1), 45-69., 1973.
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