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Revista Concilium, Vol.

22, Nº 7
DOI: 10.53660/CLM-681-736
ISSN: 1414-7327

Investigação sobre a Síndrome de Burnout em cuidadores de crianças


e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista

Investigation on the Burnout Syndrome in caregivers of children and adolescents


with Autistic Spectrum Disorder

Erich Barbosa Albuquerque Sales1*, Laura Lissa Soares Meirelles¹, Renata Barbosa de
Andrade¹, Élida Lúcia Barbosa Silva¹, Estácio Amaro da Silva Júnior¹

RESUMO
A Síndrome de Burnout (SB) é marcada por exaustão, despersonalização e reduzida realização
profissional, especialmente em funções assistencialistas como a dos cuidadores. Este estudo avaliou a
prevalência da SB em diferentes variáveis sociodemográficas e os fatores que levam ao esgotamento de
cuidadores de crianças ou adolescentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A amostra foi
composta por 46 cuidadores, que responderam a um questionário sociodemográfico e ao Copenhagen
Burnout Inventory (CBI). Posteriormente, 10 cuidadores participaram de entrevistas semiestruturadas
sobre os fatores que impactam no esgotamento. A maioria da amostra foi do sexo feminino (97,8%), entre
34 e 45 anos (56,5%), com relacionamento estável (67,4%), Ensino Superior Completo (50%) e ″do lar″
(23,9%). A prevalência de SB foi de 95,7% (43), não havendo diferença entre as variáveis
sociodemográficas. O principal fator de impacto no esgotamento foi a dificuldade em conciliar trabalho,
tarefas domésticas e o cuidado dos filhos com TEA, impactando principalmente as mães.

Palavras-chave: Esgotamento Psicológico; Fardo do Cuidador; Transtorno do Espectro Autista;


Cuidadores.

ABSTRACT
Burnout Syndrome (BS) is marked by exhaustion, depersonalization and reduced professional
achievement, especially in care functions such as that of caregivers. This study evaluated the prevalence
of BS in different sociodemographic variables and the factors that lead to burnout in caregivers of
children or adolescents with Autistic Spectrum Disorder (ASD). The sample consisted of 46 caregivers,
who answered a sociodemographic questionnaire and the Copenhagen Burnout Inventory (CBI).
Subsequently, 10 caregivers participated in semi-structured interviews about the factors that impact
burnout. The majority of the sample was female (97.8%), between 34 and 45 years old (56.5%), with a
stable relationship (67.4%), Complete Higher Education (50%) and ″housewife″ (23.9%). The prevalence
of BS was 95.7% (43), with no difference between sociodemographic variables. The main impact factor
on burnout was the difficulty in reconciling work, household chores and caring for children with ASD,
impacting mainly mothers.
Keywords: Burnout, Psychological; Caregiver Burden; Autism Spectrum Disorder; Caregivers.

1
Universidade Federal da Paraíba
*E-mail: albuquerque.erich@gmail.com
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INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde divulgou, em 2022, um relatório acerca da saúde


mental mundial no qual aponta que, em 2019, quase um bilhão de pessoas viviam com algum
transtorno mental (WHO, 2022). Nas últimas décadas, observa-se um crescente interesse na área
de saúde mental e sua importância, tornando possível trazer maior visibilidade, também, ao
processo de adoecimento mental de cuidadores, que se encontram em posição diametralmente
oposta ao lado cuidado e, portanto, acabam recebendo um menor enfoque sobre seus
sofrimentos psíquicos.
A Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), sob o código 5162, relata que o
cuidador atua “zelando pelo bem-estar, saúde, alimentação, higiene pessoal, educação, cultura,
recreação e lazer da pessoa assistida”, podendo ser ou não membro da família e receber ou não
remuneração. No entanto, essa função, desempenhada principalmente por membros familiares,
pode contribuir para uma sobrecarga física e psíquica, impactando negativamente na qualidade
de vida do cuidador (BRASIL, 2010; SILVA; FEDOSSE, 2018). Essa sobrecarga pode resultar
no desenvolvimento ou agravo de transtornos mentais como a Síndrome de Burnout (SB). No
Brasil, a SB ou “Síndrome do Esgotamento Profissional" foi incluída, em 1999, na Lista de
Doenças Relacionadas ao Trabalho, porém o termo foi utilizado, desde 1974, pelo psicanalista
Herbert Freudenberger para descrever os sintomas de esgotamento, depressão e irritação que
sentia no trabalho (MOREIRA; SOUZA; YAMAGUCHI, 2018).
Ela é caracterizada por estresse crônico decorrente da exaustão, despersonalização e
reduzida realização profissional, especialmente em pessoas que desempenham funções
assistencialistas como os cuidadores, as quais requerem grande investimento e dedicação
(SILVA et al., 2018). Com isso, cabe abordar o desenvolvimento da SB advinda da sobrecarga
em cuidadores, especialmente quando o indivíduo cuidado possui grande dependência
funcional, como é o caso de crianças ou adolescentes com Transtorno do Espectro Autista
(TEA), um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por dificuldades na comunicação
e interação social, além de padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses e
atividades (APA, 2014).
Os comprometimentos gerados pelos diferentes graus de TEA fazem com que a criança
ou adolescente autista seja frequentemente considerada como um estressor potencial aos
cuidadores devido a sintomas como agressividade, agitação psicomotora e alterações do sono,
que dificultam a função do cuidador e exigem uma reorganização da rotina familiar, causando
mudanças em aspectos pessoais, sociais e conjugais dos cuidadores, bem como ausência ou
pouco suporte familiar, técnico e financeiro (SEMENSATO; BOSA, 2013). Esses fatores
podem contribuir para a piora da sua qualidade de vida, reduzindo seu tempo livre e gerando
uma sobrecarga física e psíquica, que pode desencadear transtornos mentais como a SB,
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principalmente nas mães, visto que, na maioria dos casos, assumem a função de cuidadoras e
abandonam a vida profissional para dedicação integral ao cuidado dos filhos (TORQUATTO;
FREIRE; JUNIOR, 2011).
Com isso em vista, torna-se imprescindível discutir sobre a saúde mental dos
cuidadores, possibilitando uma maior visibilidade e acompanhamento também desse grupo. Este
estudo analisou a prevalência da Síndrome de Burnout (SB) em cuidadores de crianças ou
adolescentes com TEA dos participantes, bem como as diferenças na manifestação do burnout
entre variáveis sociodemográficas e fatores que contribuem para o desenvolvimento da SB nessa
população.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo descritivo exploratório, correlacional, transversal e com


metodologia quali-quantitativa, utilizando a abordagem de triangulação de métodos. Essa
abordagem utiliza a combinação de dois ou mais métodos de estudo para analisar o objeto em
mais de uma maneira, pois se acredita que isso possibilita uma visão mais ampla e multifacetada
do que está sendo analisado, conferindo robustez à pesquisa (BASSO JÚNIOR et al., 2016).
Foi realizada uma amostragem por conveniência, com participação voluntária, durante o
período entre janeiro e julho de 2022, através da divulgação em plataformas digitais de um
formulário de inscrição para adultos entre 18 e 60 anos que atuassem como cuidadores
principais de crianças e adolescentes com idade entre 3 e 18 anos incompletos com diagnóstico
de TEA. Foram obtidas 82 inscrições por meio do formulário, sendo selecionados os
participantes que estavam aptos para responder ao questionário sociodemográfico e ao
Copenhagen Burnout Inventory (CBI) adaptado e validado para o Brasil, bem como
disponibilidade para participar posteriormente de entrevista virtual semiestruturada sobre os
fatores que impactam no desenvolvimento do Burnout. Dessa forma, foram excluídos 36
cuidadores que apresentassem alguma incapacitação cognitiva, acometimento neuropsiquiátrico
grave e/ou quaisquer limitações que os impedissem de responder aos questionários ou participar
da entrevista. Por fim, 46 cuidadores foram selecionados para compor a amostra.
Após a definição dos participantes, foram marcadas reuniões individualmente entre os
pesquisadores e eles para a coleta dos dados, que aconteceu através da plataforma virtual
Google Meet, com duração de aproximadamente uma hora. Durante as reuniões, com o intuito
de compor os dados para análise quantitativa da prevalência da SB por sexo, idade, estado civil,
escolaridade e profissão em cuidadores de crianças ou adolescentes com TEA, cada cuidador foi
instruído a responder ao questionário sociodemográfico e à escala de Burnout pessoal do CBI
traduzida e validada no Brasil por Campos et al. (2013).
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Ele é um instrumento desenvolvido com o objetivo de medir e avaliar diferentes


aspectos do Burnout através de 19 questões distribuídas em três escalas: Burnout pessoal,
contendo 6 questões que avaliam o grau de fadiga e exaustão física e psicológica do indivíduo;
Burnout relacionado ao trabalho, contendo 7 questões que avaliam o grau de fadiga e exaustão
física e psicológica do indivíduo no trabalho; e Burnout relacionado ao cliente, contendo 6
questões que avaliam o grau de fadiga e exaustão física e psicológica do indivíduo em relação
ao trabalho com clientes. Nesta pesquisa foi utilizada e analisada apenas a escala de Burnout
pessoal do CBI, uma vez que os cuidadores de crianças e adolescentes com TEA são
predominantemente familiares e sem remuneração, portanto não se enquadrando nas escalas
relacionadas ao trabalho e ao cliente.
As 6 questões presentes na escala de Burnout pessoal do CBI podem ser respondidas
através de uma escala Likert com 5 possibilidades de respostas que remetem à frequência com
que ocorre o sentimento de exaustão física e psicológica experienciadas pelo participante. Dessa
forma, para cada uma delas, o participante pode responder sobre a frequência de exaustão com
as seguintes opções: sempre (100%), frequentemente (75%), às vezes (50%), raramente (25%)
ou nunca/quase nunca (0%), de forma que quanto maior a frequência, maior a percepção de
esgotamento físico e psíquico. Quanto ao cálculo da prevalência da SB, foi considerada para
cada participante a média das porcentagens referentes às respostas das 6 questões, sendo
adotado, neste estudo, escores maiores ou iguais a 50 como ponto de corte para o Burnout.
Nessa pesquisa, a escala revelou boa confiabilidade com um alfa de Cronbach 0,737, calculado
através do programa Jamovi, versão 2.2.5.0., que também foi utilizado para a análise estatística
dos dados obtidos no questionário sociodemográfico e na escala de Burnout pessoal do CBI.
Para a análise das prevalências, as variáveis quantitativas foram descritas por meio de
medidas de tendência central e dispersão, enquanto as variáveis qualitativas foram descritas por
meio de razões e proporções. Para análise da diferença entre as variáveis, foi verificada a
distribuição da normalidade dos dados de cada variável utilizando o teste de Shapiro-Wilk e
assumindo valores de p maiores ou iguais a 0,05 como distribuições normais, sendo utilizados
os testes paramétricos t de Student e análise de variância simples (One-way ANOVA) quando a
distribuição era normal e os testes não paramétricos de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis quando
pelo menos uma das variáveis apresentavam distribuição não normal. Caso fosse verificada
significância estatística nos testes de análise de variância simples (One-way ANOVA) e
Kruskal-Wallis, seria utilizado o teste post-hoc de Tukey para identificar a diferença entre os
grupos das variáveis. O nível de significância adotado foi de 5%, sendo considerados
significativos valores de p<0,05.
Além disso, para a análise qualitativa dos fatores que impactam no desenvolvimento do
Burnout, foram realizados sorteios sucessivos de 2 cuidadores por vez para participarem de
entrevistas semiestruturadas, sendo fechada a amostra de 10 cuidadores por meio de saturação
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teórica, que ocorre quando nenhum novo elemento é encontrado e o acréscimo de novas
informações deixa de ser necessário, pois não altera a compreensão do fenômeno estudado
(NASCIMENTO et al., 2018). Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, que se
caracterizam pela presença de um roteiro de perguntas principais norteadoras e a possibilidade
de perguntas complementares baseadas nas circunstâncias momentâneas do diálogo entre o
pesquisador e o entrevistado. A escolha metodológica da entrevista permite apreender as feições
e impressões do entrevistado, compreendendo seus posicionamentos e como eles enxergam o
fenômeno a ser investigado, algo de suma importância para as pesquisas descritivas e
exploratórias (MOURA; ROCHA, 2017).
As entrevistas foram realizadas com o consentimento livre e esclarecido dos cuidadores,
acontecendo de forma virtual com data e horário agendados previamente com os
entrevistados(as). Além disso, as entrevistas foram gravadas, com prévia autorização do
participante, e transcritas, na íntegra, com o intuito de compor um corpus que foi analisado
através de um processamento sistemático de leitura, análise, categorização e descrição dos
núcleos temáticos para investigar a visão dos cuidadores de crianças ou adolescentes com TEA
sobre os fatores que impactam no desenvolvimento ou agravo da Síndrome de Burnout. A
pesquisa seguiu todos os preceitos éticos das resoluções 466/12 e 510/16 do Conselho Nacional
de Saúde sobre pesquisas envolvendo seres humanos, sendo aprovada pelo Comitê de Ética em
Pesquisas do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal da Paraíba, sob o número
CAAE 47669921.9.000.8069. Todos os participantes foram informados previamente sobre o
objetivo, benefícios e malefícios deste estudo, sendo possível a não aceitação de participar e/ou
abandono livre durante as avaliações.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em relação ao perfil dos cuidadores respondentes (n=46), 45 (97,8%) pertenciam ao


sexo feminino, enquanto apenas 1 (2,2%) pertenceu ao sexo masculino. A média de idade na
amostra foi de 37,9 anos com DP de 7,74, com idade mínima de 22 e máxima de 57 anos. Para
fins de análise da prevalência da SB por grupos, a idade foi categorizada em três faixas: entre 22
e 33 anos, entre 34 e 45 anos e entre 46 e 57 anos, contendo respectivamente 14 (30,4%), 26
(56,5%) e 6 (13%) pessoas da amostra. Em relação ao estado civil, para investigar a prevalência
da SB em relação a presença ou não de relacionamento estável do(a) cuidador(a) principal, os
grupos de casados(as) e de união estável foram agrupados na categoria com relacionamento
estável, contendo 31 (67,4%) da amostra, enquanto os grupos de solteiros(as), divorciados(as) e
viúvos(as) foram agrupados na categoria sem relacionamento estável, contendo 15 (32,6%) da
amostra.
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De acordo com a escolaridade, os grupos foram caracterizados da seguinte forma: 23


(50%) com Ensino Superior Completo, 18 (39,1%) com Ensino Médio Completo, 2 (4,3%) com
Ensino Fundamental Completo e 3 (6,5%) com Ensino Fundamental Incompleto. Em relação às
profissões, 11 (23,9%) afirmaram ser “do lar”, 6 (13,0%) autônomas e 4 (8,7%) professoras,
porém vale ressaltar que, entre as demais profissões, aquelas da área da saúde somaram 12
pessoas (26,1%), enquanto as diversas profissões restantes somaram 13 indivíduos (28,3%).
Quanto às perguntas da escala de Burnout pessoal do CBI, como exposto na Tabela 1, na
primeira pergunta “Com que frequência se sente cansado(a)?” 23 (50%) pessoas responderam
“sempre”, 16 (34,8%) responderam “frequentemente” e 7 (15,2%) responderam “às vezes”.

Tabela 1 – Respostas à escala de Burnout Pessoal do CBI

Fonte: Produzida pelos autores

Na resposta da segunda pergunta “Com que frequência se sente fisicamente


exausto(a)?”, 17 pessoas (37%) responderam “sempre”, 12 (26,1%) responderam
“frequentemente”, 14 (30,4%) responderam “às vezes”, 2 (4,3%) responderam “raramente” e 1
(2,2%) respondeu “nunca ou quase nunca”. Como resposta à terceira pergunta “Com que
frequência se sente emocionalmente exausto(a)?”, 16 (34,8%) cuidadores(as) responderam
“sempre”, 16 (34,8%) responderam “frequentemente”, 13 (28,3%) responderam “às vezes” e 1
(2,2%) respondeu “nunca ou quase nunca”.
Em resposta à quarta pergunta “Com que frequência pensa ‘Eu não aguento mais
isto’?”, 8 pessoas (17,4%) responderam “sempre”, 16 (34,8%) responderam “frequentemente”,
15 (32,6%) responderam “às vezes”, 4 (8,7%) responderam “raramente” e 3 (6,5%)
responderam “nunca ou quase nunca”. Já na quinta pergunta “Com que frequência se sente
fatigado(a)?”, 17 (37%) cuidadores(as) responderam “sempre”, 17 (37%) responderam
“frequentemente”, 11 (23,9%) responderam “às vezes” e 1 (2,2%) respondeu “raramente”. Na
resposta da sexta e última pergunta “Com que frequência se sente frágil e suscetível a ficar
doente?”, 9 (19,6%) pessoas responderam “sempre”, 15 (32,6%) responderam
“frequentemente”, 14 (30,4%) responderam “às vezes”, 7 (15,2%) responderam “raramente” e 1
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(2,2%) respondeu “nunca ou quase nunca”. A partir das respostas coletadas, observa-se que, em
todas as 6 perguntas da escala de Burnout pessoal do CBI, as opções “frequentemente” e
“sempre” somam pelo menos 52,2% das respostas dos cuidadores quando avaliam com que
frequência sentem exaustão física e psicológica.
Em relação ao escore de Burnout nos cuidadores, a média na amostra foi de 72,3 e
desvio padrão de 15,6, com escore mínimo de 45,8 e máximo de 100. A prevalência de Burnout
na amostra foi de 95,7%, com escore igual ou maior a 50 em 44 dos 46 cuidadores. No que se
refere à prevalência da SB nas diferentes características do questionário sociodemográfico,
como exposto na Tabela 2, temos que a prevalência por sexo na amostra foi de um indivíduo
(100%) no sexo masculino e 43 (95,5%) no sexo feminino, com medianas de escore 62,5 (IQR
62,5-62,5) e 70,8 (IQR 83,3-58,3) respectivamente, não existindo diferença estatisticamente
significativa entre os grupos (p=0,473).

Tabela 2 – Prevalência da SB por variável sociodemográfica

Fonte: Produzida pelos autores

Em relação à idade, a prevalência da SB na amostra foi de 14 (100%) no grupo entre 22


e 33 anos, 25 (96,1%) no grupo entre 34 e 45 anos, e 5 (83,3%) no grupo entre 46 e 57 anos,
com médias e desvio padrão de 75 (14,4), 71,8 (16,3) e 68,0 (17,2) respectivamente, não
existindo diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p=0,652). Em relação à
prevalência por estado civil, verificou-se que 30 (96,7%) do grupo com relacionamento estável
apresentava Burnout, comparado a 14 (93,3%) do grupo que não possui relacionamento estável.
O grupo com relacionamento estável apresentou média e desvio padrão de 70,3 (16,3), enquanto
o grupo que não possui relacionamento estável apresentou 76,4 (13,7), não existindo diferença
estatisticamente significativa entre os grupos na amostra (p=0,219). A prevalência de por
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escolaridade foi de 21 (91,3%) no grupo com Ensino Superior Completo, 18 (100%) no grupo
com Ensino Médio Completo, 2 (100%) no grupo com Ensino Fundamental Completo e 3
(100%) no grupo com Ensino Fundamental Incompleto, com medianas de 66,7 (IQR 81,2-58,3),
77,1 (IQR 90,6-66,7], 68,7 (IQR 76,0-61,5) e 66,7 (IQR 79,2-66,7) respectivamente, não
havendo diferença estatisticamente significativa na amostra (p=0,536). Por fim, a prevalência de
Burnout por profissão foi de 11 (100%) no grupo “do lar”, 6 (100%) no grupo “autônoma”, 3
(75%) no grupo “professora”, 12 (100%) no grupo de profissões da área da saúde e 12 (92,3%)
no grupo de outras profissões diversas. As médias e desvios padrões foram, respectivamente,
73,9(17,5), 77,8(16,6), 64,6(15,4), 77,1(14,3) e 66,3(14,3), não havendo diferença
estatisticamente significativa entre os grupos na amostra (p=0,313).
Pode-se observar, neste estudo, o impacto que a função de cuidador exerce no
desenvolvimento ou agravo da SB nos cuidadores familiares de crianças ou adolescentes com
TEA, tendo em vista não apenas a alta prevalência da síndrome na amostra, mas sua média
elevada, o que é um indício da gravidade do Burnout a que os cuidadores estão submetidos no
desempenho de suas funções. Este achado entra em concordância com a literatura existente a
respeito do agravante de exercer funções assistencialistas no desenvolvimento da SB, nas quais
o cuidador acaba por abdicar de partes de suas vidas que são responsáveis pelo bem-estar
próprio e passa a ter um foco maior no bem-estar do outro, em função da responsabilidade que
assume como cuidador (SILVA et al., 2018).
Em cuidadores familiares, como exposto por Torquatto, Freire e Junior (2011), é
possível observar esse agravante principalmente nas mães, que muitas vezes acabam assumindo
a responsabilidade pela função de cuidadoras, seja por vontade própria ou por imposição do
restante da família, o que frequentemente resulta em abandono da vida profissional e redução de
atividades de lazer e convívio social devido às dificuldades de socialização e de acomodação
que o TEA provoca nas crianças e adolescentes, o que dificulta as atividades em ambientes fora
da casa da família.
Nesse estudo, esse contexto é sugerido, pois, ainda que não tenha existido diferença
estatisticamente significativa, possivelmente devido ao tamanho da amostra, foi observada uma
grande discrepância nas características dos cuidadores que se inscreveram voluntariamente:
quase em sua totalidade os cuidadores são do sexo feminino, genitoras, em relacionamento
estável, entre 34 e 45 anos e com Ensino Superior completo, porém grande parte abdicou da
vida profissional e da antiga profissão para não trabalhar fora de casa e desempenhar a função
de cuidadora em tempo integral. Dessa maneira, devido à maior responsabilidade que acaba
sendo imposta às mães no cuidado dos filhos, essas acabam por assumir posições com maior
exposição ao desenvolvimento do esgotamento, uma vez que ou abandonam a própria carreira e
abdicam desse aspecto gerador de independência, autonomia e bem-estar, ou passam a ter uma
dupla carga horária ao tentar conciliar a vida profissional fora de casa com a função de
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cuidadora em casa, contribuindo para o aumento da sobrecarga física e psicológica, o que


condiz com a literatura existente a respeito dos impactos à qualidade de vida das mães na função
de cuidadoras familiares (TORQUATTO; FREIRE; JUNIOR, 2011).
De forma semelhante, foi possível verificar esses aspectos através das respostas obtidas
nas entrevistas semiestruturadas, nas quais as cuidadoras confirmaram a dificuldade de
conciliação de diferentes responsabilidades e seu impacto no Burnout. Foi possível perceber que
existe uma grande autocobrança das mães, o que contribuiu para um sentimento de
responsabilidade sobre todos os aspectos do cuidado do filho, com a mãe tendo que assumir
papéis que normalmente seriam desempenhados por equipe multiprofissional de educação e de
saúde. Além dessa autocobrança, também foi relatado que existia um julgamento e cobrança
externos, fazendo com que essas responsabilidades fossem transferidas às genitoras,
contribuindo para a sobrecarga física e psicológica:

Vinha aquelas questões de culpa porque tinham pessoas com comparações


″fulano come bem, meu menino fala, você mima demais, você faz isso, você
faz aquilo″ então eu nunca me senti culpada, mas existia uma autocobrança
da minha parte em me dedicar mais para que aquilo pudesse ser superado,
então essa autocobrança piorou mais ainda a minha ansiedade (participante
8).

Eu nunca tive auxílio de um psicólogo, nem de um psicopedagogo, de nada,


eu tive que aprender sozinha a como lidar com as crises do meu filho, sem
saber se era o correto ou não (participante 5).

Ademais, outro fator presente em todas as 10 entrevistas foi o relato de dificuldade em


ter que conciliar a vida profissional e a função de cuidadora, o que causava aumento da
sobrecarga. Além disso, as cuidadoras também referiram que, por serem mulheres, era-lhes
atribuída toda a responsabilidade pela função de cuidar da criança e dos afazeres domésticos,
raramente ocorrendo divisão justa das tarefas ou revezamento no cuidado da criança, fazendo
com que a mãe assumisse uma carga exacerbada de responsabilidades e o pai assumindo apenas
o papel de provedor financeiro:

É bem diferente, o homem, falando como pai, tem aquela visão de chegar,
trabalhar e colocar as coisas dentro de casa, a gente não, a gente tem que dar
conta de casa, trabalhar, dar conta da terapia do meu filho. É bem mais para a
mulher, é muito desigual. Eu não posso ter carteira assinada por conta do
meu filho, fica impossível conciliar cuidar dele e do trabalho (participante 4).

Infelizmente a sociedade é muito machista e parece que a responsabilidade e


o peso do cuidado com a criança é só da mulher. É praticamente eu sozinha
para resolver terapia, escola, médico. Se eu precisar para qualquer urgência
eu sei que posso contar com a família, mas no cotidiano mesmo cada um tem
suas preocupações e eu fico isolada, sozinha pra resolver as coisas. Eu
gostaria que o pai dele ajudasse mais. Ajudar não, fazer mais a parte dele
(participante 1).
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Porém, ainda que exista essa divisão desigual no caso de cuidadoras com
relacionamento estável, foi relatado que o fato de possuírem algum apoio dos companheiros
ainda era melhor que estarem sozinhas para lidar com todas as atribuições do cuidado, o que
ilustra uma situação preocupante de dependência das mães em relação aos pais, bem como um
agravante para o esgotamento no caso de cuidadoras que não possuem relacionamento estável
ou apoio do pai da criança:

Ser casada ajuda com certeza, quando a gente é mãe solo a responsabilidade é
toda em dobro, porque você não tem com quem compartilhar aquele
momento para desestressar, conversar e desabafar (participante 5).

Tudo quem vai resolver é a mãe, o pai tá lá, bem distante, bem de boa, e vem
quando quiser, quando der pra vir, a mãe que vai levar no médico, a mãe que
vai levar na escola, a mãe que vai acalmar nas crises, acho que a parte que
mais impacta é essa. Em muitos casos os pais não aguentam ou não querem
aguentar, ou não querem ver, não querem enxergar, não querem participar,
dizem que não tem paciência e acabam jogando tudo para a mãe. Sou
divorciada e abandonei o trabalho pra poder cuidar do filho, o maior impacto
é esse, eu sempre trabalhei, sempre fui independente e aí de repente eu tive
que abandonar tudo (participante 9).

Isso se torna preocupante principalmente dentro do contexto de que boa parte das
cuidadoras relatam que deixaram de trabalhar para acompanhar os filhos, fazendo com existisse
uma maior dependência de apoio da família. Nesse cenário, é importante o fato de que boa parte
das entrevistadas citaram a carreira profissional como um fator atenuante do Burnout, com o
trabalho profissional sendo encarado como uma espécie de terapia e realização pessoal em meio
à sobrecarga provocada pela função de cuidadora:

Eu tenho a sorte de trabalhar com uma coisa que eu gosto muito, que é criar.
Então assim, não é um trabalho cansativo, não, na verdade ele é até relaxante
para mim. Ele ajuda e muito (participante 3).

Eu acho que o trabalho é um modo de terapia, você tirar as preocupações da


mente. Quando você não tem nenhum hobby, nenhuma ocupação, nem nada,
você fica mais estressado, mais ansioso. Para mim o trabalho é uma coisa
boa, é uma terapia mesmo (participante 5).

Dentro desse aspecto de realização pessoal, as cuidadoras também relataram a


dificuldade em conciliar a vida pessoal e atividades de lazer com as demais responsabilidades
que são atribuídas a elas no contexto geral de cuidado dos filhos com TEA, fazendo com que
sofressem uma falta de realização pessoal, característica do Burnout:

Muitas vezes muitas mães deixam sua vaidade de lado, mas tem muitas
vaidades que precisam existir, porque a gente tem que ter nosso momento de
lazer, de beleza, tudo, a gente precisa estar bem consigo mesma, mas só que
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às vezes me preocupo tanto e às vezes a pessoa tem tanto cuidado com o filho
que acaba não se preocupando tanto com ela mesma (participante 7).

Nesse sentido, as cuidadoras também destacaram que sofrem um isolamento devido à


grande demanda da função de cuidar, a diminuição do tempo para desenvolver relações sociais
além do domicílio, além do estigma ainda presente na sociedade em relação ao TEA, o que
contribui para sentimentos de solidão e ausência de rede de apoio:

Eu sinto bastante falta, sendo que já sou bem acostumada com questão de
isolamento. Nós, mães de autistas, já vivemos muito isoladas, eu sofria muito
nos finais de semana, porque todo mundo estava nas praias, saindo e eu em
casa (participante 6).

Como visto em alguns trechos das entrevistas, diversos fatores contribuíram para o
desenvolvimento ou agravamento da SB nos(as) cuidadores(as) de crianças ou adolescentes com
TEA, especialmente nas mães-cuidadoras, que representam a maioria. É possível perceber que a
sobrecarga física e psíquica, nesta população, tem origem não apenas na função de cuidar, que
já é um fator de risco para a SB, mas também no somatório de aspectos que envolvem a
imposição de outras responsabilidades além da função de cuidar, impactando em aspectos da
vida pessoal, conjugal e profissional das cuidadoras.

CONCLUSÕES

O presente estudo demonstrou que existe uma prevalência elevada da SB na amostra de


cuidadores de crianças ou adolescentes com TEA, com o perfil sendo composto
predominantemente por mães, o que reforça a literatura existente a respeito da predominância
materna no desempenho da função de cuidador(a). Além disso, houve predominância, entre os
participantes, dos grupos com idade entre 34 e 45 anos e em relacionamento estável, com
Ensino Superior Completo e majoritariamente “do lar”. Apesar da elevada prevalência de
Burnout e do perfil majoritário da amostra serem indicativos de possíveis fatores de risco para o
desenvolvimento ou agravo da SB nessa população, o estudo apresentou limitações no que diz
respeito ao tamanho da amostra, com os resultados entre os grupos não possuindo diferenças
estatisticamente significativas, não sendo possível generalizar os resultados para toda a
população de cuidadores e sendo necessário que mais estudos sejam desenvolvidos com maior
tamanho amostral para avaliar as correlações de sexo, idade, estado civil, escolaridade e
profissão com o desenvolvimento do Burnout nos cuidadores.
No entanto, a partir dos resultados encontrados, observa-se que os cuidadores de
crianças ou adolescentes com TEA estão sujeitos a diversas situações nos âmbitos pessoal,
conjugal, familiar e profissional que impactam negativamente na sua qualidade de vida e bem-
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estar, contribuindo para o aumento da sobrecarga física e psíquica, que pode desencadear a SB.
Ademais, percebeu-se que esse encargo ocorre nos cuidadores através de diversos aspectos
como a necessidade de conciliar o trabalho profissional, as tarefas domésticas e o
acompanhamento do filho, aumentando os sentimentos de ansiedade, solidão e depressão devido
à frequente abdicação da carreira profissional, do tempo de lazer e autocuidado, bem como a
falta de convívio social e compartilhamento de experiências com outras pessoas.
Dessa forma, percebe-se a necessidade do aumento de visibilidade a respeito das
necessidades dos cuidadores, bem como um acompanhamento e suporte adequados para impedir
o processo de adoecimento também nesta população.

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Recebido em: 12/11/2022


Aprovado em: 15/12/2022
Publicado em: 20/12/2022

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