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ALGARVE
INFORMATIVO 25 de novembro, 2023
OPINIÃO
Mirian Tavares (pág. 116)
obras cuja ambiguidade formal (pintura, o lugar onde a arte acontece. A ideia de
escultura, instalação) torna ainda mais habitar o espaço foi também uma
complexa a interpretação do que tem maneira que os artistas encontraram para
diante de si. E do que habita o espaço da demonstrar a validade de uma metáfora.
galeria – que é tomada pelos artistas e A galeria é uma casa, será um lar
transformada num espaço, no sentido possível? E quem tem acesso ao
hedeiggeriano do termo – o lugar de espaço/casa/lar? Quem nele habita?
onde não se pode fugir, o lugar do
enfrentamento com o real ou com as As obras que Luís Marques apresenta
nossas limitações de linguagem ou de dão continuidade aos trabalhos que o
interpretação. No caso desta exposição, é caracterizam como artista – trazem a sua
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assinatura. Uma assinatura que se sentidos que damos aos espaços. Sejam
evidencia na escolha dos materiais – eles sociais, políticos, afetivos ou
rudimentares, naturais, restos de coisas – artísticos. A galeria, casa das artes, abriga
e na metodologia da sua constituição. O uma casa dentro de si – pronta para ser
artista se reconhece como fazedor, cria percorrida, acentuando assim o jogo da
com suas próprias mãos os tijolos que arte, entre a simulação e a realidade,
dão forma às esculturas/instalações que tornando artística algumas das questões
nos traz em Home/House. Este gesto que Heidegger propõe aos seus leitores.
remete-nos à ideia de tradição, de
manufactura, de um passado que foi Além das obras criadas por Luís
substituído pelo betão e que só resiste, de Marques e Rúben Gonçalves, o
maneira discreta e quase invisível, em espectador é confrontado com uma peça
construções perdidas pelo Algarve, região que, não sendo de nenhum deles, torna-
que foi esventrada pelo rápido e voraz se de ambos. Aqui, os artistas/curadores
crescimento imobiliário. fizeram uma escolha dentro do acervo do
Museu Municipal de Faro, de um objeto
Há ainda uma pintura, que se apresenta que fosse icónico, que revelasse uma
como uma obra tridimensional, ligação intrínseca ao lugar. A escolha
acentuando a ambiguidade daquilo que recaiu sobre um tríptico em azulejos que
representa – uma paisagem talvez, mas traz a imagem de Santo António no
uma paisagem que subsome no traço centro. Quer a imagem do santo, e a sua
mais abstrato, uma paisagem que própria significação, quer o azulejo são
emerge, como uma ideia, uma sombra. elementos presentes em várias casas
Uma imagem do passado no presente, tradicionais, proporcionando, muitas
afirmando assim o seu lugar noutra vezes, a transformação de casa em lar, ao
paisagem que a subjugou. revelar as escolhas, os gostos, as crenças
de quem nelas habita.
Rúben Gonçalves concentra as suas
obras também no espaço, mas com um Entre as técnicas tradicionais e as
acento na geografia humana, ou na sua escolhas contemporâneas, os artistas
ausência. As obras desta exposição – uma construíram uma exposição que leva o
instalação, uma escultura e uma pintura – espectador a sair da sua função, muitas
usam o espaço da galeria como um lugar vezes passiva, para entrar num jogo que
de reflexão sobre a habitação, ou a falta faz com que ele encare o espaço – o lugar
dela, sobre a exclusão das pessoas do que da angústia, aquele do qual já não se
deveria ser um lar, o Algarve, convertido consegue fazer ilações, pois é um
no paraíso de casas de veraneio. O artista existente, e a sua materialidade e dureza
convoca a arquitetura evidenciando as obrigam a cada um de nós a ver, através
suas nuances e o seu caráter simbólico. da arte e pela arte, o possível lugar do
Uma casa é sempre mais que uma casa, real. O lugar onde a vida acontece .
uma edificação não é apenas feita de
pedras – há sempre algo que nos escapa
ou que nela acrescentamos através dos
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Octogésima sétima tabuinha - Versos e ruas
Ana Isabel Soares (Professora)
uço muito a Romanceiro e Cancioneiro do Algarve.
telefonia: acordo Devo tê-la ouvido num dos registos do
a ouvir a estação Tiago Pereira (da Música Portuguesa a
de rádio, deito- Gostar Dela Própria, que é aquilo que a
me e adormeço música portuguesa gosta de fazer) e diz
ao som da rádio; assim: “Encontrei o sol de noite / na rua
se vou a conduzir, dos mercadores / Quando o sol anda de
levo o rádio aceso. A Senhora Virgília, noite / que fará quem tem amores”. Ou o
que Deus tem e tanto me ensinou, diria: meu ouvido me atraiçoou ou ouvi mesmo
“É uma companha”. É isso, faz-me assim, se bem que no tal «Archive»
companhia e garante-me a dose diária de aparece transcrito aquele terceiro verso
surpresas e espantos (só falo dos como “quando o sol and'ás occultas”, o
espantos e das surpresas que me trazem que me soa muito mais lindo. Ora, o que
sorrisos, que outros são de ocorrência este arquivo me mostrou também foi o
mais frequente ainda, mas bem os resto da composição, ou do poema, que
dispensaria e não tenho palavras para contém, nas três estrofes derradeiras,
com eles desperdiçar). Calha ouvir outras tantas referências a nomes de
alguma melodia bonita ou uma letra que ruas: além desta “dos mercadores”,
me desperte mais a atenção, anoto em aparece uma “rua de Serpa Pinto”, outra,
papelinhos, escrevo ou dito para o suponho que igualmente rua, “da
telefone (que nem sempre há papelinhos G^rredoara”, que é mais capaz de ser “da
à mão). Depois, com esta dispersão e o Corredora” e uma “rua do Garapeto”
meu carácter naturalmente esquecido (“Carapeto”...?), onde “não se pode
(que é distraído do tempo), descubro namorar” porque de dia há “velhas à
essas anotações com nova surpresa – em porta” (assim mesmo, o acento gralhado)
grande parte das vezes, se não registo a e de noite há “cães a ladrar”. Da melodia
data em que ouvi o que ouvi, não faço não recordo nada, paciência – mas os
ideia do quando, do onde, do quem. O versos têm medida que se ajusta a
telemóvel marca algumas destas qualquer trautear, é cantá-los e saem
informações – mas eu lá confio num cantigas. De que cantiga me fui lembrar a
telemóvel mais do que na minha própria propósito da dita quadrinha, mas? Nada
letra? mais nada menos do que uma das minhas
favoritas ali da zona da infância,
O que achei eu? Uma bela quadrazinha, composição de um filósofo que até, por
que anotei completa e já localizei (hoje é sinal, foi quem, cerimoniosamente, me
tão fácil), no «Internet Archive», como entregou em mãos o diploma de
integrante de um rol delas no doutorada (por ser na altura o Reitor da
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