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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

O Estado Novo no Rio


Grande do Sul e outros
ensaios

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

CONSELHO EDITORIAL

Alvaro Santos Simões Junior


- Universidade Estadual Paulista – Assis -
António Ventura
- Universidade de Lisboa -
Beatriz Weigert
- Universidade de Évora -
Carlos Alexandre Baumgarten
- Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul -
Carlos Carranca
- Universidade Lusófona -
Eloisa Helena Capovilla da Luz Ramos
- Universidade do Vale do Rio dos Sinos -
Ernesto Rodrigues
- CLEPUL – Universidade de Lisboa -
Francisco Gonzalo Fernandez Suarez
- Universidade de Santiago de Compostela -
Francisco Topa
- Universidade do Porto -
Isabel Lousada
- Universidade Nova de Lisboa -
João Relvão Caetano
- Cátedra Infante Dom Henrique (CIDH) -
José Eduardo Franco
- CIDH e CLEPUL – Universidade de Lisboa -
Maria Aparecida Ribeiro
- Universidade de Coimbra -
Maria Eunice Moreira
- Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul -
Vania Pinheiro Chaves
- CIDH e CLEPUL – Universidade de Lisboa -

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Derocina Alves Campos Sosa


Francisco das Neves Alves (org.)
Luiz Henrique Torres
Michelle Vasconcelos Oliveira do Nascimento
Reto Monico
Rodrigo Santos de Oliveira

O Estado Novo no Rio


Grande do Sul e outros
ensaios

Biblioteca Rio-Grandense

Lisboa / Rio Grande


2017

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

DIRETORIA DA CÁTEDRA INFANTE DOM HENRIQUE


PARA OS ESTUDOS INSULARES ATLÂNTICOS E A
GLOBALIZAÇÃO
Diretor: José Eduardo Franco
Diretor-Adjunto: João Relvão Caetano
Secretária: Aida Sampaio Lemos
Tesoureira: Joana Balsa de Pinho
Vogais: Maurício Marques, Paulo Raimundo e Carlos Carreto

DIRETORIA DA BIBLIOTECA RIO-GRANDENSE


Presidente: Pedro Alberto Távora Brasil
Vice-Presidente: Francisco das Neves Alves
Diretor de Acervo: Mauro Póvoas
1º Secretário: Paulo Somensi
2º Secretário: Luiz Henrique Torres
1º Tesoureiro: Valdir Barroco
2º Tesoureiro: Roland Pires Nicola

Ficha Técnica
- Título: O Estado Novo no Rio Grande do Sul e outros ensaios
- Autores: Derocina Alves Campos Sosa; Francisco das Neves
Alves (org.); Luiz Henrique Torres; Michelle Vasconcelos
Oliveira do Nascimento; Reto Monico; Rodrigo Santos de
Oliveira
- Coleção Rio-Grandense, 5
- Composição & Paginação: Marcelo França de Oliveira
- Cátedra Infante Dom Henrique para os Estudos Insulares
Atlânticos e a Globalização
- Biblioteca Rio-Grandense
- Lisboa / Rio Grande, Agosto de 2017

ISBN – 978-85-67193-11-3

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

APRESENTAÇÃO
Os anos trinta do século XX constituem um dos
momentos mais instáveis da formação histórica brasileira e
um caminho indelével em direção ao autoritarismo. O
tradicional modelo liberal da República Oligárquica fora
interrompido a partir da Revolução de 1930, oriunda dos
moldes políticos anteriores, mas que prometeu a instalação
de uma República Nova, modernizada no campo político,
social e econômico em relação ao propalado anacronismo
dos tempos pretéritos. Daí em diante, sob regime ditatorial,
o Governo Provisório trouxe uma reordenação quanto ao
poder, surgindo várias discussões quanto ao momento
propício da reconstitucionalização do país, postergando-se
ao máximo a convocação de processos eleitorais.
A Revolução de 1932 reuniu os apeados e os
insatisfeitos com a nova divisão do poder que, derrotados,
abriram caminho à consolidação do grupo que chegara ao
governo em 1930. Após vários anos, o país voltava ao
caminho das urnas para compor uma Assembleia
Constituinte que dota a nação de uma nova constituição.
As eleições para a presidência da República são indiretas e,
portanto, sem participação popular. A vigência plena da
Constituição de 1934 seria extremamente exígua, pois,
notadamente após as revoltas comunistas de 1935,
prevaleceria o estado de exceção. Apesar do
encaminhamento de uma campanha eleitoral, o ano de 1937
foi marcado pelos prenúncios do golpe que se cristalizou
em novembro, com a instauração da ditadura estado-
novista.

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

O Estado Novo foi um dos regimes mais


autoritários do processo histórico brasileiro, com a plena
concentração de poderes nas mãos do presidente da
República e a total escamoteação dos pressupostos liberal-
democráticos. Os princípios federativos também caíram por
terra, com uma ferrenha centralização político-
administrativa e a inibição das tendências regionalistas. O
Estado passava a dominar amiúde os mais variados setores
da sociedade brasileira, controlando incisivamente a vida
política, a econômica e a social. Foi instituído um aparelho
burocrático e repressivo e uma ordenação ideológica com
duas vertentes essenciais, a propagandística do regime e a
coercitiva, com um sistema de censura e vigilância
recorrente.
O ano de 2017 marca a passagem do 80º ano da
instauração do Estado Novo e, em termos de ciência
histórica, tais datas redondas têm servido para a promoção
de reflexões, análises e reinterpretações acerca de processos
históricos. Nesse sentido, a Biblioteca Rio-Grandense
reuniu em um Seminário Internacional alguns especialistas
para debaterem temas concernentes e correlatos à ditadura
estado-novista. De tal atividade, resultou o presente livro,
trazendo alguns dos textos apresentados durante o evento
e que buscam contribuir com a construção historiográfica a
respeito do Estado Novo.

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

SUMÁRIO

O Golpe do Estado Novo na Imprensa Gaúcha:


algumas considerações (9)

A instauração do Estado Novo e a imprensa rio-


grandina: o caso do jornal O Tempo (35)

Historiografia do Rio Grande do Sul no Estado


Novo (53)

O Golpe de Vargas na imprensa francesa


(novembro de 1937) (67)

Comunismo e anticomunismo no Brasil e a


“matriz” de anticomunismo integralista às
vésperas do Estado Novo (1922-1937) (94)

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

O Golpe do Estado Novo na


Imprensa Gaúcha: algumas
considerações
Derocina Alves Campos Sosa*
O golpe do Estado Novo estava sendo preparado
principalmente desde 1935, por ocasião da repressão à
Intentona Comunista, mas significou um movimento de
continuidade histórica do grupo que chegara o poder em
1930 e pretendia garantir a sua continuidade no mando do
Estado Nacional.
A imprensa gaúcha repercutiu o desenrolar dos
acontecimentos que levou à implantação do governo
autoritário de Getúlio Vargas, a partir dos jornais Rio
Grande (Rio Grande), O Tempo (Rio Grande), Correio do
Povo (Porto Alegre), Diário de Notícias (Porto Alegre),
Diário Popular (Pelotas), Opinião Pública (Pelotas), Gazeta
de Alegrete (Alegrete), A Razão (Santa Maria) e Correio
Rio-Grandense (Caxias do Sul e Garibaldi)1. Assim, o Golpe
de 1937 já vinha sendo gestado desde a Lei de Segurança
Nacional de janeiro de 1935 e o próprio autoritarismo já

* Professora do Instituto de Ciência Humanas e da Informação da


Universidade Federal do Rio Grande. Doutora em História –
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
1 Um histórico de cada um dos jornais, bem como os conceitos

teórico-metodológicos utilizados na pesquisa estão expressos em:


SOSA, 2007.

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

tinha começado a dar seus passos desde a Revolução de


1930.
Esse processo freado pela Constituição de 1934 foi
reativado após 1935. Luiz Roberto Lopes escreveu que:

Por um momento em 1937, a repressão que o país vinha


sofrendo desde 1935, afrouxou. O Congresso,
considerando que se estava às vésperas de eleições,
recusou uma nova prorrogação do estado de sítio. Getúlio
Vargas numa atitude de represália destinada a colocar em
pânico os setores conservadores civis e militares, abriu as
portas das prisões para presos políticos. Ao mesmo tempo
em que esses fatos aconteciam, o dispositivo militar
golpista, indispensável no momento da ação, se fortalecia.
O Exército estava descontente com o Congresso por ter este
aprovado leis que retiravam aos militares tradicionais
privilégios, conforme, aliás uma sugestão esperta do
próprio Getúlio. Além disso, Góes Monteiro, o principal
articulador militar do golpe de 1937, efetuou, naquele ano
agitado, a intervenção Rio Grande do Sul. O General
Daltro Filho assumiu o comando local da situação, Flores
da Cunha fugiu, ‘os corpos provisórios’ foram
desmobilizados e a Brigada Militar foi federalizada. Foi,
em suma, um minigolpe regional contra uma oposição em
perspectiva. À medida que o ano de 1937 se aproximava
do fim, a ditadura ia ganhando contornos nítidos. Em
determinado momento, o governo anunciou ter
‘descoberto’ um plano comunista de subversão - o Plano
Cohen. Na verdade, este plano foi uma fraude do governo
para manter acesa a chama anticomunista, o suporte
principal do golpe que se tramava (LOPES, 1991, p. 89).

Os meios de comunicação transmitiam aquilo que o


Estado queria e a imagem do presidente era muito
trabalhada no sentido de fazer com que o vissem como o
condutor das massas, o líder capaz de conduzir o Brasil ao

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

seu destino de progresso econômico e social . Boris Fausto


referindo-se a essa visão de governo escreveu:

Nas várias manifestações dirigidas ao grande público ou


nas páginas de publicações como Cultura Política,
destinadas a um Círculo mais restrito, o Estado Novo
procurou transmitir sua . versão da história do país. No
âmbito da história mais recente, ele se apresentava como a
consequência lógica da Revolução de 1930. Fazia um corte
radical entre o velho Brasil desunido, dominado pelo
latifúndio e pelas Oligarquias, e o Brasil que nasceu com a
revolução. O Estado Novo teria realizado os objetivos
revolucionários, promovendo através da busca de novas
raízes, da integração nacional, de uma ordem não
dilacerada pelas disputas partidárias a entrada do Brasil
nos tempos modernos (FAUSTO, 1998, p. 376.)

O jornal Correio do Povo manifestou-se de forma


bastante técnica no que se referiu à implantação do Golpe
do Estado Novo. Seguindo a forma anterior de destacar as
notícias dos periódicos do sudeste do país, apresentava as
notícias com pouca tendência à tomada de posição. Essa,
quando ocorria deveria ser observada nas entrelinhas. Em
notícia de 11 de novembro de 1937 trazia a seguinte
chamada: o presidente da República dissolveu a Câmara
dos Deputados e o Senado e promulgou nova Constituição
onde fazia as seguintes referências:

Decidida pelo governo federal a dissolução de todas as


Assembleias legislativas estaduais. Será mantida a
autonomia dos Estados. O Novo texto constitucional.
Renunciaram os governadores Lima Cavalcanti e Juracy
Magalhães. Foi preso o sr. Armando de Salles Oliveira.

Sobre A prisão de Armando de Salles, assim


expunha o jornal:

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Foi, preso, hoje nesta capital, o sr. Armando de Salles


Oliveira, ex-governador de São Paulo e candidato da U.D.B
à presidência da República, por ter incitado o Exército à
rebelião, através de boletins que tentou distribuir nos
quartéis.

O jornal destacava ainda, uma nota do gabinete do


Chefe de Polícia em que esse dizia que a Constituição foi
promulgada: “que a transformação se operou de modo
pacífico e que teve, por fim, assegurar a paz à Nação. A
Constituição será submetida a Plebiscito Nacional. A nova
Constituição assegura de modo mais completo, a
autoridade da União e arma o governo de meios normais
para a defesa da ordem. Haverá o Parlamento e um
Conselho consultivo de economia nacional. São garantidos
todos os direitos e contratos”(idem).
O plebiscito como se sabe, nunca chegou a ocorrer, a
censura foi intensificada e as brechas que levaram à
oposição ao Estado Novo somente foram possíveis com a
entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial em 1942,
quando então foram expostas as contradições do regime
que externamente lutava contra os fascismos europeus e
internamente impunha ao país um autoritarismo sem
precedentes. A censura à imprensa tão amplamente
discutida pelos jornais desde 1930 foi imposta
verticalmente, com o chefe do Executivo assumindo todas
as funções de Estado. Sobre a extinção dos partidos
políticos, os jornais faziam referências chamando a atenção
para o ambiente de instabilidade criado pela ameaça
comunista, o que justificaria, em última instância, tal
atitude. Sobre isso, o jornal A Razão de Santa Maria no
artigo Extintos os Partidos Políticos assim se manifestou:

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

O presidente da República assinou decreto, hoje, na pasta


da Justiça, dissolvendo todos os partidos políticos baseado
nas atribuições que lhe confere o artigo 180 da Constituição
de 10 de novembro último. O decreto é precedido de
diversos considerandos nos quais fica provada
exuberantemente a incompatibilidade existente entre as
agremiações políticas e o Estatuto Magno em vigor. Depois
desses considerandos, vem os artigos do decreto que são os
seguintes. Artigo 1º- Ficam dissolvidos nesta data todos os
partidos políticos. Artigo 2º- É vedado o uso de uniformes,
estandartes, distintivos e outros 4 Idem. símbolos dos
partidos políticos e organizações auxiliares compreendidos
no artigo 1. Artigo 3º- Fica proibida até a promulgação da
lei eleitoral a organização de partidos políticos seja qual for
a forma de que se revista a sua constituição ainda que de
sociedade civil destinada ostensivamente a outros fins uma
vez que se verifique haver na organização, o propósito
próximo ou remoto, de transformá-la em instrumento de
propaganda de ideias políticas. Artigo 4º- Aos políticos
compreendidos no artigo 1º é permitido continuarem a
existir como sociedade civil para fins culturais,
beneficentes ou desportivos, desde que o não façam com a
mesma denominação com que se registraram como
partidos políticos. Artigo 5º- Não será permitido aos
militares de terra e mar, assim como aos membros de
outras corporações de caráter militar, pertencerem ás
sociedades civis em que transformarem os partidos político
a que se refere o artigo 1º. Artigo 6º- As contravenções a
esta lei serão punidas com a pena de prisão de 2 a 4 meses
e multa de 5 a 10 contos de réis. Artigo 7º- Revogam-se as
disposições em contrário (A Razão, 4-12-1937).

Em uma outra chamada nesse mesmo dia, o jornal


salientava que a Ação Integralista Brasileira também
passava a ser considerada fora da lei por enquadrar-se nos
artigos do decreto exposto acima. Sabe-se que a Ação
Integralista serviu de suporte ao plano de governo para a

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

implantação do Estado Novo. Depois de conseguido seu


intento, acabou se descartando desse movimento, que
organizou um outro contrário em 1938, mas não obteve
sucesso. É interessante observar que o projeto do Estado
Novo foi muito bem planejado de maneira que as oposições
nos estados acabaram eliminadas e os antigos líderes locais
arregimentados para o lado do governo, temendo a
possibilidade de ataques comunistas. No RS, as antigas
agremiações, PRR e PL, que já vinham sendo cooptadas
pelo governo, após o exílio de Flores da Cunha assumiram
de certa forma a necessidade do estado de exceção. Os
jornais, ligados a essas correntes políticas também.
Obviamente dizemos isso, sem esquecermos o componente
coercitivo que acabava convencendo os mais renitentes. Em
nota de 23 de abril de 1938, a Gazeta de Alegrete assim se
manifestava:

O Sr. Getúlio Vargas concedeu importante entrevista


coletiva à Imprensa. Reunindo especialmente os
representantes dos jornais cariocas. S. Excia. Abordou os
mais importantes e palpitantes temas sobre a
administração e a economia brasileira. O chefe da Não
afirmou que procedem desonestamente aqueles que
afirmam que o regime que o regime vigente no Brasil será
alterado sob a influência de ideias vindas de fora. Disse
que findou o regime oligárquico, no qual imperavam o
cecequismo, o parasitismo político, o regionalismo e
caudilhismo e eram alentados os extremismos da esquerda
e da direita. O Sr. Getúlio a certa altura da sua palestra
declarou que o regime do Brasil é a verdadeira democracia,
pois foi conservado o sistema representativo
presidencialista e o corporativismo instituído pela
Constituição e é expressão mais fiel das aspirações
populares e o órgão mais adequado para a manifestação
das opiniões. Disse que o fortalecimento do poder
executivo é um fenômeno corrente em todo o mundo, tanto

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

que os próprios países que adotam o parlamentarismo em


certos momentos recorrem ao mesmo expediente para
poderem enfrentar as crises mais sérias.

Os jornais foram sendo assim articulados com o


novo projeto e fizeram extensa propaganda do regime
através de suas páginas, aquelas notícias ou comentários
considerados impróprios eram eliminados e é comum
ocorrerem nesse período a apresentação de páginas
completamente em branco. Isso, no entanto, acabava
servindo a dois propósitos: ao governo que via suas
determinações serem seguidas e ao jornal que através dessa
atitude fazia oposição ao regime, pois uma ou mais páginas
em branco deixava na cabeça do leitor muitas
interrogações. Pouco antes do golpe, os jornais chamavam a
atenção para as atitudes articuladoras do presidente em
relação ao lançamento de um candidato oficial à
presidência da República como mostrava artigo do jornal
Opinião Pública de 16 de março de 1937 sob o título O sr.
Flores da Cunha e as oposições nacionais que trouxe
matéria do Diário de Notícias do Rio de Janeiro:

O Diário de Notícias faz em sua edição de hoje os seguintes


comentários. Tudo indica que dentro de poucos dias as
correntes políticas que se defrontam no exame do
problema presidencial deem um passo à frente tornando
públicas as suas divergências. A ação política desenvolvida
pelo Catete já está perfeitamente definida com a
intervenção federal em Mato Grosso e a iminente
intervenção no Distrito Federal. O presidente da República,
ao mesmo tempo que combina, em segredo de estado, o
lançamento da candidatura oficial, retardando, por amor
ao fator tempo, a articulação das forças que o apoiam em
torno de um nome, dá uma demonstração de força. Com
isso, S. excia, pretende não só mostrar que está forte, mas,
também, que se alheia das competições partidárias para a

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

escolha do candidato oficial. Não se acredita, porém, nem


numa coisa nem na outra. O sr. Getúlio Vargas entrou
evidentemente numa fase aguda de azar. Aliás, já não era
sem tempo, porque até nas arbitrárias leis do acaso
observa-se uma certa lógica. Por mais absurdo que pareça,
ao azar também é justo. É natural, destarte que tenha
chegado a vez do sr. Getúlio Vargas.

O artigo seguia condenando as atitudes de Vargas,


que com seus atos insuflava as manobras de Flores da
Cunha que reagia contra as arbitrariedades do Catete.

Como se sabe, o sr. Flores da Cunha é radicalmente


contrário à prática de qualquer ato inconstitucional, a
começar pela prorrogação do mandato do atual presidente
da República. A julgar-se pela atitude decisiva que
assumiu, condenando a intervenção no Distrito Federal,
não pode ter agradado ao governador gaúcho a deposição
do governador de Mato Grosso. Ora, à intervenção em
Mato Grosso seguirá a cassação da autonomia do Distrito
Federal fatos que, pela sua própria natureza, levarão o
general Flores da Cunha, a restabelecer as suas ligações
com as oposições nacionais, como força ponderável, no
bloco partidário que deseja resolver o problema
presidencial fora da esfera de ação do Catete (idem).

Mais dia menos dia acreditava-se que São Paulo e


Rio Grande estariam unidos, para enfrentar, justamente
com as oposições nacionais, a política de golpes e contra-
golpes que caracteriza a ação do Catete. O Diário de
Notícias de Porto Alegre também fez referências ao
lançamento do candidato oficial em nota do dia 25 de maio
de 1937 como segue:

Apesar de feriado nacional, não funcionado, portanto, a


Câmara, sentiu-se, durante todo o dia, redobrar o interesse

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

nos círculos políticos pelo desfecho, amanhã, da


coordenação oficial do sr. Benedito Valadares, para e a
escolha do candidato das maiorias à sucessão. Não resta a
menor dúvida de que o nome a ser proclamado é o do sr.
José Américo, cuja indicação já ficara acertada nas
conferências promovidas pelo governador mineiro, em
Belo Horizonte, depois de contra-marchar na combinação
feita, segunda-feira última, com os representantes de São
Paulo e Rio Grande(...)à tarde será proclamado o nome do
sr. José Américo como candidato oficial á presidência da
República, em oposição à candidatura democrática do sr.
Armando de Salles Oliveira, esperando os interessados na
indicação do ex-ministro da Viação que o seu nome será
recebido pela unanimidade dos representantes dos estados
presentes à Convenção.

Essa clarividência dos acontecimentos permeava


todos os jornais, com maiores ou menores matizes, ou seja,
alguns falavam abertamente sobre a política
intervencionista do governo, entre eles O Tempo, Opinião
Pública, A Razão, Diário de Notícias, Gazeta de Alegrete.
Outros como O Correio do Povo, Rio Grande, Diário
Popular, se referiam de forma mais branda, isso porque
representam as situações locais e não podiam se indispor
com o governo. O Staffetta Rio-grandense por estar ligado a
uma cultura própria pôde por vezes estar mais livre das
pressões políticas.
Em 25 de março de 1936, A Razão chamava a
atenção para a prisão do senador Abel Chermont, dos
deputados Otávio Silveira, Domingos Velasco, Abguar
Bastos e do advogado João Mangabeira por serem
considerados subversivos e de estarem envolvidos junto
com Harri Berger(agente comunista no Brasil) e Luís Carlos
Prestes nos levantes comunistas ocorridos em novembro de
1935. Escrevia o jornal:

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Por determinação da chefia de polícia do Distrito Federal


foram presos, ontem, o senador Abel Chermont, deputado
Otávio Silveira, Domingos Velasco, Abguar Bastos e o
advogado João Mangabeira. A prisão daqueles
parlamentares foi recebida com surpresa. O Sr. Abel
Chermont vinha, no senado, proferindo discursos, que
bem poderiam comprometer, porém não se esperava a sua
prisão. Os deputados Otávio Silveira, Domingos Velasco e
Abguar Bastos sempre se mostraram contrários. Quanto ao
advogado João Mangabeira havia ele, há pouco, impetrado
uma ‘hábeas corpus’ em favor dos intelectuais presos no
Pedro I, o que lhe valeu fortes ataques de alguns jornais.
Em nota que divulgou hoje, o chefe de Polícia, capitão
Felinto Müler, diz que essas prisões foram efetuadas
porque o senador Chermont, os três deputados e o
advogado Mangabeira estão seriamente comprometidos
nos documentos encontrados em poder de Harri Berger e
general Luís Carlos Prestes.

A tática do governo em explorar ao máximo os


levantes de novembro surtiu efeito, tanto que, a imprensa
acompanhou a ideia da necessidade de conter o avanço
comunista. As oposições foram então abafadas. Mesmo a
declaração do Estado de Guerra que se seguiu foi
entendido a princípio pelas oposições e pela imprensa
como necessário diante do caos que se instalara.
Durante todo o ano de 1936, os debates se
intensificaram em torno da manutenção do Estado de
Guerra e rumo à sucessão presidencial. A imprensa cada
vez mais cerceada abria algumas brechas para discutir a
sua própria função. Vargas por outro lado, ia insuflando as
oposições e dando a impressão de que se estava diante de
um cenário pré-eleitoral aberto e que a sucessão aconteceria
sem maiores traumas, o que na verdade não ocorreu. Em 19
de dezembro de 1936, o jornal A Razão com a manchete O
desvirtuamento das funções da Imprensa destacou:

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

A função social da imprensa, no Brasil, nestes últimos


tempos, vem sofrendo restrições inacreditáveis. Reduziu-se
o campo de ação dos jornais ao registro mecânico das
informações que convêm ao oficialismo. E transformou-se
a imprensa numa instituição perfeitamente dispensável. As
próprias atividades parlamentares que, pela sua natureza,
deveriam ser amplamente divulgadas, só passam aos olhos
do público depois de sofrerem o contato da tesoura oficial.
Fatos indesmentíveis, ocorrências palpáveis,
acontecimentos de todos conhecidos são proibidos de
figurarem nas colunas dos jornais, mesmo a simples título
de informação. E assim vai a imprensa brasileira
vegetando nesse marasmo criado e alimentado pelos
poderes públicos. Aqui no Rio Grande, em São Paulo, no
Amazonas, onde quer que a opinião pública precise de
orientação definida e sincera, a tesoura oficial penetra nas
redações e reduz os jornais à expressão das coisas sem
expressão.

O editorial foi elencando uma série de elementos


que fizeram da imprensa um baluarte em defesa da
democracia desde a revolução de 1930. O tom é agressivo.
Vejamos:

Entretanto, para a implantação do estado de coisas que


vigora desde trinta, a imprensa concorreu decisivamente,
pregando, desbravando, combatendo. Foi-lhe reservado o
setor mais importante da questão: a orientação da opinião
pública. O movimento, com tal colaboração, só poderia
apresentar os resultados que todos conhecemos: a vitória
integral. De Norte a Sul os ideais de trinta iluminaram a
consciência brasileira. Era natural que, logo após a vitória,
uma vontade de ferro controlasse o entusiasmo natural e
procurasse orientar as atividades da imprensa para os
rumos necessários, isto é, para a reconstrução daquilo que
o valho regime havia malbaratado. Foi o que fez durante o

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

período ditatorial. Reposto o Brasil nos quadros legais,


restabelecidas as prerrogativas da lei era natural que a
imprensa reentrasse nas suas altas funções sociais,
orientando a opinião pública, examinado os problemas de
natureza coletiva e procurando estabelecer, entre nós, o
sentido da verdadeira democracia. Tudo isso não dependia
da própria imprensa, que sempre se manteve fiel ao seu
princípio de sinceridade e patriotismo. O que assistimos,
entretanto, é bem triste e bem diverso. Atualmente a
imprensa brasileira vive num verdadeiro círculo de ferro, à
mercê da vontade despótica da política facciosa e dos
políticos profissionais (...) a manopla da censura, pesada e
inconsciente, arrasa tudo e tudo transforma, mantendo a
opinião pública ao largo dos fatos que interessam à
reconstrução do Brasil e reduzindo a função social da
imprensa ao registro mecânico das informações facciosas.

O mesmo jornal chamava a atenção em 18 de


maio de 1937 sobre a falta de partidos nacionais, o que
acabava dificultando a escolha do sucessor de Vargas. Para
A Razão:

As tremendas dificuldades com que estamos lutando para


a escolha pacífica do candidato à sucessão presidencial da
República, nada mais são do que os resultados da falta de
partidos nacionais, coordenadores, patriotas imbuídos do
verdadeiro espírito de brasilidade. As organizações
partidárias existentes, de norte a sul do país, apenas
refletem interesses regionais ou de grupos políticos,
armados para o assalto ao poder (...) infelizmente, o Brasil
ainda não tem um objetivo claramente definido nas
agitações das suas forças partidárias. Nas ocasiões precisas,
de graves reflexos para a vida e tranquilidade nacionais, os
partidos políticos se entregam a uma discussão que nada
tem a ver com os interesses do país. Conflitos de interesses
pessoais, desejos inconfessáveis de predomínio e essa
vontade doentia que domina os homens inferiores, é o que

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

se verifica nas cogitações que o Brasil vem assistindo


através da atividade de seus partidos. Daí a razão dessa
ausência de compromissos políticos que se nota nos meios
populares. Já o temos afirmado mais de uma vez que no
Brasil ninguém tem compromissos políticos pela simples
razão de que não existem agremiações nitidamente
ideológicas. O que existe, o que se verifica infelizmente é a
existência de agrupamentos formados ou à sombra dos
cofres públicos ou partidos que se transformaram de
organizações idealistas em meros caçadores das boas
graças oficiais.

Os arranjos ou rearranjos políticos feitos pelo


governo foram possíveis em parte por essa falta de
coordenação e a extinção dos partidos em dezembro de
1937 corroborou com essa premissa da falta de partidos
nacionais fortes capazes de barrarem o avanço do
autoritarismo. Quando o assunto da sucessão presidencial
foi ganhando força, as discussões se polarizaram em torno
dos nomes de Armando de Salles Oliveira (governador de
São Paulo) e do paraibano José Américo de Almeida tido
como o candidato oficial do Catete. Sobre a sucessão, A
Gazeta de Alegrete assim se manifestava em 2 de março de
1937:
A atitude do sr. General Flores da Cunha, cuja atividade e
inteligência estiveram mais uma vez em evidência nestes
últimos dias procurando coordenar elementos em torno de
um nome nacional para candidato à sucessão presidencial,
esteve voltada para a candidatura do sr. Armando de
Salles que s.s prometeu apoiar com o Partido Liberal.

Flores ao que se sabe acabou apoiando Armando


de Salles mesmo existindo a contrariedade de certos
elementos do partido. Essa atitude junto com outras
condenou o governador mais tarde ao exílio forçado. Assim
o ano de 1937 foi de intensas idas e vindas em torno da

21
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

questão da sucessão e a imprensa por seu turno, pode se


manifestar. Destacando a censura, o jornal Opinião Pública
no editorial Um amigo da Imprensa esclarecia:

O senador Alcântara Machado, em declarações a uma


folha, a propósito da sucessão presidencial, manifestou-se
a favor da abolição à censura à Imprensa, a fim de que o
povo seja amplamente esclarecido, acerca da eleição do
futuro presidente (...) em nenhuma das unidades da
Federação, a censura aos jornais têm sido mais arbitrária
do que em São Paulo. Durante o governo dos
interventores, ela praticou insólitos abusos (...) como
retorno do país à normalidade constitucional, a Imprensa
recuperou a liberdade isto é, desapressou-se da censura,
porque a sua liberdade, desde que entrou em vigor a lei de
Imprensa decretada pelo sr. Getúlio Vargas, ficou a mercê
dos caprichos dos governantes. Bastou, todavia que, em
consequência do levante comunista de novembro de 1935,
o governo federal recorresse, para solidar a ordem e
resguardar as instituições, ao estado de sítio, mais tarde
substituído pelo estado de guerra, sob o qual se conserva o
Brasil até hoje bastou isso, para que, restabelecida a
censura aos jornais, a polícia de São Paulo, de novo,
começasse a tratá-los com rigorosidade bravia, havendo
folhas de outros pontos do país, de quando em quando,
protestado contra desmandos dos censores, naquele
Estado.

Os reclamos eram uma constante na imprensa


nesse período, mas em novembro do mesmo ano tiveram
de silenciar pela convicção da necessidade do golpe ou pela
coerção imposta pelo governo.
O caso do Rio de Janeiro também serviu de
estopim para a oposição reunida em torno do general
Flores da Cunha As disputas eleitorais naquele estado
deram a necessária munição ao governo para medir sua

22
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

força e decretar a intervenção no estado. O Diário de


Notícias chamou a atenção para o fato em 17 de março de
1937, onde destacou ainda os reclamos do Partido
Autonomista contra tal medida como mostra o manifesto
assinado pela maioria da Câmara municipal, por dois
senadores e por três deputados federais:

Presidente Getúlio Vargas - No momento em que a


imprensa, baseada em informes obtidos nos meios políticos
e, mesmo, depositários do pensamento governamental
noticiam a possibilidade da intervenção no Distrito
Federal- sua população através das forças eleitorais
representados pelos signatários desta, vem ainda uma vez,
à presença de v.ex. num caloroso apelo, oferecer
ponderações contrárias à decretação da referida
providência.

Quanto aos movimentos extremistas, os jornais


adotaram posturas contrárias a eles tanto os de esquerda
quanto os de direita e com isso, acabaram respaldando as
intervenções constantes do governo. Em 1º de agosto de
1936 assim se posicionava o Diário Popular:

Pela Democracia e contra o Integralismo. Os acadêmicos de


Pelotas secundam o movimento iniciado pelos seus colegas
paulistas. Um grupo de estudantes da nossa Faculdade de
Direito, secundando o movimento iniciado pelos
estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo, de
combate ao Integralismo e de defesa da Democracia,
organizou-se em agremiação e lançou o seguinte manifesto
que publicamos em primeira mão’ secundando o
movimento iniciado pelos acadêmicos paulistas, de
combate ao Integralismo, os abaixo firmados, acadêmicos
de Direito da Faculdade de Pelotas, convocados pela
comissão provisória de organização do núcleo desta
cidade, constituída dos acadêmicos Djalma P. de Matos,

23
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Guilherme Schultz F. e Aristimundo Mendes de Oliveira,


em reunião prévia verificada em uma das salas daquela
Faculdade resolveram, por unanimidade de votos, lançar o
presente manifesto, concitando a mocidade pelotense a
tomara atitude nesta patriótica campanha de salvaguarda
dos princípios liberais democráticos, regime sob cujo
amparo vivemos, das instituições pátrias, da consciência de
povo independente e soberano que somos, e de franca e
honesta reação à ditadura fascista.

Outras manifestações como essa apareceram nos


demais jornais de maneira que, o Integralismo foi sendo
associado à ideia de regime nocivo à Democracia Liberal.
Quando foi promulgada a Constituição de 1937, o jornal
comportou-se como os outros, ou seja, acatou o novo
regime como necessário ao restabelecimento da ordem no
país. Sob o título A Nova Situação Política lemos:

Proclamação ao Exército:’ O ministro da Guerra, em


proclamação ao Exército, declarou que cabe às classes
armadas acatar a nova situação’. Fala o presidente da
República: ‘ às 20 horas, o sr. Getúlio Vargas falou à Nação
pelo rádio na Hora do Brasil e declarou que a Constituição
de 1934 tinha falhado no seu mecanismo; que se impunha
estabelecer uma nova estrutura do Estado, dentro do
regime democrático; fez uma apreciação do seu governo e
traçou novas normas. Reina ordem no país’.

Em tempo, o jornal Diário Popular intitulava-se


órgão do Partido Republicano e as suas manchetes
estiveram atreladas aos vários momentos que esse partido
vivenciou ora contra, ora a favor do governo Vargas de
acordo com os conchavos que se processavam entre a
situação e a oposição no Brasil dos anos 30. Ainda sobre o
comunismo, o articulista Américo Palha do jornal O Tempo
chamava a atenção na manchete O Brasil e o Comunismo:

24
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

A sentença do juiz Ribas Carneiro dissolvendo a Aliança


Nacional Libertadora é um desses documentos que se
fixam na história de uma nação, como um princípio de
ordem na defesa da estabilidade social, da religião, da
família e do bem coletivo. (O Tempo, 3-1-1936)

Existiu a partir daí uma série de críticas ao


comunismo no jornal. Durante o ano de 1937 o órgão
assumiu a candidatura de José Américo de Almeida e
rechaçou o nome de Armando de Salles Oliveira que
passou a ser apontado com desdém e acusado de não ser
nacionalista. O momento que marcou o início das atitudes
mais agressivas do jornal contra o armandismo e por
consequência ao florismo, foi quando da questão da
dissidência dos próceres liberais que abandonaram o
partido, criticando Flores da Cunha a quem acusavam de
ter rompido o Modus Vivendi. O rompimento com o
governador, como se sabe, foi insuflado pelo próprio
Vargas. Sob o título A dissidência do Partido Liberal em
face do momento político lemos:

Desde que se verificou o rompimento do ‘Modus Vivendi’


firmado pelos partidos rio-grandenses . o PRL entrou em
grave crise dividindo-se em duas alas distintas: uma
solidária com o sr. Flores da Cunha. Governador do
Estado, outra de apoio ao sr. Getúlio Vargas, atual chefe da
Nação. Essa crise, contudo, como a opinião pública está
lembrada, não se circunscreveu apenas na divisão do PRL,
pois que determinou imediatamente um golpe decisivo
contra o prestígio do situacionismo, que ficou em minoria
na Assembleia Legislativa do Estado, pois que nove
deputados liberais entraram em dissidência, e, em direta
cooperação com as bancadas que integram a representação
da Frente Única. Iniciaram uma intensa campanha de
combate à administração do sr. Flores da Cunha. A chefia
do PRL convocou, então, os seus representantes,

25
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

realizando-se uma convenção nesta capital, que teve por


objetivo desligar os deputados dissidentes e os próceres
graduados em oposição às diretrizes traçadas pelo sr.
Flores da Cunha, assim como para ratificar a escolha da
candidatura Armando de Salles Oliveira à sucessão
presidencial da República no próximo pleito (O Tempo, 1º-
7-1937).

Em outra chamada de 3 de julho de 1937


destacava que o eixo da política nacional deslocava-se de
São Paulo e Minas Gerais para se concentrar no RS devido
ao apoio do Estado ao candidato Salles Oliveira e depois
em 18 de agosto do mesmo ano até a proclamação do
Estado Novo, passou a estampar a seguinte frase na parte
superior: Para presidente da República: José Américo de
Almeida. Essa frase vinha por vezes acompanhada de
palavras do próprio José Américo como estas de 27 de
agosto: no Rio Grande governarei com a FUG e com a
Dissidência Liberal (palavras do futuro presidente da
República em comício no teatro João Caetano). Paralelo a
isso, o jornal foi sistematicamente ironizando a figura de
Flores da Cunha, desdenhando a sua administração e
focando as suas críticas no número de bens que o
governador adquiriu desde que assumiu o cargo.
Quando o governador foi forçado ao exílio, o
jornal estampou com certo alívio a notícia e o golpe de 1937
foi encarado como necessário ao país. Depois chamou a
atenção em manchetes que tanto Borges de Medeiros
quanto o Partido Libertador passaram a apoiar o novo
regime.
Salientando ainda, a questão do fechamento da
ANL, o Rio Grande também apoiou tal medida por
entendê-la necessária diante daquele contexto. O jornal por
intitular-se Órgão do Partido Republicano Liberal foi o
responsável pela defesa do governo do general Flores da

26
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Cunha e quando aconteceu o golpe foi obrigado como os


demais a curvar-se diante do inevitável. Sob o título
Medida Profilática lê-se:

O governo federal ordenou que fossem fechadas as sedes e


núcleos da ANL existentes no território brasileiro. O
decreto, que, determina essa medida fundamenta-se nas
atividades subversivas desenvolvidas por aquela
organização, agora suficientemente demonstradas
mediante farta documentação apresentada pelo espião
Felinto Muller, chefe de polícia do Distrito Federal.
Telegramas do Rio adiantam ainda que, está nas cogitações
do governo decretar, da mesma forma, a dissolução de
todas as milícias integralistas do país. Já se fazia
necessário, sem dúvida, que o governo tomasse essas
medidas acauteladoras da ordem, a fim de tranquilizar
definitivamente o país, agitado por contínuos sobressaltos
(Rio Grande,19-7-1935)

Note-se que a maioria dos editoriais do Rio


Grande eram retirados do jornal porto-alegrense A
Federação que também tinha, naquela época, por premissa
a defesa do PRL e do governo do general Flores da Cunha.
Em 30 de novembro de 1935 publicou: “o fracassado
movimento extremista. Um episódio de bravura brasileira,
os recursos ignóbeis e covardes de que lançaram mão os
revoltosos sob o comando do capitão Agildo Barata”.Em 6
de dezembro do mesmo ano, chamava ainda a atenção no
editorial O Rio Grande pela defesa da Democracia nos
seguintes termos:

Na defesa do regime e da Revolução, o Rio Grande tem


dado mais do que cabia fazê-lo. Se periclita a ordem ou se
avolumam os interesses contrários ao bem-estar social é, ao
Rio Grande que recorrem os responsáveis pelos destinos
do país certo de que daqui, celeiro do civismo da

27
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

República se erguem os peito leoninos dos rio-grandenses


como escudo às investidas dos inimigos da Pátria.

Ainda sobre a disseminação das ideias


comunistas, o jornal em 12 de dezembro de 1937 destacou:

Dizíamos ontem, que uma das faces do problema de


combate às ideias comunistas desencadeadas agora num
sopro de violência e de morte sobre a índole pacífica e
conservadora das nossas populações, estava justamente na
mobilização ativa de nossas forças intelectuais
arregimentadas no sentido prático de mostrar, por uma
ação constante e ininterrupta, os inconvenientes, os males e
as desgraças que fatalmente adviriam ao Brasil sob a
dominação de um regime que é profundamente antagônico
às suas verdadeiras tendências espirituais. Combateríamos,
desta forma, a propaganda extremista, com a própria
armas de que ela se vale para difundir suas ideias e com
indiscutíveis vantagens para a nossa causa.

Sobre o fato, de o jornal ser órgão do PRL lemos


em 6 de novembro de 1935 uma verdadeira conclamação
em favor dos candidatos do partido como se observa:

Nos municípios vai a agremiação de Flores da Cunha


pleitear as eleições para prefeito e vereadores com
cidadãos dignos, trabalhadores e capazes de um governo
dinâmico, progressista e honesto. Valem, agora, suas
plataformas e as promessas do eleitorado como um
compromisso não só pessoal, mas também do PRL e do seu
chefe. O governador do Estado e chefe do PRL, endossam
as plataformas de seus candidatos e na medida das
possibilidades de cada município hão de trabalhar por
melhorar as condições locais dando estradas, escolas e
higiene às suas populações, fomentando a indústria, a
agricultura e o comércio, abrindo válvulas à expansão de

28
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

todas as fontes geradoras do progresso e do bem-estar


locais.

Depois do exílio de Flores da Cunha, o jornal


passou a se dizer independente, não assumindo mais a
bandeira do PRL. O período do Estado Novo não pode ser
analisado como sendo um período homogêneo na sua
apresentação, isso porque, de 1937 a 1942 nós tínhamos
uma política e uma imprensa censurada, mas por outro
uma opinião pública que acolhia esse momento como
necessário ao país. A partir de 1942, o modelo autoritário
passou a ser questionado e a imprensa escrita foi a
responsável por colocar aos leitores o fracasso desse mesmo
modelo, alicerçado nas restrições às liberdades individuais.
Portanto, os jornais nesse interregno, tiveram de driblar a
censura para apresentar suas notícias e o advento da 2ª
Guerra Mundial foi a alavanca propulsora que abriu espaço
às oposições ao regime e à defesa da democracia que
gradativamente passou a ser encampada pela imprensa.
Ainda sobre a questão da implantação do Estado
Novo, o Correio do Povo destacou a dissolução dos
partidos políticos a 2 de dezembro de 1937 que o jornal
anunciou no dia quatro do mesmo mês. O decreto
apresentava oito artigos precedidos por quatro
considerandos que justificavam a necessidade de tal
medida devido: “a multiplicidade de arregimentações
partidárias, com objetivos meramente eleitorais que ao
invés de atuar como fator de esclarecimento e disciplina da
opinião, serviam para criar uma atmosfera de excitação e
desassossego permanentes, nocivos à tranquilidade pública
e sem correspondência nos reais sentimentos do povo
brasileiro” (Correio do Povo, 4-12-1937. O jornal trazia
ainda, um pronunciamento do professor Nicholas Spikman
da universidade de Yale sobre o regime brasileiro:

29
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

É supérflua a preocupação com o governo fascista do Brasil


(...) a América do Sul tem tido ditaduras desde os tempos
dos Incas e continuará a tê-las por meio século. Esta é a
forma política melhor adaptada ao clima. A única coisa
que aconteceu no Brasil é que a sua última importação
cultural da Europa é uma ideologia muito mais adaptada
aos costumes sul-americanos do que a prática anterior da
democracia e das Constituições escritas (...) se uma
potência europeia tentasse uma intervenção militar, acho
que seria tratada como qualquer invasor, sem consideração
de ideologia, isto é, por uma frota americana e nas costas
do Brasil e não da Europa (idem).

Note-se que a visão do professor de Yale


reproduz de certa forma, a própria visão dos EUA que não
teve nem em relação à Europa temor a respeito dos regimes
fascistas, por isso eles puderam se desenvolver. O conceito
de país atrasado e melhor condicionado às ideologias
autoritárias permeia esse discurso. O desenrolar dos
acontecimentos, no entanto, mostrou que os fascismos
deveriam, como foram, ser combatidos e que países
economicamente dependentes como o Brasil acabaram
seduzidos pelos investimentos externos. No período
imediatamente posterior à implantação do Estado Novo, os
jornais assimilavam a ideia de que aquilo que se estava
vivendo era um regime democrático na medida do
possível, ou seja, compravam o pensamento oficial que
passava para a opinião pública que aquele regime era o
melhor para o país naquele momento de pura agitação e
presença de ideologias exóticas. Em 13 de julho de 1938
podemos ler no Correio do Povo um artigo de André
Carrazzoni, conhecido articulista do jornal, em que esse
fazia referências abonadoras ao relacionamento da
imprensa com o governo e referia-se ao fracassado golpe

30
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

desfechado pelos Integralistas em maio de 1938. Segundo


Carrazzoni:

Tal como em novembro de 1935, em maio de 1938, o país


encontrou na imprensa o eco poderoso da sua própria voz
e nela o governo teve a mais lúcida colaboração. Isso quer
dizer simplesmente que os jornais refletiram a enérgica
reação do sentimento brasileiro, mobilizado em torno do
mais alto ponto de resistência material e moral das
instituições, e os jornalistas souberam empregar a grande
força de que dispõe não só com extremo patriotismo, mas
ainda com extrema dignidade(...) do frequente contato do
presidente Getúlio Vargas com os nossos homens de
imprensa muitos equívocos já nos foram poupados,- que
teriam deplorável repercussão sobre a vida política
brasileira. Nos regimes democráticos como o atual, isto é,
nos regimes que se fundam sobre a adesão permanente e a
confiança cotidiana das massas, torna-se vital o ambiente
de largo estímulo à formação do espírito público, ao
interesse das classes e dos indivíduos no debate dos
problemas do Estado (Correio do Povo, 13-7-1938).

Sobre a questão da extinção dos partidos


políticos, o Diário de Notícias publicou em 1º de dezembro
de 1937 reproduzindo matéria do Correio da Manhã do Rio
de Janeiro a seguinte nota que vinha com uma
interrogação: Será decretada a extinção dos antigos
Partidos Políticos? Como se lê a seguir:

A transformação política do país vem dia a dia


caracterizando-se pela incidência sucessiva nas várias faces
da vida nacional. Os partidos que se haviam registrado,
sob a vigência do Código Eleitoral, estão em sua última
fase. E somente se aguarda um decreto do governo
declarando inexistentes todos esses partidos. Assim
passarão definitivamente à história, os partidos gaúchos,
os catarinenses, os paranaenses, os paulistas, os mineiros,

31
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

os cariocas e assim por diante. Também será declarada


inexistente a Ação Integralista Brasileira que estava inscrita
como partido político nacional.

A decretação realmente ocorreu no dia seguinte e


a censura foi num crescendo até a implantação do DIP em
1939 que fez extensa propaganda do regime, alardeando
que representava a democracia.
A ideia de democracia que muitos dos homens de
jornal referenciavam estava de acordo com as premissas do
regime e o golpe frustrado dos Integralistas sedimentou em
muitas pessoas a defesa desse tipo de conceito. No entanto,
não podemos esquecer que existiam pessoas que percebiam
a real dimensão do que estava acontecendo, mas a censura
foi pouco a pouco sendo imposta sobre elas.
O Correio Rio-grandense também se pronunciou
sobre a possibilidade da implantação do comunismo no
Brasil e podemos ler várias alusões que o jornal fez a esse
sistema. Em 20 de outubro de 1937 aparecia uma Carta
Pastoral e Mandamento do Episcopado Brasileiro sobre o
Comunismo Ateu onde a Igreja Católica alertava os fiéis do
perigo que estavam correndo e da possibilidade do
desaparecimento total do Estado. Fazendo referência direta
aos malefícios do comunismo à religião, o Correio Rio-
grandense ainda escrevia:

Quanto à religião vota-lhe o Comunismo ateu um ódio


implacável de extermínio. O mundo transcendente e
sobrenatural, com a grandeza de seus valores espirituais é,
para ele, inexistente. Fruto de uma organização econômica
em declínio, a religião, que nela teve sua origem, dela é
solidária e com ela deve desaparecer. Sua ação nefasta, no
presente, é aumentar a inércia das causas trabalhadoras, na
aceleração da grande crise revolucionária mundial. Por
isso foi chamada o ‘ópio do povo’. Combatê-la sem trégua

32
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

e destruí-la por todos os meios, constitui para o


Comunismo ateu, tarefa urgente e inevitável. Nunca a
história da humanidade assistiu a conjuração tão vasta e
tão organizada das paixões humanas contra a soberania de
Deus e o reinado de Cristo nas almas resgatadas pelo seu
sangue precioso. Desta concepção materialista da vida
resulta, espontâneo e explicitamente aceito e proclamado o
mais absoluto amoralismo. Já não há bem nem mal. Já não
há lei superior ao homem e norma de sus atos. Já não há
dever nem sanção. O partido e seus interesses elevam-se
absolutos sobre a destruição de todos os valores morais. É
lícito tudo quanto pode apressar a instalação do
Comunismo; tudo o que se lhe opõe é mau e deve ser
destruído sem escrúpulos na escolha dos meios.

Não podemos esquecer que também a questão


religiosa era importante para a região de Caxias do Sul -
Garibaldi e de como essas pregações do comunismo eram
mal vistas. Em uma outra reportagem do mesmo dia, o
jornal fazia alusão a um plano do Komintern para provocar
uma revolta no Brasil com o objetivo de instalar o
comunismo.
Quando foi implantado o Estado Novo, o
Staffetta Riograndense colocou-se ao lado do governo na
luta para combater esse sistema, o comunismo. Obviamente
o histórico da comunidade de imigração italiana
influenciou na medida em que, existia uma ligação muito
forte entre os interesses dessa comunidade e as ordens do
governo, dito isso em outras palavras, eles raramente
faziam oposição às determinações oficiais, até mesmo por
uma questão de sobrevivência. A ação do governo fez-se
sentir logo no início da implantação do golpe como relata
Gertz:

A ação nacionalizadora no campo da educação se


desencadeou de forma generalizada logo após a

33
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

implantação do Estado Novo: a ação repressiva foi


inicialmente mais seletiva, visando preferencialmente, aos
nazistas e parte dos integralistas, mas depois de 1942 se
voltou de forma generalizada contra tudo o que fosse
“alemão” ou relacionada com o “Eixo”(GERTZ, 1991, p.65).

Podemos concluir esse estudo dizendo que o


período de 1935 a 1937 foi decisivo para solidificar a ideia
da necessidade da implantação de um regime de força no
Brasil, capaz de conter o comunismo que vinha de fora e
barrar o avanço do Integralismo internamente. Os jornais
manifestaram essa tendência. No cômputo geral podemos
afirmar que realmente não quiseram correr o risco de
apoiarem as chamadas ideologias exóticas e por outro lado
preferiram continuar existindo diante de um cenário que
descortinava muito pouco espaço às manifestações da
imprensa.
Desse modo, os jornais receberam com surpresa o
golpe, alguns chamaram a atenção para a necessidade da
pacificação nacional diante do perigo comunista. A tônica
predominante foi a de acatar as ordens emanadas do
governo federal. Aquele jornal que não acatasse seria
proibido de circular. Era a crescente caminhada da censura
que começava a chegar ao seu ápice.

34
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

A instauração do Estado Novo e a


imprensa rio-grandina: o caso do
jornal O Tempo
Francisco das Neves Alves*
Ao longo do século XIX e das primeiras décadas da
centúria seguinte, a imprensa rio-grandina foi uma das
mais importantes no contexto sul-rio-grandense. A cidade
portuária teve nas atividades comerciais e, posteriormente,
industriais, elementos de pujança econômica que lhe
permitiram uma intensa vida cultural. Nesse contexto, por
muito tempo foi praticado um jornalismo de ponta na urbe
litorânea, circulando vários periódicos diários, além de
caricatos, literários e representantes de determinados
segmentos socioeconômicos. Já na década de trinta, o
periodismo da cidade do Rio Grande passava por um
período de refluxo. Era um reflexo do encerramento das
etapas de prosperidade que já se anunciava, bem como de
uma nova fase da imprensa brasileira, com a concentração
das atividades jornalísticas e uma afirmação do jornalismo
empresarial.

* Professor Titular da FURG, Doutor em História pela PUCRS e


realizou Pós-Doutorados junto ao ICES/Portugal (2009);
Universidade de Lisboa (2013), Universidade Nova de Lisboa
(2015) e UNISINOS (2016). Entre autoria, coautoria e organização
de obras, publicou mais de cem livros.

35
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Nesse sentido, em 1937, O Tempo era um dos


periódicos mais perenes publicados no Rio Grande. Ele fora
fundado em 1906, permanecendo desde então sob a
propriedade de Alípio Cadaval, tradicional jornalista rio-
grandense que iniciara suas atividades ainda na década de
oitenta do século XIX. Ao longo de sua existência, o jornal
teve diferentes etapas, em algumas delas, chegou a
apresentar certas aproximações e/ou filiações político-
partidárias, e, em outras, preferiu apresentar uma proposta
essencialmente informativa. Já com três décadas de
existência, resistindo às transformações pelas quais
passavam as lides jornalísticas e enfrentando a concorrência
dos veículos já moldados no formato empresarial editados
na capital do estado, o Tempo buscava manter o seu nicho
de leitores em meio à comunidade rio-grandina.
Em termos de conteúdo programático, em
dezembro de 1936, o Tempo destacava que haviam sido
“plantados à margem de sua existência trinta marcos”,
lembrando “a soma dos méritos” a ele outorgado e “os
triunfos” que auferiu “durante o período decorrido,
afrontando a boa ou má estrela das coisas humanas”. O
jornal rememorava também as “lutas travadas, as defesas e
as resistências” que sustentara para manter o seu ideal que
consistia em “pugnar pela verdade, pela justiça e pelo
bem”. Segundo a folha, um jornal alimentava-se e vivia “da
corrente de simpatias estabelecida entre ele e a opinião
pública”, de modo que ele estaria satisfeito quanto a tal
missão, pois teria “logrado em abundância durante os
trinta anos já cumpridos”. O periódico garantia também
que contava com um “ambiente de afeição” de parte do
público, o que refletiria um sinal de confiança, demarcando
que ele não decaíra “do seu espírito de defender apenas os
interesses e direitos legítimos” (O TEMPO, 1º dez. 1936, p.
1).

36
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Pouco depois de instaurada a ditadura estado-


novista, ao completar mais uma aniversário, o Tempo
anunciava que completava mais um marco em sua
existência, apontando para a confiança e o reconhecimento
que teria conquistado. O periódico dizia que devia “a sua
longa vida à opinião pública do Rio Grande” que o vinha
“amparando moral e materialmente, com o seu incentivo e
a sua simpatia”. A publicação rio-grandina ressaltava que
“esse apreço, sempre crescente”, bem evidenciava “o
conceito” em que o tinha “a gente da terra, e a confiança”
de que o fazia “depositário, como ingente batalhador das
boas causas”. A folha reiterava que o seu objetivo era “o
progresso da gleba, além do bom combate pela grandeza
da pátria, pela verdade, pela moral e pela justiça”, que
deveria ser “o ideal comum de toda imprensa honesta e
patriótica”. Agradecendo seu público leitor, o jornal
manifestava sua confiança “na população do pago como a
maior colaboradora” de sua “obra, modesta, mas
transbordante de sinceridade” (O TEMPO, 1º dez. 1937, p.
1).
O ano de 1937 foi um dos mais intrincados no
conjunto da formação histórica brasileira. Já no seu último
terço, uma agitada campanha direcionada às eleições para a
Presidência da República se espalhava pelo país, com os
principais candidatos viajando pelas várias regiões, desde
as grandes cidades até alguns rincões retirados, em uma
busca renhida pelos votos dos eleitores que não
compareciam às urnas para aquele tipo de disputa há quase
uma década. Por outro lado, o grupo que chegara ao poder
em 1930 estabelecia todo o tipo de articulação para
interromper o natural caminho institucional, evitar o
processo eleitoral e estabelecer um modelo autoritário. A
caminhada em direção às urnas, entretanto, acabaria por
tornar-se uma pantomina, diante das maquinações

37
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

golpistas que tornavam cada vez mais evidente a ruptura


com os ditames constitucionais.
O grupo liderado por Getúlio Vargas, que ocupara
o poder desde a Revolução de 1930, mostrou-se muitas
vezes avesso aos processos eleitorais. Nesse sentido, as
eleições e a reconstitucionalização do país foram
constantemente postergadas, só vindo a ocorrer após o
desmantelamento da antiga máquina eleitoral, típica da
época da República Velha, com a derrota da Revolução de
1932. Ainda que a população tenha conseguido ir até as
urnas, com a formação de uma Assembleia Constituinte e a
promulgação de uma constituição, a primeira eleição
presidencial foi indireta, com a garantia da recondução de
Vargas ao cargo. Mesmo assim, os detentores do poder
pretendiam manter seu projeto de perpetuação no controle
do aparelho do Estado, daí arquitetarem um golpe que
romperia o trâmite institucional e transformaria a
constituição recém-estabelecida em letra-morta.
Uma das grandes peculiaridades do golpe que
levou à implementação do Estado Novo foi o seu
minucioso planejamento. Ele estava planificado para o dia
15 de novembro, uma segunda-feira, prevendo a ampla
desmobilização do feriado prolongado, típica da sociedade
brasileira. A manifestação anti-golpista e o apelo aos
militares de um dos candidatos à Presidência, levou à
antecipação da perpetração do golpe para o dia 10.
Entretanto, tudo já estava pronto naquela mesma data,
ficando estabelecidas as articulações para a efetivação do
ato em termos de poder civil e militar, passando a
funcionar o aparelho repressivo e censório e instituindo-se
uma nova constituição caracterizada pelo autoritarismo e
pela concentração/centralização político-administrativa.
Por ocasião do golpe de Estado de 10 de novembro de 1937,
foi publicado um manifesto assinado por Getúlio Vargas e

38
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

direcionado “À Nação”, no qual os agentes do poder


intentavam justificar aquela ruptura institucional (ALVES,
2016, p. 58-59).
Durante os meses que antecederam o golpe do
Estado Novo, frente à campanha eleitoral para a
presidência da República, o Tempo apoiou abertamente a
candidatura de José Américo de Almeida, estampando a
propaganda de tal candidato no alto de suas páginas ao
longo de várias edições. Outro dos candidatos, Armando
de Sales Oliveira, era defendido por outra das publicações
diárias citadinas, o Rio Grande. Foi com certa surpresa que o
Tempo recebeu a notícia da instauração da ditadura, tanto
que, se em sua primeira página aparecia em letras garrafais
a manchete “Promulgada a nova constituição”, na quarta e
última página, ainda aparecia a frase “Para presidente da
República José Américo de Almeida”, não havendo
maiores referências à mudança institucional ocorrida no
país (O TEMPO, 11 nov. 1937, p. 1 e 4).
Na edição seguinte, como manchete o Tempo
publicava uma frase “da proclamação do ministro da
Guerra ao glorioso exército nacional”, com a exortação: “Ao
exército, às forças armadas cabe não permitir que as
aspirações de paz, ordem e trabalho sejam frustradas por
eternos inimigos da pátria e do regime”. Um trecho do
discurso de Getúlio Vargas também foi ressaltado: “As
novas ideologias surgidas em outros países do mundo
fizeram com que aparecessem formações partidárias
interessadas em introduzi-las entre nós, com sério perigo
para a nossa estrutura democrática, refratária a tais
credos”. O jornal divulgava as prisões de Armando de
Sales Oliveira e de Francisco Flores da Cunha, bem como
apresentava “os principais dispositivos da nova
constituição”, detalhando alguma de suas determinações,
sem expressar opiniões acerca das mesmas. A folha

39
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

anunciava ainda que seriam “suspensos os pagamentos de


juros e amortizações da dívida externa” e que haveria uma
“reorganização da economia nacional”. Outra frase do
discurso presidencial foi citada: “Estão no conhecimento de
todos os preparativos militares, que se vinham fazendo em
alguns estados com prejuízo para o país e orientados por
um caudilhismo regional disfarçado sob a aparência de
‘organização partidária’” (O TEMPO, 12 nov. 1937, p. 1 e 4).
A posição de apoio do velho chefe republicano ao
novo regime foi destaque nas páginas do Tempo, bem como
o anúncio de novas prisões. O discurso de Vargas na
instalação do Estado Novo voltava à baila, com a citação:
“Sempre estive alheio aos meios partidários. Numa esfera
de serenidade e de confiança, procurei desempenhar o meu
mandato em defesa das verdadeiras instituições
democráticas”. Foram divulgados também esclarecimentos
do ministro da Justiça acerca de “pontos básicos da nova
constituição”, bem como a opinião de um jurista sobre o
texto constitucional, com a afirmação em manchete: “Com a
nova constituição inaugura-se uma nova época na história e
rasgam-se novos horizontes na trajetória de nossos
destinos”. À quarta página, outro trecho do manifesto
varguista: “Diante dos erros verificados, das necessidades
contínuas, da situação de aos, de irresponsabilidade, de
desordens, em que nos encontrávamos, não podia haver
meio termo, nem contemporização”. E ainda: “Ante o
prosseguimento de tal situação, tínhamos que optar pela
restauração da autoridade, sobrepondo as liberdades ao
pleno julgamento que há de levar o Brasil a seu histórico
destino”(O TEMPO, 13 nov. 1937, p. 1 e 4).
Na edição de 14 de novembro, o destaque era mais
uma vez um trecho do manifesto de Vargas que aparecia já
no frontispício, ao lado do título do jornal. O segmento
escolhido do discurso era vinculado ao combate contra o

40
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

comunismo: “As novas formações partidárias, surgidas em


todo o mundo, por sua própria natureza refratárias aos
processos democráticos, oferecem perigo imediato para as
instituições, exigindo, de maneira urgente e proporcional à
virulência dos antagonismos, o reforço do poder central”. O
periódico abordava também contatos estabelecidos entre
lideranças políticas gaúchas para analisar o “novo regime
instaurado recentemente” (O TEMPO, 14 nov. 1937, p. 1).
Passado o feriado de 15 de Novembro, o Tempo
divulgava uma entrevista realizada no Rio de Janeiro com o
Getúlio Vargas, apresentada com o título “O novo regime
vigente”. No cabeçalho, aparecia uma frase do presidente:
“A constituição promulgada em 10 de novembro não é
fascista nem integralista – é brasileira”. Daquela entrevista
era também destacado um trecho: “Quanto ao panorama
mundial, cumpre ao Brasil preparar sua defesa
permanente, aparelhando-o em condições de poder repelir,
sem necessidade de medidas excepcionais, qualquer
sentido extremista” (O TEMPO, 17 nov. 1937, p. 1).
No mesmo número, em matéria editorial, o
periódico rio-grandino apresentou “O limiar do destino”
de autoria do escritor J. S. Maciel Filho, que escreveria O
homem providencial, amplamente favorável ao novo status
quo. Segundo o autor, a instauração do Estado Novo
constituíra uma opção “entre a democracia bastardizada
pelas frentes populares comunistizantes e um regime novo
de lealdade e patriotismo”. Declarava ainda que fora
“necessário fazer da inteligência um escudo e uma espada”,
privilegiando “a proteção da pátria, a garantia do povo e
da tranquilidade coletiva”, de modo que tudo isso serviria
como “arma contra os inimigos da pátria, os perturbadores
da paz e da ordem da nação” (O TEMPO, 17 nov. 1937, p.
1).

41
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

No artigo, Vargas era apontado como “o


predestinado”, que fora “conquistado pela vontade
inflexível do povo” o qual sentira, “com sua profunda e
vitoriosa sensibilidade, o predestinado para a renovação
nacional”. Para o editorialista, “já esgotado pelas forças
demagógicas, pelas explorações de um socialismo impuro e
nefando, o povo ansiava pela purificação”. A constituição
promulgada em 1934 e substituída naquele 10 de
novembro, era caracterizada como “pouco menos do que
uma colcha de retalhos multicores, costurados ao sabor das
conveniências regionalistas, dos interesses pessoais”, ou
ainda “das influências estrangeiras”. Segundo o escritor,
em tal “colcha de retalhos escondiam os demagogos suas
chagas morais”, lançando “o Brasil na angústia que
torturava e escravizava” (O TEMPO, 17 nov. 1937, p. 1).
Voltando a se referir ao presidente da República, o
editorial publicado no Tempo declarava que “a ausência de
ódios, a exclusão do espírito faccioso” e “a compreensão da
nacionalidade totalitária, sem partes ou partidos” seriam
virtudes “que jamais o povo” conhecera “em outro homem
que não fosse o Sr. Getúlio Vargas”. Enfatizava também
que, só com tal líder, “seria possível a renovação nacional,
porque o predestinado possuía tipicamente a formação do
poder moderador”. Enaltecia ainda o papel de Vargas em
favor “da pátria e da nacionalidade”, em um quadro pelo
qual “o povo” sentira tal “fenômeno melhor do que os
políticos e os áulicos”, de maneira que esse mesmo povo
fizera-o “forte porque era necessário para a renovação
nacional” (O TEMPO, 17 nov. 1937, p. 1).
Ao concluir, o articulista lembrava o papel das
forças armadas naquele momento, agindo, “não como
partido ou facção”, mas se impondo, “qual força do espírito
nacional”, ao realizar “uma história e tradicional missão”,
transformando “o Brasil, criando um novo sentido das

42
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

coisas e dos fatos”, de modo que a nação pudesse continuar


existindo. Ao arrematar o texto, o escritor afirmava que “a
transformação político de um povo” se efetuava “sempre
com a declaração de existência das suas forças
institucionais e vitais”, de maneira que o Brasil, até então,
estivera “no limitar de seu destino”, passando então a
seguir “a larga estada de sua renovação” (O TEMPO, 17
nov. 1937, p. 1).
O apoio e as opiniões de lideranças e agremiações
partidárias gaúchas de diferentes matizes em relação ao
novo regime eram o destaque da edição de 18 de novembro
do Tempo, além de uma transcrição de matéria publicada na
imprensa carioca sobre a inauguração da estátua em
homenagem a Deodoro da Fonseca, realizada a 15 de
novembro. De tal solenidade, era pinçado um trecho do
pronunciamento proferido por Vargas na ocasião: “O
exército que ora desfila aos pés da estátua, é o mesmo de
89. Estes soldados que eu saúdo guardam no epito o
mesmo amor aos seus chefes e ao Brasil” (O TEMPO, 18
nov. 1937, p. 1 e 4).
Um ufanismo patriótico dominou as páginas do
Tempo de 19 de novembro, com homenagens à bandeira
nacional. Já no frontispício aparecia a exclamação:
“Bandeira do Brasil, envolve-nos nas tuas promessas
deslumbrantes!”, qualificando o pendão como “estandarte
da justiça”, “imaculado lábaro de honra” e “sagrado
símbolo do direito, na eterna fulguração da dignidade do
patriotismo de teus filhos”. Em tal número era também
noticiado que o presidente Vargas fora “aclamado pelo
povo carioca” e foram apresentadas várias mensagens de
preito à bandeira brasileira (O TEMPO, 19 nov. 1937, p. 1 e
4).

43
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Também em homenagem ao lábaro, em posição


editorial, o Tempo publicou um texto de exortação patriótica
intitulado “Mocidade!”:

O porvir te pertence, e a pátria espera que tu o


faças digno de sua grandeza.
E digno ele será se tu, primavera da vida, fizeres,
ao benigno sol do teu entusiasmo, as rubras rosas do
patriotismo, desatarem-se nas tempes odorantes de tua
alma.
E a pátria será mais forte, porque tu, esperança do
amanhã, lhe emprestas a pujança dos teus músculos de
aço, temperados no trabalho e fortalecidos pelo estudo.
E a pátria será mais rica, porque tu, herdeiras de
suas glórias, trazes o incalculável tesouro da inteligência.
E a pátria se orgulha de ti, porque possuis tu,
geração que surge, a inteireza de um caráter sem mancha.
E esta é a maior das riquezas, porque forte e grande só é
um país pelo caráter de seus homens que lutam na paz
para o engrandecer no porvir.
Mocidade: Hoje a bandeira do Brasil recebe a
glorificação da pátria inteira.
É adorada em todos os recantos do país e em todos
os lares.
Seja ela, porém, glorificada pelo coração dos
moços.
A mocidade te erguerá, bandeira do Brasil, uma
catedral de civismo onde, por entre o incenso que se eleva
dos turíbulos das chaminés na missa colossal do trabalho,
flabelarás vitoriosa!
Vemos-te, estandarte de luz, no coração da
mocidade.
Agita-te no sopro da vitória, sem temores nem
receios, porque sabes que enquanto houver um brasileiro
na face da terra, jamais descerás de teu mastro.
Mocidade! Tu que és a radiosa esperança do
porvir, faze de teu coração o altar da tua pátria, e ergue

44
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

sobre ele esse pano querido que é o próprio coração do


Brasil palpitando ante nossos olhos, espalhando pelas
artérias da nossa existência no sangue generoso do amor e
o orgulho da nossa história! (O TEMPO, 19 nov. 1937, p. 1 e
4)

Mais adiante, o jornal rio-grandino aplaudia a


coligação das diferentes agremiações partidárias gaúchas,
afirmando no cabeçalho que “a aliança dos partidos”
constituía a “fórmula patriótica capaz de preservar a paz
do Brasil e promover o bem-estar do Rio Grande do Sul” (O
TEMPO, 21 nov. 1937, p. 1). Tal tema voltaria à baila,
afirmando o periódico que a aproximação entre os partidos
rio-grandenses servia para congregar a “opinião política do
estado”, vindo a “apoiar o presidente da República e
continuar a atuação em benefício dos interesses gaúchos”.
As homenagens ao pendão nacional continuavam,
noticiando a folha que se “revestiram de excepcional brilho
as comemorações do Dia da Bandeira” na cidade do Rio
Grande (O TEMPO, 23 nov. 1937, p. 1 e 4).
Na edição seguinte, o discurso voltado à
harmonização política era destaque no Tempo, ao declarar
que, em lugar das “querelas partidárias”, as quais
impediam “solução harmônica”, seria melhor “a indicação
de administrador legítimo”, o qual, “desconhecendo os
apetites e paixões de campanário”, só pretendesse
“governar e sanear”. A “coligação das forças partidárias”
gaúchas continuava na pauta da folha, bem como uma
transcrição que definia a nova constituição, outorgada a 10
de novembro, como “um todo harmonioso e homogêneo
em suas partes componentes”, trazendo por significado
“um supremo esforço de captação das realidades brasileiras
nas suas fontes diretas”. (O TEMPO, 24 nov. 1937, p. 1 e 4)
Usando o expediente da transcrição o Tempo
apresentava apreciação elogiosa à coligação entre as forças

45
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

partidárias gaúchas, declarando que o Rio Grande do Sul


abrira um “precedente na adaptação à nova ordem de
coisas, modificando o cenário político, para constituir um
só bloco de união em torno do governo” e prognosticando
que “o exemplo gaúcho” seria seguido por outros estados.
Na mesma linha, a folha destacava telegrama do presidente
da República expressando sua satisfação diante de tal ação
política gaúcha, considerando-a como uma “significativa e
patriótica resolução, grandemente beneficiosa para a
tranquilidade da família rio-grandense”, assim como para o
“fortalecimento da confiança” que vinha “encontrando em
todo o país a ação do governo federal, empenhado em levar
avante a obra de engrandecimento da nação brasileira”.
Ainda com o recurso da transcrição, o periódico trazia ao
público declarações do professor e escritor Ribas Carneiro à
imprensa carioca, o qual, em síntese, considerava
“emancipada a nação do liberalismo romântico” e
vaticinava que “o resultado da ação regionalista”
conduziria o país “à condição de Estados desunidos do
Brasil” (O TEMPO, 25 nov. 1937, p. 1 e 4).
A nova constituição brasileira era tema de outra
transcrição feita pelo jornal rio-grandino, apresentando
opiniões expressas pelo engenheiro Euvaldo Lodi, ao
estudar o novo estatuto brasileiro, enfatizando “o sentido
econômico da nova Carta Magna”, como “uma grande
vitória da representação profissional” a partir da “criação
do Conselho Econômico”, em clara alusão ao espírito
corporativista, tão em vota no momento (O TEMPO, 26
nov. 1937, p. 1). A respeito de outra característica da nova
estrutura de poder, a centralização político administrativa
também foi destacada pelo periódico, ao noticiar que o
governo estudava “o projeto de centralização dos serviços
de polícia e segurança pública” (O TEMPO, 27 nov. 1937, p.
1).

46
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Voltando à temática regional, reproduzindo a


declaração de um político, o Tempo enfatizava que o Rio
Grande do Sul estava “tranquilo e muito mais unido” do
que em 1930, pois “todas as forças partidárias do estado se
congregaram para apoiar decididamente à ação do governo
federal” (O TEMPO, 27 nov. 1937, p. 4). No mesmo sentido,
através da manifestação do embaixador e tradicional
político rio-grandense, Batista Luzardo, a folha destacava
que o momento era “de reconstrução”, tendo cessado “a
vida partidária”, não havendo preocupações com
“revanches políticas”, de modo que todos estariam a
desejar “o reerguimento do Estado, com a maior expansão
possível de suas reservas econômicas”. Na mesma ocasião,
o periódico citava declarações de Vargas à imprensa
italiana, afirmando que “a própria situação eleitoral”
forçara “a decretação da nova carta constitucional no
Brasil” (O TEMPO, 28 nov. 1937, p. 1).
Reiterando a temática da coligação rio-grandense e
mais uma vez através da palavra de Batista Luzardo, a
folha ressaltava que “a união sagrada” estabelecida “entre
as principais correntes políticas do Rio Grande” viria a ser,
“sem dúvida, o penhor de garantia da paz” que reinaria
“entre todos os conterrâneos, irmanando-os para a obra
comum da reconstrução do Brasil” (O TEMPO, 30 nov.
1937, p. 1). A entrevista de Getúlio Vargas para periódico
italiano viria a ser pauta mais uma vez nas páginas do
Tempo, explicando que nela o presidente definira “os rumos
do novo regime”. As palavras de Vargas eram citadas: “A
10 de novembro” foi instaurado “um regime forte de
justiça, de paz e de trabalho que as forças armadas
reclamavam e o povo aceitou com as maiores manifestações
de regozijo”. Outro trecho da manifestação presidencial
esclarecia que “a luta contra o comunismo” seria
“intensificada até alcançar o máximo grau de eficiência”, de

47
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

modo que ele não conseguiria “nunca direito de cidadania


brasileira” e não transformaria o país em “teatro de
façanhas sinistras verificadas em outros” (O TEMPO, 1º
dez. 1937, p. 1-4).
As repercussões da transformação política brasileira
no jornalismo europeu também foram destacadas pelo
Tempo, citando jornal que enfatizava que Vargas fora “o
primeiro presidente de república sul-americana a pegar em
armas contra o comunismo”, e outro periódico, segundo o
qual o Brasil estaria unificado em um “sentimento de
grandeza nacional”. Com alguma surpresa, a publicação
rio-grandina noticiava a possibilidade da extinção dos
partidos políticos, com a formação de uma agremiação
nacional que congregaria “todos os homens de boa vontade
em torno da nova carta constitucional” (O TEMPO, 3 dez.
1937, p. 1-4).
O tema da extinção dos partidos voltou às páginas
do jornal rio-grandino, ao destacar entrevista do político
sul-rio-grandense Loureiro da Silva. Segundo ele,
“praticamente e até legalmente, a existência dos partidos
políticos” não mais se justificava, já que a constituição viria
a ser “o único programa para todos” que quisessem “se
enquadrar na realidade do Estado Novo”, ou seja, quem
ficasse “com o programa dos partidos” seria “contra o
governo, contra o Estado” e estaria “agindo ilegalmente”.
Ainda de acordo com a mesma fonte, “os programas
partidários” teriam perdido “a sua significação”, de
maneira que “os problemas” deveriam “ser solucionados
fora da estreiteza das fórmulas políticas dos programas
partidários” (O TEMPO, 4 dez. 1937, p. 1-4). As
expectativas se confirmariam e o periódico divulgaria a
íntegra do decreto-lei determinando a dissolução dos
partidos políticos (O TEMPO, 5 dez. 1937, p. 1).

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

O combate às ideologias de esquerda seria


ressaltado pelo Tempo em matéria denominada “A criança,
a maior vítima do comunismo”, comentando “o perigo da
infiltração vermelha nas obras educacionais da infância”.
Para o jornal, “uma das mais acertadas medidas do
presidente da República, no sentido de expurgar o Brasil
dos perigos da infiltração vermelha” fora “o exame
cuidadoso e a seleção dos livros didáticos á mocidade das
escolas”. Na concepção da folha, “persistentes e por isso
mesmo mais perigosos que quaisquer outros, os
comunistas” compreendiam “que o relaxamento do caráter
infantil e a deturpação do conceito de justiça e moral”
facilitariam “sobremodo a aceitação de seus princípios
subversivos” (O TEMPO, 5 dez. 1937, p. 4).
Ainda a respeito desse assunto, o periódico
chamava atenção para os “livros de aparência atraente, com
ilustrações vistosas e matéria empolgante”, mas que
estariam “eivados de princípios falsos de origem, ou
propositadamente falseados”, de modo que, “no espírito da
criança”, aparecesse “a dúvida” ou se assentassem “bases
contrárias às tendências da raça e aos ditames tradicionais
de cultura e educação” nacional. Apontava também “outro
método posto em prática pelos agitadores vermelhos”, o
qual consistia em “apresentar os líderes comunistas como
protetores da infância, como estudiosos do problema da
educação e da higiene infantil” (O TEMPO, 5 dez. 1937, p.
4).
Em referência à URSS, o jornal rio-grandino
afirmava que “não conseguiram os comunistas, em duas
décadas de aplicação do regime, criar uma mentalidade
saída entre as crianças” e, além disso, ameaçavam
“retrogradar aos tempos da barbárie, aplicando a pena de
morte diante da falência do sistema educacional” por eles
criado. Alertava que, “no estrangeiro, seus métodos”

49
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

formavam “um estado de caos mental para a infância,


facilitando a infiltração de sua doutrina malsã”. Diante
disso, aplaudia a medida presidencial, “fazendo a seleção
dos trabalhos escritos e destinados à criança brasileira”,
pois “somente um esforço continuado, em todo o país”
poderia evitar “a propagação dos princípios” que visavam
“somente criar ambiente para o futuro de desordem”, que
facilitaria “os surtos vermelhos” (O TEMPO, 5 dez. 1937, p.
4).
Em conclusão, o Tempo afirmava que a constituição,
“apoiada pelo povo”, cuidava “carinhosamente da
educação e da saúde de seus futuros cidadãos”. Nessa linha
de pensamento, dizia que o Brasil vivia “uma época de
abastança” nunca obtida anteriormente, pois o governo
estaria a metodizar o trabalho e a facilitar a instrução,
pensando “seriamente no futuro da raça” e buscando “criar
um Brasil forte e unido, digno do lugar que a história” lhe
reservara “entre os povos”. Dessa maneira, a folha
propunha que não se permitisse que “a propaganda
encoberta dos comunistas” viesse a se propagar “entre as
crianças” (O TEMPO, 5 dez. 1937, p. 4).
O enaltecimento ao texto constitucional foi mais
uma vez abordado pelo periódico, ao citar entrevista do
advogado e político Coelho de Souza, segundo o qual “o
programa da nova corrente” era a constituição, completada
pelos decretos-leis, na qual os homens de boa vontade,
animados de espírito público” e que colocavam “o bem
coletivo acima dos interesses e das vinditas de
parcialidades” encontravam “uma larga possibilidade de
ação criadora”(O TEMPO, 7 dez. 1937, p. 1). Ainda a
respeito do mesmo tema, e com base em análise do político,
advogado e jornalista Waldemar Falcão, observando “os
aspectos essenciais da Carta Magna”, a folha destacava “as
características democráticas da nova constituição”. Além

50
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

disso, como ficaria caracterizado ao longo da ditadura


estado-novista, a exaltação ao “líder máximo” já aparecia
nas páginas do Tempo, com a divulgação de trechos de um
ensaio do jornalista Licurgo Costa versando sobre
“Aspectos da personalidade do presidente Getúlio Vargas”
(O TEMPO, 10 dez. 1937, p. 1 e 4).
Assim, ao longo do período de um mês que se
seguiu ao golpe do Estado Novo, o Tempo apresentou uma
posição predominante de adesão e, secundariamente,
adaptação ao regime instaurado em novembro de 1937. Nas
páginas do periódico, os protagonistas eram os detentores
do poder, com destaque para Getúlio Vargas e seus
pronunciamentos, notadamente o manifesto de 10 de
novembro, cujos trechos foram apresentados
recorrentemente. Também outros membros governistas
foram repetidamente citados, de modo que os espaços do
jornal ficavam dedicados aos vitoriosos, não restando nem
mesmo a coadjuvação para os derrotados.
No que tange à adaptação, o periódico apoiou a
ação partidária sul-rio-grandense em torno da coligação,
para depois aplaudir a determinação governamental da
extinção dos partidos. Quanto à adesão, a folha rio-
grandina alinhou-se ao discurso dos detentores do poder,
sustentando-o e reproduzindo-o. Tal adesismo deu-se
notadamente no que tange ao ufanismo patriótico, ao
espírito de união e congraçamento de todos em prol da
nação, na supervalorização do papel das lideranças,
notadamente do presidente da República, no rompimento
com o liberalismo clássico e no combate ao comunismo,
apontado com um dos males que deveria ser evitado.
A publicação editada na cidade portuária optou por
concentrar-se ainda mais na prática do jornalismo
informativo, em detrimento do opinativo, concentrando
sua linha editorial na apresentação de notícias e

51
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

transcrições, com plena ênfase às fontes de natureza


governamental. Expressões como golpe, ditadura,
autoritarismo foram evitadas a todo custo, prevalecendo
termos como pátria, nação, civismo e união, revelando a
postura do jornal diante da nova realidade. Até mesmo a
Constituição de 1937 – simulacro de organização
institucional e documento destinado a legitimar as
tendências autoritárias, centralistas e concentradoras de
poder – chegou a ser apontada pelo periódico como
portadora de características democráticas. O regime
autoritário implantado no país naquele novembro de 1937
iria submeter os meios de comunicação e as expressões
artístico-culturais a um controle exacerbado, com práticas
de repressão, perseguição e censura. Nesse quadro, ainda
antes da consolidação desse modelo coercitivo, muitos
órgãos da imprensa anteciparam-se e, por previdência ou
convicção, aderiram ao novo status quo. Apesar de uma
postura historicamente mais próxima do pensamento
liberal, o Tempo optou pelo alinhamento. Novos tempos,
novas consciências...

52
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Historiografia do Rio Grande do


Sul no Estado Novo
Luiz Henrique Torres*
A discussão da identidade nacional brasileira foi
reposta no Estado Novo, mas, possui uma raiz mais antiga
que está inserida na necessidade em definir um projeto de
sociedade a partir de uma redefinição do poder2. A

* Professor Titular da FURG, Doutor em História pela PUCRS e


realizou Pós-Doutorado no Programa de Pós-Graduação em
História/UNISINOS (2016). Entre autoria, coautoria e
organização de obras, publicou 65 livros.
2 "A temática da cultura brasileira e da identidade nacional é um

antigo debate que se trava no Brasil. Constitui uma espécie de


subsolo estrutural que alimenta a discussão em torno do que é
nacional, relacionando, quase sempre, à constituição de um ser
brasileiro (no sentido do caráter nacional) e de um Estado
Brasileiro (cf. ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade
nacional). De modo que a problemática da cultura é
essencialmente uma questão política, e falar nela, sobre ela,
implica necessariamente falar em relações de poder. (...) Isto
porque, para definir uma cultura como sendo nacional, faz-se
necessário delimitar como se entendem os destinos de uma
sociedade, o que sempre implica definições valorativas, as quais,
e no caso brasileiro é bem nítido, são terreno fértil para a
legitimação das relações de poder estabelecidas ou a serem
estabelecidas". PEREZ, Léa Freitas. A cultura brasileira e seu
significado: a constituição de uma noção de brasilidade. Veritas,
Porto Alegre, PUCRS, n.137, 1990, p. 46.

53
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

construção deste debate remonta ao século XIX, no período


tumultuado de afirmação da independência brasileira e
manutenção da unidade nacional no contexto de
continuidade da estrutura tradicional, com base no
latifúndio escravista, defendido pelas elites agrário-
exportadoras e viabilizado pela ordem econômica do II
Império. Segundo Manoel Guimarães (1988), foi à criação
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em 1838 a
referência delimitadora no campo intelectual, para o
desvelamento dos elementos da nacionalidade brasileira e
uma definição de Estado nacional. O conceito de nação
brasileira, para Manoel Guimarães, ampara-se na idéia de
civilização no Novo Mundo, inserindo-se numa tradição
advinda do Iluminismo. A nação seria um desdobramento
nos trópicos de uma civilização branca e européia,
excluidora da possibilidade de ação como sujeitos
históricos dos não-portadores desse referencial
civilizatório: índios e negros (GUIMARÃES, 1988: 7).
A recorrência dessa busca da identidade nacional
foi encaminhada pela historiografia do Rio Grande do Sul
numa perspectiva diferenciada nas décadas de 1920-30.
Esta perspectiva foi a da inserção do regional frente ao
projeto nacional em andamento. Acompanhar os novos
rumos da sociedade brasileira representa a revisão da
história regional e a reafirmação da brasilidade, mesmo que
fosse necessário refazer a história segundo esses interesses.
A afirmação da brasilidade do rio-grandense está
ligada à elaboração do conceito de "gaúcho brasileiro" entre
intelectuais ligados à tendência historiográfica luso-
brasileira, buscando, dessa forma, unificar o múltiplo,
negar o conflito e construir a harmonia frente à formação
histórica do Rio Grande do Sul. Como destaca Ruben
Oliven, a iniciativa do destaque à brasilidade está presente
em Rubens Barcelos (1955) e Moysés Vellinho (1964). Mais

54
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

do que uma omissão escandalosa em relação ao que


estava ocorrendo no Rio Grande do Sul, o que se nota nos
escritos destes intelectuais, quando eles insistem no não-
separatismo da Revolução Farroupilha e nas diferenças
essenciais entre o gaúcho brasileiro e o gaúcho platino, é
uma tentativa de afirmar a brasilidade do Rio Grande do
Sul e de seus habitantes. Embora atualmente isso possa
parecer supérfluo, convém lembrar que boa parte deles
estava escrevendo antes ou logo depois de 1930, quando
ainda não havia se consolidado a integração econômica e
política do País. Um dos temas centrais da
intelectualidade nessa época era o da formação da
nacionalidade e da integração nacional. A Revolução de
1930, na medida em que significou um processo crescente
de centralização econômica e política (a ponto de em 1937
ter sido realizada uma cerimônia pública de queima das
bandeiras estaduais), acentuou a idéia de unidade
nacional e atribuiu ao Estado esta tarefa. É preciso,
portanto, não só afirmar a brasilidade do gaúcho, mas
enfatizar seus traços positivos, mesmo que para isto seja
necessário maquilar a realidade, passando por cima dos
elementos que poderiam eventualmente ser considerados
bárbaros. Estes deveriam ser exportados para o outro lado
da fronteira: o Prata (OLIVEN, 1989: 9-10).
Nesse contexto de integração nacional, recorre-se à
reinterpretação das idéias e semelhanças que uniram
historicamente os rio-grandenses com o Prata. O passado é
repensado e a história é reescrita, orientada pelo esforço
político de integração ao Brasil. Afirmar nacionalmente os
interesses regionais significa definir a nacionalidade do rio-
grandense – o "gaúcho brasileiro", que se contrapõe à
belicosidade, ao expansionismo e à desordem caudilhesca
do "gaúcho platino". O Rio Grande do Sul é o espaço da
ordem e da disciplina, da conquista e manutenção de

55
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

fronteiras para o Brasil. O espírito nacional aqui chegou


com os bandeirantes e prosseguiu com os lagunenses e
açorianos. Supostamente, "sempre tivemos claro" um
projeto de nação em sintonia com o Brasil. Mas existiu esta
"sintonia nacional" em pleno período colonial? Mesmo no
momento político culminante de crise do sistema colonial
no Brasil – a Independência –, o nacionalismo:

"não teria condições de assumir o seu significado pleno


num país cuja economia baseava-se essencialmente na
exportação, onde o mercado interno era extremamente
limitado, as vias de comunicação escassas e por isso
mesmo difíceis os contatos entre as várias regiões"
(COSTA, 1987: 29).

Essa interpretação com recurso constante ao


nacionalismo dos rio-grandenses foi o encaminhamento
dos intelectuais do período frente à reorganização nacional
e às estratégias de continuidade e mudança no projeto das
elites gaúchas. O processo de centralização política
desencadeado com a Revolução de 1930 acentuou-se com o
Estado Novo (1937-1945). O regionalismo e a autonomia dos
estados, característicos da República Velha, foi remodelado
frente à edificação do Estado Nacional dirigido por Getúlio
Vargas. A tensão regional-nacional assume contornos
diferenciados que estão expressos na produção intelectual e
que se evidenciam na análise de uma obra coletiva. O livro
Rio Grande do Sul: imagem da terra gaúcha de Morency do
Couto e Silva (1942) busca uma síntese geográfica, histórica
e cultural do estado, congregando representativa parcela
dos intelectuais dos anos 1940: Souza Docca, Luiz Gonzaga
Jaeger, Moysés Vellinho, Rubens de Barcelos, Luís Carlos
de Morais, Walter Spalding etc. O livro tem caráter oficioso,
sendo dedicado a Getúlio Vargas, Osvaldo Aranha, Eurico
Gaspar Dutra, Gustavo Capanema e ao Departamento de

56
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Imprensa e Propaganda (DIP), o que caracteriza um


vínculo ao estado-novismo.
Um tema recorrente na historiografia é o da
autonomia e integração do Rio Grande do Sul frente ao
governo central, problema configurado historicamente no
papel de fronteira militarizada e na construção de uma
identidade brasileira em relação ao Prata. Na edificação da
brasilidade, sem abandonar a referência ao elemento
campeiro como expressão do habitante do Rio Grande do
Sul, ressaltam-se as diversidades entre o gaúcho "malo"
(platino) e o gaúcho ordeiro (brasileiro). O antagonismo
entre as formações históricas platina e rio-grandense é
modelado, considerando elementos platinos – como as
Missões Jesuítico-Guaranis – estranhos à "real formação
histórica" do Rio Grande do Sul. A tradição luso-brasileira
na formação do Brasil é utilizada como referencial
delimitador entre a história e os elementos exógenos
(platino-missioneiros e a pré-história indígena).
Apresentado na forma de álbum e ao longo de mais
de 600 páginas, Imagem da terra gaúcha trata de temas
ligados à história, geografia, economia, ciências etc. A parte
histórica é constituída pela exposição das populações que
ocuparam o estado, seguida da história colonial, imperial e
republicana. O trabalho busca, sistematicamente, através de
uma leitura do passado, trazer lições orientadoras à prática
social no presente.
Uma leitura preliminar pode induzir a uma
conclusão falaciosa sobre a preocupação com a questão
indígena, devido ao espaço dedicado aos primitivos
habitantes. Porém, o indígena é uma curiosidade etnográfica
voltada à especulação classificatória (lingüística, tribal etc.).
É o caso do artigo Raízes da população sul-rio-grandense, do
coronel Luís Carlos de Moraes, repleto de especulações
etnográficas. A orientação do autor foi a de que o Rio

57
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Grande do Sul era uma "terra de ninguém" até o final do


século XVIII e "jazia abandonado, esperando a consolidação
dos limites ali plantados pela ousadia e audácia da gente
lusa" (MORAES, 1942: 132). Frente a essa concepção,
caberia somente "esperar a consolidação dos limites". Em
relação às Missões, o autor considerava que o "regime
jesuítico" foi "compatível com o estado social do selvagem"
(MORAES, 1942: 132).
Emílio Fernandes de Souza Docca enfatizou o
vínculo do Rio Grande do Sul ao Brasil e descartou
influências platinas. Dessa forma, reforçava a crítica ao
caráter antiportuguês das Missões e enalteceu o
lusocentrismo e a brasilidade do gaúcho. Segundo o autor,
"a ação civilizadora dos jesuítas na região missioneira, o
progresso que ali introduziram esses abnegados sacerdotes
não figuram entre os fatores da formação social sul-rio-
grandense, nem foram úteis ao desenvolvimento cultural e
econômico de nossa gente" (DOCCA, 1942: 214). Quanto ao
índio Sepé Tiaraju, este não deveria ser exaltado, pois
nunca lutou pelos rio-grandenses e sim por interesses de
ordem alheia à dos luso-brasileiros. Para Docca, a
"mentalidade dos aborígines aldeados pelos missionários"
era voltada ao ódio a Portugal. O autor considera que a
"civilização rio-grandense não procedeu do sul com o
hispano-americano, acompanhado de indígenas, e sim do
norte, com os povoadores e conquistadores luso-
brasileiros" (DOCCA, 1942: 206). Segundo ele, não ocorriam
"milagres" na vida dos povos e sim fatores reais, positivos
que influenciavam em sua evolução, orientavam sua
marcha histórica e lhes ditavam o destino. Esses fatores
seriam o meio ambiente, a índole, tradição, sangue e língua,
convergindo para uma síntese no elemento lusitano:

58
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

os colonizadores lusitanos eram de compleição robusta,


morigerados, econômicos, com verdadeiro culto pela
honra, não faltando, por isso, nunca a palavra empenhada
(...). De sua cruza com o elemento brasílico que ali
encontrou, nasceu o campeador sul-rio-grandense –
inexcedível na bravura, no desprendimento, no idealismo e
no amor da Pátria (DOCCA, 1942: 206).

A brasilidade do gaúcho foi defendida por Walter


Spalding, que afirmava ter sido a Revolução Farroupilha
eminentemente "nacionalista", na qual os revolucionários
buscavam unificar o Brasil sob a mesma bandeira. Essa
revolução foi reivindicadora "nitidamente brasilista, pois,
em todos os momentos de sua breve e atribulada existência,
a República Rio-grandense jamais esqueceu a grande pátria
brasileira, procurando em tudo e por tudo a grandeza e a
felicidade do Brasil, sua unidade e liberdade integral"
(SPALDING, 1942: 268).
É sugestivo relacionar essa interpretação do
movimento farroupilha via brasilidade com a disposição,
artificiosa ou não, em demonstrar "nossa indiscutível"
integração ao Brasil. Como afirmou Osvaldo Aranha no
artigo Brasilidade: eterno ideal do gaúcho, a Farroupilha foi "a
mais brasileira de nossas revoluções", tendo os rio-
grandenses lutado para serem brasileiros, frente à
adversidade geográfica que os impelia ao Prata (ARANHA,
1942: 351). Para Moysés Vellinho, o Rio Grande do Sul
"sempre tomou armas em nome de suas aspirações de
estabilidade política e geográfica. Fiéis às velhas tendências
construtivas dos troncos lusos, aceitamos a guerra como
uma contingência histórica, nunca como um programa ou
ideal de vida" (VELLINHO, 1942: 294).
Ao longo do livro, fotos de Getúlio Vargas,
acompanhadas de frases como "o orgulho do Rio Grande",
indicam mais do que um agradecimento ao Governo

59
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Federal, que viabilizou a luxuosa publicação, mas uma


posição de comprometimento com uma determinada visão
de mundo. Entretanto, dois autores, Rubens de Barcelos e
Luiz Gonzaga Jaeger, apresentaram enfoques diferenciados
de outros articulistas do livro, sem renunciar ao vínculo
histórico com o Brasil. Luiz Gonzaga Jaeger apontou o
equívoco de “alguns patrícios
nossos de que a história do Rio Grande do Sul começa
apenas no século XVIII
com a penetração lusitana em nosso estado" (JAEGER,
1942: 244). A iniciativa de Jaeger em destacar a ação
missioneira frente ao dominante discurso da formação
luso-brasileira acarreta o lançamento de algumas questões
incômodas para as leituras fundadas na lusitanidade, as
quais perdem o seu sentido de exclusividade na ausência
de outros objetos a serem interrogados pelo historiador. O
enfoque de Jaeger residiu em resgatar a história da
Companhia de Jesus e não em discutir
a procedência espanhola: "os luso-brasileiros, levados por
seu ideal expansionista, ocuparam o território das antigas
Missões, incorporando-o na grande pátria brasileira em
conseqüência de tratados ou dos direitos de conquista
armada" (JAEGER, 1942: 214). Não foi questionada a
brasilidade, mas o esquecimento imposto à história
missioneira3. O projeto a ser resgatado, na dimensão

3 Após a expulsão dos jesuítas de Portugal e do Brasil em 1759, a


Companhia de Jesus foi dissolvida pelo Papa Clemente XIV. A
Companhia é restaurada pelo Papa Pio VII em 1814, e os
primeiros jesuítas retornam ao Rio Grande do Sul em 1842. A
produção historiográfica dos jesuítas a partir de Carlos Teschauer
foi fortemente marcada pela reconstrução da contribuição dos
jesuítas ao catolicismo no Rio Grande do Sul e pelo revisionismo
histórico baseado numa crítica à interpretação antijesuítica
pombalina. Para maiores informações sobre os acontecimentos

60
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

teleológica de realização de Deus, a partir da ação temporal


dos padres, foi o de centrar o processo nos integrantes da
Companhia de Jesus enquanto agentes da civilização a
preencherem seres não providos de racionalidade e
espiritualidade cristã. Nas Missões, o índio foi
transformado, de uma massa bruta e selvagem, num
homem de Cristo:
Diga-se das Missões Guaraníticas o que se quiser. Uma
coisa, entretanto, é inconteste: que um punhado de
missionários, ordinariamente dois para cada redução,
homens inteligentes e abnegados, conseguiram criar no
seio do Rio Grande do Sul um pequeno éden, onde mais de
trinta mil ameríndios, havia pouco ainda bugres boçais e
degenerados, viviam satisfeitos, prometendo para o porvir
transformar-se no beijinho da civilização sul-americana
(JAEGER, 1942: 252).

Rubens de Barcelos recorreu ao argumento de que


os açorianos eram ordeiros e sociáveis, que o Rio Grande
do Sul teve uma formação luso-açoriana, que na estância
havia harmonia entre peões e estancieiros, e que os últimos
exerciam a autoridade pelo valor pessoal e não pela
hierarquia ou poder econômico. O que difere na análise foi
o destaque dado ao nativismo da população da campanha e
a utilização de um conceito negado por autores da
tendência luso-brasileira: o caudilhismo. Essa expressão
política era associada por Othelo Rosa e Moysés Vellinho
com os países platinos, e, na visão desses autores, não tinha
equivalentes na realidade histórica rio-grandense, que seria
alheia a desordens políticas – a centralização e a
integridade territorial foi benéfica no Brasil, evitando a
fragmentação e o banditismo caudilhesco platino. Segundo

relacionados ao retorno dos jesuítas ao Rio Grande do Sul, cf.


LUTTERBECK S. J., Jorge Alfredo. Jesuítas no sul do Brasil.

61
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Barcelos, enquanto as cidades "gravitavam na órbita


ordeira e tradicional lusitana", com estrutura política e
administrativa centralizada, a campanha, "diferenciada,
gravitava com o Prata". As cidades "representaram o
espírito de continuidade histórica, o feitio português e
depois o feitio brasileiro e nacional" (BARCELOS, 1942:
228). Nessa interpretação, o movimento farroupilha,
orientado por estancieiros, não pode ter caráter nacionalista
voltado ao Brasil. Ao mesmo tempo, a relação econômica
na campanha, o modo de vida, vinculou os rio-grandenses
mais ao Prata do que ao Brasil. O reconhecimento da
influência platina por Barcelos não deve ser interpretado
como uma leitura separatista e antibrasileira, pois ele não
realizou uma apologia dos farroupilhas, nem destacou a
platinidade como referencial histórico-cultural:

"No caso brasileiro, Barcelos considerava impossível o


desmembramento da nacionalidade pela diversidade de
produção do território brasileiro que gerava a
interdependência das trocas comerciais. Para o autor, o
sentimento de pátria estava acima dos partidos, advindo
disso sua crença na união dos brasileiros, não vendo razões
para se falar em separatismo, muito menos do gaúcho, pois
o bom rio-grandense sabe ser brasileiro. Vê-se a proximidade
desse autor com Pinto da Silva, Alfredo Varella e, em
termos gerais, com a historiografia contemporânea sulina
que privilegiava sentimentos de nacionalidade e de
brasilidade no Rio Grande do Sul" (GUTFREIND, 1992: 30).

Os referenciais da identidade gaúcha na década de


1940, em meio à II Guerra Mundial, são buscados na vida
campeira, na condição militar-fronteiriça do Rio Grande do
Sul desde o período colonial e em seu papel histórico de
incorporar territórios ao Brasil em detrimento do Prata. O
heroísmo do homem lusitano-açoriano, democrático e

62
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

ordeiro, permanece entre os elementos mais difundidos na


constituição da identidade sul-rio-grandense4. O processo
de urbanização e industrialização, as lutas sociais e as
ideologias políticas são temas secundários nas discussões.
Em termos de fricções com o regime estado novista
certamente a dialética regionalismo e brasilidade é um
componente que foi apaziguado durante aqueles anos e
que foi retomado no período pós-1945. Um exemplo é a
Revista Província de São Pedro que agregou parte da
intelectualidade rio grandense e que se voltou a uma
revisitação ao regionalismo:

4 Nesse período foi publicado o livro de Wolfgang H. Harnisch


(professor da Universidade de Berlim) que enfatizava o caráter
brasileiro do gaúcho. O autor fez uma exaltação ao Estado Novo e
ao nacionalismo: "a consciência nacional gaúcha vivia sempre
alerta, sempre avivada pelo eterno contraste com o espanhol, o
inimigo externo de sua terra. Este inimigo manteve várias
gerações de defensores dos pampas em alerta constante. A
consciência nacional assumiu, assim, desde logo, características
nacionalistas mais acentuadas do que a dos demais Estados". (...)
O gaúcho, "apesar desse amor intensivo para com o seu Rio
Grande, foi sempre bom brasileiro", estando favorável à
centralização político-administrativa estadonovista. Em relação à
expulsão dos jesuítas: "Não existe mais da teocracia jesuítica senão
restos – miserável caricatura da magnificência de outrora! Na
qualidade de novos protetores e senhores, descem à terra oficiais
espanhóis e soldados, arrecadadores de tributos e funcionários da
administração colonial. São eles que, daqui por diante, vão
proteger os índios libertados". Harnisch realiza uma louvação à
terra natal de Getúlio Vargas, a quem o livro é dedicado,
reconhecendo que São Borja é um centro intelectual e cultural, "a
guardiã de todas as tradições regionais", entre elas "as tradições
jesuítico-indígenas que apenas medram superficialmente"
(HARNISCH, 1941: 518, 513, 238 e 246).

63
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Se de tudo resultar uma nova afirmação das nossas


peculiaridades regionais, é bem possível que os maníacos
da centralização se encham de suspeitas e temores. Não faz
mal. Parece fora de dúvida que os assomos de
padronização cultural só podem concorrer para a
consumação da mais ingrata das obras: a descaracterização
do país na sua unidade múltipla como consequência do
gradual apagamento das fisionomias locais e da destruição
dos valores da província (VELLINHO, 1945: 6-7).

Durante o Estado Novo, “a massa da


intelectualidade não fez oposição cerrada ao regime
ditatorial implantado em 1937, nem os detentores do poder
regional promoveram uma repressão ou mesmo apenas
uma pressão generalizada contra ela” (GERTZ, 2013: 28).
Muitos contribuíram para a consolidação de uma ideologia
que destaca o benefício de um Estado Forte. Afinal, o Rio
Grande do Sul, “até hoje, é visto como o lugar de origem de
uma visão de mundo que apresenta e louva o Estado como
demiurgo capaz de nos presentear com um paraíso
terrestre”. Esta posição perante a vida pública pode
conviver “muito bem com a admissão de arranhões ao
Estado Democrático de Direito, muitas vezes sob a
justificativa de garantir os interesses da nação” (GERTZ,
2013: 29).
Ocorreram casos de perseguição à inteligência
gaúcha, mas, a orientação estadonovista era de conviver
sem grandes atritos e se possível promover a cooptação.

A moeda de troca eram as promessas ou algumas medidas


efetivas para consolidar a nacionalidade, com políticas
nessa direção nos campos econômico, social, educacional e
cultural, para construir um país unitário e moderno. Para
alguns intelectuais, as benesses pessoais derivadas de certo
mecenato estatal não terão sido desprezadas para aceitar

64
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

uma convivência minimamente harmônica com a ditadura


(GERTZ, 2013: 28).

A tensa formação histórica do Rio Grande do Sul,


uma fronteira entre o platino e o brasileiro, é exaltada pelos
autores. Mas a especificidade regional é insistentemente
reconduzida a um projeto mais amplo, que é a brasilidade.
Em Rio Grande do Sul: imagem da terra gaúcha, constata-se
esse ritual de incorporação do estado ao Brasil e a negação
do vínculo platino, através da difusão do antagonismo
luso-espanhol. A vinculação platina das Missões
Jesuítico-Guaranis torna-as um objeto estranho frente à
"verdadeira história" de caráter luso-brasileiro. Luiz
Gonzaga Jaeger repõe a discussão desenvolvida por Carlos
Teschauer, e que estava sendo retomada por Aurélio Porto
em seu livro História das Missões Orientais do Uruguai, em
direção de um privilegiamento da obra civilizatória
jesuítica.
A história rio-grandense é repensada no sentido da
centralização político-administrativa brasileira. Nessa
direção, os indígenas são curiosidades culturais e biológicas
numa "terra de ninguém", e o contexto platino-missioneiro
recebe uma abordagem enquanto "corpo estranho e
antagônico à formação gaúcha". A descontinuidade
histórica das populações indígenas e das Missões, segue-se
um ritual de passagem destituído de historicidade até a
consolidação de uma continuidade histórica vinculada à
formação luso-brasileira.5

5 "O historicismo é movimento bem antigo. Suas mais antigas


formas, como sejam as doutrinas dos ciclos de vida de cidades e
de raças, precedem a primitiva concepção teleológica segundo a
qual há propósitos ocultos por detrás dos aparentemente cegos
decretos do destino. Muito embora esse pressentimento de
propósitos ocultos se distancie largamente da maneira científica

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

A constituição de uma identidade a partir da


exclusão de outras identidades possíveis alia-se a uma
narrativa historiográfica de recurso conjuntural e
sincrônico. O passado, após sua remodelação, passa a ser
um referencial de comportamento para o presente com base
numa visão teleológica, ou seja, uma história já está
definida, na qual os agentes históricos são guiados por
princípios inconscientes de brasilidade. Esta visão, em que
homens e fatos singulares dominam o horizonte do
historiador (CARDOSO, 1983: 25), harmonizando-se na
confluência luso-brasileira, recorre a uma exposição fatual e
voltada à exaltação de personalidades que se destacaram na
consolidação deste universo. Se no plano teleológico
esboça-se uma longa duração do processo histórico –
colônia, império e república – que encontra sentido
unificador na brasilidade, no plano histórico do acontecer
percebe-se o recurso ao conjuntural e a curta duração dos
atos heróicos que se eternizam enquanto síntese de modelo
de ação a ser seguido por aqueles personagens cujo nome a
história não registrou.

de pensar, há dele traços indisfarçáveis até mesmo nas mais


modernas teorias historicistas. Todas as versões do historicismo
comunicam a sensação de estarmos sendo arrastados para o
futuro por forças irresistíveis". (POPPER, 1980: 124-125).

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

O Golpe de Vargas na imprensa


francesa
(novembro de 1937)
Reto Monico*

1. O Golpe nas primeiras páginas

A notícia do golpe de Getúlio Vargas é publicada pelos


jornais franceses entre 11 e 13 de novembro durante as
celebrações do 19º centenário do Armistício de 1918 que é,
de longe, o tema mais tratado pela imprensa, além de
alguns faits divers, da conferência de Bruxelas sobre a
situação na China e da greve de uma hora dos
metalurgistas.
Por estas razões, e como se pode ver nas manchetes
reproduzidas neste artigo, as informações vindas do Rio de
Janeiro ocupam relativamente pouco espaço na primeira
página. Alguns quotidianos mencionam esta mudança

*Licenciado (1977) e doutor (2003) em História pela Universidade


de Genebra, com a tese Suisse-Portugal: regards croisés (1890-1930).
Debruça-se principalmente sobre a História das representações
em Portugal e no Brasil contemporâneos, com base, sobretudo, na
imprensa internacional, nos relatos de viagens e nos documentos
diplomáticos suíços. Lecionou no ensino secundário de 1976 a
2013.

67
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

institucional através de uma pequena nota ou de um título


da largura de uma ou de duas colunas e outros só falam
deste acontecimento nas páginas interiores ou no dia
seguinte.

Figura 1:Manchete do Excelsior de dia 11 de novembro que


anuncia a ditadura de Vargas.

Figura 2 : Le Journal de dia 11 fala de «Golpe de Estado no Brasil»


onde « O presidente Vargas promulga uma nova constituição
corporativa e totalitária».

68
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Figura 3 : L’Homme Libre, jornal fundado por


Clemenceau em 1913, publica uma pequena
nota na primeira página de dia 11 sobre o
«Golpe de Estado no Brasil».

Figura 4: Le Petit Parisien reproduz, nas notícias da última hora


de dia 11, um telegrama de Londres e outro de Washington sobre
«Uma nova Constituição proclamada no Brasil».

Figura 5: O monarquista L’Action Française publica um breve


resumo das notícias que chegaram da capital americana acerca do
«Golpe de Estado no Brasil» na página 2 de dia 11 de novembro.

Na sexta-feira, dia 12 de novembro, a esmagadora


maioria dos diários franceses comentam a cerimónia da
véspera sobre o 19º aniversário do armistício de 1918,

69
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

ilustrando os vários artigos com algumas fotografias.


Porém, não esquecem completamente a viragem
constitucional brasileira.
Ce Soir, o jornal mais popular na época, publica um
retrato de Vargas e fala do novo «regime totalitário» [Fig.
6]. O Católico La Croix [Fig. 7] menciona «um
acontecimento político da maior importância»: a
proclamação da ditadura pelo presidente Vargas. Le Petit
Journal [Fig. 8] e Le Matin [Fig. 9] põem em relevo a
tranquilidade desta mudança na política do maior país da
América do Sul.

Figura 6: «O Presidente Vargas institui um regime totalitário», Ce


Soir, 12 de novembro.

70
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Figura 7: «O Presidente Vargas proclama a ditadura e estabelece


um regime corporativo», La Croix, 12 de novembro

Figura 8: «Grande calma no Brasil depois do Golpe de Estado», Le


Petit Journal, 12 de novembro.

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Figura 9: «O Golpe de Estado no Brasil ocorreu pacificamente» Le


Matin, 12 de novembro.

A 12 de novembro, os quotidianos conservadores de


referência também se debruçam sobre o golpe de Getúlio.
Le Temps [Fig. 10], além de informações pormenorizadas,
publica um longo editorial intitulado « O golpe de Estado
no Brasil» sem ilustrações. O Journal des Débats, fundado em
1789, reproduz uma parte do discurso de Vargas,
igualmente sem imagens, e algumas informações vindas da
capital americana [Fig. 11], mas sem comentários, que serão
publicados somente no dia seguinte e no domingo dia 146.
Le Figaro limita-se a uma pequena nota ao lado da
fotografia de Getúlio em baixo da primeira página.

6 Cf Figura 19 e cap. 5.

72
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Figura 10: Le Temps de 12 de novembro de 1937 dedica quase um


terço da primeira página aos recentes acontecimentos brasileiros.

Figura 11: No mesmo dia, no Journal des Débats, o mais antigo


periódico francês, os despachos que se referem ao golpe de
Vargas ocupam uma coluna da primeira página.

73
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Figura 12: Em Le Figaro de dia 12, encontram-se poucas


informações sobre a recente mudança constitucional em terras
brasileiras.

*****

Vários jornais parisienses não se limitam a publicar


e/ou a resumir despachos e telegramas vindos da
Argentina, do Brasil ou dos Estados Unidos, mas escrevem
também cerca de vinte comentários que vou analisar em
quatro pequenos capítulos.

74
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

2. Um regime corporativo feito por medida


Vários jornalistas franceses explicam este golpe com as
novas eleições previstas para março do ano seguinte, às
quais Getúlio não se poderá recandidatar. Por outras
palavras, a ambição pessoal, a sede do poder, terão sido os
fatores determinantes para esta viragem constitucional.
Como sabia que as próximas eleições teriam sido ganhas
pelos seus adversários o Presidente tomou a iniciativa e
«pôs os seus compatriotas perante o facto consumado»,
nota, a 12, Le Matin, num artigo muito favorável ao novo
ditador. André Leroux no seu comentário, bate na mesma
tecla: «O Sr. Getúlio Vargas é um presidente que toma
iniciativas e cujo único objetivo é de ficar no poder a
qualquer preço»7.

Figura 13: A 12 de novembro, o socialista Le Populaire escreve no


subtítulo na primeira página que Vargas «proclama uma nova
constituição para impedir as eleições presidenciais».

Segundo Genevière Tabouis, a impossibilidade para


Getúlio de candidatar-se a um terceiro mandato, parece ser

7 LEROUX, André. «Le coup d’État fasciste au Brésil», Le


Populaire, 12 de novembro de 1937.

75
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

a única razão para explicar o Golpe8, mas, como veremos,


as razões são mais complexas. A jornalista francesa, que
prevê uma guerra civil entreo novo ditador e Sales de
Oliveira, afirma perentoriamente que Vargas, «candidato
da grande maioria das classes ricas», com o apoio da
Marinha e do Exército, se tornou o «chefe do programa
nazi-fascista». O diário popular Paris-Soir interroga-se:
«Trata-se do fim do parlamentarismo no Brasil?» e nota que
«a política, as ambições pessoais e o aproximar das eleições
presidenciais estão certamente na origem do Golpe de
Estado»9.
Há muitos golpes na América do Sul, realça L’Écho de
Paris10, mas neste caso o método foi copiado dos ditadores
europeus atuais. Depois de ter resumido os acontecimentos
de 1929 a 1937, o editorialista parisiense põe em evidência
também as eleições presidenciais, a xenofobia que está a
aumentar no Brasil, o que pode parecer pelo menos
«curioso num país onde há uma mistura das mais diversas
raças». No entanto, o essencial «é que as “ideologias”
europeias começam a enraizar-se no Novo Mundo».
No dia seguinte, Jean Taverin11 — que menciona
também as ambições pessoas de Vargas — nota que a
mudança é radical com a «adoção sem reserva das
doutrinas e dos métodos do fascismo». Existem causas

8 TABOUIS, Genevière. «Dictature au Brésil. La nouvelle


constitution est corporative. L’armée federal et les “chemises
vertes” au service du presidente Vargas» L’Oeuvre, 12 de
novembro de 1937.
9 «Est-ce la fin du parlementarisme au Brésil?» [Trata-se do fim do

parlamentarismo no Brasil?], Paris Soir, 12 de novembro de 1937.


10 Pertinax, «Le Coup d’Etat de Rio de Janeiro», L’Écho de Paris, 12

de novembro de 1937.
11 TAVERIN, Jean, «Une dictature de plus» [Mais uma ditadura],

L’Homme Libre, 13 de novembro de 1937.

76
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

económicas mas este «plano político bem pensado» tem


sobretudo a ver com a propaganda hitleriana.
Le Populaire, no comentário já citado, acha também que
«a nova constituição é claramente de tipo fascista».

O Brasil abriu uma brecha na América Latina. Se esta


brecha não se fechar, o trabalho da conferência de Buenos
Aires será destruído e também os EU encontrar-se-ão
perante o “facto consumado”»

É na imprensa comunista que se denuncia a


interferência de Roma e sobretudo de Berlim. A assinatura
do tratado de Roma precipitou os acontecimentos. «No
Brasil, podemos assistir a uma das operações previstas no
plano geral de ataque do bloco fascista», escreve Marius
Magnien em L’Humanité de dia 12. Segundo ele, «Vargas é
vendido ao Reich de Hitler»:

Vargas, a Gestapo, os integralistas e a burguesia


reacionária, não querem eleições presidenciais. E as
provocações sucedem-se às provocações para chegar ao
golpe de Estado de quarta-feira.

O novo ditador instituiu comités de execução do estado


de guerra com os integralistas e a burguesia reacionária,
iniciando uma campanha contra a burguesia liberal,
organizando campos de concentração e estabelecimentos
de reeducação.
No dia seguinte, o artigo do mesmo jornalista, que
continua a atacar a «constituição corporativa fascista», é
intitulado: «O Bloco Fascista instala-se na América. O
verdadeiro ditador do Brasil: Hitler», Vargas, escreve
Magnien, «quer desamarrar o Rio de Janeiro dos Estado
Unidos para o atar ao carro dos estados totalitários».
Segundo o analista francês a questão central é esta:

77
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

A intervenção ítalo-alemã em favor de Vargas não estava


prevista, como a intervenção em favor de Franco em
Espanha? Os preparativos militares desta eventualidade
são uma realidade conhecida no Brasil e em Washington.

Depois de ter explicado a tática nazista na Europa


Central, este lança um aviso: « O Mundo é minado e
incendiado pelo fascismo. Quando é que as democracias se
levantarão?»
Ce Soir, o outro quotidiano comunista defende a mesma
opinião. A 12 intitula o seu artigo, «A Ação hitleriana na
América do Sul. O presidente Vargas promulga uma
constituição fascista». Vargas é o «Homem de Hitler»:

O presidente Vargas, o homem da Alemanha, preparou


cuidadosamente o Golpe de Estado graças ao qual institui
uma ditadura no Brasil.
Com efeito, de acordo com os agentes do Reich, levou uma
luta oculta contra os partidos democráticos. Porém, como
tinha a certeza de não poder ser reeleito na eleições
presidenciais do próximo mês de janeiro, passou à ação na
altura em que o estado de sítio, proclamado a 30 de
setembro, estava a acabar.

Charles Maurras analisa a recente mudança em terras


brasileiras12. O seu discurso é essencialmente anti-
parlamentarista, contra o sistema democrático:

Os hi! os ha! os os! que recebem o golpe de Estado


brasileiros fazem-nos rir. A democracia parlamentar crê-se
eterna, mas ela cansa, rompe e desaparece como todas as
coisas.

12MAURRAS, Charles. «La politique II Un gouvernement fort au


Brésil», L’Action Française, 12 de novembro de 1937.

78
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Os Estados Unidos reagem, mas esquecem-se que o


presidente americano tem muito poder. A GB também tem
um regime de tipo aristocrático, afirma este teórico do
nacionalismo integral. Ele acha que Vargas tem um atitude
neutra. Embora ache que a influência alemã possa ter um
papel, a verdadeira razão do que aconteceu é o bom senso
comum:

Vêm da razão pura e da razão prática, pois ambas


concordam que o regime parlamentar e a democracia
foram sugeridas aos povos latinos por raças que cresceram
às nossas custas.
Sem a imitação constitucional da Inglaterra, é mais que
provável que a França ainda fosse a rainha do continente
europeu.

Sem a democracia, sem «as loucuras e as asneiras


liberais», a França estaria muito melhor. O Brasil refletiu
sobre isso e «substitui ao seu governo, ao governo coletivo
e dividido, um governo unitário, quer dizer pessoal, em
condições tais […] que os brasileiros só terão que se
congratular».
Le Temps, no seu editorial de dia 12 de novembro, não
tem dúvidas: «Trata-se […] do estabelecimento no Brasil de
um poder autoritário, de forma ditatorial que se apoia no
exército». Depois de ter resumido o discurso do ditador,
segundo o qual esta era a única solução par o país, o
quotidiano de referência parisiense ironiza: «É o que dizem
todos os ditadores quando querem justificar-se perante a
opinião pública perturbada». Critica duramente Vargas: era
preciso ter cuidado com os comunistas, mas daí a eliminar
a Constituição, é um disparate.

79
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Figura 14: Alguns quotidianos publicam um


retrato de Getúlio, como o parisiense
L’Oeuvre de dia 12.

3. Um Golpe anticomunista
O Golpe de Vargas, coincide com o pacto de Roma(
Itália adere ao pacto Anti-Komintern) e não é um acaso,
nota Le Journal13: o maior país da América latina, onde a
propaganda comunista teve um papel de relevo, dirige-se
para um regime corporativo e antidemocrático. O analista
acredita na tese do governo Vargas, do perigo comunista e
resume o plano Cohen, «instruções enviadas de Moscovo
pelo Komintern da III internacional». Trata-se de um
«documento deveras impressionante».
O presidente Vargas, ansioso por ver-se livre da fachada
de liberalismo que tinha sido exibida em 1933, aproveitou
a sensação provocada pelo pacto de Roma. Suprime pura e
simplesmente o Parlamento.

A 13, o Journal de Débats publica um breve comentário.


Não vê uma relação direta entre o golpe e o pacto anti-
Komintern. É um acontecimento interno brasileiro e algo

13Sainte-Brice, «Est-ce le dernier épisode d’une crise politique qui


se développe depuis sept ans?» [Trata-se do último episódio de
uma crise política que se desenrola desde há sete anos»», Le
Journal, 12 de novembro de 1937.

80
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

que já estava previsto havia um certo tempo. Porém,


admite a existência do plano comunista e estigmatiza as
«instruções vindas de Moscovo:

No Brasil, como em todo o lado, o comunismo continua a


pôr em prática a sua obra de destruição, que leva
finalmente ao estabelecimento da ditadura. De qualquer
forma, que o comunismo triunfe ou que seja esmagado,
provoca sempre a supressão da liberdade.

Embora pense que se trate, antes de tudo, de um


episódio das lutas internas entre os três estados principais
(Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais), Le Petit
Journal14 põe em relevo um elemento que teve uma papel
«dominante» e que considera «a causa principal» do que
ocorreu dois dias antes no Rio: contrastar as manobras do
Komintern e evitar ao país a repetição de episódios como o
da revolta comunista de novembro de 1935.
L’Oeuvre, a 12, evoca a campanha de imprensa de 1935 e
1936 em França para a libertação de Carlos Prestes e
sublinha como, no Brasil, existe « na opinião pública das
classes médias um pavor do comunismo». A propaganda
da polícia fez com que o país acreditasse que precisava de
um regime autoritário para combater o comunismo. No
país apareceu ao mesmo tempo uma onda de xenofobia,
que esteve na origem da formação das camisas verdes. No
mesmo artigo fala-se também do medo da imigração
japonesa e da força da colónia alemã.
A análise que mais simpatiza com novo ditador é
publicada pelo parisiense Le Matin a 12:

14La Rachassière, «Le coup d’État de Vargas est avant tout une
réaction contre la progagande du Komintern» [O Golpe de Estado
de Vargas é, antes de tudo, uma reação contra a propaganda do
Komintern], Le Petit Journal, 12 de novembro de 1937.

81
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Se o chefe de Estado brasileiro dominar a situação e


reforçar o seu poder pessoal, continuará a conduzir a obra
de salubridade nacional contra o comunismo. A última
conjura promovida recentemente por Moscovo provocou a
detenção de um agitador, a alma do movimento, cujo
processo vai começar em breve.
Talvez o presidente Vargas tenha tomado estas medidas
extra-constitucionais só para ter a certeza de poder garantir
a ordem pública.

Do lado oposto do xadrez político, Ce Soir, a 12,


denuncia os campos de concentração e a prisão de
comunistas e simpatizantes. A existência dos Comités
contra o comunismo e o facto que os estados de São Paulo e
do Rio Grande do Sul não tenham este organismo porque
há muitos alemães e japoneses, é uma prova da «colusão»
de Vargas com o Reich. O quotidiano comunista menciona
também os jornais controlados pelos nazis e a existência de
numerosas escolas alemãs.

Figura 15: L’Humanité denuncia com veemência o Golpe de


Estado de Vargas e a repressão anticomunista no Brasil.

82
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Foram os agentes da Gestapo que organizaram a


repressão depois da insurreição comunista de 35, afirma o
comunista L’Humanité a 12. Além disso, o mesmo jornal
evidencia, e com razão, a falsidade do famoso plano
comunista:

A 30 de setembro, os militares fascistas, “publicaram” um


falso e ignóbil documento, preparado em Berlim,
supostamente constituído de “instruções do
Komintern” aos comunistas brasileiros, no qual se fala de
“comités de incêndios”, de “comités de assassínio» etc.
Os ministros da guerra e da Marinha acrescentaram outros
“documentos”».

Figura 16: A 12 de novembro, o


analista de L’Ouest-Éclair refuta a
tese do perigo comunista.

Porém, não são só os comunistas que não acreditam no


plano Cohen. L. De Saint-Martin, a 12 de novembro em
L’Ouest-Éclair, escreve que «as intrigas de elementos

83
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

comunistas em relação direta com Moscovo» são uma


desculpa para que Getúlio se possa apresentar como um
defensor «da ordem e do património moral» do país. O
articulista não acredita na existência de um perigo
vermelho no maior estado da América latina.

Ontem isto foi também utilizado para justificar o seu Golpe


de Estado perante a opinião pública brasileira, mais os que
conhecem a verdadeira importância do movimento
comunista brasileiro, inexistente na maioria dos estados da
Confederação, podem chegar a outra conclusão: as razões
do Sr. Vargas são as mesmas que fizeram agir os que
beneficiaram das outras revoluções […]

Embora não diga claramente quem são realmente estes


«benificiários», L. De Saint-Martin escreve que a maioria
destas revoluções têm a ver com «as rivalidades e os
antagonismos dos vinte estados» que formam o Brasil.
O editorialista do quotidiano de referência Le Temps, já
citado, põe igualmente em dúvida a teoria da conspiração
comunista:

A descoberta da recente conspiração é verdadeira ou trata-


se unicamente para o Presidente Vargas de fazer adiar,
dadas as circunstâncias excecionais, a eleição do seu
sucessor à primeira magistratura do Estado. De qualquer
forma, como o golpe de Estado de ontem, o Sr. Vargas,
com o apoio dos chefes do Exército, é o único chefe da
situação.

4. A crise económica
É o Journal des Débats, que analisa com mais pormenores
os aspetos económicos que podem explicar, pelo menos em

84
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

parte, o Golpe de Vargas. Já a 13, no pequeno comentário já


mencionado, o jornal francês escreve que as medidas que
tomaram para suspenderem o pagamento da dívida, o
encerramento dos bancos e dos seguros estrangeiros «vão
lesar os grandes interesses económicos e financeiros». Mas
é um extenso artigo publicado no dia seguinte que se
debruça sobre esta temática15.
Vargas, nota Payen, provém do Rio Grande do Sul onde
se cultiva o trigo e que é diferente dos outros estados
brasileiros. Em 1930, ele apresentou-se como o candidato
que protestava contra a política e os abusos no país,
nomeadamente em favor dos produtores de café. «[A
revolução de 1930] foi uma reação contra São Paulo, grande
produtor de café.» Apesar dos esforços em favor da
policultura e a destruição de milhões de sacos de café, o
país continua a ter uma grande reserva desta matéria
prima. Mas esta situação não mudou e o endividamento
externo e a inflação continuam a aumentar.

Figura 17: A 14, o Journal des Débats


publica um longo artigo sobre as
origens económico-financeiras do
Golpe de Vargas.

15Payen, Edvard. «Revue économique. Les antécédents du coup


d’État brésilien», Journal des Débats, 14 de novembro de 1937.

85
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Além disso, como o governo central não conseguiu


chegar a um acordo com os outros países produtores para
limitar a produção, decidiu «reduzir consideravelmente a
taxa de exportação e ameaçou de abrir totalmente o
mercado». Isso provocou graves problemas «nos mercados
mundiais do café» no início do mês.
O analista não quer comentar os outros aspetos desta
viragem constitucional, tais como as ambições pessoas de
Getúlio, as eleições previstas (que, se tivessem tido lugar,
teriam sido sem o Presidente que não teria podido
recandidatar-se) e as «manobras políticas». O que ele quer
realçar é que Vargas declarou «a suspensão dos
pagamentos dos juros e das amortizações da dívida»,
provocando a imediata interrupção «de todas as transações
dos títulos brasileiros na Bolsa de Londres».
Para Payen, a política económica do governo brasileiro
explica, pelo menos parcialmente, este Golpe de Estado:

As intervenções governamentais no marcado do café estão


na origem do movimento político destes últimos dias,
como foi o caso na revolução de 1930. A política económica
absurda e dispendiosa praticada pelo Brasil devia acarretar
as piores consequências.

Sem dúvida, isto não explica tudo, mas «não se pode


contestar», conclui o analista francês, o facto que «uma
política económica insensata» tenha tido um papel de
relevo na origem desta mudança constitucional.
Outros periodistas mencionam os fatores económicos
que podem ter tido uma certa importância na origem deste
Golpe, embora nunca aprofundem o tema. Le Populaire, a
12, fala do falhanço de Vargas no plano económico. Afinal,
este fomentou o Golpe para não ter que pagar as dívidas
externas. Por seu lado, Ce Soir sublinha, no dia seguinte, a

86
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

força da penetração económica alemã com o monopólio do


cobre, do níquel e do petróleo.
A 13, Marius Magnien, em L’Humanité, o outro
quotidiano comunista, escreve:

As medidas tomadas imediatamente por Vargas


confirmam exatamente o que escrevemos ontem sobre a
participação hitleriana na preparação do golpe de Estado
de 10 de novembro.

Cita em seguida o artigo 145 da nova Constituição que


«suprime os bancos e as companhias de seguros cujos
acionistas não são brasileiros». Este artigo e a suspensão do
pagamento da dívida só significam que Vargas quer
eliminar «as influências americanas, inglesas e francesas
para deixar campo livre às empresas alemãs e italianas»16. No
mesmo dia, em L’Homme Libre, Jean Touvenin afirma que
«as medidas financeiras vão prejudicar a França a
Alemanha e os Estados Unidos, principais credores do
Brasil».
Paris-Soir, a 12, evidencia a fraqueza da economia com o
café cujo preço desceu por causa de uma superprodução e
ironiza sobre a suspensão do pagamento das dívidas por
parte do Brasil: « Com efeito, enquanto o Mundo não lhe
comprar café, o Sr. Vargas decidiu que não pagará as
dívidas».

5. Implicações internacionais
Os jornalistas franceses, que se debruçam sobre o Brasil
nesta segunda semana de novembro de 1937, analisam as

16 Sublinhado do jornalista.

87
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

consequências deste Golpe para o equilíbrio da política


internacional. A 13, L’Intransigeant publica ume extenso
editorial sobre este tema, cujo título17 revela as
preocupações do jornalista parisiense, que declara sem
hesitar:

O Brasil torna-se fascista pela vontade do seu presidente


Vargas. Pode-se observar que o novo ditador pensou nele e
no seu país organizando o seu golpe de Estado e que agiu
tanto por gosto do poder pessoal quanto por gostar de
certas formas de governo de tipo europeu.

O fracasso é, em primeiro lugar ao nível político, porque


depois as camisas castanhas em Berlim, as camisas negras
em Roma, existem as camisas verdes no Rio. Por outro
lado, perante o fracasso económico, a Alemanha está a
procura de matérias primas e de mercados que lhe serão
oferecidos pelo Brasil. O jornalista já fala de pactos entre o
Brasil, a Alemanha, a Itália e o Japão. Finalmente, há
também o desastre financeiro, porque a suspensão da
dívida externa causa prejuízos à Franca, aos Estados
Unidos e à Grã-Bretanha. A proibição de banco e de
seguros de propriedade estrangeira prejudica
principalmente as democracias. Agora, conclui o
editorialista, o Brasil sente-se mais perto de Roma e de

17 A.L. J. «Le coup d’État au Brésil est pour les 3 démocraties un


triple échec politique, économique , financier. En inquiétant les
États-Unis, leur fera-t-il comprendre que l’ère du splendide
isolement de l’Amérique est passée? [Para as 3 democracias o
Golpe de Estado No Brasil é um triplo fracasso, político,
económico e financeiro. Inquietando os Estados Unidos,
conseguirá convencê-los que a era do esplêndido isolamento já
acabou?], L’Intransigeant, 13 de novembro de 1937.

88
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Berlim, o que preocupa os Estados Unidos que talvez


possam sair do isolacionismo.

Figura 18: L’Intransigeant dedica o editorial de dia 13 de


novembro às consequências negativas para as democracias
ocidentais do Golpe de Estado de Vargas.

Segundo Le Temps de dia 12, tem de se observar e seguir


o que se passa no Brasil. Esta crise não é só uma crise
interior. Com a chegada ao poder de Vargas, «é o sistema
corporativo e são os métodos fascistas que surgem num dos
principais países da América do Sul», ameaçando a política
democrática pan-americana que foi reafirmada na
conferencia de Buenos Aires há poucos meses:

Começa-se a pensar que o estabelecimento de um regime


ditatorial no Rio de Janeiro possa abalar seriamente o
sistema que o secretário de Estado Cordell Hull, tinha
conseguido fazer aprovar à conferencia de Buenos Aires,
[…]

89
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

O editorialista parisiense conclui o artigo, enfatizando o


grande perigo constituído pela possível aproximação entre
o Brasil por um lado e a Alemanha, o Japão e a Itália pelo
outro.
A 12, o socialista Le Populaire preocupa-se com as
implicações desta viragem constitucional. O estado
totalitário brasileiro enfraquecerá a frente única criada na
Conferência pan-americana de Buenos Aires de dezembro
de 1936, porque o Brasil está a evoluir na direção do
fascismo e não da democracia. Mussolini já incluiu o Brasil
no campo fascista no discurso de Berlim, salienta o diário
parisiense. O autor do artigo acha que, apesar do Brasil
ainda não ter aderido ao pacto Anti-Komintern, Roma e
Berlim já «trabalharam para terem resultados políticos
positivos para eles». Também preocupado com uma adesão
do Brasil ao bloco anticomunista é Le Matin do mesmo dia.
Vários analistas interpretam estes acontecimentos como
uma derrota do Presidente americano, ou pelo menos como
um aviso para que saia do isolacionismo. A 12, L’Oeuvre
nota que se Vargas ganhar, vai ser obrigado a preservar as
aparências e « a não aderir ao pacto anticomunista», No
entanto, isto é um golpe duro para Roosevelt, «desse modo
obrigado a assistir à ingerência material e moral dos países
autoritários no continente americano». Por seu lado, o
diário L’Écho de Paris pensa que os Estados Unidos não vão
poder ficar isolados e pergunta se Roosevelt não « vai sentir
a mesma angústia que Monroe a Quincy Adams » mais do
que um século antes em relação à Santa Aliança.
Jean Touvenin, em L’Homme Libre de dia 13, examina a
importância deste Golpe no contexto internacional, porque
houve derrota da democracia. A eventual adesão ao Pacto
anti-Komintern mudaria muita coisa com o alargamento
geográfico dos estados totalitários. De qualquer forma, nota
o jornalista, « o Brasil vai oferecer à Alemanha e à Itália

90
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

uma colaboração económica de que as ditaduras europeias


bem precisam».Trata-se de um golpe muito duro para o
Presidente dos Estados Unidos e para as democracias em
geral, mas que terá talvez uma consequência positiva, a de
obrigar as democracias a «unirem-se e a tornarem a sua
colaboração mais sistemática». A mensagem de Touvetin é
sobretudo dirigida à potência americana:

A República dos Estados Unidos não pode ignorar o perigo


do isolacionismo, enquanto a sociedade Berlim-Roma-
Tóquio vai ter as suas bases de abastecimentos e talvez um
dia os seus arsenais e as suas bases militares no Brasil.

No Brasil duas diplomacias estão ativas, a dos Estados


Unidos e a da Itália que tem o apoio da Alemanha, nota
L’Ouest-Éclair a 12. O articulista lembra a visita do
Presidente americano ao Rio de janeiro no ano anterior, as
ajudas americanas e, nomeadamente, os importantes
créditos «concedidos pelos banqueiros de Wall Street»:

Isto aconteceu ontem: O Sr. Vargas já o terá esquecido?


Deixou-se seduzir pelo elogio feito recentemente por
Mussolini à sua política e às suas tendências autoritárias?
Talvez Vargas já tenha decidido entre Roma e Washington.
Trata-se agora de saber se pensa fortalecer o seu Golpe de
Estado aderindo formalmente ao pacto romano de 6 de
novembro18.

Se for o caso, conclui o jornalista francês, será mais uma


razão para que os Americanos se unam «à França, à Grã-
Bretanha e às outras potências pacíficas ameaçadas pelos
ditadores».

18A 6 de novembro de 1937, a Itália adere ao Pacto Anti-


Kominern.

91
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Figura 19: «— A
partir de agora,
o Eixo Berlim-
Roma vai passar
pelo Rio de
Janeiro depois
de ter feito
escala em
Tóquio».
[L’Oeuvre, 13 de
novembro de
1937]

Neste final de 1937, os jornalistas franceses estão


perfeitamente conscientes do perigo iminente que constitui
a provável conflagração geral no Velho Continente. Tentam
perceber o que se passa no Brasil, mas sem desviar o olhar e
as preocupações da questão central: as velhas democracias,
representadas pela França e pela Grã-Bretanha, nunca terão
a capacidade de sair vitoriosas da guerra contra as
potências nazi-fascistas sem a participação militar norte-
americana.
**********

Periódicos consultados (todos de Paris, salvo L’Ouest-


Éclair, de Rennes)

92
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

L’Action française Journal des Débats


Ce Soir Le Matin
La Croix L’Ouest-Eclair
L’Écho de Paris L’Oeuvre
Excelsior Paris-Soir
L’Homme Libre Le Petit Journal
L’Humanité Le Petit Parisien
L’Intransigeant Le Populaire
Le Journal Le Temps

93
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Comunismo e anticomunismo no
Brasil e a “matriz” de
anticomunismo integralista às
vésperas do Estado Novo (1922-
1937)
Rodrigo Santos de Oliveira
Michelle Vasconcelos Oliveira do Nascimento

Introdução

No presente texto refletiremos sobre as origens do


comunismo e do anticomunismo brasileiro e a intervenção
e imaginário anticomunista da Ação Integralista Brasileira
(AIB) que se transformou em uma das principais
“matrizes” do anticomunismo no Brasil, e que teve um
papel de destaque na propagação do anticomunismo
brasileiro, além de ter um papel de destaque na política
nacional do período (1932-1937) e também ser a


Professor Adjunto dos cursos de Bacharelado e Licenciatura em
História da Universidade Federal do Rio Grande. Doutor em
História pela PUCRS. E-mail: oliv.rod@hotmail.com

Graduada em Letras (UFRN) e História (FURG), Mestre e
Doutora em Literatura Comparada (UFRN) e Doutoranda em
História (PUCRS). E-mail: michellevasc@hotmail.com

94
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

responsável pela criação do Plano Cohen, documento


apócrifo utilizado como pretexto por Getúlio Vargas para
deflagrar o Estado Novo.
Para tal reflexão, o texto está dividido em cinco
partes: (i) O comunismo no Brasil (1922-1937), (ii) O
anticomunismo no Brasil (1922-1937), (iii) O
anticomunismo na historiografia brasileira, (iv) A Ação
Integralista Brasileira (1932-1937) e (v) O anticomunismo
no jornal integralista A Offensiva.

O comunismo no Brasil (1922-1937)

A partir do final do século XIX iniciou-se no Brasil


um incipiente processo de industrialização, que foi
acelerado no início do século XX com a Primeira Guerra
Mundial, devido à necessidade de suprir as demandas de
produtos manufaturados que outrora eram importados.
Essa industrialização de substituição de importações foi
possível por três fatores: o primeiro foi a já citada
necessidade de produtos manufaturados; o segundo foi a
grande quantidade de capital excedente, devido à expansão
da cafeicultura, que podia ser investida em outras
atividades; o terceiro foi a grande quantidade de mão-de-
obra imigrante, que a partir de 1890 começou a chegar no
país com o fim da escravidão, em 1888.
Esses imigrantes trouxeram da Europa idéias até
então desconhecidas no Brasil, como o socialismo e, em
maior grau, o anarquismo. A partir da organização desses
trabalhadores, surgiram sindicatos e movimentos grevistas
nas cidades mais desenvolvidas, como Rio de Janeiro e São
Paulo, que reivindicavam melhores salários e condições de
trabalho. Da evolução desses movimentos de orientação
socialista e anarquista é que se gestou o pensamento “pré-

95
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

comunista”, que posteriormente permitiu a formação de


um partido marxista-leninista no Brasil.
Inicialmente o anarquismo e o anarco-sindicalismo
tiveram maior importância na organização do movimento
operário no país. Contudo, mesmo tendo liderado a greve
geral em julho de 1917 e as principais agitações operárias
até 1920, a ideologia anarquista começou a demonstrar
sinais de declínio ao mesmo tempo que as idéias marxista-
leninistas começavam a assumir um papel de destaque
entre os operários e os intelectuais de esquerda.
Antes do lançamento formal do PCB, houve várias
tentativas de formação de um partido comunista. “Entre
elas a Liga Comunista de Livramento [RS], em 1918 [...] Em
Porto Alegre, o Centro ou União Maximalista começou a
atuar em 1919 e em 1922 teve seu nome mudado para
Grupo Comunista de Porto Alegre” (CHILCOTE, 1982, p.
54). No mesmo ano, foi fundada a Liga Comunista
Feminina e também o Partido Comunista do Brasil (de
orientação anarquista e atuação apenas local, e que não
deve ser confundido com o PCB), no Rio de Janeiro e em
São Paulo os anarquistas se organizaram como Partido
Comunista. Mas apenas em 1921 foi formado um grupo
que tinha como objetivo constituir um partido comunista
organizado nacionalmente e avaliar os princípios do
Comintern para filiação ao movimento comunista
internacional, dirigido pela URSS. Recebeu o nome de
Grupo Comunista e foi formado no Rio de Janeiro.
Começou a se articular com grupos comunistas de
outros estados do país, culminando na formação do Partido
Comunista do Brasil, no início de 1922. Diferentemente dos
demais partidos comunistas dos países latino-americanos,
que possuíam raízes ideológicas no pensamento socialista,
o PCB teve uma influência muito forte do anarquismo e do

96
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

anarco-sindicalismo, devido ao fato da grande maioria de


seus membros terem sido militantes anarquistas.
Nos anos iniciais, o desenvolvimento do PCB foi
eclipsado por vários acontecimentos políticos dos anos
1920, como os levantes tenentistas, a Coluna Prestes e
também a Revolução de 1923 no Rio Grande do Sul. Ao
mesmo tempo, a reação do governo a essas crises resultava
em repressão ao Partido, mesmo que esse não tivesse
nenhuma participação em tais eventos. Principalmente
porque o PCB estava mais preocupado “na conquista de
um status no movimento comunista internacional e na
consolidação de sua organização interna” (CHILCOTE,
1982, p. 63). Dentre esses atos repressivos podemos
destacar o confisco de arquivos e a repressão à imprensa do
Partido em junho de 1923 e no período que vai de julho de
1924 até dezembro de 1926, quando foi posto pela primeira
vez na ilegalidade. Entre janeiro e agosto de 1927, teve um
curto período de legalidade, sendo reprimido e fechado
novamente, ficando na ilegalidade até 1945.
No período inicial, o principal objetivo dos
membros do PCB foi o de organizar sob sua égide a classe
trabalhadora e obter a supremacia no movimento operário,
combatendo os resquícios do anarquismo entre os
trabalhadores. No fim dos anos de 1920, mesmo estando na
ilegalidade, o PCB conseguiu organizar o Bloco Operário,
que tinha por objetivo a articulação de uma frente dos
trabalhadores, sob comando do PCB, para disputar as
eleições marcadas para fevereiro de 1927, nas quais elegeu
um deputado federal. Em 1928, o nome foi alterado para
Bloco Operário e Camponês (BOC), e nas eleições
municipais foram dois vereadores no Rio de Janeiro.
Contudo, o BOC foi dissolvido depois da derrota nas
eleições presidenciais, em março de 1930, eleição em que
Júlio Prestes, candidato de São Paulo e do presidente

97
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Washington Luiz, derrotou Getúlio Vargas, candidato pela


Aliança Liberal.
A derrota da Aliança Liberal deu início aos
preparativos para a Revolução de 1930. Luis Carlos Prestes,
uma das principais lideranças tenentistas negou o convite
de Vargas para liderar as forças militares revolucionárias, e
também lançou um manifesto, em maio de 1930, acusando
a luta da Aliança Liberal como apenas uma disputa entre
oligarquias e que não traria nenhum resultado para o povo.
Esse manifesto incitou a fúria de muitos conspiradores,
vários dos companheiros tenentes de Prestes o refutaram.
O próprio PCB se opôs, devido ao comunismo não ter sido
citado e também devido ao personalismo explícito que o
documento continha, de que o prestismo seria a base da Liga
de Ação Revolucionária (LAR), que seria um novo
movimento político de esquerda no Brasil.
Finda a Revolução de 1930, com a vitória de Vargas.
O PCB passou a ser reprimido pelo novo governo,
principalmente pelo temor deixado pelo manifesto de
Prestes (mesmo que esse não fizesse parte do PCB ainda) e
também pelo pedido de armas feito pelo Partido ainda nos
preparativos da revolução, que não somente foi negado
como também usado como desculpa para posterior
repressão ao PC.
Além da repressão externa, paulatinamente as
lideranças que fundaram o Partido e que provinham do
movimento anarquista foram sendo afastadas dos cargos
de chefia, assim como os simpatizantes do trotskismo
foram sendo depurados e substituídos por elementos
stalinistas. Isso refletia a própria disputa de poder que
havia dentro da URSS, que resultou no afastamento de
Leon Trotski e seus seguidores por Stalin. Ao mesmo
tempo, o Partido Comunista do Brasil adotava uma política
sectária e isolacionista em relação à aliança com outras

98
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

agremiações e movimentos políticos de esquerda, como


ditavam as ordens vindas do Comintern, que eram seguidas
à risca.
Em março de 1931 Prestes viajou para a URSS, onde
ficaria por quase quatro anos. Mas pouco antes de sua
partida lançou uma carta “aberta” em que declarava
simpatia pelo PCB, fazia uma autocrítica pela formação da
LAR, e também pregava a “revolução agrária e
antiimperialista” sob a égide do PCB e a organização de
“um governo de conselhos operários e camponeses,
soldados e marinheiros” (CHILCOTE, 1982, p. 75).
A partir de 1934, o PCB adotou uma nova postura,
principalmente após a ascensão do nazismo na Alemanha
em 1933, e a mudança por parte da URSS de orientação,
pregando, a partir desse momento, a união das esquerdas
em frentes populares contra a ascensão do fascismo. No
caso do Brasil, as principais oposições eram a Ação
Integralista Brasileira e que era o principal movimento de
orientação fascista no Brasil, e também o próprio governo
Vargas, devido ao seu caráter autoritário e também pela
repressão ao Partido.
Dentro dessa nova orientação, foi fundada, em
março de 1935, a Aliança Nacional Libertadora (ANL),
tendo Prestes sido aclamado como presidente de honra. A
ANL era uma frente das esquerdas que atraía tanto
comunistas, quanto tenentes de esquerda, além de
socialistas e alguns liberais descontentes com os rumos do
governo Vargas. Prestes retornou da URSS como membro
do Comitê Central do PCB e do Comintern. Sua entrada na
agremiação iniciaria seu controle pessoal sobre o Partido,
tornando o personalismo prestista uma característica do
PCB nas décadas seguintes.
O rápido crescimento da ANL nos centros urbanos,
principalmente entre as camadas médias e baixas da

99
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

população começou a incomodar certos grupos


dominantes. O aumento da influência da Aliança, aliado às
greves que eclodiram em São Paulo, Rio de Janeiro, Belém e
no Rio Grande do Norte, junto aos choques entre
antifascistas e integralistas (onde o episódio mais
conhecido é a “Batalha na Praça da Sé”, em outubro de
1934 na cidade de São Paulo) gerou um clima de
insegurança social devido ao “fantasma” da revolução
comunista. O temor das elites foi habilmente manipulado
pelo governo Vargas, que propôs ao Congresso a Lei de
Segurança Nacional (LSN), sendo aprovada em abril de
1935. A LSN garantia ao Estado poder de repressão aos
movimentos sociais, assim como a perda do direito de
greve dos servidores públicos, a proibição de organização
de movimentos, associações ou partidos públicos que
fossem contrários à ordem estabelecida, ou seja, era uma lei
que garantia plenos poderes repressivos a Getúlio Vargas.
Com esse dispositivo em mãos, Vargas só precisava
de uma desculpa para fechar a ANL, e tal oportunidade
veio a partir de uma “carta aberta” de Luís Carlos Prestes
lida por Carlos Lacerda em 5 de julho, na comemoração dos
levantes tenentistas de 1922 e 1924, que pregava a
derrubada do governo Vargas e o estabelecimento de um
governo popular e revolucionário. A ANL, que já vinha
tendo suas atividades reprimidas, foi fechada oficialmente
depois desta carta, quando foi acionada a LSN em 11 de
julho. Uma violenta repressão abateu-se sobre os membros
da ANL, o que acelerou o plano de golpe que já vinha
sendo estudado há algum tempo, e que para isso recebeu
apoio logístico e técnico da URSS.
Em 23 de novembro de 1935, eclodiu em Natal a
rebelião, em que a cidade foi tomada, e o levante durou seis
dias. No dia seguinte ao início do levante em Natal, eclodia
também no Recife, que foi rapidamente dominado pelas

100
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

forças legais. Mesmo os levantes no Nordeste tendo


fracassado (em Natal o movimento já estava enfraquecido e
a sua derrota era eminente), Prestes ordenou a eclosão do
levante no Rio de Janeiro, no dia 27. O levante carioca
ocorreu principalmente nos 3o Regimento de Infantaria e no
1o Regimento de Aviação, e, após algumas horas de
combate com as forças legais, os rebeldes se entregaram.
A partir do frustrado golpe desencadeou-se a
repressão aos membros do PCB e aos remanescentes da
ANL. Grande parte da liderança do Partido foi presa,
inclusive Prestes e sua esposa Olga (que foi entregue
grávida à Alemanha nazista, morrendo pouco tempo
depois nos campos de concentração nazistas), e os agentes
do Comintern, Harry Berger e Rodolfo Ghioldi.
A Intentona Comunista, como ficou conhecida essa
tentativa de golpe, não foi uma surpresa para o Governo
Vargas, pois havia agentes do governo infiltrados no PCB.
Vargas soube utilizar muito bem a imagem da Intentona, o
que lhe garantiu recuperar grande parte dos poderes que
havia perdido com a constitucionalização do país, com a
Carta de 1934, que limitou seus poderes. O Estado de Sítio
que foi decretado durante a Intentona foi sendo renovado
até junho de 1937. Contudo, havia o receio por parte do
Congresso, de que Vargas, com plenos poderes devido ao
Estado de Sítio, não permitiria que ocorressem as eleições
previstas para janeiro de 1938. Pois a Constituição o
impedia de candidatar-se. No momento em que a
renovação foi negada pelo Congresso, começou a
articulação que culminou no golpe do Estado Novo. A
desculpa para o golpe foi o Plano Cohen, que foi redigido
por Olympio Mourão Filho, que era capitão do exército e
chefe dos serviços secretos da AIB, sob ordens de Plínio
Salgado. O documento seria publicado em um periódico,
mas foi entregue por Salgado à cúpula do regime Vargas.

101
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Em si, o Plano Cohen apresentava um novo golpe


comunista, que seria muito mais violento do que a
Intentona Comunista (SILVA, 1980).
Em 30 de setembro de 1937, foi transmitida, na
“Hora do Brasil”, a notícia do suposto golpe comunista. A
partir da sua revelação, o Congresso decretou o Estado de
Guerra e o fim das garantias constitucionais por um
período de noventa dias. O golpe foi desencadeado em 10
de novembro, com o fechamento do Congresso. Era o início
do Estado Novo.

O anticomunismo no Brasil (1922-1937)

Quando analisamos o anticomunismo percebemos


que não segue uma lógica proporcional a uma luta contra o
comunismo. Por isso, mesmo que o comunismo tenha tido
uma atuação relativamente fraca entre os anos de 1920 e
1930, sua “demonização” será exponencial.19. De fato, a
intervenção social do comunismo estava centrada nos
círculos operários urbanos – portanto, uma atuação
bastante restrita, pois o país era basicamente agrário com
um incipiente processo de industrialização circunscrito a
algumas capitais; e entre os sub-oficiais e baixo oficialato
do Exército (tenentes e capitães). E, se levarmos em conta
que o efetivo era extremamente baixo, disperso e
insuficiente, inclusive para a proteção interna do território,
veremos que a influência dos comunistas na sociedade era

19 Quando nos referimos a “atuação relativamente fraca”, não


estamos dizendo que a militância tenha sido ínfima, e sim que
ficava restrito a um público alvo pequeno, no caso, o operariado
urbano.

102
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

mínima, se comparada com a imagem apresentada por seus


inimigos.
O anticomunismo no Brasil poderia ser dividido em
várias etapas em nossa História no século XX, mas
evidenciaremos apenas duas, devido ao marco temporal
deste trabalho. A primeira é o da estruturação do
anticomunismo, desde a revolução de Outubro de 1917, na
Rússia, até a formação da ANL e a Intentona Comunista,
período que foi denominado por Rodrigo Motta como
“primórdios do anticomunismo no Brasil” (MOTTA, 2002).
A segunda ocorre com a consolidação e o recrudescimento
desse discurso anticomunista, dentro do contexto de
repressão aos rebelados e a posterior mistificação acerca de
“35”, culminando no Plano Cohen e, consequentemente, no
golpe do Estado Novo.
No final da década de 1910 e nos anos de 1920, a
repressão ao comunismo ocorreu muito mais pela
necessidade dos governos em se defenderem das oposições
do que uma noção anticomunista. O comunismo foi
reprimido mais no “roldão” de outros inimigos do que
devido a sua real periculosidade. Entretanto, é válido notar
que vinha crescendo entre os diversos grupos
Conservadores - desde a Revolução Francesa e acentuado
pela Comuna de Paris e a Revolução Russa - o temor de
movimentos populares. Assim, ao cercear as ações dos
operários e a reprimir o movimento anarquista, o
anticomunismo foi sendo gestado, inicialmente a partir
desse imaginário de uma possível revolução popular,
passando aos poucos a uma ação consciente, ativa, de
combate ao comunismo enquanto movimento político
organizado. Nos anos 1930, o quadro já é diferente, a ação
do PCB, mesmo sendo ínfima, se torna mais organizada e
tem notável crescimento, se comparado com a década
anterior e já começa a “assustar” determinados setores

103
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

sociais. O ingresso de Prestes no PCB também não é visto


com “bons olhos” tanto pelo governo como pelos militares.
A formação da ANL, dentro da estratégia de frentes
populares, e o seu rápido crescimento, atingindo em
poucos meses cem mil filiados, e os seguidos choques entre
aliancistas e integralistas geraram grande temor e foram
habilmente utilizados por Vargas. A Intentona Comunista,
ocorrida após o fechamento da ANL, se transformou como
uma espécie de “mito fundador” para o anticomunismo
brasileiro. Como aponta Rodrigo Motta:

Os acontecimentos de novembro de 1935 têm uma


importância marcante na história do imaginário
anticomunista brasileiro, na medida em que forneceram os
argumentos para solidificar as representações do
comunismo como fenômeno essencialmente negativo. O
episódio sofreu um processo de mitificação, dando origem
a uma verdadeira legenda negra em torno da “Intentona
Comunista”. O levante foi representado como exemplo de
concretização das características maléficas atribuídas aos
comunistas. Segundo as versões construídas por seus
adversários, durante os quatro dias da revolta os
seguidores de Prestes teriam cometido uma série de atos
condenáveis, considerados uma decorrência necessária dos
ensinamentos da “ideologia malsã”. O relato mitificado do
evento foi sendo reproduzido ao longo das décadas
seguintes, num processo paulatino de construção e
elaboração. No início dos anos de 1960 já encontramos o
mito cristalizado, contendo uma narrativa consolidada
acerca de “35”. (MOTTA, 2002, p. 76)

No período posterior ao fracassado golpe,


iniciaram-se as perseguições, seguidas de um violento
recrudescimento das campanhas anticomunistas, agora
justificadas não apenas pela sombra de uma ameaça
distante, mas como uma força “real”. Mesmo com os

104
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

quadros do PCB caindo rapidamente (automaticamente, a


difusão das idéias comunistas sendo proporcionalmente
reduzidas), tais campanhas se intensificaram, junto com a
criação de mitos, como a da traição e execução de
companheiros enquanto dormiam, mesmo que nenhum
militar tenha sido executado enquanto dormia durante a
rebelião de 1935.
O fantasma do comunismo passou então a justificar
atos governamentais sendo utilizado inclusive como
desculpa para o golpe que reafirmou o poder de Vargas em
novembro de 1937.
Além dessa divisão cronológica, poderíamos
estabelecer outra, baseada em “matrizes” do
anticomunismo brasileiro nesse período. Essas “matrizes”
abarcam grupos, com seus valores, representações e seus
devidos interesses na utilização e difusão de idéias e
práticas anticomunistas. Arrolaremos aqui apenas os mais
importantes e diretamente ligados à AIB.
Dentre os grupos que tiveram uma postura de
combate ao comunismo, a mais sistemática foi promovida
pelo Governo Central, sendo responsável não apenas pela
difusão de idéias, como repressão política e ideológica.
Contudo, essa postura só pode ser creditada em sua
plenitude a partir de 1930. Os governos de Arthur
Bernardes e Washington Luiz, embora tenham reprimido
ações comunistas em seus respectivos mandatos, não
tiveram no comunismo o seu principal inimigo. É apenas
com Getúlio Vargas que o comunismo vai assumir o papel
de “inimigo central”. A partir deste momento, em todas as
esferas de influência do governo, haverá em maior ou
menor grau a difusão de idéias anticomunistas e o combate
ao comunismo. Isso se dará tanto em campanhas sociais,
como na ação física dos órgãos de segurança do Estado,
inclusive não ficando restrita ao território nacional, sendo

105
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

também uma preocupação diplomática do Itamarati


(HILTON, 1986).
O Exército brasileiro também teve papel de
destaque na difusão de idéias anticomunistas. Esse fato
deveu-se a dois fatores: o primeiro deles é a presença
crescente dos militares na política nacional a partir dos
anos de 1920 e principalmente no pós-1930, e como a
questão “comunista” era tida como de “segurança
nacional”, a participação dos militares foi ativa no combate
ao “perigo vermelho”, tanto na difusão de idéias como na
repressão física; o segundo é a presença constante de
membros comunistas nas fileiras do Exército, por isso
sempre houve preocupação em reprimir as atividades
subversivas de militantes “vermelhos” nos quartéis.20 O
que devemos levar em conta é que mesmo o Exército,
sendo ligado à estrutura do Estado, sua ação era
independente e não controlada pelo Governo Vargas,
embora houvesse uma “sintonia” no que diz respeito ao
comunismo.
A Igreja Católica foi outro setor que possuía grande
expressão social e que teve importante papel na difusão do
anticomunismo não só no Brasil, como no mundo.
Data ainda de 15 de maio de 1891 a Encíclica Rerum
Novarum, a primeira que se posiciona sobre o Socialismo,
trazendo este sistema ideológico, político e econômico
como contrário à Justiça Natural e destrutivo dos laços
familiares, tendo como consequências o caos e a miséria na
sociedade:

20Não é acaso a constante participação de membros do Comitê


Central do PCB serem militares do Exército e muito menos que a
tentativa de ruptura revolucionária de 1935 tenha sido preparada
para eclodir nos quartéis, ou seja, dentro dos círculos militares, e
não junto à sociedade civil.

106
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Porque os “filhos são naturalmente alguma coisa de seu


pai... devem ficar sob a tutela dos pais até que tenham
adquirido o livre arbítrio” [...]. Assim, substituindo a
providência paterna pela providência do Estado, os
socialistas vão contra a justiça natural e quebram os laços
da família.
[...]Mas, além da injustiça do seu sistema, vêem-se bem
todas as suas funestas consequências, a perturbação em
todas as classes da sociedade, uma odiosa e insuportável
servidão para todos os cidadãos, porta aberta a todas as
invejas, a todos os descontentamentos, a todas as
discórdias; o talento e a habilidade privados dos seus
estímulos, e, como consequência necessária, as riquezas
estancadas na sua fonte; enfim, em lugar dessa igualdade
tão sonhada, a igualdade na nudez, na indigência e na
miséria. (LEÃO XIII, Rerum Novarum, 1891)21

Mas foi a Encíclica Divinis Redemptoris, do Papa Pio


XI, de 19 de março de 1937, que trata especificamente do
Comunismo Ateu, consolidando o discurso e imaginário já
existentes em torno do comunismo como esse grande
inimigo do Estado, da família tradicional e sobretudo, do
cristianismo, sendo necessária a busca de um remédio para
a cura desse mal, um combate com bases na fé cristã:

Tal é, Veneráveis Irmãos, a doutrina da Igreja, a única que,


como em qualquer outro campo, assim também no campo
social, pode projetar verdadeira luz, a única doutrina de
salvação em face da ideologia comunista. Mas é necessário
que esta doutrina se realize cada vez mais na prática da
vida, conforme o aviso do Apóstolo São Tiago: “Sede...
cumpridores da palavra e não simples ouvintes, enganando-vos a
vós mesmos” (Tg 1, 22), porquanto, o que na hora atual há

21 Disponível em https://w2.vatican.va/content/leo-
xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-
novarum.html

107
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

de mais urgente é aplicar com energia os remédios


oportunos, para opor-se eficazmente à revolução
ameaçadora que se vai preparando. Alimentamos a firme
confiança de que ao menos a paixão com que dia e noite
trabalham os filhos das trevas na sua propaganda
materialista e atéia, logre estimular santamente os filhos da
luz a um zelo igual, se não maior, da honra da Majestade
divina. [...]. Que é, pois, necessário fazer, que remédios
empregar, para defender a Cristo e a civilização cristã
contra aquele pernicioso inimigo? Como um pai no seio da
família, Nós quiséramos conversar, quase na intimidade,
sobre os deveres que a grande luta de nossos dias impõe a
todos os filhos da Igreja, dirigindo também a Nossa
paternal advertência aos filhos que dela se afastaram.22

Logo, a Igreja confirma o Comunismo como o


grande inimigo da civilização cristão, atribuindo a ele a
simbologia das trevas, “filhos das trevas”, que se opõe à luz
cristã, no antagonismo Deus Vs. Diabo. É esse imaginário
anticomunista, reafirmado pela Igreja, que foi assimilado,
incorporado e também usado pelos grupos conservadores
anticomunistas no Brasil. Pode-se dizer, ainda, que a
intervenção da Igreja foi responsável por uma das
principais marcas do anticomunismo brasileiro, que é a
“diabolização” do comunismo e a sua contraposição com
valores religiosos. Tendo em vista que o catolicismo tinha
grande expressão social, não é de se estranhar que o papel
da Igreja tenha sido fundamental para moldar uma das
principais características do anticomunismo brasileiro, o
apelo religioso. Por isso, imagens e símbolos como o “bem”
e o “mal”, e a “luz” e “trevas”, nitidamente religiosas,

22 Disponível em: https://w2.vatican.va/content/pius-


xi/pt/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19370319_divini-
redemptoris.html

108
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

estarão presentes no discurso de outros setores. A postura


da Igreja no combate político-ideológico ao comunismo
será ativa, e que, além da utilização da imprensa, outro
ponto de destaque será a atuação da Liga Eleitoral Católica,
que, de acordo com Carla Silva, “seria então, teoricamente,
um grupo acima dos partidos políticos e representaria um
forte elemento de articulação e mobilização da base
católica” (SILVA, 2001, p. 89). Mesmo que a LEC não fosse
um órgão específico de combate ao comunismo, a pressão
exercida pela Igreja, por intermédio dos políticos a ela
filiados, tinha grande poder, fosse no Senado, como no
Congresso Nacional. De certa forma, a ação da LEC serviu
para “padronizar” o discurso anticomunista dos setores
políticos a ela vinculados, e que em certos casos serviu
como base para as agremiações políticas cujos membros
eram filiados a ela. Os trabalhos de Carla Rodeghero (que
serão melhor discutidos abaixo), embora tendo um marco
temporal posterior ao nosso, nos dão uma excelente noção
do papel da Igreja na difusão do anticomunismo.

O anticomunismo na historiografia
brasileira

O estudo do anticomunismo é uma preocupação ainda


recente na historiografia brasileira. Este fato não se deve à
pouca importância do tema para o debate das Ciências
Humanas, pelo contrário, a ausência de estudos até pouco
tempo atrás revela sua grande expressão social, tendo em
vista que o “silêncio” acadêmico devia-se ao fato desse
assunto ser, de certa forma, proibido, pois o país viveu sob
controle dos militares, no poder desde 1964. Como realizar
pesquisas sobre o anticomunismo dentro de uma estrutura

109
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

de Estado repressiva e autoritária, cuja principal afirmação


e justificativa para manter-se no poder era o combate ao
comunismo? Como ir contra “verdades absolutas”
defendidas por esse governo, tais como a crueldade dos
comunistas que assassinavam seus companheiros enquanto
dormiam durante a Intentona Comunista de 1935, ou na
veracidade do Plano Cohen que “obrigou” os militares a
apoiar Getúlio Vargas para decretar o Estado Novo, e,
assim, defender o país das “garras de Moscou”?
Por isso, o estudo do anticomunismo tem seu
impulso após o retorno dos militares aos quartéis, em 1985,
com o fim do ciclo de governos militares iniciado em 31 de
março de 1964. Desde então, vêm surgindo cada vez mais
interesse, suscitando cada vez mais perguntas e abordagens
diferenciadas para explicar e compreender o fenômeno
anticomunista que dominou o imaginário político do século
XX no Brasil.
Como aponta Carla Rodeghero, em sua tese de
doutorado, já podemos falar em um “anticomunismo
brasileiro”, tendo em vista um manancial de pesquisas
desenvolvidas sobre o tema nos últimos anos, que, embora
não seja muito vasto, já nos permite delinear uma cultura
particular do anticomunismo brasileiro, que se refere às
especificidades dos grupos conservadores em questão, e a
sua importância na história recente de nosso país.23 De
acordo com a autora:

23 O comunismo e o anticomunismo no Brasil não é um tema


restrito aos pesquisadores brasileiros, historiadores norte-
americanos também já se preocuparam com o assunto, como é o
caso dos trabalhos de John Foster Dulles, Anarquistas e Comunistas
no Brasil (1977) e O comunismo no Brasil (1985). Além disso,
existem trabalhos em que o comunismo não é o tema central, mas
que possuem um papel de destaque no resultado final, como é o
caso do livro A rebelião vermelha de Hilton (1986). Outro trabalho é

110
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Nos últimos quinze anos foram realizados e


publicados alguns trabalhos tratando do tema e a
partir deles já é possível identificar tons
brasileiros num tema de ordem internacional.
Talvez pelas reflexões que se tornaram possíveis
e necessárias devido ao fim do “socialismo real”,
talvez pelo redirecionamento do olhar do
historiador, ou pelo desejo de compreender
melhor as raízes e experiências democráticas e
autoritárias pelas quais o Brasil passou no século
XX, criou-se um ambiente e uma demanda para
trabalhos no tema do anticomunismo no Brasil
(RODRGHERO, 2002).

Esses trabalhos sobre o anticomunismo referidos


por Rodeghero abordam principalmente dois períodos. O
primeiro compreende os anos de 1930 a 1937 (embora
alguns trabalhos retrocedam às décadas anteriores). O
segundo aborda os anos de 1945 a 1964. Além disso, novos
trabalhos começam a surgir sobre os governos militares,
por isso acreditamos que em breve novas pesquisas devem
abordar o anticomunismo no período entre 1964 a 1985,
tendo em vista o forte apelo anticomunista do Regime
Militar brasileiro.
Os novos trabalhos sobre o anticomunismo dos anos
trinta já surgiram rompendo um paradigma tradicional,
centrado na imagem do “mito” fundador do
anticomunismo brasileiro: a Intentona Comunista. Um
dos trabalhos mais emblemáticos dessa ruptura foi a
dissertação de mestrado de Carla Luciana Silva,

Partido Comunista Brasileiro: conflito e integração de Ronald Chicote


(1982), sobre o histórico do partido sob diversos matizes, desde
sua formação, cisões internas, ações, práxis política, intervenção
social, repressão por parte do governo, etc.

111
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

defendida em 1998 e publicada em livro sob título de


Onda Vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros
(1931-1934). (SILVA, 2001) A autora não nega que o
período posterior à ANL e a Intentona Comunista são
marcados por um violento recrudescimento no que diz
respeito ao anticomunismo. Contudo, a autora
comprova a existência de campanhas anticomunistas no
marco temporal de sua obra. O anticomunismo teria,
então, tido uma fase de gestação anterior ao ano de 1935,
como já foi visto anteriormente, e os fatos posteriores
representariam apenas uma radicalização de um
processo que já vinha se desenvolvendo:

Estas campanhas nos indicam que não podemos


supervalorizar o período a partir de 1935,
descaracterizando as disputas anteriores, parte do mesmo
processo. A existência da ANL foi um fator importante,
enquanto um grande movimento de massas de contestação
ao Estado varguista. A chamada Intentona Comunista, que
ocorreu depois do fechamento da ANL, foi um pretexto
concreto para o fechamento do Estado às liberdades civis.
Mas, é importante ressaltar que o apoio às diversas
modalidades de ação repressiva nunca deixou de existir
durante o governo provisório de Vargas. A existência do
temor ao comunismo era anterior à ANL, e também à Lei
de Segurança Nacional, o que faz com que o forjamento de
um pensamento totalitário deva ser estudado também no
período que precede a Aliança (SILVA, 2001, p. 31-32).

Ou seja, o anticomunismo não teria sido, como até


então se apregoava, uma reação à traição dos rebeldes
comunistas comandados por Luiz Carlos Prestes, muito

112
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

menos uma defesa frente à “ameaça” externa.24 Ao


contrário, os setores sociais responsáveis pela difusão do
anticomunismo, no ano de 1935 já possuíam uma estrutura
de comunicação bastante desenvolvida. Como por
exemplo, os integralistas, que mantinham uma grande
organização de imprensa:

Denunciaremos insistentemente, impertinentemente as


atividades, os planos comunistas no Brasil. Se o governo
tivesse aceitado nossas informações, teríamos apontado todas
as cabeças do movimento [Intentona Comunista].
Tínhamos sob nossas vistas todos eles, e, podíamos localizá-los
a qualquer momento. Forneceremos, se for necessário,
documentação do que afirmamos.25

24 Uma leitura emblemática dessa visão tradicional pode ser


encontrada no livro Lembrai-vos de 35! de Ferdinando de
Carvalho:
“Em 27 de novembro de 1935, a nação brasileira, cristã na sua
essência, sofreu violenta e traiçoeira agressão comunista, que
buscava impor ao país o primado rasteiro da matéria sobre o
espírito, e assistiu, assombrada ao assassínio de vítimas indefesas,
sacrificadas com requintes de perversidade pelos agentes
subversivos vermelhos.
A estupefação nacional durou pouco, muito pouco: apenas um
instante, o suficiente para que nossas Forças Armadas, com o
apoio do povo brasileiro, numa ação rápida e decidida,
repelissem a afronta e dominassem a intentona comunista,
restabelecendo a ordem e a paz no Brasil.
‘Mas, é infâmia demais...’
Repetindo o verso de castro Alves em ‘O Navio Negreiro’, o
General Valentim Benício da Silva, em 6 de dezembro de 1935,
condenou vergonhoso atentado, dizendo, em síntese, que nunca
se viu ‘tanta baixeza, tamanha covardia, tão requintada infâmia’”.
(CARVALHO, 1983, p. 5).
25 Jornal A Lucta! nº 10, 07/12/1935. Primeiro exemplar após a

Intentona Comunista. Existe uma série de outros exemplos

113
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Como aponta Carla Silva, ao longo de sua obra, o


anticomunismo fora propagado por vários setores sociais,
desde intelectuais a deputados e senadores, a grupos tanto
políticos como sociais, como a AIB e a Igreja Católica,
respectivamente. Valendo-se dos mais variados
dispositivos para a difusão do anticomunismo.
O trabalho de Silva tem o mérito de não apenas
romper com um paradigma tradicional, mas por apresentar
uma visão que engloba vários setores que difundiam as
idéias anticomunistas e também da sociedade brasileira da
época. É um trabalho de referência para qualquer estudo
sobre o anticomunismo.
Outro estudo sobre o anticomunismo nos anos de
1930 e que é uma referência para qualquer pesquisa sobre
essa temática é O ardil Totalitário: imaginário político no Brasil
dos anos 30 de Eliana de Freitas Dutra (DUTRA, 1997). O
grande mérito do trabalho de Eliana Dutra é o de fazer uma
excelente análise do imaginário político dos anos de 1930,
tanto sobre as representações em torno do comunismo e do
anticomunismo. Outro ponto alto do trabalho da autora é a
questão da identidade, principalmente vinculada à questão
do imaginário político.
A diferença fundamental entre os trabalhos de Silva
e Dutra não está apenas na periodização – enquanto a
primeira trabalha com o período de 1931-1934, a segunda
trabalha com 1935-1937 – e sim na leitura sobre o início do
anticomunismo no Brasil. Como vimos, Silva defende que o
anticomunismo é um fenômeno anterior à ANL e à
Intentona, enquanto Dutra defende o contrário, que o
anticomunismo surge apenas com a ANL, e, mesmo assim,

semelhantes que poderiam ser apresentados para justificar tal


afirmação.

114
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

como uma reação ao famoso comício relativo às


comemorações aos levantes tenentistas de 5 de julho. A
leitura do manifesto de Prestes teria sido, para a autora, a
“gota d’água” que desencadeou toda a onda anticomunista
posterior, desde o fechamento da ANL em 11 de julho, à
repressão à Intentona e, por conseguinte, às perseguições
aos comunistas e às campanhas anticomunistas posteriores
(DUTRA, 1997, p. 36-37).
Contudo, apesar de não concordar com a
periodização do trabalho de Dutra, isso não significa que
renegamos as contribuições de sua obra. Seu trabalho,
resultado de exaustiva pesquisa, não fica preso a
explicações simplistas sobre o pensamento de direita, muito
menos sobre o de esquerda. Ao mesmo tempo a autora
busca elementos além da questão do anticomunismo,
analisando outros temas como a disciplina para o trabalho,
desde a “ordem” ao controle do tempo, controle social, etc.
Outro trabalho de suma importância é o de Rodrigo
Patto Sá Motta, Em guarda contra o ‘Perigo Vermelho’: o
anticomunismo no Brasil (1917-1964). Se tivéssemos de eleger
um “manual” sobre anticomunismo no Brasil,
provavelmente escolheríamos o trabalho de Motta, não
apenas por abarcar um longo marco temporal – embora na
questão cronológica o autor centre principalmente em três
períodos: 1º: 1917-1935, denominado “Primórdios do
anticomunismo no Brasil”; 2º: 1935-1937, denominado “A
primeira grande ‘onda’ anticomunista” e 3º: 1961-1964,
denominado “Segundo grande ‘surto’ anticomunista” –,
mas por delinear de forma “esquemática” e didática as
origens do anticomunismo, suas matrizes ideológicas, o
imaginário, entre outros temas arrolados ao longo dos oito
capítulos de sua obra.
Um dos pontos principais deste trabalho, está na
leitura crítica e exaustiva do episódio da Intentona

115
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Comunista, principalmente na construção posterior em


torno de “35” e a utilização deste episódio (auxiliado por
todo o imaginário político anticomunista) em golpes de
estado, respectivamente em 3 de novembro de 1937,
decretando o Estado Novo de Getúlio Vargas e, em 31 de
março de 1964, iniciando uma série de cinco governos
militares que perduraria até 1985.26
O período que abrange o pós-1945 ainda possui
poucas pesquisas sobre o anticomunismo, dentre esses
trabalhos destacamos principalmente a dissertação de
mestrado e a tese de doutorado de Carla Simone
Rodeghero. A dissertação, O diabo é vermelho (1998), faz
uma análise do imaginário anticomunista da Igreja Católica
no Rio Grande do Sul. Já na tese de doutoramento Memórias
e avaliações: norte-americanos, católicos e a recepção do
anticomunismo brasileiro entre 1945 e 1964 (2002), a autora
amplia seu enfoque para o anticomunismo como um
fenômeno nacional (embora a segunda parte de seu
trabalho dedicado ao Rio Grande do Sul). Além disso, a
autora explora a documentação diplomática norte-
americana e a sua singular leitura sobre o anticomunismo
brasileiro da época.

A Ação Integralista Brasileira (1932-1937)

A Ação Integralista Brasileira foi um movimento


que surgiu após a Revolução Constitucionalista de 1932
com o Manifesto de Outubro, elaborado por Plínio Salgado.

26Além dos três trabalhos discutidos sobre o anticomunismo nos


anos de 1930 podemos citar:
FERREIRA (1996) e (1986), MONINARI FILHO (1992) e VIEIRA
(1989).

116
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Caracterizava-se principalmente como um movimento


político. Segundo alguns autores, dentre os quais se destaca
Hélgio Trindade, possuía muitas semelhanças com o
fascismo europeu. O integralismo foi um movimento de
extrema direita, que cultuava a figura do “Chefe Nacional”
e pregava a centralização política nas mãos de um Estado
com plenos poderes contrário à pluralidade de partidos
políticos. Este modelo de Estado forte e centralizado
(Estado Integral) tinha como lema “Deus, Pátria, Família”.
Contudo, as origens da AIB são anteriores ao
lançamento do Manifesto de Outubro. Em 1931, Plínio
Salgado já utilizava uma forte arma para a difusão da sua
ideologia - o jornal A Razão: “O próprio Salgado reconhece
o papel instrumental do jornal. Através dele os artigos
chamam a atenção dos intelectuais e dos dirigentes dos
movimentos que rejeitam o retorno do liberalismo da
Constituição de 1891” (TRINDADE, 1974, p. 124). Num
trecho escrito por Salgado, fica evidente a função de A
Razão na gênese do futuro movimento:

Em 1931, surgiu em São Paulo um jornal que se tornou,


dentro em breve, o instrumento aglutinador de brasileiros
orientados por um pensamento cristão e nacionalista [...].
Dentro em pouco, estava registrada num fichário,
apreciável corrente de homens ligados por algumas idéias
fundamentais.(SALGADO apud TRINDADE, 1974, p. 124)

O jornal foi o instrumento de difusão das idéias de


Plínio Salgado e criou todas as condições para a
organização dos seus adeptos, a partir da Sociedade de
Estudos Políticos (SEP), que seria o centro de reflexão
ideológica de onde surgiu o manifesto integralista de 1932
e também a futura AIB.
De acordo com Trindade, a primeira reunião
realizou-se em 24 de fevereiro de 1932, por iniciativa de

117
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Salgado, na sede do jornal A Razão em São Paulo. Nesta


reunião foram apresentados os princípios fundamentais da
SEP, sendo aprovados pelos participantes da sessão. A
partir deste momento, iniciavam-se as atividades da
sociedade (TRINDADE, 1974).
A partir de então, Plínio Salgado começou a se
articular com outras lideranças de movimentos
contestadores do liberalismo e do próprio Estado varguista.
Dentre eles, estão Olbiano de Mello, de Minas Gerais; João
Alves dos Santos, da Bahia; Severino Sombra, do Ceará
(líder da Legião Cearense do Trabalho); entre outros
representantes de movimentos direitistas regionais. Além
disso, como aponta Calil:

Da Sociedade de Estudos Políticos provieram lideranças


como Madeira de Freitas (Chefe Provincial da AIB na
Guanabara), Raymundo Padilha (Chefe Provincial do Rio),
e Hélio Viana, tendo aderido posteriormente Gustavo
Barroso, que ocupou a chefia do Departamento de Milícias
da AIB e Miguel Reale, que assumiu a chefia do
Departamento de Doutrina, e Olbiano de Mello ficou com
a chefia Provincial em Minas Gerais (CALIL, 2001, p. 53-
54).

Salgado e suas lideranças realizaram uma série de


conferências, cujo público-alvo era principalmente
intelectuais e estudantes. Nessas ocasiões, divulgavam suas
idéias em locais como a Faculdade de Direito e a Academia
Paulista de Letras no estado de São Paulo. O movimento
em si já estava praticamente estruturado: “A última etapa
do processo de formação do integralismo é a redação de
um manifesto para divulgar publicamente a AIB”
(TRINDADE, 1974, p. 131).
Contudo o projeto acabou sendo “engavetado” por
alguns meses, pois eclodiu em São Paulo a Revolução

118
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Constitucionalista, como explica Trindade: “a eminência do


desencadeamento da Revolução ‘Constitucionalista’ em
São Paulo obriga Salgado, por prudência ou cálculo
político, a retardar a publicação do documento para uma
época mais oportuna” (TRINDADE, 1974, p. 131).
Após a revolta paulista, Plínio Salgado lançou o
manifesto, em sete de outubro de 1932, inaugurando a
Ação Integralista Brasileira, e promoveu a rearticulação dos
movimentos que havia perdido contato devido à eclosão
do conflito. No Ceará, por exemplo, Hélder Câmara e
Jeovah Motta incorporaram-se à AIB, mesmo sem a
autorização de seu líder, Severino Sombra, que estava
exilado. A AIB, dessa forma, incorporava para si a Legião
Cearense do Trabalho. Plínio Salgado recebeu ainda apoio
em Recife, na Bahia e no sul do Brasil:

Estas são as circunstâncias da fundação do movimento


integralista, do qual Plínio Salgado tornava-se o principal
líder: a AIB, a partir de outubro de 1932, transformava-se
no principal partido de extrema-direita fascisante dos anos
30 em busca de poder político (TRINDADE, 1974, p. 133).

Entre outubro de 1932 e o início de 1934, o


movimento passou por um período de consolidação. Em
fevereiro de 1934, a AIB realizou o Congresso de Vitória no
estado do Espírito Santo, quando o movimento organizou a
sua estrutura diretiva. Nesta ocasião, aprovaram-se os seus
estatutos, estabeleceram-se as diretrizes integralistas, criou-
se a milícia partidária e definiu-se a posição sobre a
religião. Foram elaborados, naquele congresso, os
departamentos de Doutrina, de Propaganda, de Milícia, de
Cultura Artística, de Finanças e de Organização Política.
Foi definido ainda, com maior precisão, o estatuto do
“Chefe Nacional” (CALIL, 2001, p. 54).

119
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Em setembro de 1937, a AIB obteve o registro como


partido político junto ao Superior Tribunal de Justiça
Eleitoral (CAVALARI, 1999, p. 18). Depois de um plebiscito
interno, Plínio Salgado foi escolhido candidato do partido à
presidência da República nas eleições que deveriam ocorrer
naquele ano, frustradas, entretanto, pelo golpe do Estado
Novo.
A AIB foi extinta como as demais agremiações
políticas em dezembro de 1937. Contudo, para continuar
na legalidade devido à nova conjuntura estadonovista,
organizou-se novamente como uma sociedade civil (como a
antiga SEP), que teve a denominação de Associação
Brasileira de Cultura (ABC):

Plínio Salgado assumiu a presidência da ABC, e os demais


cargos foram assumidos por membros da antiga cúpula da
AIB. A estrutura e a direção da nova associação
permitiram que a AIB continuasse, ainda que de forma
mais velada, sua campanha doutrinária. Essa campanha
continuou até maio do ano seguinte, quando a AIB parece
ter mudado de tática, substituindo a tática educativa pela
violenta. Abandonou-se a revolução do espírito e adotou-
se a revolução violenta para a tomada do poder
(CAVALARI, 1999, p. 19).

O atentado a Vargas no palácio da Guanabara,


realizado por um pequeno grupo de integralistas em
conjunto com alguns liberais, em maio de 1938, parece
ter sido resultado dessa nova tática. A Intentona
Integralista, como ficou conhecida, foi totalmente
dominada por Vargas, que, em seguida, desencadeou
intensa campanha contra o integralismo, com a prisão e
exílio de alguns de seus líderes. Outros integrantes, por
sua vez, foram englobados na máquina estatal do
governo Vargas. Plínio Salgado foi preso e, no ano

120
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

seguinte, exilou-se em Portugal, regressando ao país


com o fim do Estado Novo.

O anticomunismo no jornal integralista A


Offensiva
O jornal A Offensiva circulou entre 1934 e 1937 e se
configurou como a matriz da produção do anticomunismo
da Ação Integralista Brasileira. Era nesse jornal que o
militante de base tinha acesso diariamente a palavra do
Chefe Nacional Plínio Salgado, através de sua coluna no
periódico.27 Também se configurava em modelo para os
demais jornais que passaram a circular tanto nas Chefias
Provinciais28 e nos núcleos municipais.29 Por essa razão,

27 A coluna de Plínio Salgado em A Offensiva tinha um papel de


editorial não apenas para o jornal, mas servia de interface com
todos os integralistas. Era na coluna que a ideologia era
universalizada aos militantes de forma simples. Toda a produção
intelectual de Salgado foi voltada para sua coluna, tanto que
todas as obras do autor, com exceção de O que é integralismo (1933)
foram compilações/adaptações de seus textos retirados de A
Offensiva.
28 Nas capitais de cada unidade da federação foi criado um

Núcleo Provincial que coordenava o movimento em cada Estado.


Cada “Chefe Provincial” respondia diretamente a Plínio Salgado.
29 Entre 1932 e 1937 os integralistas constituíram uma imensa rede

de jornais que atingia a todas as regiões do país. Em um total de


108 jornais e revistas. Até mesmo a região Norte era contemplada.
Cada militante tinha acesso a três tipos de jornais: de circulação
nacional (A Offensiva e Monitor Integralista), de circulação regional
(cada Chefia Provincial obrigatoriamente tinha que ter um jornal)
e circulação municipal (cada núcleo integralista produzia seu
jornal ou recebia de núcleos próximos – por exemplo: o jornal
Rumo ao Sigma de Rio Grande/RS atendia aos núcleos de Rio
Grande, Pelotas, Santa Vitória do Palmar e São José do Norte).

121
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

utilizaremos como base para compreender o


anticomunismo integralista A Offensiva. Não obstante,
temos noção que havia outras formas que os integralistas
utilizavam para a disseminação do anticomunismo, como
programas de rádio, livros, panfletos e folhetos, porém, a
mais utilizada e que servia de matriz era a imprensa
periódica.
O comunismo através das páginas do jornal A
Offensiva é apresentado ao militante integralista como a
principal ameaça enfrentada pela sociedade brasileira. A
lógica da relação integralismo/comunismo é a de extremos,
ou seja, seriam pólos opostos na luta do “bem” contra o
“mal”. Integralismo e comunismo eram antíteses e isto fica
latente na grande incidência de textos contra o comunismo
encontrados em nossos levantamentos quantitativos.
O comunismo é representado sob duas “vertentes”:
a nacional, em que os comunistas brasileiros eram
mostrados como fantoches nas mãos de forças externas, e a
internacional - que discutiremos mais profundamente
adiante -, composta por aqueles que orquestrariam a
atividade subversiva em todo o mundo a partir de Moscou.
Por esta razão, não é possível dissociar uma
“vertente” da outra. Devido a este fato, trabalharemos estas
duas variáveis no mesmo ponto, pois até mesmo as
diferenças entre ambas são harmônicas dentro do discurso.
O que estamos querendo dizer: havia a diferenciação. E a
questão nacional estará muitas vezes desligada da
internacional, no entanto, no âmago, elas são inseparáveis.
Dentro da ideologia integralista havia a oposição
entre o “sertão” e o “litoral”. O “sertão” entendido como os
valores nacionais e a defesa de um nacionalismo e um ideal
autóctone de brasileiro (leia-se integralismo). Este se
constituía como corpus a partir da construção de uma
oposição ao “litoral”, ou seja, à influência externa, que

122
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

colocaria em risco a sobrevivência do “coletivo”, designado


pelos integralistas como um “nós” contra o “eles” (leia-se
comunismo).
A escolha de um inimigo que abarcaria todos os
vícios sociais, culturais, econômicos e políticos era uma
ferramenta imprescindível aos objetivos do movimento.
Isto permitia uma melhor mobilização e unificação de um
discurso totalizante, no qual todos aqueles que não se
enquadrassem estariam direta ou indiretamente servindo
de elemento de dissolução dos valores sociais “sadios”
pregados pelo movimento e apresentado a todos como a
“síntese da nacionalidade”.
Em um artigo denominado “O perigo do
comunismo”, Plínio Salgado apontava aos seus leitores que
o “credo vermelho” no Brasil era uma ameaça iminente e
movida pelas forças externas do bolchevismo internacional.
De acordo com seu texto:

O comunismo já não é infelizmente entre nós uma ficção


intelectual, entretida pelos que se dão ao estranho gosto de
ler a literatura social inspirada no credo rubro de Moscou.
Já passou desse período, tendo abandonado o terreno das
vagas aspirações espirituais pelo de uma realidade que
reclama a ação do Estado, dada a sua evidente gravidade.
[...]
O comunismo no Brasil é obra de estrangeiros, alguns
deles subsidiados pelo governo russo para fazerem a
propaganda de seu credo, do mesmo modo que
envenenam a atmosfera dos países que não sabem resistir a
invasão indesejável. Ainda agora se viu que o dinheiro do
comunismo foi largamente derramado na Espanha, para
fomentar a desordem e criar uma situação indesejosa. [...]
A Nação Brasileira está – não devemos ocultá-la – sob
ameaça de um perigo que lhe parece tanto maior quanto as
autoridades incumbidas de julgá-la, a começar pelo
presidente da República, não se mostram a altura de sua

123
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

missão. [...] O momento não é para devaneios. A luta está


aberta e deve ser encarada com decidida energia, da parte
dos que não querem sucumbir na lama da dissolução e da
ruína.30

Esta longa citação mostra


que Salgado considerava ou
apresentava o comunismo como
uma ameaça iminente. Um perigo
que só poderia ser derrotado pela
força. Implicitamente, aqui esta era
a abertura para o integralismo,
sempre apresentado como um
movimento “forte”, de disciplina e
organização. Exatamente as
qualidades que apregoavam ser
necessárias para derrotar os
comunistas, orquestrados por
Moscou. Neste mesmo exemplar
uma interessante chamada,
denominada “Pais de família!”,
nela convocava os “chefes” das
famílias a aderir ao integralismo
para proteger a nação e seus filhos
da ameaça comunista:31
A matéria acima chama a atenção pelo apelo ao
leitor à necessidade de adesão ao movimento, caso
contrário o mesmo caos que estaria afligindo outras partes
do mundo ocorreria no país. Implicitamente este tipo de
texto colocava o integralismo como a única força capaz de
deter o avanço comunista. O comunismo é descrito como o
perigo exterior, a imagem do “forasteiro”, implicando a

30 O perigo do comunismo. In: A Offensiva, nº 24, 25/10/1934, p. 1.


31 A Offensiva, nº 24, 25/10/1934, p. 3.

124
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

necessidade de uma defesa da Pátria, sendo esta mesma a


representação do lar, o grande lar. O chamado para o
combate ao comunismo, uma Guerra Santa, deixa claros o
teor religioso e os valores e imaginário que norteiam o
grupo: o integralismo enquanto proteção dessa família
tradicional cristã, e o comunismo, o grande mal que irá
desestruturar e subverter tais princípios e modelos. O
integralismo, no combate ao comunismo, aparece, no
discurso, como um “agente direto” e principal da defesa da
família e dos valores cristãos.
Ora, este discurso e a representação que produz
possuem uma carga extremante forte e de definição,
principalmente se nos apercebermos que o anticomunismo
era um tema de grande importância e que gerava um
grande medo social. Como já citamos anteriormente, este
fator era uma das principais causas de adesão à AIB, e com
isto notamos que este público potencial era contemplado
com tal retórica.
Desta forma, a AIB se colocava perante a sociedade
como o movimento político que não apenas combatia o
comunismo, como era a sua antítese. Lembrando que
dentro da pregação integralista o liberalismo era visto
como semelhante ao comunismo em uma lógica
materialista e, ao mesmo tempo, apresentado como fraco e
incapaz de deter o avanço “vermelho”. Diante deste quadro
de desesperança diante da ameaça, os “camisas-verdes”
eram a “luz” diante deste “caos”, do perigo crescente do
comunismo:

O Sr. Plínio Salgado, em seu recente livro [A Quarta


Humanidade], aclara a mocidade e aos homens de amanhã,
de uma maneira precisa, a finalidade do integralismo. Os
seus ensinamentos doutrinários, a sua idéia de salvação do
Brasil, evitando a acentuada “débâcle” que se avizinha, são
os fatores por que o Integralismo se torna o novo baluarte

125
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

que surge. Plínio Salgado em seu livro, não fala a


diletantes, nem às massas incultas e nem a
desequilibrados.
E os integralistas a “uma voce” consideram o comunismo
uma aberração para o seu país, como aberrados são seus
adeptos, desde Karl Marx, passando pelas hostes dos
tarados, até o mais humilde operário que, iludido, espera a
vitória do comunismo para que ele possa ocupar algum
posto de honra a fim de dominar as classes intelectuais e a
burguesia; que passará do operário ao patrão, quando, no
entanto, ele passará de operário à escravo.32

Como pôde ser visualizado o comunismo iria trazer


apenas a destruição, enquanto o integralismo a defesa e a
salvação. Era um discurso que tinha um forte apelo e atraía
aqueles que fossem temerários frente ao comunismo. As
idéias contidas nos textos também trazem à tona uma
iminente ofensiva externa e isto visava gerar o medo social.
A partir deste medo social, atrairia mais militantes e
expandiria a influência do integralismo.
Pode-se inclusive afirmar que o discurso do jornal
tende a colocar esta oposição entre integralismo e
comunismo em primeiro plano, objetivando que os leitores
façam a relação: Liberalismo é fraco e Integralismo (“bem”)
é o oposto ao Comunismo (“mal”), uma relação antitética
típica também do imaginário cristão, tão explorado pela
AIB.
De acordo com A Offensiva o comunismo seria
controlado de Moscou para o seu projeto de dominação
mundial, nos moldes de um imaginário conspiracionista
(GIRARDET, 1987). Dentro desta lógica, Stalin aparece
como o grande condutor dos criminosos soviéticos. Sua

32 Teorias em choque. In: A Offensiva, nº 34, 3/1/1935, p. 6.

126
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

imagem é sempre vinculada à dominação, como na charge


abaixo:

No caso específico Stalin aparece “guiando” um


trenó, onde os comunistas baianos aparecem como burros
em uma clara alusão ao controle da URSS sobre ação dos
“vermelhos” no Brasil. Além disso, fica clara a sugestão de
manipulação por parte da URSS e da “alienação” dos
comunistas brasileiros, como se não houvesse (ou fosse
possível) a identificação e compartilhamento pelo grupo de
valores, idéias e representações comuns de uma cultura
política comunista. Esta é uma lógica comum de
funcionamento dos textos e de abordagem sobre o
comunismo no Brasil pela AIB. Em alguns exemplares a
imagem de Stalin é a própria personificação da URSS, como
no exemplo abaixo:33

33 A Offensiva, nº 79, 16/11/1935, p. 1.

127
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

A presença da imagem de Stalin em uma matéria


era suficiente para vinculá-lo à URSS. Na chamada acima
aparece a referência a Moscou e à URSS e à figura de Stalin,
sem nenhuma legenda em seu nome. Ou seja, Stalin
representação da ação criminosa em todo o mundo pelos
comunistas, ou melhor, da grande conspiração.
A personificação do comunismo em um indivíduo
era fundamental para a definição deste inimigo. Há um
mito (do mal, do inimigo) para o qual se dá uma face que
podia ser reconhecida facilmente pelos militantes do
movimento como o “mal”, vinculado a ações escusas,
vilania e outros problemas.

128
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Desta forma, encontramos


matérias em que junto ao título
aparece a figura de Stalin, como é
o caso de “O desmantelo dos
transportes na Rússia”34. Neste
exemplo, era apresentada ao leitor
a desestruturação do sistema de
transportes dentro da URSS
liderada por Stalin.
“Demonstrava” ao leitor que os
administradores comunistas eram
incapazes de governar, e a
“prova” disto era o fato de que
eles próprios sucateavam a
estrutura interna de seu país para
retirar vantagens em cima do
sofrimento da população, algo que nem os liberais
brasileiros ousavam fazer com o povo. É interessante notar
que a figura de um Stalin estilizado é veiculada ao leitor
como a face do materialismo comunista. Esta mesma
matéria iniciava com a seguinte frase: “a ditadura vermelha
de Stalin” e ao longo do texto foi chamado de “Tzar
Vermelho”. É interessante notar que seu nome sempre é
colocado junto a termos que demonstram controle e poder,
aquele que seria exercido por ele em sua tentativa de
dominar o mundo, além da associação de sua figura e do
poder a cor vermelha que pode simbolizar, ainda, o sangue
enquanto morte, o mal. Logo, as palavras comunismo,
poder e vermelho passaram a estar associadas e
interrelacionadas dentro do discurso e imaginário
anticomunista da AIB.

34 A Offensiva, nº 59, 29/6/1935, p. 3.

129
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Seguidamente encontramos suas imagens com legendas


apresentando sua posição de poder:35

Além disso, era


igualmente representado
com sorriso nos lábios,
demonstrando ironia.36

35 A Offensiva, (esquerda para direita) nº 24, 25/10/1934; nº 27,


15/11/1934, p. 3 e nº 40, 14/2/1935, p. 3.
36 A Offensiva, nº 30, 6/12/1034,p. 3.

130
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

A figura de Stalin também era apresentada aos


leitores através de charges. Como pode ser visto no
exemplo abaixo:

Se observarmos com atenção Stalin, era apresentado


como um líder degenerativo, que levava à destruição. A
imagem acima representa isso através da bebida (excesso,
bebidas derramadas e sugestão dos homens ébrios
divertindo-se com a situação), do fumo (charuto na mesa) –
o vícios - e a referência ao “suor do povo”, demonstrando
uma visão de que o comunismo se desenvolvia às custas do
“sofrimento” e da “exploração” da população, e que seus
líderes não possuíam qualquer comprometimento. – o mal
a ser combatido. Logo, não teria a preocupação em

131
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

construir uma nação e sim destruir os povos. Não defendia


uma pátria e sim uma horda de assassinos
internacionalistas. A contraposição nacional a ele seria
Plínio Salgado, mostrado como um líder justo e
nacionalista, que se sacrificaria pela Pátria e pelo povo
brasileiro. Sempre colocado como exemplo de austeridade,
segurança e serenidade.37

Como pode ser visto o choque entre os dois


“extremos” ocorria em todas as esferas. No entanto, de
acordo com A Offensiva, seria de Moscou que os comunistas
brasileiros receberiam as ordens para agir, como
marionetes sem pátria e com uma causa vil: a destruição
dos valores sociais, morais e religiosos do povo brasileiro.
A arena da “guerra” e o objeto de disputa entre
comunismo e integralismo seria o Brasil. Como sempre a
dicotomia entre o “bem” e o “mal”. De um lado, estariam
os valorosos “camisas-verdes”, liderados por Plínio

37 A Offensiva, nº 1, 17/5/1934, p. 3.

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Salgado, e, do outro, uma horda de criminosos dominados


e escravizados por Stalin. Isto fica evidente em um dos
textos editoriais de Salgado, denominado “Nós e os
escravos de Stalin”:

O comunismo vive como satélite de Moscou, recebendo a


luz vermelha de diretivas internacionais, o Integralismo
fulgura como um sol, projetando o seu clarão sobre o
mundo contemporâneo.38

De acordo com o texto, o comunismo seria apenas


uma ideologia vazia e sem expressão:

O comunismo não apresenta nenhuma originalidade; é o


mesmo bolchevismo russo, a mesma social-democracia
alemã, o mesmo socialismo francês, o mesmo trabalhismo
inglês, o mesmo agrarismo, o mesmo sindicalismo
revolucionário, tudo expressão da zurrapa marxista, da
técnica soreieana, ou do evolucionismo darwiniano
recebido em segunda mão.

No entanto, a sua ideologia seria diferente e local,


nacional, algo que abarcaria toda uma nova concepção
social:

O Integralismo é coisa nova, interessante, século XX,


espírito da América, manifestação de um Novo
Pensamento, a produzir uma Nova Sociedade, uma Nova
Economia.

Percebe-se a oposição entre o século XIX e o XX,


mantendo a lógica da luta entre o espiritualismo e o
materialismo. É importante frisar que neste texto o autor

38Nós e os escravos de Stalin. In: A Offensiva, nº 60, 6/7/1935, p.


1-2.

133
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

destaca elementos fundamentais para a compreensão desta


difusão ideológica dentro de A Offensiva.

O comunismo é uma cópia servil. O Integralismo é uma


doutrina original.
O comunismo recebe palavras e ordens do Exterior. O
Integralismo traça novas diretrizes aos povos.

Como pode ser visualizada a questão da


originalidade da ideologia é fundamental e remonta a
discussão feita por Plínio Salgado relativo à gestação da
ideologia entre o “sertão” e o “litoral”, onde já se percebia
este elemento de forma rudimentar, mas que é uma das
bases da lógica de funcionamento do integralismo: o
nacionalismo.

O comunismo é orientado por técnicos estrangeiros. O


Integralismo é dirigido exclusivamente por brasileiros.
O comunismo no seu próprio ritual é um tributário do
soviet russo: seu cumprimento é um punho fechado e um
grito: “URSS”!
O Integralismo é profundamente autóctone: seu
cumprimento é um braço erguido para o céu, como fazem
os índios brasileiros, e o grito que parte de um “camisa-
verde” é o “Anauê!” das tabas selvagens dos tupis
americanos.

Além disso, havia o princípio da liderança do


grande chefe da nação, o que iria proteger do perigo
externo:

O comunismo obedece a autoridade que não está no país;


ainda agora os comunistas franceses declararam no
parlamento que seu chefe é Stalin e outros que a sua pátria
é a Rússia.

134
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

O Integralismo não obedece a estrangeiros; seu chefe é


nacional e acima dele não há chefes internacionais.

A parte final da coluna conclui com a demarcação


da identidade nacional do movimento, diante do
internacionalismo comunista

Brasileiros! É contra essa miséria moral que nós


integralistas nos levantamos!
Brasileiros! Nós, integralistas, não temos que dar
satisfações a estrangeiros! Não admitimos aqui palavras de
ordem, nem de Stalin, nem de Hitler, nem de Mussolini,
nem de Trotsky. Somos independentes. Somos dignos.
Somos altivos. Somos livres. Esses que clamam pelas
“liberdades democráticas” são míseros escravos.
Stalin não pensa neles. Eles é que devem pensar em Stalin!

A estrutura didática deste texto de Salgado é


importante para a delimitação da área de atividade de cada
ideologia. Integralismo = Nacional / Comunismo =
Internacional. Tendo em vista que toda a pregação do
movimento girava em torno do “sertão”, ou seja, de um
nacionalismo exacerbado; o oposto a isto é o inimigo
interno, mas que representa o “litoral”. Nota-se que todo o
texto foi estruturado pela contraposição entre uma e outra,
tendo sempre o defeito do comunismo aparecendo em
primeiro lugar – como um exemplo negativo e contra a
moral – e as características do integralismo aparecendo
como valor social.
Ou seja, o discurso segue o padrão da construção de
uma nova sociedade dentro dos princípios ideológicos do
movimento, transfigurados dentro das páginas do jornal
como sendo síntese da nacionalidade em uma relação
“Integralismo = Nacionalidade = Brasil”. E o mecanismo

135
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

utilizado para a “demonstração” é a oposição ao


comunismo.
Dentro do jornal passam a apresentar não apenas a
oposição direta em matérias que colocam ambos no mesmo
texto, mas destacando as ações vis praticadas pelos
comunistas. Estas sempre são apresentadas dentro da
lógica da traição e dos crimes hediondos.
Um excelente exemplo disto ocorreu nas notícias
relativas ao episódio conhecido como “A Batalha da Praça
da Sé”, que foi o maior choque entre integralistas e
antifascistas.

O recorte acima pode ser visto como uma excelente


síntese da construção discursiva. Traz vários elementos
como a traição, atentado, covardia diante da coragem,
entrega e defesa da nação por parte dos integralistas. Além
disto, a frase de que apenas os “camisas-verdes” defendiam
a pátria contra as investidas comunistas. Não se pode
deixar escapar também a referência a Deus (em relação aos
mortos) e à higiene e justiça, o que remete ainda à ideia de
uma guerra santa, já mencionada anteriormente, e a todo
imaginário anticomunista cristão.
Percebe-se que a partir de exemplos das “atividades
criminosas” dos “vermelhos” os integralistas vão

136
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

demonstrando sua força e resistência. Como pode ser visto


nos dois exemplos abaixo:39

Estas notícias dos constantes conflitos entre integralistas


e comunistas eram amplamente explorados em A Offensiva. O
motivo era mostrar ao leitor o fato de o movimento estar em
constante confronto com este inimigo. Isto atingia aqueles
militantes que aderiam à AIB pelo anticomunismo e aqueles que
eram sensíveis a este discurso.
Da mesma forma, transmitiam uma imagem de que a
nação estava em um perigo constante e ameaça iminente e que a
Ação Integralista era a única expressão da nacionalidade capaz de
deter a “tempestade”, o inimigo que se aproximava.
Covardia, assassinatos e crimes hediondos eram citados
como os métodos comunistas para a tomada do poder. Estas
atividades sempre apareciam em destaque nas páginas do jornal,
o que justificava o discurso anticomunista do periódico – e da

39 A Offensiva, nº 25, 1/11/1935, p. 1. (esquerda); nº 65, 10/8/1935,


1. (direita)

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

AIB- e o combate a este “mal”. No exemplos que seguem, fica


latente esta afirmação.40

Acreditamos não haver necessidade de analisar


estas fontes, nosso objetivo era apenas apresentar os
exemplos para que pudessem ser visualizados, a fim de
demonstrar como as “atividades” comunistas eram
mostradas nas páginas de A Offensiva.
Outro ponto de oposição que foi amplamente
explorado foi a Aliança Nacional Libertadora, liderada por

40 A Offensiva, nº 8, 5/8/1934, p. 2. (esquerda); nº 26, 8/11/1935, p.


2. (direita)

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Luis Carlos Prestes. Mesmo que tenha tido um período de


poucos meses de existência legal, a ANL surgia aos olhos
dos “camisas-verdes” como um movimento político em
disputa pelo poder. E Prestes, por sua vez, surgia como a
personificação do mito comunista, o seu grande líder no
Brasil, logo o inimigo a ser combatido.

A ANL era a
personificação da
oposição entre
integralismo e
comunismo. Se em
um lado havia o tema
“Deus, Pátria e
Família”, do outro
havia “Pão, Terra e
Liberdade”:41

41 A Offensiva, nº 54, 25/5/1935, p. 1.

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

Ou seja, de acordo com este quadro não haveria


escolha aos brasileiros: entre os valores integralistas e os
aliancistas (comunistas) somente um traria a “verdadeira
liberdade” e o outro a escravidão.
A ANL era “exposta” como uma expressão da
URSS no Brasil, uma organização a soldo de Moscou para
dominar o país. No artigo “Criminosos contra a Pátria”,
Salgado coloca os críticos do integralismo como cientes das
ações da ANL e, como tal, em conluio com as ações
comunistas:

Eles sabem que agora o comunismo estrutura-se com os


elementos de todas as esquerdas. Sabem que a Aliança
Nacional Libertadora é um amontoado de ateus, de
inimigos da tradicional organização da família brasileira,
dirigidos pelo comunismo russo. [...] Eles sabem que as
igrejas serão incendiadas. Sabem que os lares serão
conspurcados. Sabem que a liberdade será suprimida pelos
comunistas. Sabem que se preparam dias sombrios para o
Brasil. Sabem que só o Integralismo se levanta como uma
força capaz de opor barreiras à destruição da Pátria.42

Com a ANL a oposição entre integralismo e


comunismo se acirra, a partir da “comprovação” da
existência de uma organização “vermelha” com força e
mobilização social e com um líder de expressão O choque
se estabelece principalmente em torno da Lei de Segurança
Nacional, na qual as duas organizações passam por
processos que colocavam em risco a existência legal de
ambas.
Isto gera por parte da AIB um acirramento do
anticomunismo, tentando comprovar que o seu movimento

42 A Offensiva, nº 18/5/1935, p. 1.

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

é uma expressão da nacionalidade, enquanto a ANL seria


uma organização manipulada pelo exterior.43
Em resumo, o comunismo surgia em todos os
aspectos como a grande antítese do integralismo, desde os
princípios doutrinários, perpassando a ideologia, estrutura
e organização política e social, e é a partir do
anticomunismo que o integralismo se constitui e se
diferencia, como o grande e principal antagonista. A
grande expressão do anticomunismo no jornal A Offensiva
representava a própria forma como o integralismo era
definido: através da construção de uma identidade política
conversadora e autoritária, de base cristã e nacionalista.

Apontamentos Finais
O anticomunismo foi um dos fenômenos políticos
mais marcantes do século XX no Brasil, sendo justificativa
para dois golpes de estado (1937 e 1964), além de ser base
de violenta repressão política desde em grande parte do
período republicano (1922-1985). Não apenas isso, mas um
verdadeiro imaginário político e social anticomunista foi
construído junto à sociedade brasileira, onde seus reflexos
se fazem presentes até os dias de hoje.
Na Era Vargas (1930-1954), tal imaginário teve um
destaque dentro da estrutura de propaganda estatal e da
própria repressão política, tanto no Governo Provisório, no
Estado Novo, como no período Democrático (1950-1954). O
Departamento de Ordem Política e Social (DOPS)
perseguiu, reprimiu, torturou e eliminou inimigos políticos
indiscriminadamente desde a sua fundação em 1924 até sua
extinção em 1986, porém, foi no período Vargas que foi

43Não ampliaremos a discussão sobre a ANL e a LSN, pois já foi


abordada no terceiro capítulo desta tese.

141
O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

moldada uma polícia política que tinha como base o


anticomunismo.
Quando olhamos em uma perspectiva histórica,
observamos que a Ação Integralista Brasileira teve um
papel de destaque na formação e propagação do
anticomunismo no Brasil, sendo responsável por uma das
matrizes do anticomunismo nacional. Não apenas isso,
como os dois golpes de estado que instauraram ditaduras
tiveram participação efetiva de integralistas44 – e, por
incrível que pareça, o mesmo personagem histórico teve
um papel fundamental em ambos golpes: Olimpio Mourão
Filho. Em 1937 Olímpio Mourão Filho era capitão do
Exército Brasileiro e membro da AIB. Sob ordens de Plínio
Salgado produziu o Plano Cohen, que foi utilizado como
desculpa para o golpe do Estado Novo. Em 1964, então
general do Exército, foi quem deu a ordem para que as
forças militares se sublevassem e depusessem o então
presidente João Goulart. Em ambos os casos a desculpa
para as ações golpistas foi o fantasma do comunismo.

44 Tanto em 1937 como em 1964 a participação integralista nos


golpes resultou na extinção dos partidos integralistas. A AIB foi
extinta logo após o golpe do Estado Novo. O seu sucedâneo, o
Partido de Representação Popular (PRP), criado em 1946, foi
extinto pelo Ato Institucional nº 2 (AI-2) de 1965. A diferença
entre ambos episódios é que em 1937 os integralistas foram
“dispersados”. Em 1965, os integralistas aderiram ao partido que
dava suporte à ditadura militar, a Aliança Renovadora Nacional,
sendo que entre os quadros da antiga AIB e do antigo PRP
tiveram vários deputados federais (como Plínio Salgado e
Raymundo Padilha) que se elegeram pela ARENA, além de
Ministros de Estado como Alfredo Buzaid (Ministro da Justiça no
governo de Emílio Garrastazu Médici e ministro do Superior
Tribunal Federal, indicado pelo governo João Figueiredo) e
Alberto Hoffmann (Ministro do Tribunal de Contas da União no
governo João Figueiredo, além de deputado federal e senador).

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O ESTADO NOVO NO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS ENSAIOS

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