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HISTÓRIA DO BRASIL:
DA CONSTRUÇÃO DA NAÇÃO
ATÉ O GOLPE DE 1930
da população, mas foi resultado de muitas ações políticas e sociais.
Nessa mesma época, os impérios se estabeleciam na Europa, prática
política que também atingiu decisões tomadas na América Latina,
ATÉ O GOLPE DE 1930
inclusive no Brasil. É nesse contexto de alterações mundiais que se inicia a Lorena Zomer
abordagem deste livro, que pretende esclarecer aspectos históricos da
formação do Brasil-Nação, desde a construção do Estado Nacional
Republicano até a ascensão da chamada “República do Café com
Leite”, na década de 1930, culminando com a “revolução” que levou
Getúlio Vargas ao poder. Essa longa e importante trajetória do
país é o foco de análise desta obra.
Educação
9 788538 763703
Hist ria do Brasil:
da constru o da na o
até o golpe de 1930
Lorena Zomer
FAEL
Carta ao aluno | 5
Gabarito | 205
Referências | 221
Carta ao aluno
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1
A crise no Império
e a emergência do
discurso republicano
1 Nome dado ao período pós-independência, em que o Brasil era uma monarquia e não se
relacionava com a perspectiva “imperialista” europeia.
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A crise no Império e a emergência do discurso republicano
Com tudo isso, a partir de 1860, Dom Pedro II viu seus prestígios e pri-
vilégios serem cada vez mais questionados, tanto pelas discussões relacionadas
ao tráfico negreiro quanto pela escravidão mantida no país, temas que vinham
sendo debatidos desde 1830. Além disso, oposições políticas à monarquia
colaboraram para a formação das campanhas republicanas, apoiadas também
pelo desgaste ocasionado pela Guerra do Paraguai.
As características do Brasil, em meados do século XIX, já eram diversas
daquelas do início do mesmo século. Do mesmo modo, ocorriam mudan-
ças globais, permitindo ao Brasil buscar outras posturas políticas para que
pudesse fazer parte das transformações sociais vividas em outros países. É
sobre essas mudanças e algumas das discussões do período que falaremos nas
próximas seções.
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A crise no Império e a emergência do discurso republicano
Além de reforçar a posse das terras pelas elites, por meio dessa lei os
imigrantes tinham seus lugares demarcados, assim como os negros. Embora
a Lei de Terras não tivesse muitos recursos para controlar a demarcação, foi
uma estratégia para manter a ordem social no Brasil, mesmo com a proibição
do tráfico.
Diante do descontentamento de conservadores escravocratas, a Guarda
Nacional foi reforçada, para que se cumprisse a lei.
Nesse período, foram construídas as primeiras estradas de ferro e algu-
mas escolas, foram estruturados o serviço de iluminação pública e o sistema
de telégrafos e foi criado o Código Comercial, a fim de estimular o comércio
interno. Entretanto, se considerarmos todos os problemas políticos e sociais
para que o país se desenvolvesse de fato, seria necessária uma transforma-
ção profunda. Só isso faria com que o Brasil fosse respeitado e visto como
um país “em desenvolvimento”. E tal transformação era necessária porque os
interesses dos grupos dominantes do período visavam ao desenvolvimento
econômico e político, porém não ao social.
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contos de réis. Para se ter uma ideia da magnitude desses gastos, basta com-
parar com o orçamento do império disponível para 1864, que era de 57 mil
contos de réis” (DORATIOTO, 2002, p. 462). Por outro lado, no contexto
da guerra, o Paraguai perdeu sua autonomia política e territorial.
O historiador José Murilo de Carvalho traz uma ideia do significado da
Guerra do Paraguai para o contexto brasileiro e a situação política posterior:
De repente havia um estrangeiro inimigo que, por oposição, gerava
o sentimento de identidade brasileira. São abundantes as indica-
ções do surgimento dessa nova identidade, mesmo que ainda em
esboço. Podem-se mencionar a apresentação de milhares de volun-
tários no início da guerra, a valorização do hino e da bandeira, as
canções e poesias populares. Caso marcante foi o de Jovita Feitosa,
mulher que se vestiu de homem para ir à guerra a fim de vingar as
mulheres brasileiras injuriadas pelos paraguaios. Foi exaltada como
a Joana d’Arc nacional. Lutaram no Paraguai cerca de 135 mil
brasileiros, muitos deles negros, inclusive libertos. (CARVALHO,
2002, p. 38)
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Nesse caso, outro aspecto a se pensar tem como base ideias da historia-
dora Beatriz Mamigonian. Para ela, mesmo com as tentativas de proibir o
tráfico logo após a independência, com a promulgação da Lei de 7 de novem-
bro 1831 (a Lei Feijó), o Brasil não debatia o fim da escravidão pensando em
igualdade e cidadania para os escravizados. As pautas de discussão acabavam
sendo apenas sobre o peso econômico da decisão e reiterando o que esse tra-
balho e seu tráfico sustentavam no Brasil.
Ou seja, a maioria da população brasileira do século XIX de maneira
alguma pensava que oferecer ao escravizado a liberdade era uma necessi-
dade de justiça. O que pressionava nesse sentido eram apenas os interesses
ingleses, que exigiam o fim do tráfico negreiro para o Brasil visando a
benefícios próprios. Em paralelo, outros países da América davam liber-
dade aos escravos.
Então, esse modelo escravagista não combinava com uma nação moderna,
muito menos se o Brasil caminhasse para o republicanismo (MAMIGONIAN,
2017, p. 9-29).
Dessa forma, apenas pelas independências de países da América Latina e
da pressão exterior é que o governo desse período passou a obedecer ou discu-
tir algumas das leis anteriores à Áurea. Isso não significa que o surgimento dos
discursos republicanos, ou mesmo os desdobramentos da Guerra do Paraguai
e da própria campanha abolicionista, não foram ouvidos; pelo contrário, foi
pelos meandros que a política brasileira não conseguiu contornar que esses
acontecimentos laterais encontraram força e espaço para se instituir como
políticas universais.
A questão abolicionista certamente foi uma das mais polêmicas e caras
para o período posterior a 1850. Tendo em vista a sua proibição em breve, o
tráfico cresceu muito nas décadas que antecederam 1850. A liberdade, que
deveria ser dada àqueles que foram traficados ilegalmente, muitas vezes teve
de ser defendida por juristas e advogados (MAMIGONIAN, 2017, p. 430-
433). Isso demonstra que ferir a lei não era algo grave, visto que moralmente
uma maioria não se importava com a vida dos escravizados.
Além disso, podemos pontuar outras características sobre a alforria desse
período – quando ela ocorria. Schwarcz (2017), ao falar sobre a vida de Lima
Barreto, menciona a avó dele da seguinte forma:
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4 Para mais informações, ver o trabalho de Joaze Bernardino Costa (2015), que trata do traba-
lho doméstico e das mudanças que ocorreram apenas no século XXI, com o reconhecimento
por lei do trabalho doméstico no Brasil.
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Um dos aspectos que mais pesam sobre essa discussão e que podemos
pontuar sobre essa questão social – uma consequência de séculos de escravi-
dão e da falta de igualdade e de cidadania – é que, mesmo aqueles que luta-
vam pela própria liberdade, quando a alcançavam, acabavam legitimando a
escravidão. Para o autor,
embora repudiassem sua escravidão, uma vez libertos admitiam escra-
vizar os outros. Que os senhores achassem normal ou necessária a
escravidão, pode entender-se. Que libertos o fizessem, é matéria para
reflexão. Tudo indica que os valores da liberdade individual, base dos
direitos civis, tão caros à modernidade europeia e aos fundadores da
América do Norte, não tinham grande peso no Brasil. (CARVALHO,
2002, p. 49)
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Conclusão
O objetivo deste capítulo foi trazer alguns debates vividos no século
XIX que criaram as condições para que o poder monárquico, a escravidão
e a ordem social vigente fossem questionados e para compreender como
algumas práticas políticas e econômicas, como a imigração e a construção
das ferrovias, mudaram o cenário brasileiro do interior (a começar por
São Paulo). Esses processos também estão diretamente ligados ao modo
como se deu a Proclamação da República no país, por meio da tomada do
poder pelos militares, instituindo uma política republicana e sem grandes
transformações – o que trouxe consequências para as primeiras décadas do
século XX.
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Sugestão complementar
Como sugestão complementar, indicamos o blog do Instituto Moreira
Salles5, que tem um variado acervo iconográfico, principalmente do século
XIX. Disponível em: <https://blogdoims.com.br/categorias/>. Acesso em:
27 fev. 2018.
Atividades
1. Elabore uma ideia que considere duas perspectivas políticas diferentes
sobre as consequências da Guerra do Paraguai para o Brasil.
5 O Instituto Moreira Salles é uma organização sem fins lucrativos que dispõe de um vasto
acervo de obras de arte. Possui sedes em Poços de Caldas (MG), São Paulo (SP) e Rio de Ja-
neiro (RJ).
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Republicanismo no
Brasil Imperial
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Republicanismo no Brasil Imperial
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Com base nisso, é possível afirmar que Silva Jardim mantinha ideias
mais diretas impostas pelo ideário republicano. Tal perspectiva apoiava uma
mudança clara, diferentemente dos liberais, que eram reconhecidos por osci-
larem entre seus interesses e os de Dom Pedro II.
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Parece que esta declaração seria suficiente para apagar todas as dúvi-
das. A questão não nos pertence exclusivamente porque é social e não
política: está no domínio da opinião nacional e é de todos os parti-
dos, e dos monarquistas mais do que nossa, porque compete aos que
estão na posse do poder, ou aos que pretendem apanhá-lo amanhã,
estabelecer os meios de seu desfecho prático. E se os nossos contrários
políticos pressagiam para um futuro demasiadamente remoto o esta-
belecimento, no país, do sistema governamental que pretendemos, o
que vem interpelar-nos hoje e desde já sobre esses meios? (Manifesto
do Congresso do Partido Republicano Paulista apud PESSOA,
1973, p. 65)
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e 1850. Nesse caso, tanto ele quanto Émile Durkheim, Karl Marx e Max
Weber foram os responsáveis pela difusão do pensamento sobre as mudanças
que colaboraram para a institucionalização das disciplinas ligadas às ciências
sociais, especialmente a sociologia.
Comte, em um escrito chamado Curso de filosofia positivista, de 1842,
defendia que o espírito humano teria passado por três fases: a primeira era
o momento em que sociedades baseadas em princípios transcendentais e
militarismo iriam diminuir; a segunda era aquela em que todos os fenôme-
nos atribuídos a seres sobrenaturais seriam contestados e, posteriormente,
as sociedades teriam na metafísica suas explicações. Ainda na segunda
fase, o ser humano passaria a observar os fenômenos sociais no decorrer
do tempo, a fim de decidir o que era melhor, uma ideia que deveria ser
coletiva (incluindo sacrifícios individuais) (ARON, 2002) e relacionada ao
uso da tecnologia, bem como do domínio da natureza. Na terceira fase, a
organização humana estaria na relação, organização e domínio da natureza
e da história.
A França do século XIX, tempo e lugar de Comte, era marcada por uma
sociedade capitalista industrial, e o crescimento econômico dessa modali-
dade política e econômica era defendido pelo positivista como exemplo a
ser seguido.
Nesse caso, a união do espírito humano, livre de guerras e de violência,
em nome de um bem maior (unido pela história humana e pelo domínio da
natureza), chegaria a um estágio final de desenvolvimento da humanidade,
que teria apenas um pensamento, no qual seu “espírito” estaria baseado ape-
nas nas ideias positivistas.
José Murilo de Carvalho afirma que, para Comte, uma boa pátria seria
uma boa mátria (CARVALHO, 1990, p. 13), visto que era nas ideias do
gênero feminino para humanidade e República que o filósofo encontrava seus
argumentos – que estavam baseados na representação da República na ima-
gem feminina (no caso de Comte, em Clotilde de Vaux) –, um imaginário
que colaborava para legitimar um poder político.
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4 A historiadora aponta que ainda persistem as ideias sacralizadoras. Para uma análise historio-
gráfica do tema, sugerimos a leitura de Fonseca (2002).
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Conclusão
O objetivo principal deste capítulo foi trazer ideias sobre o período da
Proclamação da República. Podemos perceber que havia divergências e a pró-
pria ideia de República – em relação à conhecida no século XXI – sofreria
ainda muitas intervenções e debates. Isso ocorreu porque defender a abolição
da escravatura ou mesmo a existência de um governo republicano é algo dife-
rente de prezar pela igualdade social e racial no país.
Esses dois aspectos foram a base de muitas revoltas e problemas enfren-
tados nas duas primeiras décadas do regime republicano, ou seja, mesmo que
um ideal de memória coletiva tenha entrado na pauta política, trazendo sím-
bolos e figuras nacionais, ainda assim não foi o suficiente para que o povo
aderisse aos interesses daqueles que haviam proclamado a República.
Parte do povo, excluído das intenções de poder, foi protagonista de
diversas ações que buscaram outras percepções sobre a República. Nesse caso,
a própria Constituição de 1891 não foi satisfatória para que aqueles que
defendiam a igualdade universal conseguissem se respaldar na lei.
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1. Estabeleça uma relação entre Exército, República e positivismo.
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3 Para saber mais sobre a pintura como fonte para entendimento desse período, ver o trabalho
de Salgueiro (2002).
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José Murilo de Carvalho afirma que, com a criação desses símbolos, uma
pequena elite se intitulou representante do povo no processo de “passagem”
do Império para a República (CARVALHO, 1990, p. 73), ou seja, evidencia-
-se aí um ponto importante sobre a concepção de República que estava sendo
forjada no Brasil, a de que a participação de uma maioria antes e depois da
Proclamação não importava tanto.
Um dos interesses daqueles que declararam o fim do Império era criar
símbolos que sustentassem seu poder, cujo objetivo era dar mais poder ao pró-
prio Exército, sob a égide positivista. Entendemos que essas estratégias não
foram suficientes para manter o Exército no Executivo, visto que sua repre-
sentatividade diminuiu após 1895, desgaste causado também pela Revolução
Federalista e pela segunda Revolta da Armada.
No entanto, os símbolos nacionais por si só não resolveriam o pro-
blema das adaptações políticas do início da República, visto que ainda na
década de 1890, no governo de Prudente de Morais, a Guerra de Canudos
(que será tratada no Capítulo 4), no interior da Bahia, abalaria as estrutu-
ras republicanas.
No que se refere à participação popular, é preciso lembrar que a nova
Constituição definia que apenas jovens alfabetizados, com mais de 21 anos e
com determinada renda poderiam votar. Isso significava que ao menos 82,9%
da população brasileira não votava, visto que era analfabeta. Os outros 17%
não correspondem ao número de votantes, visto que poderiam ser alfabeti-
zados, mas não tinham renda suficiente (FERRARO; KREIDLOW, 2004,
p. 182). Porém, é preciso que observemos: se o povo não participou da
Proclamação, também não defendeu o retorno da monarquia.
Segundo José Murilo de Carvalho, muitos representantes da elite tinham
o direito de votar devido às suas posses, entretanto eram analfabetos (cerca
de 85% da população carecia de educação primária) (CARVALHO, 2002,
p. 33-5). Além disso, havia ainda o risco de votar e de ser recriminado pelos
cabos eleitorais dos candidatos regionais por sua escolha. O voto, nesse caso,
era muito mais uma obediência à vontade de coronéis do que um ato de liber-
dade de escolha por um governo ou outro.
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Diante disso, podemos perceber que muitos grupos, embora todos ope-
rários, estavam se formando, mas com características diversas em razão de
questões étnicas, raciais ou de prática política. Em relação a essas diferenças, os
historiadores Antônio Negro e Flávio Gomes apontam especialmente o modo
como se encontravam os ex-escravos nesse mundo do trabalho. Segundo ele,
desde meados do século XIX, escravos ou ex-escravos eram vistos como de
ganho ou vendendo o que podiam quando livres. Sendo assim, houve nas
cidades um maior controle por meio de estratégias e força policial (GOMES;
NEGRO, 2006, 226-232).
Com a liberdade, a partir de 1888, muitos ex-escravos já viviam nas
cidades e também fizeram parte tanto de movimentos de greve, quanto da
formação operária6, enquanto as cidades começavam a receber imigrantes em
uma proporção maior ao período anterior.
Carvalho aponta que a maioria dos imigrantes era proveniente da Itália,
porém havia uma presença significativa da nacionalidade espanhola. Além
deles, havia os migrantes do interior ou de outras capitais do Brasil. Poucos
trabalhavam para o Estado ou eram funcionários públicos (estradas de ferro,
marinha mercante, arsenais).
Além disso, segundo o historiador, os operários recebiam orientações dife-
rentes conforme o lugar que escolhiam (CARVALHO, 2002, p. 59). No caso
do Rio de Janeiro e dos empregos públicos, havia menos liberdade de voto e de
manifestação, diferentemente de outras situações: “Os operários do porto não
se negavam a dialogar com patrões e com o governo, mas eram bem organi-
zados e mantinham posição de independência” (CARVALHO, 2002, p. 59).
A partir de 1890, o movimento operário se intensificou, apoiado pelas
discussões socialistas, visto que a República proclamada não havia feito o
que era esperado. Segundo Claudio Batalha, foi nesse contexto que os operá-
rios buscaram associar direitos sociais e políticos (BATALHA, 2003, p. 174).
Entretanto, para que isso ocorresse, era preciso ter renda ou começar a dis-
putar cargos políticos. Apesar dos muitos partidos socialistas surgidos nesse
período, Gomes aponta que o primordial nesse contexto era: “a revaloriza-
ção do trabalho e do trabalhador e a crença na possibilidade de os direitos
6 Para um debate historiográfico de como questões de classe e a inserção dos ex-escravos se deu
após a proclamação da República no mundo do trabalho, ver Negro e Gomes (2006).
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Conclusão
A frase de Euclides da Cunha (CUNHA apud SEVCENKO, 2015, p.
130), jornalista e escritor brasileiro, que abre este capítulo está relacionada
aos movimentos sociais, que começaram nos anos de 1890 no Brasil. Ou seja,
enquanto as autoridades militares regiam o Brasil com práticas ditatoriais,
outros grupos fizeram o que de mais importante poderia ser ocasionado pela
“liberdade de uma República”: o direito à palavra.
Portanto, se a República organizada logo após a Proclamação era o resul-
tado de interesses de militares, bem como de classes privilegiadas, ela também
lançou as ideias de igualdade e de cidadania, mesmo que de forma bastante
sutil, permitindo o surgimento de novos movimentos urbanos e sociais.
Com as reflexões aqui expostas, fica claro que cidadania ou um governo
do povo não era o objetivo da República de Deodoro da Fonseca e seu grupo.
Vários grupos, porém, entenderam que um pequeno espaço havia sido aberto
e, nas décadas seguintes, muitas conquistas seriam buscadas por meio de
rebeldia e de questionamentos políticos intensos após essa abertura.
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Atividades
1. Sobre o início da República, explique por que foi um momento tão
conturbado, embora promissor.
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interior do Brasil
4.1 O Cangaço
Não existe uma data exata que define o início do Cangaço no Nordeste,
porém temos um indício dos princípios desse movimento na lenda sobre
O Cabeleira. O personagem lendário do século XVIII foi a inspiração da obra
homônima, de Franklin Távora, lançada em 1876. José Gomes, a pessoa que
inspirou o Cabeleira, foi responsável por inaugurar o termo banditismo rural 3,
empregado para se referir ao Cangaço e aos movimentos de Canudos e Contestado.
O historiador Durval Muniz de Albuquerque Júnior, ao analisar a estru-
tura da obra, afirma que o romancista colaborou com os movimentos literá-
rios realista e naturalista:
[A obra] remete para o caráter compósito e de fronteira que teriam
esses escritos, eles oscilariam entre “composições literárias” e “estudos
históricos” (TÁVORA, 1973, p. 22), escritos que respondiam, assim,
às novas regras trazidas para o campo literário pelo que veio a ser
chamado de realismo e de naturalismo, que articulavam o propria-
mente ficcional ao imperativo de se figurar o que seria a realidade.
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2017, p. 229)
2 A região que recebeu esse nome atualmente refere-se ao Planalto Norte, ao Vale do Rio do
Peixe e ao Meio-Oeste de Santa Catarina.
3 Sobre o termo banditismo rural, ver Wiesebron (1996).
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dessas terras pelos centros cultos do país, mas contra o falso juízo e
o desprezo que a elas eram devotadas, lançando mão, para isso, da
“rica mina das tradições e crônicas” das províncias setentrionais do
país [...]. O romance em que materializa esse projeto, O Cabeleira, se
apoia em narrativas orais, algumas delas na forma de versos, que cir-
culavam na província de Pernambuco, em torno desse bandido lendá-
rio. Em várias passagens do romance, Távora vai buscar nesses textos
as imagens com que figura o corpo, os gestos, as ações do lendário
criminoso, seu entorno social, os costumes e paisagens de seu tempo.
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2017, p. 229-230)
4 Nesse caso, o termo refere-se a uma roupa vestida pelos “criminosos”, conforme Albuquerque
Júnior (2017, p. 233).
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5 Benjamin Abrahão Calil Botto (1901-1938) fotografou e compôs uma das maiores coleções
de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião (1898-1938). Por meio desse acervo fotográfico, o
Cangaço se tornou mais conhecido, além de ter passadp ao imaginário popular, em lendas,
canções e cordéis. Para saber mais, acesse o site “Brasiliana Fotográfica”, da Biblioteca Nacional.
Disponível em: <http://brasilianafotografica.bn.br/?tag=conflito>. Acesso em: 28 fev. 2018.
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4.2 Canudos
A situação da Igreja Católica Apostólica Romana não era muito cômoda
após a Proclamação da República, especialmente ter perdido boa parte de seu
poder político. Nesse contexto, foram lançadas diversas estratégias para que
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4.3 Contestado
O território abrangido pelo Contestado (1912-1916) foi uma região de
características bastante diversas às condições de Canudos, porque envolveu um
território maior (Figura 5), próximo à divisa entre Santa Catarina e Paraná.
Figura 5 – Mapa histórico do Contestado.
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da obra de Duglas, o mundo sertanejo passa a ser visto pelo que efeti-
vamente foi, pelo que construiu e pelo que acreditava. (MACHADO,
2012a, p. 4)
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Conclusão
Personagens da literatura ou a representação de pessoas reais em páginas
literárias demonstram a complexidade dos primeiros 25 anos de República
no Brasil.
Do Nordeste ao Sul, o que podemos perceber, brevemente, é que o
regime político escolhido apenas por alguns não correspondia às demandas
sociais da época. Entretanto, é preciso observar que, dotados de interesses
religiosos ou não, influenciados por ideologias políticas ou não, muitos gru-
pos contestaram a ordem e a hierarquia vigentes.
Os movimentos tratados aqui não são e não devem ser vistos apenas
“como subversivos, fanáticos ou violentos”. Eles são gritos de marginalizados
desejosos de justiça social, são reflexos da miséria brasileira do período, reafir-
mada pela questão da posse de terra.
Efetivamente, se temos problemas com esses na atualidade, exigir da
República práticas que sanassem tais questões naquele período é cometer ana-
cronismos. Mas foi com base em ações como de Canudos e do Contestado
que novas posturas políticas foram tomadas, para que revoltas como essas não
se repetissem.
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Dicas de estudo
22 GUERRA de Canudos. Direção de Sérgio Rezende. [S.l.]: Columbia
Pictures do Brasil, 1997. 165 min.
O filme apresenta a história do Arraial de Canudos, local em que vi-
veram os fiéis e seguidores de Antônio Conselheiro. Evidencia todas as
lutas e as investidas do governo federal a fim de destruir o local, além de
tomar por base a obra de Euclides da Cunha, Os sertões.
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Atividades
1. Que relação podemos estabelecer entre o Cangaço e a situação social
do sertão nordestino?
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convocar uma nova eleição naquele ano, como estava previsto. As discussões
ainda durante a Assembleia Constituinte acirraram os ânimos entre Deodoro
da Fonseca e o Congresso.
Apesar do conflito, Deodoro foi eleito presidente por voto indireto, como
previa a Constituição de 1891, e deveria dividir o poder com o Congresso.
O conflito entre os poderes se exacerbou a ponto de Deodoro sentir-se amea-
çado e fechar o Congresso. Ao fechá-lo, violou a constituição, cujo conteúdo
dispunha que qualquer atentando contra a República deveria ser penalizado
imediatamente (FLORES, 2008, p. 56-58).
Essa situação causou uma das primeiras manifestações do período, a
Revolta da Armada, que pode ser compreendida em dois momentos: o de
1891 e o de 1893 (no governo de Floriano Peixoto).
No contexto do governo de Deodoro da Fonseca, a Armada, como era
chamada a Marinha, além de estar descontente com a política do período
e com a crise econômica, causada pela decisão do ministro Rui Barbosa de
emitir moeda sem lastro, também não aceitava a falta de habilidade dos
militares, que não discutiam com a oposição (SCHWARCZ; STARLING,
2015, p. 320). Por isso, o líder da revolta, Custódio de Mello (ex-ministro de
Deodoro da Fonseca e futuro de Floriano Peixoto), ameaçou bombardear o
Rio de Janeiro com os navios aportados na Baía de Guanabara. Nessa conjun-
tura, Deodoro da Fonseca renunciou ao governo.
A postura tomada por Deodoro da Fonseca demonstrou quão frágil e
incipiente era a ideia do republicanismo no Brasil, ou seja, trouxe para o
debate uma perspectiva de democracia muito limitada. Mas isso não ocorreu
antes do golpe militar de 1889, assim como não aconteceu após, nem em
períodos de crise, como na primeira Revolta da Armada.
O governo militar tratava o Brasil tal como um quartel, com hierar-
quias e silêncios. O que se seguiu não foi muito diverso, visto que o seu vice,
Floriano Peixoto, assumiu o cargo. Entretanto, a nova Constituição previa
que, nesse caso, deveria ocorrer uma eleição, o que não se sucedeu.
Embora a estratégia de Floriano Peixoto não tenha sido democrática,
iniciou-se o período que chamamos de florianismo:
O florianismo foi o primeiro movimento político espontâneo da
República, centrado na figura de uma liderança capaz de galvanizar
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muitas vezes, despejados nas primeiras vilas das periferias. As casas, conside-
radas insalubres, também eram apontadas como construções que não condi-
ziam com uma urbanização moderna e bela.
Após a reforma, o centro estava “embelezado” e livre daqueles que não
deveriam ser vistos (prática que aumentou a marginalização desses grupos).
Entretanto, a não aceitação da vacina, nos meses após junho e julho de 1904,
não está relacionada apenas com a revolta pela perda de suas casas, visto que:
A oposição à vacina apresentou aspectos moralistas. A vacina era apli-
cada no braço com uma lanceta. Espalhou-se, no entanto, a notícia
de que os médicos do governo visitariam as famílias para aplicá-la nas
coxas, ou mesmo nas nádegas, das mulheres e filhas dos operários.
Esse boato teve um peso decisivo na revolta. A ideia de que, na ausên-
cia do chefe da família, um estranho entraria em sua casa e tocaria
partes íntimas de filhas e mulheres era intolerável para a população.
Era uma violação do lar, uma ofensa à honra do chefe da casa. Para o
operário, para o homem comum, o Estado não tinha o direito de fazer
uma coisa dessas. (CARVALHO, 2002, p. 75)
Nesse caso, as condições de não aceitação da vacina são morais, visto que
a honra da família – e de suas mulheres – poderia ser “maculada”.
Gilberto Hochman (2011, p. 378) também aponta as práticas religio-
sas afrodescendentes como expressivas nesse contexto, as quais explicavam e
curavam doenças de acordo com seus princípios.
Diante disso, como afirma José Murilo de Carvalho, não podemos redu-
zir a Revolta da Vacina como um mero gesto irracional por desconhecimento
da ciência, visto que ela
foi um protesto popular gerado pelo acúmulo de insatisfações com o
governo. A reforma urbana, a destruição de casas, a expulsão da popu-
lação, as medidas sanitárias (que incluíam a proibição de mendigos
e cães nas ruas, a proibição de cuspir na rua e nos veículos) e, final-
mente, a obrigatoriedade da vacina levaram a população a levantar-se
para dizer um basta. O levante teve incentivadores nos políticos de
oposição e no Centro das Classes Operárias. Mas nenhum líder exer-
ceu qualquer controle sobre a ação popular. Ela teve espontaneidade e
dinâmica próprias. (CARVALHO, 2002, p. 74)
mais pobres que, em geral, foram deslocadas para a periferia dos grandes centros.
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Com base na citação, é possível dizer que aquela não era uma situação
apática e fazia parte de um processo de formação social e de compreensão
sobre o que o Estado tem dever e direito de executar.
Havia o desconhecimento sobre o modo de ação da ciência, da saúde e,
conforme Hochman (2011, p. 178), apenas quatro anos depois (em 1908)
houve um novo surto de varíola, no qual mil pessoas entre cem mil falece-
ram. Nesse ano, porém, não houve registros de recusa à vacinação. Ao longo
de duas décadas subsequentes o número diminuiu, confirmando a medida
implementada por Oswaldo Cruz (HOCHMAN, 2011, p. 178).
Apesar da eficiência da vacina posteriormente, esse movimento demons-
trou a instabilidade política no que se refere ao entendimento e à aceitação de
um governo republicano, aliado à ideia de que o povo não era apático para ter
suas vidas tão modificadas sem ao menos questionar a situação.
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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
A citação deixa evidente que, apesar das fotos e reportagens feitas com
os marinheiros participantes do movimento de 1910, eles logo foram trata-
dos de outra forma. O futuro deles foi baseado na morte, em exílio e uma
situação análoga à escravidão, o que muito justifica a urgência da Revolta da
Chibata, liderada por João Cândido.
A revolta demonstrou como negros só poderiam ocupar cargos conside-
rados inferiores ou subestimados, ao mesmo tempo que não eram tratados de
forma igual aos brancos que ocupavam esses mesmos lugares. Tal fato ainda
aponta que a República não estava tão preocupada com a questão de igual-
dade ou mesmo de proteção aos negros, tanto por sua ação antes da revolta
– de “descaso”, – quanto pela maneira como puniu diversos dos sujeitos que
participaram dela.
O líder João Cândido Felisberto acabou internado em uma ala psi-
quiátrica por alguns meses e, depois, foi preso por dois anos na Ilha das
Cobras (CARVALHO, 1995). Foi classificado pelos meios institucionais
como louco, visto que apenas alguém assim poderia querer apontar armas e
matar devido às condições de trabalho. É importante ressaltar que a ques-
tão racial ou de falta de igualdade não era considerada pela imprensa, ou
mesmo pelo Estado.
Posteriormente, o líder da revolta foi solto e exonerado da Marinha do
Brasil. O jornal Gazeta de Notícias, de 31 de dezembro de 1912, reportou esse
fato e reproduziu a sentença dada pelo juiz:
Considerando, finalmente, que não existe nos autos nenhuma
prova de que os réus tenham praticado qualquer ato que, autori-
zando a suspeita de participação na referida revolta, revista a figura
jurídica do art. 93 do Código Militar, e que as faltas que lhes são
imputadas constituem simples infrações disciplinares, cujo conheci-
mento escapa da competência do Conselho de Guerra, art. 219, do
Regimento citado, por unanimidade de votos julga não provada a
acusação para o fim de absolver, como absolve, os réus João Cândido,
Ernesto Roberto dos Santos, Deusdedit Teles de Andrade, Francisco
Dias Martins, Raul de Faria Neto, Alfredo Mala, João Agostinho,
Vitorino Nicácio de Oliveira, Antônio de Paula e Gregório do
Nascimento, ficando, porém, suspensa a execução desta sentença em
virtude da apelação necessária, interposta para o Supremo Tribunal
Militar, na forma da lei. (NASCIMENTO, 2008)
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República civilizatória e resistência
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Conclusão
Com base nas reflexões expostas, entendemos que enquanto as medidas
republicanas deveriam estar voltadas a um equilíbrio e uma saudável divisão
de poderes, monarquistas, civis e militares disputavam o poder entre si. O
Rio de Janeiro e outras capitais que foram urbanizadas nas primeiras décadas
do século XX viam mulheres, crianças e homens buscando seu espaço social/
político e resistindo à marginalização recorrente às suas classes.
O Brasil, nesse caso, estava definindo sua ideia de República, de como
ela funcionaria e traria a “civilização” aos trópicos. Entretanto, ao mesmo
tempo, grupos políticos de oposição e populares resistiram, fazendo com que
acontecimentos se tornassem símbolos dessa República oligárquica. Eles esta-
vam também, em conjunto, buscando uma cidadania plena e universal.
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República civilizatória e resistência
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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
Atividades
1. Quais são os argumentos que motivaram a Revolta da Armada?
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Reforma urbana e
questão social na
capital da República
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No caso brasileiro, isso fazia ainda mais sentido, visto que a República até
aquele momento não havia instituído leis regulamentando o trabalho operário.
Por conta de uma representação sociocultural, quando falamos em ope-
rário, pensamos na imagem de homens. No entanto, era comum o emprego
de crianças e de mulheres. Batalha aponta que, devido às características cultu-
rais, mulheres não estavam nas organizações nem participavam dos primeiros
movimentos; apenas em 1919 é que surgiram as primeiras uniões das cos-
tureiras (BATALHA, 2008). Tratavam-se, portanto, de grupos considerados
inferiores, por isso, receptores de um pagamento menor.
Segundo Schwarcz e Starling (2015), entre 1906 e 1908, ocorreram
diversas greves, que começaram após a criação da Confederação Operária
Brasileira (COB), em 1906. Porém, é de 1902 a primeira greve multipro-
fissional, em que chapeleiros, gráficos, pintores, entre outros trabalhadores
pediram redução de jornada de trabalho e o direito à organização operária
(SCHWARCZ; STARLING, 2015). Após, seguiram-se as primeiras greves
de estivadores e de ferroviários.
Nesse contexto, Gomes (2005) reitera a importância da atuação de
diversos jornais socialistas, como O operário, A tribuna, A gazeta operária e
A tribuna do povo2. Esses periódicos eram importantes devido aos debates e
apoios políticos, assim como sugestão de leis, até então municipais, que deve-
riam ser consideradas em âmbito federal a fim de que o trabalho de operários
fosse respeitado.
Nos anos seguintes, apesar da grande atuação desses primeiros operá-
rios anarquistas e/ou sindicalizados, as ideias socialistas ficaram desgastadas,
o que, para Gomes (2005), não diminuiu a importância desse período para
os movimentos que ocorreriam em 1917.
Gomes (2005) ressalta também a importância da atuação dos estivado-
res do porto do Rio de Janeiro entre 1903 e 1905, por meio da União dos
Foguistas e da Associação dos Marinheiros e Remadores, que tinham como
2 Angela de Castro Gomes fez uma importante pesquisa sobre a trajetória das primeiras or-
ganizações sindicais e socialistas até os anos de 1930. Para compreender melhor esse período,
sugerimos a leitura da obra A invenção do trabalhismo (GOMES, 2005).
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Reforma urbana e questão social na capital da República
Marins (1998) explica que o comércio dividia paredes com casas mais ou
menos luxuosas. As moradias populares obedeciam ao mínimo de leis neces-
sárias. Nesse período, havia poucas regras para instalação de novas residências
ou estabelecimentos comerciais.
A Figura 1, a seguir, traz a representação do que seria o Monte Castelo,
destruído totalmente em 1922, como parte do processo de urbanização do
início do século XX no Brasil. A Figura 2 mostra uma área de cortiços, em
que os varais, e provavelmente o esgoto, tomavam as ruas da cidade. Já a
Figura 3, traz outro debate, ainda do ano de 1893.
Figura 1 – MEIRELLES, Victor. Estudo para Panorama do Rio de Janeiro.
1885. Óleo sobre tela: color., 105 x 104 cm. Museu Nacional de Belas
Artes, Rio de Janeiro.
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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
Conclusão
São Paulo e Rio de janeiro concentraram, em parte, os altos rendimen-
tos a partir da metade do século XIX até o início do século XX. Embora boa
fração dessa riqueza tenha vindo do mercado do café, é preciso considerar
que havia também investimento estrangeiro. Ao mesmo tempo, com o café,
pôde-se investir em outras áreas que não a agrária.
Dessa forma, a indústria e a modernização brasileira não foram determi-
nadas apenas por um produto agrário, mesmo que indiretamente. Além disso,
se 46% de toda a indústria estavam nos dois estados centrais do período, sig-
nifica que 54% estavam espalhados pelo país. Esses outros estados também
encontraram na Constituição de 1891 um modo de exercer poder, mesmo
que de forma local ou estadual e, até mesmo, autoritária.
O Brasil que se configurou nesse período era o início de nossa República
e, ainda que o liberalismo oligárquico fosse a política instituída, as mudanças
sociais, no cotidiano, de resistências e lutas de classes fizeram com que um ideal
republicano mais igualitário passasse a ser desejado, muitas vezes utilizando o
instituto do habeas corpus presente na nova Constituição (ARIAS NETO, 2008).
Podemos dizer que o processo modernizador e de crescimento econômico,
mesmo não concentrado em ideais de igualdade e de democracia, demonstrou
que o ideal de República (ainda não existente) estava sendo buscado.
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Reforma urbana e questão social na capital da República
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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
Atividades
1. Com base nas ideias expostas sobre as decisões tomadas no âmbito
político e econômico, após a Proclamação da República, busque dife-
renciar a prática liberalista de antes da República e após 1890, assim
como em que aspectos a Constituição de 1891 não favorecia uma
política igualitária.
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Literatos, literatura
e vida intelectual na
Primeira República
1 Para uma leitura mais ampla sobre esse processo na Europa, com elementos que o diferen-
ciam da preocupação no Brasil referente à Belle Époque, sugerimos a leitura dos capítulos 9, 10
e 11 do livro de Hobsbawm (2009).
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Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República
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Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República
Para Rio (1944), uma discussão boa entre escritores era marcada pela
objetividade, assim como por publicar e conquistar leitores de acordo com
os temas que estavam em voga. A institucionalização dos escritores, embora
houvesse diversas academias, não era mais comum. Mas eles estavam conquis-
tando um novo espaço, o profissional, pois vendiam seus trabalhos.
Liberdade de escrita e novos ideais de modernidade passaram a ser pro-
pagados nesse período, com a colaboração desses autores. Esse processo ia
sendo acentuado à medida que as relações oligárquicas se desgastavam, entre
1915 e 1930. Resistências e mudanças sociais também faziam parte desses
acontecimentos, que não ocorriam apenas em grandes centros, como afirma
Sevcenko (2009, p. 256): “O pioneirismo de São Paulo talvez se devesse à
forte tensão social, sobretudo a partir da Guerra, conjugando as forças emer-
gentes da fronteira agrícola e da economia urbana, contra uma elite assen-
tada, porém declinante [...]”. Ou seja, São Paulo vivenciava mudanças sociais
e políticas mais profundas porque reunia diversos aspectos sociais, perspectiva
que não anulava outros centros.
Além disso, na medida em que se declinava o poder mais hegemônico
das oligarquias, os governos buscavam no moderno o envolvimento do povo
com a política e, evidentemente, com seus interesses:
[...] Washington Luís organizou, financiou e realizou uma tempo-
rada de concertos sinfônicos no Teatro Municipal, a preços populares,
com um programa variado, composto exclusivamente de composito-
res brasileiros e modernos. No Rio de Janeiro, no final daquele ano
(1921), foi organizada, no salão da Biblioteca Nacional, para um
público composto da elite da burguesia carioca, uma conferência
sobre “Arte Moderna”. (SEVCENKO, 2009, p. 256)
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Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República
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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
Monteiro Lobato acusava Anita Malfatti de ter uma atitude estética for-
çada, sob a influência de Picasso e outros. Nascimento (2015) tem o enten-
dimento de que uma corrente estava buscando seu espaço, com pensamentos
ou comportamentos de um novo período, motivo pelo qual se deu o debate
do trabalho de Anita Malfatti. No ano de 1917, essa artista teve pouco apoio,
e apenas Oswald de Andrade teria feito um artigo em sua defesa. Oswald de
Andrade, já amigo de Mário de Andrade, aproxima este de Anita Malfatti e,
nos cinco anos seguintes, os três passam a discutir sobre a estética brasileira e
suas relações com o contexto (NASCIMENTO, 2015, p. 381).
Schwarcz e Starling (2015) afirmam que foram várias as ideias sobre
modernidade nesse período, buscando-se uma nova imagem sobre o Brasil.
Nesse caso, a experiência paulista da semana de 11 a 18 de fevereiro de 1922,
no Theatro Municipal, foi a catalizadora do que estava acontecendo no país.
Homens e mulheres como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Anita
Malfatti, Tarsila do Amaral e Heitor Villa-Lobos levaram sua arte para a expo-
sição, a fim de trazer a ela movimentos europeus, porém com traços brasilei-
ros (SCHWARCZ; STARLING, 2015).
Embora o movimento não tenha alcançado repercussão imediata, ele
incentivou novas publicações nos anos seguintes. No ano de 1924, Oswald
de Andrade lançou o Manifesto da poesia pau-brasil, cujo objetivo era reforçar
a ideia de formar e discutir sobre poemas brasileiros:
O trabalho da geração futurista foi ciclópico. Acertar o relógio impé-
rio da literatura nacional. Realizada essa etapa, o problema é outro.
Ser regional e puro em sua época. O estado de inocência substituindo
o estado de graça que pode ser uma atitude do espírito. O contra-
peso da originalidade nativa para inutilizar a adesão acadêmica.
A reação contra todas as indigestões de sabedoria. O melhor de nossa
tradição lírica. O melhor de nossa demonstração moderna. Apenas
brasileiros de nossa época. O necessário de química, de mecânica,
de economia e de balística. Tudo digerido. Sem meeting cultural.
Práticos. Experimentais. Poetas. Sem reminiscências livrescas. Sem
comparações de apoio. Sem pesquisa etimológica. Sem ontologia.
Bárbaros, crédulos, pitorescos e meigos. Leitores de jornais. Pau-Brasil.
A floresta e a escola. O Museu Nacional. A cozinha, o minério e a
dança. A vegetação. Pau-Brasil. (ANDRADE, 2017, grifos nossos)
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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
Tal percepção de Mário de Andrade vinha das viagens feitas por ele pelo
interior do Brasil, a fim de conhecer o país. A citação deixa evidente o tom
“de grandiosidade” e de sua diversidade, que, para ele, deveriam ser moldura-
das, ou seja, pintadas, narradas ou retratadas. Tratava-se de um apelo ao que
era belo no Brasil, ressaltando-se belezas naturais muito além de qualquer
característica europeia, uma postura comum dos artistas do período imperial.
Do mesmo modo, nos anos subsequentes, Oswald de Andrade decla-
mou e publicou o Manifesto antropofágico ou antropófago. Parte do texto
afirma o seguinte:
A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – ilustrada pela
contradição permanente do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano
e o modus vivendi capitalista. Antropofagia. Absorção do inimigo
sacro. Para transformá-lo em totem. A humana aventura. A terrena
finalidade. Porém, só as puras elites conseguiram realizar a antropo-
fagia carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos
os males identificados por Freud, males catequistas. O que se dá não
é uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do ins-
tinto antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a ami-
zade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência. Desvia-se e trans-
fere-se. Chegamos ao aviltamento. A baixa antropofagia aglomerada
nos pecados de catecismo – a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato.
Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela
que estamos agindo. Antropófagos. Contra Anchieta cantando as
onze mil virgens do céu, na terra de Iracema, – o patriarca João
Ramalho fundador de São Paulo. A nossa independência ainda não
foi proclamada. Frape típica de D. João VI: – Meu filho, põe essa
coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos
a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações
e o rapé de Maria da Fonte. Contra a realidade social, vestida e opres-
sora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura,
sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama.
(ANDRADE, 2017, grifos nossos)
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Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República
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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
privilegiados (SALIBA, 1998). Esses novos bairros também passaram a ser a dire-
ção para a qual se dirigiam às elites, tornando, então, os mais antigos obsoletos.
Além das transformações relativas à infraestrutura, Sevcenko (2009)
afirma que os comportamentos também se modificaram em relação à música,
aos encontros em parques, bailes e cafés. O historiador traz a seguinte perspec-
tiva sobre os anos de 1910 a 1920 em São Paulo: “[...] A democratização do
acesso à música; a proliferação dos bailes e ambientes de dança pagos como
parte polpuda da emergente indústria do lazer e a proliferação dos ritmos frené-
ticos [...] o maxixe, o tango, o fox trotter [...]” (SEVCENKO, 2009, p. 89-90).
Com a indústria fonográfica e a do cinema norte-americano (especial-
mente pelos problemas decorrentes da Primeira Guerra Mundial), os encon-
tros e sociabilidades movidos à música em cafés dançantes, assim como
saraus e sessões de cinema marcadas, tornaram-se práticas mais comuns à
parte da população.
Nesse tempo, o centro estava transformado, com ruas bonitas “aos olhos”
dos muitos que o frequentavam, fosse para trabalhar, fosse para ter um encon-
tro, para ver uma exposição ou ler em bibliotecas e clubes de escritores/leitores.
Conclusão
Neste capítulo refletimos sobre as mudanças ocasionadas pela
Proclamação da República, isto é, sobre o que significa uma República ser
o tipo de governo escolhido do período. Mesmo com todos os problemas e
a resistência ocorridas nas primeiras décadas no Brasil com relação a instalar
um governo mais democrático ou que atendesse à população, foram perceptí-
veis transformações no cotidiano e na possibilidade de falar ou escrever sobre
outras demandas, que permitiram aos escritores – e a seus leitores – estabele-
cer reflexões culturais e políticas sobre o Brasil oligárquico.
É preciso considerar que a economia, quando deu liberdade para que
novos segmentos industriais se instalassem ou se propagassem, permitiu que
tradições e novos costumes fossem contestados. Imigrantes e migrantes pas-
saram a buscar lugares tanto no campo quanto nas cidades, alterando esses
espaços sociais.
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Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República
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Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República
Atividades
1. A Proclamação da República permitiu que novas ideias fossem deba-
tidas sobre diversos temas, inclusive a política. Escreva a respeito de
como essa “possibilidade” ocasionou novos “olhares” sobre o Brasil,
mesmo em um mundo oligárquico.
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8
Discursos eugênicos
no Brasil
Dessa forma, este capítulo tem por objetivo compreender mais a res-
peito da relação entre a teoria eugênica e suas consequências para o contexto
brasileiro. Para isso, precisamos considerar que foram buscadas justificativas
para as profundas diferenças étnicas e raciais. Trazemos, então, nesta parte da
obra, o debate de sociólogos e cientistas do período sobre o Brasil, pois, de
acordo com Shapin, é preciso “[...] expor a elaboração e a posse do conheci-
mento como processos sociais” (SHAPIN, 1999, p. 30).
Desse modo, em um primeiro momento, analisaremos a forma como
essas discussões e argumentações chegaram ao país. Para isso, é importante
entendermos o contexto do país naquele período, visto que as condições
sociais, políticas, culturais e econômicas, de algum modo, colaboraram
para que a eugenia fosse discutida. Para finalizar, apresentaremos algumas
relações da eugenia com a América Latina e com as políticas de imigração
para o Brasil.
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Discursos eugênicos no Brasil
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Discursos eugênicos no Brasil
No século XIX, a ideia de raça passou a fazer parte dos interesses das
ciências sociais e humanas, especialmente após a publicação dos estudos
de Charles Darwin, em 1859, sobre a teoria evolucionista. Esta, além de
frisar as diferenças entre as raças (racialismo), justificava algumas como
superiores (SILVA; SILVA, 2009). Por isso, para os eugenistas, cada raça
tinha um grau de importância na escala natural da evolução, sendo a mais
superior a raça branca.
A eugenia, como corrente, ganhou espaço no Brasil devido ao contexto
da época, em que o número de ex-escravos e de imigrantes chegando às capi-
tais era imenso. Como visto nos capítulos anteriores, não houve uma prepa-
ração sanitária ou de urbanização nas cidades que buscasse atender a maioria
da população, embora desde o fim do século XIX já existisse uma preocupa-
ção maior. Contudo, em geral, os centros das cidades e os bairros destinados
às classes mais superiores estiveram no centro dos projetos de saneamento.
Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que a pobreza imperava por meio de
cortiços, empregos informais e ausência de direitos, ocasionando problemas
urbanos e rurais de todos os tipos.
A Revolta da Vacina, ocorrida em 1905, também pode ser analisada
pelo viés do discurso eugênico que chegava ao Brasil nos anos de 1910.
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Discursos eugênicos no Brasil
Para além dos problemas ocasionados pela Revolta da Vacina, bem como
pelo desconhecimento da população sobre os interesses de Oswaldo Cruz e
de sua equipe, esse acontecimento demonstra como o Brasil estava come-
çando a se preocupar com preceitos higiênicos e de saúde. A reforma urbana
e de saneamento nas principais capitais e as influências de princípios diversos,
como o positivista (que apontava que o uso da ciência deve ser aprimorado
para haver progresso), podem ser apontados pela historiografia.
June Hahner, por exemplo, afirma que educadoras sanitaristas foram
contratadas pelo estado do Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século
XX para difundir nas escolas conhecimentos e regras de higiene, a fim de
combater doenças e a mortalidade infantil. Dessa forma, a família brasileira
poderia ter filhos saudáveis e, de acordo com os princípios do período, rege-
neraria a raça e a nação (HAHNER, 2003). Um dado que representa a preo-
cupação com a moral, a ideia de nação e de higiene a partir dos anos de 1920
e 1930 é o de que 1% de todo o recolhimento de impostos deveria ir para
o atendimento das crianças e de suas mães – porém apenas para aquelas que
tivessem o casamento reconhecido pelo Estado, segundo a Constituição de
1934 (HAHNER, 2003).
Essas estratégias e ações apenas ganharam espaço devido ao entendi-
mento de muitos cientistas, os quais afirmavam de que o Brasil se tratava de
um país não civilizado e com raças inferiores, com indígenas, negros, cabo-
clos e mestiços. Nesse sentido, algumas instituições e cientistas brasileiros
tentaram, sob a influência de correntes europeias, fazer propostas sobre um
“melhor” progresso ao Brasil (CARRARA, 2004), bem como sobre a absor-
ção das raças apontadas como inferiores.
Schwarcz traz a seguinte expressão de João Batista Lacerda, dire-
tor do Museu Nacional do Rio de Janeiro, durante o primeiro Congresso
Internacional das Raças, na cidade de Londres, em 1911: “O Brasil mestiço
de hoje tem no branqueamento em um século sua perspectiva, saída e solu-
ção” (LACERDA apud SCHWARCZ, 2009, p. 11). Tal premissa evidencia
o que estava em jogo: o Brasil só teria progresso no século XX se fosse reco-
nhecido como um país miscigenado, entretanto com predominância da cor
branca. Schwarcz aponta ainda que a tese de Lacerda trazia a seguinte pintura
como representação de sua ideia:
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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
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Discursos eugênicos no Brasil
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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
Assim, ainda que a Sociedade Eugênica de São Paulo tenha sido criada
em 1918, já no ano de 1914 uma primeira tese abordou o tema. O título
era justamente Eugenia, apresentada na Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro, cujo orientador foi Miguel Couto. Pouco antes, um artigo de Renato
Kehl – um dos principais responsáveis no Brasil e na América Latina pela
propagação dos ideais eugênicos – foi publicado. Kehl afirmava ser necessário
estudar os preceitos sobre hereditariedade com base na ciência de Francis
Galton, a fim de que o país evoluísse (SOUZA, 2012).
Souza aponta que a eugenia menos agressiva obteve mais espaço no
Brasil, em relação à forma como ocorreu nos Estados Unidos, pela ideia de
sanar, curar e incentivar a higiene dos mais variados grupos por meio de polí-
ticas sociais, a fim de que tivessem filhos sadios, em vez de proibir ou tornar
essas pessoas “inférteis” (SOUZA, 2006).
Ao mesmo tempo que havia intelectuais que apoiavam os preceitos
eugenistas no país, alguns os repudiavam, perspectiva que colaborou para o
enfraquecimento do movimento. Um deles, o sociólogo Sérgio Buarque de
Holanda, rebateu diretamente Oliveira Vianna, autor que defendia a ideia
de eugenia com a expressão capital eugênico. Esta se refere ao princípio de
que o desenvolvimento de uma raça é condicionado por sua biologia, o que,
segundo Oliveira Vianna, atingia diretamente os brancos, cujo “capital” era
maior. Nesse caso, o Brasil só seria um país moderno se estimulasse a imigra-
ção de mais representantes arianos (PAIVA, 1978).
Sérgio Buarque de Holanda afirma que a influência dos negros e indí-
genas se deu de diferentes formas, inclusive domésticas, as quais não foram
passivas. Além disso, a miscigenação não poderia ser vista como um problema
para os portugueses (e seus descendentes), visto que eles também eram resul-
tado de relações com árabes e judeus, não somente no aspecto racial, mas
cultural e étnico (HOLANDA, 1995).
O problema maior do debate entre aqueles que tinham como influência
a eugenia e os que não a defendiam é o mito de democracia racial. Se a teoria
evolutiva racial não ganhou toda a elite ou intelectuais do período, ela ganhou
uma substituta, a de que as três raças haviam se miscigenado (como repre-
sentado no livro Casa-grande e senzala, de Gilberto Freyre), assimilando-se
mutuamente e vivendo em uma “quase” harmonia social (OLIVEIRA, 2015).
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Discursos eugênicos no Brasil
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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
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Discursos eugênicos no Brasil
que o Brasil organizava a sua própria política – que também caminhava para
uma perspectiva nacionalista.
Schwarcz (2009) frisa a ideia de “degeneração da raça”, do teórico Conde
de Gobineau, porém com uma apropriação diferente. Para Schwarcz, a teoria
darwinista, em seu caráter evolucional, influenciou muito a eugenia, que, no
caso brasileiro, enfrentou limites em razão do caráter mestiço comum à his-
tória do país. Assim, não havia como condenar uma das principais premissas
da eugenia, a mestiçagem. Ao mesmo tempo, o Brasil estava fadado a não ter
progresso, visto que não era mais possível ser composto de uma raça “pura”.
Nesse caso, o que ocorreu foi a substituição da eugenia pela ideia de
“degeneração”, cuja intenção era explicar o porquê do atraso e da falta de
progresso no país, de acordo com Gobineau e outros intelectuais relaciona-
dos. Com base nessas observações, bem como em outras correntes, como a
de Hipólito Taine, Schwarcz aponta que o conceito de raça passou a ser sinô-
nimo também de nação (SCHWARCZ, 2009).
No caso brasileiro, Souza aponta que, entre os anos de 1910 e 1920,
intelectuais passaram a empregar os termos raça amarela, raça branca, entre
outros, para falar sobre a população do país. Renato Kehl, responsável por
vários ideais eugenistas, apoiava a miscigenação racial, por acreditar que o
Brasil estava vivendo um processo de branqueamento e, portanto, de melho-
rias genéticas. Entretanto, Souza afirma que, após décadas, Kehl passou a
duvidar de que isso estivesse de fato ocorrendo, ou seja, o farmacêutico pas-
sou a acreditar que tantas raças e imigrantes chegando estava apenas ocasio-
nando o que chamava de degeneração (SOUZA, 2006b).
Um dos argumentos para essa ideia era a crítica ao casamento inter-ra-
cial, entre brancos e negros:
Entendemos que a mestiçagem é dissolvente, desmoralizadora e degra-
dante, prejudicando, portanto, o espírito superior visado pela procria-
ção eugênica. É indiscutível o antagonismo e mesmo a repulsa sexual
existente entre os indivíduos de raças diversas. Só motivos acidentais
ou aberrações mórbidas fazem unir-se um homem branco com uma
negra ou vice-versa. E o produto deste conúbio nasce estigmatizado não
só pela sociedade, como, sobretudo, pela natureza; está hoje provado,
não obstante o grito de alguns cientistas suspeitos, que o mestiço é um
produto não consolidado, fraco, um elemento perturbador da evolução
nacional. (KEHL apud SOUZA, 2006b, p. 181, grifos nossos)
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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
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Discursos eugênicos no Brasil
Conclusão
A eugenia foi uma prática científica e de intenso debate entre os anos de
1910 e 1940 no Brasil. Seu eixo eurocêntrico era comum, além da tendência
a ideias e correntes que acompanhavam os preceitos europeus desde os séculos
do Período Moderno. As principais consequências das ideias eugenistas ao
Brasil é que as diferenças étnicas e raciais, presentes desde quando o país era
colônia, apenas se acentuaram. Isso se devia ao fato de elas não terem sido vis-
tas como culturais e resultado de um modus operandi colonial. Nesse mesmo
contexto, importantes instituições de estudo e pesquisa surgiram ou cresce-
ram como o Museu Paulista (São Paulo), o Museu Emilio Goeldi (Belém) e
as Faculdades de Medicina (em Salvador e no Rio de Janeiro). Todas essas ins-
tituições tiveram seus próprios pesquisadores, cujas ideias colaboraram para a
formação do pensamento brasileiro da época.
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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
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Discursos eugênicos no Brasil
Dicas de estudo
Para um debate mais aprofundado sobre a relação entre o mito da demo-
cracia racial, a historiografia brasileira e as teorias sociais e raciais do século
XX, sugerimos as leituras a seguir:
FREYRE, G. Casa-grande e senzala. Campinas: Global, 2012.
Essa obra tem por objetivo debater as origens da composição e miscigenação
brasileira, cujo foco de análise é a casa senhorial no Brasil Colônia. A “casa-
-grande” é vista como um símbolo de uma monocultura econômica açuca-
reira que, por sua vez, não dinamizou as relações sociais.
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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
Atividades
1. Diferencie a eugenia mais agressiva (EUA) da mais suave (Brasil) e
explique como se deu sua apropriação no Brasil.
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1920 e as efervescências
sociais e políticas
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1920 e as efervescências sociais e políticas
“Um novo ano anuncia o fim dos três flagelos que atingiram a cidade, subme-
tendo-a a aflições terríveis em 1918, os chamados (cinco) “Gês”: a Gripe (espa-
nhola), a Geada e os Gafanhotos [...] a Guerra (Primeira Guerra Mundial)
e as Greves (as grandes greves de 1917-1918)” (SEVCENKO, 2009, p. 24).
A continuidade das greves não se tratava de um grande problema, afinal
elas eram um meio que operários encontraram para defender seus direitos.
Além disso, o fim da Primeira Guerra Mundial trouxe novos ânimos e percep-
ções sobre o tempo não somente na Europa, mas também no Brasil. Sevcenko
afirma que o novo ano (1919) foi saudado com clima de paz, com fogos nos
bairros Brás, Belenzinho e Mooca. O autor evidência esse clima, citando um
trecho de uma crônica do jornal O Estado de S. Paulo:
Por que essa diferença? Não me parece falsa a observação, que ocorreu
a minha gente, atribuindo-a à necessidade de um atordoamento que
tivesse a virtude de fazer esquecer um pouco o mal-estar e as apreensões
que anuviam o espírito público num momento delicado como o atual,
em que o sopro revolucionário sacode toda a superfície da terra e a ques-
tão social constitui o problema de maior importância, para a qual todos
os homens de governo e todos os estadistas dignos deste nome voltam o
melhor de seus cuidados, de sua atenção e de seus estudos. O carnaval
deste ano foi, mais do que nunca, um derivativo necessário para este
povo enigmático, que assiste impassível à consumação de todas as usur-
pações. (O ESTADO DE S. PAULO apud SEVCENKO, 2009, p. 25)
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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
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1920 e as efervescências sociais e políticas
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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
tante da cultura brasileira, já não era mais aceita. Nesse novo tempo, são o
português da venda, o literário do café, a mulata sensual, o malandro e o Jeca
Tatu de Monteiro Lobato os personagens que fazem parte dos almanaques,
revistas e caricaturas. A modernidade do Brasil veio com outros comporta-
mentos, mais branca, europeizada, formando outra nacionalidade.
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1920 e as efervescências sociais e políticas
1 Para muitos pesquisadores, trata-se de um partido complexo, pela sua trajetória política. Para
saber mais, sugerimos a leitura de Santana (2001).
2 Para uma análise mais criteriosa da cultura anarquista no Brasil, é indispensável o estudo de
Hardman (2003).
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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
No trecho, são evidentes os bons ânimos para um novo tempo que pare-
cia se formar no horizonte da luta operária. A ideia de não precisar ape-
nas se aliar, mas de criar suas próprias leis, é perceptível em “criando uma
nova frente de combate”. Não menos importante é a observação de que a
luta “de classes” era algo secular, ou seja, uma percepção – ainda que própria
do Partido Comunista, entre tantos outros que existiam ou existiram desde
1890 – de que era preciso união entre iguais. Batalha reitera a importância de
todos os partidos e as atuações municipais, porém frisa o Partido Comunista,
que foi o primeiro a alcançar mesmo que sua área de maior atuação ainda
fosse a capital federal (BATALHA, 2008).
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1920 e as efervescências sociais e políticas
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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
Muito antes de o feminismo ser visto como uma onda, diversas ações de
mulheres deram notoriedade às suas questões, o que motivou um movimento
muito maior, tanto em outros continentes quanto na América. Ainda, no fim
do século XVIII, na França, um dos marcos do feminismo foi a Declaração dos
Direitos da Mulher e da Cidadã, de Olympe de Gouges, em 1791 – uma reação
à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a qual não incluía as mulhe-
res. Para Gouges, elas tinham o direito de votar e de serem votadas, represen-
tando, desse modo, uma chance para conquistarem seus ideais. De acordo com
Scott (2002), a própria exclusão das mulheres na declaração de 1789 estimulou
a luta por direitos iguais. Gouges foi punida com a guilhotina, porém isso não
diminuiu a sua importância e muito menos fez com que outras desistissem.
Após esse fato e com o crescimento da burguesia e das atividades indus-
triais que exigiam o trabalho feminino, mais mulheres encontraram brechas
para, aos poucos, deixarem de ser apenas responsáveis pela casa e pelos filhos.
Ressaltamos que, na atualidade, muitas mulheres ainda acumulam trabalhos
dentro e fora do lar, assim como as mulheres que encontraram no capitalismo
uma oportunidade para sair de casa não eram as únicas, visto que há muito
tempo já existiam empregadas domésticas, agricultoras, vendedoras de rua ou
mesmo servas e escravas.
O feminismo chegou ao Brasil em meados do século XIX, por meio
de traduções de textos como os de Mary Wollstonecraft, feitos por Nísia
Floresta em sua estada na Europa no início do século XIX. Mas o femi-
nismo da primeira onda, representado no Brasil por Bertha Lutz e Maria
Lacerda de Moura, destacou-se no começo do século XX, cujas principais
discussões diziam respeito à questão sufragista, aos direitos trabalhistas e ao
acesso ao ensino.
Já a segunda onda feminista é posterior ao fim da Segunda Guerra
Mundial, representado especialmente por Simone de Beauvoir e por Betty
Friedan, que enfatizaram questões relativas ao corpo, ao prazer, ao divórcio,
aos métodos contraceptivos, à contrariedade ao patriarcado e à violência con-
tra as mulheres – ideias que foram mais fortes no Brasil a partir dos anos de
1970. É desse tempo o incentivo das feministas ao uso do termo mulher – em
contraposição ao termo homem, considerado universal –, para firmar uma
identidade de grupo, a fim de ganhar mais notoriedade e força nos meios
sociais, culturais e políticos (PEDRO, 2005).
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porque não era a demanda de seu tempo, entendemos que os anos de 1920
inauguraram lugares e desejos até então poucos aceitos no Brasil.
Conclusão
Os anos de 1920 permitiram novos olhares sobre a sociedade brasileira. Se
mulheres e operários estavam mais organizados, mesmo com relutâncias e limi-
tes impostos, juntos conquistaram, nos anos de 1930, direitos até então desco-
nhecidos. E essas vitórias não estavam dissociadas do movimento operário ou
da formação partidária socialista/anarquista dos anos de 1890, nem do próprio
movimento modernista. A República Velha, nem tão velha assim, já demonstrava
grandes sinais de desgaste, e as reivindicações e transformações mencionadas até
aqui colaboraram para estremecer a estrutura oligárquica comum ao Brasil.
Atividades
1. Nicolau Sevcenko afirma que houve incentivo à formação de clubes/
associações e ao esporte em São Paulo no início do século XX, espe-
cialmente com a intenção de dar ideias de “pertencimento” em um
período de intensa imigração. Explique o argumento do historiador.
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“Revolução” de 1930:
história e historiografia
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“Revolução” de 1930: história e historiografia
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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
Nos primeiros anos da década de 1920, o Brasil foi marcado por trans-
formações de ordem política e econômica. A expansão da cultura do café e da
atividade industrial fez surgir uma burguesia industrial (em São Paulo), além
de alterações na classe operária e em outros grupos sociais. A instabilidade
política e seus conflitos, ocasionados pelos interesses políticos das oligarquias
em se manter no poder, e a Crise de 1929 foram elementos preponderantes
para a ascensão de Getúlio Vargas ao poder. Berutti, Farias e Marques expli-
cam o contexto da crise:
A década de [19]20 foi marcada por um clima de euforia, espe-
cialmente nos Estados Unidos. A produção total norte-americana
aumentou em mais de 50%, e a prosperidade podia ser medida
pelo enorme movimento das bolsas de valores. A busca do ren-
dimento a curto prazo e em grandes proporções provocou uma
onda de especulação em larga escala, em torno das sociedades por
ações. Milhões de norte-americanos foram atraídos para o mercado
de capitais, que era movido pelo clima e confiança e pelo mito
da eternidade do American way of life. Com a economia europeia
desorganizada e com esse clima de prosperidade, o capitalismo nor-
te-americano rumou em direção à superprodução [...]. (BERUTTI;
FARIA; MARQUES, 2003, p. 155)
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“Revolução” de 1930: história e historiografia
10.2 Tenentismo
Schwarcz e Starling afirmam que, no ano de 1920, os oficiais de baixa
patente (segundos-tenentes ou primeiros-tenentes) formavam cerca de 65,1%
do Exército e mais 21,3% eram capitães (SCHWARCZ; STARLING, 2015).
Em geral, esses tenentes, embora fossem do Exército, também faziam parte de
diversos grupos sociais, sendo rígidos na política, mas liberais na economia.
O espaço de atuação desses tenentes não era amplo, mas, após alguns
movimentos, ganharam notoriedade. Segundo Lanna Júnior, o tenentismo
teve uma
fase heroica, de 1922 a 1927, como movimento de conspiração,
pegou em armas para lutar contra as oligarquias dominantes. Nesse
período, surgiu como única alternativa aos anseios das classes médias
populares. As mudanças tinham de ser feitas pelas armas, o que teria
transformado os militares rebeldes em vanguarda política da luta
contra o domínio oligárquico [...] era elitista; propunha a moraliza-
ção política contra as oligarquias cafeeiras [...] pregava a mudança a
partir de cima, sem a participação das classes populares. (LANNA
JÚNIOR, 2008, p. 316)
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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
Mesmo que o fim desses militares não tenha sido como heróis, a
memória deles, assim como a punição de alguns, serviu para inspirar os
movimentos futuros, como os ocorridos no Mato Grosso (12/07/1924),
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“Revolução” de 1930: história e historiografia
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“Revolução” de 1930: história e historiografia
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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
Conclusão
O movimento tenentista foi um dos principais responsáveis pelo des-
gaste do sistema político oligárquico ao fim dos anos de 1920. Isso porque,
além de os militares demonstrarem resistência, também se fortaleceram com
a oposição política dos representantes da aliança “café com leite”.
Além disso, é preciso considerar todas as resistências encontradas nas
décadas anteriores, isto é, as Revoltas da Chibata, do Contestado, da Armada
e de Canudos, o movimento operário com suas greves, o movimento femi-
nista, entre outros. Todos esses, cada um ao seu tempo e com suas reivindica-
ções, tinham algo em comum: desejavam outra organização para a República
que se iniciava, fosse na direção do Executivo, fosse na simples declaração de
igualdade social e de políticas públicas que corroborassem com uma maior
participação popular.
O movimento modernista, os representantes da eugenia e aqueles que
almejavam mais higiene e sanitarismo nas ruas, ainda que para poucos, faziam
parte desse desejo por um Brasil republicano e moderno.
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“Revolução” de 1930: história e historiografia
Atividades
1. Qual a relação entre a reação republicana do Rio de Janeiro e o fim
da República Velha?
3. Por que, para Boris Fausto, houve uma revolução em 1930, mesmo
com o poder centralizado em poucas mãos no período posterior?
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Gabarito
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Gabarito
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Gabarito
No Brasil, o processo foi bastante diverso, visto que o país havia sido
colônia por muito tempo (três séculos) e, quando se tornou inde-
pendente, com a continuidade da família real portuguesa no poder,
não desenvolveu ou conheceu outra prática política ou perspecti-
vas sociais diversas daquelas já conhecidas antes da independência.
Portanto, apesar de algumas instituições de representatividade e de
constituição terem sido criadas, a expectativa não poderia ser igual
à francesa, não apenas pelas diferenças contextuais, mas pela própria
“base política” anterior.
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Gabarito
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Referências
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Referências
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Referências
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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
– 228 –
Referências
– 229 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
– 230 –
Referências
– 231 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
– 232 –
Referências
– 233 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930
– 234 –
Lorena Zomer
No Brasil, a Proclamação da República, em 15 de novembro
HISTÓRIA DO BRASIL:
de 1889, não alterou de imediato e de modo significativo a vida DA CONSTRUÇÃO DA NAÇÃO
HISTÓRIA DO BRASIL:
DA CONSTRUÇÃO DA NAÇÃO
ATÉ O GOLPE DE 1930
da população, mas foi resultado de muitas ações políticas e sociais.
Nessa mesma época, os impérios se estabeleciam na Europa, prática
política que também atingiu decisões tomadas na América Latina,
ATÉ O GOLPE DE 1930
inclusive no Brasil. É nesse contexto de alterações mundiais que se inicia a Lorena Zomer
abordagem deste livro, que pretende esclarecer aspectos históricos da
formação do Brasil-Nação, desde a construção do Estado Nacional
Republicano até a ascensão da chamada “República do Café com
Leite”, na década de 1930, culminando com a “revolução” que levou
Getúlio Vargas ao poder. Essa longa e importante trajetória do
país é o foco de análise desta obra.
Educação
9 788538 763703