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Lorena Zomer

No Brasil, a Proclamação da República, em 15 de novembro


HISTÓRIA DO BRASIL:
de 1889, não alterou de imediato e de modo significativo a vida DA CONSTRUÇÃO DA NAÇÃO

HISTÓRIA DO BRASIL:
DA CONSTRUÇÃO DA NAÇÃO
ATÉ O GOLPE DE 1930
da população, mas foi resultado de muitas ações políticas e sociais.
Nessa mesma época, os impérios se estabeleciam na Europa, prática
política que também atingiu decisões tomadas na América Latina,
ATÉ O GOLPE DE 1930
inclusive no Brasil. É nesse contexto de alterações mundiais que se inicia a Lorena Zomer
abordagem deste livro, que pretende esclarecer aspectos históricos da
formação do Brasil-Nação, desde a construção do Estado Nacional
Republicano até a ascensão da chamada “República do Café com
Leite”, na década de 1930, culminando com a “revolução” que levou
Getúlio Vargas ao poder. Essa longa e importante trajetória do
país é o foco de análise desta obra.

Educação

Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6370-3

9 788538 763703
Hist ria do Brasil:
da constru o da na o
até o golpe de 1930
Lorena Zomer

IESDE BRASIL S/A


Curitiba
2018
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Z77h Zomer, Lorena


História do Brasil: da construção da nação até o golpe de 1930 /
Lorena Zomer. - 1. ed. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2018.
234 p. : il. ; 21 cm.
ISBN 978-85-387-6370-3

1. Brasil - História. I. Título.


17-46664 CDD: 981
CDU: 94(81)

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Sumário

Carta ao aluno | 5

1. A crise no Império e a emergência do discurso republicano | 7

2. Republicanismo no Brasil Imperial | 31

3. Movimentos urbanos e sociais | 55

4. O Sertão e o interior do Brasil | 77

5. República civilizatória e a resistência | 97

6. Reforma urbana e questão social na


capital da República | 117

7. Literatos, literatura e vida intelectual


na Primeira República | 137

8. Discursos eugênicos no Brasil | 155

9. 1920 e as efervescências sociais e políticas | 173

10. “Revolução” de 1930: história e historiografia |189

Gabarito | 205

Referências | 221
Carta ao aluno

No Brasil, a República – proclamada em 15 de novembro


de 1889 – não alterou de imediato e de modo significativo a vida
da população, mas foi resultado de muitas ações políticas e sociais.
Nessa mesma época, os impérios se estabeleciam na Europa, prática
política que também atingiu decisões tomadas na América Latina,
inclusive no Brasil.
É nesse contexto de alterações mundiais que se inicia a abor-
dagem desta obra, que pretende esclarecer aspectos históricos da
formação do Brasil-Nação, desde a construção do Estado Nacional
Republicano até a ascensão da chamada República do Café com
Leite, na década de 1930, culminando com a “revolução” que levou
Getúlio Vargas ao poder.
Essa longa trajetória do país é esclarecida nesta obra, sub-
dividida em dez capítulos.
História do Brasil: da construção da nação até o golpe de 1930.

O Capítulo 1 aborda a crise no Império e a emergência do discurso repu-


blicano no território brasileiro, com as contradições evidentes entre o litoral e
o interior e compreendendo os debates político-sociais trazidos pelo processo
abolicionista. No Capítulo 2, reflete-se sobre os debates políticos surgidos
com o fim do regime monárquico e a ascensão do Partido Republicano, até o
estabelecimento da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil,
em 1891.
O Capítulo 3 aborda os movimentos sociais e urbanos no Brasil da
época, principalmente as primeiras manifestações socialistas e anarquistas.
O Capítulo 4 caracteriza o sertanismo e a segregação social, apresentando
os importantes movimentos do Cangaço, de Canudos e do Contestado.
No Capítulo 5, o foco são as contestações e resistências do período de 1900-
1917, em especial a Revolta Armada, a Revolta da Vacina e o Movimento
Grevista de 1917.
Por sua vez, o Capítulo 6 analisa as novas organizações do cotidiano, a
formação das elites, o coronelismo e as dimensões culturais e sociais desse novo
contexto, inclusive com a insurgência da Revolta da Chibata. No Capítulo 7,
é feita uma reflexão sobre a efervescência cultural e a renovação dos grandes
centros, indo da Belle Époque ao modernismo, incluindo a Semana de Arte
Moderna de 1922. O Capítulo 8 trata da eugenia no Brasil, da imigração e
das teorias raciais da década de 1920.
No Capítulo 9, são abordados a identidade nacional, o movimento ope-
rário e a onda feminista do país. Por fim, o Capítulo 10 apresenta as ques-
tões políticas da República do Café com Leite, o tenentismo e a entrada de
Getúlio Vargas no poder.
Boa leitura!

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1
A crise no Império
e a emergência do
discurso republicano

No Brasil, a República – proclamada em 15 de novembro de


1889 – não alterou de imediato e de modo significativo a vida social
e política da população, mas foi resultado de muitas ações políticas
e sociais.
Nessa mesma época, os impérios se estabeleciam na Europa,
criando uma prática política que chegaria a influenciar decisões
tomadas na América Latina e, inclusive, no Brasil. O imperialismo
na Europa refere-se a
um período histórico específico, que abrange de 1875 a
1914, quando a Europa Ocidental passou a exercer intensa
influência sobre o restante do mundo. O conceito designa
também o conjunto de práticas e teorias que um centro
metropolitano elabora para controlar um território dis-
tante [...]. Foi o momento do surgimento do Capitalismo
monopolista, em que a livre concorrência entre diferentes
empresas gerou concentração da produção nas mãos das
mais bem-sucedidas, levando à formação de monopólio.
Rapidamente, os bancos passaram a dominar o mercado
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

financeiro, exportando capital, influenciando as decisões de seus


Estados e impelindo-os para a busca de novos mercados. Nascido,
assim, da formação dos monopólios, o imperialismo promoveu dis-
putas por fontes de matérias-primas entre trustes e cartéis que, já
tendo dominado o mercado interno em seus países de origem, preci-
savam se expandir para além de suas fronteiras, defrontando-se com
cartéis e trustes de países concorrentes. (SILVA; SILVA, 2009, p. 218)

Neste capítulo, nosso intuito é tratar dos acontecimentos importantes


que colaboraram com o fim do Império brasileiro1 e resultaram no surgi-
mento do Brasil republicano.
Com base nessa consideração, traçamos primeiramente ideias sobre
questões políticas, como a imigração e as consequências da Guerra da Tríplice
Aliança (Guerra do Paraguai). Posteriormente, nas duas últimas seções, obje-
tivamos pensar a respeito do processo de abolição e a situação social/política
daqueles que deveriam ser inseridos na sociedade de modo igualitário – pre-
missa não muito respeitada –, assim como sobre o desenvolvimento do sis-
tema de transporte ferroviário.
Importa ressaltar que, no início do século XIX, o Brasil ainda era uma colônia
portuguesa, situação que se transformou após a Proclamação da Independência,
no ano de 1822. Depois disso, o Brasil vivenciou conflitos importantes, como a
Revolução Farroupilha (1835-1845), a Sabinada (1837-1838), a Balaiada (1839-
-1841) e a Revolução Praieira (1848-1850), que questionavam a organização
política e social do país, incluindo o Poder Moderador (presente na Constituição
de 1824).
A Revolução Farroupilha e a Sabinada foram conflitos elitistas e da classe
média. No caso do primeiro, por exemplo, a elite gaúcha questionava o valor
dos impostos pagos sobre o charque. Contudo, ambos os conflitos defendiam
uma “descentralização” do poder.
A Revolução Praieira e a Balaiada, por sua vez, foram movimentos con-
tra as elites locais em Pernambuco e no Maranhão, respectivamente, símbolos
da opressão e da miséria vividas pelo povo.

1 Nome dado ao período pós-independência, em que o Brasil era uma monarquia e não se
relacionava com a perspectiva “imperialista” europeia.

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A crise no Império e a emergência do discurso republicano

Com tudo isso, a partir de 1860, Dom Pedro II viu seus prestígios e pri-
vilégios serem cada vez mais questionados, tanto pelas discussões relacionadas
ao tráfico negreiro quanto pela escravidão mantida no país, temas que vinham
sendo debatidos desde 1830. Além disso, oposições políticas à monarquia
colaboraram para a formação das campanhas republicanas, apoiadas também
pelo desgaste ocasionado pela Guerra do Paraguai.
As características do Brasil, em meados do século XIX, já eram diversas
daquelas do início do mesmo século. Do mesmo modo, ocorriam mudan-
ças globais, permitindo ao Brasil buscar outras posturas políticas para que
pudesse fazer parte das transformações sociais vividas em outros países. É
sobre essas mudanças e algumas das discussões do período que falaremos nas
próximas seções.

1.1 O Brasil de meados do século XIX


As transformações e as revoluções mais profundas no mundo social, polí-
tico, econômico e cultural não ocorrem em um período, mas gradualmente e
vêm cercadas de vários acontecimentos. São mudanças paulatinas, processadas
ao longo dos anos, que ocasionam as “grandes” transformações. O Brasil do
fim do século XIX foi resultado de muitas reivindicações e de novos compor-
tamentos e sentimentos, que foram maturando ao longo desse mesmo século.
Nesse sentido, o historiador Eric Hobsbawm, assim caracteriza o período
compreendido entre 1880 e 1914: “Era muito provável que uma economia
mundial cujo ritmo era determinado por seu núcleo capitalista desenvolvido ou
em desenvolvimento se transformasse num mundo onde os ‘avançados’ domina-
riam os ‘atrasados’; em suma, num mundo de império” (HOBSBAWM, 2010,
p. 98). O que o historiador destaca é a alteração do panorama sociopolítico de
muitos países. Fosse o Brasil um país “avançado” ou “atrasado”, com base no
entendimento de Hobsbawm, ele também teria sido atingido. Apesar de ter rece-
bido diversas influências exteriores, as principais perspectivas foram fomentadas
por acontecimentos do âmbito interno do Brasil.
Dom Pedro II, após o período regencial, preparou várias estratégias
para organizar e dar tranquilidade ao seu próprio reinado. Segundo Lilia M.
Schwarcz e Heloisa M. Starling:

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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Na falta de uma classe burguesa, capaz ela própria de regular as relações


sociais por meio de mecanismos do mercado, coube ao Estado a con-
solidação do comando nacional e do protecionismo econômico. [...]
As elites brancas entenderiam a corte como um clube, onde con-
viviam sócios sortudos; independentemente das facções políticas.
Com efeito, luzias e saquaremas, como eram chamados conser-
vadores e liberais, partilhavam a mesma origem social; formação
educacional em Coimbra; carreira voltada para a medicina e em
especial para o direito; titulação, e relações pessoais. Divididos por
ideias que privilegiavam ora a centralização do Estado ora a sua
descentralização, fechavam, porém, em uníssono quando o negócio
implicava manter a escravidão e a estrutura vigente. (SCHWARCZ;
STARLING, 2015, p. 280)

Para a manutenção da política régia do Estado brasileiro, uma das estra-


tégias utilizadas para manter a ordem social vigente foi dar/consolidar privi-
légios sociais à classe produtora. Como já mencionado, Dom Pedro II teve
de se posicionar diante de algumas rebeliões e conflitos importantes, proces-
sos questionadores da estrutura política do Brasil naquele momento. Para
isso, ele precisou centralizar em suas mãos a ordem, cuja estratégia foi dele-
gar a administração e as políticas regionais a homens que o apoiavam, a fim
de evitar que tais revoltas se repetissem e continuassem a questionar o seu
próprio governo. Somado a isso, outra medida foi manter a escravidão, tanto
pela mão de obra oferecida pelos escravizados quanto pela rentabilidade do
tráfico, visto que as fazendas de café utilizavam essa força de trabalho, assim
como boa parte do restante do país.
Segundo a historiadora Beatriz Mamigonian, os questionamentos
acerca da escravidão vinham já desde o início do século XIX. De acordo com
ela, o primeiro acordo para diminuir a escravidão foi firmado em 1810, entre
Inglaterra e Portugal. Em 1815, após o Congresso de Viena, a Inglaterra
conseguiu o compromisso de intensificar a campanha, porém tal medida
somente foi efetivada em 1822, em territórios acima da linha do Equador. A
rede de acordos sempre partia da Inglaterra.
Em 1827, foi firmada a total proibição do tráfico de escravizados, que
deveria ser colocada em prática até 1830, o que gerou um grande debate
político. Em 1831, o primeiro e o segundo artigos da Lei Feijó diziam que
todos os escravizados encontrados em barcos brasileiros deveriam ser soltos

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A crise no Império e a emergência do discurso republicano

e que os responsáveis seriam presos e multados. Entretanto, o regente Diogo


Feijó, em 1834, defendeu a revogação dessa lei por considerá-la inexequível,
ou seja, contraditória e injusta para a população (MAMIGONIAN, 2017,
p. 90-130).
Leis, políticas e especialmente a educação seriam os únicos meios para
mudar aquele contexto. Se a realidade social era difícil para os escravos, para
a elite era promissora. Nesse período, a educação era para privilegiados e,
em geral, conduzida por tutores pessoais. Posteriormente, esses alunos eram
enviados a Portugal para estudar, de onde retornavam ao Brasil bacharéis e em
busca de emprego público, de modo a fazer com que os cargos administrati-
vos e políticos continuassem, na maioria das vezes, com a elite.
No entanto, na primeira metade do século XIX, foi criada a escola pri-
mária. Segundo Circe Bittencourt, “desde o início da organização do sis-
tema escolar, a proposta de ensino de História voltava-se para uma forma-
ção moral e cívica, condição acentuada no decorrer dos séculos XIX e XX”
(BITTENCOURT, 2009, p. 61).
Após as revoltas da primeira metade do século XIX, foram buscadas
reformas escolares e a centralização educacional, a fim de se formar cidadãos
de acordo com o esperado pelos grupos mais fortes do período: o de Dom
Pedro II e o do Partido Conservador.
Do mesmo modo, o setor político público retomou o Conselho de
Estado, que era o Poder Legislativo e espécie de “cérebro da monarquia”.
Agora chamado de Novo Conselho, que havia sido extinto em 1834, permane-
ceu vigente até 1889, mantendo cargos vitalícios cujos lugares eram ocupados
por escolhidos de Dom Pedro II (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 281).
A influência do grupo mais conservador na educação, na política e nos
cargos públicos permite-nos entender a dificuldade em estabelecer mudanças
sociais mais profundas. Mamigonian ressalta que a polêmica sobre o fim da
escravidão ou do tráfico de escravizados se acentuou na década de 1840. Os
argumentos contrários a essa prática tinham por objetivo criar uma ideia de
que tal decisão traria prejuízos ao Brasil, além de lançar dúvidas sobre o que
fazer com os libertos (MAMIGONIAN, 2017, p. 209-280). É preciso con-
siderar que a formação do Brasil, seja enquanto colônia ou já como império,
justificava a escravidão como uma instituição e a protegia legalmente.

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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Levando em consideração que o Poder Moderador permitia a D. Pedro


II – junto àqueles que mantinham cargos administrativos e políticos indica-
dos pelo rei – decidir sobre várias demandas políticas, inclusive intervindo em
conflitos regionais, entendemos que seu poder era amplo. No entanto, ainda
restava ao imperador e a seu grupo político conseguir ou construir uma ideia
de nação para o país. Para Dolhnikoff, o resultado disso era o interesse em
uma unidade que tinha como base a “autonomia” tanto do governo central
quanto do governo regional (DOLHNIKOFF, 2003, p. 433). Essa perspec-
tiva pode ser compreendida em diversas ações do grupo político de Dom
Pedro II, que desejava ter o Brasil reconhecido como um local de cultura
tropical, e não de escravidão.
Para tanto, era preciso criar imagens simbólicas, heróis nacionais, sele-
cionar imagens e paisagens idealizadas como naturais. Sobre isso, as histo-
riadoras Schwarcz e Starling (2015) apontam que o Romantismo foi uma
das escolhas:
Procurar por homogeneidades num Estado de proporções continentais
e caracterizado por uma população tão heterogênea era tarefa com-
plicada. A saída foi “esquecer” a escravidão e idealizar os indígenas,
os quais, dizimados sistematicamente nas florestas, reapareciam em
romances e pinturas oficiais ou semioficiais. A representação do país
como indígena (e masculino) juntava as concepções de um Brasil ame-
ricano, mas também monárquico e português. Ou seja: uma mistura
da cultura da velha metrópole com a identificação com a América, que
nos faz independentes. (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 283-4)

A imagem do Brasil trazia ideias sobre uma “ex-colônia” tropical, com


aspectos de sua metrópole, porém modificada. Isso também possibilitou novas
formações culturais ao recente país, mesmo que “branqueando” o indígena.
Além disso, Dom Pedro II também se tornou protetor do Instituto
Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB) em 1838, bem como conviveu nesse
espaço com o historiador Francisco Adolfo Varnhagen e os escritores Joaquim
Manuel de Macedo e Gonçalves Dias2. O instituto e homens como Varnhagen
inauguraram a escrita da história brasileira, com o objetivo principal de criar
uma ideia de nação para o país. A premissa era de que as histórias narradas
pelo IHGB deveriam ter como fonte documentos e memórias oficiais.

2 Para um maior aprofundamento do tema, sugerimos a leitura de Julio Bentivoglio (2015).

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A crise no Império e a emergência do discurso republicano

Um dos pontos ressaltados por Julio Bentivoglio é justamente o prêmio


recebido por Carl F. von Martius, por um artigo em que
defendia a escrita de uma história para o país que seria uma síntese
do encontro das três raças que a compunham: brancos, negros e
índios; superando um tipo de história que vinha sendo combatida
na Alemanha, porque cronológica, filosófica e universalista; [...].
Essa nova história [...] visava o particular, a compreensão dos nexos
entre os eventos, o encontro com o espírito do povo e da nação.
(BENTIVOGLIO, 2015, p. 293)

Cabe ressaltar que as relações entre Dom Pedro II e os historiadores do


período determinavam as ideias do que seria narrado sobre a memória nacio-
nal, de acordo com os interesses do imperador e das classes mais privilegiadas
(SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 285-6). Segundo as historiadoras, um
dos ápices da relação do Romantismo como movimento estético, cultural e
político e das estratégias e relações de Dom Pedro II, foi a escrita de Iracema
e O Guarani, ambos de José de Alencar.
Figura 1 – MEDEIROS, José Maria de. Iracema. 1884. Óleo sobre tela:
168,3 cm × 255 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.

Fonte: Wikimedia Commons.

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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

A pintura datada de 1884, de José Maria de Medeiros, retrata Iracema,


a indígena idealizada pelos padrões do Romantismo brasileiro. A imagem
sugere um lugar bucólico, pois traz cores ao fundo, em perspectiva, revelando
um pôr do sol. Além disso, demonstra a riqueza da flora, que leva à ideia de
um “paraíso tropical”. Do mesmo modo, a seminudez da indígena mostra
que o mundo não era assim tão “selvagem”.
A prática de relacionar os indígenas à ideia de selvagem faz parte da
própria catequização direcionada a eles. Quando catequizados, geraram uma
miscigenação própria no Brasil tropical, substituindo o imaginário de uma
colonização repleta de diferenças sociais (baseada na escravidão e na opressão
indígena) por uma nação americana próspera.
De acordo com Schwarcz e Starling, após 1848, alguns acontecimentos
já mostravam que nem tudo era homogêneo e a favor de Dom Pedro II.
Naquele período, embora a proporção fosse de 110 políticos conservadores
na Câmara para apenas um liberal, algumas questões começaram a ser deba-
tidas e foram motivo de desgaste para a imagem do imperador: o problema
da estrutura agrária, a questão escravagista e o incentivo ao início da imi-
gração (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 274). Tais questões já vinham
ganhando corpo desde o início da Guerra do Paraguai (1864-1870).
O trabalho escravo era um dos temas mais espinhosos, visto que, desde a
Lei Feijó (de 7 de novembro de 1831), o debate sobre esse assunto já havia sido
levantado e, aos poucos, ganhava mais defensores para o fim do tráfico, mesmo
que isso se desse de maneira lenta e gradual (MAMIGONIAN, 2017).
É importante considerar que os debates não tratavam apenas do traba-
lho escravo como fonte de mão de obra ou do prestígio social em ostentar a
posse de escravizados, mas dos valores financeiros muito vantajosos desse tipo
de atividade.
Essa discussão interna se acirrou na década de 1850, tanto pela pres-
são de alguns grupos brasileiros quanto pela pressão estrangeira que buscava
encarecer o valor dos produtos agrários no Brasil, visto que os de suas colônias
também estavam mais caros devido à proibição do tráfico ou ao fim da escra-
vidão. Somado a isso, a Inglaterra também desejava matéria-prima da África,
bem como desenvolver um comércio com o continente, mas, para isso, pre-
cisava diminuir o tráfico de africanos escravizados (BETHELL, 2002, p. 14).

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A crise no Império e a emergência do discurso republicano

Com a intenção de extinguir o tráfico, algumas iniciativas começaram a


ser realizadas ainda na década de 1850, a fim de trazer mão de obra imigrante.
Uma delas, a Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850 (a Lei de Terras) desenca-
deou mudanças, visto que um de seus objetivos era normatizar o controle das
terras, para que se pudesse passar a falsa ideia de que os imigrantes poderiam
adquiri-las, quando, de fato, ela acabava impedindo o acesso à posse da terra
tanto por parte dos imigrantes quanto dos escravizados, uma vez que as terras
só poderiam ser vendidas, e não doadas. Tal perspectiva tornava o Brasil bas-
tante atraente para esses estrangeiros que buscavam uma vida melhor, fugindo
de crises e dificuldades em seus países de origem. Sobre esse processo, além de
limitar o número de terras que poderia ser comprada,
a Lei de Terras instituiu no Brasil a terra como mercadoria e permitiu
a vinda de imigrantes para promover a grande e a pequena lavoura
[...]. E, ao impedir que desde o início esses camponeses pudessem
se tornar proprietários, reafirmava o que deles se esperava: colonos
morigerados e laboriosos como força de trabalho para as proprieda-
des agrícolas do Estado ou Particulares. Portanto, a Lei de Terras, ao
dificultar o acesso à propriedade ao conjunto da população campe-
sina, ao mesmo tempo colocava este coletivo aos ditames do capital.
(SANTOS, 2001, p. 36)

Além de reforçar a posse das terras pelas elites, por meio dessa lei os
imigrantes tinham seus lugares demarcados, assim como os negros. Embora
a Lei de Terras não tivesse muitos recursos para controlar a demarcação, foi
uma estratégia para manter a ordem social no Brasil, mesmo com a proibição
do tráfico.
Diante do descontentamento de conservadores escravocratas, a Guarda
Nacional foi reforçada, para que se cumprisse a lei.
Nesse período, foram construídas as primeiras estradas de ferro e algu-
mas escolas, foram estruturados o serviço de iluminação pública e o sistema
de telégrafos e foi criado o Código Comercial, a fim de estimular o comércio
interno. Entretanto, se considerarmos todos os problemas políticos e sociais
para que o país se desenvolvesse de fato, seria necessária uma transforma-
ção profunda. Só isso faria com que o Brasil fosse respeitado e visto como
um país “em desenvolvimento”. E tal transformação era necessária porque os
interesses dos grupos dominantes do período visavam ao desenvolvimento
econômico e político, porém não ao social.

– 15 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Toda a verba investida na estrutura considerada “modernizante” era pro-


veniente do que vinha do tráfico de escravos (SCHWARCZ; STARLING,
2015, p. 274-275). Mesmo com tantas mudanças e com a alta do café na
década de 1860, a imigração só seria acentuada após a abolição e com o
incentivo da “política de branqueamento”.
O que percebemos das medidas mencionadas é que, enquanto algumas
delas trouxeram as transformações econômicas esperadas, geraram também
novas críticas acerca da condução política de Dom Pedro II. Um desses ele-
mentos foi a Guerra da Tríplice Aliança, ou, como é mais conhecida, a Guerra
do Paraguai, entre os anos de 1864 e 1870, considerada o maior conflito
armado da América do Sul.
Durante a guerra, presenciou-se a permissão, por parte dos López, de
outras vertentes políticas para a reorganização política e social do Paraguai.
Entretanto, esses capítulos contidos na Constituição paraguaia de 1844 e
de 1856 nunca foram efetivamente postos em prática e, vale dizer, aque-
les que deveriam fomentar olhares diferentes, ou mesmo serem oposito-
res à política dos López, eram os próprios representantes e/ou indivíduos
pertencentes às famílias relacionadas aos já dirigentes do país (SOUZA,
2006a, p. 128-129). A organização política do Paraguai diferia da brasi-
leira, pelo fato de o Brasil apresentar um governo imperial e “centraliza-
dor”, enquanto o Paraguai tinha uma perspectiva mais “nacionalista” e de
desenvolvimento econômico.
Além disso, o período político dos López contou com um crescimento
econômico, com incentivo da indústria local, subsidiada pela venda da erva-
-mate, de fumo e de madeiras. Essa situação destacou o Paraguai dos demais
países, oferecendo a possibilidade (mas não necessariamente a efetivação) de
ser um país socialmente melhor (SOUZA, 2006a, p. 126).
Também houve o direcionamento de verbas públicas à educação pri-
mária e até mesmo o envio de alunos a outros países por meio de fomento
público e arrendamento de terras (antes pertencentes aos representantes da
Coroa espanhola ou da Argentina) (SOUZA, 2006a, p. 305-306). Esses fato-
res favoreceram o crescimento econômico do país e a independência em rela-
ção à Inglaterra, embora ele ainda se mantivesse em quase total isolamento
em relação aos países vizinhos.

– 16 –
A crise no Império e a emergência do discurso republicano

Essas características exemplificam como a realidade econômica, social


e política do Paraguai era diversa daquela do Brasil. Ao mesmo tempo, não
havia um motivo contundente para que o nosso país tivesse receio do vizinho,
mesmo que ele ameaçasse dominar o Rio Paraná, com o objetivo de chegar à
Bacia do Rio da Prata.
Foi com base nessas possíveis ameaças que ocorreu a Guerra do Paraguai,
na qual foram vitoriosos o Brasil e os demais países (Argentina e Uruguai),
apoiados pela Inglaterra, a qual tinha como objetivo reduzir a autonomia
paraguaia, um dos únicos países a não depender de seus investimentos e
empréstimos. Enquanto isso, o Brasil contraía mais empréstimos para poder
se armar durante esse período bélico.
Cabe observarmos que, mesmo com uma postura arrogante de Solano
López em querer dominar o Rio da Prata e o Brasil não aceitando a intro-
missão ou o crescimento paraguaio, o único país beneficiado pela guerra foi
a Inglaterra.
Tal acontecimento causou um desgaste político ainda maior para Dom
Pedro II, além de dificuldade econômica para toda a nação. A principal con-
sequência política foi o fortalecimento do Exército, uma das instituições que
mais questionou as ações do imperador. Entre as exigências militares estavam
a autonomia política e a manutenção da hierarquia após a guerra3.
Isso fortaleceu também as discussões sobre o fim da escravidão, já que
muitos soldados eram escravos e foram à guerra diante da promessa de ganha-
rem a liberdade. Ao retornarem, não apenas queriam a liberdade, mas tam-
bém o avanço do movimento abolicionista.
Além disso, muitos cargos mais altos da hierarquia militar já manti-
nham discussões sobre ideais republicanos, que questionavam diretamente
o Poder Moderador de Dom Pedro II e a estrutura política legitimada por
ele e seu grupo.
Como dito anteriormente, a Guerra do Paraguai causou endividamentos
do governo brasileiro, visto que “o Tesouro Real indicou um gasto de 614 mil
3 O site da Biblioteca Nacional oferece diversas fontes para análise da Guerra do Paraguai.
Entre elas, trazemos o seguinte “dossiê”, disponível em: <http://bndigital.bn.gov.br/dossies/
guerra-do-paraguai>. Acesso em: 19 fev. 2018.

– 17 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

contos de réis. Para se ter uma ideia da magnitude desses gastos, basta com-
parar com o orçamento do império disponível para 1864, que era de 57 mil
contos de réis” (DORATIOTO, 2002, p. 462). Por outro lado, no contexto
da guerra, o Paraguai perdeu sua autonomia política e territorial.
O historiador José Murilo de Carvalho traz uma ideia do significado da
Guerra do Paraguai para o contexto brasileiro e a situação política posterior:
De repente havia um estrangeiro inimigo que, por oposição, gerava
o sentimento de identidade brasileira. São abundantes as indica-
ções do surgimento dessa nova identidade, mesmo que ainda em
esboço. Podem-se mencionar a apresentação de milhares de volun-
tários no início da guerra, a valorização do hino e da bandeira, as
canções e poesias populares. Caso marcante foi o de Jovita Feitosa,
mulher que se vestiu de homem para ir à guerra a fim de vingar as
mulheres brasileiras injuriadas pelos paraguaios. Foi exaltada como
a Joana d’Arc nacional. Lutaram no Paraguai cerca de 135 mil
brasileiros, muitos deles negros, inclusive libertos. (CARVALHO,
2002, p. 38)

A citação constata de que forma um processo histórico tão polêmico e


complexo como a Guerra da Tríplice Aliança pôde trazer outras perspectivas
para o Brasil, entre elas, a ideia do Brasil como um país de povo unido para
a luta. Isso traria mais que a exigência da liberdade para os escravizados
que haviam lutado, e a busca do reconhecimento do exército na hierarquia
política. A Guerra do Paraguai suscitou sentimentos de participação cívica
e de cidadania.
Carvalho (2002) aponta que a escravidão estava tão enraizada em nos-
sas características sociais e políticas que apenas após a Guerra do Paraguai a
questão voltou a ser debatida. Além do desejo de liberdade suscitado durante
o período de 1864 a 1870, o Brasil foi alvo de críticas por manter e ter em
combate escravos, um constrangimento diante de seus aliados e inimigos.
No que se refere à segurança nacional, por que o Brasil manteria um
exército permanente com escravos? Então, foi nesse período (1871) que a Lei
n. 2.040, de 28 de setembro de 1871 (Lei do Ventre Livre) foi sancionada
por Dom Pedro II, abrindo oficialmente precedentes para a abolição total da
escravatura. Pensar em nuances desse contexto, tanto em seus aspectos sociais
quanto políticos, é o objetivo da próxima seção.

– 18 –
A crise no Império e a emergência do discurso republicano

1.2 Resistência de escravos e luta abolicionista


havia mistura social, mas também não faltava hierarquia e respeito
por ela. Nessa sociedade de perfil aristocrático (ou que se queria
aristocrática), todos podiam conviver lado a lado, e apesar disso
nunca deixariam de saber, cada qual, o seu lugar. A hierarquia
era dada por uma série de marcas sociais e raciais – roupas, locais
de residência, círculos de amizades, viagens, festas – claramente
discriminadas a despeito da convivência num mesmo espaço.
(SCHWARCZ, 2017, p. 23)

Esse é o panorama social do bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro,


onde vivia Afonso Henriques de Lima Barreto, escritor e neto de duas escra-
vas. O ano aproximado descrito pela historiadora é o de 1881, mesmo do
nascimento do escritor. Embora Lima Barreto fosse filho de uma professora
e de um tipógrafo, sua vida ainda seria marcada pelas consequências de um
período quase não vivido por ele (tinha 7 anos quando ocorreu a abolição).
Por que um país que logo teria o fim da escravidão e seria uma República,
sinônimo de igualdade e de cidadania, viveria um futuro com diferenças
sociais bem demarcadas e baseadas em raça, etnia e classe? Para Schwarcz
(2017), a questão ia muito além da econômica ou mesmo se ligava apenas às
regiões mais produtoras. Para ela,
De tão naturalizada, a escravidão não era privilégio de grandes
proprietários. Os monarcas, mas também pequenos roceiros,
negociantes, taberneiros, profissionais liberais, padres, comercian-
tes, e por vezes até escravos possuíam cativos. A escravidão entrou
em cheio nas casas privadas e nos negócios públicos do Estado
[...]. O escravismo era, sobretudo, um bom negócio. Mas era mais
do que isso; ele moldou condutas, definiu desigualdades sociais,
fez de raça e de cor dois marcadores de diferença fundamentais,
ordenou etiquetas de mando e obediência, e criou uma sociedade
condicionada pelo paternalismo e por uma hierarquia estrita.
(SCHWARCZ, 2017, p. 29)

A historiadora traz a ideia de naturalização e de normalização da escra-


vidão para centenas de gerações do Brasil colonial. Entretanto, embora seja
um argumento bastante aceitável, ainda não é suficiente para justificar a per-
manência desses princípios racistas tanto no tempo de Lima Barreto quanto
nos séculos XX e XXI.

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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Nesse caso, outro aspecto a se pensar tem como base ideias da historia-
dora Beatriz Mamigonian. Para ela, mesmo com as tentativas de proibir o
tráfico logo após a independência, com a promulgação da Lei de 7 de novem-
bro 1831 (a Lei Feijó), o Brasil não debatia o fim da escravidão pensando em
igualdade e cidadania para os escravizados. As pautas de discussão acabavam
sendo apenas sobre o peso econômico da decisão e reiterando o que esse tra-
balho e seu tráfico sustentavam no Brasil.
Ou seja, a maioria da população brasileira do século XIX de maneira
alguma pensava que oferecer ao escravizado a liberdade era uma necessi-
dade de justiça. O que pressionava nesse sentido eram apenas os interesses
ingleses, que exigiam o fim do tráfico negreiro para o Brasil visando a
benefícios próprios. Em paralelo, outros países da América davam liber-
dade aos escravos.
Então, esse modelo escravagista não combinava com uma nação moderna,
muito menos se o Brasil caminhasse para o republicanismo (MAMIGONIAN,
2017, p. 9-29).
Dessa forma, apenas pelas independências de países da América Latina e
da pressão exterior é que o governo desse período passou a obedecer ou discu-
tir algumas das leis anteriores à Áurea. Isso não significa que o surgimento dos
discursos republicanos, ou mesmo os desdobramentos da Guerra do Paraguai
e da própria campanha abolicionista, não foram ouvidos; pelo contrário, foi
pelos meandros que a política brasileira não conseguiu contornar que esses
acontecimentos laterais encontraram força e espaço para se instituir como
políticas universais.
A questão abolicionista certamente foi uma das mais polêmicas e caras
para o período posterior a 1850. Tendo em vista a sua proibição em breve, o
tráfico cresceu muito nas décadas que antecederam 1850. A liberdade, que
deveria ser dada àqueles que foram traficados ilegalmente, muitas vezes teve
de ser defendida por juristas e advogados (MAMIGONIAN, 2017, p. 430-
433). Isso demonstra que ferir a lei não era algo grave, visto que moralmente
uma maioria não se importava com a vida dos escravizados.
Além disso, podemos pontuar outras características sobre a alforria desse
período – quando ela ocorria. Schwarcz (2017), ao falar sobre a vida de Lima
Barreto, menciona a avó dele da seguinte forma:

– 20 –
A crise no Império e a emergência do discurso republicano

A avó de Lima, Geraldina Leocádia, fora alforriada quando a família


se mudou para o Rio [de Janeiro]. Os Pereira de Carvalho pare-
cem ter se adiantado ao movimento que seria mais geral apenas na
década de 1880, concedendo alforria condicional, mas preservando
os libertos por perto. [...] Os motivos para receber a tão desejada
carta de liberdade eram vários, porém não poucas vezes razões sim-
ples, pautadas em desígnios do coração, falavam mais alto. [...]
Geraldina e os filhos permaneceriam próximos de seus ex-proprie-
tários. Havia muita ambivalência, de lado a lado, nessas trocas de
favores; elas auxiliavam na inserção social futura dos “ingênuos”,
mas igualmente mantinham laços de servidão e novas formas de
dependência. (SCHWARCZ, 2017, p. 37)

A passagem referente à família de Lima Barreto demonstra que,


quando a lei era aplicada, alguns acabavam cedendo à alforria. Ou seja,
por pressões políticas ou sociais, os proprietários resolviam manter-se perto
de seus ex-escravos. Esse gesto era baseado em um processo hierárquico,
racista e classista, no qual práticas clientelistas eram estendidas a negros
com a promessa de uma inserção social, já que, após a alforria, não eram
mais propriedade, e isso significava também que não era mais obrigação de
seus donos defendê-los.
Além disso, o trabalho de Geraldina era o de doméstica, muito comum
para mulheres negras no mundo pós-escravidão. Esse foi um trabalho consi-
derado inferior e subestimado por muitas casas ao longo de um século4.
O caso da mãe de Lima Barreto também se relacionava com essa prática
de dependência. Ao adquirir o “nome social” Pereira Carvalho, ela pôde estu-
dar e se tornar professora (SCHWARCZ, 2017, p. 37).
Nesse sentido, podemos entender que, por lei ou por vontade própria,
negros e negras receberam suas alforrias, mas, em geral, não tiveram seus
futuros planejados, muito menos uma inserção social que visava à igualdade.
Um argumento para isso é o próprio estímulo à vinda de imigrantes euro-
peus, a fim de substituir o trabalho escravo negro, mesmo que em geral fosse
muito mais caro e menos rentável em relação ao primeiro.

4 Para mais informações, ver o trabalho de Joaze Bernardino Costa (2015), que trata do traba-
lho doméstico e das mudanças que ocorreram apenas no século XXI, com o reconhecimento
por lei do trabalho doméstico no Brasil.

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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

O Brasil foi o último país ocidental a abolir a escravidão – cerca de um


ano após o feito em Cuba. O historiador José Murilo de Carvalho mostra que
a discussão só veio à tona em 1884 no Senado. Segundo ele:
O Brasil era o último país de tradição cristã e ocidental a libertar os
escravos. E o fez quando o número de escravos era pouco significa-
tivo. Na época da independência, os escravos representavam 30%
da população. Em 1873, havia 1,5 milhão de escravos, 15% dos
brasileiros. Às vésperas da abolição, em 1887, os escravos não passa-
vam de 723 mil, apenas 5% da população do país. (CARVALHO,
2002, p. 47)

Ou seja, dentro de processos de alforria – baseados em leis, como a dos


Sexagenários e do Ventre Livre, ou mesmo por meio de fugas para quilombos
– a quantidade de escravos já estava reduzida. Desse modo, é preciso que nos
perguntemos: se o número de escravizados já era tão menor, por que houve
(e ainda há) um problema tão sério em relação ao racismo e à desigualdade
social, se considerada a categoria de raça?
José Murilo de Carvalho pondera sobre tal questionamento. Para ele,
próximo à guerra civil dos Estados Unidos, havia ao menos 4 milhões de
escravos, ou seja, um grande obstáculo para a construção de uma ideia de
igualdade. À época, esse país era dividido entre Norte e Sul, e a escravidão só
era permitida na parte austral. Tal perspectiva se difere do Brasil, visto que em
nosso país, embora a escravidão fosse distribuída de maneira desigual, “havia
escravos no país inteiro, em todas as províncias, no campo e nas cidades”
(CARVALHO, 2002, p. 48).
Nesse caso, um diferencial entre a escravidão brasileira e a estaduni-
dense, especialmente se considerarmos os problemas sociais vividos após a
abolição, é o fato de existirem grandes e pequenos proprietários de escravos.
Esses escravizados poderiam ser usados para trabalho árduo nas lavouras,
mas também ser de ganho. Outro aspecto é o fato de os libertos também
terem a possibilidade de comprar ou incentivar a escravidão de alguém
da sua cor. Nesse caso, Carvalho aponta que até mesmo escravos tinham
escravos, assim como existiam 78% de libertos na Bahia (CARVALHO,
2002, p. 48).

– 22 –
A crise no Império e a emergência do discurso republicano

Um dos aspectos que mais pesam sobre essa discussão e que podemos
pontuar sobre essa questão social – uma consequência de séculos de escravi-
dão e da falta de igualdade e de cidadania – é que, mesmo aqueles que luta-
vam pela própria liberdade, quando a alcançavam, acabavam legitimando a
escravidão. Para o autor,
embora repudiassem sua escravidão, uma vez libertos admitiam escra-
vizar os outros. Que os senhores achassem normal ou necessária a
escravidão, pode entender-se. Que libertos o fizessem, é matéria para
reflexão. Tudo indica que os valores da liberdade individual, base dos
direitos civis, tão caros à modernidade europeia e aos fundadores da
América do Norte, não tinham grande peso no Brasil. (CARVALHO,
2002, p. 49)

Portanto, longe de normatizar ou justificar o racismo presente no Brasil


pela própria culpabilidade de ex-escravizados, o que queremos, ao trazer tal
citação, é demonstrar o quanto essa questão social é complexa, ainda mais ao
ser refletida e discutida ainda nos séculos XIX e XX.
Se estudarmos a vida e a obra do escritor Lima Barreto, é possível perce-
ber que os escravizados que antes cuidavam de fazendas e faziam outros tra-
balhos semelhantes passaram, na sua maioria, a ocupar lugares marginais em
cortiços e assumiram empregos apontados como subalternos, não somente
nos anos seguintes, mas durante o século XX também.
Podemos destacar que a modernização no Brasil (empreendida na
segunda metade do século XX) não foi acompanhada de preceitos sociais ou
de igualdade para negros. Ela era desejosa de imigrantes brancos, a fim de
deixar a “República Tropical” mais branca. Sobre isso, o historiador Carvalho
aponta a seguinte ideia:
O argumento da liberdade individual como direito inalienável era
usado com pouca ênfase, não tinha a força que lhe era característica
na tradição anglo-saxônica. Não o favorecia a interpretação católica
da Bíblia, nem a preocupação da elite com o Estado nacional. Vemos
aí a presença de uma tradição cultural distinta, que poderíamos cha-
mar de ibérica, alheia ao iluminismo libertário, à ênfase nos direitos
naturais, à liberdade individual. Essa tradição insistia nos aspectos
comunitários da vida religiosa e política, insistia na supremacia do
todo sobre as partes, da cooperação sobre a competição e o conflito,
da hierarquia sobre a igualdade. (CARVALHO, 2002, p. 51)

– 23 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Nesse caso, fica claro que as ideias de liberdade e de igualdade não


tinham o mesmo peso para todos. A tradição e os costumes mantiveram-se
junto ao fraco debate político, após 1888. Afinal, políticos que acreditavam
que o país deveria indenizar os donos de escravos após a abolição não discu-
tiriam como dar aos ex-escravos uma cidadania plena (SCHWARCZ, 2017,
p. 60-63).

1.3 As ferrovias e o interior do Brasil


A cultura do café, que se desenvolveu a partir de 1830, proporcionou
muitas riquezas ao Brasil, o que permitiu o acúmulo de capital que, futu-
ramente, foi responsável por parte do investimento industrial do eixo São
Paulo-Rio de Janeiro (CARVALHO, 1981, p. 56).
A primeira estrada de ferro foi construída pelos ingleses ainda em 1854,
no Rio de Janeiro, por iniciativa do Barão de Mauá (com investimento pró-
prio de 10%), embora a lei que a tenha permitido ainda fosse de 1835, a Lei
Feijó (PINTO, 1977, p. 22).
A ordem de construção dessa estrada foi de Dom Pedro II, cujo obje-
tivo central era interligar o Rio de Janeiro a São Paulo e Minas Gerais. O
pagamento do empréstimo foi feito apenas na década de 1870, porém, antes
disso, as relações do Brasil com a Inglaterra se estreitaram, após a resolução
da questão Christie.
A empresa que se instalou a partir de 1860 foi a The São Paulo Railway
Company, que construiu ferrovia de Santos até Jundiaí. Além do desenvol-
vimento maior ainda dessa região, logo migrantes do Brasil começaram a se
aproximar de onde se projetavam as novas ferrovias, aumentando o povoa-
mento do interior e estimulando o desenvolvimento da Politécnica do Rio
de Janeiro, visto que em geral a mão de obra engenheira era inglesa (TELES,
1994, p. 471). Após 1870, foram logo construídas as ferrovias paulista
(1872), a mogiana (1875) e a sorocabana (1875). O mapa a seguir permite-
-nos entender a interiorização e o desenvolvimento causados pelo aumento
das ferrovias:

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A crise no Império e a emergência do discurso republicano

Mapa 1 – Ferrovias do Brasil em 1876.

Fonte: Imperial Instituto Artístico/Wikimedia Commons.

– 25 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Entendemos que o interior do Rio de Janeiro e especialmente o de São


Paulo foram os maiores beneficiados pela chegada das ferrovias ao Brasil,
devido à presença das fazendas de café. Entretanto, é importante salientar
que o interior do Brasil continuou ainda pouco conhecido.
No que se refere à economia do período, além do próprio café, outros
segmentos começaram a despertar o interesse daqueles que estavam relacio-
nados ao café e às ferrovias, como o abastecimento de água, o saneamento,
os portos, as máquinas a vapor, a navegação, a eletricidade, a telegrafia e a
telefonia. É perceptível que ainda no império de Dom Pedro II uma rede
de transportes e de comunicação dava sinais de crescimento. O progresso
parecia chegar à nação tropical, ao passo que nela ainda persistiam tantos
problemas sociais e políticos, especialmente se considerarmos que as polí-
ticas públicas eram direcionadas para manter os segmentos econômicos de
uma minoria.
Dessa forma, é possível perceber que os investimentos eram realizados
de acordo com os interesses de uma classe privilegiada. Contudo, é impor-
tante considerar que esse acúmulo de capital financiou parte do crescimento
industrial de 1920 a 1940.

Conclusão
O objetivo deste capítulo foi trazer alguns debates vividos no século
XIX que criaram as condições para que o poder monárquico, a escravidão
e a ordem social vigente fossem questionados e para compreender como
algumas práticas políticas e econômicas, como a imigração e a construção
das ferrovias, mudaram o cenário brasileiro do interior (a começar por
São Paulo). Esses processos também estão diretamente ligados ao modo
como se deu a Proclamação da República no país, por meio da tomada do
poder pelos militares, instituindo uma política republicana e sem grandes
transformações – o que trouxe consequências para as primeiras décadas do
século XX.

– 26 –
A crise no Império e a emergência do discurso republicano

Ampliando seus conhecimentos


O trecho a seguir, de autoria de Márcia Janete Espig, faz referência
ao período em que a estrada de ferro entre o Estado de São Paulo e o
Estado do Rio Grande do Sul foi construída, ou seja, a partir de meados
do século XIX. Para isso, tanto o trabalho de imigrantes europeus quanto
o de migrantes brasileiros foi contratado. As mudanças ocasionadas pela
construção das estradas de ferro desencadearam transformações sociais e
políticas nas regiões envolvidas e no país, conforme podem ser percebidas
no decorrer do texto.

A construção da Linha Sul da Estrada de


Ferro São Paulo-Rio Grande (1908-1910):
mão de obra e migrações

(ESPIG, 2012, p. 852-862)

Foi em seus momentos finais que o Império brasileiro aprovou


um projeto há muito acalentado pelo poder público, assinan-
do-se o decreto que autorizava a construção de um caminho
de ferro que faria a ligação da província de São Paulo ao sul
do Brasil. Em 9 de novembro de 1889, através do Decreto
n. 10.432, o engenheiro João Teixeira Soares recebeu do
Governo Imperial autorização para “construcção, uso e goso”
da ferrovia que passou a ser denominada Estrada de Ferro
São Paulo-Rio Grande (EFSPRG). No dia 14 de novembro,
Teixeira Soares assinou o contrato com o Governo Federal, e
apenas seis dias após a assinatura do decreto e um dia após a
assinatura do contrato, caía a Monarquia e com ela o compro-
misso entre as partes.
[...]

– 27 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

A questão da imigração recebeu destaque no Decreto


Imperial. As Cláusulas 39 a 46 organizavam a colonização nas
terras servidas por suas linhas férreas. A Companhia deveria
estabelecer em terras a serem demarcadas até dez mil famílias
de agricultores nacionais e estrangeiros, no prazo máximo de
quinze anos. Cada família teria direito a um lote de terras de
dez hectares e uma casa construída. Enquanto tivessem seu
sustento provido pela Estrada de Ferro, os colonos trabalha-
riam 15 dias por mês em seus lotes e os demais dias para a
Companhia, mediante um salário acordado entre as partes.
[...] O governo estabelecia também que 15% das famílias
poderiam ser nacionais; as outras seriam compostas de imi-
grantes europeus ou das possessões portuguesas e espanholas
que chegassem ao país por conta própria ou por conta do
governo. Neste sentido, colocava a Cláusula XLIV, o único
compromisso do Governo seria o de encaminhar os imigran-
tes para as localidades, onde seriam recebidos pelos agentes
dos contratantes.
[...] Permaneceu, portanto, um dos problemas que se torna-
riam centrais na construção da EFSPRG: a carência de mão
de obra considerada adequada para a dura tarefa de abertura
de caminhos para a ferrovia. A noção do que seria “ade-
quado” incluía preconceitos contra a mão de obra nacio-
nal e especialmente contra os trabalhadores do interior da
região, os caboclos.
[...]
As referências a imigrantes e migrantes evoluem paulatina-
mente na documentação durante 1908. Fontes como jornais e
relatos memorialísticos de descendentes ou imigrantes atestam
o fornecimento de passagens para imigrantes de zonas pobres
da Europa para a colonização das zonas contíguas ao caminho
de ferro e para sua construção.

– 28 –
A crise no Império e a emergência do discurso republicano

Sugestão complementar
Como sugestão complementar, indicamos o blog do Instituto Moreira
Salles5, que tem um variado acervo iconográfico, principalmente do século
XIX. Disponível em: <https://blogdoims.com.br/categorias/>. Acesso em:
27 fev. 2018.

Atividades
1. Elabore uma ideia que considere duas perspectivas políticas diferentes
sobre as consequências da Guerra do Paraguai para o Brasil.

2. Quais relações podemos estabelecer entre a abolição da escravidão


em 1888 e as consequências sociais para aqueles que foram libertos?

3. De que forma é possível estabelecer uma relação entre a construção


das ferrovias em São Paulo e o processo de interiorização no século
XIX? Além disso, qual era a estratégia econômica envolvida no estí-
mulo das ferrovias?

4. Com base na leitura do capítulo e do trecho do artigo de Márcia


Janete Espig, na seção “Ampliando seus conhecimentos”, estabeleça
uma relação entre a construção das ferrovias e a imigração no Brasil.

5 O Instituto Moreira Salles é uma organização sem fins lucrativos que dispõe de um vasto
acervo de obras de arte. Possui sedes em Poços de Caldas (MG), São Paulo (SP) e Rio de Ja-
neiro (RJ).

– 29 –
2
Republicanismo no
Brasil Imperial

Vertigem e aceleração do tempo. Essa seria, sem dúvida, a


sensação mais forte experimentada pelos homens e mulhe-
res que viviam ou circulavam pelas ruas do Rio de Janeiro
na virada do século XIX para o século XX. Ainda que, de
forma menos contundente, o mesmo sentimento parecia
estar presente nas principais cidades brasileiras, que, tal
como a cidade-capital, cresciam como nunca [...] haviam
crescido, complexificavam suas funções e recebiam levas
de imigrantes europeus [...] Marasmo. E um tempo que
parecia transcorrer tão lentamente que sua marcha inexo-
rável mal era percebida. Assim, nas fazendas, nas vilas do
interior e nos sertões do país, essa mesma virada do século
seria percebida. (NEVES, 2008, p. 14)

A citação acima representa parte da realidade brasileira após


a Proclamação da República, na virada do século XIX para o XX. O
interior do país era marcado pelos trabalhos da agricultura e pelas
relações sociais: coronelistas e escravistas. Nesse mesmo período,
chegavam imigrantes1 aos portos brasileiros, novos bairros come-
çavam a ser formados, com novas opções de lazer e de transporte,
junto com a influência da moda europeia.
1 Sobre a política de imigrantes direcionada pelo governo brasileiro, sugerimos a
leitura de Biondi (2010).
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Se a Proclamação da República pouco havia transformado o cenário


brasileiro no ano de 1889, esse novo tempo que se abria permitiu que, aos
poucos, mudanças sociais e políticas alcançassem mais partes do país e fossem
realizadas transformações relacionadas às exigências do capitalismo ocidental.
Se na virada do século havia a promessa de uma nova política para o
Brasil, por que então permaneciam tantos problemas sociais e políticos? Para
compreender parte dessa questão, é preciso refletir sobre como aconteceu a
Proclamação da República e quais interesses incentivaram tal processo.
A partir da segunda metade do século XIX, as propostas políticas do
Partido Republicano ganharam novos limites e debates, tanto dentro de sua
própria formação quanto no que se refere à política imperial de Dom Pedro
II. Questões como a Guerra do Paraguai e a abolição da escravatura foram
influenciadas pelos entraves políticos daquele tempo, ou seja, consequente-
mente colaboraram para que o governo imperial e suas medidas fossem con-
testadas e deslegitimadas.
Os símbolos e mitos, criados após a Proclamação da República, visavam
à aceitação do ideal republicano, de modo que esse novo sistema fosse aceito,
defendido e vivido por aquele que deveria dar apoio político necessário para
a estruturação da República – o povo.
Dessa forma, neste capítulo, além de tudo isso, abordaremos também
as características da Constituição de 1891, a fim de discutir a forma como
o Brasil estava se reestruturando pelos caminhos republicanos, assim como
estabelecer as principais diferenças da Carta anterior, de 1824.

2.1 Partido Republicano


Para o Partido Republicano Paulista, o ano de 1870 não é o princípio
de sua história, mas um marco. Nessa data aconteceu a fundação do partido
na capital do Império brasileiro (Rio de Janeiro), acontecimento que está
atrelado a mudanças que ocorriam no Brasil, como a diminuição da produção
de açúcar no Nordeste (que não conseguia manter a mão de obra escrava ocu-
pada) e o aumento do poder econômico e político do Sudeste com a produ-
ção cafeeira. Porém, para que fosse possível conquistar mais poder, o partido

– 32 –
Republicanismo no Brasil Imperial

precisaria relacionar-se com os ideais republicanos e enfrentar a questão da


abolição da escravatura no Brasil.
Nesse mesmo período, entraves contra o governo de Dom Pedro II se
intensificaram, principalmente devido ao fim da Guerra do Paraguai, que
convocou escravos sob a promessa de serem alforriados após o conflito –
motivo pelo qual o movimento abolicionista ganhou mais apoio na década
de 1870.
No Exército, coronéis e soldados passaram a defender a estruturação da
instituição, assim como o discurso de um partido que se coloca a favor de
princípios tão diversos à autoridade do imperador.
Portanto, ao fim da Guerra do Paraguai, somado ao desgaste da ima-
gem de Dom Pedro II, o Exército e o movimento abolicionista, embora em
posições sociais diferentes, tinham interesses políticos contrários às ações do
grupo aliado ao imperador.
Além disso, o mundo ocidental caminhava para um período de disputas
entre os países da Europa, em especial estabelecendo impérios, fortalecidos
por grandes nações, cujo capitalismo não aceitava mais o trabalho escravo,
principalmente porque este já não existia nas colônias inglesas – entretanto,
com o trabalho escravo no Brasil, a produção tornava-se mais barata, o que
desagradava a concorrente Inglaterra.
As ideias referentes à ciência, à tecnologia, ao ideal de civilidade e de
progresso afirmavam-se nesses países. Desse modo, aqueles que mais se adap-
tassem a esses princípios alcançariam destaque na corrida imperialista e novos
mercados consumidores.
Apesar do que ocorria no mundo, as práticas econômicas e as políti-
cas do contexto brasileiro eram diversas. Os que regiam a política imperial
tinham divergências na postura que deveriam adotar. O Partido Republicano,
por exemplo, que era diferente politicamente da ordem vigente no Brasil (a
Monarquia), não seria aceito sem relutância.
Antônio da Silva Jardim, a respeito dos ataques sentidos pelo Partido
Republicano nas décadas de 1870 e de 1880, aponta problemas políticos
internos ao partido:

– 33 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Penso que o Partido Republicano, sob pena de covardia, deve, ao


menos, não recuar da atual fase de agitação política, em que por
vezes não cedeu, mesmo diante das armas [...] conservando o sólido
princípio fundamental do Partido Republicano, e as suas gloriosas
tradições guerreiras e pacíficas, já é tempo de dar-lhe uma melhor
direção política, mais científica e mais patriótica, quanto à doutrina-
ção e processos; direção não vazada unicamente nos moldes demo-
cráticos, que o confundiram no passado com o Partido Liberal e no
presente revelam o perigo de fazê-lo absorvido por este Partido, o que
obriga os republicanos a não aceitarem o modo por quê, por falta de
estudo conveniente, o sr. Quintino Bocaiúva concebe a República;
modo vago, estéril, anárquico, atrasado e utópico. (JARDIM apud
BASTOS, 1986, p. 191)

A citação deixa evidente que não havia homogeneidade de pensamento,


visto que Silva Jardim criticou duramente Quintino Bocaiúva – também
republicano, mas de cunho mais liberal. De modo geral, ressaltamos que essa
perspectiva heterogênea pode ser considerada importante para a construção
de uma política mais democrática no Brasil.
Bocaiúva tinha como proposta uma revolução “mais branda”, sem armas
e/ou conflitos, e só foi eleito por ter:
falseado o regime republicano de fiscalização, de discussão
pública, falseado o regime representativo, para que se desse a dita-
dura de um pequeno grupo paulista, descubro na sua eleição, o
que eu sentia de longos meses: uma conspiração de alguns velhos
elementos do Partido Republicano gastos para a ação patriótica,
somente capazes da intriga para a cobiça do poder, aliada à falta
de compreensão da situação política atual, com o pretenso fim de
paralisar a ação republicana, por medo dos perigos que ela conti-
nuasse a trazer; pela incerteza do gozo do poder, e pela aspiração
mesquinha das posições que possa dar um eleitorado republicano
dentro do regime monárquico; e ainda, o que tem mais importân-
cia do que pudera parecer, pelo receio do predomínio moral dos
novos elementos republicanos em ação. (JARDIM apud BASTOS,
1986, p. 191)

Com base nisso, é possível afirmar que Silva Jardim mantinha ideias
mais diretas impostas pelo ideário republicano. Tal perspectiva apoiava uma
mudança clara, diferentemente dos liberais, que eram reconhecidos por osci-
larem entre seus interesses e os de Dom Pedro II.

– 34 –
Republicanismo no Brasil Imperial

Silva Jardim defendia que o movimento fosse revolucionário no sentido


maior do termo, ou seja, com ampla participação popular, com o intuito de
que o sistema, após implementado, não fosse apenas de acordo com os inte-
resses de um grupo mais privilegiado.
Outras ideias de Silva Jardim também corroboram com essas afirmações:
Por que razão o 7 de abril [de 1831 – o movimento que obrigou D.
Pedro I a abdicar] degenera em movimento monárquico? – indagava.
“Porque o grupo dos exaltados deixou-se vencer pelo dos moderados...
É mister evitar a nossa entrega ao liberalismo, sequioso de poder, tor-
nando-se republicano de um dia para outro. É preciso tirar o Partido
Republicano deste perigo: que a República seja a Monarquia sem o
Imperador! [...] O momento é o mais oportuno para a instituição da
república no Brasil, é o mais adequado para a sua instituição sem grande
abalo social. A nação inteira está mesmo à espera de um novo estado de
coisas, sente-se nas vésperas de uma reorganização. O partido dito con-
servador invade o terreno das reformas liberais. O partido liberal arvora
a bandeira da federação, que bandeira arvoraremos nós? Certo que a da
república imediata, e, pois, a da revolução [...] apelamos para todos que
a pátria habitam, a fim de que nos auxiliem no trabalho e na regenera-
ção da pátria. Pedimos o concurso da mulher, porque sabemos que sem
o impulso do seu coração, jamais revolução gloriosa ou reforma eficaz o
homem realizou; pedimos o concurso dos moços porque sabemos que
na mocidade alia-se o entusiasmo científico ao entusiasmo patriótico;
pedimos o concurso dos velhos porque sabemos que a sua inflexão con-
sagra e santifica o denodo cívico, o impulso rebelde e a audácia política.
Pedimos o concurso de todos, qualquer que seja a sua nacionalidade: –
dos estrangeiros – se é que essa palavra estrangeiros existe nos nossos
dicionários – a que colaborem conosco na reorganização da terra que
adotaram... (JARDIM apud BASTOS, 1986, p. 192-195)
O discurso do jornalista Silva Jardim deixa evidente que os liberais per-
cebiam no republicanismo um meio de permanecer no poder, pois, mesmo
com as diferenças em relação a Dom Pedro II, sempre estiveram ao seu lado.
Silva Jardim traz em suas palavras a disputa entre liberais e conservadores
desde a independência do país. Esses grupos, em geral, eram diferentes, mas
em diversos momentos tinham pautas comuns2.
Ricardo Salles afirma que liberais e conservadores eram entendidos como
integrantes de grupos políticos que ocupavam lugares, por vezes, opostos. O
2 Para saber mais, sugerimos a leitura de Salles (2012).

– 35 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

primeiro estava relacionado às classes médias e urbanas, com profissionais de


todas as áreas; o segundo dizia respeito, em sua maioria, aos produtores rurais.
Na década de 1860, emergia com mais força a questão abolicionista,
assim como o argumento liberal da descentralização do poder. Esses interesses
entre as propostas dos conservadores (SALLES, 2012, p. 5-9).
Do mesmo modo, a federalização é apontada como uma resposta ao
conturbado período político por parte dos conservadores. O que se destaca,
entretanto, é o pedido de apoio das mais diversas camadas sociais. Para
Silva Jardim, elas traziam interesses também diversos aos dos liberais e aos
dos conservadores: entre eles, estavam especialmente os estrangeiros e as
mulheres, algo bastante atípico para esse tempo, visto que elas não tinham
o direito de votar.
O apoio da ciência, isto é, do conhecimento que reflete sobre a socie-
dade e acrescenta outras perspectivas políticas e sociais, também está presente
na fala de Silva Jardim, quando ele diz “o entusiasmo científico ao entusiasmo
patriótico”. Essas correntes ou teorias científicas chegaram ao Brasil e seus
debates estavam relacionados ao progresso, ao ideal de modernidade, bem
como à formação e ao futuro do povo. Por isso, podemos entender que uma
nação moderna, que visa ao progresso e ao crescimento, deve aliar sua política
às novas perspectivas.
Percebemos ainda no discurso de Silva Jardim diversas propostas que
não são conservadoras nem comuns a esse período brasileiro, especialmente
se lembrarmos que o coronelismo, o clientelismo e a escravidão eram as prá-
ticas mais em voga, de modo que pouco estava sendo debatido para que elas
fossem transformadas. Coronéis recebiam cargos por meio da política regio-
nal ou federal e eram nomeados em um posto imperial que se manteve na
República (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 322).
Em um governo oligárquico e com influência federalista, coronéis
tinham o controle da região e faziam trocas políticas com o governo federal.
Durante a República, os coronéis dependiam de uma rede complexa de poder
para se manter nesse status, o que desmitifica a ideia de poder absoluto.
O clientelismo, por sua vez, refere-se ao uso do que é público para inte-
resses privados – no caso, de acordo com o que propunham os coronéis.

– 36 –
Republicanismo no Brasil Imperial

À medida que a República cresce e o poder oligárquico diminui, as práticas


clientelistas e coronelistas também, tornando-os intermediários entre o poder
e o povo3.
O fim da escravidão era um dos maiores embates da época, visto que
uma parte dos republicanos ou defendiam sua protelação, ou sua manuten-
ção. Enquanto decisões na justiça usavam como argumento a proibição de
1831, assim como o aumento de quilombos e o fim da Guerra do Paraguai,
o discurso republicano ia se aproximando cada vez mais da defesa do fim do
escravismo (FERNANDES, 2006, p. 182).
Nesse caso, precisamos considerar que nem todo republicano era abolicio-
nista ou, ao menos, defendia de imediato o fim da escravidão, já que alguns pro-
telavam tal ideia, por serem eles mesmos conservadores ou donos de escravos.
Ainda assim, de acordo com o historiador Sérgio Buarque de Holanda,
“foram os republicanos os que, retomando a bandeira caída por terra, se dis-
puseram a levar às consequências últimas os princípios que outrora tiveram
em comum com os liberais genuínos” (HOLANDA, 1985, p. 261).
Na época, para que o Brasil prosperasse como outras nações no mundo
ocidental, ele não poderia mais ser sinônimo de país escravagista. Por isso, o
republicanismo em geral defendia a abolição, visto que não era possível pro-
por um regime republicano e, ao mesmo tempo, manter escravos.
É nesse sentido que positivistas, ou militares influenciados pelo positi-
vismo, quando passavam a fazer parte do partido, acabavam levantando sus-
peitas sobre os republicanos, já que esses nem sempre eram abolicionistas.
Corrobora essa ideia o Manifesto do Congresso do Partido Republicano, feito na
cidade de Itu, em 1873:
“Fique, portanto, bem firmado que o Partido Republicano, tal
como consideramos, capaz de fazer a felicidade do Brasil, quanto à
questão do estado servil, fita desassombrado o futuro, confiando na
índole do povo e nos meios de educação, os quais unidos ao todo
harmônico de suas reformas e de seu modo de ser hão de facilitar-
-lhe a solução mais justa, mais prática e moderada, selada com o
cunho da vontade nacional”.

3 Para saber mais, recomendamos a leitura de Carvalho (2010).

– 37 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Parece que esta declaração seria suficiente para apagar todas as dúvi-
das. A questão não nos pertence exclusivamente porque é social e não
política: está no domínio da opinião nacional e é de todos os parti-
dos, e dos monarquistas mais do que nossa, porque compete aos que
estão na posse do poder, ou aos que pretendem apanhá-lo amanhã,
estabelecer os meios de seu desfecho prático. E se os nossos contrários
políticos pressagiam para um futuro demasiadamente remoto o esta-
belecimento, no país, do sistema governamental que pretendemos, o
que vem interpelar-nos hoje e desde já sobre esses meios? (Manifesto
do Congresso do Partido Republicano Paulista apud PESSOA,
1973, p. 65)

É evidente no trecho a falta de homogeneidade em relação ao tema da


abolição. Também é perceptível que esse assunto se tornou uma das principais
pautas de discussão do grupo republicano.
Do mesmo modo, no discurso percebemos que a monarquia é mencio-
nada por ter “criado” o problema, já que a escravidão era algo recorrente na
história do Brasil desde os tempos coloniais, não sendo, portanto, de respon-
sabilidade exclusiva do Partido Republicano.
Entretanto, enquanto o Império se negava a sanar o problema, o movi-
mento abolicionista crescia. Isso fez com que o Partido Republicano se
aproximasse da defesa do fim da escravidão, devido à demanda social ou à
cobrança de atitude coerente com o ideário republicano.
É importante pontuarmos também em que condições ocorreu a
Convenção de Itu, em 1873:
Assim, se essa não era com certeza a primeira ocasião em que se
formavam movimentos republicanos, a alternativa começou a se
revelar mais viável a partir de 1870. A cisão do Partido Liberal
levou, então, à formação do Partido Republicano Paulista, em 18
de abril de 1873, que se reuniu na hoje famosa Convenção de Itu.
O grupo criticava, sobretudo, o centralismo do trono e da adminis-
tração, e propunha uma reforma pacífica, através da implementação
de uma república federativa. O manifesto de 1870 começava assim:
“Centralização – desmembramento; descentralização – unidade”,
mostrando com a ideia de federação e sua união com um regime
político definido como “americano e para a América” faziam parte
da ementa inicial do partido. (SCHWARCZ; STARLING, 2015,
p. 301-302)

– 38 –
Republicanismo no Brasil Imperial

Com base nas afirmações das historiadoras Lilia M. Schwarcz e Heloisa


M. Starling, os grupos que até então oscilavam entre o apoio a Dom Pedro
II e a oposição a ele, como era o caso dos liberais, passaram a apoiar novas
posturas políticas, as quais, com base em ideias constitucionais e/ou republi-
canas, colaboraram para o fim do governo imperial.
Esse período marcava o ápice da produção de café, gerando riquezas.
Em contrapartida, o discurso republicano, por mais que se colocasse contra a
autoridade e a interferência do imperador, era composto daqueles que defen-
diam o trabalho escravo ou concordavam com as elites políticas de províncias
como São Paulo e Minas Gerais.
Na citação, também é notável a discussão sobre o modo como a República
deveria ser discutida e como chegaria ao poder, ou seja, uma reforma pacífica.
A possibilidade de federalização também estava entre as opções, isto é, cada
Estado independente e respondendo a um poder central.
A abolição não era somente um tema de discordância entre os republica-
nos. Positivistas, em maioria militares, também se aproximaram do republi-
canismo após as décadas de 1860 e 1870. Nesse contexto, o Exército passou
a ter problemas com o sistema monárquico do país, especialmente após a
Guerra do Paraguai.
Esse problema intensificou-se pela insistência dos militares em terem
uma instituição mais organizada, acompanhada de uma carreira hierarqui-
zada e de maior participação política. Dom Pedro II e seu grupo político,
porém, pouco negociavam sobre as novas demandas sociais e políticas decor-
rentes da Guerra do Paraguai.
O positivismo – idealizado por Auguste Comte – chegou ao Brasil ainda
na década de 1860. É desse tempo, portanto, o início das influências positi-
vistas que, no caso do Exército brasileiro, tinham em Benjamim Constant e
Deodoro da Fonseca dois expoentes. No Brasil, os seguidores dessa corrente
filosófica defendiam uma união firmada por meio da ideia de nação, a fim de
se ter o progresso do país.
Comte preocupou-se em pensar na organização e na ordem social de um
contexto para obter progresso. Suas ideias foram concebidas no século XIX,
em meio às grandes transformações sociais e políticas após as décadas de 1840

– 39 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

e 1850. Nesse caso, tanto ele quanto Émile Durkheim, Karl Marx e Max
Weber foram os responsáveis pela difusão do pensamento sobre as mudanças
que colaboraram para a institucionalização das disciplinas ligadas às ciências
sociais, especialmente a sociologia.
Comte, em um escrito chamado Curso de filosofia positivista, de 1842,
defendia que o espírito humano teria passado por três fases: a primeira era
o momento em que sociedades baseadas em princípios transcendentais e
militarismo iriam diminuir; a segunda era aquela em que todos os fenôme-
nos atribuídos a seres sobrenaturais seriam contestados e, posteriormente,
as sociedades teriam na metafísica suas explicações. Ainda na segunda
fase, o ser humano passaria a observar os fenômenos sociais no decorrer
do tempo, a fim de decidir o que era melhor, uma ideia que deveria ser
coletiva (incluindo sacrifícios individuais) (ARON, 2002) e relacionada ao
uso da tecnologia, bem como do domínio da natureza. Na terceira fase, a
organização humana estaria na relação, organização e domínio da natureza
e da história.
A França do século XIX, tempo e lugar de Comte, era marcada por uma
sociedade capitalista industrial, e o crescimento econômico dessa modali-
dade política e econômica era defendido pelo positivista como exemplo a
ser seguido.
Nesse caso, a união do espírito humano, livre de guerras e de violência,
em nome de um bem maior (unido pela história humana e pelo domínio da
natureza), chegaria a um estágio final de desenvolvimento da humanidade,
que teria apenas um pensamento, no qual seu “espírito” estaria baseado ape-
nas nas ideias positivistas.
José Murilo de Carvalho afirma que, para Comte, uma boa pátria seria
uma boa mátria (CARVALHO, 1990, p. 13), visto que era nas ideias do
gênero feminino para humanidade e República que o filósofo encontrava seus
argumentos – que estavam baseados na representação da República na ima-
gem feminina (no caso de Comte, em Clotilde de Vaux) –, um imaginário
que colaborava para legitimar um poder político.

– 40 –
Republicanismo no Brasil Imperial

Utópica ou filosófica, a corrente positivista chegou ao Brasil como uma


promessa que endossaria os ânimos republicanos, fossem eles abolicionistas,
liberais ou militares. Pregava a separação entre religião e Estado, visto que
a principal responsável pelo desenvolvimento deveria ser a ciência. Nesse
período, havia influências oligárquicas do clero e da própria elite cafeicultora
mais conservadora e monarquista. São exemplos: Benjamim Constant, que
era positivista; Bocaiúva, que era liberal; e Silva Jardim, abolicionista e repu-
blicano (CARVALHO, 1990).
Existiam discussões e divergências sobre o fim da monarquia e do futuro
do Brasil, caso a proclamação ocorresse. Contudo, havia uma disputa política
e econômica de pequenos grupos sociais, sempre privilegiados ao longo de
nossa história. Manter o interesse desses grupos tornou-se uma das principais
premissas dos embates políticos do período.
Mesmo mudando a história política do Brasil, o ato conduzido pelos
militares foi também um golpe, o que colabora para o entendimento
sobre o porquê da dificuldade de implementação de um sistema polí-
tico republicano. Nesse contexto, embora o Partido Republicano tenha
sido responsável por boa parte da discussão e do desgaste da imagem da
monarquia, o novo governo iniciou com Deodoro da Fonseca, restando
ao Partido Republicano dois importantes ministérios: o da justiça e o
da agricultura.
Nesse contexto, Campos Salles, chefe da pasta da justiça, emitiu, entre
outros, dois decretos importantes: o n. 85-A, de 23 de dezembro de 1889
(BRASIL, 1889), e o n. 295, de 29 de março de 1890 (BRASIL, 1890).
Neles, as determinações eram as seguintes:
“todos aqueles que derem origem a falsas notícias e boatos alarmantes
dentro ou fora do país ou concorrerem pela imprensa, por telegrama
ou qualquer outro modo de pô-los em circulação”. O Decreto nº
295, feito para preservar o governo “da injúria e dos ataques pessoais
que visavam ao desprestígio da autoridade e tinham por fim levantar
contra ela a desconfiança para favorecer a execução de planos subver-
sivos”. (RAMOS, 2010, p. 5)

– 41 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Essas leis serviram para instaurar a censura em um período (início da


República) que deveria ser de inauguração de uma participação mais cidadã
e democrática.
Outra questão que destoa bastante do que desejavam muitos republica-
nos consta na seguinte citação:
organização de um partido republicano construtor, preliminar-
mente revolucionário, em que realmente se deseje para a pátria
uma presidência poderosa, instituída pela vontade popular, a
princípio por aclamação, sujeita em seguida ao sufrágio univer-
sal, – capaz de ser autoridade, na qual se deposite uma caute-
losa confiança, inteiramente fiscalizada pela Assembleia Nacional,
câmara financeira, e pela opinião pública, por meio de todos os
seus órgãos, – tornada assim o delegado representativo da pátria,
síntese da liberdade; e pois Governo, na combinação feliz dos dois
elementos que esta palavra resume: – Poder e Povo. (JARDIM
apud BASTOS, 1986, p. 191)
As principais características levantadas por Jardim são a participação do
povo na escolha de seu presidente, bem como o respeito que este deveria ter
com seus eleitores. Contudo, se considerarmos o contexto, o voto era direcio-
nado a alguns grupos de homens, excluindo mulheres e classes mais simples,
pois era exigida a alfabetização.
Percebemos que o modo como a República brasileira foi proposta e o
seu início são bastante diversos. Sabemos também que a ideia de República
triunfou, mas, para que o povo aderisse a ela – como queria Antônio da Silva
Jardim –, era preciso buscar laços identitários e ter uma memória forjada,
para que elos coletivos existissem.

2.2 O fim do regime monárquico e a


construção de mitos e símbolos
O símbolo feminino ilustrado na Figura 1 traduz parte do que foi
a Proclamação da República, baseada nos ideais positivistas. A mulher,
representante da liberdade e da República, parece ter um ar vitorioso. Ao
mesmo tempo, a imagem enaltece a participação do Exército, ao trazer
no fundo Deodoro da Fonseca, como se fosse o principal responsável pela
Proclamação da República.

– 42 –
Republicanismo no Brasil Imperial

Figura 1 – Imagem feminina dada à República no Brasil.

Fonte: Revista Illustrada/Wikimedia Commons.

– 43 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

A figura deixa evidente as características em que se basearam a nossa


Proclamação da República, visto que ela traz a influência do Exército de
maneira bastante representativa.
O Brasil desse contexto é apresentado pela historiadora Margarida
Neves como um local que conhecia o telefone, a fotografia, o telégrafo e o
fonógrafo, que dispunha de uma malha ferroviária em desenvolvimento e
participava de feiras internacionais, levando seus produtos exóticos (madei-
ras, pedras preciosas e peles de animais) (NEVES, 2008, p. 25).
Esse mesmo país, na noite de 15 de novembro de 1889, na voz de mili-
tares, proclamou a República, expulsando o imperador e sua família. Neves
utilizou a segunda parte do trecho a seguir, do escritor Machado de Assis,
para representar esse momento:
– É verdade, conselheiro, vi descer as tropas pela Rua do Ouvidor,
ouvi as aclamações à república. As lojas estão fechadas, os bancos
também, e o pior é se não abrem mais, se vamos cair na desordem
pública; é uma calamidade.
Aires quis aquietar-lhe o coração. Nada se mudaria; o regime,
sim, era possível, mas também se muda de roupa sem trocar
de pele. Comércio é preciso. Os bancos são indispensáveis. No
sábado, ou quando muito na segunda-feira, tudo voltaria ao
que era na véspera, menos a constituição. (ASSIS apud NEVES,
2008, p. 26)

As ideias de Machado de Assis demonstram o que muitos esperaram ou


encontraram nos dias e anos seguintes à Proclamação da República: a mesma
realidade social, política e econômica anterior, mas com um diferencial: uma
nova Constituição. Nesse contexto, Deodoro da Fonseca foi um dos princi-
pais responsáveis pela articulação da Proclamação da República, bem como
de sua organização nos primeiros anos.

– 44 –
Republicanismo no Brasil Imperial

Figura 2 – CALIXTO, Benedito. Proclamação da República. 1893. Óleo


sobre tela: 123,5 cm × 200 cm. Pinacoteca Municipal de São Paulo, São Paulo.

Fonte: Wikimedia Commons.


A pintura de Benedito Calixto, de 1893, registra Deodoro da Fonseca
no centro do quadro, em destaque, embora saibamos que a base que incen-
tivou a Proclamação da República não tenha sido somente militar, mas de
grupos civis republicanos, como os que apoiavam a abolição.
Tão logo passou o dia 15 de novembro de 1889, já era preciso um nome
que seria o responsável por representar o patriotismo da República. Nesse
caso, foi o de Tiradentes. Contudo, apesar de não existirem muitos dados
biográficos sobre ele, era um exemplo de como a monarquia e o Império já
haviam sido questionados anteriormente.

– 45 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Sobre esse assunto, José Murilo de Carvalho explica: “A formação do


mito pode dar-se contra a evidência documental; o imaginário pode inter-
pretar evidências segundo mecanismos simbólicos que lhe são próprios e
que não se enquadram necessariamente na retórica da narrativa histórica”
(CARVALHO, 1990, p. 58).
O historiador chama atenção para o fato de não importar tanto a inten-
sidade ou as evidências diretas sobre a relação de Tiradentes com a ideia de
República, ou mesmo sobre os desejos relacionados à inconfidência mineira.
Nesse caso, muito antes da Proclamação da República, em 1789, Tiradentes
já questionava sobre a possibilidade de maior representatividade política no
país. Essa perspectiva também está relacionada à criação de um imaginário
fundamental para que o novo regime político fosse afirmado (CARVALHO,
1990, p. 10).
A historiadora Thaís Nivia de Lima e Fonseca (2002) traz em seu
trabalho uma análise historiográfica sobre a construção da imagem de
Tiradentes. Ela não se deve apenas aos interesses republicanos, mas con-
forme a recepção do público de seu tempo e das décadas que se seguiram.
O caráter exaltador, nacionalista e patriótico marcou a historiografia até os
anos de 1960, principalmente reforçando o caráter extremamente revolu-
cionário que teria tal movimento4.
Posterior a esse período, a influência da História Cultural e de ideias
ligadas às representações colaboraram para que relações sociais também fos-
sem analisadas, a fim de perceber nuances sobre Tiradentes, para além do
“mito”. Para Carvalho,
A luta em torno do mito de origem da República mostrou a dificul-
dade de se construir um herói para o novo regime. Heróis são símbo-
los poderosos, encarnações de ideias e aspirações, pontos de referência,
fulcros de identificação coletiva. São, por isso, instrumentos eficazes
para atingir a cabeça e o coração dos cidadãos a serviço da legitimação
de regimes políticos. Não há regime que não promova o culto de seus
heróis e não possua seu panteão cívico. Em alguns, os heróis surgiram
quase que espontaneamente das lutas que precederam a nova ordem
das coisas. Em outros, de menor profundidade popular, foi necessá-
rio maior esforço na escolha e na promoção da figura dos heróis. A

4 A historiadora aponta que ainda persistem as ideias sacralizadoras. Para uma análise historio-
gráfica do tema, sugerimos a leitura de Fonseca (2002).

– 46 –
Republicanismo no Brasil Imperial

falta de envolvimento real do povo na implantação do regime leva à


tentativa de compensação, por meio da mobilização simbólica. Mas,
como a criação de símbolos não é arbitrária, não se faz no vazio social,
é aí também que se colocam as maiores dificuldades na construção do
panteão cívico. Herói que se preze tem de ter, de algum modo, a cara
da nação. (CARVALHO, 1990, p. 55)

Então, um herói era necessário para que houvesse identificação popular


e apoiasse aqueles que instituiriam uma nova forma política. Na Figura 3, é
representado Tiradentes no momento de sua execução.
Figura 3 – MELO, Aurélio de Figueiredo e. Martírio de Tiradentes. 1893.
Óleo sobre tela: 57 cm × 45 cm. Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro.

Fonte: Wikimedia Commons.

– 47 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Na pintura, Tiradentes parece olhar para cima, provavelmente aos


céus, como “filho de Deus”. O padre, ao lado de Tiradentes, clama por
sua vida aos céus, ao mesmo tempo em que o carrasco faz um gesto que
parece de não conformação com a situação vivida. Além disso, o cabelo
está alongado e claro, o que o aponta como “semelhante” a Jesus Cristo,
ou seja, Tiradentes não era mais o subversivo de outrora, morto e enter-
rado como o inimigo da Coroa. Ao contrário, em 1893, a sua represen-
tação é heroica.
Se a imagem de Tiradentes como símbolo republicano nos lembra Jesus
Cristo, é possível indagarmo-nos sobre a Constituição de 1891, que declarava
a laicidade do Estado. Nesse caso, como aponta José Murilo de Carvalho, o
Cristo era cívico (CARVALHO, 1990, p. 67).
Apesar do agito das capitais e do marasmo do interior – e, com base nas
ideias de Machado de Assis, ressaltadas por Margarida Neves –, o que soou
de fato diferente foi a Constituição de 1891. A organização de alguns de seus
interesses políticos será debatida na próxima seção.

2.3 A Constituição de 1891


A primeira Constituição do período republicano brasileiro teve duas influên-
cias significativas: o positivismo e a Constituição dos Estados Unidos da América.
A primeira escolha de regime político foi, portanto, o presidencialismo
e o federalismo (criação das leis estaduais em consonância com as nacionais),
cujo voto era masculino e não secreto, tanto para o Executivo quanto para o
Legislativo. A Constituição de 1891 determinava o seguinte sobre o voto e a
participação popular:
Art 70 [...]
§ 1º – Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais ou para
as dos Estados: 1º) os mendigos; 2º) os analfabetos; 3º) as praças de
pré, excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior;
4º) os religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações ou
comunidades de qualquer denominação, sujeitas a voto de obediên-
cia, regra ou estatuto que importe a renúncia da liberdade individual.
§ 2º – São inelegíveis os cidadãos não alistáveis. (BRASIL, 1891)

– 48 –
Republicanismo no Brasil Imperial

Em relação aos estrangeiros, poderiam votar aqueles que estavam no


Brasil em 15 de novembro de 1889 e não exigiam a manutenção de sua cida-
dania original. Porém, a ideia de sufrágio universal é bastante frágil, visto que
diversos grupos, inclusive mulheres, permaneceram excluídos do processo
eleitoral. Dessa forma, além dos decretos que cerceavam a população, a lei
não garantia a permissão para que todos tivessem voz.
De acordo com Tércio Sampaio Ferraz Júnior, coube à União organizar
a legislação em geral, visto que ela reunia os tópicos criminais e de processos
da justiça federal, enquanto dava à esfera estadual apenas a jurisdição sobre o
direito privado (FERRAZ JÚNIOR, 1989, p. 21).
Ferraz Júnior aponta ainda que a Constituição defendia o direito de “ir
e vir” e deu base para a ideia de habeas corpus, a fim de que qualquer acusado
pudesse ter o seu direito pessoal de defesa, o que trazia alguma perspectiva de
igualdade (FERRAZ JÚNIOR, 1989, p. 21).
Outra proposta radical, ao menos na tessitura da Constituição, foi a
laicidade, ou seja, a determinação de o Estado não ser governado sob a dou-
trina ou os interesses diretos da Igreja Católica, ou mesmo de outras religiões.
Junto a essa perspectiva vieram outras, entre elas:
a) vedava aos estados e à União estabelecer, subvencionar, ou embara-
çar o exercício de cultos religiosos (art. 11, n. 2);
b) vedava o alistamento eleitoral (aos pleitos federais e estaduais) dos
religiosos de ordens monásticas, companhias, congregações, ou comuni-
dades de qualquer denominação sujeitas a voto de obediência, regra ou
estatuto, que importe renúncia da liberdade individual (art. 70, n. 4);
c) assegurava a liberdade religiosa a todos os indivíduos e confissões,
que poderiam exercer pública e livremente o seu culto, associando-se
para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito
comum (art. 72, n. 3);
d) dispunha que a República reconheceria apenas o casamento civil,
cuja celebração seria gratuita (art. 72, n. 4);
e) determinava a secularização dos cemitérios, que viriam a ser admi-
nistrados pela autoridade municipal, ficando livre a todos os cultos
religiosos a prática dos respectivos ritos em relação aos crentes, desde
que esses não ofendessem a moral pública ou as leis (art.72, n.5);
f ) dispunha que o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos
deveria ser leigo (art. 72, n. 6). (LEITE, 2011, p. 40)

– 49 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Como podemos perceber, são muitas as mudanças que poderiam ser


feitas. Mas, como aponta Fábio Carvalho Leite, a instabilidade do momento
após a Proclamação da República (e o que se esperava dela), junto a ideias
tão diferentes, não permitiu que, em um primeiro momento – e talvez em
qualquer outro –, a maioria dessas mudanças fosse cumprida (LEITE, 2011).
Para o autor, os espíritas ou evangélicos, no começo do século XX,
ainda encontravam dificuldades para vivenciar sua fé, pois eram vistos como
“perturbadores da ordem” (LEITE, 2011, p. 56). A Constituição de 1891,
mesmo não sendo tão transformadora, proporcionou mecanismos de defesa
aos cidadãos, ou seja, liberdade de culto, de expressão e direito de defesa.
Ainda, havia a extinção do Senado Vitalício, do Conselho de Estado,
“decretada” a liberdade da palavra e a descentralização de poder em nome dos
Estados, prática que mais tarde favoreceu grupos específicos na vigência da
“política dos governadores”.
O federalismo da forma como foi concebido beneficiou apenas os
Estados que estavam mais desenvolvidos naquele período, por exemplo São
Paulo, que já tinha estrutura econômica mais avançada no que se refere ao
desenvolvimento econômico e industrial, enquanto outros dependiam dos
interesses das oligarquias regionais. Com isso, os abismos sociais aumentavam.
De uma monarquia com poderes e privilégios sobre seus súditos, pas-
samos a ter ferramentas de construção de cidadania, de igualdade, mesmo
que algumas delas fossem muito distantes de um ideal. Entretanto, no que
se refere a esses aspectos, reformas radicais que as garantissem foram rechaça-
das. Levaria ao menos 20 anos para que diversos movimentos começassem a
debater em conjunto sobre questões sociais, enquanto mudanças econômicas
e políticas passariam a ruir os alicerces da primeira República.
Os historiadores Kalina Silva e Maciel Silva definem uma ideia de demo-
cracia sobre a qual podemos pensar na contemporaneidade:
Esse projeto democrático ideal seria o regime em que a sociedade
civil organizada fizesse ouvir seus múltiplos discursos (liberdade de
expressão); em que os indivíduos não confundissem a coisa pública
com a coisa privada; em que os valores morais e políticos não esti-
vessem voltados para a satisfação das necessidades puramente mate-
riais, mas que se preocupassem com a melhor forma de governo;

– 50 –
Republicanismo no Brasil Imperial

em que a administração do que é público não estivesse nas mãos de


“cientistas” e “técnicos”, controlando de fora o que diz respeito aos
cidadãos; em que o exercício da palavra e o exercício da ação não se
contradissessem; em que as leis pudessem coincidir com os anseios
dos destinatários; uma sociedade, enfim, em que as pessoas tives-
sem o sentido de comunidade a inspirar suas ações. (SILVA; SILVA,
2009, p. 90)

A citação sugere, valendo-se de princípios da Grécia Antiga, da


Modernidade e do mundo contemporâneo, que a ideia de democracia atual
seria ouvir e respeitar a voz de uma maioria; o governo e suas instituições
deveriam ser reflexos da vontade do povo, sem intromissão em assuntos par-
ticulares e que a lei cumprisse suas próprias imposições.
Precisamos considerar que quem participava da política, em geral, eram
pessoas de classes mais abastadas. Se considerarmos que a Constituição pre-
via não existir veto parcial, apenas total, verificaremos que muitas emendas
foram aprovadas legitimando os interesses das elites (FERRAZ JÚNIOR,
1989, p. 24).

Conclusão
O objetivo principal deste capítulo foi trazer ideias sobre o período da
Proclamação da República. Podemos perceber que havia divergências e a pró-
pria ideia de República – em relação à conhecida no século XXI – sofreria
ainda muitas intervenções e debates. Isso ocorreu porque defender a abolição
da escravatura ou mesmo a existência de um governo republicano é algo dife-
rente de prezar pela igualdade social e racial no país.
Esses dois aspectos foram a base de muitas revoltas e problemas enfren-
tados nas duas primeiras décadas do regime republicano, ou seja, mesmo que
um ideal de memória coletiva tenha entrado na pauta política, trazendo sím-
bolos e figuras nacionais, ainda assim não foi o suficiente para que o povo
aderisse aos interesses daqueles que haviam proclamado a República.
Parte do povo, excluído das intenções de poder, foi protagonista de
diversas ações que buscaram outras percepções sobre a República. Nesse caso,
a própria Constituição de 1891 não foi satisfatória para que aqueles que
defendiam a igualdade universal conseguissem se respaldar na lei.

– 51 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Ampliando seus conhecimentos


O texto a seguir faz parte de um artigo cujo interesse é debater a histori-
cidade da ideia de Constituição no Brasil.
A Constituição, ou Carta Magna de um país, é o documento que “firma
os direitos e deveres” entre o Estado e seus cidadãos. Perceber o processo de
construção desse documento e como ele pode se tornar alvo de disputas entre
grupos sociais diversos permite-nos debater sobre os problemas e as desigual-
dades tanto sociais quanto políticas em nosso país.

A evolução constitucionalista do Brasil


(BONAVIDES, 2000, p. 155-156)

O Brasil desta análise histórica corresponde assim a um


modelo de país constitucional que até aos nossos dias se
busca construir, numa longa travessia de obstáculos.
[...] Projeto bloqueado inumeráveis vezes pelas resistências
absolutistas, pelo continuísmo e vocação de perpetuidade
governista, bem como pelos interesses representativos com-
prometidos com um status quo de dominação que a classe
política busca manter inalterável, debaixo de seu jugo, insen-
sível por inteiro ao rápido senão vertiginoso agravamento das
desigualdades sociais e regionais, cujo quadro é sobressaltante
enquanto prelúdio de uma tragédia de sangue e guerra civil,
de consequências imprevisíveis.
Vemos iminentes, na senda da política recolonizadora em
execução, as batalhas de emancipação do segundo período
colonial de nossa História.
Mas essas batalhas hão de ferir-se unicamente se tivermos
fibra, coração e alma para arrostar, com as energias do
espírito nacional, rememorativo das páginas heroicas do

– 52 –
Republicanismo no Brasil Imperial

passado, a soberba imperialista dos invasores silenciosos,


que ora nos ameaçam dissolver a identidade de povo, apa-
gando os traços, as cores e as raízes de nossa cultura, ou
seja, de nossa brasilidade.
O constitucionalismo europeu teve por premissa de luta
e contradição o absolutismo de uma sociedade já organi-
zada e estruturada, a saber, a sociedade feudal do ancien
régime. [...]
O nosso constitucionalismo, ao revés, levantou-se sobre as
ruínas sociais do colonialismo, herdando-lhe os vícios e as
taras, e ao mesmo passo, em promiscuidade com a escravidão
trazida dos sertões da África e com o absolutismo europeu,
que tinha a hibridez dos Braganças e das Cortes de Lisboa, as
quais deveriam ser o braço da liberdade e, todavia, foram para
nós contraditoriamente o órgão que conjurava a nossa recaída
no domínio colonial.
Sem embargo desses pressupostos negativos, que significa-
ram desníveis qualitativos de iniciação constitucional, tanto
de portugueses quanto de brasileiros, houve um processo
até certo ponto comum de introdução de instituições repre-
sentativas e constitucionais no que toca à velha metrópole e
à nascente nacionalidade, quando esta estreou os primeiros
passos da caminhada para a independência imperial e a cria-
ção do Estado.
Com efeito, a fonte doutrinária fora a mesma: o constitu-
cionalismo francês, vazado nas garantias fundamentais do
número 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, de 26 de agosto de 1789. Nesse documento
se continha a essência e a forma inviolável de Estado
de Direito.

– 53 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Atividades
1. Estabeleça uma relação entre Exército, República e positivismo.

2. O trecho da defesa de Antônio da Silva Jardim sobre o modo como


deveria ocorrer a Proclamação da República pode ser uma fonte de
análise sobre os diversos aspectos e visões da política do período, espe-
cialmente entre liberais/conservadores e republicanos/abolicionistas,
como Silva Jardim. Traga argumentos para fundamentar tal afirmação.

3. Cite duas ideias inovadoras que estejam presentes na Constituição


de 1891.

4. Para Paulo Bonavides, desde a Proclamação da República havia dife-


renças sociais e políticas em relação ao contexto revolucionário fran-
cês, para além das divergências comuns em períodos tão diferentes.
Explique em que consistia essas diferenças.

– 54 –
3
Movimentos
urbanos e sociais

Vemos o quanto é forte esta alavanca – a palavra – que


alevanta sociedades inteiras, derruba tiranias seculares...
(CUNHA apud SEVCENKO, 1999, p. 130)

Neste capítulo, trataremos sobre o modo como o modelo


brasileiro de república foi questionado na passagem do século XIX
para o XX. Esse período ficou marcado pelas tentativas de centrali-
zação de poder do novo regime político, enquanto tinha de enfren-
tar as iniciativas da oposição, seja dos monarquistas, seja dos repu-
blicanos de perspectivas divergentes.
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Deodoro da Fonseca chegou a fechar o Congresso Nacional, causando


a Revolta da Armada (que será discutida no Capítulo 4), por não conseguir
conduzir um debate tão acirrado com a Marinha, último reduto da monar-
quia. Esse fato, que levou à sua renúncia em 1891, permitiu que seu vice,
Floriano Peixoto, assumisse a presidência. Floriano reabriu o Congresso, con-
soante os princípios da Constituição de 1891, recém-promulgada.
Gabriel Terra Pereira afirma que o período em que Floriano Peixoto
assumiu o governo foi marcado por uma forte crise econômica e pela falta
de entendimento entre os poderes Executivo e Legislativo. Floriano Peixoto
rompeu com os governadores – atitude contrária à de Deodoro da Fonseca –
e, com isso, conseguiu o apoio do Congresso Nacional.
Após Floriano Peixoto assumir o governo, o conflito maior se deu por
sua permanência no poder, enquanto campanhas em jornais clamavam por
sua saída. Essa postura, em geral de militares, devia-se ao “artigo de número
42 da Constituição Federal de 1891: ‘no caso de vaga, por qualquer causa, da
Presidência ou Vice-Presidência, não houverem ainda decorrido dois anos do
período presidencial, proceder-se-á nova eleição’” (PEREIRA, 2009, p. 110).
Gabriel Pereira afirma que a resposta de Floriano Peixoto foi buscar
apoio do Congresso e “aposentar” aqueles que estavam contra sua perma-
nência (PEREIRA, 2009, p. 110). A reação militar se deu especialmente pela
segunda Revolta da Armada, enfrentada por Floriano Peixoto, que teve de
combater outras revoltas, como a Revolução Federalista, em que líderes rivais
intencionavam outras direções políticas para o Rio Grande do Sul.
Após Floriano Peixoto assumir o governo, o conflito maior se deu por
sua permanência no poder, enquanto campanhas em jornais clamavam
por sua saída. Essa postura, em geral de militares, devia-se ao “artigo de
número 42 da Constituição Federal de 1891: ‘no caso de vaga, por qualquer
causa, da Presidência ou Vice-Presidência, não houverem ainda decorrido
dois anos do período presidencial, proceder-se-á nova eleição’” (PEREIRA,
2009, p. 110).
O alto custo da Revolução Federalista fez com que Floriano Peixoto
tivesse sua imagem mais desgastada ainda, especialmente por conta da lide-
rança de Custódio de Melo – líder da Revolta da Armada de 1891 e Ministro
da Marinha de Floriano. Custódio, porém, discordando do presidente,

– 56 –
Movimentos urbanos e sociais

demitiu-se e levantou mais debates sobre a posição dos militares em relação


à condução econômica do país. Antes disso, foi preciso desconstruir a ideia
de que a Revolução Federalista era também composta pela participação de
monarquistas. Entre os anos de 1893 a 1894, Floriano Peixoto utilizou a
imprensa para se firmar no poder e procurou combater e eliminar a presença
de monarquistas (PEREIRA, 2009, p.111-2).
Naqueles tempos conturbados, os primeiros presidentes permaneceram
no poder sem serem eleitos, contrariando a Constituição para cuja elaboração
eles tinham colaborado (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 319-21).
Neste capítulo, nosso intuito é apresentar o modo como alguns setores
da recente República foram organizados. Trazemos, ainda, perspectivas sobre
os ideais de cidadania e de igualdade e sobre ideias socialistas e anarquistas
importantes para o movimento operário desse período. Além disso, apresen-
taremos a organização trabalhista da primeira década republicana, a fim de
demonstrar como direitos adquiridos apenas no século seguinte já estavam
em pauta nessa época, reivindicados por operários e operárias.

3.1 A organização e a estruturação da República


Havia muita divergência sobre o modo como a República deveria ser
instalada e organizada. Porém, como vimos no capítulo anterior, não houve
uma ruptura total em relação aos grupos que comandavam a política. Na
França, após a Revolução de 1789, por exemplo, as famílias nobres e aristo-
cratas, em sua maioria, foram destituídas do poder ou até mesmo mortas. No
entanto, no Brasil, a configuração social não sofreu grandes transformações,
especialmente se consideramos a república uma forma política de inclusão e
de representação da maioria.
No caso brasileiro, de imediato, a República foi proclamada devido às
divergências do Exército em relação à monarquia e pelo apoio recebido dos
produtores de café de São Paulo, que não concordavam com a abolição da
escravidão e consideravam “descaso” de Dom Pedro II a falta de preocupa-
ção com relação à importância econômica da mão de obra escravizada. Além
disso, é preciso considerar a conjuntura política no mundo Ocidental, já em
direção à industrialização, produção em massa, no campo e na cidade, uma
situação não vivida no Brasil imperial.

– 57 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Na Academia Militar, ensinava-se tanto matemática e elementos de


engenharia quanto filosofia. Benjamim Constant pertencia à Escola Militar
e foi um dos principais responsáveis pela preparação da proclamação, no
entanto, o componente mais importante na hierarquia do Exército daquele
período era o Marechal Deodoro da Fonseca. Devido a isso, a Proclamação
da República dos Estados Unidos do Brasil foi realizada por ele, na sala do
conselho dos ministros.
Para se manter no poder, de acordo com Gabriel Pereira, os militares
utilizaram duas estratégias, uma interna e outra externa: na primeira, eles se
colocaram contra a organização dos monarquistas; na segunda, buscaram o
apoio dos Estados Unidos, por exemplo, para o reconhecimento da República
(PEREIRA, 2009, p. 111-12).
A figura anterior representa uma das preocupações que se seguiram
ao acontecimento de 1889: a criação de símbolos nacionais. Na bandeira
brasileira republicana, vemos a influência do federalismo, inspirado na
Constituição norte-americana.
Além do federalismo e do presidencialismo, a Constituição trouxe o
sistema bicameral1, a separação entre a Igreja e o Estado e a introdução do
registro civil (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 319-20). Estas duas últi-
mas práticas influenciaram mudanças na estrutura social da população, bem
como sua relação com a Igreja. A Igreja Católica reagiu por meio da criação
de escolas confessionais, novas dioceses, paróquias e uniões de jovens, homens
e mulheres. Seu lugar cresceu bastante com o governo de Getúlio Vargas, mas
antes disso já haviam sido criados o Centro Dom Vital e a revista A Ordem,
com objetivo de reaver um lugar na sociedade (RODRIGUES, 2005, p. 112)2.
Nos primeiros anos da República, os lugares ocupados por civis, militares
e marinheiros eram disputados. Se por um lado o governo de Floriano Peixoto
buscou reconhecimento dos Estados Unidos, até mesmo nos elementos
1 Nome dado ao regime político em que o poder Legislativo é exercido por duas câmaras – no caso
do Brasil, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.
2 Para saber mais sobre esse período da história brasileira, acesse o site da Biblioteca Nacional: <www.
bn.gov.br>. Acesso em: 27 fev. 2018. Nele, Além de fontes e diversos documentos é possível ter con-
tato com pesquisas que vem sendo desenvolvidas na Biblioteca, assim como exposições.

– 58 –
Movimentos urbanos e sociais

representativos e no próprio apoio à compra de uma esquadra daquele país


para combater a segunda Revolta da Armada, por outro, teve nove ministros
das Relações Exteriores em apenas três anos.
Nesse contexto, uma das preocupações foi a criação de símbolos
nacionais. Uma bandeira contendo 21 estrelas em quadro escuro, com lis-
tras verdes e amarelas ao lado, semelhante à bandeira dos Estados Unidos.
Esse modelo agradava aos liberais de São Paulo, visto que se inspiravam na
Constituição norte-americana (CARVALHO, 1990, p. 111). Entretanto,
quatro dias depois, uma nova bandeira era necessária, para que repre-
sentasse o momento vivido, como também incentivasse o apoio popular,
já que boa parte de todo o acontecimento nem se quer era conhecido
pelo povo ou não tinha o seu entusiasmo, como afirma o historiador José
Murilo de Carvalho:
as bandas tocaram a Marselhesa e marchas militares sem despertar
o entusiasmo da pequena multidão que se aglomerava em frente
ao palácio. Estabeleceu-se um clima de expectativa. [...] Decidiu-se
na hora que fosse tocado o hino e que ele continuasse como hino
nacional. As bandas militares, como se esperassem pelo resultado,
irromperam com o popular Ta-ra-ta-ta-tchin, para delírio da assistên-
cia, segundo depoimentos de testemunhas oculares. (CARVALHO,
1990, p. 124-125)

Podemos inferir a ideia de que os militares e sua organização tentaram


motivar o povo, porém foi preciso mais tempo para que a população enten-
desse o que a República poderia oferecer.
O hino escolhido ainda era o de 1831, cuja letra foi reescrita em 1908 e
oficializada em 1922. Ambos os símbolos – o hino e a bandeira – foram cria-
ções militares, com influências positivistas, assim como a própria heroicização
de Tiradentes.
A obra de arte de Manoel Lopes Rodrigues (Figura 2), simboliza a alego-
ria da República. A República na maioria das vezes é representada por mulhe-
res, como na França ou na Argentina. No Brasil dos militares positivistas, a
pintura traz a ideia de paz, com o vestido branco, porém com a espada ao
lado. Ao mesmo tempo, a coroa é de ramos de café, simbolizando a riqueza
econômica mais significativa do período. Atrás, está a representação da ban-
deira do país.

– 59 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Figura 2 – RODRIGUES, M. L. De acordo com Valéria Salgueiro,


A República. 1896. Óleo sobre é também desse período diversas pin-
tela: 228 × 118,5 cm. Museu de turas que exploravam o tema da “fun-
Arte da Bahia, Salvador. dação” de diversas instituições do
Brasil, como São Paulo, Rio de Janeiro
e a região amazônica, muitas delas com
pinturas de temas que valorizavam a
República. Ainda nos primeiros anos
da República houve um forte investi-
mento em reformas de prédios já exis-
tentes, bem como novas construções.
Segundo Valéria Salgueiro, em institui-
ções como IHGB (Instituto Histórico
Geográfico do Brasil) prevalecia temas
relativos à monarquia até o fim dela,
prática que pode ser entendida ao con-
siderarmos o contexto da fundação do
IHGB por Dom Pedro II, em 1838,
com o objetivo de escrever a história
da nação brasileira, forjando sua “iden-
tidade” e características mais salientes
(SALGUEIRO, 2002, p. 3-5).
No entanto, de acordo com
Valéria Salgueiro, após a Proclamação,
temas como a Revolta de Filipe dos
Santos, a Inconfidência Mineira e a
Fonte: Wikimedia Commons. Conjuração Baiana, que antes causa-
vam desconforto, passaram a ser parte
das principais obras encomendadas pelo governo. Muitas das pinturas retra-
tando esses acontecimentos, bem como o território brasileiro, eram realizadas
em viagens dos artistas, como no caso de Antônio Parreiras3.

3 Para saber mais sobre a pintura como fonte para entendimento desse período, ver o trabalho
de Salgueiro (2002).

– 60 –
Movimentos urbanos e sociais

José Murilo de Carvalho afirma que, com a criação desses símbolos, uma
pequena elite se intitulou representante do povo no processo de “passagem”
do Império para a República (CARVALHO, 1990, p. 73), ou seja, evidencia-
-se aí um ponto importante sobre a concepção de República que estava sendo
forjada no Brasil, a de que a participação de uma maioria antes e depois da
Proclamação não importava tanto.
Um dos interesses daqueles que declararam o fim do Império era criar
símbolos que sustentassem seu poder, cujo objetivo era dar mais poder ao pró-
prio Exército, sob a égide positivista. Entendemos que essas estratégias não
foram suficientes para manter o Exército no Executivo, visto que sua repre-
sentatividade diminuiu após 1895, desgaste causado também pela Revolução
Federalista e pela segunda Revolta da Armada.
No entanto, os símbolos nacionais por si só não resolveriam o pro-
blema das adaptações políticas do início da República, visto que ainda na
década de 1890, no governo de Prudente de Morais, a Guerra de Canudos
(que será tratada no Capítulo 4), no interior da Bahia, abalaria as estrutu-
ras republicanas.
No que se refere à participação popular, é preciso lembrar que a nova
Constituição definia que apenas jovens alfabetizados, com mais de 21 anos e
com determinada renda poderiam votar. Isso significava que ao menos 82,9%
da população brasileira não votava, visto que era analfabeta. Os outros 17%
não correspondem ao número de votantes, visto que poderiam ser alfabeti-
zados, mas não tinham renda suficiente (FERRARO; KREIDLOW, 2004,
p. 182). Porém, é preciso que observemos: se o povo não participou da
Proclamação, também não defendeu o retorno da monarquia.
Segundo José Murilo de Carvalho, muitos representantes da elite tinham
o direito de votar devido às suas posses, entretanto eram analfabetos (cerca
de 85% da população carecia de educação primária) (CARVALHO, 2002,
p. 33-5). Além disso, havia ainda o risco de votar e de ser recriminado pelos
cabos eleitorais dos candidatos regionais por sua escolha. O voto, nesse caso,
era muito mais uma obediência à vontade de coronéis do que um ato de liber-
dade de escolha por um governo ou outro.

– 61 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Grupos de intelectuais já vinham debatendo ideias sobre liberdade de


escrita, formação identitária e patriótica do Brasil, entre outras, muitas vezes
vindas dos círculos abolicionistas e republicanos. A historiadora Silvia Gomes
de Bento Mello, em sua tese, afirma que a Proclamação da República foi um
momento chave para que esses grupos, que ela chama de moços, passassem a
ter o direito de escrever e debater ideias de formas diferentes das que eram
impostas no Império (MELLO, 2008, p. 12).
No estado do Paraná, que já tinha clubes de leitura nos anos de 1870
na capital Curitiba, proliferaram dezenas de novos grupos de intelectuais,
utilizando a Biblioteca Pública do Paraná, mas também sedes de revistas do
período. Como afirma a historiadora:
No Paraná da instalação e consolidação da República, despontava
uma mocidade que se atrelava aos circuitos da palavra, acreditando
com ela poder delinear as características e as condições necessá-
rias para a prosperidade paranaense. Assim, a constituição de um
Paraná autônomo e autêntico ganhava corpo através da escrita de
moços que se envolviam em atividades de leitura, escrita e oratória.
Moços que se dedicaram ao jornalismo e à literatura, valendo-se da
palavra para defender as causas nas quais acreditavam. (MELLO,
2008, p. 10)

Esse grupo divergia da perspectiva que os militares tinham sobre a cons-


trução da República no Brasil. Isso demonstra que estávamos longe de um
ideal de democracia, mas que fomentou a participação de intelectuais, muitas
vezes diferentes daqueles já estabelecidos na política brasileira.
Mello aponta em sua tese uma relação de reciprocidade entre esses novos
intelectuais do Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo, ou seja, as discussões
ganharam espaço nas décadas seguintes e, ao mesmo tempo, tal fato demons-
tra que não ocorriam apenas no eixo São Paulo-Rio de Janeiro.
Ainda, é importante considerar que muitos desses moços, apesar de não
serem militares, também defendiam ou discutiam ideias positivistas, con-
forme podemos perceber na citação a seguir, em um debate sobre os indígenas:
Em linhas gerais, os moços embasavam-se no Positivismo e no ideal
de constituir uma República soberana e autônoma. E ainda afirma-
vam o anticlericalismo através de textos marcados pela crítica à cate-
quese e aos Jesuítas. Estaria a cargo do Estado ocupar-se do gentio,

– 62 –
Movimentos urbanos e sociais

incutindo-lhes o sentido e o valor da pátria, da República, da família


e do trabalho, formando, assim, cidadãos [...].
A cidadania implicava em certos atributos, como a liberdade e a
autonomia e seria garantida pelo trabalho, pela educação. Neste
quadro, em que se montavam as referências necessárias para a efeti-
vação de um Estado republicano na excelência da palavra, o aborí-
gine, elemento autóctone, encarnava uma possibilidade ímpar para
iluminar e propiciar a constituição de um país [...]. (MELLO, 2008,
p. 225-226)

A discussão é do ano de 1896 e surpreende pela consciência acerca da


necessidade de proteção e do lugar social dos indígenas do país, embora sai-
bamos que tal tema ainda persiste nas pautas brasileiras. A citação também
nos permite entender que ao limitar os poderes da Igreja era preciso criar
ideais de persuasão sobre a formação identitária nacional, ou seja, encontrar
elementos que colaborassem com os discursos nacionais, forjados a partir
daquele período.
O indígena, elemento “mais natural” da paisagem brasileira ainda era
preterido nesse contexto, mesmo com a presença de imigrantes, que logo
ocupou espaço nos discursos mais “modernistas”. Do mesmo modo, a edu-
cação passou a ocupar uma centralidade nas discussões, afinal, para formar
cidadãos, lugar algum seria melhor do que a própria escola.
Os significados mais comuns dados à República, nesse caso, são aponta-
dos como argumentos essenciais, por exemplo, liberdade e autonomia. Além
disso, o tema referente ao ensino laico recebeu destaque, assim como as con-
sequências da escravização africana e da doutrinação jesuíta e católica.
Um dos temas centrais de Silvia Mello é que o direito de escrever e de
ter a palavra foi uma das maiores inovações e contribuições para o desenvol-
vimento social, cultural e político do país, embora muitas vezes fosse per-
mitido unicamente à elite ou a quem estivesse associado a ela. Nesse caso, a
historiadora Angela de Castro Gomes traz em suas discussões uma informação
que corrobora a ideia de que a República, embora bastante cerceada, também
trazia novidades:
Em janeiro de 1890 surgiu, na capital da República, o primeiro jor-
nal que pode ser considerado um instrumento de organização ope-
rária no Brasil, com um programa de assumida inspiração socialista.

– 63 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Sugestivamente, chamava-se A Voz do Povo. Embora suas ideias


tivessem antecedentes em publicações do período imperial, após a
Proclamação era a primeira vez que a “palavra” estava sendo usada
para a orientação e a organização do povo, identificado como a popu-
lação trabalhadora. (GOMES, 2005, p. 38)

Observamos nessa citação o estabelecimento de uma relação entre a


ideia de povo e a população trabalhadora, em uma perspectiva socialista. Para
além da questão polêmica e política envolvida, o que evidenciamos é a dina-
mização política, ou seja, uma vertente diferente de Partido Republicano ou
mesmo do que restava do governo imperial.
A escolha econômica e política na Constituição de 1891 foi um libera-
lismo com pouca intervenção do Estado e na relação entre trabalhadores e
empregadores. Portanto, a relação desses se tornou cada vez mais conflituosa
ou um “caso de polícia”, enquanto surgiam grupos, como os socialistas e os
anarquistas, para debater esses problemas também sociais.
Gomes afirma que O Paiz – periódico oficioso4 republicano –, sau-
dou de forma “simpática” a publicação de A Voz do Povo. Ambos os jornais,
embora tenham origem em grupos de operários diferentes, visavam o ideal de
República. No caso do Voz do Povo:
A República era o reverso da Monarquia, diagnosticada como a “era
do tradicionalismo”, isto é, dos preconceitos e privilégios aristocráticos
[...] o grande sentido da República era abrir as portas da existência ao
trabalhador brasileiro. [...]
O terceiro ponto do discurso do jornal era finalmente sua proposta
política: ser a voz desta parcela do povo, até então simplesmente
ignorada pela sociedade ou vista como um somatório de valores
negativos. [...]
A República, esta revolução regeneradora que tinha como corolário a
igualdade, reservava um espaço às aspirações populares de participa-
ção e cidadania política. (GOMES, 2005, p. 39-40)

Nesse sentido, a República deveria acabar com os privilégios sociais,


dando lugar aos grupos mais simples, em especial, aos trabalhadores, aqueles
que, de fato, faziam a fortuna do país e que não desfrutavam do valor do
próprio trabalho. O jornal, por sua vez, era um dos lugares em que as classes
4 Mesmo sem caráter de publicação oficial, apoiava o governo.

– 64 –
Movimentos urbanos e sociais

mais simples estariam representadas, a fim de que a participação política fosse


buscada. Várias notícias veiculadas nele, ou em espaços como o dele, não
eram comuns por volta de 1860-1870.
Parte dessas discussões passaria a fazer parte do debate político que se
iniciava, devido à organização partidária política de 1893, no que se refere
às características e aos procedimentos necessários para a criação de partidos,
após a dissolução dos partidos monárquicos (LESSA, 1988, p. 75).
Desse modo, ao mesmo tempo em que se discutia no Brasil os melhores
símbolos para criar uma identificação popular, havia a disseminação de opi-
niões e temas até então proibidos.
A República proclamada era, para muitos, algo a se descobrir e a se
definir, isto é, era preciso pensá-la como um novo regime político que
seria organizado e a que grupos sociais ele se estenderia. Essas respostas
viriam a ser debatidas nas décadas seguintes. Alguns desses grupos pode-
riam ser os de trabalhadores e operários das primeiras fábricas maiores
ou mais organizadas do Brasil desse período, cujos desejos, baseados nos
ideais socialistas e anarquistas, eram de buscar efetivar a igualdade prome-
tida pelo termo república.

3.2 Socialistas e anarquistas no Brasil


A historiadora Angela de Castro Gomes afirma que foi no fim do século
XIX e no início do século XX que as discussões socialistas se tornaram mais
comuns no meio do operariado (GOMES, 2005, p. 18), principalmente nos
estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, onde se concentravam muitos tra-
balhadores que tinham contato com essas ideias.
Os imigrantes que não iam para o Sul ou aqueles que antes se instalavam
em fazendas de café distantes, mas acabaram deixando esses locais nas décadas
seguintes, passaram a morar nas capitais do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Também chegavam aos grandes centros os diversos ex-escravos que, apesar de
não ocuparem o mesmo lugar dos operários, em razão do preconceito racial,
buscavam empregos nas cidades.

– 65 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

De acordo com Francisco Iglésias, foram muitos os partidos socia-


listas e comunistas desse período, cerca de 20, os quais sobreviviam por
alguns meses ou até anos. Para Iglésias, não havia tanto apoio popular, jus-
tamente pelo desconhecimento da importância dessas ideias (IGLÉSIAS,
1993, p. 219).
O socialismo surgiu em virtude das consequências da Revolução
Industrial no século XVIII, processo em que operários eram expostos à
exploração mediante excessivas horas de trabalho, ausência de direitos tra-
balhistas, salários baixos e condições precárias de trabalho. Portanto, o socia-
lismo significava uma resposta à miséria imposta pelo capitalismo industrial
e agrário, que tomou conta do mundo nos últimos séculos (SPINDEL,
1995, p. 15).
A ideia de Pianciola (2004) completa esse pensamento, porque, para
ele, o socialismo está relacionado a um conjunto de teorias que visam pro-
mover a transformação desses contextos de miséria, alterando o processo
econômico, político e o direito à propriedade, permitindo que ela seja
mais dinamizada e esteja nas mãos de operários (PIANCIOLA, 2004, p.
1196-1197).
Por sua vez, Gomes aponta que o socialismo daquele período nem
sempre estava preocupado em ocupar a rua ou organizar manifestações,
embora não as descartasse. Ele objetivava ganhar lugares políticos, mas de
forma moderada (GOMES, 2005, p. 69). A historiadora também considera
o aumento de greves (entre os anos de 1902 a 1903) um aspecto impor-
tante que permitiu às ideias socialistas abrirem espaço para as anarquistas.
Além disso, a “política dos governadores” de Campo Salles – processo no
qual havia uma troca de apoio político para manter a ordem no país, sob
a tutela daqueles que já detinham o poder antes da Proclamação – fez com
que as negociações entre os operários e o patronato diminuíssem (GOMES,
2005, p. 73).
Já o anarquismo foi acolhido pelos operários durante a realização do I
Congresso Operário, no ano de 1906, no Rio de Janeiro. A Figura 3, de A Voz
do Trabalhador, mostra com que objetivo lutavam os operários:

– 66 –
Movimentos urbanos e sociais

Figura 3 – Capa do Jornal A Voz do Trabalhador.

Fonte: Wikimedia Commons.


A imagem, de 1915, traz a representação de um trabalhador forte, o que
sugere justamente a força dessa “mão de obra” e que, por sua vez, deveria ser
respeitada e ter direitos trabalhistas. A cor branca do trabalhador, talvez pela
forte influência dos imigrantes operários, excluía dessa representação a maio-
ria de negros e ex-escravos. Os crânios na parte de baixo da ilustração são as
diversas instituições condenadas ou negadas pelos anarquistas, como o clero,
o Estado e o próprio capitalismo.

– 67 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

De acordo com a leitura de Gomes, outros acontecimentos colabora-


ram para uma maior aceitação anarquista, como a greve paulista de 1907, a
formação da Federação Operária do Rio de Janeiro e a publicação do jornal
A Voz do Povo. Os congressos e publicações de materiais tinham por finali-
dade a difusão de suas ideias nos principais centros urbanos. Além disso, os
anarquistas colaboraram nos principais pontos da atuação sindical da época
(GOMES, 2005, p. 78-82).
O anarquismo entendia que apenas com o fim do capitalismo e do
Estado haveria a igualdade e a liberdade, ou seja, os operários não deveriam
ficar satisfeitos em negociar com patrões, pois o ideal era não haver mais essa
divisão de classes5 (COSTA, 1980, p. 17). Para isso ocorrer, era preciso greve,
consciência, uso da força/embate e apoio popular e rejeição ao sistema polí-
tico, que vinha sendo construído desde 1889, já que ele apenas legitimava os
mesmos privilégios e diferenças de classe anteriores. Angela Gomes define a
ação dos anarquistas:
O grande objetivo dos anarquistas era banir a violência das rela-
ções sociais, o que só conseguiria através de um longo processo
de luta, entendido como um processo de conquista da liberdade.
Havia consenso quanto à ineficiência das medidas defendidas
pelos socialistas, consideradas ilusórias e por nada conquistarem
ou assegurarem realmente. [...] Contudo, aceitar o emprego de
ações violentas não significava rejeitar a utilização de ações pacífi-
cas e sobretudo não significava utilizar o expediente do terrorismo.
(GOMES, 2005, p. 90)

Nesse sentido, é importante considerar que a “fama” de violência


relacionada aos anarquistas, construída ao longo do tempo, colaborou
para que suas intenções fossem desconsideradas. Aqueles contra quem
“lutavam” continuaram a obter benefícios submetendo operários e operá-
rias à exploração.
Havia conflitos também entre anarquistas e socialistas, especialmente no
que se refere às relações com o Estado e o direito ao voto. Na citação seguinte,
José Murilo de Carvalho evidencia tal aspecto:
5 Para mais informações sobre as mudanças no mundo do trabalho no Brasil na virada do
século XIX, ver Gomes (2005).

– 68 –
Movimentos urbanos e sociais

Os setores operários menos agressivos, mais próximos do governo,


chamados na época de “amarelos”, eram os que mais votavam,
embora o fizessem dentro de um espírito clientelista. Os setores
mais radicais, os anarquistas, seguindo a orientação clássica dessa
corrente de pensamento, rejeitavam qualquer relação com o Estado
e com a política, rejeitavam os partidos, o Congresso, e até mesmo
a ideia de pátria. O Estado, para eles, não passava de um servidor
da classe capitalista, o mesmo se dando com os partidos, as elei-
ções e a própria pátria. Ao encerrar um Congresso Operário, em
1906, no Rio de Janeiro, um líder anarquista afirmou que o ope-
rário devia “abandonar de todo e para sempre a luta parlamentar e
política”. O voto, dizia, era uma burla. A única luta que interessava
ao operário era a luta econômica contra os patrões. (CARVALHO,
2002, p. 60)

Anarquistas acusavam o Estado de ser um “fantoche” que agia de acordo


com os interesses dos donos das fábricas ou, em geral, de qualquer emprega-
dor. Diziam que a administração política do Estado criada após a Proclamação
da República foi estabelecida com a finalidade de manter no governo muitos
que já estavam lá.
Nesse sentido, para os anarquistas os sindicatos existentes funcionavam
com caráter assistencialista ou eram cooperativas que buscavam atender à
demanda popular, em detrimento aos interesses dos patrões. Por esse motivo,
chamavam os integrantes dos sindicatos mais tradicionais de amarelos. Nessa
conjuntura, portanto, os operários que queriam ter mais destaque, ou mesmo
voto, precisavam aliar-se aos amarelos, em uma prática clientelista, algo muito
recorrente no período ou mesmo na história do Brasil.
Compreendemos que o movimento anarquista no Brasil foi crucial para
que os operários passassem a perceber a importância da união entre eles, a
fim de que as pautas semelhantes tivessem, nessa unidade, mais força para
vencer. José Murilo de Carvalho resume a importância do período de atua-
ção dos anarquistas:
Na indústria e na construção civil, encontravam-se as posições mais
radicais, influenciadas pelo anarquismo trazido por imigrantes euro-
peus. O auge da influência dos anarquistas verificou-se nos últimos
anos da Primeira Guerra Mundial, quando lideraram uma grande
greve que incluía planos de tomada do poder. Em São Paulo, o peso
do anarquismo foi maior devido à presença estrangeira e ao pequeno
número de operários do Estado. (CARVALHO, 2002, p. 59)

– 69 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

A citação deixa evidente que as relações entre o patronato e os operá-


rios, mediadas pelo Estado, que era uma representação em geral do próprio
patronato, não eram suficientes para atender às necessidades dos operários.
Dessa forma, a ação anarquista abalou essas certezas, fazendo com que par-
tidos ou organizações operárias e socialistas começassem a se manifestar de
maneira mais enfática, conquistando mais direitos, como descanso semanal
remunerado, o direito de se organizar como grupos e a redução de jornada
de trabalho – este último era um dos principais pontos da pauta anarquista
e socialista.
Tais ações anarquistas foram malvistas pelos dirigentes de Estado (e das
fábricas), que tomaram diversas medidas:
O governo federal aprovou leis de expulsão de estrangeiros acusados
de anarquismo, e a ação da polícia raramente se mostrava neutra nos
conflitos entre patrões e operários. O anarquismo teve que enfrentar
ainda um opositor interno quando foi criado o Partido Comunista do
Brasil, em 1922, formado por ex-anarquistas. O Partido Comunista
vinculou-se à Terceira Internacional, cujas diretrizes seguia de
perto. A partir daí a influência anarquista declinou rapidamente.
(CARVALHO, 2002, p. 59-60)

Muitos imigrantes que trouxeram ideais socialistas e anarquistas acaba-


ram sendo expulsos do Brasil, muitas vezes acusados de “baderneiros”. A cita-
ção de Carvalho, ao afirmar que a polícia não era predominantemente neutra
(o que entendemos por “estar ao lado dos patrões”), demonstra a ausência de
direitos dos operários, bem como a liberdade de contestação em um país que
já era uma república. Junto a isso, os ideais comunistas chegaram ao Brasil e
acabaram com as últimas forças anarquistas.

3.3 Trabalhadores de 1890-1910


Após a abolição da escravatura (1888), o número de migrantes para as
zonas urbanas aumentou, fazendo com que as cidades inflassem. De acordo
com Lilia Schwarcz e Heloisa Starling, entre 1877 e 1903, foram cerca de
70 mil imigrantes que entraram no Brasil, a maioria italiana. Porém, nos 30
anos seguintes, as nacionalidades que aqui chegaram foram as mais diversas
(SCHWARCZ, STARLING, 2015, p. 323).

– 70 –
Movimentos urbanos e sociais

Diante disso, podemos perceber que muitos grupos, embora todos ope-
rários, estavam se formando, mas com características diversas em razão de
questões étnicas, raciais ou de prática política. Em relação a essas diferenças, os
historiadores Antônio Negro e Flávio Gomes apontam especialmente o modo
como se encontravam os ex-escravos nesse mundo do trabalho. Segundo ele,
desde meados do século XIX, escravos ou ex-escravos eram vistos como de
ganho ou vendendo o que podiam quando livres. Sendo assim, houve nas
cidades um maior controle por meio de estratégias e força policial (GOMES;
NEGRO, 2006, 226-232).
Com a liberdade, a partir de 1888, muitos ex-escravos já viviam nas
cidades e também fizeram parte tanto de movimentos de greve, quanto da
formação operária6, enquanto as cidades começavam a receber imigrantes em
uma proporção maior ao período anterior.
Carvalho aponta que a maioria dos imigrantes era proveniente da Itália,
porém havia uma presença significativa da nacionalidade espanhola. Além
deles, havia os migrantes do interior ou de outras capitais do Brasil. Poucos
trabalhavam para o Estado ou eram funcionários públicos (estradas de ferro,
marinha mercante, arsenais).
Além disso, segundo o historiador, os operários recebiam orientações dife-
rentes conforme o lugar que escolhiam (CARVALHO, 2002, p. 59). No caso
do Rio de Janeiro e dos empregos públicos, havia menos liberdade de voto e de
manifestação, diferentemente de outras situações: “Os operários do porto não
se negavam a dialogar com patrões e com o governo, mas eram bem organi-
zados e mantinham posição de independência” (CARVALHO, 2002, p. 59).
A partir de 1890, o movimento operário se intensificou, apoiado pelas
discussões socialistas, visto que a República proclamada não havia feito o
que era esperado. Segundo Claudio Batalha, foi nesse contexto que os operá-
rios buscaram associar direitos sociais e políticos (BATALHA, 2003, p. 174).
Entretanto, para que isso ocorresse, era preciso ter renda ou começar a dis-
putar cargos políticos. Apesar dos muitos partidos socialistas surgidos nesse
período, Gomes aponta que o primordial nesse contexto era: “a revaloriza-
ção do trabalho e do trabalhador e a crença na possibilidade de os direitos
6 Para um debate historiográfico de como questões de classe e a inserção dos ex-escravos se deu
após a proclamação da República no mundo do trabalho, ver Negro e Gomes (2006).

– 71 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

operários serem defendidos dentro das regras do sistema representativo de


corte liberal” (GOMES, 2005, p. 41).
Mesmo os grupos que agiram com comportamentos hostis ou colabora-
ram com situações contrárias às ideias iniciais, havia uma diversidade se for-
mando, e essa foi uma das vantagens oferecidas por um regime republicano: a
democracia. Tal perspectiva, mais comum a partir dos anos de 1930, não está
dissociada das primeiras lutas operárias da República brasileira, que ficaram
muito mais intensas nos anos de 1920.
Para Carvalho, o movimento operário permitiu grandes avanços em
relação aos direitos civis e à cidadania, isto é, garantiu conquistas maiores
mesmo que seus reflexos viessem a despontar somente a partir de 1930, no
governo de Getúlio Vargas. O ato de pedir visibilidade nas leis trabalhis-
tas (em busca de horário de trabalho adequado, manifestação de interesses
e defesa dos direitos básicos) permitiu que, aos poucos, seus espaços fossem
mais respeitados, alcançando direitos como o descanso remunerado e as inde-
nizações por acidentes de trabalho (CARVALHO, 2002, p. 59-60).

Conclusão
A frase de Euclides da Cunha (CUNHA apud SEVCENKO, 2015, p.
130), jornalista e escritor brasileiro, que abre este capítulo está relacionada
aos movimentos sociais, que começaram nos anos de 1890 no Brasil. Ou seja,
enquanto as autoridades militares regiam o Brasil com práticas ditatoriais,
outros grupos fizeram o que de mais importante poderia ser ocasionado pela
“liberdade de uma República”: o direito à palavra.
Portanto, se a República organizada logo após a Proclamação era o resul-
tado de interesses de militares, bem como de classes privilegiadas, ela também
lançou as ideias de igualdade e de cidadania, mesmo que de forma bastante
sutil, permitindo o surgimento de novos movimentos urbanos e sociais.
Com as reflexões aqui expostas, fica claro que cidadania ou um governo
do povo não era o objetivo da República de Deodoro da Fonseca e seu grupo.
Vários grupos, porém, entenderam que um pequeno espaço havia sido aberto
e, nas décadas seguintes, muitas conquistas seriam buscadas por meio de
rebeldia e de questionamentos políticos intensos após essa abertura.

– 72 –
Movimentos urbanos e sociais

Ampliando seus conhecimentos


O texto a seguir refere-se à área de estudo do trabalho, na qual historia-
dores buscam compreender como é afetada a vida social e cultural dos traba-
lhadores pelos tipos e modos de trabalho.

Mundo ou mundos do trabalho?


(CIAVATTA, 2012, p. 34-35)

A comparação não se faz em abstrato, ela ocorre sempre


entre seres ou fenômenos relacionados, situados em um
tempo e espaço, em um determinado contexto de relações
sociais. Para tanto, é preciso, distinguir o trabalho tanto na sua
forma ontológica, fundamental, estruturante de um novo tipo
de ser, o homem, ser social; quanto nas suas formas históricas,
penosas, alienantes, desintegradoras dos melhores valores
da pessoa humana. Na primeira forma, a delimitação entre a
reprodução estritamente biológica e a produção/reprodução
própria dos homens é constituída não apenas pelo produto
do trabalho, mas pela consciência, pela capacidade de repre-
sentar o ser, o produto, de modo ideal, na sua imaginação
criadora (CIAVATTA FRANCO, 1990, p. 43).
O conceito de mundo de trabalho, portanto, inclui as ativi-
dades materiais, produtivas, assim como todos os processos
de criação cultural que se geram em torno da reprodução da
vida. Queremos, com isso, evocar o universo complexo que,
à custa de enorme simplificação, reduzimos a uma das suas
formas históricas aparentes, tais como a profissão, o produto
do trabalho, as atividades laborais, fora da complexidade das
relações sociais que estão na base dessas ações.
[...]

– 73 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

No sentido historicizado da própria noção, Hobsbawm


(1987) amplia a noção de classe trabalhadora, de um con-
teúdo meramente econômico (proprietários e não proprietá-
rios dos meios de produção), para suas dimensões sociais e
culturais. O autor propõe caracterizar a classe operária, obser-
vando as especificidades do contexto ao qual pertencem.
Identifica algumas forças que contribuem para a especificação
do conceito: a economia nacional, o Estado, as leis, as ins-
tituições, as práticas e a cultura de um país. Além disso, o
pertencimento a um grupo social, político ou religioso pode
se constituir em elemento importante dessa especificação. [...]
(HOBSBAWM, 1987, p. 79-98).
E. P Thompson (1981) nos convida a um duplo movi-
mento: de crítica à dimensão reducionista de trabalho como
emprego e seu vínculo linear com os processos educacio-
nais escolares, para compreender o trabalho na sua relação
necessária com a produção da vida. Como historiador das
classes trabalhadoras e de suas lutas na Inglaterra, ajuda-nos
a compreender o trabalho vinculado à experiência humana
e à cultura. Superar a visão meramente economicista do tra-
balho significa pensá-lo a partir dos sujeitos sociais, “como
pessoas que experimentam suas situações e relações produ-
tivas determinadas, como necessidades e interesses e como
antagonismos e, em seguida, tratam essa experiência em sua
consciência e em sua cultura”. Assim, por meio da experiên-
cia de trabalho, homens e mulheres refazem, continuamente,
a sua própria natureza.

Atividades
1. Sobre o início da República, explique por que foi um momento tão
conturbado, embora promissor.

– 74 –
Movimentos urbanos e sociais

2. Considere as diferenças entre o socialismo e o anarquismo no Brasil


no fim do século XIX e no início do XX e estabeleça uma relação com
o movimento operário e as leis trabalhistas.

3. Explique sobre o tratamento dado aos anarquistas e sobre quem eram


os “amarelos”.

4. Diferencie as propostas de Edward Thompson e Eric Hobsbawm em


relação aos “mundos do trabalho”, tomando como base a leitura do
texto complementar.

– 75 –
4
O Sertão e o
interior do Brasil

Neste capítulo discutiremos sobre o modo como a


República foi organizada no fim do século XIX e no início do XX,
no que se refere às movimentações populares e contestações sociais.
Em um primeiro momento, buscamos entender como o Cangaço1,
mesmo que carregado de violência, está relacionado a uma perspec-
tiva de reação diante da miséria social e do descaso político.
O cangaço, nesse caso, vai além de uma caricatura tradicio-
nal em que a violência é retratada como casual, gratuita e vinculada
a interesses de enriquecimento. Ressaltamos que tal movimento
está relacionado a Canudos, que ocorreu no fim do século XIX, de
cunho messiânico, mas também social.
Canudos formou seu arraial por meio das promessas de
Antônio Conselheiro, por uma vida melhor e por medo, visto que
os cangaceiros “assustavam” as populações do interior, que muitas
vezes viviam sem nenhuma proteção.
1 Movimento social rural típico do sertão do Nordeste.
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Do mesmo modo, o Contestado2 foi uma disputa entre coronéis e


fazendeiros da região dos planaltos catarinense e paranaense, posseiros, serta-
nejos e mateiros, cuja liderança era do curandeiro José Maria, da comunidade
Taquaruçu (MACHADO, 2012b).
Objetivamos, com essa abordagem, destacar problemas sociais que esta-
vam eclodindo no Brasil, cuja centralidade estava na ineficiência do discurso
republicano: o de prover cidadania e igualdade a todos.

4.1 O Cangaço
Não existe uma data exata que define o início do Cangaço no Nordeste,
porém temos um indício dos princípios desse movimento na lenda sobre
O Cabeleira. O personagem lendário do século XVIII foi a inspiração da obra
homônima, de Franklin Távora, lançada em 1876. José Gomes, a pessoa que
inspirou o Cabeleira, foi responsável por inaugurar o termo banditismo rural 3,
empregado para se referir ao Cangaço e aos movimentos de Canudos e Contestado.
O historiador Durval Muniz de Albuquerque Júnior, ao analisar a estru-
tura da obra, afirma que o romancista colaborou com os movimentos literá-
rios realista e naturalista:
[A obra] remete para o caráter compósito e de fronteira que teriam
esses escritos, eles oscilariam entre “composições literárias” e “estudos
históricos” (TÁVORA, 1973, p. 22), escritos que respondiam, assim,
às novas regras trazidas para o campo literário pelo que veio a ser
chamado de realismo e de naturalismo, que articulavam o propria-
mente ficcional ao imperativo de se figurar o que seria a realidade.
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2017, p. 229)

Sem comprometimento com a realidade, assim como qualquer livro lite-


rário, o conto partia de um contexto muito real, com nuances sociais e políticas
em que alguém como Cabeleira praticava ações violentas, por vezes apenas como
mercenário e, em outras, como justiceiro. Para Albuquerque Júnior,
Essa literatura visaria, assim, dar a ver e conhecer [...] todo o Norte,
já que deveriam lutar não somente contra a ignorância da realidade

2 A região que recebeu esse nome atualmente refere-se ao Planalto Norte, ao Vale do Rio do
Peixe e ao Meio-Oeste de Santa Catarina.
3 Sobre o termo banditismo rural, ver Wiesebron (1996).

– 78 –
O Sertão e o interior do Brasil

dessas terras pelos centros cultos do país, mas contra o falso juízo e
o desprezo que a elas eram devotadas, lançando mão, para isso, da
“rica mina das tradições e crônicas” das províncias setentrionais do
país [...]. O romance em que materializa esse projeto, O Cabeleira, se
apoia em narrativas orais, algumas delas na forma de versos, que cir-
culavam na província de Pernambuco, em torno desse bandido lendá-
rio. Em várias passagens do romance, Távora vai buscar nesses textos
as imagens com que figura o corpo, os gestos, as ações do lendário
criminoso, seu entorno social, os costumes e paisagens de seu tempo.
(ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2017, p. 229-230)

Albuquerque Júnior reafirma que Franklin Távora traz em suas notas de


rodapé os trechos que seriam suas fontes, semelhante a escritores e etnógrafos
do período. Dessa forma, o escritor trouxe o regional e suas tradições orais,
expressões e acontecimentos, tratando-os muitas vezes como memória, teste-
munho e documento (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2017, p. 229).
O discurso de Távora é referente à década de 1870, na qual se discutia,
além de princípios literários – que seriam os genuínos do território nacional –,
a “brasilidade” que o Sul estava perdendo devido à presença de imigrantes.
Além disso, uma das grandes contribuições da literatura de Távora é
colocar em evidência o tema da literatura das secas, termo que designa um
contexto social e político que nos permite avançar na compreensão da situa-
ção do Nordeste no fim do século XIX. Junto à ideia de literatura da seca,
o cangaço é mencionado no livro como sinônimo de “voz sertaneja” ou de
“complexo de armas”, portadas abaixo do cangaço4 (ALBUQUERQUE
JÚNIOR, 2017, p. 233).
Tal perspectiva deu base para vários estereótipos formados com base
nessa leitura, ou seja, dos cangaceiros apenas como homens “fora da lei” que
aterrorizavam o interior do Nordeste. Entretanto, é preciso considerar o lugar
e o contexto social ocupado por esses homens. Para Petrônio Domingues:
O aparecimento do cangaço está relacionado ao sistema político, jurí-
dico, econômico e social do Nordeste brasileiro; à decadência e reveses
da cadeia produtiva ligada à agricultura e pecuária, à vida de penúria
da população sertaneja, às penosas secas, à ausência do poder público,
às injustiças advindas dos “coronéis” e seus jagunços, às rivalidades e

4 Nesse caso, o termo refere-se a uma roupa vestida pelos “criminosos”, conforme Albuquerque
Júnior (2017, p. 233).

– 79 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

brigas fratricidas entre clãs familiares, aos abusos e truculência da polí-


cia, aos códigos de honra, vingança e violência do sertão, à fragilidade
das instituições responsáveis pela lei, ordem e justiça, à falta de perspec-
tivas e esperanças de dias melhores. No entanto, essa explicação adquire
sentidos e significados mais complexos quando cruzada com a própria
história dos bandoleiros, chamados de cangaceiros. (DOMINGUES,
2017, p. 4)

O “exemplar” mais temido e respeitado do Cangaço foi Virgulino


Ferreira da Silva, o Lampião. Ele matava por qualquer motivo, seja por inte-
resse, seja por vontade ou, até mesmo, por vingança. Também tinha acordos
e relações com políticos importantes, bem como com famílias tradicionais.
Lampião foi entrevistado, filmado e fotografado por Benjamim Abrahão,
como demonstram os exemplos a seguir5:
Figura 1 – Lampião no sertão nordestino, próximo ao Rio São Francisco.

Fonte: Benjamin Abrahão/Instituto Moreira Salles/Wikimedia Commons.

5 Benjamin Abrahão Calil Botto (1901-1938) fotografou e compôs uma das maiores coleções
de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião (1898-1938). Por meio desse acervo fotográfico, o
Cangaço se tornou mais conhecido, além de ter passadp ao imaginário popular, em lendas,
canções e cordéis. Para saber mais, acesse o site “Brasiliana Fotográfica”, da Biblioteca Nacional.
Disponível em: <http://brasilianafotografica.bn.br/?tag=conflito>. Acesso em: 28 fev. 2018.

– 80 –
O Sertão e o interior do Brasil

Figura 2 – Benjamin Abrahão ao lado de Maria Bonita e Lampião.

Fonte: Benjamin Abrahão/Instituto Moreira Salles/Wikimedia Commons.


Trata-se das décadas de 1920-1930, auge do domínio de Lampião. Isso
demonstra que os problemas representados na obra de Franklin Távora, no
século XIX, persistiam ainda no XX.
Esse contexto de Virgulino Ferreira da Silva expõe como a miséria social
em que se encontrava boa parte do interior do Nordeste, assim como a ação
do Cangaço, não estava dissociada da realidade política do país. Isto é, a
mesma nação que projetou a República, sem assumir seu significado político,
permitiu que os grupos sociais ficassem sob a tutela de coronéis regionais,
que, pela política dos governadores e o federalismo do período, manipulavam
medidas políticas e econômicas, muitas vezes relegando ao cangaço a culpa
pelo medo e pelos problemas econômicos.
Porém, trabalhos como o de Benjamin Abrahão e de escritores como
Euclides da Cunha, Franklin Távora ou Graciliano Ramos demonstram que

– 81 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

o Cangaço era apenas o reflexo de uma política econômica de muitos séculos.


Nesse caso, segundo Petrônio Domingues,
a falta de alternativas interessantes talvez tenha sido um elemento
importante para a opção de viver nos brigands. De acordo com o histo-
riador Luiz Bernardo Pericás, o Cangaço se converteu num “negócio”,
num “emprego”, enfim, num “meio de vida”, chegando a ser visto como
uma profissão. Os “novos” cangaceiros, em grande medida, à parte de
motivos pessoais e entreveros com as volantes ou com membros de
outras famílias, “entraram nas fileiras do Cangaço vendo nelas a possibi-
lidade de liberdade, prestígio e fortuna”. (DOMINGUES, 2017, p. 7)

Entre a lenda do Cabeleira até a vida e morte de Virgulino Ferreira da


Silva, o Nordeste foi cada vez mais deixado de lado, do Império à República.
O fim da escravidão aumentou a massa que se acumulava nas cidades maio-
res, bem como a miséria já “natural” do sertão.
De acordo com as historiadoras Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling,
a escrita de Euclides da Cunha deixou evidente o quanto o semiárido teve o
seu espaço geográfico deteriorado depois de seguidas secas e queimadas: a
narrativa dele apresentou “imagens de medo, solidão, abandono; [e] reconhe-
ceu no mundo sertanejo uma marca do esquecimento secular e coletivo do
país” (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 332).
Petrônio Domingues deixa tal perspectiva evidente ao afirmar que o
Cangaço se tornou uma alternativa, para o bem ou para o mal. Se esse
movimento era temido pelos fazendeiros, pelos políticos ou pela popula-
ção, não importa. Era uma possibilidade de vingança, de se ter comida ou
prestígio (DOMINGUES, 2017, p. 7). A miséria, o medo e a falta de pro-
teção por parte do governo republicano fez com que indivíduos passassem
a seguir o movimento e suas promessas.
Além disso, o Cangaço ganhou lendas e versões na literatura de cordel.
Por isso, os cangaceiros eram temidos por uns e respeitados por outros.

4.2 Canudos
A situação da Igreja Católica Apostólica Romana não era muito cômoda
após a Proclamação da República, especialmente ter perdido boa parte de seu
poder político. Nesse contexto, foram lançadas diversas estratégias para que
– 82 –
O Sertão e o interior do Brasil

ela continuasse ampliando seu horizonte de domínio e, ao mesmo tempo,


lutasse contra ideologias e correntes que surgiam, como o socialismo, o
liberalismo, o positivismo, o cientificismo, o protestantismo e a maçonaria
(HERMANN, 2008, p. 124).
A romanização, incentivada pelo Vaticano, também instituiu o aumento
de trabalho missionário (incluindo escolas), com a finalidade de reforçar a
moralização e a hierarquia no interior da Igreja (HERMANN, 2008, p. 124).
Esses apontamentos demonstram as reações da Igreja católica mediante
a proibição de sua participação política. Entretanto, segundo a historiadora
Jaqueline Hermann, a Igreja não pôde controlar todas as inquietações e mani-
festações contra si, por isso movimentos como Canudos e Contestado são
também vistos como messiânicos (HERMANN, 2008, p. 125).
Hermann aponta que o messianismo pode ser entendido como um
movimento reformador e restaurador ocorrido em um contexto de ausência
de leis e regras de organização. Para a autora, “A instabilidade habitual dessa
sociedade rústica, baseada em solidariedades de parentesco e compadrio, tor-
nava-a suscetível a arranjos e laços de compromisso e dependência que estru-
turavam alianças sempre provisórias, conformando o chamado ‘coronelismo’”
(HERMANN, 2008, p. 127).
Além disso, também é preciso considerar a marginalização tanto do inte-
rior do Brasil quanto das relações de classe peculiares a cada região. O movi-
mento de Canudos tornou-se um meio de expressão fanático e de marginaliza-
dos, conforme evidencia parte da historiografia (HERMANN, 2008, p. 127).
Portanto, à medida que conflitos locais ocorriam (e considerando o
poder dos coronéis), propostas messiânicas buscavam ganhar espaço, para
além da interferência da Igreja. Ressaltamos que o regime republicano já
havia instituído a “política dos governadores”, cuja máxima era a autonomia
regional. Em troca, São Paulo e Minas Gerais deviam deixar o governo federal
agir livremente em seus territórios.
Foi nesse contexto que Antônio Conselheiro começou a apregoar pelo
interior do sertão promessas religiosas de salvação, de proteção contra canga-
ceiros e coronéis e o fim da miséria social em que vivia uma maioria. Conforme
Hermann (2008, p. 127), por meio do “catolicismo popular, os sertanejos
construíram uma identidade ao mesmo tempo marginal e autônoma”.
– 83 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Antônio Conselheiro nasceu no Ceará, em uma família letrada, mas


falida. Após dar aulas e vender o que herdou, passou a ser caixeiro-viajante.
Com a traição e fuga da mulher, começou a perambular pelo interior do ser-
tão nordestino, fazendo e estimulando construções, como cemitérios e igre-
jas, ao passo que conquistava a confiança dos primeiros companheiros que
formaram o grupo que o acompanhava (HERMANN, 2008, p. 140).
As historiadoras Schwarcz e Starling apontam como era a região na qual
Antônio Conselheiro e seus seguidores se estabeleceram e como se deu a esco-
lha pelo local:
A região fora ocupada por uma série de latifúndios decadentes, era
assolada por crises cíclicas de seca e desemprego crônico, e contava
com milhares de sertanejos que peregrinavam pelo sertão baiano.
Em maio de 1893, Conselheiro e seus seguidores chegaram a Bom
Conselho, Bahia. Ali assistiram a uma cobrança de impostos que
haviam aumentado muito com o advento da República e, diante
do povo reunido num dia de feira, Antônio Conselheiro arrancou
os editais pregados nas paredes e os queimou. Ao saber do ocorrido,
Rodrigues Lima, enviou soldados para prender o beato e sertanejos.
Esse combate levou Conselheiro a pôr fim à peregrinação e se esta-
belecer na fazenda de Canudos. Da data de chegada até o fim da
guerra, a comunidade cresceu de 230 para cerca de 24 mil habitantes
e, batizado de Belo Monte, o arraial se tornou um dos mais populosos
da Bahia. (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 333)

Diversos elementos possibilitaram a formação desse grupo que seguia as


ideias de um religioso pregador de dias melhores a uma multidão que vivia na
precariedade. A República piorou essa situação em consequência do aumento
de impostos.
Além disso, o temor dos coronéis, como representantes da República,
aumentava com a possibilidade de não pagamento desses impostos. Com o
ato de rebeldia – e de vitória – de Antônio Conselheiro, o grupo acreditou
que poderia “vender” aquela dita República que os oprimia, vivendo em um
local livre do domínio dela. Nesse sentido, o arraial de Belo Monte adquiriu
três inimigos: a República, a Igreja e os coronéis.
Longe de idealizar Canudos, é preciso, no entanto, considerarmos que o
cotidiano nessa comunidade era muito melhor do que o conhecido pela maio-
ria. Isso se deve em especial ao uso coletivo da terra para plantio e colheita,

– 84 –
O Sertão e o interior do Brasil

assim como a criação de animais diversos e a produção de couro curtido.


Do total da produção existia uma divisão, nem sempre igualitária, mas bem
mais vantajosa em relação à que era comum antes do arraial (SCHWARCZ;
STARLING, 2015, p. 333).
O governo do período era o de Prudente de Morais, o primeiro regime
republicano civil após à Proclamação da República, ou seja, um tempo con-
turbado, visto que os militares tinham se mantido por pouco tempo no poder,
mas objetivavam voltar ao governo, e o republicanismo parecia ainda não ser o
suficiente para as demandas políticas brasileiras (HERMANN, 2008, p. 139).
Antes de o governo começar a se preocupar de fato com a existência de
Canudos, a Igreja Católica já havia debatido o assunto:
[...] em 1895, o arraial recebeu a visita de frei João Evangelista de
Monte Marciano, enviado pelo Arcebispo da Bahia, dom Macedo
Costa, preocupado com o ajuntamento em Belo Monte e com a explí-
cita resistência dos conselheiristas à República, o arcebispo pediu que
o frei os fizesse ver que era errada a posição que tomavam, contra-
riando a ordem de Deus e dos homens. (HERMANN, 2008, p. 141)

Embora Antônio Conselheiro tenha recebido o frei e permitido que ele


fizesse até mesmo missas, acabou por expulsá-lo, pois o religioso insistiu que
os conselheiristas obedecessem às leis republicanas. Por esse motivo, acabou
sendo acusado de maçom e protestante.
O frei, por sua vez, além de dizer que se tratava de uma seita política,
colocou em seu relatório que o arraial de Antônio Conselheiro representava
um cisma6 na Igreja católica baiana.
A partir de 1896, sobretudo em razão de alguns problemas ocasionados
na região, o arraial de Antônio Conselheiro começou a sofrer incursões do
Exército. Essas batalhas foram facilmente vencidas no início, mas martiriza-
ram toda a região, em especial os fiéis de Conselheiro.
De acordo com Schwarcz e Starling, foi com a morte do comandante
do Exército, Moreira César, que o arraial de Belo Monte passou a ser a notí-
cia mais veiculada nos principais jornais do país, tratado como o “mal que
manchava a República”. Tal perspectiva pode ser resumida do seguinte modo:
6 Trata-se de um desacordo de opiniões ou separação de um grupo de pessoas de um coletivo.

– 85 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

No Rio de Janeiro, capital da República, os jornais divulgavam que


Canudos era um reduto monarquista e tinha que ser destruído.
Mesmo assim, o arraial resistia a ataques cada vez mais violentos da
quarta expedição enviada pelo governo, composta de 421 oficiais
e 6.160 soldados, armados até os dentes. Em outubro de 1897, o
Exército garantiu que quem se rendesse sobreviveria. Mas o acordo
não foi cumprido, e muitos dos homens, mulheres e crianças que
se entregaram foram degolados. No dia 5 do mesmo mês, por fim,
o arraial foi invadido, queimado com querosene e dinamitado.
(SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 334)

A degola, a dinamite e o desejo de destruir Canudos, um povoado pobre


no meio do sertão baiano, representa a situação social do país, ocasionada
por anos de colonização e da presença portuguesa, ao passo que também nos
mostra que a República não foi proclamada para dar igualdade social ou par-
ticipação política à maior parte da população.
Canudos precisava ser apontado como exemplo do que se faz com a
rebeldia e com a subversão, desconsiderando o que levou o lugar a ser um
reduto considerado como fuga da República.
Existem diversos debates sobre o peso da história de Canudos e as razões
que ocasionaram esse movimento. Hermann traz o debate de modo objetivo.
Para a historiadora, a primeira versão interpretativa para explicar Canudos, a
de Euclides da Cunha, trata do tema como algo evolucional, visto que o escri-
tor se preocupa com o espaço geográfico, as dificuldades e a organização estru-
turada até o ápice do problema, o próprio homem, na ideia exposta a seguir:
Tal como a natureza, inóspita e acuada por agressões permanen-
tes, seculares, o homem do sertão nasceu desse “martírio” e da
luta cotidiana pela sobrevivência, tendo por isso uma força física
extraordinária e uma capacidade “inata” para domar as dificulda-
des geográficas e climáticas. Mas, esse homem viril, possuía uma
degenerescência primordial, uma formação racial nefasta, que o
torna fraco moralmente. Só por isso pôde se afeiçoar a uma reli-
gião tipicamente mestiça, “deixando-se facilmente arrebatar pelas
superstições mais absurdas e crendo no que já não existe sequer em
Portugal, como o misticismo político do sebastianismo” (Cunha,
1975). (HERMANN, 2008, p. 145)
As ideias de Euclides da Cunha, portanto, sugerem que o povo do ser-
tão, em especial o de Canudos, era racialmente complexo em relação aos

– 86 –
O Sertão e o interior do Brasil

demais, a ponto de ser controlado, excluindo qualquer perspectiva social e


política de análise do problema inicial. Tal perspectiva foi debatida nas déca-
das posteriores aos anos de 1950, quando outros historiadores, antropólogos
e sociólogos passaram a discutir a relação entre posse de terra e a vida serta-
neja como uma reação aos problemas sociais regionais, e não uma exclusiva
negação à “novata” República brasileira.
A historiadora Hermann, por sua vez, ao analisar os escritos de Antônio
Conselheiro, afirma que ele não se colocava como um representante de Deus,
mas apenas em relação à República. Por isso, entendemos que Canudos
ganhava confiança e era bastante populosa devido à pobreza, à violência,
entre outros elementos, porém o que sustentava essa comunidade era a con-
vicção de Antônio Conselheiro na fé católica.
Tal ideia evidencia também que os moradores de Canudos não tinham
receio em obedecer a uma ordem, apenas entendiam que a República havia
“logrado” o poder natural da monarquia.
Contudo é preciso considerar que tanto Canudos quanto Contestado
(tema da próxima seção) representam um “monarquismo sertanejo” e são
“parte da experiência traumática da República que, no Brasil, significou para
a população pobre do interior do país maior tributação, guerras e aumento
do poder político dos terratenentes” (MACHADO, 2012a, p. 7). Ou seja,
defender a monarquia era um “grito” de socorro, o que não significava,
porém, pedir o retorno da família real portuguesa.
Com base nessas reflexões, mesmo admitindo-se a presença do fana-
tismo misturado às superstições, o movimento não pode ser visto unica-
mente como messiânico, pois diversas questões sociais/políticas levaram à
sua formação. Antônio Conselheiro liderava Canudos como um homem
letrado, que sofria privações e dificuldades como os demais (HERMANN,
2008, p. 145-149).
As figuras a seguir são representativas do Arraial de Canudos e de
Antônio Conselheiro. A Figura 3 expõe o tamanho da comunidade, que foi
resistente às investidas governamentais por anos, enquanto a Figura 4 repre-
senta o que era para Conselheiro a causa da situação social que levava tantos
a buscarem Canudos: a República.

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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Figura 3 – Arraial de Canudos.

Fonte: Wikimedia Commons.


Figura 4 – Cartum da Revista Ilustrada (c.1896), representando a imagem
de Antônio Conselheiro tentando “barrar” a República.

Fonte: Angelo Agostini/Wikimedia Commons.


– 88 –
O Sertão e o interior do Brasil

Entendemos que o governo republicano não estava (e continuou a não


estar) preocupado em negociar ou sanar os problemas que levaram Antônio
Conselheiro a ter tantos seguidores. Se estes, por sua vez, seguiam-no para
fugir da violência e desmandos dos coronéis, da brutalidade de cangaceiros e
da pobreza ocasionada também pela seca, os que não o seguiam não tiveram
vida melhor que a do arraial.
Canudos era muito menor que a capacidade do Exército para destruí-la,
mas sua força em resistir tantos anos demonstra que era grave a miséria social
brasileira naquele tempo, e mostra-nos de que forma grupos religiosos já esta-
vam alterando a ordem social do século XX.

4.3 Contestado
O território abrangido pelo Contestado (1912-1916) foi uma região de
características bastante diversas às condições de Canudos, porque envolveu um
território maior (Figura 5), próximo à divisa entre Santa Catarina e Paraná.
Figura 5 – Mapa histórico do Contestado.

Fonte: Museu do Contestado/Wikimedia Commons.


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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

O conflito do Contestado ocorreu em um período no qual a República


já estava mais organizada. Na liderança desse movimento, havia José Maria,
herdeiro do carisma do monge João Maria (c.1886-1908) – Anastás Marcaf –
e seu substituto, cujo papel foi equivalente ao de Antônio Conselheiro
em Canudos.
João Maria, que havia lutado na Revolução Federalista (1893-1895),
costumava fazer críticas à Igreja católica. Aos fiéis, asseverava que, quando
cumprida sua missão, iria refugiar-se em Taió, um lugar encantado, “cum-
prindo a ordem que recebera de Deus, para dali voltar ou mandar um
emissário para voltar a pregar e consolar ‘seu povo’” (HERMANN, 2008,
p. 150).
Paulo Pinheiro Machado afirma que ainda no século XIX houve uma
aproximação entre as práticas de João Maria e as práticas políticas federalistas.
No caso de Maria, o objetivo era formar um espaço cultural autônomo, entre
o Estado e o clero. Já os federalistas, do antigo Partido Liberal do Império,
representavam uma vertente mais popular, cuja intenção era lutar contra
a opressão exercida por políticos importantes das capitais (MACHADO,
2012a, p. 4).
Após o falecimento de João Maria, José Maria tomou o seu lugar, acei-
tando adeptos de sua fé, bem como doações, a fim de estruturar um lugar
“de acolhimento”. José Maria instalou-se em uma área de disputa litigiosa
entre os estados de Santa Catarina e do Paraná, em um local conhecido como
Taquaraçu, depois de passar pela cidade de Campos Novos (MACHADO,
2012a, p. 1).
O problema entre os estados já existia desde o fim do século XIX e
foi acentuado no início do XX. Sua principal consequência era a falta de
regulação de terras, causando problemas entre sertanejos e fazendeiros. Dessa
forma, problemas como grilagem e disputas de terra já eram comuns nessa
região, aumentando as desigualdades sociais e de classe.
Não obstante, a presença da companhia ferroviária Brazil Railway, que
já atuava na região desde 1908, causou mais problemas, visto que o acordo
de construção permitia a exploração da madeira das margens, atuando sobre
terrenos de fazendeiros e posseiros (MACHADO, 2012a, p. 1-2).

– 90 –
O Sertão e o interior do Brasil

Em Taquaruçu, por volta de 1912, José Maria passou a dar aulas


militares, estabelecendo relações com posturas religiosas e afirmando que
a República não conseguia atender às necessidades locais – e, portanto, a
monarquia deveria retornar.
Sobre esse período, o historiador Paulo Pinheiro Machado (2011) narra
o contexto de formação de Taquaruçu:
A partir da formação da “Cidade Santa” de Taquaruçu, vários outros
sertanejos passaram a agrupar-se no núcleo inicial. Havia um grande
número de veteranos da Guerra Federalista (1893-1895), maragatos
descontentes com o domínio dos republicanos, opositores políticos
dos Coronéis da Guarda Nacional que governavam os municípios
serranos de Santa Catarina. Taquaruçu e, depois, os novos redutos
recebiam também muitos sertanejos expulsos de suas posses com a
construção da estrada de ferro ao longo dos rios do Peixe, Iguaçu e
Negro. (MACHADO, 2011, p. 178-179)

Soldados que haviam lutado contra e a favor do governo na Revolução


Federalista, grupos que estavam descontentes com o governo republi-
cano e, principalmente, a construção da estrada de ferro São Paulo-Rio
Grande do Sul – que constituía a principal diferença entre Contestado
e Canudos – foram causas dessa concentração de pessoas em Taquaruçu.
Esta era uma região próspera devido à construção da estrada de ferro, mas
a falta de regulamentação em relação à posse da terra gerou um acúmulo
de problemas sociais.
Paulo Pinheiro Machado (2012a) aponta que, por muito tempo, a his-
toriografia tratou a Guerra como uma reação do governo federal a “sertanejos
fanáticos” que não sabiam porque lutavam. Ou seja, apenas obedeciam a José
Maria, cujo objetivo era tomar terras. O historiador afirma que tal perspectiva
foi problematizada na década de 1970:
[O historiador] Duglas [Teixeira Monteiro, na obra Os errantes do
novo século: um estudo sobre o surto milenarista do Contestado, de 1974]
consegue, com os instrumentos teóricos disponíveis em sua época,
entender o processo interno de reelaboração mística e de construção
da linguagem e da visão de mundo rebelde. O trabalho deste autor
teve grande impacto na historiografia seguinte, por ajudar a demolir
o muro da intolerância e da arrogância urbanas, que só conseguia ver
“ignorância”, “fanatismo” e “carências” no mundo sertanejo. A partir

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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

da obra de Duglas, o mundo sertanejo passa a ser visto pelo que efeti-
vamente foi, pelo que construiu e pelo que acreditava. (MACHADO,
2012a, p. 4)

A tese desconstruiu a ideia de que o Contestado foi “vencido” por mili-


tares federais com muita força, especialmente depois de 1914 (até 1916), e
que era um local de fanáticos que lutavam em nome de um monge.
Segundo Machado, a obra mencionada traz para o movimento a pers-
pectiva da luta pela posse de terras, para além do discurso sobre fanatismo
e superstição, que está mais relacionado a uma estratégia de desqualificação
do poder pelos coronéis e pelo próprio governo federal do período, o que o
autor chama de quadro santo. Para ele, o que ocorreu no Contestado entre
1912 e 1916 foi o resultado de décadas de conflitos com base em experiências
“missioneiras” desde o século XIX, com mais ou menos força. Com a ação
mais contundente de fazendeiros e grileiros, e os interesses econômicos da
companhia de ferro, o problema foi extremamente acentuado (MACHADO,
2012a, p. 5).
Desse modo, a partir de 1912, tanto as forças federais quanto estaduais
começaram a preocupar-se com a atuação de José Maria, visto que, para elas,
os camponeses – desempregados e com suas terras griladas – estavam sendo
incentivados a essa revolta.
Com enfrentamentos entre esses grupos, a Guerra do Contestado durou
cerca de quatro anos, com períodos de menor e maior repressão militar. Aliás,
na mesma medida em que os camponeses resistiam às investidas oficiais ou
dos coronéis, estes os reprimiam.
Machado (2011), em outro trabalho sobre as memórias do Contestado7,
busca entender como as táticas e o cotidiano do conflito ocorreram e, assim,
explicar por que os redutos “rebeldes”, quando destruídos por tropas oficiais,
eram substituídos por novos. Armadilhas, “emboscadas”, assim como proble-
mas de fome e abastecimento foram cruciais para o enfraquecimento dos ser-
tanejos. Nas memórias analisadas por ele, a crueldade empregada por rebeldes
também foi recorrente, especialmente no fim.
7 Sugerimos a leitura do artigo “Guerra, cerco, fome e epidemias: memórias e experiências dos
sertanejos do Contestado”, de Machado (2011).

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O Sertão e o interior do Brasil

O que percebemos com o conflito do Contestado é que a situação de


guerra agravou os problemas sociais e políticos da região entre os estados
do Paraná e de Santa Catarina. Se fosse feita a regulação de terra, de nor-
mas e regras para atuação da Brazil Railway – que deixou desempregados
e tomou terras para extração de recursos florestais – e de políticas sociais
(por parte da República) para atender à carência da região, a revolta não
teria ocorrido.
A Guerra do Contestado deixou milhares de mortos, traumas incontá-
veis de todos os lados, e, ainda hoje, de acordo com Machado (2012a, p. 12),
a região onde habitam sertanejos e caboclos remanescentes apresenta os pio-
res Índices de Desenvolvimento Humano do estado de Santa Catarina.

Conclusão
Personagens da literatura ou a representação de pessoas reais em páginas
literárias demonstram a complexidade dos primeiros 25 anos de República
no Brasil.
Do Nordeste ao Sul, o que podemos perceber, brevemente, é que o
regime político escolhido apenas por alguns não correspondia às demandas
sociais da época. Entretanto, é preciso observar que, dotados de interesses
religiosos ou não, influenciados por ideologias políticas ou não, muitos gru-
pos contestaram a ordem e a hierarquia vigentes.
Os movimentos tratados aqui não são e não devem ser vistos apenas
“como subversivos, fanáticos ou violentos”. Eles são gritos de marginalizados
desejosos de justiça social, são reflexos da miséria brasileira do período, reafir-
mada pela questão da posse de terra.
Efetivamente, se temos problemas com esses na atualidade, exigir da
República práticas que sanassem tais questões naquele período é cometer ana-
cronismos. Mas foi com base em ações como de Canudos e do Contestado
que novas posturas políticas foram tomadas, para que revoltas como essas não
se repetissem.

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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Ampliando seus conhecimentos


O texto a seguir é parte do artigo do historiador Vanderlei Sebastião de
Sousa, cujo objetivo é debater sobre a obra Os sertões, de Euclides da Cunha,
repleta de elementos do sertão nordestino e considerada uma das principais
fontes para compreensão do movimento de Canudos.
A obra também pode ser compreendida em uma perspectiva realista e/
ou naturalista e, além disso, Cunha, em meio ao seu relato, propagou algumas
das ideias positivistas.

O naturalismo de Euclides da Cunha:


ciência, evolucionismo e raça em
os ­s ertões
(SOUZA, 2010, p. 2-4)

Pode-se dizer que em Os sertões, a literatura é dominada pela


ciência sem deixar de ser literatura, enquanto a imaginação
artística, apoiada no gênero narrativo das grandes epopeias,
ganha as formas da objetividade científica e da busca por leis
gerais de funcionamento do mundo. Para Roberto Ventura, a
narrativa literária de Euclides também incorporou e dialogou
com a tradição dos relatos de viagem e das expedições cientí-
ficas, dando expressão artística e científica ao universo natural
e social observado. Neste sentido, embora Euclides adentre
o sertão nordestino como jornalista e militar, é o cientista que
se impõe com vigor no momento de descrição da natureza,
do homem e do cenário que compõe a vida e a luta no sertão.
Fortemente apoiado sobre as teorias científicas da época, as
páginas de Os sertões procuram desvendar os enigmas da
natureza agreste do sertão e a sua força na formação da psico-
logia do homem sertanejo.
Embora Euclides da Cunha seja mais frequentemente asso-
ciado ao movimento pré-modernista, na medida em que

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O Sertão e o interior do Brasil

emerge de sua narrativa uma forte crítica à realidade bra-


sileira, sua obra pode ser associada à literatura naturalista
do final do século XIX. O movimento naturalista, como é
sabido, tinha como característica principal uma íntima ligação
com o cientificismo positivista de Auguste Comte e uma
forte crença segundo a qual o mundo social poderia ser
explicado a partir das forças da natureza. De acordo com o
escritor francês Émile Zola (1840-1902), um dos fundadores
do romance naturalista, seria possível criar leis gerais de com-
preensão dos fenômenos humanos do mesmo modo que o
médico e fisiologista Claude Bernard (1813-1878) aplicou
o método experimental ao estudo da fisiologia. O literato
francês, autor do célebre Germinal (1883), entendia que a
literatura deveria trabalhar com as condutas, as paixões e os
fatos humanos e sociais com o mesmo rigor que o químico
e o físico trabalham com os corpos brutos, ou de maneira
semelhante ao fisiologista, que lida com os corpos vivos.
Em suas palavras, “há um determinismo absoluto para todos
os fenômenos humanos” de modo que “é a investigação
científica, é o raciocínio experimental que combate, uma
por uma, as hipóteses dos idealistas, e substitui os roman-
ces de pura imaginação pelos romances de observação e
de experimentação”.

Dicas de estudo
22 GUERRA de Canudos. Direção de Sérgio Rezende. [S.l.]: Columbia
Pictures do Brasil, 1997. 165 min.
O filme apresenta a história do Arraial de Canudos, local em que vi-
veram os fiéis e seguidores de Antônio Conselheiro. Evidencia todas as
lutas e as investidas do governo federal a fim de destruir o local, além de
tomar por base a obra de Euclides da Cunha, Os sertões.

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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

22 O MATADOR. Direção de Marcelo Galvão. [S.l.]: Netflix Brasil, 2017.


100 min.
Esse filme evidencia e/ou representa o que seria parte do sertão nordes-
tino na primeira metade do século XX.

22 CPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação de História


Contemporânea do Brasil, 2012. Guerra do Contestado: 100 anos.
Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/contestado>. Acesso em:
22 fev. 2018.
Nesse site é possível encontrar um “dossiê” reunindo diversas leituras,
fontes, sugestões e entrevistas sobre o Contestado. Tal material foi orga-
nizado em comemoração aos 100 anos do fim do conflito.

Atividades
1. Que relação podemos estabelecer entre o Cangaço e a situação social
do sertão nordestino?

2. Canudos se mostrou um reduto de forte representação contra a Repú-


blica. Em que circunstâncias tal afirmação está correta e de que modo
o movimento foi descaracterizado para a população brasileira civil em
sua totalidade?

3. Quais relações podem ser estabelecidas entre Canudos e Contestado,


apesar de ambas não terem ocorrido na mesma década nem em esta-
dos próximos geograficamente?

4. Com base no texto complementar de Vanderlei Sebastião de Sousa,


explicite como a literatura produzida por Euclides da Cunha expõe o
sertão nordestino e quais eram as influências do escritor.

– 96 –
5
República civilizatória
e resistência

As revoltas da República foram além da não aceitação de


uma ou outra determinação política. Elas estavam relacionadas
tanto ao contexto político, no que se refere à mudança de forma de
governo (monarquia para república), quanto ao que diz respeito à
perspectiva social do período, ou seja, do que se esperava e se conhe-
cia do cotidiano.
Movimentos como o de Canudos (1896-1897), após a
Proclamação da República, bem como o do Contestado (já no
século XX), demonstram como diversos problemas sociais passaram
a ser motivo de conflitos no Brasil. Eles poderiam ter sido solucio-
nados se fossem discutidos em uma perspectiva mais democrática,
republicana e menos autoritária.
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Esses dois movimentos ocorreram no interior do país, porém o que enten-


demos por “centro” também vivenciou seus próprios problemas naquele período.
As revoltas da Armada, da Vacina e da Chibata aconteceram na capi-
tal da República e ajudam-nos a entender o panorama social e político de
um ambiente urbano no período republicano. Ressaltamos essas revoltas ou,
como também as entendemos, manifestações, pois elas tiveram consequências
e influenciaram medidas decisivas no modo como a República seria guiada
e entendida. Convidamos você a ler e a refletir sobre a noção e os pilares da
República que estava sendo construída nesse tempo.

5.1 Revolta da Armada


O historiador José Murilo de Carvalho afirma que o Rio de Janeiro
continuou a ser cenário, após o Império, de manifestações contra o poder
presidencial. Nesse caso, a população reuniu-se e revoltou-se pelo preço da
passagem do transporte urbano. Segundo Carvalho (2002, p. 72-73): “A
multidão quebrou coches, arrancou trilhos, espancou cocheiros, esfaqueou
mulas, levantou barricadas. Os distúrbios duraram três dias”.
Embora não houvesse perspectivas de cidadania no período, podemos
perceber que, quando a República foi proclamada, o Brasil já conhecia movi-
mentos reivindicatórios, como era o caso da própria discussão abolicionista.
Sobre essa afirmação, Carvalho faz o seguinte apontamento:
Em todas essas revoltas populares que se deram a partir do início do
Segundo Reinado verifica-se que, apesar de não participar da política
oficial, de não votar, ou de não ter consciência clara do sentido do
voto, a população tinha alguma noção sobre direitos dos cidadãos e
deveres do Estado. O Estado era aceito por esses cidadãos, desde que
não violasse um pacto implícito de não interferir em sua vida privada,
de não desrespeitar seus valores, sobretudo religiosos. Tais pessoas
não podiam ser consideradas politicamente apáticas. (CARVALHO,
2002, p. 75)

A citação de Carvalho sugere-nos que, mesmo com a realidade polí-


tica do Império, que não permitia manifestações em prol de igualdade ou
algo semelhante, a falta de criticidade política não era algo que atingia a
todos. Esse tipo de conhecimento, mesmo não sendo cotidiano, passou a

– 98 –
República civilizatória e resistência

ser comum após a proclamação, visto que foram muitos os movimentos: a


Revolta da Chibata e da Armada, Canudos, bem como a Revolta da Vacina
e o Contestado.
A República, formada a partir de 1889, era “objeto” de disputa entre
os militares, os monarquistas e outros sujeitos cujo entendimento divergia
acerca da postura política a se tomar. Lilia Schwarcz e Heloisa M. Starling
trazem esse contexto da seguinte forma:
A República foi produto da ação de um grupo de oficiais social e
intelectualmente antagônico à elite civil do Império, insatisfeito com
a situação do país e com o seu próprio status político. Mas esses ofi-
ciais estavam divididos internamente, e não conseguiram chegar a um
acordo sobre o significado do republicanismo ou quanto aos objetivos
institucionais do novo regime [...]. Além disso, o grande prestígio que
a República emprestava aos militares estimulava a ambição política
dos oficias e a desunião interna, aliada ao desacordo entre as elites
civis acerca do papel do Exército na nova sociedade. (SCHWARCZ;
STARLING, 2015, p. 320)

As historiadoras deixam evidente: a questão principal refere-se à repú-


blica e à “construção” de seu significado, algo político em seu início. Além do
desconhecimento do que isso significava, havia ainda a disputa pelo poder tão
comum nesse âmbito. Junto a tal impasse, algumas transformações já estavam
em curso, como a busca pelo equilíbrio entre os três poderes.
Além disso, houve a supressão do Poder Moderador, a permissão da liber-
dade religiosa e o voto universal, destinado aos homens com mais de 21 anos e
alfabetizados, o que, na prática, impedia as mulheres, os analfabetos, os men-
digos, os padres, os soldados e sargentos de votar (FAUSTO, 1995, p. 251).
Dessa forma, no governo provisório (1889-1891), os ânimos sobre o rumo
do país eram complexos e sem certezas futuras, especialmente porque muitas das
medidas citadas não viabilizavam perspectivas de igualdade nem de cidadania,
restringindo a ideia de República “a um governo de alguns” (oligarquia). Além
disso, havia a promessa de se publicar a Constituição e convocar uma nova eleição.
A Constituição, de fato, foi promulgada, no início de 1891. A partir
disso, consideramos que o governo passou a ser constitucional. No entanto,
embora Deodoro da Fonseca tenha permanecido no poder até o fim de
1891, um de seus gestos também colaborou para o desgaste militar: o de não

– 99 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

convocar uma nova eleição naquele ano, como estava previsto. As discussões
ainda durante a Assembleia Constituinte acirraram os ânimos entre Deodoro
da Fonseca e o Congresso.
Apesar do conflito, Deodoro foi eleito presidente por voto indireto, como
previa a Constituição de 1891, e deveria dividir o poder com o Congresso.
O conflito entre os poderes se exacerbou a ponto de Deodoro sentir-se amea-
çado e fechar o Congresso. Ao fechá-lo, violou a constituição, cujo conteúdo
dispunha que qualquer atentando contra a República deveria ser penalizado
imediatamente (FLORES, 2008, p. 56-58).
Essa situação causou uma das primeiras manifestações do período, a
Revolta da Armada, que pode ser compreendida em dois momentos: o de
1891 e o de 1893 (no governo de Floriano Peixoto).
No contexto do governo de Deodoro da Fonseca, a Armada, como era
chamada a Marinha, além de estar descontente com a política do período
e com a crise econômica, causada pela decisão do ministro Rui Barbosa de
emitir moeda sem lastro, também não aceitava a falta de habilidade dos
militares, que não discutiam com a oposição (SCHWARCZ; STARLING,
2015, p. 320). Por isso, o líder da revolta, Custódio de Mello (ex-ministro de
Deodoro da Fonseca e futuro de Floriano Peixoto), ameaçou bombardear o
Rio de Janeiro com os navios aportados na Baía de Guanabara. Nessa conjun-
tura, Deodoro da Fonseca renunciou ao governo.
A postura tomada por Deodoro da Fonseca demonstrou quão frágil e
incipiente era a ideia do republicanismo no Brasil, ou seja, trouxe para o
debate uma perspectiva de democracia muito limitada. Mas isso não ocorreu
antes do golpe militar de 1889, assim como não aconteceu após, nem em
períodos de crise, como na primeira Revolta da Armada.
O governo militar tratava o Brasil tal como um quartel, com hierar-
quias e silêncios. O que se seguiu não foi muito diverso, visto que o seu vice,
Floriano Peixoto, assumiu o cargo. Entretanto, a nova Constituição previa
que, nesse caso, deveria ocorrer uma eleição, o que não se sucedeu.
Embora a estratégia de Floriano Peixoto não tenha sido democrática,
iniciou-se o período que chamamos de florianismo:
O florianismo foi o primeiro movimento político espontâneo da
República, centrado na figura de uma liderança capaz de galvanizar

– 100 –
República civilizatória e resistência

setores expressivos das camadas médias urbanas e da população em


geral, e de fornecer-lhes uma postulação igualitária para o novo regime,
a qual, no entanto, só poderia implantada pelo autoritarismo militari-
zado do marechal. (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 321)

Desse modo, percebemos que o discurso utilizado pelo presidente para


obter o apoio popular, assim como para controlar a crise política instituída,
manteve uma postura rígida, necessária para que o equilíbrio político se tor-
nasse comum na República. Tal postura gerou a expressão florianismo, em ana-
logia ao jacobinismo da Revolução Francesa (SCHWARCZ, 2017, p. 102).
A ação ditatorial era compreensível para Floriano Peixoto, especialmente
porque, após assumir o cargo, encontrou resistências, não somente da popu-
lação civil, mas de partidários de Deodoro da Fonseca. Naquele período, as
eleições para presidente e para vice-presidente eram separadas, e os eleitos
podiam ser de grupos políticos distintos. Portanto, quando Floriano Peixoto
assumiu, as rivalidades políticas se acentuaram. Ele renomeou os presidentes
dos estados (cargos que correspondem, na atualidade, ao de governador) e
confrontou resistências locais do próprio governo e de jornalistas (FLORES,
2008, p. 58-60).
O historiador Elio Flores traz em sua análise o debate defendido pelo lado
mais conservador do Senado e do Congresso. Naquele período, apesar da resis-
tência a Peixoto, era preciso que o poder legislativo o apoiasse em medidas
extremas, a fim de “salvar” a República (FLORES, 2008, p. 60).
Em abril de 1892, um acontecimento agravou a instabilidade política:
No dia 6 [abril de 1892], 13 generais, nove oficiais superiores do
Exército e quatro da Armada enviam carta, datada de 31 de março, na
qual pediam eleições presidenciais. Eles reclamavam da substituição
dos administradores dos estados, da morte de inúmeros cidadãos e
do “estado de desorganização geral do país”. No mesmo dia, os sig-
natários foram demitidos dos cargos [...]. No dia 9 de abril surge, na
imprensa oposicionista do Rio de Janeiro, a convocação para manifes-
tação de homenagem a Deodoro que seria realizada no dia seguinte.
(FLORES, 2008, p. 61)

Novamente, são apontadas divergências e forte oposição ao governo


militar de Floriano Peixoto, que em momento algum possibilitou negociação
com os revoltosos.
– 101 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Para além de defender Deodoro da Fonseca ou os generais que se colo-


cavam contra Peixoto, o governo da República não era entendido como um
ambiente propício para discussão, mesmo que por razões institucionais (no
caso da Armada ou mesmo do Exército).
Floriano Peixoto tornou evidente essa perspectiva ao decretar estado de
sítio por 72 horas, estratégia para prender aqueles que participariam ou organi-
zaram a manifestação em favor de Deodoro da Fonseca (FLORES, 2008, p. 61).
Nesse contexto, Rui Barbosa emitiu um habeas corpus (instituído na
Constituição de 1891) para os envolvidos que foram presos sumariamente
por ordem de Peixoto. O Supremo Tribunal Federal, além de demorar dias
para responder, acabou por declarar negativa ao habeas corpus, ação que cor-
roborou a prática ditatorial de Floriano Peixoto (FLORES, 2008, p. 62). Esse
fato demonstra que a estrutura política e legislativa da República em “ascen-
são” por si só denunciava os acordos políticos entre o Executivo e o Judiciário,
desconstruindo qualquer possível equilíbrio na política republicana brasileira.
Ao mesmo tempo, Floriano Peixoto mantinha seu discurso popular, ou
seja, de que precisava do apoio do povo a fim de tornar a República uma
realidade possível e sólida (FLORES, 2008, p. 63-64). Mais do que isso,
ganhou incentivo também da pequena classe média e das classes mais baixas
do período, pregando contra o aumento do custo de vida.
Diante disso, o ideal de república tornou-se ainda mais confuso, visto
que uma democracia não deve calar a oposição nem deixar de escutá-la, prá-
tica recorrente nos anos de 1892 e 1893. Em tal contexto, o Brasil passou a
vivenciar outros problemas:
Entre junho e setembro, as sedições explodem no Brasil meridional
onde federalistas, adeptos do senador imperial Silveira Martins, e repu-
blicanos radicais, sob a liderança de Júlio de Castilhos, assassinam-se
mutuamente num prelúdio de guerra civil. (FLORES, 2008, p. 65)

O governo do estado do Rio Grande do Sul foi tomado por federalis-


tas. Os republicanos, sob a liderança de Júlio de Castilhos, pediram o apoio
de Floriano Peixoto, tornando a chamada Revolução Federalista (1893-1895),
uma guerra civil sangrenta no Sul do país.
Republicanos, como Júlio de Castilhos e Pinheiro Machado, opunham-
-se diretamente aos federalistas de Silveira Martins. Estes, como republicanos

– 102 –
República civilizatória e resistência

mais radicais, objetivavam o federalismo, a autonomia municipal e a centra-


lização do poder federal; já os republicanos positivistas rio-grandenses dese-
javam uma ditadura positivista (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 321).
Diante desses problemas, em setembro de 1893, aconteceu uma nova
revolta, que ficou conhecida como Revolta da Armada. Nela, os marinhei-
ros exigiam uma eleição imediata, alegando que Floriano Peixoto assumiu o
governo em um momento no qual novas eleições deveriam ter sido convo-
cadas, ou seja, afirmava que ele estava usurpando um lugar que não era seu.
Além disso, seu líder principal, Custódio José de Melo, fez a seguinte
declaração ao Jornal do Brasil:
Concidadãos,
Contra a Constituição e contra a integridade da própria Nação, o
chefe do Executivo [Floriano Peixoto] mobilizou o Exército discri-
cionariamente, pô-lo em pé de guerra e despejou-o nos infelizes esta-
dos de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Contra quem? Contra
o inimigo do exterior, contra estrangeiros? Não. O vice-presidente
armou brasileiros contra brasileiros; levantou legiões de supostos
patriotas, levando o luto, a desolação e a miséria a todos os ângulos
da República [...]. Sentinela do Tesouro Nacional como prometera, o
chefe do Executivo perjurou, iludiu a Nação, abrindo com mão sacrí-
lega as arcas do erário público a uma política de suborno e corrupção.
[...] Viva a Nação Brasileira! Viva a República! Viva a Constituição!
Capital da República, 6 de setembro de 1893.
Contra-Almirante Custódio José de Melo. (MELO apud JANOTTI,
1986, p. 68)

A Revolução Federalista, que já era considerada cruel e arbitrária por


parte de Floriano Peixoto, é apontada como um dos motivos para que o pre-
sidente renunciasse. Ao fim, Custódio José de Melo reafirma sua “obediência”
à Constituição, argumentando, portanto, sobre a convocação de uma elei-
ção. Segundo Flores, nesse período, Floriano Peixoto também articulava uma
mudança na Constituição, a fim de conseguir um segundo mandato.
Rui Barbosa, jurista liberal que se colocava notadamente contra Floriano
Peixoto por meio do Jornal do Brasil, além de veicular diversas reportagens,
antes da Revolta da Armada, a favor da oposição dirigida a Peixoto, acabou
exilado (FLORES, 2008, p. 68-70).

– 103 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

O movimento foi “contido” apenas no início de 1894, devido à falta de


água e alimentos (tática de Floriano Peixoto), bem como pelo discurso lega-
lista do chefe do Poder Executivo contra a imagem dos “revoltosos”. A estes
restou apenas a possibilidade de fugir navegando para o sul do Brasil.
Entretanto, a historiadora Lilia Moritz Schwarcz afirma que o conflito
não se manteve apenas na capital federal, estendendo-se à Ilha do Governador
(SCHWARCZ, 2017, p. 103).
Floriano Peixoto, que já estava envolvido no combate à Revolta
Federalista, também é apontado pela historiadora como alvo de manifestações,
primeiras greves, protestos e críticas dos jornais operários (SCHWARCZ,
2017, p. 102), ou seja, o povo com suas várias associações estava começando,
em tempos de República, a reivindicar o seu espaço.
A política nos anos seguintes e a Revolta da Vacina são os temas da pró-
xima seção.

5.2 Revolta da Vacina


Em 1894, teve início o primeiro governo civil no país, o de Prudente de
Morais (1894-1897). A partir dessa década, o Partido Republicano Paulista,
com forte influência econômica e política no país, começou a criar uma ten-
dência de governo: a República oligárquica, que praticamente se reduzia às
decisões de governos estabelecidas em comum acordo entre Minas Gerais e
São Paulo. Com o tempo, outros grupos regionais espalhados pelo Brasil iam
ganhando autonomia e conquistando mais espaço.
Para os dirigentes políticos do período, era a maneira de garantir seus
poderes e acalmar as revoltas locais (teoria refutada, se considerarmos o movi-
mento ocorrido em Canudos e no Contestado). Essa estratégia foi reafirmada
por Campos Sales ao institur a política dos governadores. Para Lilia Schwarcz e
Heloisa Starling, essa medida foi suficiente para várias décadas, visto que ela
mantinha nos estados os problemas regionais, devido à sua autonomia (com
exceção de Canudos e do Contestado) e a um sistema eleitoral que garantia o
interesse de coronéis (posto imperial mantido na República) e políticos regio-
nais ou federais (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 322).

– 104 –
República civilizatória e resistência

Nesse sentido, como afirmam as historiadoras, com exceção do Rio de


Janeiro – capital federal –, o restante do “país não passava de uma grande
fazenda” (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 322). Nesse período, diferen-
temente da centralizadora república militar, estavam começando a acontecer
processos e fatos históricos mais próximos de uma ideia social, com formação
de resistências, como as operárias e a de sindicatos (em busca de direitos).
A Revolta da Vacina ocorreu entre os dias 10 a 16 de novembro de 1904,
período em que a capital decretou estado de sítio, prendendo e reprimindo
diversos civis. Esse processo, porém, não é algo aleatório ou um ato alienado
daqueles que se recusavam a receber uma vacina ou causavam motim diante
da vacinação. Tratava-se de um processo mais amplo, o de tornar a capital da
República mais limpa, saudável e livre de pestes e doenças.
O historiador Nicolau Sevcenko (2010) afirma que as ações urbanísticas
objetivavam colocar o Brasil dentro da ordem capitalista burguesa ocidental.
Mas, ao mesmo tempo, os números epidêmicos na capital federal eram alar-
mantes, especialmente os referentes à varíola.
Em geral, de acordo com Sevcenko (2010, p. 15-31), a oposição não
era pela vacinação, mas pela forma como ela foi imposta pelo presidente
Rodrigues Alves (1902-1906) e pelo caráter de obrigatoriedade que, naquele
contexto, foi entendido de modo arbitrário (e republicano).
Ainda segundo o historiador, um dos ápices da recusa pela vacinação
deu-se em razão da morte de uma mulher, cujo motivo, de acordo com o
legista, seria a vacina recebida dias antes. Oswaldo Cruz, o responsável pela
campanha de vacinação, fez uma nova autópsia, alegando que o primeiro
médico era positivista, portanto, agia de “má-fé” (SEVCENKO, 2010, p. 9).
Podemos compreender que havia uma disputa política pela República,
enquanto essa nova forma de governo continuava em processo de “formação”.
É preciso lembrar também que os discursos vendidos nos jornais apoiavam
aqueles que os grupos políticos desejavam.
Os setores populares já haviam sido duramente atingidos pelas refor-
mas de Pereira Passos (tema do Capítulo 6)1, sendo excluídos de seus lares e,
1 Campanhas de saneamento e de urbanização aconteceram no Rio de Janeiro, mas foram
estendidas a outras capitais. Esses processos desencadearam problemas para as comunidades

– 105 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

muitas vezes, despejados nas primeiras vilas das periferias. As casas, conside-
radas insalubres, também eram apontadas como construções que não condi-
ziam com uma urbanização moderna e bela.
Após a reforma, o centro estava “embelezado” e livre daqueles que não
deveriam ser vistos (prática que aumentou a marginalização desses grupos).
Entretanto, a não aceitação da vacina, nos meses após junho e julho de 1904,
não está relacionada apenas com a revolta pela perda de suas casas, visto que:
A oposição à vacina apresentou aspectos moralistas. A vacina era apli-
cada no braço com uma lanceta. Espalhou-se, no entanto, a notícia
de que os médicos do governo visitariam as famílias para aplicá-la nas
coxas, ou mesmo nas nádegas, das mulheres e filhas dos operários.
Esse boato teve um peso decisivo na revolta. A ideia de que, na ausên-
cia do chefe da família, um estranho entraria em sua casa e tocaria
partes íntimas de filhas e mulheres era intolerável para a população.
Era uma violação do lar, uma ofensa à honra do chefe da casa. Para o
operário, para o homem comum, o Estado não tinha o direito de fazer
uma coisa dessas. (CARVALHO, 2002, p. 75)

Nesse caso, as condições de não aceitação da vacina são morais, visto que
a honra da família – e de suas mulheres – poderia ser “maculada”.
Gilberto Hochman (2011, p. 378) também aponta as práticas religio-
sas afrodescendentes como expressivas nesse contexto, as quais explicavam e
curavam doenças de acordo com seus princípios.
Diante disso, como afirma José Murilo de Carvalho, não podemos redu-
zir a Revolta da Vacina como um mero gesto irracional por desconhecimento
da ciência, visto que ela
foi um protesto popular gerado pelo acúmulo de insatisfações com o
governo. A reforma urbana, a destruição de casas, a expulsão da popu-
lação, as medidas sanitárias (que incluíam a proibição de mendigos
e cães nas ruas, a proibição de cuspir na rua e nos veículos) e, final-
mente, a obrigatoriedade da vacina levaram a população a levantar-se
para dizer um basta. O levante teve incentivadores nos políticos de
oposição e no Centro das Classes Operárias. Mas nenhum líder exer-
ceu qualquer controle sobre a ação popular. Ela teve espontaneidade e
dinâmica próprias. (CARVALHO, 2002, p. 74)

mais pobres que, em geral, foram deslocadas para a periferia dos grandes centros.

– 106 –
República civilizatória e resistência

Portanto, tratou-se de um movimento mais orquestrado do que algo aleató-


rio. Além dos aspectos econômicos, de mobilidade e de estrutura social, havia o
apoio dos setores operários, da oposição política contra Hermes da Fonseca. Não
obstante, Carvalho também considera a reivindicação do povo como um motim2
que, em sua complexidade, era uma reação baseada nos princípios daqueles que o
fizeram. As figuras a seguir demonstram a Revolta da Vacina, imagens que explici-
tam a desorganização causada pelos receios da população em ser vacinada, devido
às notícias espalhadas e ao desconhecimento médico da população.
Figura 1 – Cartum publicado em O Malho, em 1904, fazendo uma sátira à
Revolta da Vacina.

Fonte: Leonidas Freire/Wikimedia Commons.


2 Na historiografia, Edward Thompson (2008, p. 105-202) reflete sobre a ideia de motim
quando se refere às manifestações inglesas, na ocasião em que o povo se indignou contra o pre-
ço do pão e do trigo. Não necessariamente se tratava de uma consciência de classe, ao menos
de uma que tivesse entendimento de si, mas cuja dinâmica era muito própria. O caso estudado
também não se aproxima do contexto mencionado no texto de Thompson, entretanto, pensa-
mos da mesma forma a fim de não diminuir a reação popular do período.

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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Figura 2 – Bonde virado na Praça da República, no Rio de Janeiro, durante


uma manifestação da Revolta da Vacina em 1904.

Fonte: Wikimedia Commons.


É evidente a revolta popular, atacando o que seriam os bens públicos
e aquilo que pertencia à equipe médica. Gilberto Hochman tem afirma-
ções semelhantes às de Carvalho, porém, frisa que a resistência à vacinação
também era uma união da oposição (positivistas, militares, elites políticas e
monarquistas), que objetivavam desqualificar as medidas públicas estatais, as
quais se estenderiam à própria ideia de República, a qual ainda era o alvo de
sindicatos em busca de melhores salários (HOCHMAN, 2011, p. 378).
Podemos entender, com base em ideias de José Murilo de Carvalho
(2002), que o Estado fazia parte do entendimento social e político do povo, o
qual, no entanto, não permitia violações de sua vida privada, de suas práticas
religiosas, sociais e culturais. Carvalho expõe esse argumento ao trazer uma
reportagem do período:

– 108 –
República civilizatória e resistência

Como disse a um repórter um negro que participara da revolta: o


importante era “mostrar ao governo que ele não põe o pé no pescoço
do povo”. Eram, é verdade, movimentos reativos e não propositivos.
Reagia-se a medidas racionalizadoras ou secularizadoras do governo.
Mas havia nesses rebeldes um esboço de cidadão, mesmo que em
negativo. (CARVALHO, 2002, p. 75)

Com base na citação, é possível dizer que aquela não era uma situação
apática e fazia parte de um processo de formação social e de compreensão
sobre o que o Estado tem dever e direito de executar.
Havia o desconhecimento sobre o modo de ação da ciência, da saúde e,
conforme Hochman (2011, p. 178), apenas quatro anos depois (em 1908)
houve um novo surto de varíola, no qual mil pessoas entre cem mil falece-
ram. Nesse ano, porém, não houve registros de recusa à vacinação. Ao longo
de duas décadas subsequentes o número diminuiu, confirmando a medida
implementada por Oswaldo Cruz (HOCHMAN, 2011, p. 178).
Apesar da eficiência da vacina posteriormente, esse movimento demons-
trou a instabilidade política no que se refere ao entendimento e à aceitação de
um governo republicano, aliado à ideia de que o povo não era apático para ter
suas vidas tão modificadas sem ao menos questionar a situação.

5.3 Revolta da Chibata


A Revolta da Chibata, embora tenha ocorrido também no meio da
Marinha, é bastante diversa das chamadas revoltas da Armada, que tinham
relação com as questões de oposição política, tanto com a postura presiden-
cial quanto com a ideia de República.
A Chibata foi liderada por João Cândido Felisberto, André Avelino,
Francisco Dias Martins e Manoel Gregório do Nascimento e durou quatro
dias (22 a 26 de novembro de 1910). O objetivo era expor as condições
humilhantes e segregacionistas às quais os marinheiros negros eram expostos,
assim como denunciar as condições de trabalho deles.
Esses marinheiros ameaçaram lançar bombas na capital federal e cul-
pavam a República pela ausência de direitos efetivos e de proteção. Segundo
Álvaro Pereira do Nascimento (2016), o processo abolicionista trouxe a

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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

liberdade aos escravos, porém, mesmo com diversas reportagens e notícias


indicando que tal passado deveria ser esquecido, a igualdade entre negros e
brancos não foi discutida estrategicamente.
No caso dos marinheiros negros envolvidos na Revolta da Chibata,
Antes de tomarem a extrema decisão, viram frustradas suas tentativas
de melhorar as condições de trabalho, fosse na solicitação realizada ao
então presidente Nilo Peçanha, quando lhe entregaram um quadro
desenhado a carvão com seu perfil, em maio de 1910, ou mesmo
por reclamações à imprensa [...]. Tempos depois, um dos cabeças
da futura revolta sinalizou – mediante carta anônima endereçada
ao comandante do “scout Bahia” –, em setembro daquele ano, que
a situação explodiria caso nada fosse realizado. Arrependido, meses
depois, o mesmo comandante reconheceu o erro de cálculo, pois “não
demos à ameaça maior importância. Hoje, seria o caso de acreditar
ser um apelo justo, feito às autoridades contra a chibata!...” [...].
Impedidos de votar por lei, não tinham como eleger um representante
que os defendesse [...] restou-lhes o caminho das armas, da ameaça.
(NASCIMENTO, 2016, p. 153)

Tais iniciativas demonstram como o movimento, mesmo que curto, era


consciente quanto aos seus motivos. Essas ações sugerem que há muito tempo
os marinheiros, vítimas de chibatadas, estavam reivindicando direitos e, ao
menos, integridade física. Também não desejavam mais ser tratados como
seus pais e avós, antes escravizados.
Além disso, as relações estabelecidas com o presidente Nilo Peçanha
(1909-1910) e, posteriormente, com Hermes da Fonseca (1910-1914)
denunciam o descaso público para com as questões raciais, mesmo que elas
fossem reduzidas naquele tempo a uma ideia de igualdade. Esse aspecto é mais
grave ainda se considerarmos a postura de Nilo Peçanha3, visto que a historio-
grafia o classifica como um presidente “mulato”. Ele, por sua vez, não teria se
importado com as demandas das pessoas da mesma raça.
Ao tomarem o navio em que estavam, os revoltosos mataram seis
pessoas do alto comando da Marinha, inclusive o comandante, que era o
principal responsável pelos castigos físicos destinados aos marinheiros, em
especial, aos negros.
3 Nilo Peçanha era descendente de negros, conforme afirma Almeida (2013).

– 110 –
República civilizatória e resistência

Além da extinção das penalidades físicas e da exigência de participação


nas decisões, tal como os marinheiros brancos, Álvaro Nascimento afirma
o seguinte:
Os marinheiros sabiam que não adiantava extinguir a chibata e
expulsar oficiais que castigavam mais que o permitido por lei. Afinal,
como garantir a própria segurança a bordo dos navios ou nas unida-
des em terra, havendo marinheiros perigosos que, após uma dose de
cachaça, uma pisada no calcanhar ou uma rejeição amorosa, perdiam
a razão, puxavam o canivete e se punham a ameaçar a vida de todos?
Como resolver esse grave problema? É nesse momento que entra a
terceira reivindicação: o governo havia de “educar os marinheiros
que não [tinham] competência para vestirem a orgulhosa farda”.
(NASCIMENTO, 2016, p. 155)

Além de uma formação mais adequada, os marinheiros também pediam o


direito de aprender a guiar os novos navios, pois somente os brancos recebiam o
curso. E, por último, denunciavam a falta de cumprimento de alguns decretos,
visto que estes (dos anos de 1890) já determinavam o fim dos castigos físicos.
Durante os quatros dias, lançaram algumas bombas, causando mortes,
porém logo foram rendidos sob a promessa de serem enviados a outro estado
e de terem seus argumentos discutidos em assembleia do Senado. Passadas
algumas semanas, oficiais retornaram aos navios e, depois de mais uma revolta
na prisão da Ilha das Cobras, os marinheiros negros que tinham participado
do levante tiveram o seguinte destino:
a Marinha, a Polícia e o Exército começaram a agir, prendendo, tor-
turando, desterrando ou matando os envolvidos. Dezesseis morreram
asfixiados inalando a cal utilizada para higienizar os detritos dos pre-
sos, numa cela da Ilha das Cobras, ao tornar-se pó logo após a evapo-
ração da água. As chaves estavam nos bolsos do oficial comandante
da ilha, que se ausentara no momento da fatalidade. [...] Outros 11
foram fuzilados no navio Satélite, que levava 97 ex-marinheiros extra-
ditados para o Norte do país, a fim de trabalharem na construção da
ferrovia Madeira-Mamoré e na extração da borracha. Os 11 foram
acusados de estarem organizando um motim [...]. A “carga” era com-
posta por 200 homens (ex-marinheiros e detentos) e 44 detentas da
Casa de Correção. Mulheres chegaram aos destinos maltrapilhas e
famélicas como seus colegas de travessia. Submeteram-se ou foram
vendidos a empreendedores locais. O navio Satélite, um paquete
comercial, parecia mais o último navio negreiro em pleno século XX.
(NASCIMENTO, 2016, p. 158-159)

– 111 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

A citação deixa evidente que, apesar das fotos e reportagens feitas com
os marinheiros participantes do movimento de 1910, eles logo foram trata-
dos de outra forma. O futuro deles foi baseado na morte, em exílio e uma
situação análoga à escravidão, o que muito justifica a urgência da Revolta da
Chibata, liderada por João Cândido.
A revolta demonstrou como negros só poderiam ocupar cargos conside-
rados inferiores ou subestimados, ao mesmo tempo que não eram tratados de
forma igual aos brancos que ocupavam esses mesmos lugares. Tal fato ainda
aponta que a República não estava tão preocupada com a questão de igual-
dade ou mesmo de proteção aos negros, tanto por sua ação antes da revolta
– de “descaso”, – quanto pela maneira como puniu diversos dos sujeitos que
participaram dela.
O líder João Cândido Felisberto acabou internado em uma ala psi-
quiátrica por alguns meses e, depois, foi preso por dois anos na Ilha das
Cobras (CARVALHO, 1995). Foi classificado pelos meios institucionais
como louco, visto que apenas alguém assim poderia querer apontar armas e
matar devido às condições de trabalho. É importante ressaltar que a ques-
tão racial ou de falta de igualdade não era considerada pela imprensa, ou
mesmo pelo Estado.
Posteriormente, o líder da revolta foi solto e exonerado da Marinha do
Brasil. O jornal Gazeta de Notícias, de 31 de dezembro de 1912, reportou esse
fato e reproduziu a sentença dada pelo juiz:
Considerando, finalmente, que não existe nos autos nenhuma
prova de que os réus tenham praticado qualquer ato que, autori-
zando a suspeita de participação na referida revolta, revista a figura
jurídica do art. 93 do Código Militar, e que as faltas que lhes são
imputadas constituem simples infrações disciplinares, cujo conheci-
mento escapa da competência do Conselho de Guerra, art. 219, do
Regimento citado, por unanimidade de votos julga não provada a
acusação para o fim de absolver, como absolve, os réus João Cândido,
Ernesto Roberto dos Santos, Deusdedit Teles de Andrade, Francisco
Dias Martins, Raul de Faria Neto, Alfredo Mala, João Agostinho,
Vitorino Nicácio de Oliveira, Antônio de Paula e Gregório do
Nascimento, ficando, porém, suspensa a execução desta sentença em
virtude da apelação necessária, interposta para o Supremo Tribunal
Militar, na forma da lei. (NASCIMENTO, 2008)

– 112 –
República civilizatória e resistência

Figura 3 – Notícia revelando que João Cândido fora solto.

Fonte: Gazeta de Notícias/Wikimedia Commons.

– 113 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Embora a imagem e a sentença proferida representem a liberdade de


João Cândido, ele não a teve por completo no restante de sua vida. Um negro
que resiste, que confronta a República – e os seus princípios – poderia até não
ser punido pelo resto de sua vida, mas também não poderia desfrutá-la como
se fosse um branco.

Conclusão
Com base nas reflexões expostas, entendemos que enquanto as medidas
republicanas deveriam estar voltadas a um equilíbrio e uma saudável divisão
de poderes, monarquistas, civis e militares disputavam o poder entre si. O
Rio de Janeiro e outras capitais que foram urbanizadas nas primeiras décadas
do século XX viam mulheres, crianças e homens buscando seu espaço social/
político e resistindo à marginalização recorrente às suas classes.
O Brasil, nesse caso, estava definindo sua ideia de República, de como
ela funcionaria e traria a “civilização” aos trópicos. Entretanto, ao mesmo
tempo, grupos políticos de oposição e populares resistiram, fazendo com que
acontecimentos se tornassem símbolos dessa República oligárquica. Eles esta-
vam também, em conjunto, buscando uma cidadania plena e universal.

Ampliando seus conhecimentos


O trecho do artigo de Álvaro Pereira do Nascimento, intitulado “Sou
escravo de oficiais da Marinha” expõe as principais reivindicações da Revolta
da Chibata que nos permitem pensar as questões sociais da época para além
do âmbito da Marinha.

Sou escravo de oficiais da Marinha


(NASCIMENTO, 2016, p. 155-156)

A primeira das reivindicações da marujada exigia que fos-


sem retirados “os oficiais incompetentes”; indivíduos que, na
hora de exigir dos comandados o cumprimento dos serviços

– 114 –
República civilizatória e resistência

diários, não levavam em conta a diferença entre o acúmulo de


tarefas e o número de marinheiros disponíveis para realizá-las.
Havia poucos homens para executar tantas tarefas. Como não
viam ou nem queriam ver essa diferença, esses oficiais “incom-
petentes” preferiam entender o não cumprimento dos serviços
como “provenientes da desídia costumeira e da impossibili-
dade de compreensão dos deveres de pontualidade, boa
vontade, e boa predisposição ao trabalho” – como disse o
oficial Alberto Durão Coelho (1911, p. 39).
A segunda delas exigia a extinção da base legal utilizada
por oficiais que cometiam excessos correcionais: “reformar o
código imoral e vergonhoso a fim de que desapareça a chi-
bata, o bolo e outros castigos semelhantes”. Desde o Império,
era praxe entre muitos oficiais castigar com uma quantidade de
chibatadas superior àquela permitida pelo código disciplinar
da Armada (conhecido por Artigos de Guerra), mas regis-
travam um número bem menor (Nascimento, 2008, p. 217).
Se os marinheiros desejavam o fim dos castigos físicos, dever-
-se-ia eliminá-los enquanto letra da lei (Decreto-Lei n.328, de
12 abr. 1890). Durante a revolta, o disciplinamento mediante
castigo foi discutido e condenado na Câmara dos Deputados
e no Senado, e seu uso suspenso até que uma nova legislação
fosse aprovada.
Até aqui relatei as motivações mais exploradas pela historio-
grafia para explicar a revolta. Em minhas pesquisas, percebi
que faltou outra, somente citada pelos autores, mas que fora
registrada por Dias Martins como reivindicação coletiva da
marujada. Os marinheiros sabiam que não adiantava extinguir
a chibata e expulsar oficiais que castigavam mais que o permi-
tido por lei. Afinal, como garantir a própria segurança a bordo
dos navios ou nas unidades em terra, havendo marinheiros
perigosos que, após uma dose de cachaça, uma pisada no
calcanhar ou uma rejeição amorosa, perdiam a razão, puxa-
vam o canivete e se punham a ameaçar a vida de todos?

– 115 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Como resolver esse grave problema? É nesse momento que


entra a terceira reivindicação: o governo havia de “educar
os marinheiros que não [tinham] competência para vestirem
a orgulhosa farda”. Vários processos criminais mostravam as
rivalidades entre marinheiros nos navios, terminadas em bri-
gas, lesões corporais e até homicídios (Nascimento, 2001,
Cap. 1). O castigo físico e oficiais durões punham algum freio
nos brigões. Era urgente que a Marinha fosse capaz de educar
e preparar seus marinheiros para o trabalho e a vida em grupo,
diminuindo as tensões.

Atividades
1. Quais são os argumentos que motivaram a Revolta da Armada?

2. A Revolta da Vacina não foi um movimento apenas ocasionado pelo


medo popular de ser vacinado contra a varíola, especialmente se consi-
derarmos que ela era uma das maiores causadoras de epidemias do pe-
ríodo. Sendo assim, registre alguns elementos que incitaram a revolta.

3. Diferencie a Revolta da Armada da Revolta da Chibata, considerando


que ambas aconteceram ou foram lideradas por indivíduos da Marinha.

4. Estabeleça uma relação entre as questões raciais e políticas no que se


refere à Revolta da Chibata, a fim de analisar os argumentos com os
quais os “revoltosos” justificaram seus atos.

– 116 –
6
Reforma urbana e
questão social na
capital da República

Olhei com tristeza as casas do Mangue, as da “Cidade


Nova” nas ruas transversais; as do morro da Favela eu ape-
nas entrevia. Pensei de mim para mim: por que não se
acabava com “aquilo”? Seria necessário aquele repoussoir
para afirmar a beleza dos bairros chamados chics? Pus-me
a pensar na sorte daqueles que residiam naquelas casas
pobres. Certamente, imaginei, pagam aluguéis exorbitan-
tes! (BARRETO, 1987, p. 161-162, grifos do original)

O trecho citado é de Lima Barreto, escritor fluminense, que


aponta as mudanças ocasionadas pelas reformas urbanísticas no Rio
de Janeiro. Barreto está questionando a República, que deveria ser
responsável por todos, e não apenas por uma ou outra classe. As clas-
ses mais baixas foram penalizadas e obrigadas a mudar para regiões
periféricas da cidade, permanecendo distantes das regiões centrais.
Podemos perceber a melancolia do narrador, quando afirma:
“Olhei com tristeza as casas do Mangue” e “Por que não se acabava
com ‘aquilo’?”. Era necessária tanta exclusão para se tornar bonitos
ou elegantes os bairros de poucos?
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Neste capítulo trazemos reflexões a respeito de parte da formação social


do Brasil e das resistências encontradas nas primeiras décadas do século XX.
Analisamos as relações sociais e culturais modificadas pelas interações e novas
organizações no cotidiano, nas casas e no mundo do trabalho.
Apresentamos perspectivas da organização social e política instituída no
Brasil, demonstrando de que modo a federalização colaborou com a não dis-
cussão sobre os deveres da República perante seus cidadãos.
Para além dessa questão, expomos também de que forma a participação
política, que ocorria por meio de indicação no período imperial, passou a ser
organizada durante as primeiras décadas da República.
Não obstante, diante da estagnação social e da participação cidadã
comuns a esse período, veremos o movimento grevista dos anos de 1910,
assim como o movimento da capital da República, que começava a perceber
novos comportamentos e demandas sociais após o processo de urbanização
do Rio de Janeiro.

6.1 Formação das elites, coronelismo


e disputa pelo poder
Uma das expressões mais comuns para caracterizar as primeiras décadas
do período republicano é liberalismo oligárquico (RESENDE, 2008, p. 91).
Para a historiadora Maria Efigênia Lage de Resende, as apropriações das ideias
individuais ficaram circunscritas ao pensamento liberal relativo à federaliza-
ção, transformando, ainda nos anos de 1890, a recente República em uma
política de interesses elitistas.
Para Resende (2008), a Constituição de 1891 determinou uma prática
individualista nas políticas públicas direcionadas à economia e à própria polí-
tica. O direito ao voto era apenas para homens, acima de 25 anos e alfabetiza-
dos, condições que excluíam boa parte da população. Assim, poucos tinham
acesso à política e, consequentemente, às discussões e aos embates, os quais
diziam mais a respeito dos interesses das classes dominantes.
Além disso, como ressaltado anteriormente, o federalismo foi uma polí-
tica lançada e firmada por intermédio de Campos Sales, que governou entre

– 118 –
Reforma urbana e questão social na capital da República

1898 e 1902, ao fim da década de 1890. O entendimento dessa estratégia


pode ser assim definido:
Sobre esse princípio edifica-se a força política dos coronéis ao nível
municipal e das oligarquias nos níveis estadual e federal. A centrali-
dade conferida aos direitos individuais, deixando de lado a preocupa-
ção com o bem público, ou seja, a virtude pública ou cívica que está
no cerne da ideia de República, funciona como barreira no processo
de construção de cidadania no Brasil. (RESENDE, 2008, p. 93)

Esses coronéis espalhados pelo Brasil eram eleitos e, portanto, detinham


o poder nas próprias mãos ou conforme o grupo político que representava
sua imagem.
É importante considerarmos que a Constituição de 1891 atribuía aos
estados a organização dos municípios, incluindo autonomia aos interesses
das duas instituições, em seu art. 68: “Os Estados organizar-se-ão de forma
que fique assegurada a autonomia dos Municípios em tudo quanto respeite
ao seu peculiar interesse” (BRASIL, 1891)1. Ao analisarmos esse artigo,
bem como a condição de liberdade política e de interesses dos governan-
tes, podemos perceber que, além do entrave entre estados e municípios, já
que ambos deviam ter autonomia (prática federalista), havia uma questão
maior: todos os municípios ou estados se encontravam reféns dos governos
locais, isentando a República de intervir ou de ser responsável pelos “cida-
dãos” de seu território.
A República oligárquica, ou do “café com leite”, havia transformado
a estrutura imperial em republicana. Entretanto, é preciso lembrar que as
formações partidárias nos anos de 1890, o conflito de Canudos e as Revoltas
da Chibata, da Armada, do Contestado e, até mesmo, a da Vacina se posicio-
navam de acordo com suas questões particulares, reivindicando uma postura
mais republicana ou criticando a existência daquela República.
Embora a República não oferecesse cidadania e o povo fosse contrário
ao poder de coronéis locais e/ou regionais, construíam-se à época ideais ou
movimentos que lutariam por uma nova perspectiva republicana.
1 A Constitiuição de 1891 encontra-se disponível na íntegra em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm>. Acesso em: 18 fev. 2018.

– 119 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Nesse contexto, Resende (2008) faz uma importante diferenciação entre


as famílias tradicionais dos tempos da Colônia e do Império e em relação aos
coronéis. Para a historiadora, o período de maior atuação deles, entre 1889-
-1930, deve ser analisado da seguinte forma:
Embora também uma forma de exercício de poder privado, ele não é
uma prática, constitui um sistema político e é um fenômeno datado
[...] é um fenômeno que só pode ser entendido a partir da marca
histórica do antigo e exorbitante poder privado; da estrutura agrá-
ria latifundiária que fornece a base de sustentação para as diferentes
formas de manifestação do poder privado; da superposição de forma
de sistema representativo a uma estrutura econômica e social, basi-
camente rural, que permite o controle de uma vasta população em
posição de dependência direta do latifúndio; e de um sistema de com-
promissos, uma troca de proveitos, entre um poder público fortale-
cido e um poder privado já em fase enfraquecimento. (RESENDE,
2008, p. 95-96)

Os coronéis, valendo-se do exercício do poder local ou regional, da


dependência instituída à população em seu entorno (uma troca de votos por
medidas políticas), passavam a ter mais poder e reconhecimento do governo
federal, especialmente quando conseguiam os primeiros cargos políticos
locais e, posteriormente, os de nível federal (deputados ou senadores).
Dessa forma, surgiam as oligarquias estaduais, cuja união se dava por
partidos estaduais, bem como pelo apoio de profissionais liberais. Entre os
diversos exemplos, podemos citar: os positivistas no Rio Grande do Sul, os
cafeicultores pertencentes ao Partido Republicano Paulista e os represen-
tantes do Partido Republicano Mineiro, que eram mais fortes na atuação
política federal.
Quando um local era disputado por grupos antagônicos, a violência
era comum, bem como a utilização de forças, como “peões”, capangas, entre
outros nomes representativos. Percebemos que, novamente, a República era
disputada por interesses privados, restando ao povo apoiar muitos desses
coronéis locais, a fim de conquistar algum direito ou de apenas sobreviver.
Se o sistema de coronéis e de autonomia das regiões foi parcialmente
estruturado nesse contexto, não podemos deixar de estabelecer, segundo o his-
toriador Miguel Arias Neto, uma relação com o período anterior à República
(ARIAS NETO, 2008). Para ele, as ideias de liberdade de mercado e de

– 120 –
Reforma urbana e questão social na capital da República

investimentos vindos do Império sempre estavam direcionadas ao mundo do


café ou do açúcar, a depender da região e do contexto histórico.
Os liberais brasileiros descartavam qualquer espécie de protecionismo
às manufaturas e indústrias e defendiam que os novos capitais des-
viados do tráfico de escravos deveriam ser aplicados na consolidação
da lavoura. Em outras palavras, reforçava-se o pensamento quase
fisiocrata que, contrário à intervenção estatal na economia e, conse-
quentemente, ao protecionismo à manufatura e à indústria, defendia
a ideia de “vocação agrária do Brasil”. (ARIAS NETO, 2008, p. 200)

Conforme demonstra o autor, embora tenha ocorrido um novo arranjo


social e político após o fim do Império, é possível estabelecer relações com
o estilo econômico e social anterior. Ao mesmo tempo, Arias Neto (2008)
aponta a intromissão em assuntos relativos ao capital, cujo objetivo era dire-
cionar as verbas, que, por vezes, foram aplicadas em atividades manufaturei-
ras, transportes e até especulação financeira (especialmente ligada ao café) no
fim do Império.
Com o desenvolvimento da cultura cafeeira, houve o investimento
estrangeiro, comum entre 1860 e o início do século XX, em tempos de cor-
rida imperialista, injetando capital para a construção de ferrovias, portos e
empreendimentos industriais ligados à produção agrária (ARIAS NETO,
2008). Essas condições foram suficientes para motivar os primeiros movi-
mentos de urbanização e empregos livres (de forma bastante precária) a partir
de meados do século XIX.
Embora houvesse produção de açúcar, de borracha ou de outros pro-
dutos em menor escala no território brasileiro, foi no eixo São Paulo-Rio de
Janeiro que o desenvolvimento foi maior no fim do século XIX. Essa região
também passou a dominar a direção política do país. Nesse período, dis-
cussões sobre imigração, república, abolição e incentivos para a indústria
surgiram, remodelando o que seria a ideia de liberalismo no Brasil (ARIAS
NETO, 2008).
Após a Proclamação da República, muitos estados almejaram maior
representação, vendo na Constituição uma forma de obtê-la. O golpe dado
pelos militares, as revoltas da década de 1890 e a falta de uma política repu-
blicana mais socialmente estruturada, entretanto, coincidiram com a queda
bruta dos rendimentos do café:

– 121 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

A despeito do valor econômico, o café é um “produto de sobremesa”


e seu consumo tende a estabilizar-se. Por outro lado, os altos lucros
provocaram a expansão contínua do cultivo e terminaram por gerar
o fenômeno da superprodução. Em 1893, uma recessão que se ini-
ciou na Europa e atingiu os Estados Unidos, o principal consumidor
brasileiro, provocou uma queda nos preços do café. (ARIAS NETO,
2008, p. 212)

Nesse período, o Brasil tinha no café o seu principal rendimento, pers-


pectiva que não ocorreu naquela década (1890). Além disso, outra forma de
recebimento significativo para o país eram as taxas alfandegárias dos produtos
importados. Com a diminuição do poder de compra, menos taxas eram reco-
lhidas para o pagamento da dívida externa.
É preciso ainda considerar que, em 1893, no período do governo de
Floriano Peixoto, ainda havia resquícios da crise do governo de Deodoro
da Fonseca, além de estar ocorrendo a Revolução Federalista e, ao mesmo
tempo, um movimento dos estados e cidades em busca de suas coligações e
de seus interesses próprios.
Nesse contexto, quando assumiu o poder, em 1898, Campos Sales reali-
zou uma negociação denominada funding loan, uma moratória estabelecendo
empréstimos e novos prazos de pagamento. Além desse problema, a situação
política encontrada pelo então presidente pode ser resumida da seguinte forma:
[Havia a] ausência de uma base objetiva capaz de dar sustentação
a um presidente para implementação das políticas governamentais.
Para isso contribuem a fragilidade do Partido Republicano Federal
[...] um Congresso fracionado em bancadas estaduais [...] um sistema
partidário já basicamente estadualizado; o militarismo manifesto nas
posições das Forças Armadas, que se pretendem depositárias do poder;
as lutas de facções oligárquicas pelo poder nos estados; e a anarquia,
tropelias e correrias de bandos armados no interior dos estados sob as
ordens dos poderosos coronéis. (RESENDE, 2008, p. 112)

As regras e leis instituídas pela federalização permitiram que o poder


fosse bastante descentralizado e, principalmente, que ficasse à mercê de
interesses particulares nas mais diversas regiões. Isso impedia políticas con-
juntas maiores entre estados e governo federal, além de manter a violência
empregada na disputa entre coronéis. Nesse contexto, a situação econô-
mica era marcada pela inflação e por uma dívida externa vertiginosa, além

– 122 –
Reforma urbana e questão social na capital da República

de o café, principal produto de exportação, estar com o preço em queda


(RESENDE, 2008).
Campos Sales iniciou um processo de estabelecimento de alianças entre
o governo federal e os estados da Bahia, de Minas Gerais, de São Paulo e do
Rio Grande do Sul, cujo representante, Pinheiro Machado, era um dos prin-
cipais articuladores das oligarquias estaduais menores.
Com esses acordos e as relações estreitas entre os estados e os governos
municipais, que, por sua vez, elegiam as chapas “desejadas”, o governo federal
iniciou um processo de fortalecimento de leis e de demandas políticas.
É possível compreender que a produção brasileira agrária estava em
queda. Além disso, havia as dívidas externas acordadas no funding loan
de 1898. Assim, enquanto o endividamento impedia ou dificultava as
importações, a produção de bens de consumo e de subsistência aumentava.
Entre fazendeiros e importadores, o mercado interno estava em desen-
volvimento, mesmo que de forma mais rude em relação a outros países
produtores industriais.
No Brasil, os centros mais importantes eram compostos de fábricas e
pequenas empresas, apontadas como oficinas, que vinham crescendo desde
1890, empregando familiares ou operários, mas que tiveram um período de
estagnação entre 1897 e 1904 (ARIAS NETO, 2008), devido à crise interna-
cional e brasileira, porém com crescimento retomado a partir de 1905.
Nesse período não houve somente simples produções. A indústria têxtil
cresceu muito entre os anos de 1853 e 1905, de 8 fábricas para 110, assim
como o número de operários passou de 424 para 39.159. Essa quantidade
dobrou nos dez anos seguintes e, em 1915, havia 240 fábricas em que traba-
lhavam 82.257 operários (ARIAS NETO, 2008). Trazemos esses dados para
demonstrar que, apesar da instabilidade política, econômica e social do início
da República, assim como a ausência de uma política mais direta por parte do
Estado, havia um crescimento econômico para além das perspectivas agrárias.
Essas alterações ocasionaram, por sua vez, novas demandas nas cidades,
como questões urbanísticas, de saneamento e de direitos sociais e políticos,
especialmente vindas de grupos de operários e de seus sindicatos. Além disso,
segundo Arias Neto (2008), 46% desses operários e 39% das indústrias maio-
res estavam concentrados no Rio de Janeiro e em São Paulo.

– 123 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

6.2 Movimento grevista de 1917


Nos principais centros do Brasil, crescia o número de fábricas, em
decorrência do processo de urbanização. Por esse motivo, forros, imigrantes e
outros trabalhadores vieram do campo em busca de emprego.
O trabalho livre no Brasil, embora recorrente desde a década de 1850,
não era comum. O que o diferenciava do trabalho escravo era a liberdade
e um salário – nem sempre significativo. A experiência brasileira no que se
refere a direitos trabalhistas ainda era iniciante. Como afirmamos no Capítulo
3, desde os anos de 1890, após a Proclamação da República, já existiam novos
partidos, assim como ideários anarquistas e socialistas.
Schwarcz e Starling (2015) afirmam que, entre 1880 e 1884, foram
abertas 150 fábricas na Região Centro-Sul do país. Em 1907, porém, o
número já era de 3.410. A base social do operariado era em grande parte
brasileira e italiana, especialmente nas indústrias têxteis. Os italianos, mui-
tas vezes conhecedores das ideias anarquistas, formavam associações e clubes
de luta, argumentando a necessidade de direitos trabalhistas – ainda inci-
pientes no Brasil –, melhores condições de trabalho e o direito à educação
(SCHWARCZ; STARLING, 2015).
O historiador Claudio Batalha trata da participação nacional na forma-
ção operária, citando o exemplo de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Os imi-
grantes italianos, muitas vezes, vinham do campo, sem experiência sindical
ou operária. No Brasil, enfrentavam problemas étnicos e identitários, porém
havia um ponto que fazia eles se verem como um grupo, segundo o historia-
dor: a escolha de vir ao Brasil em busca de melhores condições sociais, para o
que a ação sindical ou de união era um caminho possível (BATALHA, 2008).
Nesse sentido, Batalha (2008) rejeita o “mito” do italiano imigrante que
chegava ao Brasil já politizado. Sobre essa ideia, o historiador também con-
sidera que as diferenças instituídas no Brasil, em momentos de decisão sobre
participar ou não da greve, voltar ou não para Itália, eram tangenciadas por
questões étnicas, interferindo na atuação operária sindical.
É importante ressaltar que, com a representatividade por meio de sindica-
tos ou revoluções, os anarquistas italianos contestavam a existência do Estado.

– 124 –
Reforma urbana e questão social na capital da República

No caso brasileiro, isso fazia ainda mais sentido, visto que a República até
aquele momento não havia instituído leis regulamentando o trabalho operário.
Por conta de uma representação sociocultural, quando falamos em ope-
rário, pensamos na imagem de homens. No entanto, era comum o emprego
de crianças e de mulheres. Batalha aponta que, devido às características cultu-
rais, mulheres não estavam nas organizações nem participavam dos primeiros
movimentos; apenas em 1919 é que surgiram as primeiras uniões das cos-
tureiras (BATALHA, 2008). Tratavam-se, portanto, de grupos considerados
inferiores, por isso, receptores de um pagamento menor.
Segundo Schwarcz e Starling (2015), entre 1906 e 1908, ocorreram
diversas greves, que começaram após a criação da Confederação Operária
Brasileira (COB), em 1906. Porém, é de 1902 a primeira greve multipro-
fissional, em que chapeleiros, gráficos, pintores, entre outros trabalhadores
pediram redução de jornada de trabalho e o direito à organização operária
(SCHWARCZ; STARLING, 2015). Após, seguiram-se as primeiras greves
de estivadores e de ferroviários.
Nesse contexto, Gomes (2005) reitera a importância da atuação de
diversos jornais socialistas, como O operário, A tribuna, A gazeta operária e
A tribuna do povo2. Esses periódicos eram importantes devido aos debates e
apoios políticos, assim como sugestão de leis, até então municipais, que deve-
riam ser consideradas em âmbito federal a fim de que o trabalho de operários
fosse respeitado.
Nos anos seguintes, apesar da grande atuação desses primeiros operá-
rios anarquistas e/ou sindicalizados, as ideias socialistas ficaram desgastadas,
o que, para Gomes (2005), não diminuiu a importância desse período para
os movimentos que ocorreriam em 1917.
Gomes (2005) ressalta também a importância da atuação dos estivado-
res do porto do Rio de Janeiro entre 1903 e 1905, por meio da União dos
Foguistas e da Associação dos Marinheiros e Remadores, que tinham como
2 Angela de Castro Gomes fez uma importante pesquisa sobre a trajetória das primeiras or-
ganizações sindicais e socialistas até os anos de 1930. Para compreender melhor esse período,
sugerimos a leitura da obra A invenção do trabalhismo (GOMES, 2005).

– 125 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

advogado Evaristo de Moraes3. Este era um rábula4 conhecido pela defesa do


assassino de Euclides da Cunha e por ter atuado na defesa do marinheiro João
Cândido, durante a Revolta da Chibata. Moraes também atuou, posterior-
mente, no Ministério do Trabalho do governo de Getúlio Vargas, nos anos de
1930 (GOMES, 2005).
As reivindicações dos estivadores do porto do Rio de Janeiro foram
bastante importantes, o que fez o patronato perceber a força desses homens
quando reunidos e, por isso, iniciar suas formações policiais, que começaram
a agir, então, com represálias. Para além dos problemas e conflitos ocasiona-
dos, os operários passaram a defender a união entre grupos, ou seja, ambos os
lados perceberam a importância das negociações. Gomes (2005) descreve as
negociações e greves como violentas até o ano de 1908 e após a Greve Geral
de 1917.
Nesse sentido, a Greve Geral de 1917 não está dissociada do contexto
anterior, visto que essas associações, as panfletagens e os debates políticos per-
mitiram aos grupos que se manifestavam incentivar outros – com trajetória
sindical ou não. Nessa revolta, de 50 a 70 mil pessoas, no Rio de Janeiro e em
São Paulo, estavam envolvidas.
Schwarcz e Starling apontam que, apesar da grande participação operá-
ria, bem como de piquetes e conflitos armados (que causaram inclusive uma
morte), os resultados não vieram de imediato (SCHWARCZ; STARLING,
2015). Porém suscitaram diversos levantes nos anos seguintes e foram funda-
mentais para a formação sindical, na década de 1920, bem como para a fun-
dação do Partido Comunista, em 1922, mesmo com uma repressão policial
maior nesse período.

6.3 Belle Époque: urbanização das capitais


O historiador Nicolau Sevcenko afirma que o Rio de Janeiro, “a maior
cidade brasileira, veria sua população no período de 1890 a 1900 passar de
3 Sobre Evaristo de Moraes, sugerimos a leitura do livro de Mendonça (2007).
4 Advogado sem formação acadêmica em direito, mas que obtinha autorização para advogar.

– 126 –
Reforma urbana e questão social na capital da República

522.651 habitantes para 691.565 habitantes, numa escala impressionante de


33% de crescimento (3% ao ano)” (SEVCENKO, 1999, p. 36).
Crescida ao redor de um cais e com suas principais bases no Monte
Castelo, o Rio de Janeiro já não comportava, ou não conseguia organizar,
ao menos em parte, esse crescimento vertiginoso. Ademais, era a capital da
República e precisava se mostrar como tal.
Marins (1998) descreve a situação de grandes centros à época, como Rio
de Janeiro e São Paulo, do seguinte modo:
Casas e ruas fundiam-se numa dinâmica plasmada e difusa, em que os
limites espaciais se constituíam historicamente ao sabor da ambição
fundiária dos proprietários e da complacência sonsa das autoridades.
O “desleixo”, descrito em um estudo notável, parecia comandar a
prática de justapor casas e alinhar as ruas – quadro em que as auto-
ridades se situaram, num equilíbrio sutil. Nesse “aparente” desleixo
esgueiravam-se as aparentes desordens funcionais, num torvelinho de
diluições e mimetismos em que escravos, forros e seus descendentes,
miseráveis e remediados, logravam obter mais facilmente as condições
de sua sobrevivência, e de seus próprios padrões culturais e de socia-
bilidade. (MARINS, 1998, p. 133)

A cena descreve a ausência de limite entre as casas e os acontecimentos


da rua. Em algumas residências, começava a ser comum a preocupação com
“separar” os espaços públicos dos privados, mas ainda era preciso dar mais
intimidade às famílias e às diversas relações sociais existentes. O ideal era
não poder ouvir na rua o que se escutava também nos lares. Cidades como
Salvador, Recife e Curitiba também viveram esse processo de mudanças.
Curitiba (PR) já vivia desde 1885 alterações em seu espaço, com a cons-
trução da estrada de ferro que ligava o litoral à capital paranaense. Com isso,
houve um estímulo a outras fábricas e produções, para além da erva-mate,
que já era um produto importante. Bancos, fábricas de gasosas e de tecidos se
misturavam aos armazéns, moinhos e charutarias (DENIPOTI, 1999).
Diante desse estímulo populacional e econômico, acompanhando os
acontecimentos no Brasil, Curitiba também fez parte de um processo de
saneamento, de higienização e de reformas: construiu calçadas e as alargou,
assim como trouxe linhas de bonde, alterou as fachadas das casas e novos bair-
ros surgiram, como o Alto da Glória e o Alto da XV. Já a periferia se encheu

– 127 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

de migrantes e de novos imigrantes, como italianos, portugueses e poloneses


(DENIPOTI, 1999).
Havia no discurso nacional uma ideia de que as mazelas sociais eram
justificadas por essa situação de “falta” de saneamento e de urbanização. Do
mesmo modo, é preciso lembrar que imigrantes, forros e toda a sorte de gente
chegava aos grandes centros, como o Rio de Janeiro. Esses lugares poderiam
oferecer sobrevivência, por meio de empregos, bicos ou mesmo com a men-
dicância. Quem recorreu à última, passou a ser perseguido pelas autoridades,
afinal o lugar privado dessas pessoas, mesmo que simples e pestilentas, era
também do “interesse da República” (MARINS, 1998, p. 136).
Para Carvalho (1987), o Rio de Janeiro aparentava ter problemas sociais
graves. É preciso considerar que muitos “ex-escravos” se acumulavam nos
morros, já que sua inserção social após a abolição nunca foi devidamente
pensada ou respeitada, e, junto a isso, havia o êxodo rural de diversos grupos,
a chegada de imigrantes e a falta de estrutura mínima urbana. Sendo assim,
essa população que chegava aos grandes centros
poderia ser comparada às classes perigosas ou potencialmente perigo-
sas de que se falava na primeira metade do século XIX. Eram ladrões,
prostitutas, malandros, desertores do Exército, da Marinha e dos
navios estrangeiros, ciganos, ambulantes, trapeiros, criados, serventes
de repartições públicas, ratoeiros, recebedores de bondes, engraxates,
carroceiros, floristas, bicheiros, jogadores, receptores, pivetes (a pala-
vra já existia). E, é claro, a figura tipicamente carioca do capoeira,
cuja fama já se espalhara por todo o país e cujo número foi calculado
em torno de 20 mil às vésperas da República. Morando, agindo e
trabalhando, na maior parte, nas ruas centrais da Cidade Velha, tais
pessoas eram as que mais compareciam nas estatísticas criminais da
época, especialmente as referentes às contravenções do tipo desordem,
viadagem, embriaguez, jogo. (CARVALHO, 1987, p. 18).

A classificação dessas realidades como as mais sujeitas à criminalização


diz respeito às próprias condições de sobrevivência desses espaços ocupa-
dos. Existiam roubos e outros problemas diante da falta de oportunidade
de trabalho, ausência da representação do Estado e, ainda, das precárias
condições de moradia, que eram responsáveis pela propagação de diversas
doenças, as quais, por sua vez, provocavam epidemias, mortes e contami-
nação de alimentos.

– 128 –
Reforma urbana e questão social na capital da República

Marins (1998) explica que o comércio dividia paredes com casas mais ou
menos luxuosas. As moradias populares obedeciam ao mínimo de leis neces-
sárias. Nesse período, havia poucas regras para instalação de novas residências
ou estabelecimentos comerciais.
A Figura 1, a seguir, traz a representação do que seria o Monte Castelo,
destruído totalmente em 1922, como parte do processo de urbanização do
início do século XX no Brasil. A Figura 2 mostra uma área de cortiços, em
que os varais, e provavelmente o esgoto, tomavam as ruas da cidade. Já a
Figura 3, traz outro debate, ainda do ano de 1893.
Figura 1 – MEIRELLES, Victor. Estudo para Panorama do Rio de Janeiro.
1885. Óleo sobre tela: color., 105 x 104 cm. Museu Nacional de Belas
Artes, Rio de Janeiro.

Fonte: Wikimedia Commons.

– 129 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Figura 2 – Cortiço em rua do Rio de Janeiro.

Fonte: Augusto Malta/Wikimedia Commons.


Figura 3 – Capa da Revista Illustrada, de fevereiro de 1893.

Fonte: Angelo Agostini/Biblioteca Nacional.


– 130 –
Reforma urbana e questão social na capital da República

A capa de uma importante revista da época, na Figura 3, faz uma refe-


rência ao prefeito do Rio de Janeiro, Barata Ribeiro, cuja ação foi “desmon-
tar” o cortiço Cabeça de Porco no ano de 1893. A prefeitura foi vitoriosa
ao retirar a população daquele espaço. Porém foi derrotada, muito antes
da Belle Époque, já que, ao permitir à população recolher as madeiras res-
tantes da demolição, proporcionou que construíssem suas novas casas no
futuro Morro da Providência, que era próximo ao cortiço. Essa prática foi
repetida muitas vezes nas décadas seguintes. Como bem lembra Marins, a
República inaugurou no Rio de Janeiro os seus morros e favelas como mora-
dia (MARINS, 1998).
É desse período também a influência sofrida pelos eugenistas (tema que
aprofundaremos no Capítulo 8). Segundo Sevcenko,
os navios europeus, principalmente franceses, não traziam apenas os
figurinos, o mobiliário e as roupas, mas também as notícias sobre as
peças e livros mais em voga, as escolas filosóficas predominantes, o
comportamento, o lazer, as estéticas e até as doenças, tudo enfim que
fosse consumível por uma sociedade altamente urbanizada e sedenta
de modelos de prestígio [...]. (SEVCENKO, 1999, p. 37)

Sevcenko (1999) não se refere, portanto, apenas à moda, ao cinema


(recém-chegado), aos instrumentos musicais ou às revistas cujo conteúdo era
referente ao cotidiano de Paris, mas às ideias, concepções de vida e de ciência
que esses navios atracados também traziam.
Quando Pereira Passos5, prefeito e engenheiro civil, reformou o cen-
tro da cidade, criando viadutos, pavimentando calçadas e ruas, assim como
melhorando mercados públicos e, especialmente, a zona portuária, em sua
leitura, estava modernizando a cidade do Rio de Janeiro. Isso, porém, não está
relacionado à ideia de desenvolvimento social, mas de melhoria nas condições
sanitárias, viárias e estéticas da região central.
Fazer a cidade ver o seu fluxo de carros em constante movimento,
assim como sanear os problemas mais relevantes, foi o objetivo central dessa
reforma. É preciso, porém, considerar que ruas alargadas ou criadas ocuparam
5 Prefeito do Rio de Janeiro entre 1902 e 1906 e responsável pelo projeto de reurbanização da
capital da República. Tratava-se de um projeto com bastante influência europeia, especialmen-
te francesa, visto que Passos fez seus estudos em Paris.

– 131 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

lugares já estabelecidos. Além disso, pessoas que viviam em prédios, cortiços


ou velhas casas foram expulsas. Nesse sentido, Sevcenko explana:
Desencadeia-se simultaneamente pela imprensa uma campanha, que
se prolonga por todo esse período, de “caça aos mendigos”, visando
à eliminação de esmoleres, pedintes, indigentes, ébrios, prostitutas
e quaisquer outros grupos marginais das áreas centrais da cidade.
(SEVCENKO, 1999, p. 34)

O objetivo era eliminar qualquer vestígio ou pessoa que lembrasse a


pobreza ou mesmo os “perigos do centro”. A modernização, nesse caso, refe-
ria-se a um processo de civilização no entendimento daqueles homens; por
isso, sanar o problema muitas vezes era afastá-lo dos olhos daqueles que vis-
lumbravam as novas criações.
O historiador afirma que a região mais central da cidade do Rio de
Janeiro estava reservada para o novo (avenidas, calçadas) e de modo elegante
(SEVCENKO, 1999). Essa visão de novo e velho, tendo em vista a reconfi-
guração da cidade, também é apontada por Schwarcz em sua análise da vida
e obra de Lima Barreto. O trecho a seguir traz a ideia de alguém que “corta”
a cidade de trem e visualiza a sua nova composição social. A historiadora,
valendo-se dessa ideia, explica:
O trajeto do trem era pretexto, ademais para assinalar diferenças
sociais que delimitavam classe, raça, gênero e região, singularidades
que ficavam ainda mais claras quando comparadas com as da popula-
ção do centro do Rio. [...] A literatura de Lima pode ser considerada,
portanto – e sobretudo a partir de 1903, quando ele aceita o emprego
amanuense e vai residir nos subúrbios –, como uma “obra em trân-
sito” (SCHWARCZ, 2017, p. 163-164)

O subúrbio, o caminho distante das casas em que moram os traba-


lhadores, assim como as disputas pelo bairro “suburbano” melhor, aqueles
que conseguiram se preservar próximo dos chiques, ou mesmo as definições
do próprio recenseamento da prefeitura do Rio de Janeiro de 1906, que
aborda moradores da cidade e moradores dos subúrbios, são as novas configu-
rações do Rio de Janeiro (SCHWARCZ, 2017). A República, governo polí-
tico repleto de privilégios para alguns, fazia-se com base em novas divisões
sociais evidentes e de sociabilidades. Essa última perspectiva é evidente na
observação de Lima Barreto, quando aponta os novos comportamentos e
adaptações do cotidiano:

– 132 –
Reforma urbana e questão social na capital da República

Na vida dos subúrbios, a estação da estrada de ferro representa um


grande papel: é o centro, é o eixo dessa vida. Antigamente, quando
ainda não havia por aquelas bandas jardins e cinemas, era o lugar
predileto para os passeios domingueiros das meninas casadouras da
localidade e dos rapazes que querem casar, com vontade ou sem ela.
Hoje mesmo, a gare suburbana não perdeu de todo essa feição de
ponto de recreio, de encontro e conversa. Há algumas que ainda a
mantêm tenazmente, como Cascadura, Madureira e outras mais afas-
tadas de resto, é em torno da “estação” que se aglomeram as principais
casas de comércio do respectivo subúrbio. Nas suas proximidades,
abrem-se os armazéns de comestíveis mais sortidos, os armarinhos, as
farmácias, os açougues e é preciso não esquecer a característica e inol-
vidável quitanda. (BARRETO apud SCHWARCZ, 2017, p. 173)

O Méier era ponto de encontro entre as estações e o local onde tra-


balhadores também encontravam o que precisavam. Faziam ali mesmo suas
compras de suprimentos básicos, em armazéns e armarinhos, e de carne e
remédio, caso pudessem comprar.
A vida distante do centro fazia com que as pessoas aproveitassem seu-
tempo. Assim, o Méier se tornou um bom lugar – de subúrbio – para morar,
diante de seu comércio desenvolvido. O lugar, antes desabitado, ganhou
novas memórias e relações sociais.
Lima Barreto confirma a passagem no local de mulheres, não somente as
trabalhadoras ou desacompanhadas – motivo de sussurros –, mas as meninas
com seus instrumentos musicais: “Pobre Moça [...] No instituto, só têm talento
musical as moças ricas e bem aparentadas” (BARRETO apud SCHWARCZ,
2017, p. 173). Entre o violino e o piano, as diferenças sociais também existiam,
mas diferentemente de outrora, quando as classes mais simples sequer pode-
riam pensar na possibilidade de tê-los ou de literalmente tocá-los.
Arias Neto (2008), no que se refere à formação das cidades desse período,
aponta um crescimento populacional de 203% entre 1872 e 1920, de 9.903
milhões de pessoas para 30.635 milhões, bem como aponta que o número de
cidades com mais de 30 mil habitantes passou de 67 para 265, totalizando
aproximadamente 15,7 milhões de pessoas. Junto a isso, no processo moder-
nizador autoritário, além da expulsão e do reordenamento social nos centros,
como o do Rio de Janeiro, surgiu uma nova disciplina de trabalho e de com-
portamento nas relações sociais (ARIAS NETO, 2008).

– 133 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Conclusão
São Paulo e Rio de janeiro concentraram, em parte, os altos rendimen-
tos a partir da metade do século XIX até o início do século XX. Embora boa
fração dessa riqueza tenha vindo do mercado do café, é preciso considerar
que havia também investimento estrangeiro. Ao mesmo tempo, com o café,
pôde-se investir em outras áreas que não a agrária.
Dessa forma, a indústria e a modernização brasileira não foram determi-
nadas apenas por um produto agrário, mesmo que indiretamente. Além disso,
se 46% de toda a indústria estavam nos dois estados centrais do período, sig-
nifica que 54% estavam espalhados pelo país. Esses outros estados também
encontraram na Constituição de 1891 um modo de exercer poder, mesmo
que de forma local ou estadual e, até mesmo, autoritária.
O Brasil que se configurou nesse período era o início de nossa República
e, ainda que o liberalismo oligárquico fosse a política instituída, as mudanças
sociais, no cotidiano, de resistências e lutas de classes fizeram com que um ideal
republicano mais igualitário passasse a ser desejado, muitas vezes utilizando o
instituto do habeas corpus presente na nova Constituição (ARIAS NETO, 2008).
Podemos dizer que o processo modernizador e de crescimento econômico,
mesmo não concentrado em ideais de igualdade e de democracia, demonstrou
que o ideal de República (ainda não existente) estava sendo buscado.

Ampliando seus conhecimentos


O texto que apresentamos a seguir se refere à Greve Geral de 1917 e
traz dois possíveis desdobramentos sobre esse momento tão importante da
história operária e da luta por direitos trabalhistas.

Greve geral de 1917 em São Paulo


(BIONDI, 2015)

[...] Dois debates principais atravessam a análise histórica da


greve: espontaneísmo ou organização? Greve anarquista ou
radicalização ocasional de uma greve de reivindicações de

– 134 –
Reforma urbana e questão social na capital da República

melhorias que tomou tamanha amplitude por causa do con-


texto de empobrecimento progressivo? Os dois debates
estão entrelaçados, uma vez que, ao colocar a ênfase no
papel dos anarquistas, se destaca também a ideia de greve
organizada. Os anos de enfraquecimento, quase de aniquila-
ção, das organizações classistas em São Paulo que precederam
a greve levam a considerar que o movimento de 1917 surgiu
espontaneamente, sem prévia organização. Realmente, os sin-
dicatos paulistanos, com exceção de alguns poucos (gráficos
e chapeleiros, por exemplo), voltaram a se estruturar parale-
lamente ao desenvolvimento da greve ou até em seguida à
greve para firmar direitos conquistados. A estrutura sindical
que surgiu em agosto – em 26 de agosto houve a refunda-
ção da Federação Operária de São Paulo (FOSP) –, após a
experiência da greve geral, era do tipo de transição das orga-
nizações de ofício para as de categoria: renasceram todas as
ligas de ofício do período anterior a 1914 e surgiu, nos bairros
populares (Mooca, Brás, Belenzinho, Água Branca e Lapa,
Cambuci, Ipiranga, Bom Retiro, Vila Mariana), uma série de
ligas operárias, com centenas de filiados, que agregavam os
trabalhadores do local independentemente de sua profissão.
[...] é correto afirmar que os processos de organização sin-
dical já estavam encaminhados havia algum tempo quando
explodiram as greves de junho na Crespi e na Antarctica, pró-
logo dos eventos de julho: a declaração de greve na Crespi,
por exemplo, foi decidida depois de uma reunião na Liga
Operária da Mooca e por ela foi coordenada. Ao mesmo
tempo, era comumente reconhecido o papel de militantes e
sindicalistas que havia anos atuavam em São Paulo e que ao
longo da primeira metade de 1917 tinham-se empenhado a
reconstituir movimentos e organizações de classe. A greve
geral foi a expressão de um processo dialógico entre um
movimento de reorganização dos trabalhadores paulistanos e
a explosão de uma agitação de massa de reação à piora das
condições de vida e de trabalho.

– 135 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Certamente, o papel desenvolvido no processo pelos militan-


tes anarquistas, não somente aqueles mais próximos do sindi-
calismo, foi notável, o que, conjuntamente com as dinâmicas
de ação direta e a quase inexistente estrutura sindical inicial,
levou à conclusão interpretativa da feição anarcossindicalista
da greve geral de 1917, contrastando a ideia de uma inserção
interessada e posterior dos militantes num movimento popular
espontâneo. A autoconstituição das organizações operárias
foi um aspecto marcante do movimento de 1917, mas desde
o início da constituição das ligas a presença de militantes liber-
tários no seu seio foi importante, coincidindo com seu papel
organizativo na campanha contra a carestia de vida.

Atividades
1. Com base nas ideias expostas sobre as decisões tomadas no âmbito
político e econômico, após a Proclamação da República, busque dife-
renciar a prática liberalista de antes da República e após 1890, assim
como em que aspectos a Constituição de 1891 não favorecia uma
política igualitária.

2. O “mito” do imigrante italiano sindicalizado é refutado por Clau-


dio Batalha (2003). Explique de que forma o historiador argumenta
sobre isso.

3. Como podemos estabelecer uma relação entre os movimentos operá-


rios na década de 1910 e a Greve Geral de 1917?

4. No texto da seção “Ampliando seus Conhecimentos”, há uma relação


entre o movimento operário, o anarquismo e o sindicalismo do pe-
ríodo. Explique qual é a importância para os trabalhadores da relação
que se estabeleceu naquele momento entre esses três grupos diferentes.

– 136 –
7
Literatos, literatura
e vida intelectual na
Primeira República

O fim do século XIX e o início do XX foi um período de


transformações políticas, econômicas, sociais e culturais. O estilo
de vida cotidiana e a atuação e participação na sociedade, especial-
mente nos grandes centros, foram alterados.
Nesse sentido, refletir sobre a efervescência cultural do
período e sobre alguns dos debates ocasionados por escritores e pin-
tores da época é importante para perceber problemáticas levantadas
por esses “lugares” de conhecimento. É possível perceber a resistên-
cia e a marginalização daqueles que questionavam esses processos de
uma maneira bastante complexa, além do sentido dualista comum
à história brasileira.
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

7.1 Da Belle Époque ao modernismo:


a Primeira República narrada
A República trouxe a ideia de liberdade, e esse conceito também foi
aplicado à escrita. A concepção de que poderíamos proferir novas perspectivas
e vivências se tornou possível. A historiadora Sílvia Gomes Bento de Mello
lembra que, desde o decorrer da segunda metade do século XIX, grupos e
confrarias já existiam e divulgavam, por meio de revistas e clubes literários,
seus ideais (MELLO, 2008). Esses espaços tinham foco em discussões posi-
tivistas, republicanas, abolicionistas, entre outras, demonstrando que esta-
vam vivendo um processo que almejava caminhos diversos aos conhecidos
até então: “O poder falar está imbricado [...] na prerrogativa de ser ouvido:
apenas na medida em que conquistam legitimidade e autoridade para falar,
tornam-se efetivamente seres falantes, reconhecidos como tal” (MELLO,
2008, p. 118).
Assim, entendemos que esses grupos, além de buscarem ser ouvidos,
fizeram parte de um processo de mudanças no Brasil; eram demandas, neces-
sidades do novo, que romperiam com diversas tradições e criariam outras.
Ao mesmo tempo, acontecia na Europa, desde meados do século XIX,
a Belle Époque. Esse processo, bastante cultural e artístico, demonstrava um
florescimento de novas práticas culturais, como a literatura, os ritmos de
dança, o apreço por artes plásticas ou mesmo o cinema. Esses segmentos
criaram novas formas comerciais e, principalmente, novos comportamen-
tos. Essas demandas estavam relacionadas com outros padrões de consumo,
devido à aceleração da industrialização, pela vinda da eletricidade; aos meios
de transporte, como o bonde e o carro; à diversificação de produtos; e, ainda,
à “venda” de novos estilos de vida. Um mundo moderno e civilizado parecia
ter surgido no século XIX e o Brasil, já republicano, poderia ter alguns desses
elementos, mesmo que de maneira restrita1.
Nesse contexto, o conceito de moderno ou de ideal estava sendo ques-
tionado. Quais eram as raças ou etnias mais representativas, que direção

1 Para uma leitura mais ampla sobre esse processo na Europa, com elementos que o diferen-
ciam da preocupação no Brasil referente à Belle Époque, sugerimos a leitura dos capítulos 9, 10
e 11 do livro de Hobsbawm (2009).

– 138 –
Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República

dar à República ou mesmo a representação portuguesa eram as questões


do momento.
Segundo Carvalho (1998), no início do século XX, havia um questio-
namento sobre os portugueses e seus descendentes, que até algumas décadas
antes eram heroicizados. O português poderia significar também o atraso,
devido ao modo como se deu o desenvolvimento do país, firmando sua cul-
tura com preceitos coloniais, que insistiam em permanecer no Brasil. Um
exemplo de escritor defensor dessa ideia era Raul Pompeia. Para ele, uma vez
que todos os portugueses fossem retirados de qualquer emprego ou institui-
ção do Brasil, a República se estabeleceria. Tratava-se, portanto, de um debate
amplo: a perspectiva identitária brasileira estava sendo forjada em busca do
progresso e não poderia carregar ou ser composta de elementos notadamente
portugueses (CARVALHO, 1998).
Mello (2008) assinala o despontar de um movimento nas capitais e nos
grandes centros, ainda na virada do século:
O surgimento de tais bibliotecas vincula-se às chamadas sociedades
literárias: associações que se alastravam pela Província e que tinham
por finalidade, em linhas gerais, difundir e fomentar a instrução e a
cultura, responsabilizando-se pela fundação de teatros e bibliotecas,
em modelo que se assemelhava ao que acontecia na Corte e em outras
partes do país. (MELLO, 2008, p. 91)

A palavra passa a ser partilhada, buscada e discutida. Diversos clubes


literários e bibliotecas fomentaram ideais e os fizeram circular pelo país, tanto
via correspondência entre escritores e jornalistas quanto por viagens que mui-
tos deles faziam, especialmente para São Paulo e Rio de Janeiro. Portanto,
assim que a estrutura política da República começou a dar sinais de desgaste,
devido à ação e à resistência de movimentos na rua, no âmbito político, as
ideias ganharam mais espaço.
A criação da Academia Brasileira de Letras (ABL) era reflexo da efer-
vescência literária do fim do século XIX. Seus fundadores, em um primeiro
momento, não objetivavam debater assuntos políticos, especialmente
Machado de Assis e José Veríssimo. Esses escritores entendiam que literatos
não deveriam se envolver – ao menos diretamente – com os acontecimentos
da República (RODRIGUES, 2001). Tal perspectiva, porém, não diminuiu
a relação dos escritores com as questões sociais ou o comportamento a se

– 139 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

esperar deles, conforme a ideia de Oswald de Andrade: “[...] Como bom


preto, o grande Machado o que queria era se lavar das mazelas atribuídas à
sua ascendência escrava. Fazia questão de impor rígidos costumes à institui-
ção branca que dominava” (ANDRADE, 1976, p. 77).
Essa ideia foi presente e comum à ABL até a década de 1910, quando
faleceu Machado de Assis e retirou-se da Academia José Veríssimo, devido à
indicação de um político a uma cadeira. Segundo Mello (2008), isso ocorreu
no momento em que políticos começaram a perceber que concepções ligadas
ao progresso de um país estão estritamente relacionadas à formação cultural
de um povo (MELLO, 2008). Desse modo, atrelar os interesses políticos aos
literários, utilizando seus movimentos, correntes e debates, permite que um
povo seja compreendido, guiado e até mesmo manipulado.
Da ABL aos diversos clubes, revistas e até mesmo aos representantes
culturais da Igreja Católica, entendemos que a palavra, ou a disputa por ela,
tornou-se uma prática mais comum no decorrer do século XX. Um exemplo
de como essa premissa é fundamental é considerar que Getúlio Vargas fazia
discursos constantes por meio de rádios e jornais e, principalmente, passou
a controlar com mais veemência o que era ensinado nas disciplinas ligadas à
memória nacional.
Se a palavra passou a ser comum, a disputa por ela era maior ainda, o
que podemos perceber pela existência de grupos diversos, como escritores
que eram ligados a uma ideia de boemia, de forte relação com as ruas, e
outros, como os da ABL. Ambos os tipos ainda são diversos daqueles que
incentivariam o movimento modernista. As centenas de clubes e academias
que surgiam pelo país lançavam correntes e ideais, cujos objetivos eram se
tornar os mais comuns ou representantes de um período. Escritores famosos
ou reconhecidos, como Lima Barreto, não conseguiram sempre seu lugar na
ABL ou em outros centros, devido à concorrência e ao interesse de muitos.
Além dos documentos e discussões oficiais das ABL, há outros escritos e
declamados nos bares mais boêmios das cidades:
Os tempos mudaram, meu caro. Há vinte anos um sujeito para fingir
de pensador começava por ter a barba por fazer e o fato cheio de
nódoas. Hoje, um tipo nestas condições seria posto fora até mesmo
das confeitarias, que são e sempre foram a colmeia dos ociosos.
Depois, há a concorrência, a tremenda concorrência do trabalho que

– 140 –
Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República

proíbe romantismos, o sentimentalismo, as noites passadas em claro e


essa coisa abjeta que os imbecis divinizam chamada boêmia, isto é, a
falta de dinheiro, o saque eventual das algibeiras alheias e a gargalhada
de troça aos outros com a camisa por lavar e o estômago vazio [...]
(RIO, 1994, p. 294)

Para Rio (1944), uma discussão boa entre escritores era marcada pela
objetividade, assim como por publicar e conquistar leitores de acordo com
os temas que estavam em voga. A institucionalização dos escritores, embora
houvesse diversas academias, não era mais comum. Mas eles estavam conquis-
tando um novo espaço, o profissional, pois vendiam seus trabalhos.
Liberdade de escrita e novos ideais de modernidade passaram a ser pro-
pagados nesse período, com a colaboração desses autores. Esse processo ia
sendo acentuado à medida que as relações oligárquicas se desgastavam, entre
1915 e 1930. Resistências e mudanças sociais também faziam parte desses
acontecimentos, que não ocorriam apenas em grandes centros, como afirma
Sevcenko (2009, p. 256): “O pioneirismo de São Paulo talvez se devesse à
forte tensão social, sobretudo a partir da Guerra, conjugando as forças emer-
gentes da fronteira agrícola e da economia urbana, contra uma elite assen-
tada, porém declinante [...]”. Ou seja, São Paulo vivenciava mudanças sociais
e políticas mais profundas porque reunia diversos aspectos sociais, perspectiva
que não anulava outros centros.
Além disso, na medida em que se declinava o poder mais hegemônico
das oligarquias, os governos buscavam no moderno o envolvimento do povo
com a política e, evidentemente, com seus interesses:
[...] Washington Luís organizou, financiou e realizou uma tempo-
rada de concertos sinfônicos no Teatro Municipal, a preços populares,
com um programa variado, composto exclusivamente de composito-
res brasileiros e modernos. No Rio de Janeiro, no final daquele ano
(1921), foi organizada, no salão da Biblioteca Nacional, para um
público composto da elite da burguesia carioca, uma conferência
sobre “Arte Moderna”. (SEVCENKO, 2009, p. 256)

É perceptível o estreitamento de instituições públicas com a propagação do


que era arte, literatura e o envolvimento delas com a política. Do mesmo modo,
com as mudanças e a crise política dos anos de 1920, esses escritores obtiveram
mais espaço, a fim de debater sobre a ordem vigente. Um desses movimentos, a
Semana de Arte Moderna, ocorreu na década de 1920, como veremos a seguir.

– 141 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

7.2 Semana de Arte Moderna


A Semana de Arte Moderna aconteceu há quase cem anos, porém a repre-
sentação e a importância desse evento cresceu nas últimas décadas, devido
ao seu caráter de resistência e crítica política às características do período.
Sevcenko (2009) cita que os ares culturais estavam alterados na cidade de
São Paulo no início do século XX, muito além de uma perspectiva dualista
de poder político, ou seja, os diversos acontecimentos e marcos do período
estavam transformando a ordem conservadora oligárquica do Brasil.
Dias (2009) afirma que a privatização do público e a politização do pri-
vado tangenciaram as criações partidárias e os novos programas ou meios
de comunicação. Uma massa complexa e de diversas etnias compunha São
Paulo, e a “ordem” cívica já não ocorria mais de acordo com a oligárquica
(DIAS, 2009). Assim, a cidade de São Paulo é apresentada do seguinte modo:
O ano de 1922 se iniciou em São Paulo com um terremoto. A terra
tremeu, o pânico se difundiu pela cidade e as ideias se desarvoraram
[...]. As condições tumultuosas em que se operava a metropolização
de São Paulo, acrescidas da aguda tensão social e política, mais a verti-
gem irrefreável das novas tecnologias, eram de monta a deixar todos e
cada um dos seus habitantes em palpos de aranha. Se por acaso, apesar
disso tudo, alguém por si próprio não se achasse tenso o suficiente, lá
estavam então os estimulantes, os esportes, as diversões mecânicas, os
cinemas, os automóveis [...]. (SEVCENKO, 2009, p. 224-225)

O trecho descreve um centro alvoroçado, em que o tempo parece cor-


rer depressa, ruas em que se podia escutar conversas, cochichos e, principal-
mente, lugares onde muitas novidades estavam passando ou acontecendo. Era
esta a São Paulo dos anos de 1920: viva, colorida e em processo de moderni-
zação, mesmo com a relutância das oligarquias. Ressaltamos também que, até
o fim do século XIX e o início do XX, o Rio de Janeiro foi reconhecido por
envolver muito do processo de industrialização, o que não ocorria nos anos
anteriores a 1920.
Além disso, os imigrantes (que eram muitos) trouxeram sua força de tra-
balho e suas ideias anarquistas, ou qualquer coisa política ou de representação
econômica; eles trouxeram práticas culturais, línguas e formas de expressão e
formaram bairros, ou seja, alteraram a representação identitária e de formação
do Brasil (tema do Capítulo 9 deste livro).

– 142 –
Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República

Podemos entender que o processo de modernização estava acontecendo


em São Paulo e em outros grandes centros por meio de mudanças de compor-
tamento. No entanto, Sevcenko (2009) apresenta um pensamento de Sérgio
Buarque de Holanda, a fim de criticar a ideia homogênea de que o modernismo
se colocava contra as instituições conservadoras e tradicionais do Brasil já em
seu início:
Parece claro que o próprio impulso que levou os primeiros homens a
gravar desenhos nas paredes das cavernas participa muito, não de um
desejo de libertação como já se tem dito (isto é, libertação no sentido
de exaltação, correspondendo a uma expansão de vitalidade), não de
esforço de resistência contra o aniquilamento, mas ao contrário, e acen-
tuadamente, ao desejo invencível de negar a vida em todas as suas mani-
festações. (HOLANDA apud SEVCENKO, 2009, p. 312, grifo nosso)

A noção de liberdade, de algo novo, de um ponto de vista sobre os temas


do período e a influência de outras vanguardas, é o que sustenta a ideia de que
a São Paulo dos anos de 1920 estava em um processo de transformação para
apresentar uma nova perspectiva ao Brasil.
Na virada do século XIX para o XX, a expressão artística não era tão
significativa, com exceção de nomes como Lima Barreto, Machado de Assis
e Euclides da Cunha. No que diz respeito aos movimentos, apenas o par-
nasianismo e o simbolismo tinham destaque em algumas regiões do Brasil
(NASCIMENTO, 2015).
Quando algumas exposições começaram a ser realizadas, como a de
Anita Malfatti, em 1917, elas faziam parte de um processo amplo, o de trazer
ideais de modernidade da Europa para o contexto brasileiro. O que essa e
outras exposições traziam era princípios cubistas, futuristas e expressionistas,
ou seja, preceitos artísticos bastante diversos do habitual. Nascimento (2015)
reitera que, embora muitas dessas exposições tenham passado despercebidas,
provocaram reações:
No caso Anita [Malfatti], estão, pela primeira vez, defrontados
publicamente no Brasil dois valores radicalmente distintos. Um é o
valor representativo do conservadorismo cultural da época; as pala-
vras de Monteiro Lobato reproduzem os parâmetros de uma estética
acadêmica que entendia a pintura como reprodução direta da natu-
reza. Outro é o valor absolutamente novo, expresso nos quadros de
Anita, de uma arte que atende a seus próprios princípios, não tendo

– 143 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

um compromisso fotográfico com os objetos da realidade natural.


(NASCIMENTO, 2015, p. 380)

Monteiro Lobato acusava Anita Malfatti de ter uma atitude estética for-
çada, sob a influência de Picasso e outros. Nascimento (2015) tem o enten-
dimento de que uma corrente estava buscando seu espaço, com pensamentos
ou comportamentos de um novo período, motivo pelo qual se deu o debate
do trabalho de Anita Malfatti. No ano de 1917, essa artista teve pouco apoio,
e apenas Oswald de Andrade teria feito um artigo em sua defesa. Oswald de
Andrade, já amigo de Mário de Andrade, aproxima este de Anita Malfatti e,
nos cinco anos seguintes, os três passam a discutir sobre a estética brasileira e
suas relações com o contexto (NASCIMENTO, 2015, p. 381).
Schwarcz e Starling (2015) afirmam que foram várias as ideias sobre
modernidade nesse período, buscando-se uma nova imagem sobre o Brasil.
Nesse caso, a experiência paulista da semana de 11 a 18 de fevereiro de 1922,
no Theatro Municipal, foi a catalizadora do que estava acontecendo no país.
Homens e mulheres como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Anita
Malfatti, Tarsila do Amaral e Heitor Villa-Lobos levaram sua arte para a expo-
sição, a fim de trazer a ela movimentos europeus, porém com traços brasilei-
ros (SCHWARCZ; STARLING, 2015).
Embora o movimento não tenha alcançado repercussão imediata, ele
incentivou novas publicações nos anos seguintes. No ano de 1924, Oswald
de Andrade lançou o Manifesto da poesia pau-brasil, cujo objetivo era reforçar
a ideia de formar e discutir sobre poemas brasileiros:
O trabalho da geração futurista foi ciclópico. Acertar o relógio impé-
rio da literatura nacional. Realizada essa etapa, o problema é outro.
Ser regional e puro em sua época. O estado de inocência substituindo
o estado de graça que pode ser uma atitude do espírito. O contra-
peso da originalidade nativa para inutilizar a adesão acadêmica.
A reação contra todas as indigestões de sabedoria. O melhor de nossa
tradição lírica. O melhor de nossa demonstração moderna. Apenas
brasileiros de nossa época. O necessário de química, de mecânica,
de economia e de balística. Tudo digerido. Sem meeting cultural.
Práticos. Experimentais. Poetas. Sem reminiscências livrescas. Sem
comparações de apoio. Sem pesquisa etimológica. Sem ontologia.
Bárbaros, crédulos, pitorescos e meigos. Leitores de jornais. Pau-Brasil.
A floresta e a escola. O Museu Nacional. A cozinha, o minério e a
dança. A vegetação. Pau-Brasil. (ANDRADE, 2017, grifos nossos)

– 144 –
Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República

Nessa parte do manifesto, Oswald de Andrade traz diversos elementos do


que seria uma corrente literária ideal e significativa sobre o Brasil. Há uma crítica
à ausência de uma atuação maior da ABL, quando sugere “o contrapeso da origi-
nalidade nativa para inutilizar a adesão acadêmica”. Do mesmo modo, reafirma
que os movimentos modernos devem ser conduzidos por aqueles que represen-
tam a “atualidade” do Brasil, em “apenas brasileiros de nossa época” e em “mee-
ting cultural”, diminuindo o lugar das influências europeias e norte-americanas.
Tal como as vanguardas europeias, o que muitos desses artistas defen-
diam era a valorização da cultura e dos traços próprios ao seu país e, por isso,
propositalmente o nome do manifesto continha o termo pau-brasil, certa-
mente um dos elementos mais representativos e originais do Brasil.
Mário de Andrade é lembrado tanto por sua intensa participação em
todo o movimento quanto por sua obra Macunaíma, cujo objetivo era frisar
um estilo de escrita mais livre, mas que, ao mesmo tempo, trazia outros prin-
cípios. Durante a busca de um amuleto, Macunaíma, personagem da obra,
tem diversos comportamentos e passa por inúmeras regiões brasileiras, com
indígenas, brancos e negros sendo retratados. Assim, Macunaíma
representava [...] o resultado de um período fecundo de estudo e
dúvidas sobre a cultura brasileira, incorporando traços de uma cultura
não letrada, em que se inseriam indígenas, caipiras, sertanejos, negros,
mestiços e brancos, muitos deles até então esquecidos nas artes nacio-
nais. (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 339)

Mário de Andrade, autor de Pauliceia desvairada (1921), mostra em


sua obra um Brasil ainda desconhecido, o qual começaria a fazer parte de
um projeto de nação no período de governo de Getúlio Vargas, tanto pelo
interesse do presidente quanto pelas influências de representantes do movi-
mento modernista, que ocuparam cargos nos ministérios desse governo. O
autor não chegou a sair do Brasil, mas para o seu projeto nacional havia o
mais importante:
A foz do Amazonas é uma dessas grandezas tão grandiosas que ultra-
passam as percepções fisiológicas do homem. Nós só podemos monu-
mentalizá-las na inteligência. O que a retina bota na consciência é
apenas um mundo de águas sujas e um matinho sempre igual no
longe mal percebido das ilhas. O Amazonas prova definitivamente
que a monotonia é um dos elementos mais grandiosos do sublime. É
incontestável que Dante e o Amazonas são igualmente monótonos.

– 145 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Pra gente gozar um bocado e perceber a variedade que tem nessas


monotonias do sublime carece de limitar em molduras mirins a sen-
sação. (ANDRADE, 1993, p. 61)

Tal percepção de Mário de Andrade vinha das viagens feitas por ele pelo
interior do Brasil, a fim de conhecer o país. A citação deixa evidente o tom
“de grandiosidade” e de sua diversidade, que, para ele, deveriam ser moldura-
das, ou seja, pintadas, narradas ou retratadas. Tratava-se de um apelo ao que
era belo no Brasil, ressaltando-se belezas naturais muito além de qualquer
característica europeia, uma postura comum dos artistas do período imperial.
Do mesmo modo, nos anos subsequentes, Oswald de Andrade decla-
mou e publicou o Manifesto antropofágico ou antropófago. Parte do texto
afirma o seguinte:
A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – ilustrada pela
contradição permanente do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano
e o modus vivendi capitalista. Antropofagia. Absorção do inimigo
sacro. Para transformá-lo em totem. A humana aventura. A terrena
finalidade. Porém, só as puras elites conseguiram realizar a antropo-
fagia carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos
os males identificados por Freud, males catequistas. O que se dá não
é uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do ins-
tinto antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a ami-
zade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência. Desvia-se e trans-
fere-se. Chegamos ao aviltamento. A baixa antropofagia aglomerada
nos pecados de catecismo – a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato.
Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela
que estamos agindo. Antropófagos. Contra Anchieta cantando as
onze mil virgens do céu, na terra de Iracema, – o patriarca João
Ramalho fundador de São Paulo. A nossa independência ainda não
foi proclamada. Frape típica de D. João VI: – Meu filho, põe essa
coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos
a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações
e o rapé de Maria da Fonte. Contra a realidade social, vestida e opres-
sora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura,
sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama.
(ANDRADE, 2017, grifos nossos)

O sentido dado por Oswald de Andrade nesse manifesto é o de retirar


das culturas que formaram a brasileira o seu melhor, ou seja, transformar o
que foi trazido de bom em uma cultura própria.

– 146 –
Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República

A antropofagia, estudada pelo escritor, seria um ritual ou gesto que


retém a parte boa do seu “inimigo”, que toma as suas forças. Nesse sentido,
Oswald de Andrade também reitera o que deveria ser deixado de lado, devido
à dominação comum e à manipulação cultural que havia ocorrido: “Peste
dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo.
Antropófagos. Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra
de Iracema” (ANDRADE, 2017). Esses povos eram representados pelos por-
tugueses, os bragantinos, os quais impuseram sua cultura cristianizada à “terra
de Iracema” (a indígena idealizada em José de Alencar), era, portanto, preciso
expulsar os espíritos que não respeitavam a predominância de uma cultura
indigenista e própria ao Brasil, uma brasilidade.
A antropofagia se referia à ideia de “deglutir” a cultura, no caso, todas
aquelas que compunham a brasileira, e dar um lugar especial aos indígenas,
afrodescendentes e aos descendentes europeus, porém não deveria mais per-
mitir que a Europa e os Estados Unidos tivessem supremacia cultural nas
terras tropicais brasileiras.
O Abaporu2, por exemplo, foi uma das pinturas mais representativas
desse momento. O nome da obra tem o sentido de “o homem que come
carne humana”, por isso, está diretamente relacionado ao movimento antro-
pofágico e à Revista de Antropofagia. Para além das questões estéticas, o sol
e o cacto que estão presentes na obra podem lembrar nossas paisagens dos
sertões e do interior do Brasil, assim como podem ser elementos de denún-
cias sociais, devido à miséria que existe nesses espaços. O sujeito pensativo
da pintura pode nos sugerir o mesmo, pensar sobre o Brasil, e, além disso,
seus pés e mãos nos lembram os trabalhos de tantos, desenvolvidos e desco-
nhecidos pelo Brasil.
Ainda que os manifestos acabassem desencadeando interesse em publicar
a Revista de Antropofagia, a publicação teve em seu primeiro número o mani-
festo de Oswald de Andrade, que era de família abastada e havia circulado
bastante pela Europa e conhecido, além de artistas, diversas teorias, como
a da psicanálise. Ao voltar ao Brasil, o escritor se juntou a outros artistas,
2 Para saber mais sobre a obra, acesse a página Enciclopédia Itaú Cultural: <http://enciclope-
dia.itaucultural.org.br/obra1628/abaporu>. Acesso em: 2 mar. 2018.

– 147 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

como Mário de Andrade e Anita Malfatti, e lançou tal revista (SCHWARCZ;


STARLING, 2015). Nela, havia
Referências a Rousseau, Montaigne, Picabia, Freud, e em desta-
que aparecia exposta a contradição entre duas culturas distintas e
coetâneas: a primitiva (ameríndia e africana) e a latina (europeia).
Diferentemente do indigenismo romântico do XIX, a ideia era apre-
sentar não um processo de assimilação pacífico, mas a tensão inerente
a esse encontro, que levaria à deglutição crítica do outro. “Tupi or
not tupi, that is the question” [...] “uma língua literária e não catequi-
zada”. (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 339)

A crítica estabelecida ao indigenismo romântico do século XIX não tinha


por objetivo desqualificar os indígenas, mas os movimentos artísticos do período
imperial. Ao mesmo tempo, havia uma valorização do indígena, do afrodescen-
dente e da cultura europeia (em menor parte), cujo interesse era criar um pro-
duto novo, com uma face mais moderna. Este não se relacionava com uma pers-
pectiva tão harmoniosa, como foi o romantismo indigenista, o qual acabou por
legitimar boa parte da herança colonial e europeia; a expressão tupy or not tupy
diz respeito a esse limite, que não deve ser considerado; apenas um movimento
antropofágico conseguiria fazer a distinção do que “poderia ser aproveitado”.
Percebemos, assim, que a Semana de Arte Moderna de 1922 – e seus
desdobramentos – não se tratava apenas de exposições de arte, mas de um
momento em que críticas e debates políticos foram levantados também rela-
cionados às questões de ordem social e política instituídas no Brasil. Se a
Semana de Arte Moderna de 1922 levou alguns anos para repercutir de modo
mais amplo, o Brasil se encontrava à época vivendo outros movimentos e
ideias – conservadoras ou não – que ocasionariam novas mudanças (temas
dos próximos capítulos). Essas transformações também foram possíveis
devido aos novos comportamentos da virada do século.

7.3 Dimensões da República: vida


privada, intimidade e cotidiano
Cidades como São Paulo sentiram de modo contundente as mudanças no
fim do século XIX. Aliás, desde meados desse século, São Paulo já estava cres-
cendo, tanto pela chegada de imigrantes quanto por ter se tornado um centro

– 148 –
Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República

econômico para o período. Esse fenômeno na década de 1890 é descrito por


Saliba do seguinte modo: “A imigração estrangeira demandada pela cafeicul-
tura, sobretudo de italianos, sofreu alterações de gestão que permitiram uma
migração gigantesca de populações para a antiga capital, a qual quadruplicou
sua população durante a década de 1890” (SALIBA, 1998, p. 172).
Com o fluxo populacional aumentando desproporcionalmente, os pro-
blemas de saneamento e moradia começaram a ficar igualmente evidentes,
entrando, assim, na pauta da reforma urbana.
Além da própria urbanização, a realidade cotidiana da falta (e/ou ins-
tabilidade) de empregos fez com que os recém-chegados e os pertencentes
à elite se estabelecessem em regiões diferentes. Em São Paulo, bairros como
Liberdade ou Higienópolis passaram a ser de classes mais abastadas, assim
como a Avenida Paulista, que já era ocupada pelos barões do café desde 1860
e pelos imigrantes enriquecidos.
Havia um distanciamento entre as casas que não era sem propósito. O
historiador Elias Saliba (1998) aponta que jardins frontais ou laterais serviam
exatamente para dar intimidade às casas; do mesmo modo, a divisão delas se
dava em diversos cômodos: halls de entrada, corredores, salas para receber,
quartos íntimos, salões para ler ou ouvir música eram novidades cuja conse-
quência foi a normatização do privado.
As calçadas e as ruas alargadas também proporcionavam leveza aos bairros
(SALIBA, 1998). Em outros cantos da cidade, esses novos comportamentos
eram mais complexos, com casas e núcleos habitacionais extremamente lotados
e sem condições sanitárias. A partir de 1911, projetos de “cidades-jardim” foram
incentivados pela Companhia City, empresa liderada por engenheiros ingleses
que atuavam de forma pioneira em projetos de urbanização em São Paulo, a fim
de resolver os problemas urbanísticos dos bairros suburbanos (SALIBA, 1998).
Com o passar do tempo, tais projetos foram abandonados em prol de
investimentos em outros, para os mais abastados, que garantiam em contrato
o modo como as ruas e as casas deveriam ser construídas para assegurar a
privacidade, não permitindo, inclusive, comércios variados, com o intuito
de não haver indivíduos de outras classes econômicas circulando nos bairros.
Ressaltamos que o próprio espaço público (jardins, praças e pequenos par-
ques) passou a ser alvo de interesses privados, porém apenas para uma parte de

– 149 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

privilegiados (SALIBA, 1998). Esses novos bairros também passaram a ser a dire-
ção para a qual se dirigiam às elites, tornando, então, os mais antigos obsoletos.
Além das transformações relativas à infraestrutura, Sevcenko (2009)
afirma que os comportamentos também se modificaram em relação à música,
aos encontros em parques, bailes e cafés. O historiador traz a seguinte perspec-
tiva sobre os anos de 1910 a 1920 em São Paulo: “[...] A democratização do
acesso à música; a proliferação dos bailes e ambientes de dança pagos como
parte polpuda da emergente indústria do lazer e a proliferação dos ritmos frené-
ticos [...] o maxixe, o tango, o fox trotter [...]” (SEVCENKO, 2009, p. 89-90).
Com a indústria fonográfica e a do cinema norte-americano (especial-
mente pelos problemas decorrentes da Primeira Guerra Mundial), os encon-
tros e sociabilidades movidos à música em cafés dançantes, assim como
saraus e sessões de cinema marcadas, tornaram-se práticas mais comuns à
parte da população.
Nesse tempo, o centro estava transformado, com ruas bonitas “aos olhos”
dos muitos que o frequentavam, fosse para trabalhar, fosse para ter um encon-
tro, para ver uma exposição ou ler em bibliotecas e clubes de escritores/leitores.

Conclusão
Neste capítulo refletimos sobre as mudanças ocasionadas pela
Proclamação da República, isto é, sobre o que significa uma República ser
o tipo de governo escolhido do período. Mesmo com todos os problemas e
a resistência ocorridas nas primeiras décadas no Brasil com relação a instalar
um governo mais democrático ou que atendesse à população, foram perceptí-
veis transformações no cotidiano e na possibilidade de falar ou escrever sobre
outras demandas, que permitiram aos escritores – e a seus leitores – estabele-
cer reflexões culturais e políticas sobre o Brasil oligárquico.
É preciso considerar que a economia, quando deu liberdade para que
novos segmentos industriais se instalassem ou se propagassem, permitiu que
tradições e novos costumes fossem contestados. Imigrantes e migrantes pas-
saram a buscar lugares tanto no campo quanto nas cidades, alterando esses
espaços sociais.

– 150 –
Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República

Tais características nos fazem compreender que processos tão comple-


xos – como a instalação de uma República – somente são entendíveis quando
analisamos a ruptura diante dos pequenos e grandes desdobramentos.

Ampliando seus conhecimentos


O texto a seguir traz considerações sobre as mudanças políticas, culturais
e sociais ocasionadas pelo movimento modernista. Convidamos você a lê-lo a
fim de responder, posteriormente, questões sobre esse movimento.

Urbes industrializada: o modernismo e a


pauliceia como ícone da brasilidade
(PINTO, 2001, p. 439-450)

Ao definir a cidade de São Paulo como berço do moder-


nismo porque era “espiritualmente muito mais moderna”,
o autor da Pauliceia Desvairada conclui que no Rio [de
Janeiro], a “grande camelote acadêmica”, “sorriso da socie-
dade”, “corte imperialista”, seria impossível a eclosão desse
movimento devido ao seu atraso cultural. O exotismo folcló-
rico do samba e a falta de um espírito aristocrático negavam
à capital federal o espaço da modernidade já ocupado pela
metrópole bandeirante.
Para essa linha de interpretação converge a avaliação de
Antônio Cândido, para quem o modernismo, tal como o
romantismo, seria um “momento paulistano”, quando a capital
bandeirante se projetara sobre a nação buscando “dar estilo
às aspirações do país todo”.
Através de seus intelectuais, principalmente os modernistas,
a capital paulista pretendia alcançar a liderança cultural, rei-
vindicando para si a direção da inteligência brasileira. Filiados
a agremiações político-partidárias, articulistas de jornais

– 151 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

claramente identificados com essas agremiações, membros da


administração pública estadual, impregnados de um forte sen-
timento de paulistanidade entendida na sua dimensão identifi-
cadora, esses intelectuais associariam às tarefas políticas as lutas
no campo artístico-literário.
Temos aqui, diante dessa análise, uma das contradições dos
modernistas de São Paulo, pois se de um lado rejeitavam
todos os outros regionalismos taxando-os de passadistas e
antimodernos, por outro lado queriam colocar no lugar um
novo regionalismo, só que este de matriz paulista.
Vale a pena salientar uma mudança de atitude de boa parte
dos autores modernistas com relação ao nacionalismo, fato
que, segundo Eduardo Morais, vai estar diretamente relacio-
nado com os acontecimentos da Revolução Paulista de 1924,
originados na onda crescente do tenentismo.
Essa insurreição militar teve início do dia 5 de julho de 1924,
quando os revoltosos tomaram os quartéis do Exército,
força pública, estações de trem, bem como grande parte da
área urbana da cidade. O presidente do estado, Carlos de
Campos, retirou-se da cidade ordenando um bombardea-
mento indiscriminado, pois era incapaz de detectar a posição
dos revoltosos. Dessa forma, a capital foi sistematicamente
alvejada, sendo especialmente visados os bairros operários e
populosos, embora não escapassem também escolas, hospi-
tais e igrejas [...].
Assim, se no primeiro momento modernista a preocupação
era combater o passado em nome da atualização/moderniza-
ção, a partir de 1924 ocorreu uma mudança de perspectiva,
ou seja, colocou-se a óptica do nacionalismo como processo
de renovação: “só seremos modernos se formos nacionais”.
Neste sentido, o “Manifesto Pau-Brasil”, de Oswald de
Andrade, lançado em 1924, pode ser considerado uma obra
inaugural. Aqui “não é o passado genérico que é negado,

– 152 –
Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República

mas parte concreta deste passado, o lado bacharelesco,


aquele que escondia, em função do processo de transplan-
tação cultural, o verdadeiro passado brasileiro que deveria
ganhar visibilidade. [...]

Atividades
1. A Proclamação da República permitiu que novas ideias fossem deba-
tidas sobre diversos temas, inclusive a política. Escreva a respeito de
como essa “possibilidade” ocasionou novos “olhares” sobre o Brasil,
mesmo em um mundo oligárquico.

2. Indique um exemplo em que espaços públicos foram construídos de


acordo com interesses privados no início do século XX, motivo pelo
qual podemos afirmar que houve uma privatização do público em
São Paulo.

3. O texto encontrado na seção “Ampliando seus Conhecimentos” es-


tabelece uma relação entre o modernismo e o tenentismo. Com base
nele, responda qual foi a mudança ocorrida no movimento modernis-
ta após esse último acontecimento.

4. A ideia de antropofagia pode ser considerada rude se analisada gros-


seiramente. Aponte em que medida a palavra estava relacionada aos
interesses dos modernistas da década de 1920.

– 153 –
8
Discursos eugênicos
no Brasil

Não há solução para os males sociais fora das leis da bio-


logia. Não há política racional, independente dos prin-
cípios biológicos, capaz de trazer paz e felicidade aos
povos. Política econômica, conservadora, democrática,
socialista, fascista, comunista, todas essas políticas e for-
mas de governo falham se não se inspirarem nos ditames
da ciência da vida. Eis, por que, a política por excelên-
cia, é a política biológica, a política com base na eugenia.
(KEHL, 1933, p. 24)

O texto citado é de Renato Kehl, um dos farmacêuticos mais


importantes à época e um dos defensores da eugenia no Brasil. Para
ele, apenas uma compreensão profunda de questões genéticas, bio-
lógicas e naturais poderia sanar os problemas sociais de um país,
oferecendo progresso a ele. Temas abordados por Kehl em perspec-
tivas fascistas, comunistas ou mesmo democráticas demonstram o
momento vivido no Brasil, entre os anos de 1910 e 1930. Políticas
nacionais variadas estavam sendo forjadas, e a eugenia estava rela-
cionada a algumas delas.
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Dessa forma, este capítulo tem por objetivo compreender mais a res-
peito da relação entre a teoria eugênica e suas consequências para o contexto
brasileiro. Para isso, precisamos considerar que foram buscadas justificativas
para as profundas diferenças étnicas e raciais. Trazemos, então, nesta parte da
obra, o debate de sociólogos e cientistas do período sobre o Brasil, pois, de
acordo com Shapin, é preciso “[...] expor a elaboração e a posse do conheci-
mento como processos sociais” (SHAPIN, 1999, p. 30).
Desse modo, em um primeiro momento, analisaremos a forma como
essas discussões e argumentações chegaram ao país. Para isso, é importante
entendermos o contexto do país naquele período, visto que as condições
sociais, políticas, culturais e econômicas, de algum modo, colaboraram
para que a eugenia fosse discutida. Para finalizar, apresentaremos algumas
relações da eugenia com a América Latina e com as políticas de imigração
para o Brasil.

8.1 Eugenia no Brasil


Renato, tu és o pai da eugenia no Brasil e a ti devia eu dedicar meu
Choque, grito de guerra pró-eugenia. Vejo que errei não te pondo
lá no frontispício, mas perdoai a este estropeado amigo. […]
Precisamos lançar, vulgarizar estas ideias. A humanidade precisa
de uma coisa só: poda. É como a vinha. (LOBATO apud DIWAN,
2007, grifo do original)

O mesmo Renato Kehl que aponta a compreensão biológica como


solução para os problemas sociais de qualquer país, especialmente o
Brasil, é o elogiado por Monteiro Lobato. O trecho de Lobato, certa-
mente defensor dos princípios eugenistas, demonstra o entusiasmo de
alguns intelectuais do período. Segundo ele, era preciso podar, cortar os
galhos velhos, mais pesados e feios, para que novos trouxessem um futuro
mais promissor.
O início do século XX foi um tempo de transformações sociais e de
profundas mudanças políticas no Brasil. A abolição da escravatura trouxe
graves problemas sociais ao país, devido à ausência de preocupação com a
inserção social dos negros, dando-lhes condições de vida mais igualitárias.

– 156 –
Discursos eugênicos no Brasil

Alguns teóricos, a fim de justificar tais problemas, estabeleceram relações


com as teorias eugenistas, apontadas também como portadoras de um
“racismo científico”, pois eles afirmavam que a desigualdade se dava pelas
condições intelectuais, físicas, psicológicas e biológicas inferiores dos negros
e mestiços (BASTOS, 1987).
Nesse sentido, o Brasil desenvolveu sua própria versão do darwinismo
social, uma seleção natural do povo que mais se adaptou às condições encon-
tradas nos trópicos. Schwarcz (2009) aponta que, para muitos desses homens,
a superioridade de brancos, assim como sua predominância na realidade bra-
sileira, deveria ser o objetivo do início do século XX, se o progresso e o reco-
nhecimento do mundo ocidental fossem o intuito do país.
O historiador Vanderlei Sebastião de Souza afirma que a eugenia se
desenvolveu em meados do século XIX, quando Francis Galton, primo de
Charles Darwin, passou a defender que
a inteligência e as habilidades humanas não eram funções da
educação e do meio, mas sim da hereditariedade [...] dando ori-
gem às discussões sobre o controle da reprodução humana e o
papel da seleção social na preservação das “boas gerações”. [...]
Galton introduziu um conjunto de ideias que, em 1883, ele
denominou de eugenia, “a ciência da hereditariedade humana”.
Suas concepções eugênicas sobre o melhoramento racial se asso-
ciaram intimamente às discussões sobre evolução, seleção natural
e social, progresso e degeneração, conceitos fundamentais que
constituíram as ideias científicas e sociais no final do século XIX.
(SOUZA, 2006b, p. 9)

É importante considerarmos que esse período se refere ao crescimento


das nações e, consequentemente, dos nacionalismos na Europa. Os países
já disputavam entre si territórios e, muito além de uma perspectiva linguís-
tica ou de práticas religiosas, quanto mais forte fosse o sentimento nacional,
mais a subordinação de outros povos seria tolerada. Não obstante, lembra-
mos ainda a formação das diversas disciplinas, como Sociologia, História e
Antropologia, as quais encontravam também entre seus discursos espaços para
teorias evolucionistas e ligadas à ideia de progresso. Observe, na Figura 1,
como tal perspectiva se torna evidente.

– 157 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Figura 1 – Logotipo da Segunda Conferência Internacional de Eugenia, que


ocorreu em 1921.

Fonte: Harry H. Laughlin/Wikimedia Commons


O slogan traduzido pode ser entendido da seguinte forma: “Eugenia é
a direção correta para a evolução humana”. Para a defesa desse argumento,
é possível notar na imagem da árvore (cuja representação contém fortes
raízes e muitos galhos bem apresentados, remetendo às suas bases), no lado
esquerdo, as disciplinas já citadas e outras como Etnologia, Geografia,
Psicologia, Anatomia e Direito, e, no lado direito, as palavras política,
economia, estatística, religião, evolução e medicina, termos que reúnem
áreas de conhecimento em voga e em desenvolvimento durante o século
XIX e o início do XX. A imagem sugere que esses campos de estudo,
quando dominados e incentivados, poderiam trazer progresso àqueles que
os detivessem.

– 158 –
Discursos eugênicos no Brasil

Portanto, a ideia de eugenia pode ser entendida como um movimento


científico relacionado à discussão sobre raça, gênero, saúde e nacionalismo
no início do século XX no Brasil, cujo fim seria uma regeneração racial. De
acordo com Silva e Silva (2009),
foi a Antropologia Física a primeira ciência a estudar a variedade
de raças e de seres humanos, levando ao surgimento de uma dis-
ciplina especializada na determinação das diferenças biológicas
entre as raças, a Frenologia. Criada ainda no final do século XVIII,
a Frenologia teve grande desenvolvimento no século seguinte,
influenciando muitos pensadores sociais, entre os quais o criador
do positivismo, Auguste Comte. Tal disciplina – hoje totalmente
desacreditada – pretendia estabelecer as características psicológicas
de cada raça com base nas medidas e no tamanho do cérebro. Ela
influenciou as teorias eugênicas sobre raças superiores nos séculos
XIX e XX, assim como a Medicina e a Criminologia, que tiveram
na obra do italiano Lombroso sua maior influência. (SILVA; SILVA,
2009, p. 346-347)

No século XIX, a ideia de raça passou a fazer parte dos interesses das
ciências sociais e humanas, especialmente após a publicação dos estudos
de Charles Darwin, em 1859, sobre a teoria evolucionista. Esta, além de
frisar as diferenças entre as raças (racialismo), justificava algumas como
superiores (SILVA; SILVA, 2009). Por isso, para os eugenistas, cada raça
tinha um grau de importância na escala natural da evolução, sendo a mais
superior a raça branca.
A eugenia, como corrente, ganhou espaço no Brasil devido ao contexto
da época, em que o número de ex-escravos e de imigrantes chegando às capi-
tais era imenso. Como visto nos capítulos anteriores, não houve uma prepa-
ração sanitária ou de urbanização nas cidades que buscasse atender a maioria
da população, embora desde o fim do século XIX já existisse uma preocupa-
ção maior. Contudo, em geral, os centros das cidades e os bairros destinados
às classes mais superiores estiveram no centro dos projetos de saneamento.
Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que a pobreza imperava por meio de
cortiços, empregos informais e ausência de direitos, ocasionando problemas
urbanos e rurais de todos os tipos.
A Revolta da Vacina, ocorrida em 1905, também pode ser analisada
pelo viés do discurso eugênico que chegava ao Brasil nos anos de 1910.

– 159 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Na Figura 2, observe um cartum retratando Oswaldo Cruz1, cientista do


período e responsável por análises clínicas que buscavam sanar problemas
de saúde decorrentes de todo tipo de mazelas sociais. A busca por focos
de todo tipo de larvas, o estudo da peste bubônica e da febre amarela, a
criação de soros e o estímulo à análise e criação de institutos de pesquisa
no Brasil estão entre as realizações de Oswaldo Cruz. O cartum representa
a atuação do cientista, durante a reforma urbana e a Revolta da Vacina,
em 1905.
Figura 2 – Cartum de O Malho, com Oswaldo Cruz passando o pente-fino
da “Delegacia da Higiene” no morro da favela.

Fonte: Wikimedia Commons.


1 Ressaltamos a importância desse cientista, cujo instituto de pesquisa criado no ano de 1900
foi transformado na Casa Oswaldo Cruz, em 1986. Ele foi um dos responsáveis por boa parte
das principais pesquisas de História da Saúde e de outras ciências ligadas a esta. Para mais
informações, fontes e pesquisas relacionadas, acesse o site: <www.coc.fiocruz.br>. Acesso em:
20 fev. 2018.

– 160 –
Discursos eugênicos no Brasil

Para além dos problemas ocasionados pela Revolta da Vacina, bem como
pelo desconhecimento da população sobre os interesses de Oswaldo Cruz e
de sua equipe, esse acontecimento demonstra como o Brasil estava come-
çando a se preocupar com preceitos higiênicos e de saúde. A reforma urbana
e de saneamento nas principais capitais e as influências de princípios diversos,
como o positivista (que apontava que o uso da ciência deve ser aprimorado
para haver progresso), podem ser apontados pela historiografia.
June Hahner, por exemplo, afirma que educadoras sanitaristas foram
contratadas pelo estado do Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século
XX para difundir nas escolas conhecimentos e regras de higiene, a fim de
combater doenças e a mortalidade infantil. Dessa forma, a família brasileira
poderia ter filhos saudáveis e, de acordo com os princípios do período, rege-
neraria a raça e a nação (HAHNER, 2003). Um dado que representa a preo-
cupação com a moral, a ideia de nação e de higiene a partir dos anos de 1920
e 1930 é o de que 1% de todo o recolhimento de impostos deveria ir para
o atendimento das crianças e de suas mães – porém apenas para aquelas que
tivessem o casamento reconhecido pelo Estado, segundo a Constituição de
1934 (HAHNER, 2003).
Essas estratégias e ações apenas ganharam espaço devido ao entendi-
mento de muitos cientistas, os quais afirmavam de que o Brasil se tratava de
um país não civilizado e com raças inferiores, com indígenas, negros, cabo-
clos e mestiços. Nesse sentido, algumas instituições e cientistas brasileiros
tentaram, sob a influência de correntes europeias, fazer propostas sobre um
“melhor” progresso ao Brasil (CARRARA, 2004), bem como sobre a absor-
ção das raças apontadas como inferiores.
Schwarcz traz a seguinte expressão de João Batista Lacerda, dire-
tor do Museu Nacional do Rio de Janeiro, durante o primeiro Congresso
Internacional das Raças, na cidade de Londres, em 1911: “O Brasil mestiço
de hoje tem no branqueamento em um século sua perspectiva, saída e solu-
ção” (LACERDA apud SCHWARCZ, 2009, p. 11). Tal premissa evidencia
o que estava em jogo: o Brasil só teria progresso no século XX se fosse reco-
nhecido como um país miscigenado, entretanto com predominância da cor
branca. Schwarcz aponta ainda que a tese de Lacerda trazia a seguinte pintura
como representação de sua ideia:

– 161 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Figura 3 – BROCOS, Modesto. A Redenção de Cam. 1895. Óleo sobre


tela: 199 cm × 166 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.

Fonte: Wikimedia Commons.


Essa obra representa a família ideal para a proposta eugenista: aparen-
temente simples, porém com um futuro promissor, visto que a criança é
branca. Note que a avó, ou matriarca, é negra, provavelmente uma ex-escrava,
enquanto sua filha já é miscigenada, em razão de ser parda. Do casamento
desta com um branco, nasceu uma criança branca.
Os olhares dos pais e as mãos da matriarca direcionados ao céu demons-
tram uma satisfação por tal característica, ou uma redenção, e alegria por
parte das negras em deixarem como herdeiros crianças brancas. Em outra
análise da obra, Lotierzo e Schwarcz trazem mais uma afirmação de Lacerda,
assim como sua conclusão sobre a necessidade da branquitude no país:

– 162 –
Discursos eugênicos no Brasil

“os brancos, cuja consciência desperta com a ideia do dever, convidam


os negros e os amarelos, seus irmãos, a estreitar mais os liames de
amizade” [...] Segundo o cientista brasileiro, por efeito da evolução e
da entrada de imigrantes europeus, levaria três gerações ou um século
para que o país se tornasse evidentemente branco. (LOTIERZO;
SCHWARCZ, 2013, p. 3)

O trecho entre aspas se refere ao discurso de Lacerda e deixa evidente


o pensamento dele de que, embora as três raças “convivessem” no Brasil, a
supremacia e a liderança vinham da branca, o que ele intitula de “consciência
sobre um dever”. Mais direta é a ideia de Lotierzo e Schwarcz, que trazem a
perspectiva futura de Lacerda: em três gerações, o país seria “branco”.
Ainda sobre a análise da pintura, Lotierzo e Schwarcz fazem observa-
ções sobre a “esperança” estar na criança branca, com um pai branco, e que
o fato de as mulheres serem as negras ou pardas denota um problema de
gênero, pois o lado mais “fraco” estava nas mulheres. Não obstante, é preciso
considerar que Cam, filho de Noé, segundo relata a Bíblia, foi escravizado
e, depois, isolado pela própria família, sendo sua descendência apontada por
muitos teóricos como a responsável pela povoação da Europa, a partir da
África. Em virtude disso, os negros eram então vistos por esses teóricos como
descendentes de alguém com moral degradante.
O sociólogo Richard Miskolci entende que havia um desejo no Brasil
por direcionar o país em um projeto de hegemonia política, o qual entendia
a sociedade como uma realidade biológica e que só teria sucesso econômico
e político para si – e para o mundo – quando embranquecida. O sociólogo
aponta ainda que relações sexuais e uniões que poderiam ou não aconte-
cer deveriam ser controladas, de acordo com a boa moral e os valores do
período (MISKOLCI, 2012).
Entretanto, as medidas eugênicas no Brasil foram menos agressivas
que em outros países, como nos Estados Unidos, onde elas tiveram como
marco o ano de 1907, em que milhares de pessoas foram esterilizadas
de forma obrigatória, sendo a maioria delas negra e com doença men-
tal. No caso brasileiro, predominou uma política de projetos sociais, em
que a educação sexual, exames pré-nupciais e os conflitos familiares eram
mediados buscando sanar os problemas, e não “eliminar” a sua origem
(STEPAN, 2004).

– 163 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Assim, ainda que a Sociedade Eugênica de São Paulo tenha sido criada
em 1918, já no ano de 1914 uma primeira tese abordou o tema. O título
era justamente Eugenia, apresentada na Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro, cujo orientador foi Miguel Couto. Pouco antes, um artigo de Renato
Kehl – um dos principais responsáveis no Brasil e na América Latina pela
propagação dos ideais eugênicos – foi publicado. Kehl afirmava ser necessário
estudar os preceitos sobre hereditariedade com base na ciência de Francis
Galton, a fim de que o país evoluísse (SOUZA, 2012).
Souza aponta que a eugenia menos agressiva obteve mais espaço no
Brasil, em relação à forma como ocorreu nos Estados Unidos, pela ideia de
sanar, curar e incentivar a higiene dos mais variados grupos por meio de polí-
ticas sociais, a fim de que tivessem filhos sadios, em vez de proibir ou tornar
essas pessoas “inférteis” (SOUZA, 2006).
Ao mesmo tempo que havia intelectuais que apoiavam os preceitos
eugenistas no país, alguns os repudiavam, perspectiva que colaborou para o
enfraquecimento do movimento. Um deles, o sociólogo Sérgio Buarque de
Holanda, rebateu diretamente Oliveira Vianna, autor que defendia a ideia
de eugenia com a expressão capital eugênico. Esta se refere ao princípio de
que o desenvolvimento de uma raça é condicionado por sua biologia, o que,
segundo Oliveira Vianna, atingia diretamente os brancos, cujo “capital” era
maior. Nesse caso, o Brasil só seria um país moderno se estimulasse a imigra-
ção de mais representantes arianos (PAIVA, 1978).
Sérgio Buarque de Holanda afirma que a influência dos negros e indí-
genas se deu de diferentes formas, inclusive domésticas, as quais não foram
passivas. Além disso, a miscigenação não poderia ser vista como um problema
para os portugueses (e seus descendentes), visto que eles também eram resul-
tado de relações com árabes e judeus, não somente no aspecto racial, mas
cultural e étnico (HOLANDA, 1995).
O problema maior do debate entre aqueles que tinham como influência
a eugenia e os que não a defendiam é o mito de democracia racial. Se a teoria
evolutiva racial não ganhou toda a elite ou intelectuais do período, ela ganhou
uma substituta, a de que as três raças haviam se miscigenado (como repre-
sentado no livro Casa-grande e senzala, de Gilberto Freyre), assimilando-se
mutuamente e vivendo em uma “quase” harmonia social (OLIVEIRA, 2015).

– 164 –
Discursos eugênicos no Brasil

8.2 Discursos latinos sobre a eugenia


Stepan aponta que o discurso eugênico na América Latina estava mais
relacionado a questões sociais que a biológicas. A ênfase se encontrava nas
características sociais herdadas, tangenciadas por questões políticas, históricas
e culturais (STEPAN, 2004).
Para a autora, diferentemente da eugenia dos Estados Unidos, houve
no Brasil um movimento para adaptação das ideias eugênicas, isto é, elas
deveriam ser aplicadas de forma mais suave. Para a pesquisadora, a eugenia
latino-americana foi fortemente influenciada pela biologia francesa neola-
marckiana, cuja essência estava em considerar as características adquiridas
pelos indivíduos ao longo de sua existência.
Souza, em relação ao que seria a questão social, entende que essa expres-
são é referente ao século XX e que o interesse e uso do termo eram de intelec-
tuais. Seu significado era utilizado
para definir os problemas nacionais que mais preocupavam as elites
brasileiras: como a pobreza, a subnutrição, a mortalidade infantil, o
analfabetismo, as péssimas condições de saúde e do estado sanitário
em que se encontrava a grande maioria da população, além da pró-
pria composição racial, predominantemente miscigenada. Segundo
Nancy Stepan, essa expressão foi empregada, por exemplo, por Rui
Barbosa, em 1919, em uma de suas palestras, intitulada A questão
social e política no Brasil. No entanto, como ressalta esta autora, a
expressão aparecia com muita frequência não somente no Brasil como
em todos os países da América Latina. (SOUZA, 2006b, p. 22)
Portanto, entendemos que as determinações e as decisões econômi-
cas eram consideradas em relação às questões nacionais. Além disso, as rela-
ções políticas coloniais e/ou imperiais pouco haviam sido alteradas após a
Proclamação da República, ou não o suficiente para se pensar em ideais de
igualdade social. No caso da América Latina, não era muito diverso. Além
disso, se a região já era independente, ela precisava ser controlada, visto que
seu mercado consumidor, mão de obra e matérias-primas continuavam sob os
interesses das nações imperialistas do início do século.
Para Stepan, os eugenistas objetivavam direcionar aos países da América
Latina uma ideia de “raça nacional”, baseada em miscigenações com a raça
branca como majoritária. De todo modo, as nações latino-americanas não
poderiam ser reconhecidas de maneira tão pejorativa, ou como Stepan afirma,

– 165 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

os argentinos eram vistos, na melhor das hipóteses, como europeus


pobres. O México, com seus índios e mestiços, jamais foi considerado
próximo à norma branca dos racistas. No Brasil, o clima tropical era
visto como fator adicional de deterioração de sua população mestiça
[...]. (STEPAN, 2004, p. 149-150)

O que ocorreu foi uma apropriação de cada país às ideias influenciadas


pelas teorias da eugenia, porém de acordo com os princípios nacionalistas de
seu tempo. Muitos desses países estavam buscando construir uma república
democrática ou, pelo menos, havia uma disputa nesse sentido. Nesse con-
texto, Souza (2006b, p. 82) afirma:
A eugenia pode ser definida, inclusive – especialmente no Brasil e na
América Latina –, exatamente como uma ciência polimorfa. Ou seja,
como uma forma de conhecimento cuja constituição se processou a
partir da relação direta com outros ramos do pensamento científico e
social, sem perder, no entanto, a sua natureza e seus objetivos. Como os
próprios eugenistas a classificavam, a eugenia se caracterizava como uma
“ciência biossocial”, orientada tanto pelo conhecimento biológico e
pelas diferentes disciplinas médicas, quanto pelo conhecimento social e
político, como a sociologia, a pedagogia, a demografia e a antropologia.

A “eugenização” da América ocorreira a partir do momento em que cada


um de seus países buscasse soluções para seus problemas, sendo que o fortale-
cimento por meio de uma rede internacional tornaria a América Latina uma
região mais próspera (SOUZA, 2006b). Apesar da observação sobre a formação
ou o fortalecimento dessa América Latina, precisamos recordar que muitos pre-
ceitos debatidos na região tinham uma origem bastante eurocêntrica, ou seja,
alguns de nossos intelectuais mais importantes acabaram colaborando com a
formação de países latinos que pensavam sobre si aquilo que seus antigos colo-
nizadores desejavam.

8.3 Imigração e teorias raciais (1920)


Até aqui, compreendemos que a eugenia foi uma teoria cujo objetivo
era influenciar o modo como as sociedades estavam compostas e organiza-
das. Pelas relações entre a ciência e o mundo social, com base no conheci-
mento sobre a hereditariedade, as raças dos mais variados lugares poderiam
ser “melhoradas”. O contexto brasileiro era composto de negros libertos e de
imigrantes de várias nacionalidades que cheganvam ao país, ao mesmo tempo

– 166 –
Discursos eugênicos no Brasil

que o Brasil organizava a sua própria política – que também caminhava para
uma perspectiva nacionalista.
Schwarcz (2009) frisa a ideia de “degeneração da raça”, do teórico Conde
de Gobineau, porém com uma apropriação diferente. Para Schwarcz, a teoria
darwinista, em seu caráter evolucional, influenciou muito a eugenia, que, no
caso brasileiro, enfrentou limites em razão do caráter mestiço comum à his-
tória do país. Assim, não havia como condenar uma das principais premissas
da eugenia, a mestiçagem. Ao mesmo tempo, o Brasil estava fadado a não ter
progresso, visto que não era mais possível ser composto de uma raça “pura”.
Nesse caso, o que ocorreu foi a substituição da eugenia pela ideia de
“degeneração”, cuja intenção era explicar o porquê do atraso e da falta de
progresso no país, de acordo com Gobineau e outros intelectuais relaciona-
dos. Com base nessas observações, bem como em outras correntes, como a
de Hipólito Taine, Schwarcz aponta que o conceito de raça passou a ser sinô-
nimo também de nação (SCHWARCZ, 2009).
No caso brasileiro, Souza aponta que, entre os anos de 1910 e 1920,
intelectuais passaram a empregar os termos raça amarela, raça branca, entre
outros, para falar sobre a população do país. Renato Kehl, responsável por
vários ideais eugenistas, apoiava a miscigenação racial, por acreditar que o
Brasil estava vivendo um processo de branqueamento e, portanto, de melho-
rias genéticas. Entretanto, Souza afirma que, após décadas, Kehl passou a
duvidar de que isso estivesse de fato ocorrendo, ou seja, o farmacêutico pas-
sou a acreditar que tantas raças e imigrantes chegando estava apenas ocasio-
nando o que chamava de degeneração (SOUZA, 2006b).
Um dos argumentos para essa ideia era a crítica ao casamento inter-ra-
cial, entre brancos e negros:
Entendemos que a mestiçagem é dissolvente, desmoralizadora e degra-
dante, prejudicando, portanto, o espírito superior visado pela procria-
ção eugênica. É indiscutível o antagonismo e mesmo a repulsa sexual
existente entre os indivíduos de raças diversas. Só motivos acidentais
ou aberrações mórbidas fazem unir-se um homem branco com uma
negra ou vice-versa. E o produto deste conúbio nasce estigmatizado não
só pela sociedade, como, sobretudo, pela natureza; está hoje provado,
não obstante o grito de alguns cientistas suspeitos, que o mestiço é um
produto não consolidado, fraco, um elemento perturbador da evolução
nacional. (KEHL apud SOUZA, 2006b, p. 181, grifos nossos)

– 167 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

O farmacêutico, líder e representante de diversos grupos eugênicos no


Brasil e na América Latina, é bastante enfático em sua defesa à não união de
raças diferentes, quando afirma que esta ocorreria apenas por motivos aciden-
tais ou aberrações mórbidas. Para além do problema biológico, ele também
considera que um casal composto dessa maneira já inicia sua vida de maneira
estigmatizada e que não traria evolução para o país.
Ao mesmo tempo, observamos que Kehl menciona que, caso outros
cientistas aceitem tal comportamento, fazem-no sem respaldos ou argumen-
tos científicos. Isso ocorre, segundo Souza, pelo debate do período, em que
projetos nacionais estavam sendo forjados, e com opiniões diferentes. Nesse
caso, entendemos que, apesar da violência empregada às diferentes raças, cul-
turas e etnias presentes no Brasil, o país estava presenciando um período de
construção de ideias e movimentos, nem sempre excludentes.
No livro Lições de eugenia, Renato Kehl também defendia o controle de
natalidade aos grupos considerados inferiores, nomeados por ele como para-
sitas: os negros, mestiços e indígenas. Esses seriam os grupos responsáveis por
vários problemas ocasionados às elites (brancas) que traziam riqueza ao país
desde o século XIX (SOUZA, 2006).
A política de inferiorizar ou justificar as diferenças raciais ocorreu con-
comitantemente a novas tentativas de sua dizimação. Schwarcz e Starling
relembram que foi em 1880, no oeste paulista, que se deu a demarcação das
terras de guaranis, xavantes e caingangues. As duas primeiras tribos foram
“englobadas” e aculturadas e a última, resistente, foi destruída. Em 1905,
com a chegada da estrada de ferro, outras tribos foram extintas por Cândido
Mariano Rondon, a fim de interligar e modernizar o Brasil, com telégrafos e
estradas de ferro (SCHWARCZ; STARLING, 2015).
Nesse caso, de acordo com Souza (2006b), a escolha de quais grupos de
imigrantes deveriam ter permissão para viver no Brasil precisava ser criteriosa,
a fim de evitar que “alienígenas” entrassem. Questões de saúde, sanitárias,
aptidão para o trabalho e etnia eram condições passíveis de análise.
Schwarcz e Starling salientam um tema específico da década de 1920.
Elas afirmam que o antropólogo Edgard Roquette-Pinto, presidente do pri-
meiro Congresso Internacional de Eugenia (1929), previa que no ano de
2012 o Brasil seria 80% composto de brancos e 20% de mestiços, ou seja, não

– 168 –
Discursos eugênicos no Brasil

haveria negros e indígenas (SCHWARCZ; STARLING, 2015). Considerando


o período e até mesmo o desconhecimento do mapa brasileiro, entendemos
que as ideias de Roquette-Pinto correspondiam ao seu tempo e ao seu grupo,
que defendia uma mestiçagem eugênica (SOUZA, 2006). Porém, o que mais
interessa apontar sobre tal afirmação é que o debate no Brasil após a abolição
da escravatura deixou de discutir igualdade e cidadania, para concentrar sua
atenção nos respaldos biológicos da diferença racial e social.
Assim, justificava-se a hierarquia social brasileira e se escondiam os pila-
res em que tais diferenças foram instituídas. O ex-escravo deveria conviver
com o preconceito por ter sido escravo, assim como com a vergonha por
pertencer a uma raça “inferior”.
Nesse contexto, a imigração, portanto, era pauta de análise de intelec-
tuais e teóricos, que emitiam suas opiniões nos jornais de boa circulação e nos
boletins das instituições. Stepan (2005) aponta que as ideias eugênicas desse
período estavam mais relacionadas a questões sanitárias que a qualquer tenta-
tiva de “mudança genética”. Ao mesmo tempo, a partir de 1920, a discussão
sobre eugenia envolveu questões como raça, imigração e formação nacional,
ou seja, políticas imigratórias também projetavam o seu “imigrante ideal”
(STEPAN, 2005).

Conclusão
A eugenia foi uma prática científica e de intenso debate entre os anos de
1910 e 1940 no Brasil. Seu eixo eurocêntrico era comum, além da tendência
a ideias e correntes que acompanhavam os preceitos europeus desde os séculos
do Período Moderno. As principais consequências das ideias eugenistas ao
Brasil é que as diferenças étnicas e raciais, presentes desde quando o país era
colônia, apenas se acentuaram. Isso se devia ao fato de elas não terem sido vis-
tas como culturais e resultado de um modus operandi colonial. Nesse mesmo
contexto, importantes instituições de estudo e pesquisa surgiram ou cresce-
ram como o Museu Paulista (São Paulo), o Museu Emilio Goeldi (Belém) e
as Faculdades de Medicina (em Salvador e no Rio de Janeiro). Todas essas ins-
tituições tiveram seus próprios pesquisadores, cujas ideias colaboraram para a
formação do pensamento brasileiro da época.

– 169 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Ampliando seus conhecimentos


O texto a seguir é parte das ideias de Gustavo Kern, o qual discorre sobre
a relação entre raça, eugenia e educação no início do século XX no Brasil.
Convidamos você a ler e a refletir sobre essas ideias.

Racialismo, eugenia e educação nas


­p rimeiras décadas do século XX
(KERN, 2013, p. 2-3)

Quando, em Os Sertões, publicado originalmente em 1902,


Euclides da Cunha exultava “Estamos condenados à civiliza-
ção. Ou progredimos, ou desaparecemos” (2001, p. 157),
já era consenso nos círculos intelectuais brasileiros a neces-
sidade de clamar por desenvolvimento científico. A ciência,
naquele contexto, era vista como condição para o progresso
e a modernização do país um processo civilizador vislum-
brado, ainda que idealmente, em moldes eurocêntricos [...]
Para Gobineau, o maior empecilho para o progresso seria
a miscigenação racial, na medida em que o avanço da mis-
tura de sangues se constituía em perigo para as raças puras.
A mestiçagem teria por produto a degeneração racial, vista
como o grande castigo da civilização. A terminologia darwi-
nista, associada às teses racialistas de Gobineau, ultrapassou
com certa rapidez os limites de sua disciplina de origem,
favorecendo “o fortalecimento de uma interpretação bioló-
gica dos comportamentos humanos, que passam a ser cres-
centemente encarados como resultado de leis biológicas e
naturais” (SCHWARCZ, 1993, p. 48). [...]
Para Schwarcz, os darwinistas sociais partiam de três pres-
supostos básicos: a afirmação da realidade das raças, com
a condenação da miscigenação; a afirmação da continui-
dade entre caracteres físicos e morais, definindo a diver-
sidade cultural observada entre os grupos humanos; a

– 170 –
Discursos eugênicos no Brasil

afirmação da preponderância do grupo social sobre o indiví-


duo (1993, p. 59-60). [...]
Não se tratou, contudo, de uma aplicação automática e
absoluta das teorias raciais europeias, mas de uma utilização
interessada. Intelectuais como Sílvio Romero, Nina Rodrigues
e Oliveira Viana, considerados precursores das Ciências
Sociais no Brasil, produziram teorizações originais a partir da
utilização seletiva do racismo científico europeu. Para esses
homens de seu tempo, que viveram um processo de ruptura
política sem precedentes até então na história do Brasil, mar-
cado pela abolição da escravatura em 1888 e a inauguração da
República em 1889, a solução do problema racial surgia como
chave para o futuro do país.
Como apontou Schwarcz, aos intelectuais brasileiros interes-
sou “adaptar o que ‘combinava’ [...] e descartar o que de certa
maneira soava estranho” (1993, p. 41). Seduzidos pelo racia-
lismo, os estudiosos locais procuraram compreender a forma-
ção do Brasil através da composição racial de sua população,
produto da miscigenação entre as três matrizes étnico-raciais:
lusitana, africana e indígena. A mestiçagem racial ora era enca-
rada como o maior empecilho, como em Rodrigues, ora como
a solução redentora, como em Romero [...].

Dicas de estudo
Para um debate mais aprofundado sobre a relação entre o mito da demo-
cracia racial, a historiografia brasileira e as teorias sociais e raciais do século
XX, sugerimos as leituras a seguir:
FREYRE, G. Casa-grande e senzala. Campinas: Global, 2012.
Essa obra tem por objetivo debater as origens da composição e miscigenação
brasileira, cujo foco de análise é a casa senhorial no Brasil Colônia. A “casa-
-grande” é vista como um símbolo de uma monocultura econômica açuca-
reira que, por sua vez, não dinamizou as relações sociais.

– 171 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.


Essa obra analisa as consequências na formação social do brasileiro.
Características históricas, políticas, econômicas, bem como culturais são
enfatizadas por Sérgio Buarque de Holanda. Ao fazer tal análise, o antro-
pólogo demonstra como parte de nossa realidade colonial foi influenciada e
definida por padrões europeus.

Atividades
1. Diferencie a eugenia mais agressiva (EUA) da mais suave (Brasil) e
explique como se deu sua apropriação no Brasil.

2. No que se refere à eugenia no Brasil, explique em que medida ela se


relaciona com a reforma urbana e sanitária.

3. Estabeleça relações entre a política de imigração e a segregação racial


no Brasil no início do século, argumentando sobre suas consequências.

4. O texto de Gustavo Kern da seção “Ampliando seus conhecimentos”


expõe uma crítica da eugenia à miscegenação de raças. Com base no que
abordamos neste capítulo e na leitura do texto de Kern, descreva uma
relação possível entre a eugenia e perspectivas intelectuais do período.

– 172 –
9
1920 e as efervescências
sociais e políticas

Mas então que é o tempo? É a brisa fresca e preguiçosa


de outros anos, ou este tufão impetuoso que parece apos-
tar com a eletricidade? Não há dúvida que os relógios,
depois da morte de López, andam muito mais depressa.
Antigamente tinham o andar próprio de uma quadra em
que as notícias de Ouro Preto gastavam cinco dias para
chegar ao Rio de Janeiro [...] [Antes] Não tínhamos ainda
esse cabo telegráfico, instrumentos destinado, instru-
mento destinado a amesquinhar tudo, a dividir novidades
em talhadas finas, poucas e breves. (ASSIS, 1894)

Analisar como as pessoas percebem o tempo e a si é o maior


interesse do historiador. O tempo e a sua percepção alteram a
maneira como os indivíduos organizam e entendem a própria vida.
A citação anterior, de Machado de Assis, revela-nos um pouco do
sentimento do século XIX.
Se a Guerra do Paraguai alterou a história do Brasil, a Europa
já sentia, desde a organização da República francesa e dos desdobra-
mentos da Revolução Industrial, muitas transformações nos hábitos
sociais, culturais, políticos e econômicos.
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

O Brasil republicano, apesar das diversas legitimações dos velhos moldes


políticos, não poderia ser o mesmo depois de tantas revoltas, conflitos e reivin-
dicações vividos entre os anos de 1889 e 1920. O tempo já não era o mesmo,
nem no calendário, nem pelos sentimentos novos que nasciam nesse período.
A historiadora Monica Velloso considera a virada do século XIX como
um período com diversos acontecimentos que transformaram o Brasil. O
país, após a Guerra do Paraguai, teria tido sua “linha do tempo” marcada
e, segundo a historiadora, o próprio Manifesto Republicano, de 1870, já
demonstrava áreas de modernização no país (VELLOSO, 2008). Se as ideias
republicanas e de abolição presentes nesse manifesto demoraram algumas
décadas para alterar de modo significativo as relações sociais, ao menos lança-
ram novas perspectivas ainda no século XIX.
As reformas e seus debates, a liberdade de escrita e a criação de novas
instituições, as políticas para imigrar ou formar um novo Brasil, as contes-
tações das revoltas e outros acontecimentos deram aos anos de 1920 possi-
bilidades novas de configuração e de ordem social. Assim, este capítulo trata
de três mudanças bastante significativas, cujos desdobramentos são sociais e
políticos: a pluralidade cultural e identitária dos imigrantes, o movimento
operário dos anos de 1920 e o movimento feminista. As possibilidades de
análise sobre a imigração são muitas e, nesse caso, escolhemos estabelecer
uma relação entre o Brasil que se formava republicano, discutia sobre a ideia
de raças e recebia, ao mesmo tempo, milhares de imigrantes.

9.1 A imigração e a identidade nacional


Sevcenko (2009) aborda a relação entre identidade, as transformações
urbanas e a imigração no país, especialmente na cidade de São Paulo. A
questão central é a transformação das cidades em consequência dos proces-
sos migratórios e, ao mesmo tempo, buscaram formar uma identidade. As
fábricas, os operários, as novas etnias e os novos comportamentos urbanos
trouxeram outras experiências para o contexto cultural e social, ao mesmo
tempo que tradições deveriam “ser forjadas”.
Durante o ano de 1919, era possível perceber diferentes entusiasmos
e mudanças na vida de São Paulo, tanto que Sevcenko aponta o seguinte:

– 174 –
1920 e as efervescências sociais e políticas

“Um novo ano anuncia o fim dos três flagelos que atingiram a cidade, subme-
tendo-a a aflições terríveis em 1918, os chamados (cinco) “Gês”: a Gripe (espa-
nhola), a Geada e os Gafanhotos [...] a Guerra (Primeira Guerra Mundial)
e as Greves (as grandes greves de 1917-1918)” (SEVCENKO, 2009, p. 24).
A continuidade das greves não se tratava de um grande problema, afinal
elas eram um meio que operários encontraram para defender seus direitos.
Além disso, o fim da Primeira Guerra Mundial trouxe novos ânimos e percep-
ções sobre o tempo não somente na Europa, mas também no Brasil. Sevcenko
afirma que o novo ano (1919) foi saudado com clima de paz, com fogos nos
bairros Brás, Belenzinho e Mooca. O autor evidência esse clima, citando um
trecho de uma crônica do jornal O Estado de S. Paulo:
Por que essa diferença? Não me parece falsa a observação, que ocorreu
a minha gente, atribuindo-a à necessidade de um atordoamento que
tivesse a virtude de fazer esquecer um pouco o mal-estar e as apreensões
que anuviam o espírito público num momento delicado como o atual,
em que o sopro revolucionário sacode toda a superfície da terra e a ques-
tão social constitui o problema de maior importância, para a qual todos
os homens de governo e todos os estadistas dignos deste nome voltam o
melhor de seus cuidados, de sua atenção e de seus estudos. O carnaval
deste ano foi, mais do que nunca, um derivativo necessário para este
povo enigmático, que assiste impassível à consumação de todas as usur-
pações. (O ESTADO DE S. PAULO apud SEVCENKO, 2009, p. 25)

Nesse trecho, percebemos que, ainda que se esperassem novidades rela-


cionadas a um tempo de paz, de movimentos pacifistas, havia a ideia de um
povo “enigmático” e que assistia “impassível” ao seu contexto. Longe da ideia
de um povo que aceitava e apenas assistia aos acontecimentos, o cronista,
segundo Sevcenko, expõe em sua crônica sentimentos ambivalentes e percep-
tíveis na realidade paulistana.
Sobre esse período, Schwarcz e Starling (2015) afirmam que, entre 1914
e 1918 (época da Primeira Guerra Mundial), o Brasil viveu uma série de
novos acontecimentos – como flutuação do preço do café, secas e mudanças
devido à entrada de imigrantes – que ocasionaram a formação de um grupo
de liberais nos grandes centros, além da expansão das fábricas menores, em
virtude do abalo no abastecimento dos produtos importados.
Sevcenko (2009) afirma que, nos anos de 1920, elementos fundadores de
São Paulo ou de seus comportamentos identitários foram buscados. Geralmente

– 175 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

ligados às fábulas ou aos mitos, o bandeirante, antes apontado como malvestido,


violento e sem grandes ambições, passou a ser representado como um herói colo-
nial, o que “venceu” tempos difíceis. Velloso, por sua vez, apresenta o bandeirante
como um herói repleto de epopeias, patriota e sério, tendo o século XVI como
essência ou vivendo “uma espécie de Eldorado” (VELLOSO, 2008, p. 375).
Sevcenko recorre ao mito da torre de Babel, a fim de explicar a quan-
tidade de povos que chegavam à capital paulista, afirmando que havia uma
fusão entre os índios, os brancos e os negros:
Tudo leva a crer que o movimento aluvial das ádvenas, egressos do
velho mundo e das velhas opressões secularmente organizadas, tende
a crescer prodigiosamente, rumo das nossas plagas. E começaremos
então a penetrar no coração do maravilhoso encargo que nos foi
cometida pela Providência. [...] a realizar uma gloriosa inversão do
mito de Babel – a tornada dos povos dispersos pela terra ao seio de
uma pátria humana, [...] onde [...] surgirão como num encantamento
as novas arquiteturas da sociedade futura [...]. (NOGUEIRA apud
SEVCENKO, 2009, p. 37)

A citação deixa evidente o acolhimento defendido por alguns no que


diz respeito aos imigrantes (povos dispersos pela terra) por uma pátria cuja
formação estava sendo buscada e forjada. No trecho, percebe-se uma pro-
messa de contextos melhores, nas expressões velho mundo e velhas opressões.
Nesse caso, como em um presente da providência divina, os mais variados
grupos saberiam se unir e fazer crescer essa pátria, invertendo o mito original
de Babel.
A rápida urbanização e a industrialização dos grandes centros ocasiona-
ram problemas sociais e o aumento populacional. Do mesmo modo, a aboli-
ção da escravatura e a imigração alteraram os costumes e as tradições. No caso
de São Paulo, a cidade precisava ter sua história representada e narrada pelo
coletivo. Assim, ganharam espaço os clubes literários e de lazer. Se eram novos
os grupos sociais e as experiências, era preciso também criar novas sociabili-
dades (SEVCENKO, 2009).
Nesse caso, o ideal de modernidade era reafirmado com os princípios
de ordem e progresso da pátria. Para gerar um sentimento de pertencimento e
de patriotismo, em uma terra de tantas raças e línguas, o esporte foi uma fer-
ramenta utilizada. Grandes clubes do futebol da atualidade foram fundados

– 176 –
1920 e as efervescências sociais e políticas

naquele período, como Corinthians (1910), Palmeiras (1914) e Portuguesa


(1920), os dois últimos por imigrantes, assim como ocorreram disputas no
atletismo e nas regatas. Nestas, os clubes dos anos de 1920 tiveram desta-
que. O futebol se tornou uma paixão, junto ao entusiasmo pela ocorrência
da primeira Olimpíada após a Grande Guerra, a qual ocorreu em 1922, na
Antuérpia (SEVCENKO, 2009).
Ao mesmo tempo, esses esportes se tornaram especiais para o período
porque, em sua torcida, sentimentos de pertencimento e de coletividade eram
incentivados. Também os entendemos da seguinte forma: “Nesse desempe-
nho físico, em que o corpo é a peça central, os agentes da ‘ideia nova’ se
expõem a um intenso bombardeio sensorial e emocional, que se torna a subs-
tância energética em si mesma da ação [...]” (SEVCENKO, 2009, p. 68) – ou
seja, na disciplina do corpo, novos ideais eram fortalecidos.
Da mesma forma, como afirma Sevcenko (2009), estimulavam-se o exer-
cício, o cuidado com o corpo e a exaltação dos hábitos de higiene, práticas
muito comuns em tempos de sanitarismo, de eugenia e de reformas urbanís-
ticas. A regeneração da “raça” encontrou no esporte uma ferramenta. No caso
de São Paulo, além dos esportes, colaboraram a ocorrência de movimentos e
de exposições, como as modernistas de Mário de Andrade e Tarsila do Amaral.
Velloso (2008) faz algumas ponderações sobre o ideal modernista no
Brasil e no caso específico do Rio de Janeiro, onde era diferente. Para a
autora, nessa cidade era preciso desvincular o modernismo da ideia de um
movimento cultural baseado em vanguardas, como foi em São Paulo. Isso
porque as elites não se misturavam às camadas populares nem mesmo para
festividades e, desse modo, elementos culturais ligados a um ideal de moder-
nidade se deram mais pela atuação de intelectuais boêmios. João do Rio,
Emílio de Meneses, Pixinguinha, Prudente de Morais Neto, Sérgio Buarque
de Holanda, Lima Barreto, entre outros são alguns dos homens que frequen-
tavam bares e cafés, estabelecendo contatos e firmando interesses em lançar
revistas (VELLOSO, 2008). Portanto, eram outros os espaços de vinculação
de ideias, mas que também colaboraram para a formação de novas tradições e
elementos de união identitária, entre eles o samba.
É importante diferenciar um aspecto entre o Império e essa fase da
República: a imagem do indígena forte, idealizado e apontado como represen-

– 177 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

tante da cultura brasileira, já não era mais aceita. Nesse novo tempo, são o
português da venda, o literário do café, a mulata sensual, o malandro e o Jeca
Tatu de Monteiro Lobato os personagens que fazem parte dos almanaques,
revistas e caricaturas. A modernidade do Brasil veio com outros comporta-
mentos, mais branca, europeizada, formando outra nacionalidade.

9.2 Movimento operário


O movimento operário, muitas vezes, foi apontado como uma conse-
quência direta da industrialização no Brasil, desde o seu início, no fim do
século XIX (BATALHA, 2008). Do mesmo modo, não pode ser tido como
um movimento homogêneo, visto que ideias socialistas e anarquistas forma-
ram a base de vários desses grupos.
Para além das ideias políticas, também podemos ponderar sobre a
composição social dos movimentos operários, uma vez que, por muito
tempo, a historiografia os tratou como decorrentes das ideias dos imigrantes
(BATALHA, 2008). Nesse sentido, é preciso lembrar que, diferentemente do
Norte e do Nordeste, havia no Sul e no Sudeste, além de negros e mestiços,
muitos imigrantes. Como explica Batalha (2008), esses imigrantes eram, em
sua maioria, pessoas pobres e oriundas de zonas rurais, ou seja, desconheciam
organizações fabris ou operárias.
Nesse sentido, o movimento operário, carioca ou paulistano, não pode
ser homogeneizado, assim como deve ser lembrado no debate socialista e
comunista dos anos de 1920. Ressaltamos que os sindicatos (variados) já
tinham destaque nessa época, especialmente após as greves de 1917 e 1918.
Gomes reitera que esse período foi complexo para o movimento operário:
Do ponto de vista da ação política e sindical continuavam conse-
guindo vitórias, mas sofriam derrotas nos episódios, mas sofriam der-
rotas nos episódios de maior vulto e publicidade, o que enfraquecia a
imagem do movimento entre os trabalhadores [...] do ponto de vista
doutrinário, iniciava-se um momento de grande confusão sobre o
significado do bolchevismo, que era entendido de várias maneiras.
(GOMES, 2005, p. 130)

Com sindicatos ferroviários, do porto, do comércio, entre outros era per-


ceptível que os grandes centros estavam mais organizados nesse período, a ponto

– 178 –
1920 e as efervescências sociais e políticas

de sofrerem violência policial e de terem publicidade “investida contra” suas


ideias. Não menos importante na época era o bolchevismo, que devido à situação
complexa na Rússia tornou as palavras anarquistas e socialistas mais polêmicas.
Nesse período, além da repressão policial, o patronato, a Igreja católica
e uma classe política e intelectual colaboraram para o fim do anarquismo no
Rio de Janeiro. E foi nesse contexto que comunistas começaram no Brasil
a buscar apoio entre os sindicatos, com mais intensidade após a criação de
um partido.
O Partido Comunista do Brasil foi fundado no ano de 19221, acirrando
as diferenças entre anarquistas2 e socialistas, visto que os primeiros eram con-
tra uniões de classe ou partidárias. Por isso, muitos foram extraditados devido
às participações em greves entre os anos de 1910 e 1920. Além disso, era pre-
ciso conviver com o desemprego, a baixa sindicalização e a recusa por parte
dos anarquistas em estabelecer alianças com outros setores. Ainda assim, essa
classe não deixou de atuar e passou a competir mais com socialistas e comu-
nistas. Chamamos atenção aqui ao fato de que é comum desqualificar aqueles
que lutavam (ou lutam) por direitos sociais e trabalhistas:
Essa tem sido a tônica da ideologia burguesa em relação ao movi-
mento operário:
isolar a luta de classes como um fenômeno artificial, obra de agita-
dores vindos de fora, infiltrados nas fábricas e associações, germes
contaminadores da “boa alma” do ordeiro operário nacional. [...] A
burguesia falava em “fantasmas” e “invasores”, mas, como boa crente,
desenvolvia intenso exorcismo dentro e fora das fábricas. Era necessá-
rio extirpar o mal pela raiz: o alvo da repressão burguesa não eram os
“bandidos infiltrados”, mas indiscriminadamente, a classe operária e
o movimento como um todo. [...] Em relação ao Código de Menores,
por exemplo, os industriais paulistas lançaram mão de argumentos
expostos na recente legislação fascista do trabalho, os quais invaria-
velmente diziam que o menor desocupado (jornadas menores) estava
com as portas escancaradas para o vício e para o crime. (HARDMAN;
LEONARDI, 1989, p. 62-67)

1 Para muitos pesquisadores, trata-se de um partido complexo, pela sua trajetória política. Para
saber mais, sugerimos a leitura de Santana (2001).
2 Para uma análise mais criteriosa da cultura anarquista no Brasil, é indispensável o estudo de
Hardman (2003).

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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Um dos principais elementos de disputa naquele período dizia respeito à


criação de leis que possibilitassem um espaço de luta legalizada aos operários.
Expor crianças e adolescentes (embora naquele contexto não houvesse lei que
os defendesse) era um modo também de não incentivar políticas educacio-
nais. A ideia de trabalho, nesse caso, era reafirmada como formadora da boa
moral dos iniciantes no mundo do trabalho. Nesse contexto, alianças com o
patronato eram buscadas também devido às dificuldades encontradas, o que
chamamos de sindicalismo amarelo (GOMES, 1979), cujas associações operá-
rias podem ser exemplos.
No que se refere ao Partido Comunista, a partir dos anos de 1924 e
1925, aproveitou-se dos tempos de eleições para eleger seus primeiros can-
didatos, ainda que fossem poucos. Sobre isso, Batalha cita um trecho de um
artigo publicado em fevereiro de 1928:
[...] só nos devem encher de satisfação as novas diretivas que vem
adotando o movimento proletário entre nós, arregimentando suas
forças para futuras batalhas eleitorais, que inaugurarão uma fase na
política, fazendo com que o proletariado entre em cena, indepen-
dentemente dos chorrilhos políticos da burguesia, manifestando sua
vontade firme de afirmar-se numa classe forte e politicamente capaz
de escolher seus mais dedicados membros para as investiduras legis-
lativas. Será um dos muitos meios de alargar sua luta geral contra
os exploradores, criando uma nova frente de combate e preparando
com ela novas bases para um mais largo movimento de massas capaz
de derrubar definitivamente os seus exploradores e levá-los à defi-
nitiva vitória contra os seus inimigos seculares. (LAVINSKY apud
BATALHA, 2008, p. 181)

No trecho, são evidentes os bons ânimos para um novo tempo que pare-
cia se formar no horizonte da luta operária. A ideia de não precisar ape-
nas se aliar, mas de criar suas próprias leis, é perceptível em “criando uma
nova frente de combate”. Não menos importante é a observação de que a
luta “de classes” era algo secular, ou seja, uma percepção – ainda que própria
do Partido Comunista, entre tantos outros que existiam ou existiram desde
1890 – de que era preciso união entre iguais. Batalha reitera a importância de
todos os partidos e as atuações municipais, porém frisa o Partido Comunista,
que foi o primeiro a alcançar mesmo que sua área de maior atuação ainda
fosse a capital federal (BATALHA, 2008).

– 180 –
1920 e as efervescências sociais e políticas

O que podemos perceber no movimento operário é a sua pluralidade,


tanto em sua organização quanto em sua postura ideológica. Bittencourt
(2007) aponta que a historiografia afirma que, das sociedades de “socorro-
-mútuo” de meados do século XIX, teriam surgido as associações de resis-
tência e, por último, destas teria nascido o Partido Comunista do Brasil. A
trajetória seria então de: mutualismo, socialismo, anarquismo e comunismo,
em um caminho linear e de substituição.
Para Bittencourt (2007), o que existia era a convivência, nem sempre
pacífica, entre diferentes iniciativas, ao mesmo tempo que as doutrinas teó-
ricas e políticas não eram tão rígidas ou fechadas em si mesmas. Isso se deve
às apropriações devido ao contexto brasileiro e às consequências e influências
da Revolução Russa. Ideias positivistas e cientificistas cruzavam com as lutas
internas e as estabelecidas com o patronato (BITTENCOURT, 2007).
De todo modo, entendemos que diversos perfis de operários passaram a
se ver como um grupo (quiçá, como classe), perspectiva que começava a aba-
lar a estrutura burguesa oligárquica brasileira. Entretanto, não eram apenas
os operários que buscavam novos direitos: as mulheres também. E é sobre elas
que tratamos na próxima seção.

9.3 A onda feminista


No Brasil, de acordo com Hahner (2003), foi ainda em meados do
século XIX, especialmente entre as décadas de 1860 e de 1870, que algumas
mulheres fundaram jornais no Rio de Janeiro, como O Jornal das Senhoras,
O Sexo Feminino e o XV de Novembro do Sexo Feminino, a fim de divulgar suas
ideias e suas reivindicações, bem como de buscaram permissão às primeiras
vagas em bancos das escolas e o direito de alcançar a igualdade (HAHNER,
2003). Essas manifestações passaram a se identificar com o feminismo no
início do século XX (1910-1920), período em que a chamada primeira onda
feminista chegou ao Brasil.
No que diz respeito ao termo onda, compreendemos como um sinô-
nimo que representa os momentos em que os ideais e as discussões daquele
movimento foram mais divulgadas. Questões políticas, sociais, trabalhistas e
culturais se tornaram pauta do movimento desse período, porém, enfatiza-
mos que o termo não foi bem difundido e aceito em todo o contexto.

– 181 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Muito antes de o feminismo ser visto como uma onda, diversas ações de
mulheres deram notoriedade às suas questões, o que motivou um movimento
muito maior, tanto em outros continentes quanto na América. Ainda, no fim
do século XVIII, na França, um dos marcos do feminismo foi a Declaração dos
Direitos da Mulher e da Cidadã, de Olympe de Gouges, em 1791 – uma reação
à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a qual não incluía as mulhe-
res. Para Gouges, elas tinham o direito de votar e de serem votadas, represen-
tando, desse modo, uma chance para conquistarem seus ideais. De acordo com
Scott (2002), a própria exclusão das mulheres na declaração de 1789 estimulou
a luta por direitos iguais. Gouges foi punida com a guilhotina, porém isso não
diminuiu a sua importância e muito menos fez com que outras desistissem.
Após esse fato e com o crescimento da burguesia e das atividades indus-
triais que exigiam o trabalho feminino, mais mulheres encontraram brechas
para, aos poucos, deixarem de ser apenas responsáveis pela casa e pelos filhos.
Ressaltamos que, na atualidade, muitas mulheres ainda acumulam trabalhos
dentro e fora do lar, assim como as mulheres que encontraram no capitalismo
uma oportunidade para sair de casa não eram as únicas, visto que há muito
tempo já existiam empregadas domésticas, agricultoras, vendedoras de rua ou
mesmo servas e escravas.
O feminismo chegou ao Brasil em meados do século XIX, por meio
de traduções de textos como os de Mary Wollstonecraft, feitos por Nísia
Floresta em sua estada na Europa no início do século XIX. Mas o femi-
nismo da primeira onda, representado no Brasil por Bertha Lutz e Maria
Lacerda de Moura, destacou-se no começo do século XX, cujas principais
discussões diziam respeito à questão sufragista, aos direitos trabalhistas e ao
acesso ao ensino.
Já a segunda onda feminista é posterior ao fim da Segunda Guerra
Mundial, representado especialmente por Simone de Beauvoir e por Betty
Friedan, que enfatizaram questões relativas ao corpo, ao prazer, ao divórcio,
aos métodos contraceptivos, à contrariedade ao patriarcado e à violência con-
tra as mulheres – ideias que foram mais fortes no Brasil a partir dos anos de
1970. É desse tempo o incentivo das feministas ao uso do termo mulher – em
contraposição ao termo homem, considerado universal –, para firmar uma
identidade de grupo, a fim de ganhar mais notoriedade e força nos meios
sociais, culturais e políticos (PEDRO, 2005).

– 182 –
1920 e as efervescências sociais e políticas

Portanto, foi no início do século XX que o Brasil conheceu mais algumas


ideias feministas. Bertha Lutz e Maria Lacerda de Moura colaboraram com
manifestos sobre o sufrágio universal, o direito e acesso à educação e os direi-
tos trabalhistas. Nesse período, as manifestações feministas publicadas em
jornais exigiam o sufrágio e desejavam um aumento no número de profissões
destinadas às mulheres, além de reivindicarem trabalhos no comércio e nas
repartições. Ressaltamos que, por meio da Constituição de 1934, as mulheres
brasileiras conquistaram o direito ao voto.
Apesar de ser notório desse tempo um feminismo libertário que buscava
os direitos trabalhistas, representado por Maria Lacerda de Moura, os obje-
tivos de um feminismo sufragista, como os de Bertha Lutz, foram os mais
divulgados até meados do século XX. Ressaltamos ainda que muitas dessas
mulheres eram taxadas de sufragettes, termo pejorativo e visto como sinônimo
de vandalismo, desordem e falta de “boa moral”.
Essas mulheres já enfrentavam muitos preconceitos apenas por falarem
de direitos, portanto, lutavam para que suas reputações não caíssem tanto
a ponto de perderem a guarda de seus filhos, de serem abandonadas, entre
outros aspectos importantes para elas no período (HAHNER, 2003).
Maria Lacerda de Moura e Bertha Lutz, no início, reivindicavam jun-
tas direitos para as mulheres, mas no decorrer da amizade elas seguiram tra-
jetórias diferentes devido às questões de classe. Lutz foi educada no Brasil,
mas concluiu seus estudos de Licenciatura em Ciências na Universidade
Sorbonne, da França. Posteriormente, formou-se na Faculdade de Direito do
Rio de Janeiro, assim como publicou diversos trabalhos de sua área profissio-
nal e também sobre seus interesses feministas. Ainda no ano de 1918, passou
a redigir semanalmente uma revista, em que convocava as mulheres a compor
uma “Liga de Mulheres Brasileiras” (HAHNER, 2003).
Já a educadora mineira Maria Lacerda de Moura vinha de uma família
mais simples, com dificuldades financeiras. Ela havia deixado um casamento
infeliz e se mudado o Rio de Janeiro, onde o custo de vida era alto e não
havia creches para deixar o filho no período de trabalho. Portanto, sua vida
foi marcada pela defesa dos direitos relativos ao corpo, ao prazer e contra a
moral burguesa, na qual muitas mulheres eram subordinadas, com obrigações
muitas vezes não escolhidas por elas (HAHNER, 2003).

– 183 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Maria Lacerda também se preocupou mais com a falta de direitos traba-


lhistas para as mulheres, visto sua condição social, e, por isso, ela compreen-
dia aquelas que sentiam em seus salários e no abuso do patrão a falta de igual-
dade. Em contraposição, Bertha Lutz, de classe abastada, exigia o sufrágio
e, embora em um primeiro momento não fosse a solução para os problemas
apontados por Maria Lacerda, podemos perceber que ambos os objetivos de
luta se complementaram, afinal, se as mulheres tivessem o direito de estudar
e votar (e de serem votadas) já naquele período, talvez pudesse haver leis que
apoiassem as ideias de Moura.
O que havia de comum entre essas duas mulheres que representaram muitas
de suas gerações e das futuras era o desejo por um mundo mais igualitário, um
mundo em que mulheres e homens pudessem ter a mesma liberdade, as mesmas
oportunidades e o respeito de todos, independentemente da natureza biológica.
Em relação ao acesso ao Ensino Superior, já existiam mulheres no Brasil
em várias profissões no início do século XX, entretanto ainda havia muito
preconceito. O próprio magistério era um curso procurado justamente por
ter sido relegado pelos homens, que o deixaram de lado quando as primeiras
mulheres se tornaram professoras e por ser caracterizado como “mais femi-
nino” (HAHNER, 2003), no qual as mulheres estendiam aos alunos os cui-
dados destinados aos seus filhos.
Não obstante, na medicina e no direito era comum as mulheres serem
taxadas de masculinizadas e fracassadas no que se refere ao casamento, pois
para a sociedade da época só poderiam ter sucesso profissional se ocupassem o
lugar dos homens. As discussões de higienistas do Rio de Janeiro e seus apon-
tamentos determinando a maternidade como algo que tornava as mulheres
mais pacientes e altruístas foram comuns nesse período (SOIHET, 1996), o
que caracterizava mulheres intelectuais ou capacitadas como “perigosas” para
os bons costumes.
Portanto, empregos que exigiam menos estudo, como os de datilógrafas e
de telefonistas, eram os mais aceitos para mulheres, pois para os homens essas
funções não incomodavam os lugares ocupados por eles. Hahner afirma que
as mulheres que ousaram adentrar a medicina, o direito e a engenharia, nesse
contexto, foram as que futuramente representaram o movimento sufragista,
justamente pelo seu maior acesso político e financeiro (HAHNER, 2003).

– 184 –
1920 e as efervescências sociais e políticas

Essas mulheres, de camadas abastadas, tinham como pauta questões


relacionadas aos interesses de suas classes, ou seja, para elas seus problemas
estavam relacionados à educação e ao sufrágio. Se esses aspectos fossem alcan-
çados, elas conquistariam a liberdade de escolha sobre a direção de suas vidas
e não mais seriam subestimadas.
Em relação ao contexto do feminismo da primeira onda, ainda no
período de Getúlio Vargas, as relações de gênero vigentes foram utilizadas
para manter um governo autoritário e conservador. A preocupação com o
crescimento populacional e a indústria fez com que o governo de Vargas se
concentrasse na família. Nesse sentido, enquanto o ideal burguês era de que
a mãe continuasse a educar seus filhos, o próprio sistema capitalista instigava
as mulheres (até mesmo de classes abastadas) a irem às ruas trabalhar. Dessa
forma, para não perder o controle sobre as mulheres, muitos empregos e limi-
tes foram criados. Um deles foi a puericultura, um modo de cuidar da higiene
e da saúde de pessoas menos favorecidas, na qual as mulheres poderiam estar
no mundo público, entretanto desempenhando um papel “naturalmente
feminino” (BESSE, 1999). Trabalhos como floristas, secretárias, telefonistas,
professoras de crianças e operárias foram alguns também comuns a partir
desse período, porém raramente de líderes (DUARTE, 2003).
Cada onda feminista ou reivindicação das mulheres está relacionada
ao seu contexto, isto é, em uma mesma sociedade existem muitas mulhe-
res – termo plural, não singular – com objetivos em comum e que variam de
acordo com os interesses da época. Baseadas em ideias de Scott, a partir da
década de 1970, muitas feministas – acadêmicas ou não – passaram a utilizar
o termo mulheres, sem diminuí-lo a uma representação totalitária de todas as
mulheres, isto é, sabemos que as mulheres ou mesmo suas contemporâneas,
em geral, não eram idênticas no que se refere aos sentimentos e às personali-
dades. Entretanto, tendo em mente que a expressão mulheres abarca a plura-
lidade, optaram por essa bandeira.
Nesse sentido, algumas feministas e historiadoras utilizaram o método
para então compreender as diferenças, visto que a categoria mulheres não
poderia ser analisada se não fosse vista em relação aos demais que formam as
sociedades, em questões de classe, etnia, raça e orientação sexual. Ainda que
as feministas do início do século XX não tenham debatido esses aspectos,

– 185 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

porque não era a demanda de seu tempo, entendemos que os anos de 1920
inauguraram lugares e desejos até então poucos aceitos no Brasil.

Conclusão
Os anos de 1920 permitiram novos olhares sobre a sociedade brasileira. Se
mulheres e operários estavam mais organizados, mesmo com relutâncias e limi-
tes impostos, juntos conquistaram, nos anos de 1930, direitos até então desco-
nhecidos. E essas vitórias não estavam dissociadas do movimento operário ou
da formação partidária socialista/anarquista dos anos de 1890, nem do próprio
movimento modernista. A República Velha, nem tão velha assim, já demonstrava
grandes sinais de desgaste, e as reivindicações e transformações mencionadas até
aqui colaboraram para estremecer a estrutura oligárquica comum ao Brasil.

Ampliando seus conhecimentos


O trecho a seguir tem por objetivo relacionar o “samba malandro” como
símbolo nacional durante os anos de 1910 e 1920 no Brasil. Desse momento,
fazem parte as classes populares, trazendo ideias de originalidade nacional e
de juventude.

Gente do samba: malandragem e


­i dentidade nacional no final da
­P rimeira ­R epública
(GOMES, 2004, p. 177-178)

Pode-se abrir esta seção respondendo a uma pergunta: se o


samba malandro não era uma tradição longínqua, qual teria
sido efetivamente sua origem? Por certo ela deve ser procu-
rada em outro lugar muito específico: o teatro de revista. Tal
gênero teatral, bastante popular na primeira metade do século
XX, era um espaço onde se dava um franco diálogo com
o mundo da música popular: não faltam provas de que nos
palcos musicados da cidade do Rio de Janeiro canções eram
– 186 –
1920 e as efervescências sociais e políticas

lançadas e/ou popularizadas e que artistas se moviam livre-


mente entre os dois meios [...].
Afinal, com a popularização do teatro de revista e a ausência
de meios de divulgação de peso, como um mercado discográ-
fico e radiofônico forte, a colocação de músicas em peças era
uma chance importante para um compositor ou cantor popu-
larizar seus produtos. Por outro lado, nada melhor para um
revistógrafo que aproveitar canções de sucesso para populari-
zar suas peças, principalmente se estas canções fossem inter-
pretadas por estrelas como Margarida Max ou Araci Cortes.
Por outro lado, vários revistógrafos chegaram inclusive a ser
coautores de sucessos populares, já que as partituras sempre
possuíam uma parte composta especialmente para determi-
nada peça, cabendo muitas vezes aos autores da mesma a
tarefa de colocar a letra na música.
Assim, Luís Peixoto tornou-se um nome destacado na música
popular, pois, embora fosse fundamentalmente um homem do
teatro de revista, assinou letras de muitas músicas que chega-
ram ao sucesso. Outros autores de peças chegaram a grandes
sucessos: Ari Pavão foi autor da letra de “Chuá”, música com-
posta pelo maestro Sá Pereira para a revista Comidas, Meu
Santo!, de 1925, e que se tornou um dos grandes sucessos da
década, assim como “Zizinha”, música composta por Freitinhas
para a revista Se a Moda Pega e que após receber letra de
Carlos Bittencourt e Cardoso de Menezes tornou-se um dos
grandes sucessos de 1926. Assim, torna-se claro que não se
pode estudar o teatro de revista dos anos 1920 perdendo-se
de vista a música popular, e vice-versa.
Toda essa ligação entre o teatro de revista e a música popular
apoia a ideia de que o samba malandro tenha suas origens
nos palcos da revista carioca, mesmo porque tanto o malandro
quanto os demais tipos de grande sucesso no teatro de revista
decolariam, a partir dos anos 1920, para carreiras duradouras
também no cinema e na música popular. Malandros, mulatas,
– 187 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

caipiras e portugueses se fazem presentes, por exemplo, nas


chanchadas, no humor radiofônico, televisivo e teatral, com
muita frequência, principalmente a partir dos anos 1920 e até
os dias de hoje.
Em relação à malandragem, é possível identificar uma notável
simetria entre sua popularidade nos palcos e seu surgimento
na música popular. As primeiras músicas de sucesso calca-
das nessa temática apareceram nos últimos anos da década
de 1920. Já nos palcos, embora existente há muitos anos
(VENEZIANO, 1991: 122-124), a malandragem ocupou um
lugar mais central a partir do mesmo período, uma vez que nos
anos 1920 uma noção “malandra” do Brasil assumiu grande
importância no teatro de revista carioca (GOMES, 1998).

Atividades
1. Nicolau Sevcenko afirma que houve incentivo à formação de clubes/
associações e ao esporte em São Paulo no início do século XX, espe-
cialmente com a intenção de dar ideias de “pertencimento” em um
período de intensa imigração. Explique o argumento do historiador.

2. Se consideramos que o movimento operário não tinha um destaque ou


grupo homogêneo no início da década de 1920 no país, por que motivos
podemos entender que o Partido Comunista do Brasil ganhou destaque
em uma época em que os grupos anarquistas eram “desmantelados”?

3. Estabeleça uma relação entre o movimento feminista dos anos de


1920 e o sufrágio universal de 1934.

4. Com base no texto de Tiago de Melo Gomes, na seção “Ampliando


seus Conhecimentos”, analise os argumentos desse autor – e as fontes
por ele utilizadas – sobre o “samba malandro” ser um símbolo nacional.

– 188 –
10
“Revolução” de 1930:
história e historiografia

Neste capítulo refletiremos sobre a relação dos fatos ocor-


ridos nos anos de 1920 com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder.
O intuito é perceber em que aspectos a República Velha perdeu seus
alicerces centrais, proporcionando lugares de contestação e resistên-
cia, tanto sociais quanto políticos. Para tanto, analisaremos as rela-
ções políticas do período, o tenentismo e a própria ideia da entrada
de Vargas no governo como uma revolução, visto que esse é um dos
temas mais complexos na historiografia brasileira.
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

10.1 A crise da República do café com leite


Para as historiadoras Marieta de Moraes Ferreira e Surama Conde de
Sá Pinto, a República Velha se manteve vigente até a década de 1920 devido
a três características: a oligarquia liberal, a relação próxima entre os pode-
res Executivo e Legislativo e a integração entre o poder central e o regional
(FERREIRA; PINTO, 2008).
O federalismo, sistema implantado com a Constituição de 1891, possi-
bilitou ampla autonomia aos estados. Essa condição fez surgir um novo ator
político: os governadores. Com a instituição da “política dos governadores”,
cujo objetivo foi relegar as disputas políticas ao âmbito dos estados para que
não transpusessem a esfera nacional, a alternância do poder entre São Paulo e
Minas Gerais se manteve por cerca de 30 anos.
A aliança entre esses dois estados causou insatisfação a outros, assim
como a setores da população que almejavam maior participação política ou
políticas públicas na República (FERREIRA; PINTO, 2008), representada
principalmente nas Revoltas de Canudos e do Contestado e na organiza-
ção de operários em sindicatos, demonstrando a insatisfação popular com
o modo como a República estava organizada. Além disso, havia na própria
política dos governadores uma estratégia para ganhar o apoio dos estados que
não participavam dessa troca e que, ao ganharem autonomia, mantinham-se
ausentes do governo federal.
Em meados da década de 1920, esse sistema começou a entrar em
colapso à medida que se tentou ampliar a participação de outras oligarquias,
como as do Rio de Janeiro, de Pernambuco, da Bahia e do Rio Grande do
Sul. Esses estados formaram uma chamada reação republicana, lançando na
campanha presidencial de 1922 Nilo Peçanha e José Joaquim Seabra contra
Artur Bernardes e Urbano Santos, representantes da República do café com
leite. Ferreira e Pinto trazem o seguinte registro sobre esse período:
O mundo não pode ser mais o domínio egoístico dos ricos, e [...]
só teremos paz de verdade, e uma paz de justiça, quando nas nossas
propriedades [...] e nas nossas consciências, sobretudo, forem tão legí-
timos os direitos do trabalho como os do capital. Não é mais possível
a nenhum governo brasileiro deixar de respeitar, dentro da ordem, a
liberdade, a liberdade operária, o pensamento operário. (PEÇANHA
apud FERREIRA; PINTO, 2008, p. 397)

– 190 –
“Revolução” de 1930: história e historiografia

Nilo Peçanha defendia o fim do analfabetismo pelo incentivo às políticas


públicas educacionais e apontava nos movimentos operários questões a serem
pensadas no âmbito jurídico e do trabalho, temas que para ele não pode-
riam mais serem deixados de lado. De toda forma, também dar prioridade ao
movimento operário significava ganhar o seu apoio.
Artur Bernardes e Urbano Santos acabaram eleitos em 1922, e, além
de outros políticos ficarem descontentes, o Exército também se incomo-
dou, visto que diversos cargos do setor militar foram dados a civis. Nesse
tempo, a imprensa, favorável a Nilo Peçanha, passou a pedir a punição
daqueles que estavam prejudicando os militares (FERREIRA; PINTO,
2008). Além disso, Nilo Peçanha, no que seria chamado de reação repu-
blicana do Rio de Janeiro, trocou diversas cartas com militares de todo
o Brasil ainda antes da eleição. Essa relação foi estreitada quando cartas
falsas foram enviadas por Artur Bernardes subestimando as ações militares
(FERREIRA; PINTO, 2008).
Após o término da eleição, parte da imprensa passou a defender o grupo
representado por Nilo Peçanha e, paralelamente,
as lideranças políticas de Minas e São Paulo não se deixaram, entre-
tanto, intimidar diante das declarações alarmistas dos militares sobre
a ameaça de revolta das tropas [...] Carlos de Campos, líder da ban-
cada paulista na Câmara Federal, assumia posição semelhante ao
declarar: “Não cogitamos de acordo, nem é possível aceitá-lo”. A ati-
tude de São Paulo é definida e definitiva. Em conformidade com essa
orientação, ao ser realizada em maio de 1922 a eleição para a mesa
da Câmara Federal e para as diversas comissões parlamentares, foram
excluídos todos os deputados dissidentes. (FERREIRA; PINTO,
2008, p. 398-399)

Não houve discussão ou debate mais profundo. Aqueles que estavam


no poder não lançaram estratégias para diminuir o “tom” de resistência
da oposição, nem mesmo para mantê-la mais controlada. E, ainda, retira-
ram dos cargos todos os deputados que haviam apoiado a reação republi-
cana. Com base nessas considerações, podemos entender o porquê de se ter
demorado cerca de oito anos para uma nova resistência, visto que muitos
opositores perderam seus cargos, assim como tais fatos demonstram que a
estrutura política vigente já estava sendo contestada, tanto no âmbito polí-
tico quanto no social.

– 191 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Nos primeiros anos da década de 1920, o Brasil foi marcado por trans-
formações de ordem política e econômica. A expansão da cultura do café e da
atividade industrial fez surgir uma burguesia industrial (em São Paulo), além
de alterações na classe operária e em outros grupos sociais. A instabilidade
política e seus conflitos, ocasionados pelos interesses políticos das oligarquias
em se manter no poder, e a Crise de 1929 foram elementos preponderantes
para a ascensão de Getúlio Vargas ao poder. Berutti, Farias e Marques expli-
cam o contexto da crise:
A década de [19]20 foi marcada por um clima de euforia, espe-
cialmente nos Estados Unidos. A produção total norte-americana
aumentou em mais de 50%, e a prosperidade podia ser medida
pelo enorme movimento das bolsas de valores. A busca do ren-
dimento a curto prazo e em grandes proporções provocou uma
onda de especulação em larga escala, em torno das sociedades por
ações. Milhões de norte-americanos foram atraídos para o mercado
de capitais, que era movido pelo clima e confiança e pelo mito
da eternidade do American way of life. Com a economia europeia
desorganizada e com esse clima de prosperidade, o capitalismo nor-
te-americano rumou em direção à superprodução [...]. (BERUTTI;
FARIA; MARQUES, 2003, p. 155)

Nesse panorama, os Estados Unidos, em grande ascensão, influenciavam


as nações que estivessem com tal país. Lembramos que isso ocorria após a
Primeira Guerra Mundial, momento em que a Europa, ao menos no início da
década de 1920, também dependia dos Estados Unidos. No Brasil, o produto
principal era o café, cujos maiores compradores eram os Estados Unidos e a
Europa. Desse modo, o que já era uma crítica ao governo, por não estimular
outras produções e setores econômicos, tornou-se um problema maior ainda
com a quebra da bolsa de valores, em 1929. Operariado, burguesia indus-
trial e setores liberais estavam entre os políticos que debatiam as medidas da
República do café com leite.
A burguesia industrial sentia-se prejudicada pelas medidas econômicas
direcionadas ao café, enquanto pressionava o governo pedindo apoio finan-
ceiro e proteção aos seus interesses. Nesse contexto, “a classe média urbana
contestava a Política dos Governadores e o coronelismo, que lhe roubavam
possibilidades de chegar ao poder, via eleições. Por isso ela reivindicava refor-
mas eleitorais, moralização nas eleições e voto secreto” (BASTOS; SILVA,
1986, p. 239).

– 192 –
“Revolução” de 1930: história e historiografia

Tal como no discurso de Nilo Peçanha, a reforma política no que se


refere ao voto era também uma das pautas desse grupo, visto que sua par-
ticipação ou representação só aconteceria se a oligarquia mineira e paulista
perdesse o controle do governo. Para isso, seria preciso fortalecer ainda mais o
Exército e outras oligarquias. Nesse sentido, um dos movimentos importan-
tes foi o tenentismo.

10.2 Tenentismo
Schwarcz e Starling afirmam que, no ano de 1920, os oficiais de baixa
patente (segundos-tenentes ou primeiros-tenentes) formavam cerca de 65,1%
do Exército e mais 21,3% eram capitães (SCHWARCZ; STARLING, 2015).
Em geral, esses tenentes, embora fossem do Exército, também faziam parte de
diversos grupos sociais, sendo rígidos na política, mas liberais na economia.
O espaço de atuação desses tenentes não era amplo, mas, após alguns
movimentos, ganharam notoriedade. Segundo Lanna Júnior, o tenentismo
teve uma
fase heroica, de 1922 a 1927, como movimento de conspiração,
pegou em armas para lutar contra as oligarquias dominantes. Nesse
período, surgiu como única alternativa aos anseios das classes médias
populares. As mudanças tinham de ser feitas pelas armas, o que teria
transformado os militares rebeldes em vanguarda política da luta
contra o domínio oligárquico [...] era elitista; propunha a moraliza-
ção política contra as oligarquias cafeeiras [...] pregava a mudança a
partir de cima, sem a participação das classes populares. (LANNA
JÚNIOR, 2008, p. 316)

Além disso, militares que haviam perdido o poder desde a saída de


Floriano Peixoto objetivavam retornar. Para isso, precisavam questionar o
poder vigente – a oligarquia cafeeira – e, posteriormente, moralizar as insti-
tuições. Esse seria o objetivo inicial desses tenentes, porém sem a participação
popular. Nesse aspecto, devemos lembrar que o povo, ausente das participa-
ções políticas até a década de 1920, no entendimento desses tenentes, conti-
nuaria sem tal poder.
Primeiramente, diversos levantes aconteceram na cidade do Rio de
Janeiro, em Niterói e no estado de Mato Grosso, em espaços como vilas

– 193 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

militares, fortes e em batalhões. No Rio de Janeiro, os revoltosos se fecharam,


em 5 de julho de 1922, no Forte de Copacabana e, do local, fizeram alguns ata-
ques estratégicos, porém logo ficaram cercados. Dezessete tenentes saíram do
forte e caminharam pela Avenida Atlântica em meio ao fogo das tropas legalis-
tas. Apenas dois sobrevivessem, entre eles Siqueira Campos, um dos principais
líderes do movimento durante a década de 1920 (LANNA JÚNIOR, 2008).
Figura 1 – Revolta dos 18 do Forte de Copacabana

Fonte: Wikimedia Commons.


A Figura 1 traz a ideia de tomada da rua e da resistência que assumiram
os tenentes quando caminharam em direção às tropas republicanas, além das
mortes e da rápida tomada da ordem por parte do governo, que conseguiu
fazer com que as oligarquias vissem tais tenentes apenas como desordeiros em
um primeiro momento. Dessa forma,
[foram] menosprezados como rebeldes, foram julgados como revo-
lucionários. Dois anos depois, foram sentenciados, pelo artigo 107
do Código Penal, “considerados como pretendentes a mudanças
violentas da forma de governo e da Constituição do país”. Para
os condenados, essa sentença era a “demonstração de parcialidade
do Judiciário e subserviência deste ao Executivo”, a gota d’água, o
“móvel imediato” das revoltas que ocorreram a partir de 1924, dois
anos depois do acontecimento de 1922. (FORJAZ apud LANNA
JÚNIOR, 2008, p. 319)

Mesmo que o fim desses militares não tenha sido como heróis, a
memória deles, assim como a punição de alguns, serviu para inspirar os
movimentos futuros, como os ocorridos no Mato Grosso (12/07/1924),

– 194 –
“Revolução” de 1930: história e historiografia

em Sergipe (13/07/1924), no Amazonas (23/7/1924), no Pará (26/7/1924)


e no Rio Grande do Sul (29/10/1924). Muitos movimentos nem chegaram
a eclodir, visto que foram logo controlados, entretanto, mesmo limitados,
esses levantes demonstravam como os militares estavam se organizando ao
longo da década.
Os tenentes falavam em derrubar o governo de Artur Bernardes em
nome da nação. Eles desejavam o voto secreto, maior representação política,
liberdade de pensamento, nova organização do Poder Executivo e, especial-
mente, o equilíbrio entre os três poderes. No ano de 1924, a ação do grupo
foi organizada da seguinte forma:
Foi iniciada com a tomada de alguns quartéis. Apesar de os tenentes
conseguirem se instalar na capital paulista, com a ação repressiva do
governo, que não distinguia rebeldes dos civis, os tenentes resolveram
abandoná-la, deslocando-se para o interior de São Paulo, onde tam-
bém eclodiam revoltas. Fixando-se em seguida no Oeste do Paraná,
as tropas vindas de São Paulo enfrentaram os legalistas à espera dos
“tenentes” provenientes do Rio Grande do Sul, onde as revoltas tive-
ram à frente figuras como João Alberto e Luís Carlos Prestes e con-
taram com a oposição gaúcha do PRR. Em abril de 1925 as duas
forças se juntaram, dando origem à Coluna Miguel Costa-Luís Carlos
Prestes. (FERREIRA; PINTO, 2008, p. 401)

O movimento cresceu à medida que se deslocava para o interior, onde


provavelmente havia menos tropas, em um primeiro momento. No mês de
outubro, chegaram à Foz do Iguaçu e, ali, encontraram outros grupos vindos
do Rio Grande do Sul, estado que logo teve todos os grupos controlados,
restando apenas as tropas de Luís Carlos Prestes. Além disso, dois grupos
se juntaram (em abril de 1925), fortalecendo a resistência, dando origem à
chamada Coluna Prestes1.
O objetivo maior da Coluna Prestes era fazer propaganda de seus ideais,
a fim de ganhar apoio e fazer com que outros se revoltassem contra o governo.
Quanto mais marchava, mais a Coluna Prestes se sentia vitoriosa, afinal, dife-
rentemente de 1922, não foi calada por três anos pelo governo. Ainda assim,
Lanna Júnior faz a seguinte consideração:
1 Para saber mais sobre todos os levantes, sugerimos a leitura completa do texto de Lanna
Júnior (2008).

– 195 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

[A Coluna] consista em uma minoria de civis comandados por uma


minoria de militares. Tornou-se lendária por seus feitos de coragem
e bravura. Em situações adversas, reverteu posições e conseguiu sair
vitoriosa. Em Ramada “as linhas revolucionárias, não obstante serem
continuamente varridas pela metralha, avançavam com uma bravura
inaudita” [...]. (LANNA JÚNIOR, 2008, p. 329)

O historiador, no trecho, refere-se à luta travada em Ramada, no Rio


Grande Sul, onde, após quase serem controlados, os combatentes resolve-
ram utilizar táticas de guerrilha para continuarem, antes da formação da
Coluna Prestes.
Assim, os tenentes definiam suas rotas utilizando os caminhos menos
conhecidos e com rápida mobilidade, mudavam de planos para ter segurança
e usavam munição das tropas legalistas. Dessa forma, percorreram cerca de
24 mil quilômetros, atravessando diversos estados brasileiros (Mato Grosso,
Goiás, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Paraná, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Ceará e Pernambuco).
Figura 2 – Coluna Costa-Prestes, em que Costa é o quarto sentado e Prestes,
o terceiro, da esquerda para direita.

Fonte: Wikimedia Commons.

– 196 –
“Revolução” de 1930: história e historiografia

Ferreira e Pinto apontam que existem três correntes de entendimento


sobre o tenentismo: a primeira de que o movimento representava as classes
médias e objetivava maior representação política; a segunda (1960-1970) que
entende o tenentismo como um movimento basicamente militar que queria
apenas o poder do Executivo novamente para si; e a terceira, que considera
os militares representantes tanto do Exército quanto da sociedade, ou seja,
trata-se de uma corrente historiográfica que defende uma análise mais global
(FERREIRA; PINTO, 2008).
Lanna Júnior, por sua vez, traz diversas perspectivas sobre o tenentismo,
duas delas referentes aos historiadores Boris Fausto e José Murilo de Carvalho.
Para o primeiro, embora com críticas de Lanna Júnior, os tenentes teriam uma
origem simples, por isso se colocavam contra o governo, mas respondiam à
hierarquia militar. Mesmo assim, o trabalho de Boris Fausto é apontado por
Lanna Júnior como interessante, do ponto de vista metodológico, visto que
considera ideias e fontes das ciências sociais (LANNA JÚNIOR, 2008).
José Murilo de Carvalho, segundo Lanna Júnior, traz uma versão que
considera as mudanças dentro e fora das Forças Armadas. Nesse caso, o que
ocorre principalmente após a Proclamação da República é uma forte institu-
cionalização do Exército, tendo como agentes os tenentes. Ao mesmo tempo,
o tenentismo de 1920 seria uma continuação da intervenção dos tempos da
Proclamação e, até mesmo, da tomada de poder por Deodoro da Fonseca e
Floriano Peixoto (LANNA JÚNIOR, 2008).
São muitas as possibilidades de interpretação do tenentismo. De qual-
quer forma, tratava-se de um movimento que ganhou destaque ao combater
o governo do período, o de Artur Bernardes, que teve o mandato findado
muito próximo ao fim da Coluna Prestes.
Quando o novo governo iniciou, o de Washington Luís, as oligarquias
pareciam fortalecidas, da mesma forma como havia ocorrido com o levante
do Forte de Copacabana. Entretanto, dessa vez, o prazo seria menor. A his-
toriadora Anita Prestes define o período como “o início de uma nova fase,
em que as oposições, contando com a liderança da juventude militar rebelde,
ingressariam no caminho da revolução nacional, que terminaria por abalar os
alicerces da República Velha” (PRESTES, 1990, p. 86).

– 197 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

10.3 Getúlio Vargas no poder


No ano de 1929, o escolhido para a sucessão de Washington Luís deveria
ser um representante de Minas Gerais, porém o indicado foi outro paulista,
Júlio Prestes. Políticos do Partido Republicano Mineiro, descontentes, indi-
caram então Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, mas para terem mais força
aceitaram, por meio da Aliança Liberal, apoiar Getúlio Vargas.
A Aliança Liberal ainda tinha o apoio da Paraíba, com a indicação
de João Pessoa ao cargo de vice, e do Partido Democrático Paulista, rival
do Partido Republicano Paulista, de Washington Luís e grupos liberais.
Entre as pautas propostas pela Aliança Liberal, o historiador Boris Fausto
destaca algumas:
O programa da Aliança Liberal refletia as aspirações das classes domi-
nantes regionais não associadas ao núcleo cafeeiro e tinha por objetivo
sensibilizar a classe média. Defendia a necessidade de se incentivar a
produção nacional em geral e não apenas o café; combatia os esque-
mas de valorização do produto em nome da ortodoxia financeira e por
isso mesmo não discordava neste ponto da política de Washington
Luís. Propunha algumas medidas de proteção aos trabalhadores,
como a extensão do direito à aposentadoria, regulamentação do tra-
balho do menor e das mulheres, aplicação da lei de férias. Em uma
evidente resposta ao presidente que afirmou ser a questão social no
Brasil “uma questão de polícia”, a plataforma da oposição dizia não se
poder negar a sua existência, “como um dos problemas que teriam de
ser encarados com seriedade pelos poderes públicos”. Sua insistência
maior era a defesa das liberdades individuais, a anistia (com o que se
acenava para os tenentes) e a reforma política, para assegurar a cha-
mada verdade eleitoral. (FAUSTO, 2010, p. 319-320)

A Aliança Liberal, especialmente os representantes da oligarquia que


eram filiados a ela, entendiam que precisavam ter em seu discurso a promessa
de direitos sociais e trabalhistas para que tivessem mais apoio. Nesse sentido,
tinham como propostas a regulamentação do trabalho feminino e do horário
de trabalho, assim como de aposentadoria e férias.
Além disso, o voto de fato universal e a anistia para tenentes condenados
em virtude do movimento também eram propostas defendidas pela aliança.
Podemos depreender da ideia de Boris Fausto que havia uma urgência em
atender, ao menos em parte, às reivindicações relativas ao campo social.

– 198 –
“Revolução” de 1930: história e historiografia

Junto às consequências da Crise de 1929 e ao desgaste político, no iní-


cio de 1930, a chapa paulista venceu. Entretanto, isso não foi o suficiente
para frear a Aliança Liberal, que se aliou aos tenentistas, especialmente após
a morte de João Pessoa, que, mesmo tendo ocorrido por outros motivos, foi
apontada como uma “honra” a ser defendida.
Em meados de 1930, Getúlio Vargas tomou o poder, período intitulado
como “Revolução de 1930”. Parte de seu discurso dizia:
Nem os elementos civis venceram as classes armadas, nem estas
impuseram àqueles o fato consumado. O Rio Grande do Sul, ao
transpor as suas fronteiras, rumo a Itararé, já trazia consigo mais da
metade do nosso glorioso exército. Por toda parte, como, mais tarde,
na capital da República, a alma popular confraternizava com os
representantes das classes armadas, em admirável unidade de senti-
mentos e aspirações. O trabalho de reconstrução, que nos espera, não
admite medidas contemporizadoras. Implica reajustamento social e
econômico de todos os rumos até aqui seguidos. (VARGAS apud
BASTOS, 1986, p. 256)

O tom das palavras de Getúlio Vargas é de renovação, de reforma, de um


futuro até então desconhecido. Suas promessas estão relacionadas a uma nova
administração, com programas desejados e desconhecidos.
As discussões historiográficas acerca da Revolução de 1930 apontam que
ela foi possível após a cisão entre os setores da burguesia industrial com os
setores médios e urbanos e sua chegada ao aparelho estatal. Para Boris Fausto,
a Revolução de 1930 ocorreu por meio de conflitos entre as oligarquias que
tiveram o apoio de parte dos militares com o intuito de neutralizar o poder da
burguesia composta de cafeicultores. Nas palavras do historiador,
a partir de 1930 ocorreu uma troca da elite do poder sem grandes
rupturas. Caíram os quadros oligárquicos tradicionais; subiram os
militares, os técnicos diplomados, os jovens políticos e, um pouco
mais tarde, os industriais. Desde cedo, o novo governo tratou de cen-
tralizar em suas mãos tanto as decisões econômico-financeiras quanto
as de natureza política. Desse modo, passou a arbitrar os diversos
interesses em jogo. O poder de tipo oligárquico, baseado na força
dos estados, perdeu terreno. As oligarquias não desapareceram, nem
o padrão de relações clientelistas deixou de existir. Um novo tipo de
Estado nasceu após 1930, distinguindo-se do Estado oligárquico.
(FAUSTO, 2002, p. 182)

– 199 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

Segundo Fausto, permanecia no poder uma estrutura elitista, com o


poder concentrado em suas mãos, além de perpetuarem práticas clientelis-
tas, porém sob novas organizações. Não obstante, Fausto afirma que algu-
mas estratégias foram logo definidas, o que caracteriza, para ele, o novo
governo como a Revolução de 1930. A primeira estratégia era uma economia
voltada aos interesses industriais, a segunda era o estabelecimento de uma
aliança com a classe trabalhadora, em uma espécie de proteção estatal, e, por
último, era ter o Exército como uma “indústria de base” e de proteção interna
(FAUSTO, 2010).
Outro historiador, Edgar Salvadori De Decca, afirma que Getúlio
Vargas, junto ao setor mais conservador da Aliança Liberal, a burguesia
industrial, teria liderado uma contrarrevolução, a fim de controlar mudanças
sociais mais profundas. Entre elas, estaria a ação do movimento operário (DE
DECCA, 2004).
De qualquer forma, podemos entender que a Revolução de 1930 trouxe
um novo tempo político ao Brasil.

Conclusão
O movimento tenentista foi um dos principais responsáveis pelo des-
gaste do sistema político oligárquico ao fim dos anos de 1920. Isso porque,
além de os militares demonstrarem resistência, também se fortaleceram com
a oposição política dos representantes da aliança “café com leite”.
Além disso, é preciso considerar todas as resistências encontradas nas
décadas anteriores, isto é, as Revoltas da Chibata, do Contestado, da Armada
e de Canudos, o movimento operário com suas greves, o movimento femi-
nista, entre outros. Todos esses, cada um ao seu tempo e com suas reivindica-
ções, tinham algo em comum: desejavam outra organização para a República
que se iniciava, fosse na direção do Executivo, fosse na simples declaração de
igualdade social e de políticas públicas que corroborassem com uma maior
participação popular.
O movimento modernista, os representantes da eugenia e aqueles que
almejavam mais higiene e sanitarismo nas ruas, ainda que para poucos, faziam
parte desse desejo por um Brasil republicano e moderno.

– 200 –
“Revolução” de 1930: história e historiografia

Ampliando seus conhecimentos


O texto a seguir é parte de um artigo publicado pela historiadora Anita
Leocádia Prestes. Seu objetivo é aprofundar a análise sobre a Coluna Prestes,
conduzida por seu pai, Luís Carlos Prestes. Convidamos você à leitura, a fim
de refletir sobre a historiografia desse período.

A Coluna Prestes: uma proposta


de ­t rabalho
(PRESTES, 1985, p. 30-31)

Fica evidente que a ausência quase completa da Coluna


Prestes de nossa historiografia (enquanto os levantes de 22 no
Rio, 24 em São Paulo e a Revolução de 30 contam com uma
vasta bibliografia) não pode ser aceita como um fato casual e
fortuito. Principalmente, quando algumas das principais figuras
da Marcha da Coluna permaneceram, durante anos, em posi-
ções de destaque na vida nacional. É impossível negar que
houve o propósito deliberado de relegar a Coluna e seus
feitos ao esquecimento e, ao mesmo tempo, permitir que seu
conteúdo fosse esvaziado do seu verdadeiro sentido, detur-
pado e manipulado pelas classes dominantes ao longo dos
anos que se seguiram ao movimento de 30.
Indiscutivelmente, a ruptura de Prestes com os “tenentes” e sua
adesão aos ideais comunistas podem explicar muita coisa. A
partir desse momento, praticamente todos seus antigos compa-
nheiros viram-lhe as costas e aderem, em maior ou menor grau,
à chamada Revolução de 30 e ao novo poder instalado sob
a liderança de Getúlio Vargas. Entrementes, falar na Coluna
e nos seus feitos era impossível sem referir-se a Prestes e seu
papel destacado. A Coluna estava identificada com Prestes. E
Prestes, a partir de 30, estava identificado com o comunismo e
a União Soviética. Para as classes dominantes e seus mais novos

– 201 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

colaboradores – os antigos “tenentes” – era indispensável des-


truir o mito do “Cavaleiro da Esperança”, que haviam ajudado a
difundir, enquanto correspondia aos seus interesses.
As ideias comunistas encontravam no Brasil uma nova e ori-
ginal forma de propagação: por intermédio de Luiz Carlos
Prestes – indiscutivelmente a figura de maior destaque e a
principal liderança do movimento tenentista –poderiam atingir
setores, como de fato aconteceu em certa medida, que o débil
PCB (Partido Comunista Brasileiro) não tinha possibilidade
de influenciar. Tratava-se, pois, para os vitoriosos de 1930, de
travar o combate sem tréguas contra o comunismo e contra
Prestes. Para isso, era preciso silenciar a história da Coluna e,
pouco a pouco, ir transfigurando o seu verdadeiro sentido.
Com o tempo, não só o sentido da Coluna seria deturpado,
como o do movimento tenentista em geral. Uma outra “história”
deveria aparecer, a história dos donos do poder.
Tratava-se de esquecer a verdadeira história da Coluna: uma
história de luta revolucionária contra as oligarquias personifica-
das pelo seu representante máximo na época – o presidente
Artur Bernardes; uma história de rebeldia, da qual participa-
ram não só os “tenentes”, como contingentes mais ou menos
numerosos de homens e mulheres oriundos do povo, das
massas populares; uma história em que, diferentemente dos
estereótipos insistentemente propagados no Brasil pelas clas-
ses dominantes, verificava-se que o povo, quando encontra
condições propícias, quando dispõe de lideranças em que
confia e que se mostram capazes de mobilizá-lo e quando é
motivado por um determinado objetivo, é capaz de organizar-
-se e lutar, inclusive de armas na mão, com infinita abnegação
e desprendimento, pela causa abraçada.
[...]

– 202 –
“Revolução” de 1930: história e historiografia

Atividades
1. Qual a relação entre a reação republicana do Rio de Janeiro e o fim
da República Velha?

2. De que forma podemos afirmar que há uma relação próxima entre o


movimento tenentista e a Revolução de 1930?

3. Por que, para Boris Fausto, houve uma revolução em 1930, mesmo
com o poder centralizado em poucas mãos no período posterior?

4. Para a historiadora Anita Leocádia Prestes, o tenentismo teve uma


revisão historiográfica complexa a partir de 1930. Estabeleça a argu-
mentação da autora e explique o porquê das diferenças.

– 203 –
Gabarito
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

1. A crise no Império e a emergência


do discurso republicano
1. Os escravos que foram lutar na Guerra do Paraguai, mesmo que em
condições inferiores aos “brancos”, puderam experimentar a liberda-
de. Desse modo, ao retornarem ao Brasil e encontrarem as ideias abo-
licionistas, endossaram o movimento pelo fim da escravidão. Da mes-
ma forma, soldados rasos que foram contratados para lutar também
exigiram seus direitos de manter seus lugares no Exército, enquanto
aqueles que ocupavam altos postos nessa instituição reivindicavam o
reconhecimento do Exército. Ambos os processos acabavam questio-
nando a ordem vigente, visto que, no caso dos escravos, contestavam
toda a moral e a política econômica. Ao mesmo tempo, o Exército
mostrava-se como uma forte instituição (com alguns ideais republi-
canos) diante do Poder Moderador de Dom Pedro II.

2. A abolição foi um processo longo, lento e gradual, iniciado ainda


em 1831 (quando o tráfico negreiro foi proibido), mas que, de fato,
manteve-se por várias décadas. Apenas a partir de 1860, com a par-
ticipação de negros na Guerra do Paraguai, a campanha abolicio-
nista e o início do discurso republicano, intensificou-se a luta pelo
fim da escravidão. A existência da escravidão, entretanto, nunca foi
um problema moral para uma maioria, inclusive de negros libertos,
pois era algo “naturalizado”. Desse modo, quando o processo de
abolição ganhou fôlego, tanto por pressões internacionais quanto
nacionais, a inserção social e a igualdade de direitos não fizeram
parte da pauta política principal, e as consequências para os libertos
foram de marginalização e de ausência de uma política eficiente de
igualdade de direitos.

3. A construção das ferrovias teve início devido ao interesse de cafei-


cultores, que desejavam transportar com mais rapidez seus produ-
tos, além de baratear o transporte. Desse modo, aproveitando-se da

– 206 –
Gabarito

Lei Feijó, passaram a estimular a construção da primeira estrada de


ferro, a Santos-Jundiaí – construída em grande parte com dinheiro
público, o que demonstra um direcionamento privilegiado do uso
desse dinheiro. Ao mesmo tempo, o interior de São Paulo foi alvo
de povoação, visto que era preciso montar vilas a fim de sustentar as
necessidades dos operários. Esse, certamente, foi um dos primeiros
processos de interiorização no período contemporâneo à História
do Brasil.

4. A construção das ferrovias estava ligada à ideia de progresso, ou seja,


um país só poderia crescer e se desenvolver caso também pudesse es-
coar a sua produção do interior, bem como povoá-lo. Por isso, trazer
novos grupos sociais e étnicos para que trabalhassem na construção
das ferrovias foi uma prática comum durante a segunda metade do sé-
culo XIX e início do XX. Parte da mão de obra utilizada era também
brasileira, porém nem sempre eram os nativos que predominavam.
Ao trazer mais grupos imigrantes e ao não atender às necessidades
daqueles que já viviam nessas regiões, isso fez com a desigualdade
social e racial aumentasse. Assim, podemos dizer que a bandeira de
progresso, levantada pela construção das ferrovias e com a vinda de
imigrantes, trouxe crescimento ao Brasil, mas também foi base para o
aumento das desigualdades.

2. Republicanismo no Brasil Imperial


1. O Exército, após o retorno da Guerra do Paraguai exigiu de Dom Pe-
dro II mais autonomia e poder político. O Imperador, por sua vez, não
colaborou com os interesses dos militares. Assim, eles passaram a apoiar
as ideias republicanas, especialmente porque, se o Brasil fosse uma Re-
pública, poderiam participar mais das esferas de poder. Nesse contexto,
as ideias positivistas do filósofo Auguste Comte passaram a ser mais
conhecidas. Elas defendiam a observação e a união entre interesses de

– 207 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

diferentes segmentos de uma sociedade, para que ela prosperasse. Cabe


ressaltar: a ideia de Comte era laica, isto é, separava religião e Estado, e
defendia a ciência como responsável pelo progresso de um país.

2. O jornalista Antônio Silva Jardim era republicano e abolicionista. Na


citação referente à pergunta, assim como nas demais, travava embates
com conservadores e liberais, por entender que estes, quando apoia-
vam a ideia republicana, faziam-no apenas pensando nos seus interes-
ses e privilégios de classe. Desse modo, caso a República fosse procla-
mada, não atenderia à demanda do povo em geral. Muitos liberais e
conservadores não tinham o objetivo de abolir a escravidão, mas, caso
isso ocorresse, eram de acordo com o pagamento de indenizações aos
senhores, além disso, essa abolição só deveria acontecer no tempo es-
colhido por eles. Para Silva Jardim, abolir a escravidão, como também
ouvir outros públicos, como mulheres e estrangeiros, eram premissas
mais do que necessárias, pois somente assim poder-se-ia construir um
regime republicano em consonância com os ânimos do fim do século
XIX e do início do século XX.

3. A Constituição de 1891 foi a primeira que trouxe perspectivas de


igualdade social e política para um público maior. Um dos aspectos
era permitir que as pessoas tivessem o direito de defesa antes de serem
punidas, e tal discussão culminou na prática do habeas corpus. Além
disso, foi defendido em sua escrita o direito de todos “de ir e vir”, ou
mesmo de professar sua fé, sem serem julgados ou punidos por isso.
Entretanto, sabemos que as leis foram criadas em um período de bas-
tante instabilidade e em um país sem tradição de respeito aos direitos.
Desse modo, entendemos que essas leis estavam apenas iniciando a
formação de uma cultura da igualdade.

4. Para Paulo Bonavides, a França revolucionária encontrou um Esta-


do-Nação (a sociedade feudal do Antigo Regime) já organizado, in-
dependente, e, por meio dele, pôde escolher o caminho a se tomar.

– 208 –
Gabarito

No Brasil, o processo foi bastante diverso, visto que o país havia sido
colônia por muito tempo (três séculos) e, quando se tornou inde-
pendente, com a continuidade da família real portuguesa no poder,
não desenvolveu ou conheceu outra prática política ou perspecti-
vas sociais diversas daquelas já conhecidas antes da independência.
Portanto, apesar de algumas instituições de representatividade e de
constituição terem sido criadas, a expectativa não poderia ser igual
à francesa, não apenas pelas diferenças contextuais, mas pela própria
“base política” anterior.

3. Movimentos urbanos e sociais


1. A Proclamação da República ocorreu de acordo com os interesses
de pequenos grupos, mesmo que importantes, como o Exército, os
positivistas e a oligarquia cafeicultora de São Paulo. Desse modo, se
olharmos para o sentido estrito do termo república (res publica), que
significa coisa pública, podemos perceber, já de início, que o proces-
so ocorrido no Brasil se diferenciava de outros processos históricos,
visto que não foi o povo ou ao menos uma maioria que liderou tal
acontecimento histórico (tal como ocorreu na Revolução Francesa).
Porém, sob a ótica das discussões trazidas pelas historiadoras Angela
de Castro Gomes e Silvia Gomes de Bento Mello, podemos perceber
que, aos poucos, ideias vistas como inferiores ou subversivas passaram
a ser discutidas, ganhando espaço e conquistando direitos. Ao fim,
a ideia de república, por mais manipulada que tenha sido, trouxe à
baila o questionamento acerca da perspectiva de igualdade.

2. Anarquistas defenderam (entre os anos de 1906 a 1920), em especial


e com intensidade, a união de categorias e de operários (nem sempre)
semelhantes para que, dessa forma, tivessem mais força diante das lu-
tas. Ambos os grupos, socialistas e anarquistas (nem sempre tão sepa-
rados), colaboraram com a formação de uma consciência de “classe

– 209 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

operária” no Brasil, mesmo que o reflexo mais expressivo disso tenha


se dado a partir dos anos de 1920, culminando nos direitos trabalhis-
tas, nas décadas seguintes. Entretanto, o anarquismo pregava uma luta
mais árdua e de resistência, ou seja, não era a favor de negociar com o
Estado, porque entendia que a maioria dos sindicatos já existente na-
quele período funcionava como associações e cooperativas assistencia-
listas. Do mesmo modo, os anarquistas diziam que não seria possível
alcançar a igualdade e a liberdade enquanto o Estado existisse, apre-
sentando assim uma proposta diversa à do socialismo, que pregava a
intervenção estatal para a condução de uma sociedade mais igualitária.

3. Os anarquistas eram chamados de “baderneiros”, visto que não acei-


tavam a autoridade estatal e de suas instituições. Para eles, o Esta-
do, assim como toda autoridade institucional, era responsável pela
legitimação da opressão e da falta de direitos dos operários. Por isso,
pregavam manifestações e greves, a fim de obterem negociações mais
contundentes e benéficas. Devido a essa postura arrojada, muitos
anarquistas acabavam presos, e os que eram estrangeiros chegavam
até a ser expulsos do país. Os “amarelos” eram chamados dessa forma
pelos anarquistas, pois aceitavam apenas parte dos direitos necessários
e eram persistentes nas negociações com o patronato.

4. O historiador inglês Eric Hobsbawm afirma que é necessário analisar


a classe operária de acordo com o contexto a que pertence. Para isso, é
preciso considerar a economia nacional, a classe, o Estado, as leis e as
práticas comuns a um país. O historiador Edward Palmer Thompson,
por sua vez, argumenta que não é ideal reduzir o trabalho a uma sim-
ples ideia de “emprego” e seu vínculo linear com os processos educa-
cionais escolares, é preciso compreender o trabalho na sua necessária
relação com a vida. Dessa forma, defende que é preciso criticar a visão
meramente economicista do trabalho, para pensar esse tema com base
na experiência e nos sentimentos gerados pelos sujeitos sociais, a fim
de perceber como eles compreendem e mudam os seus espaços.

– 210 –
Gabarito

4. O Sertão e o interior do Brasil


1. O cangaço pode ser apontado como um estilo de vida de diversos ho-
mens e mulheres do sertão brasileiro que aliava a violência ao cotidiano
de várias formas – como assaltos, sequestros, roubos. Essa região era
repleta de miséria social, intensificada pela falta de políticas públicas e
sociais, tanto por parte do Império quanto da República. O Cabeleira,
personagem lendário do romance regionalista de Franklin Távora, as-
sim como do sertão pernambucano, teria sido um dos primeiros can-
gaceiros. O último foi Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, com seu
bando. Apesar da violência empregada, os cangaceiros também defen-
diam outros pobres em relação à opressão mantida por coronéis e polí-
ticos regionais. Dessa forma, é possível dizer que o cangaço era uma das
poucas opções contra a miséria, mesmo que lançasse mão da violência.

2. Canudos nasceu por meio da negação de Antônio Conselheiro e de


seus seguidores em obedecer ao pagamento de impostos, que eram
cobrados do povo desde a fase imperial do Brasil, sem se importar se a
população passava por períodos de secas ou escassez, situação comum
no sertão nordestino. Além disso, era uma região que há muito estava
abandonada pelo poder público, situação que se agravou ainda mais
após a Proclamação da República. Essa região também era local de
disputa entre coronéis e cangaceiros, cuja violência era comum.
Antônio Conselheiro, ao fundar Canudos, estava preocupado em
contestar a República, por entender que ela feria a ordem natural
da monarquia, ao mesmo tempo em que convivia com diversos
problemas sociais. Porém, ao ser analisado pelo discurso jornalístico,
o Arraial de Canudos foi apontado como um local que simplesmente
não aceitava uma nova ordem política, sem que os problemas sociais
e políticos (que fizeram com que milhares de pessoas apoiassem
Antônio Conselheiro) fossem considerados. Assim, não restava ao
governo federal outra opção, senão reprimir duramente o movimento
e utilizá-lo como exemplo para outros.

– 211 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

3. Os movimentos de Canudos e do Contestado aproximam-se por po-


derem ser classificados como sendo de cunho “messiânico” pelas ins-
tituições oficiais do período, o que permitiu que ambos fossem repri-
midos de maneira dura e exemplar, para que outros não ocorressem.
Entretanto, apesar das características supersticiosas e, muitas vezes, dos
discursos contra a República, as questões maiores que os mobilizavam
eram a falta de regulação de terras e a opressão sentida pelas mãos de
coronéis e por parte de uma República que não defendia os interesses
de camponeses. A fé movida por pregações de quem se dizia curandei-
ro ou por um líder carismático – no caso de Conselheiro – era comum.
Contudo, não se pode reduzir a resistência de sertanejos e a diferença
social e de classe a um simples evento místico ou fanático.

4. A leitura do artigo de Vanderlei Sebastião de Sousa expõe o sertão


euclidiano como um espaço rude, seco, inóspito, ou seja, de difícil
sobrevivência. Com base em ideias sociais e científicas do período,
Euclides da Cunha busca compreender a relação entre o homem da
terra – o sertanejo – e as condições geográficas nas quais ele lutava por
sobreviver. Observa-se, portanto, uma influência naturalista, típica
do fim do século XIX, e uma relação direta com o positivismo de Au-
guste Comte, para quem o mundo social deveria ser compreendido
com base nas ciências naturais, buscando sua organização e sua lógica.

5. República civilizatória e resistência


1. A Revolta da Armada se desdobrou em dois momentos diversos: em
1891, sob o governo de Deodoro da Fonseca, quando este fechou o
congresso e se negava a ouvir a oposição e, em 1893, com Floriano Pei-
xoto, quando este se recusou a discutir com representantes da Marinha.
Em ambos, havia o desejo do retorno da monarquia ou de alguma pos-
tura diferente da que viam acontecer em nome da República instituída.
Os acontecimentos fazem parte, portanto, da disputa política e militar
dos primeiros anos que se sucederam à Proclamação da República.

– 212 –
Gabarito

2. Junto ao desconhecimento sobre a eficácia e funcionamento da va-


cina, havia a disputa política entre militares, monarquistas e civis.
Aqueles que estavam contra o governo do período, independente-
mente da importância da vacina, incentivaram o movimento a fim
de desqualificar as medidas tomadas pelo Executivo – já que era uma
ordem direta –, enquanto afirmavam que a escolha de ser vacinado
deveria ser do povo, e não o contrário. A oposição lançava sobre o go-
verno um juízo de arbitrariedade, desqualificando a República. Além
disso, operários e sindicatos também aproveitaram o momento de
conflito para negociar direitos.

3. A Revolta da Armada foi motivada por disputas políticas e desentendi-


mentos internos na Marinha. Os temas eram sobre o futuro do Brasil e
da República. No movimento da Chibata, liderada por marinheiros ne-
gros e pobres, além de culparem a República pela ausência de igualdade
entre brancos e negros (raças), também pediam revisão das penalidades
sofridas, assim como desejavam uma formação igualitária na Marinha.
Um dos principais aspectos era de que o alto comando em geral or-
denava muitas chibatadas aos negros, como penalidades, tratando-os
ainda como escravos, embora já tivesse passado 20 anos da abolição.

4. O principal elemento era o repúdio ao modo como os marinheiros


negros eram tratados e, para eles, a República também era culpada,
visto que não tornava eficazes leis que os protegessem e lhes dessem
garantias de igualdade. Dessa forma, apenas um levante contra aque-
les que representavam essas instâncias seria respeitado ou ouvido.

6. Reforma urbana e questão social


na capital da República
1. A Constituição de 1891, além de limitar aqueles que poderiam par-
ticipar da política, defendia a autonomia dos municípios e dos es-

– 213 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

tados, permitindo que definissem políticas locais. Dessa forma, o


povo ficava à mercê dos interesses de quem controlava as coligações
e, embora, a “política dos governadores” tenha buscado um “acordo
nacional”, acabou centralizando o poder apenas para dois estados.
Tal perspectiva demonstra que a ideia de República ainda não havia
alcançado seus princípios mais sociais. Em relação à prática libera-
lista, a não intervenção do Estado no mercado era comum ainda no
Império, especialmente dirigindo o montante arrecadado aos inte-
resses do setor agrário. Com a Proclamação da República e uma nova
Constituição, novos arranjos foram necessários para que o poder –
disputado – fosse exercido.

2. Para o historiador Claudio Batalha, o imigrante que vinha ao Brasil


em geral pertencia ao campo, sem tradição ou participação sindical.
Dessa forma, a ideia de que todos vinham com conhecimento dos
princípios anarquistas não seria válida; porém, ao mesmo tempo, es-
ses imigrantes chegavam ao Brasil com o objetivo de enriquecer, e essa
escolha por vir demonstra uma reação diante da opressão e pobreza
sentidas anteriormente. Estas são constantes no Brasil e, diante disso,
apenas uma ação coletiva poderia mudar.

3. Podemos perceber que os movimentos não foram unânimes, nem ao


menos ocorreram ao mesmo tempo. Mas entendemos que, à medida
que a década de 1900 passava e as ideias socialistas e anarquistas
eram divulgadas, bem como associações e sindicatos atuavam, ope-
rários passaram a perceber que a união deles poderia mudar. Se o
patronato reagia com força, como muito aconteceu após 1908 e,
em especial, no ano de 1917, sindicalizados compreenderam que
reinvindicações poderiam ser atendidas mediante a insistência por
meio de greves e negociações. Longe de um ideal, o que apontamos
é a construção de uma consciência operária, notada com evidência a
partir dos anos de 1920.

– 214 –
Gabarito

4. O autor tem como principal preocupação demonstrar que, apesar da


aparente diminuição de movimentos e de formação de resistências
até por volta do ano de 1914, a ideia de uma espontaneidade baseada
nas diferentes instituições significa uma consciência da importância
da luta por direitos e do quanto as mais diversas realidades estavam
relutando contra as opressões sentidas. Dessa forma, embora sejam
grupos ideologicamente diversos, o envolvimento dos três fez com o
movimento operário, de modo geral, entendesse que as reivindicações
eram de todos.

7. Literatos, literatura e vida


intelectual na Primeira República
1. A República do “café com leite” ou oligárquica instalada após a Procla-
mação da República logo demonstrou que seus representantes não alme-
javam um governo democrático e com políticas públicas para a maioria
da população. Nesse contexto, diversos embates e resistências acontece-
ram por parte do povo, objetivando um lugar menos desigual. Porém,
não somente pelo fato, mas essencialmente pelo que poderia significar a
palavra República, diversos grupos começaram a debater questões sociais
e até mesmo políticas sobre o futuro da nação. Além disso, uma maior
liberdade na economia permitiu que novos grupos se instalassem no
Brasil, junto a tantos imigrantes e forros, que colaboraram para que ci-
dades tivessem seus comportamentos e ideais transformados.

2. Os bairros novos, que deveriam atender à população suburbana, co-


nhecidos como “cidades-jardim”, acabaram sendo construídos pela
Companhia City às classes mais abastadas. Além de o processo de
construção das ruas e casas ter parâmetros superiores aos que os mais
simples poderiam pagar, o não incentivo do comércio nesses locais fez
com que muitos não almejassem essas moradias. Do mesmo modo,
nesses bairros era comum a construção de praças e ­pequenos parques

– 215 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

de acordo com os interesses dos moradores, e ainda os jardins, que


tanto deixavam os locais mais agradáveis, não eram organizados nos
bairros mais simples.

3. O início do movimento modernista não tinha uma intenção geral


de debate político, ou seja, de envolver suas exposições e produções
artísticas em temas de interesses maiores, além dos estéticos. As ques-
tões centrais, no início, eram relativas às vanguardas europeias como
inspiração para a busca de uma brasilidade. Entretanto, com o te-
nentismo, cujo questionamento era o sistema político oligárquico, o
ideal modernista tornou-se evidentemente político, colaborando na
proposta de mudança intencionada ao Brasil.

4. Os modernistas entendiam o termo antropofagia em seu sentido mais


metafórico, o de que toda cultura que havia passado ou contribuído,
com mais ou menos evidência em relação à brasileira, deveria ser “di-
gerida” adequadamente, a fim de se perceber que elementos poderiam
ser aproveitados, formando a brasilidade. Tal perspectiva era uma alu-
são aos rituais antropofágicos, estudados pelos modernistas, em que a
força ou as qualidades de um “inimigo” seriam adquiridas à medida
que sua “carne” fosse consumida.

8. Discursos eugênicos no Brasil


1. Para Souza (2012), a eugenia “positiva” de Francis Galton se refere
a um controle racial e de saúde por meio de estratégias sociais, po-
líticas e culturais, isto é, para “melhorar” a qualidade e o modo de
viver da população, a fim de evitar problemas epidêmicos ou sociais,
como violência urbana, fome, entre outros. Já a eugenia “negativa”
dizia respeito a restringir ou instituir medidas que impediriam pes-
soas pobres (tangenciadas por questões étnicas, raciais e de gênero) de
­constituirem famílias. No caso brasileiro, ocorreu a eugenia positiva

– 216 –
Gabarito

(menos agressiva), buscando medidas que diminuíssem a miséria so-


cial. É importante ressaltar que a miscegenação também era conde-
nada, situação que não poderia ser evitada mais no Brasil, devido à
sua trajetória.

2. Para Stepan (2004), a discussão sobre eugenia no Brasil estava mais


relacionada a mudanças sanitárias e reforma urbanística dos grandes
centros que a uma mudança ou proposta mais radical de alteração
genética, ou seja, de uma eugenia “negativa”. Dessa forma, podemos
entender que a eugenia não encontrou o seu espaço de forma mais ra-
dical, que é evitar o entrelaçamento de raças (vistas como inferiores e
superiores), tendo sido pensada mais como uma política social e para
justificar as diferenças já existentes.

3. Por meio do discurso de Renato Kehl, Souza (2006b) evidencia que


a opinião de diversos teóricos estava estampada nos jornais, trazendo
números e argumentos sobre a escolha do imigrante – como etnia,
aptidão física e histórico de doenças –, bem como a sugestão de proi-
bição de casamentos entre raças diferentes. Por meio dessas fontes
(jornais), é perceptível que alguns grupos sociais eram segregados, se-
gundo o estabelecimento ou não de relações com outros.

4. Kern (2013) afirma que a miscigenação de raças era condenada pela


eugenia, visto que não poderia ser “equiparada” ou reconstituída
uma raça superior após ser miscegenada. Além disso, a miscigena-
ção se mostrava como um limite ao progresso de um país, causando
degeneração racial e “atrasos” à civilização. Kern traz ainda ideias de
Schwarcz, as quais reafirmam que as raças deveriam ser diferencia-
das em aspectos físicas, morais e culturais, assim como deveriam ser
conhecidas e hierarquizadas. Portanto, na medida em que as raças
fossem analisadas, soluções para os problemas sociais do Brasil pode-
riam ser encontradas.

– 217 –
História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

9. 1920 e as efervescências sociais e políticas


1. Naquele contexto, eram muitos os grupos que chegavam à cidade
de São Paulo, enquanto movimentos buscavam formar um ideal de
modernidade. Para tanto, era preciso pensar que as tradições e os cos-
tumes tinham sido alterados e, a fim de dar um “elo” a tantas línguas
e culturas diferentes, o incentivo ao esporte foi uma das estratégias.
Sevcenko exemplifica, nesse sentido, a torcida e a união pelas regatas e
o futebol. Se antes os grupos não tinham nada em comum, passavam
a ter por meio dos clubes e associações.

2. Anarquistas defendiam a liberdade individual e, por isso, colocavam-se


contra reuniões partidárias e associações, especialmente se mantives-
sem alianças com o patronato. Dessa forma, com a ausência de leis
e direitos, o desemprego e a falta de sindicalização, os grupos (que
eram muitos) acabavam antes de ganharem espaço na política. Além
disso, muitos anarquistas também foram extraditados após as greves
dos anos de 1910. Nesse sentido, o Partido Comunista do Brasil, além
de buscar na formação partidária uma força, também incentivou os
“seus” operários a se candidatarem e, por isso, não muito além das
capitais, especialmente da federal, ganhou destaque nos anos de 1920.

3. As feministas dos anos de 1920 no Brasil tinham interesses diversos


entre elas. Bertha Lutz liderava a reivindicação ao acesso ao Ensino
Superior e ao voto universal. Acreditava que as mulheres alcançariam
a igualdade quando pudessem escolher seus representantes ou se
candidatarem. Além disso, a escolha por qualquer profissão também
traria equidade e igualdade às mulheres. Maria Lacerda de Moura
defendia os direitos trabalhistas essencialmente, porém várias dessas
reivindicações acabaram alcançando o status de lei na Constituição de
1934, atingindo até mesmo homens, visto que até então nem todos
poderiam votar.

– 218 –
Gabarito

4. Tiago de Melo Gomes observa, por meio de várias fontes, a existên-


cia de elementos culturais ligados ou presentes na boêmia, na dança
ou mesmo no cotidiano carioca. Isso já era forte nos anos de 1920
e sua origem seria uma espécie de teatro popular, com músicas que
acabavam se tornando comuns no dia a dia. Dessa forma, o “samba
malandro” teve sua origem em palcos e, desse lugar, foi também para
os cinemas e rádios. Personagens malandros, mulatas, caipiras e por-
tugueses deram vida e continuidade para esses temas.

10. “Revolução” de 1930:


história e historiografia
1. A reação republicana do Rio de Janeiro foi comandada por Nilo Peça-
nha, após ter sido derrotado nas eleições por Arthur Bernardes. Para
ele, outras camadas sociais deveriam ser ouvidas, e o Executivo deve-
ria passar por uma reforma, considerando também a participação de
outros estados. Após uma intensa troca de cartas com militares, que
se sentiram lesados por não conseguirem cargos no governo de Artur
Bernardes, Nilo Peçanha recebeu também o apoio deles. A reação repu-
blicana logo foi sufocada, especialmente pelo corte e exoneração de car-
gos a deputados “dissidentes”. Entretanto, isso também desencadeou
o tenentismo, sendo essa uma reação que colaborou com a Revolução
de 1930 nos anos subsequentes, devido ao fortalecimento do Exército.

2. O movimento tenentista fortaleceu a imagem do Exército, que


apoiou a Aliança Liberal contra Washington Luís e Júlio Prestes. A
Coluna Prestes, desdobramento do movimento tenentista, também
conseguiu, por anos, percorrer o interior do Brasil sem ser definiti-
vamente derrotada. Nesse sentido, além da resistência e do apoio do
Exército ao novo governo, muitos desses tenentes estiveram presentes
na Revolução de 1930, assim como conquistaram lugares e funções
políticas no governo de Getúlio Vargas.

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História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930

3. Para o historiador, além da ruína da oligarquia da República Velha,


houve mudanças radicais, que o permitem entender tal processo
como revolucionário. São eles: estreitamento de laços do Estado com
a classe trabalhadora, direção da economia para investimentos indus-
triais e fortalecimento do Exército como instituição e responsável pela
segurança interna do país.

4. A historiadora Anita Leocádia Prestes se refere ao momento em que


os tenentistas passaram a apoiar mais as determinações de Getúlio
Vargas. A fim de terem cargos ou qualquer tipo de participação polí-
tica, abandonaram vários de seus princípios da década de 1920. Nesse
caso, é possível dizer, com base no entendimento da historiadora, que
esses tenentistas tiveram gestos antes condenados, visto que Vargas
também representava uma burguesia e oligarquia. Para Anita Prestes,
o caráter popular do tenentismo se perde, especialmente pela repre-
sentação comunista que seu líder acaba alcançando posteriormente.

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– 234 –
Lorena Zomer
No Brasil, a Proclamação da República, em 15 de novembro
HISTÓRIA DO BRASIL:
de 1889, não alterou de imediato e de modo significativo a vida DA CONSTRUÇÃO DA NAÇÃO

HISTÓRIA DO BRASIL:
DA CONSTRUÇÃO DA NAÇÃO
ATÉ O GOLPE DE 1930
da população, mas foi resultado de muitas ações políticas e sociais.
Nessa mesma época, os impérios se estabeleciam na Europa, prática
política que também atingiu decisões tomadas na América Latina,
ATÉ O GOLPE DE 1930
inclusive no Brasil. É nesse contexto de alterações mundiais que se inicia a Lorena Zomer
abordagem deste livro, que pretende esclarecer aspectos históricos da
formação do Brasil-Nação, desde a construção do Estado Nacional
Republicano até a ascensão da chamada “República do Café com
Leite”, na década de 1930, culminando com a “revolução” que levou
Getúlio Vargas ao poder. Essa longa e importante trajetória do
país é o foco de análise desta obra.

Educação

Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6370-3

9 788538 763703

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