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Unidade II

Unidade II
5 AS PRIMEIRAS DÉCADAS DA REPÚBLICA

5.1 Iniciativas oficiais e a experiência anarquista

No dia 15 de novembro de 1889, 18 meses após a abolição da escravidão, foi proclamada a República.
A partir desse momento, após diversos pontos de crise da monarquia com os diferentes setores da
sociedade brasileira, finalmente a elite econômica nacional passava a ocupar o poder diretamente, e
a construção de nosso futuro parecia ter cortado a ligação com a antiga metrópole. Sucederam‑se no
poder durante o período chamado de República Velha: Deodoro da Fonseca (1889 a 1891), Floriano
Peixoto (1891 a 1894), Prudente de Morais (1894 a 1898), Campos Sales (1898 a 1902), Rodrigues
Alves (1902 a 1906), Afonso Pena (1906 a 1909), Nilo Peçanha (1909 a 1910), Hermes da Fonseca
(1910 a 1914), Wenceslau Braz (1914 a 1918), Delfim Moreira (1918 a 1919), Epitácio Pessoa (1919 a 1922),
Arthur Bernardes (1922 a 1926) e Washington Luís (1926 a 1930), último presidente desse período,
sucedido pelo golpe de estado, a chamada Revolução de 1930, que colocou Getúlio Vargas no poder.
Os dois primeiros presidentes eram militares e se ocuparam em seus governos em consolidar, muitas
vezes à força, o novo regime político, mas após esse período os civis passaram a ocupar a cadeira
presidencial, com preferência por políticos dos estados de São Paulo e Minas Gerais.

No entanto, o novo regime não acabaria com as permanências de nosso passado colonial. A produção
agrícola em latifúndios voltada para a exportação continuaria a ser nossa base econômica. Por essa
escolha econômica muitas outras condições desfavoráveis à vida da população foram geradas. Ainda
em 1959 essa situação era muito perceptível, quando o economista Antônio Delfim Neto, que depois
atuaria como ministro da Economia durante o Regime Militar Brasileiro, escreveu um livro cujo título,
O problema do café no Brasil, era provocativo, já que tratava do principal produto exportado pelo país
como um “problema”. O motivo de o café ser um problema é assim explicado pelo autor ao longo da
obra: se todas as terras e mão de obra do campo praticamente estavam empregadas apenas para a
produção do café, restando pouco espaço à produção de gêneros alimentícios, isso fazia que fossem
produzidos poucos alimentos; todo mundo precisa de alimentação para manter a própria sobrevivência,
inclusive os trabalhadores e seus familiares, mas a falta de sua oferta encarecia os preços de produtos
essenciais, o que tinha consequências para a manutenção da mão de obra. Ou seja, a escolha pela
manutenção do modelo antigo de produção, ainda que o trabalho não fosse mais fruto de mão de obra
escravizada, trazia uma série de implicações para a organização da vida social e política do Brasil. Ainda
que em alguns momentos a industrialização tenha sido incentivada e a economia tenha se diversificado
ao longo das décadas, a “vocação agrária” se manteria e as transformações na construção dessa nova
nação não seriam rápidas, nem pacíficas, nem lineares.

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Ainda assim, buscava‑se construir um país novo, mas restavam muitas das velhas heranças. O Império
tinha sido responsável por garantir a formação de um Estado Nacional unificado, incorporando todos
os territórios da antiga colônia portuguesa ao novo Brasil independente. Diferentemente do que
ocorreu nas antigas colônias espanholas, não houve fragmentação, ainda que houvesse ao menos
dois grandes blocos que compunham os territórios coloniais lusitanos, um ao Norte‑Nordeste e outro
ao Sul (incorporando províncias do Sul, Sudeste e Centro‑Oeste). Não foi uma unidade colonial que
simplesmente se manteve, houve o esforço de reprimir movimentos separatistas, o que garantiu as
dimensões continentais de nosso país.

Antes da Proclamação da República, as elites locais apoiavam a monarquia constitucional, porque


isso parecia garantir a ordem necessária aos seus interesses. Ainda que o discurso político oficial se
inspirasse no liberalismo europeu, os latifundiários ainda conseguiam “adaptar” a teoria liberal que
era contrária à escravidão ao não tratar os escravizados como pessoas de fato, pois antes de tudo
eram considerados propriedade de seus senhores e instrumentos animados do trabalho. A oligarquia
paulista cafeicultora mantinha seu apoio à monarquia, porque esta não se opunha ao sistema escravista.
Com o fim da escravidão, esse apoio foi retirado por esses grupos, que passaram a apoiar os militares
responsáveis pelo golpe de Estado que proclamou a República.

Após dois governos de militares, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, a oligarquia efetivamente
assumiu a cadeira da presidência da República, no conhecido período da República Café‑com‑Leite.

Os projetos de país se multiplicariam, alguns mais vitoriosos que outros, mas uma série de
influências foram costuradas para que tivéssemos o contexto político e educacional em que nos
encontramos. Sobre esses temas trataremos a partir de agora. Todos esses caminhos percorridos
pela história do Brasil teriam, necessariamente, ressonância sobre os projetos de organização da
educação no país.

O exército teve seu papel e importância bastante acrescidos após a Guerra do Paraguai
(1864‑1870) e, além de ter atuado como protagonistas na Proclamação da República, também seria
um dos canais de entrada de uma das correntes filosóficas de destaque nas primeiras décadas da
República: o positivismo.

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Figura 9 – Cartão impresso utilizado na campanha de Arthur Bernardes à presidência, em 1921;


o texto e a imagem deixam clara a política do Café‑com‑Leite, de aliança e alternância no poder
dos representantes das elites agrárias de São Paulo e Minas Gerais no governo federal

Fonte: Sant’Anna (2019a, p. 13).

Saiba mais

A Guerra do Paraguai teve grande influência em questões fundamentais


da passagem do Império para a República. Sobre esse conflito sugerimos o
seguinte episódio da série documental Guerras do Brasil.doc:

A GUERRA do Paraguai. In: GUERRAS do Brasil.doc. Direção: Luis


Bolognesi. Brasil: Buriti Filmes, 2019. 26 min.

Também sugerimos como referência a representação em novela do Rio


de Janeiro da Primeira República:

LADO a lado. Direção: Cristiano Marques e André Câmara. Brasil: Rede


Globo de Televisão, 2012. 50 min. (154 episódios).

O positivismo foi uma filosofia da história desenvolvida na França por Auguste Comte (1798‑1857)
e chegou ao Brasil inicialmente por militares, médicos e engenheiros formados nesse país. É uma
filosofia da História, ou ainda uma teoria da história, porque apresenta uma explicação sobre o processo
de transformação das sociedades ao longo do tempo, indicando estágios diferentes para caracterizar
as sociedades. Além disso, aponta para fase vindoura de maior desenvolvimento devido à superação de
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problemas inerentes às comunidades humanas através dos usos da racionalidade e do desenvolvimento


científico. As transformações tecnológicas ocorridas nesse período davam aos europeus uma visão
muito otimista do futuro.

O positivismo considerava que havia três estágios pelos quais a humanidade passaria, sempre
considerando uma divisão entre o poder espiritual e o temporal. A primeiro seria a fase teológica‑militar,
em que o poder espiritual estaria nas mãos dos religiosos e o poder temporal, sob os militares. A segunda
fase seria a metafísica, em que o poder espiritual seria dos filósofos e o temporal, dos legistas,
configurando governos democráticos. As sociedades europeias de seu tempo estariam nessa segunda
fase. A terceira fase, ainda por vir, seria a fase positivista, em que os sociólogos‑sacerdotes positivistas
controlariam o poder espiritual, e o poder material seria controlado pela burguesia, configurando
ditaduras republicanas, cuja principal tarefa seria garantir liberdade espiritual e incorporar o proletariado
à sociedade (CARVALHO, 2009).

Em 1876, no Rio de Janeiro, foi criada a Sociedade de Simpatizantes do Positivismo. Esse primeiro
grupo aderiu à vertente que aceitava o pensamento de Comte anterior à criação de uma religião
positivista. Em 1877, Miguel Lemos e Teixeira Mendes aderem ao positivismo religioso quando estavam
na França. Em 1881, ao retornar o Brasil, Miguel Lemos assumiu a direção da Sociedade Positivista e a
transforma na Igreja Positivista do Brasil. Todos os que discordaram da nova postura foram excluídos
(CARVALHO, 2009).

A religião positivista teve pouca influência na França, mas foi muito bem‑sucedida no Brasil, onde
teve maior número de adeptos e enorme influência política, com dois focos principais de seguidores
dessa filosofia no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, particularmente entre os anos de 1880 e 1930.

Entre os ensinamentos de Comte que deveriam ser seguidos pelos participantes da igreja, seus
membros não poderiam aceitar cargos públicos, inclusive em escolas de ensino superior.

No bairro da Glória, no Rio de Janeiro, o Templo da Humanidade, inaugurado em 1897, trazia em sua
fachada a inscrição “Igreja Pozitivista do Brazil” (a grafia com z fazia referência à proposta de reforma
ortográfica pretendida pelos positivistas). Também se podia ler na fachada a frase de Comte “O Amor
por princípio e a Ordem por base, o Progresso por fim”. Essa frase seria incorporada à bandeira nacional
após a Proclamação da República, mantendo as cores da família imperial (CARVALHO, 2009).

A religião positivista não cultuava divindades, mas a própria humanidade e seus feitos. No interior
do Templo da Humanidade, nas laterais, ao invés das antigas estátuas dos santos (a inspiração
desse edifício em muitos aspectos tinha base nas igrejas católicas) estavam representadas figuras
importantes da humanidade. Esses homens que tinham contribuído com o desenvolvimento humano
é que deveriam ser cultuados. Os positivistas brasileiros elegeram as figuras históricas brasileiras que
deveriam ser recordadas e cultuadas, especialmente aquelas que contribuíram ou lutaram por ideais
republicanos – dentre eles o mais célebre foi Tiradentes, que nesse período passou a ser considerado
um herói nacional.

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No altar do Templo da Humanidade havia o quadro de Décio Vilares: mulher com o filho no colo, que
era a representação da Humanidade. Mas, para os positivistas, a imagem da mulher não era meramente
ilustrativa, havia de fato uma valorização das características femininas nessa corrente de pensamento,
o que era ainda pouco comum no momento. Segundo esse pensamento, a mulher representava o amor,
e por isso era superior ao homem, pois esse sentimento deveria ser mais valorizado do que a ação e a
razão masculina: “O amor por princípio”.

Inclusive, foi através de uma mulher que Comte teve algum contato com o Brasil. Em 1851, Nísia
Floresta Brasileira Augusta (1810‑1885), pseudônimo de Dionísia Gonçalves Pinto, assistiu a uma
conferência de Comte em Paris que lhe impressionou muito pela importância dada por ele às mulheres.
Nísia Floresta foi a primeira educadora feminista do Brasil e trocou muitas cartas com Comte. Ela foi
uma das quatro mulheres que acompanharam o enterro desse filósofo.

Muitas das ações propostas pelos positivistas naquele momento divergiam da agenda das elites
agrárias. Por exemplo, fizeram campanhas pela abolição da escravidão e pela proteção dos indígenas
brasileiros. Também fizeram campanha pela Proclamação da República, mas não eram favoráveis a
revoluções ou qualquer tipo de solução armada para conflitos, inclusive em questões envolvendo outros
países, sempre buscando as soluções diplomáticas. Por isso tentavam convencer o próprio dom Pedro II a
se tornar um ditador republicano. Por essa postura acabaram excluídos do movimento que efetivamente
proclamou a República no dia 15 de novembro de 1889, mas ainda assim aderiram aos republicanos
muito rapidamente, realizando o desenho da bandeira nacional, executado por Décio Vilares, o mesmo
que havia pintado o quadro do altar no Templo da Humanidade. A outra proposta de bandeira, que fora
vencida, apresentava uma cópia da bandeira norte‑americana.

No caso específico do Brasil, eles também interpretavam a intenção de Comte sobre a fase positivista
dever incorporar o proletariado à sociedade moderna com a necessidade de incorporação dos libertos,
garantindo a eles trabalho e dignidade. Por isso, eram contrários às políticas de incentivo à vinda de
imigrantes para formarem a classe trabalhadora brasileira. Defendiam o direito à greve em caso
de insensibilidade do patrão e a criação de uma legislação trabalhista, com jornada de sete horas,
salário justo, descanso semanal, férias, aposentadoria. Quando a legislação trabalhista foi finalmente
introduzida no Brasil depois da Revolução de 1930, o próprio ministro do Trabalho, Lindolfo Collor,
atribuiu ao positivismo a influência em sua criação. Também combatiam a lei de repressão à vadiagem
que fora introduzida na República, sendo que o general Manuel Rabelo, que era positivista e se tornou
interventor em São Paulo em 1930, fez um decreto obrigando que os mendigos fossem tratados como
cidadãos, o que lhe garantiu o apelido de “cidadão mendigo”.

Ainda em concordância com os ideais e posturas apresentados anteriormente, os positivistas


defendiam a educação pública apenas no ensino básico, tinham uma postura de defesa radical da
natureza, com inspiração em São Francisco de Assis, e uma ideia também radical de República, em que
o interesse coletivo deveria predominar sobre o individual.

A questão da separação entre Estado e Igreja, com um governo laico, também era central para o
positivismo. Por isso, a escola também deveria ser laica e o conteúdo religioso no ensino deveria ser
substituído pela educação moral e cívica, que deveria perpassar os conteúdos de todas as disciplinas
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estudadas. Essa postura se afastava da herança colonial e imperial, em que monarquia e Igreja católica
estavam unidas no poder e o ensino em grande medida era realizado por grupos religiosos católicos,
primeiramente os jesuítas. Com a Proclamação da República, houve a separação desses poderes e a
laicização da vida política, com a liberdade de culto garantida, a secularização dos cemitérios públicos,
entre tantas outras medidas, que recebiam apoio não apenas dos positivistas, mas também de grupos
religiosos, como os protestantes que viviam no Brasil, além dos maçons (SILVA, 2018). Ainda assim, a
questão do ensino religioso nas escolas públicas esteve presente ao longo das próximas décadas, sendo
retomado em muitos momentos.

Nas propostas positivistas de educação, as disciplinas científicas deveriam fazer parte do ensino básico,
como Matemática, Astronomia, Física, Química, Biologia, Sociologia e Moral. Perceba que essas disciplinas
já nos parecem muito mais familiares se compararmos com os conteúdos que atualmente se estudam
na escola. O desenvolvimento nos estudantes de valores nacionalistas, patriotismo e cidadania também
era um objetivo da escola. Além disso, a vida prática das pessoas deveria estar no horizonte do ensino
público, que deveria ser voltado a todos, ricos, pobres, trabalhadores rurais, proletariado, elites agrárias,
crianças, adultos etc. E o que se ensinava na escola deveria ser útil ao exercício tanto da cidadania quanto
das diferentes profissões. Nas palavras de Silva (2018, p. 972): “A filosofia comtiana idealizava um homem
prático, empírico e empreendedor mediante à valorização de uma educação utilitarista”.

Teixeira Mendes e Miguel Lemos, membros da Igreja positivista mencionados anteriormente,


chegaram a apresentar propostas educacionais. Segundo eles, o ensino tradicional não era adequado,
pois não se dirigia à massa social (o proletariado) e era retrógrado. Por isso era preciso fundar uma
nova educação, verdadeiramente nacional, não apenas voltada às elites. Essa nova educação deveria
compreender todas as ciências e deveria formar o cidadão para conhecer seus deveres e as funções que
deveriam desempenhar na sociedade. O foco dessa concepção de cidadania não está nos direitos, mas
no cidadão responsável por construir a nação, em fazer parte do progresso do país. Por isso, a educação
deveria atender a todos os grupos sociais (SILVA, 2018).

Essa era uma perspectiva muito otimista em relação aos efeitos que a educação poderia causar no
futuro do país, pois era o instrumento através do qual a sabedoria e a razão poderiam permitir que a
humanidade se transformasse. Essa visão era partilhada por outros intelectuais da época, que observavam
o contexto nacional, com crescimento da população urbana e industrialização e se incomodavam com
as taxas de analfabetismo, considerando‑o um dos entraves da modernização e do desenvolvimento.
Era preciso preparar os trabalhadores para a indústria e para a vida urbana. Silva ainda nos apresenta as
seguintes considerações:

A ideia de educação estava relacionada à questão de capacitação e da


formação de novas gerações no sentido de mudança de determinados valores,
crenças, tradições e práticas sociais e exigiam a substituição de um conteúdo
da superstição por um conteúdo carregado de exaltação cívica. Organizar a
instrução pública consistia em organizar uma nova ordem social, econômica
e política, isto é, um projeto de nação. Tratava‑se de uma escolarização, como
instrumento de institucionalização do social, calcada em uma ideologia da
unidade nacional (SILVA, 2018, p. 973).
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Mas, efetivamente, como essa valorização e a preocupação em relação à educação influenciaram as


políticas públicas dessas primeiras décadas republicanas? Muitas reformas foram realizadas entre 1890
e 1930, algumas contradizendo ou anulando resoluções de suas antecessoras, outras avançando na
construção da escola pública desse momento.

Antes mesmo da Proclamação da República, algumas ideias positivistas seriam aplicadas na criação
das Escolas Normais, que surgiram inicialmente no período imperial, mas de forma bastante frágil, com
existência intermitente e efeitos ainda bastante limitados. Como a instrução básica havia sido confiada
às províncias, em alguns casos os recursos locais eram escassos, o que impedia que a educação básica
se expandisse. Mesmo para garantir o ensino de leitura, escrita e cálculo muitas eram as dificuldades.
Comumente os professores da educação primária não tinham formação adequada e não tinham muito
prestígio social.

Para tentar reverter esse quadro, foram criadas as primeiras Escolas Normais, sendo a primeira em
Niterói, em 1835, seguida pela da Bahia, em 1836, e no Ceará, em 1845, com o objetivo de formar
professores primários. Essas primeiras escolas ainda tinham uma organização precária e acabaram
por não sobreviver por muito tempo (ACCÁCIO, 2006). Em São Paulo a Escola Normal também tem
existência intermitente. É criada em 1846, destinada apenas a homens. Sua atuação é bastante limitada,
tendo formado cerca de 40 professores ao longo de seus 20 primeiros anos de existência ininterruptos,
desaparecendo em 1867. Em 1874 é reaberta em São Paulo, funcionando por mais quatro ano, até 1878;
depois é reaberta em 1880.

Segundo Accácio (2006), essas primeiras escolas não prosperaram porque “improvisavam” a formação de
professores, recebendo estudantes que não tinham conseguido atuar em outras profissões de maior prestígio.
As mulheres quase não podiam ingressar nessas primeiras Escolas Normais, porque o ensino era noturno,
considerado muito demorado e podia ser impróprio e nocivo às mulheres. Durante o século XIX as mulheres
das classes mais altas tinham passado a receber uma educação um pouco mais cuidada de suas famílias,
quase sempre em ambiente doméstico, mas existiam também escolas voltadas para a educação feminina.

No entanto, o positivismo e sua postura em relação às mulheres e a valorização de suas características


de cuidadoras afetivas, mães zelosas que poderiam contribuir para a formação de uma sociedade mais
solidária e fraterna, fez com que a mulher passasse a ser vista como a educadora primária por excelência.
Nesse sentido, o ensino primário seria um desdobramento da atividade materna.

Em 1874, foi criada no Rio de Janeiro uma Escola Normal que recebia estudantes de ambos os
sexos, preparando‑os para o magistério para a instrução primária em um curso de duração de três anos.
Embora fosse particular, o curso era gratuito, funcionando com autorização e subsídios do governo,
recebendo logo no primeiro ano de funcionamento 104 alunos.

Em 1880 foi criada uma Escola Normal pública no município da corte, inaugurada com a presença
do próprio Imperador, funcionando inicialmente dentro do edifício do Externato do Colégio Pedro II.
Era destinada a ambos os sexos, mas que frequentavam o curso em salas separadas. As acompanhantes
das mulheres (sim, as mulheres não podiam sair sozinhas de casa, nem para estudar) podiam assistir às
aulas ou esperar em outra sala.
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O curso era gratuito e era dirigido pelo positivista Benjamin Constant Botelho de Magalhães
(1836‑1891), que orientou a formação dos futuros educadores a partir dos princípios de Comte.
Tinha duração de quatro anos e tinha currículo extenso, enciclopédico, com apenas uma cadeira
referente especificamente ao ensino, de Pedagogia e Metodologia, que aparecia na segunda série
como Pedagogia e Metodologia Elementar e na quarta série como Pedagogia e Metodologia Geral.
Nessas aulas se estudava sobre educação desde seus aspectos mais filosóficos (finalidade da educação
e sua importância, a missão do professor), até aspectos práticos da profissão.

Em outros países, como os Estados Unidos, as escolas de formação de professores primários tinham
recebido maior atenção ao longo do século XIX e a educação de crianças passava a ser uma grande
preocupação de pensadores como Johan Heinrich Pestalozzi (1746‑1827), que depois iria influenciar
Maria Montessori (1870‑1952) e Johann Friedrich Herbart (1776‑1841). Nos Estados Unidos mais
de 200 Escolas Normais funcionavam em fins do século XIX, inspiradas nesses dois pensadores,
questionando o ensino tradicional de memorização de conteúdos (ACCÁCIO, 2006).

As elites brasileiras já estavam atentas às inovações na pedagogia que circulavam na Europa e


nos Estados Unidos desde o período imperial. A influência desses pedagogos se sentiria primeiro na
valorização das ações na educação infantil das elites. Com a intenção de usufruir dos avanços científicos
e pedagógicos de sua época, foi fundado em 1875, no Rio de Janeiro, Corte Imperial, o primeiro jardim
de infância, idealizado pelo médico e educador Joaquim José Menezes Vieira. Esse jardim de infância
era privado, voltado para a elite e apenas para os meninos de 3 a 7 anos. Nessa instituição era utilizado
o método intuitivo, que desenvolvia percepção direta e experimental das crianças. A inspiração para
essa iniciativa vinha de Johann H. Pestalozzi (1746‑1827), Friedrich Froebel (1782‑1852) e Marie
Pape‑Carpantier (1815‑1878). Suas atividades deveriam incluir ginástica, pintura, desenho, exercícios de
linguagem e de cálculo, escrita, leitura, história, geografia e religião (FILIPIM; ROSSI; ROGRIGUES, 2017).

Com a urbanização e a industrialização, a questão do ensino infantil também precisou ser pensada
no campo dos direitos dos trabalhadores e como uma necessidade social das mães pobres que
precisavam trabalhar fora de casa. Leôncio de Carvalho, responsável por fazer a reforma do ensino na
corte, estabeleceu a obrigatoriedade da frequência às escolas primárias a partir dos 7 anos e a criação de
jardins de infância em cada distrito do município da corte, para atendimento das crianças de 3 a 7 anos.

Ainda não havia, porém, uma instituição pensada para o cuidado dos menores de 3 anos de idade.
Só em 1889 surgiu a primeira creche, criada para atender aos filhos dos trabalhadores de uma fábrica,
a Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado, no Rio de Janeiro. Diferente dos jardins de infância, que
tinham primordialmente função educativa, de desenvolver a criança, as creches tinham a principal
função de cuidar das crianças pequenas fora do ambiente familiar e se destinavam ao auxílio das mães
pobres que precisavam trabalhar. Assim foram criadas as primeiras creches, escolas maternais e jardins
de infância, por um lado para dar acesso à melhor formação possível aos filhos da elite, por outro, como
auxílio necessário para as mães trabalhadoras que viviam nas cidades. Muitas creches foram criadas
no Brasil durante as primeiras décadas do século XX vinculadas a indústrias. Ainda assim, essa não era
a solução mais comum das famílias na época, sobretudo porque a maior parte da população vivia no
campo, educando as crianças junto com a família.

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Observação

O termo jardim de infância aparece em 1840 na obra de Froebel e era


uma instituição voltada para a educação de crianças a partir dos 4 anos
em um ambiente livre para aprender.

Entre 1890 e 1900, Benjamin Constant, que havia participado da Proclamação da República e era
também ministro da Guerra, assumiu a chefia da Secretaria de Estado dos Negócios da Instrução Pública,
Correios e Telégrafos. Ocupando essa função ele realizou o primeiro conjunto de reformas educacionais
do novo regime. A educação estava na mesma pasta que as comunicações, isso é interessante de se
notar. Na Constituição de 1891 é apresentado que o ensino seria leigo, reforçando o ideal de superação
do ensino religioso da tradição colonial brasileira.

Figura 10 – Fachada do Colégio Pedro II na década de 1920

Fonte: Sant’Anna (2019d, p. 39).

Segundo o Decreto n. 981, de 8 de novembro de 1890, Benjamin Constant determinava uma série de
diretrizes que organizariam todos os níveis de ensino. Estabeleceu o Ginásio Nacional (antigo Colégio
Pedro II, que voltaria a ter esse nome a partir de 1911), que seria o modelo para o ensino secundário
a ser ministrado em todo o país. Para atestar a conclusão do ensino secundário foram criados os
exames de madureza, que eram obrigatórios e necessários para a candidatura ao ensino superior.
Os estados, que substituíam as antigas províncias na organização política do Brasil Republicano,
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deveriam organizar as escolas secundárias que criassem a partir do plano de ensino seguido pelo
Ginásio Nacional e, quando assim o fizessem, seus exames de madureza poderiam dar acesso direto
ao ensino superior. Essa medida indicava que a organização do ensino secundário estava pensada
como uma preparação para o ensino superior. Além disso, ajudava a mudar o perfil do alunado das
escolas públicas urbanas, que durante o período imperial eram frequentadas pelas classes médias,
enquanto a elite tinha professores e preceptores para seus filhos em educação domiciliar, ou os
enviavam a escolas particulares (ABREU; BOMENY, 2015).

Segundo essa reforma, o ensino passava a ser organizado em séries e as disciplinas científicas, com
um caráter enciclopédico, substituíam o caráter literário e acadêmico do ensino anterior, sobretudo de
tradição jesuítica. Por nove anos essa reforma foi adiada e alterada a partir desse plano original.

O curso da Escola Normal do Rio de Janeiro, em 1890, passou a ser de cinco anos e a cadeira de
Pedagogia desapareceu do currículo, mas surgiu a Escola de Aplicação, na qual os alunos e alunas
aprovados nas duas primeiras séries do curso praticavam o ensino. A Escola de Aplicação continuaria a
existir por muito tempo, mas a parte teórica diretamente relacionada ao ensino, que seria desenvolvida
na cadeira de Pedagogia, existiu de forma intermitente. A partir de 1893, a idade mínima para o ingresso
no curso era de 15 anos, sendo exigido o certificado de estudos primário ou uma prova de admissão aos
que não o tivessem. Em 1897 a cadeira de Pedagogia voltou a existir, e passou a ser obrigatório o estágio
de seis meses em escolas primárias (ACCÁCIO, 2006).

Em 1901, Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa (1865‑1942), então ministro da Justiça e Negócios Interiores
do Governo Campos Sales (1898‑1902), que passava a cuidar nesta pasta dos serviços de educação e
saúde pública desde 1892, tentou concretizar o plano para a educação pública iniciado por Benjamin
Constant. Em suas ações buscava privilegiar a educação secundária, que até aquele momento não
exigia frequência obrigatória para que os alunos tivessem seus certificados de conclusão, apenas sendo
necessário estar aprovado nos exames preparatórios. Ou seja, os alunos não precisavam necessariamente
frequentar a escola, poderiam combinar os estudos escolares com aulas complementares, ou realizar
todo o ensino fora dessas instituições. Epitácio Pessoa reinstituiu o exame de madureza proposto por
Benjamin Constant, justificando que era necessário para elevar a qualidade do ensino. Além disso,
equiparava ao Ginásio Nacional todos os liceus e demais instituições de ensino secundário, fossem
estaduais, municipais ou particulares.

Em 1901 também houve uma mudança no perfil de ingressantes da Escola Normal do Distrito
Federal, que passou a ser exclusivamente voltada para as moças. A partir desse momento, a profissão
do magistério primário passou a ser predominantemente feminina, o que estava em consonância
com os preceitos positivistas (ACCÁCIO, 2006).

Durante a Primeira República vemos surgir no Brasil, em consonância com o que já acontecia
na Europa, o início da luta das mulheres por igualdade e liberdade. Havia um ideal modernizador na
mudança de regime, na busca pela superação do passado colonial/imperial, rural e escravocrata,
ainda que efetivamente fosse muito difícil transpor essas heranças. Nas cidades que se modernizavam
e industrializavam nesse momento, novas relações produtivas e sociais implicariam mudanças nas
relações entre homens e mulheres. Nos ambientes rurais essas transformações demorariam mais a
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acontecer. Na cidade, os homens (mesmo das camadas médias e mais baixas) podiam encontrar
profissões mais rentáveis e prestigiosas do que o magistério primário, ainda que o discurso político
mostrasse preocupação em promover o letramento da população como condição para o progresso
do país. As mulheres, então, passariam a se ocupar profissionalmente dessa primeira fase do
ensino. Essa era uma das primeiras áreas profissionais que se abriam à presença feminina. Com as
transformações ocorridas nas Escolas Normais na Primeira República, ia‑se de fato construindo a
profissão do professor primário, não mais improvisando a atuação daqueles que iriam para essas
escolas de primeiras instruções.

Ao buscar construir uma nova sociedade e um novo conjunto de cidadãos, os positivistas colocariam
a mulher no papel de educadora da primeira infância. A Escola Normal passava a ser vista como um
ambiente que não mais podia trazer prejuízos à mulher, pois, ao se dedicar à alfabetização e primeira
instrução, estaria prolongando o trabalho que era feito pelas mães em casa. Segundo a visão tradicional
da sociedade da época, a mulher tinha características que a tornavam muito adequadas a esse trabalho,
como a disponibilidade, a afetividade, a humildade e a submissão, além da postura de abnegação e
sacrifício esperada pelas mães (VALENTIM; MARTINS; RODRIGUES, 2019).

A valorização da inserção feminina na educação não era unânime, existindo aqueles que
argumentavam contrariamente, pois as mulheres eram consideradas despreparadas e infantilizadas,
não devendo ser a elas confiada tarefa central para o futuro do país como era a educação das crianças.
Além disso, a mulher era considerada frágil e deveria ser protegida e controlada, mantendo‑se no
ambiente doméstico, ocupada com os deveres do lar, da família e da maternidade. Mesmo as normalistas
que iriam atuar fora de casa deveriam ser monitoradas e a ocupação como professora deveria ser
passageira, pois, assim que deixasse de ser compatível com os deveres de esposa e mãe, estas deveriam
abandonar o trabalho fora de casa para dedicarem‑se ao que era efetivamente sua obrigação (VALENTIM;
MARTINS; RODRIGUES, 2019).

O fato de a instrução primária ser trabalho de apenas um turno ajudava a ser compatível com as
obrigações domésticas – ou seja, mais um argumento para que fosse um trabalho secundário, que
não deveria interferir naquilo que era a verdadeira obrigação da mulher. Ainda, por ser um trabalho
secundário, ou complementar, as remunerações baixas ficavam justificadas.

Nesse momento, a educação primária (das primeiras letras, ou elementar), que no período
imperial estava sob responsabilidade sobretudo das famílias, passaria a receber maior atenção
do Poder Público, especialmente pelos governos estaduais e municipais. Já o governo federal se
preocuparia com o ensino superior e secundário, em alguns momentos atuando de forma mais
efetiva na promoção e no controle da qualidade dessas etapas, em outros deixando enorme liberdade
às instituições de ensino, especialmente as particulares.

Nesse contexto dos desdobramentos da tentativa de reforma de Benjamin Constant e das


iniciativas de Epitácio Pessoa, o escritor Olavo Bilac (1865‑1918) publicou crônicas entre 1900
e 1906, no jornal Gazeta de Notícias, em que apresentava muitas discussões sobre a educação
nacional, especialmente tratando do caso do Rio de Janeiro. Suas palavras contribuem para nossa
compreensão sobre como alguns intelectuais da época percebiam a efetividade dessas medidas e a
92
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

importância do investimento público na educação. Bilac atuou como inspetor de instrução pública
do Rio de Janeiro, além de ter demonstrado interesse em publicações educacionais, com livros
infantis e manuais voltados à educação.

Em suas crônicas a educação era tratada como uma das ferramentas fundamentais para a
modernização do país, sendo que, por isso, a instrução deveria ser obrigatória, assim como o saneamento,
o embelezamento da capital e a vacinação. Todas essas ações foram tomadas nas primeiras décadas da
República. Mesmo após muitos efeitos negativos dessas políticas, que foram implantadas de forma
autoritária e geraram revoltas populares, tais efeitos colaterais (revolta da vacina, demolição do casario
colonial, deslocamento da população mais pobre aos morros do Rio de Janeiro…) foram minimizados
por Bilac (BARCHI; CUNHA, 2021).

O analfabetismo era o principal inimigo nacional, as escolas fechavam por falta de frequência
e era preciso tornar a instrução obrigatória para as crianças. Essa situação, segundo Bilac, impedia
que a obra da abolição da escravidão fosse efetivada e que a população se tornasse verdadeiramente
livre, capaz de ler as notícias de jornal e as revistas. Ainda segundo o autor, a situação de São Paulo
era melhor que a do restante do país, pois havia passado por reformas em 1893 e tinha criado
Escolas Normais para a formação de professores, passo fundamental para a criação de uma escola
que pudesse formar cidadãos republicanos. Porém, era caro para o Estado manter escolas para os
estudantes e para a formação de professores, por isso foram criadas Escolas Normais oficiais apenas
em cidades importantes, e a Escola Normal Caetano de Campos, localizada na praça da República da
capital paulista, era a referência para a formação de professores em todo o estado de São Paulo. Para
ajudar nessa situação, foram criados de forma paliativa, a partir de 1895, os cursos complementares
para formação de professores, mais curtos, de quatro anos. Então, havia os professores normalistas e
os complementaristas. Também foram criados os grupos escolares, com a reunião de 4 a 10 escolas
que antes estavam isoladas, o que ajudava na organização e no planejamento do trabalho
(FIORAVANTI, 2015).

Em São Paulo, o próprio escritório Ramos de Azevedo, o mais importante do momento, responsável
pelo Theatro Municipal de São Paulo, entre muitas outras obras de destaque, tinha um departamento
voltado para a construção de escolas públicas (FIORAVANTI, 2015), dada a preocupação em criar nesses
edifícios uma imagem ligada aos esforços da República em garantir o progresso social pela educação.
Muitas escolas eram monumentais em seus edifícios, construídas, sobretudo, com linguagem eclética,
dois ou três pavimentos, com muitas janelas para garantir boa ventilação e insolação, o que gerava
um ambiente saudável e em conformidade com o higienismo e sanitarismo do momento. Esse modelo
estava presente em São Paulo e em outros estados da República.

93
Unidade II

Figura 11 – Fachada do Grupo Escolar Dr. Delfim Moreira,


em Santa Rita do Sapucaí (MG), criado em 1908‑1909

Fonte: Sant’Anna (2019f, p. 47).

Outra questão importante levantada por Bilac em suas crônicas era a questão da língua como
elemento fundamental da cultura de um povo e, consequentemente, da construção da nacionalidade.
A imprensa da época tratava de forma bastante sensacionalista a proliferação de escolas internacionais
no Brasil, alemãs, americanas, francesas etc. Esse era mais um dos motivos‑chave para o letramento
obrigatório na língua nacional.

Lembrete

O analfabetismo como um entrave ao desenvolvimento que deve ser


superado e uma educação que prepare para a cidadania, para a liberdade,
para a superação do escravismo e para o trabalho seriam a base das
preocupações e objetivos educacionais das iniciativas públicas durante a
Primeira República.

Além disso, a educação também tinha um aspecto prático, de preparar para a ação, para a luta, para
que os cidadãos pudessem utilizar suas capacidades em proveito da coletividade. Os exemplos da Europa
estavam sempre na mente do escritor quando fazia suas críticas, fosse a Suíça, que tinha o ensino
obrigatório, fosse o caso francês que tinha tornado a escola laica (1880), com ensino primário gratuito
(1881) e com obrigatoriedade decretada (1882), formando o que seria a base da escola pública francesa:
laica, gratuita e obrigatória.

94
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

As matrículas nas escolas municipais do Rio de Janeiro, bem conhecidas de Bilac, tinham
aumentado consideravelmente de 1893 a 1903, passando de 11.099 alunos para 26.707. Ao tratar
desse assunto, Bilac ponderava a dificuldade dos pais das crianças, em grande medida analfabetos,
em compreenderem a necessidade de dar educação aos filhos, e ainda valorizava o trabalho das
professoras, que, além das atividades em sala de aula, buscavam alunos e faziam propaganda da
instrução no contraturno de trabalho. Falava ainda do preconceito das famílias ricas ao considerar o
que era gratuito como de má qualidade – o que estava sendo ultrapassado, com os esforços em relação
à construção das escolas públicas naquele momento e com a matrícula de estudantes provenientes
dos grupos mais abastados.

Apesar do discurso da formação de cidadãos pela educação, as políticas dos primeiros governos
republicanos muitas vezes foram extremamente autoritárias com a população, especialmente em relação
aos mais pobres, como foi o caso da reforma urbana do Rio de Janeiro, realizada durante o governo do
prefeito Pereira Passos a partir de 1903 (inspirada na reforma da cidade de Paris, realizada entre 1853 e
1870) e a Revolta da Vacina (1904). Esses dois eventos estavam interligados, pois nas reformas não se
pretendia apenas deixar a cidade mais bela – era fundamental que ela se tornasse também mais sadia.
O Rio de Janeiro, assim como muitas cidades do momento, especialmente as litorâneas e que estavam
em crescimento, como Santos, padeciam com frequentes doenças, pela proliferação de mosquitos e pela
falta de saneamento básico.

Os cortiços foram os primeiros alvos dos reformadores, e muitos deles tinham donos ilustres que
lucravam com a miséria da população, como o conde d’Eu, marido da princesa Isabel, que era proprietário
do maior cortiço carioca, o Cabeça de Porco. A população que ficava desabrigada com as destruições dos
cortiços passava a viver nos morros, processo que deu origem às favelas, que era o nome de uma planta
leguminosa muito comum nos locais onde as tropas brasileiras acampavam durante as campanhas para
destruir o Arraial de Canudos. Muitos dos antigos combatentes, ao voltarem ao Rio de Janeiro, viviam
em habitações precárias e ajudaram a compor os primeiros grupos a ocupar os morros cariocas. Da
mesma forma autoritária que se controlava a salubridade dos cortiços era feita a vacinação obrigatória
para controlar a varíola (SEVCENKO, 2010).

Tais medidas eram necessárias, tanto as reformas, com fechamento de casas em péssimas
condições sanitárias, quanto a vacinação, já que o Rio de Janeiro chegou a ser conhecido como “o
cemitério dos viajantes”, pois aqueles que precisavam aportar ali tinham medo das doenças tão
comuns na cidade. Mas a maneira como foram realizadas, expulsando as pessoas de suas casas,
utilizando força e violência na execução dos mandatos, sem diálogo, sem explicações sobre as
políticas adotadas, gerou uma enorme revolta, provavelmente mais um estopim de inconformismo
com o governo que não os considerava efetivamente cidadãos, já que a maioria das pessoas
pobres não podia votar, pois o voto era condicionado ao letramento (tinham direito ao voto todos
os homens maiores de 21 anos alfabetizados – ou seja, mulheres não podiam votar, analfabetos
também não).

95
Unidade II

Figura 12 – Charge de Leonidas Freire sobre a Revolta da Vacina, publicada na revista O Malho, em 1904

Fonte: Sant’Anna (2019e, p. 22).

Além disso, vão surgir no século XIX correntes de pensamento baseadas em novidades científicas,
como a psicologia, a puericultura e o higienismo, ao qual estão ligadas as iniciativas das remodelações
urbanas e vacinação obrigatória, que seriam adequadas à realidade brasileira a partir da atuação
feminina no ensino primário. A psiquiatria e a psicologia estariam cada vez mais presentes na vida das
pessoas e nas políticas públicas, seja na medicalização das doenças mentais e na criação dos hospícios,
seja na psicologia, ao tratar das fases de desenvolvimento do cérebro, que teriam enorme impacto
nos estudos e nas práticas relativas à educação. Sobre a puericultura, que trata especificamente da
saúde de crianças e adolescentes e seu acompanhamento, uma série de ensinamentos deveria ser
acessível às mães e às professoras para que pudessem acompanhar o desenvolvimento de filhos e
alunos. O mesmo se deu com o higienismo – as professoras deveriam ser as principais promotoras dos
conhecimentos e práticas higienistas, visando à promoção da saúde de todos (VALENTIM; MARTINS;
RODRIGUES, 2019).

Retomando as reformas oficiais, nem sempre os sucessores mantinham as políticas anteriores.


As ações de Benjamin Constant e Epitácio Pessoa foram revogadas formalmente em 1911, pela Reforma
de Rivadávia da Cunha Correia (1866‑1920), ministro da Justiça do governo Hermes da Fonseca
(1910‑1914), por meio da Lei Orgânica do Ensino Superior e Fundamental. Foi eliminado o exame de
madureza e a equiparação das instituições de ensino secundário de todo o país ao Colégio Pedro II (que
voltava a ter o mesmo nome do período imperial). A partir dessa lei o Estado deixava de interferir
no setor educacional: não havia mais reconhecimento oficial dos certificados de cursos das escolas
secundárias, não havia mais exames preparatórios parcelados, que até então também eram utilizados

96
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

para atestar a conclusão do ensino secundário, ficando então desobrigados os alunos de atestar a
realização dos estudos secundários. As universidades passavam a realizar exames de admissão próprios
para selecionar seus alunos, criando a prática do vestibular. Essa reforma teve resultados bastante
preocupantes, segundo Barreto e Filgueiras:

Ela possibilitou o aparecimento das formas mais ignóbeis de exploração


comercial em nome do ensino. Uma delas era a Universidade Escolar
Internacional, do Rio de Janeiro, que, depois de um curso de direito, medicina
ou engenharia por correspondência, vendia diplomas de bacharel ou doutor
a 60 mil‑réis a unidade (BARRETO; FILGUEIRAS, 2007, p. 1788).

Os efeitos dessa reforma foram combatidos por uma nova reforma em 1915, por Carlos Maximiliano
Pereira dos Santos (1873‑1960), ministro da Justiça do Governo Venceslau Brás (1914‑1918).
Nesse momento foram restaurados os certificados do curso secundário expedidos pelo Colégio Pedro II
no Rio de Janeiro; a possível equiparação das escolas públicas secundárias com o Colégio Pedro II;
foram reinstituídos os exames preparatórios parcelados, os estudantes não matriculados em escolas
oficiais poderiam obter certificados de estudos secundários se aprovados nesses exames. Com isso
era reestabelecido o controle estatal sobre o ensino (ABREU; BOMENY, 2015). Além da preocupação
com o ensino secundário, no artigo 6º dessa reforma ficava indicada a intenção de o governo federal
reunir, em momento oportuno (ou seja, sem indicar um prazo para a efetivação da proposta), as Escolas
Politécnicas e de Medicina do Rio de Janeiro, além das Faculdades Livres de Direito, criando assim uma
universidade pública, o que seria concretizado em 1920, durante o Governo Epitácio Pessoa, com a
criação da Universidade do Rio de Janeiro, que passaria a se chamar Universidade do Brasil, em 1937, e
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a partir de 1965 (BARRETO; FILGUEIRAS, 2007).

Além das reformas em âmbito federal, os estados também passaram a tentar organizar e incentivar
a escolarização. Em São Paulo, em 1920, ocorreu a Reforma Sampaio Dória, que tentava suprir a falta
de escola frente à enorme demanda de vagas, buscando assim reduzir o analfabetismo que ainda era
alarmante. Nessa reforma o ensino escolar obrigatório passava dos 7 aos 9 anos de idade dos alunos,
reduzindo o período em que os estudantes permaneciam na escola e possibilitando, dessa maneira,
realocar vagas existentes para tentar atender a mais estudantes e democratizar o ensino. As crianças
deveriam ser alfabetizadas em apenas dois anos, com duas horas e meia de aulas diárias. Os resultados
das medidas não foram positivos.

O Rio de Janeiro, entre 1922 e 1926, recebeu a Reforma de Carneiro Leão (1887‑1966), que era um
intelectual e autor de livros sobre educação da época e que foi autor de reformas educacionais no Rio
de Janeiro e em Pernambuco. Carneiro Leão criticava a situação das escolas naquele momento, cuja
educação primária era destinada às classes populares (responsabilidade de estados e municípios), que
não era de qualidade, enquanto o ensino secundário e superior, que recebiam patrocínio do governo
federal, voltavam‑se às elites. Para ele, as novas necessidades da sociedade deveriam ser pensadas
através de políticas educacionais voltadas para a formação profissional (agrícola, comercial e industrial),
além da educação moral e cívica. Também valorizava a educação física, para trabalhos manuais e a
formação de professores.

97
Unidade II

Observação

Em 1926, passou a vigorar o Código de Menores, ou Código Mello


Mattos, primeira lei nacional a proteger as crianças.

Nas reformas estaduais de ensino, homens diretamente envolvidos com a educação passaram a atuar
nas propostas. No Ceará, o educador paulista Lourenço Filho, professor de Psicologia e Pedagogia da
Escola Normal de Piracicaba, foi chamado para reformar o ensino estadual, que se encontrava em difícil
situação, desde a formação dos professores até a falta de escolas e grandes taxas de analfabetismo. Sua
atuação intentou organizar escolas rurais, reformou o curso normal e criou mecanismos de verificação
e controle da qualidade, como inspeções escolares e testes de inteligência para avaliar alunos (ABREU;
BOMENY, 2015). A ênfase na psicologia para pensar nas melhores soluções estaria na base de suas ações,
o que seria também fundamental para outras propostas educativas que trataremos mais adiante.

Na Bahia também ocorreu uma reforma em 1925, durante o Governo Francisco Marques de Góis
Calmon, que tinha Anísio Teixeira como diretor geral do ensino. A reforma indicava que o ensino deveria
ser gratuito e obrigatório, com ênfase na educação física, intelectual e moral dos estudantes.

Voltando ao âmbito nacional, em 1925, durante o Governo Arthur Bernardes, houve mais uma
reforma, realizada pelo professor da Faculdade de Medicina Rocha Vaz e executada pelo ministro da
Justiça e Negócios Interiores João Luís Alves. Nessa reforma foi criada a disciplina de Educação Moral
e Cívica. O Colégio Pedro II estava equiparado apenas às escolas de ensino secundário, e os colégios
particulares deveriam instituir juntas examinadoras para a realização de exames equivalentes ao do
Colégio Pedro II. Os exames preparatórios parcelados foram extintos, e passava a ser obrigatório o curso
ginasial de seis anos, seriado e com frequência obrigatória. Era preciso ser aprovado na série anterior
para ingressar na subsequente.

Algumas questões chamam nossa atenção nas reformas intentadas durante as primeiras décadas da
República. Primeiramente, não existia um ministério específico para a educação. Muito frequentemente,
o ministro da Justiça e Negócios Interiores se ocupava das questões relacionadas à promoção e
organização da instrução pública no país. Além disso, a maior ou menor intervenção do Estado no
ensino secundário costumava ser um dos focos das reformas. A obrigatoriedade da frequência no ensino
secundário era uma questão, sobretudo às elites, que muitas vezes não queriam frequentar as escolas
públicas juntamente com as camadas médias. Os exames e os certificados de conclusão do ensino
secundário também estavam em discussão. O ensino primário e a alfabetização, que estavam a cargo
dos estados e municípios, não aparecem diretamente nas iniciativas federais, ainda que o analfabetismo
fosse tratado pela opinião pública como um grande problema nacional.

Além das iniciativas oficiais dos diferentes governos, a construção da educação nacional era
debatida por diversos grupos na sociedade, que tinham propostas e ações próprias, relacionadas às
particularidades e necessidades específicas daquele contexto histórico.

98
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Nesse novo Brasil, a cidade era o cenário da modernidade, assim como a indústria, ainda que o
principal produto exportador fosse o café. Ao abolir a escravidão, os trabalhos no campo e na cidade
passaram a ser realizados progressivamente pelos imigrantes europeus, cuja vinda ao Brasil foi incentivada
e muitas vezes até financiada pelo Estado. Essa postura marcava uma postura racista do governo, que,
além de não incorporar os ex‑escravizados e seus descendentes à sociedade, buscava apagar a memória
da escravidão, “embranquecendo‑a”.

A partir do século XIX passam a surgir na Europa teorias racistas para justificar as ações dos europeus
na África, que fora partida em territórios explorados pelos diferentes países do Velho Mundo como
se fosse terra de ninguém, livre para ser tomada pelos desejos imperialistas das potências que vinham se
industrializando e buscavam novos mercados fornecedores de matérias‑primas e consumidores de seus
produtos. Essas teorias distorciam o pensamento de Charles Darwin (1809‑1882) deslocando a evolução
das espécies para a evolução das sociedades. Obviamente, o modelo de civilização desenvolvida e mais
evoluída era a Europa, e tudo o que se distanciava desse modelo era tomado como mais atrasado, por
isso cabia ao homem europeu levar a civilização ao mundo. Essas teorias já estavam em voga no Brasil
nesses anos, mas tomariam ainda mais corpo e influência no governo a partir da década de 1930, por
isso trataremos desse assunto de maneira mais detalhada no próximo tópico desta unidade.

Mas importa saber, nesse momento, que havia o desejo de “branquear” a população brasileira, por isso
foram abertas as portas para os imigrantes, que vieram sobretudo de Portugal, Itália, Espanha, Alemanha
e Japão. Também vieram para cá sírios e libaneses, que faziam parte do Império Turco‑Otomano naquele
momento. Entre 1881 e 1885, estima‑se que chegaram 133.400 imigrantes, quando se iniciou de modo
mais intenso esse processo. Entre 1886 e 1890, esse número mais que dobrou, com 391.600 imigrantes.
Logo após a abolição, esse número passou a 659.000 entre 1891 e 1895. As imigrações continuaram
volumosas até a década de 1930 (NAPOLITANO, 2018).

Parte desses imigrantes passaram a trabalhar no campo, em especial no plantio de café, alguns
passaram progressivamente a adquirir pequenas propriedades rurais no sul do país, permanecendo
no campo. Outra parcela se dirigiu às cidades, para trabalhar nas indústrias, especialmente voltadas
para gêneros de primeira necessidade, como sabonetes, macarrões, beneficiamento de grãos etc. Esses
indivíduos que passavam a compor o proletariado brasileiro tiveram uma concepção própria de quais
rumos a educação deveria tomar no país, fortemente influenciada pelo anarquismo.

O anarquismo era uma postura crítica aos governos republicanos e democráticos que vinham se
organizando na Europa e na América ao longo do século XIX e XX e que estavam voltados à defesa
dos interesses das elites capitalistas, fossem industriais, agrárias ou comerciais. Por isso, fazia parte
das intenções dos grupos anarquistas mudar a consciência da população em geral, discutir os valores
tradicionais da sociedade que se mantinham independentemente da reflexão das pessoas sobre
o significado e as implicações desses valores. Por isso, pensavam em uma ação educativa voltada à
transformação das relações sociais e econômicas, que ocorriam para além das escolas, desdobrando‑se
na criação de jornais, espetáculos teatrais e palestras (MARTINS, 2006).

99
Unidade II

A pedagogia difundida nas escolas com inspiração anarquista era chamada de pedagogia
racional libertária, porque a razão possibilita ao ser humano seu desenvolvimento pessoal e o
questionamento das estruturas que o controlam, permitindo assim que tome atitudes para se tornar
livre (MARTINS, 2006). Eles desejavam uma sociedade sem hierarquias, em que todos fossem iguais e
tivessem o mesmo poder, de forma ampla. Essa sociedade não teria, portanto, governantes destacados
de seu povo, seria autogestionária, impedindo assim que houvesse a exploração do ser humano. Para
promover essa nova sociedade era preciso desenvolver uma nova escola, que não estivesse centrada
nas formas tradicionais e autoritárias de ensino, mas que incentivasse a reflexão, a espontaneidade
e a liberdade.

Martins (2006), ao analisar algumas publicações anarquistas, nos apresenta importantes aspectos
do que era desejado por eles no que diz respeito à educação. Por exemplo, no jornal anarquista
português O Metalúrgico, de 1904, era apresentada uma crítica à educação tradicional, indicando que
o professor era uma figura autoritária, que nesse modelo se ensinava a obedecer, mas não se ofereciam
instrumentos para que os alunos compreendessem (e lutassem por, poderíamos acrescentar) seus
direitos. A nova escola a ser criada precisava se afastar dessa tradição, baseando‑se na racionalidade
e na liberdade que produziria novos indivíduos autônomos, livres pensadores, preparados para se
libertarem do dogmatismo.

No que diz respeito à racionalidade, sobre a qual se fundava essa renovação no ensino, era preciso
valorizar o trabalho científico, o uso de métodos para explicar a realidade, além de compreender o
psiquismo dos educandos (esse aspecto aparecerá em outras propostas de renovação da educação
dessas primeiras décadas) e criar um ambiente propício à educação. No que diz respeito à liberdade,
também era necessário valorizar a espontaneidade, a criatividade, a observação dos alunos e os métodos
ativos de ensino (o que hoje está bastante em pauta nas discussões metodológicas).

Partia‑se da concepção de que as crianças nascem sem preconceitos e estão abertas a construir
um conhecimento verdadeiro e positivo a partir da razão. A ciência seria patrimônio de todos, e
meninos e meninas deveriam ser introduzidos na compreensão de seus avanços, com o estímulo ao
pensamento racional e científico desde a primeira infância. A partir disso, os alunos deveriam ser
incentivados a agir e criar. Razão e ciência, aliadas à liberdade, produziriam uma nova realidade social
por meio da educação.

Com base nesses pressupostos são criadas as Escolas Modernas no Brasil, pautadas na pedagogia
racional libertária, que, segundo Martins (2006, p. 8), “deveriam respeitar a liberdade da criança, seu
movimento natural, sua espontaneidade, as características de sua personalidade, sua independência,
seu juízo e espírito crítico”.

A primeira Escola Moderna criada em São Paulo, em 1912, foi construída pelo anarquista João
Penteado, que era admirador do espanhol Ferrer Y Guardia, um dos principais responsáveis por defender
a educação racional libertária. Segundo o periódico A Plebe, em publicação de 1917, também estudado
por Martins (2006), essa escola oferecia três cursos – primário, médio e adiantado –, que funcionavam
no período diurno, das 11h30 às 16h30, e no período noturno, das 19h às 21h.
100
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

No curso primário se aprendia aritmética, caligrafia, desenho e rudimentos de português. No curso


médio os estudos centravam‑se em gramática, aritmética, geografia, caligrafia, desenho e princípios
de ciência. Por fim, no curso adiantado, se acrescentavam os estudos de noções de ciências físicas e
naturais, história, geometria, além de gramática, aritmética, geografia, caligrafia, desenho e datilografia.
As meninas também aprendiam costura e bordado. Ainda, os alunos eram incentivados à leitura e
produção escrita (produziam o periódico O Início), além de se prepararem para o trabalho e para a
militância social. Havia outros espaços culturais em que se promovia a educação racional libertária,
como centros culturais, onde podiam ler e discutir jornais.

Em 1915, outra Escola Moderna foi criada em São Paulo. Destinada à instrução de meninos e meninas,
ela contava com os mesmos três cursos, mas com disciplinas mais abrangentes.

Também reivindicavam acesso à educação as mulheres feministas que passavam a se organizar


no início da República brasileira. Em 1919, surgiu a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher,
fundada por Bertha Maria Júlia Lutz (1894‑1976) e Maria Lacerda de Moura (1887‑1945). A partir
dessa liga foi criada, em 1922, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que desejava promover
a educação das mulheres, o direito ao voto e à escolha profissional (VALENTIM; MARTINS; RODRIGUES,
2019). Este seria um ano de grande ebulição cultural e política no Brasil, pois se comemorava o primeiro
centenário da Independência, o que motivou a criação de uma Exposição Universal no Rio de Janeiro
para propagandear os avanços ocorridos no Brasil. Em São Paulo, a renovação nas artes foi apresentada
na Semana de Arte Moderna, realizada no Theatro Municipal, entre 13 e 17 de fevereiro de 1922. Este
também foi o ano de criação do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Nesse período, os países viviam as consequências do final da Primeira Guerra Mundial, ainda
chamada de A Grande Guerra, que tinha representado um momento de reflexão sobre o otimismo da
passagem do século XIX para o XX. Todos os avanços e invenções tecnológicas desencadearam uma
disputa europeia por territórios na África e na Ásia, que, junto ao armamentismo e ao sentimento
nacionalista, contribuiria para o envolvimento dos países europeus, suas colônias e seus aliados em
uma guerra generalizada. A inteligência, a razão e a ciência presentes nos países europeus não tinham
sido capazes de solucionar as tensões e as disputas sem gerar uma enorme devastação. Uma geração
inteira de homens jovens, de todas as classes sociais, morreu ou voltou da guerra incapacitado de
ter uma vida compatível com suas potencialidades, desejos e esperanças anteriores. Desse contexto
surgiria uma nova revolução com a queda da monarquia na Rússia, em fevereiro de 1917, e posterior
desdobramento em outubro do mesmo ano, com inspiração no pensamento de Karl Marx (1818‑1883),
o que colocaria o comunismo como inimigo a ser combatido pelos demais países europeus e, depois, por
parte considerável dos países ocidentais do mundo.

101
Unidade II

Saiba mais

Para compreender o contexto em que se inseriam essas transformações


na educação sugerimos um documentário e um filme baseado em uma
biografia. O documentário brasileiro apresenta as inovações e as profundas
transformações que ocorreram na cultura, política, tecnologia, costumes
etc. no início do século XX. Já o filme, dirigido James Kent, trata do clima de
otimismo que precedeu a Primeira Guerra Mundial e como esse sentimento
se transformou ao longo do conflito.

NÓS que aqui estamos por vós esperamos. Direção: Marcelo Masagão.
Brasil: Agência Observatório, 1999. 73 min.

JUVENTUDES roubadas. Direção: James Kent. Reino Unido/Dinamarca:


BBC Films, BFI Film Fund e Heyday Films, 2014. 129 min.

Parte do movimento feminista, especialmente com a atuação de Maria Lacerda de Moura, abraçaria
uma luta mais ampla, aproximando‑se das classes populares e do movimento anarquista no Brasil.
Bertha Lutz, por outro lado, tinha uma postura distinta em relação à luta dos direitos das mulheres,
reivindicando a ampliação dos direitos políticos e legais, mas sem abraçar outras causas sociais. Essas
divergências, embora não tenham causado uma ruptura pessoal entre essas duas importantes figuras,
fez com que trilhassem caminhos diferentes, o que pode ser compreendido também pelo fato de ambas
terem origens sociais muito distintas.

Bertha Lutz era filha de Adolfo Lutz (1855‑1940), médico e cientista brasileiro, pioneiro em medicina
tropical. Estudou Biologia na Universidade de Paris; posteriormente atuou como secretária e depois
pesquisadora do Museu Nacional. Também foi professora da UFRJ, além de muitas outras atividades.

Já Maria Lacerda de Moura vinha de uma família que não tinha como arcar com seus estudos, por
isso iniciou seus estudos ingressando em uma escola gratuita ligada à Igreja católica. Seu pai, que era
espírita, depois decidiu retirá‑la da escola por questões religiosas e por sua postura anticlerical. Ainda
devido à gratuidade, continuou seus estudos na Escola Normal de Barbacena, onde também iniciou
sua atividade como professora, responsável pela cadeira de Pedagogia. Casou‑se no mesmo ano em
que tinha se formado professora, mas pouco tempo depois acabou se divorciando. Em 1915, ela foi
responsável por criar a Liga Barbacenense Contra o Analfabetismo. Sua aproximação com o anarquismo
demonstrava uma postura crítica sobre o primeiro movimento feminista brasileiro, que seria muito
burguês em suas reivindicações, sem gerar uma mudança profunda e efetiva da sociedade. Para ela,
o voto feminino não garantia a cidadania de fato, já que as mulheres não podiam ocupar cargos de
poder e legislar ou atuar em defesa de suas pautas. Sua atividade como escritora se voltava a valorizar
e propagandear os avanços femininos no mundo, como nos seis números publicados da Revista Pétala,
em parceria com algumas alunas (todas escrevendo com pseudônimos).

102
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Como uma intelectual de sua época, Maria Lacerda discutia com autores que tentavam justificar a
posição da mulher no mundo com argumentos que a colocavam como inferior, sobretudo em relação
ao seu desenvolvimento cerebral. Um desses embates se deu com o médico brasileiro Tito Lívio de
Castro, que escreveu A mulher e o sociogenia, em que dizia que a mulher tinha um cérebro infantil, por
isso era inferior. Na contra‑argumentação de Maria Lacerda de Moura, ela relembra que as mulheres,
por muito tempo, não tiveram acesso à educação, ou tiveram apenas uma instrução superficial. Para
ela o cérebro precisava do fermento da educação para evoluir, que era uma questão de tempo para
que pudessem alcançar os homens, o que seria conseguido apenas se as mulheres lutassem por seus
interesses (GUIMARÃES, 2020).

Nesse momento, as medições de cérebro eram uma das atividades realizadas para averiguar diferenças
entre os seres humanos que pudessem justificar a desigualdade entre os homens. Mediam cérebros dos
africanos para validar a exploração da África do neocolonialismo, ainda que as medições não chegassem
à conclusão alguma. Mediam cérebros de criminosos para justificar a prisão dos mais pobres e excluídos
da sociedade como naturalmente maus. Maria Lacerda já questionava esse método. Sobre as mulheres,
especificamente, ela indicava que a principal razão daqueles discursos estava na manutenção do poder
masculino e a exclusão da mulher dos espaços em que os homens se julgavam os detentores únicos de
direitos em ali permanecer, discutir e agir (GUIMARÃES, 2020).

Além das posturas mais revolucionárias e libertárias que colocavam a questão da educação feminina
em debate nesse momento, a mulher também era incorporada aos projetos relacionados ao poder
instituído, como foi a sua inserção na profissão de professoras do ensino primário por influência do
pensamento positivista. A partir do governo de Getúlio Vargas, o papel da mulher aliado ao pensamento
higienista seria ainda mais reforçado em suas atividades como mãe e como professora. Trataremos dessa
questão e de outros aspectos da educação nesse período de nossa história a seguir.

5.2 A Era Vargas e as reformas do ensino

Na década de 1920 o governo oligárquico brasileiro entra em crise, com diferentes grupos sociais
reivindicando participação política e que seus interesses fizessem parte das agendas governamentais.
Alguns grupos dentro do exército, a classe operária, as elites dos estados do Norte e do Sul do país não
se sentiam representados pela alternância de presidentes de São Paulo e Minas Gerais.

A convulsão política fez com que o governo de Arthur Bernardes fosse concluído sob estado de
sítio, de julho de 1924 a dezembro de 1926. Nesse contexto, foi criada em São Paulo uma delegacia
para repressão política (Dops). Muitos operários foram perseguidos e presos nesse momento por
questionarem o poder. Foram criadas colônias penais na Amazônia para envio de presos políticos.
O mineiro Arthur Bernardes foi sucedido pelo paulista Washington Luís, que tentou retomar a
estabilidade política, tendo mantido a postura de repressão aos operários que podiam ser simpatizantes
do comunismo. Porém, ao indicar apoio a outro paulista para sucedê‑lo na presidência, Júlio Prestes,
ao invés de manter a política de alternância com um candidato mineiro, fez a crise se desdobrar em
uma ruptura democrática.

103
Unidade II

Em 1929 foi criada a Aliança Liberal, reunindo políticos gaúchos e mineiros que se sentiram traídos
por Washington Luís. Esse grupo formou a chapa para concorrer às eleições com Getúlio Vargas para
presidente e João Pessoa como vice.

Na propaganda política da Aliança Liberal temas novos e não contemplados pelos paulistas estavam
no centro das promessas, com destaque para a questão do trabalho, o desenvolvimento econômico
promovido pela educação e pela industrialização, além da moralidade das eleições, que facilmente podiam
ser questionadas naquele momento. Com a quebra da Bolsa de Nova York (1929) e a desvalorização do
café, as propostas de diversificação da economia se tornariam ainda mais interessantes. Apesar do apoio
recebido pela Aliança Liberal, Júlio Prestes venceu as eleições. Os tenentes, que já haviam se revoltado
contra o poder central e que tinham retornado do exílio naquele momento, deram apoio a Getúlio,
juntamente com outros políticos mineiros e gaúchos, aproveitando também o clima de maior tensão
após o assassinato de João Pessoa para tomar o poder. Assim, Getúlio Vargas assumia a presidência na
Revolução de 1930. Não nos interessa aprofundar todas as questões políticas envolvidas nessa mudança,
mas indicar que esse novo governo representava uma importante ruptura na organização do poder
anteriormente estabelecido na Primeira República.

Inicialmente foi criado um governo provisório até que fosse elaborada uma nova constituição.
O Congresso Nacional foi dissolvido e foram nomeados interventores em todos os estados. Uma das
primeiras atitudes do governo provisório foi a criação do Ministério do Trabalho. Essa atitude pretendia,
entre outras finalidades, lidar com as insatisfações da classe operária, que, ainda que muito reprimida,
representava um fator de tensão para o governo, que tentava lidar com a situação promovendo melhorias
nas leis trabalhistas, o que seria umas das principais marcas do Governo Vargas.

Não satisfeitos com a demora em se apresentar uma nova constituição que organizaria a vida dos
brasileiros, e ainda em resposta à derrota sofrida com a ascensão de Vargas, os paulistas iniciaram um
movimento armado contrário ao governo, conhecido como Revolução Constitucionalista de 1932, que
foi derrotada após três meses de conflito. Vargas preferiu não retaliar São Paulo para que pudesse
ter maior sucesso em suas ações como governante, já que o estado era importante econômica e
politicamente para garantir o futuro.

Como um momento de ruptura com a ordem anterior, resultado das transformações sociais e
econômicas traduzidas em críticas políticas, após a tomada de poder pelo novo grupo, vozes diversas
tentaram assumir protagonismo, ou ao menos conseguir um espaço na nova organização política. Entre
esses grupos estavam os tenentistas, que em parte foram incorporados ao governo ocupando cargos
políticos. Alguns tenentistas passaram a ocupar grupos políticos e ideológicos antagônicos, alguns em
associações de esquerda (PCB e Aliança Nacional Libertadora – ANL) e em grupos de direita (Ação
Integralista Brasileira), que surgiram entre 1932 e 1935.

Segundo Napolitano (2018), nos anos 1930, tanto comunistas como fascistas criticavam o
governo liberal, desejando um poder centralizado e forte para resolver os problemas de seu tempo.
Em suas palavras:

104
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

A política liberal, baseada na representação parlamentar escolhida pelo voto


dos cidadãos e na separação entre Estado e sociedade civil, era considerada
incapaz de absorver os conflitos de classe das sociedades industriais e
urbanas. Os princípios liberais clássicos, enfatizando os direitos individuais, a
premência dos contratos privados e o livre mercado, pareciam condenados
diante da nova realidade social e geopolítica do mundo. A crise de 1929 tinha
sido a prova de uma ineficácia no campo da economia, pois fora provocada,
em grande parte, pela concorrência sem regras entre os grandes grupos
industriais que dominavam os mercados. Fascistas e comunistas, a partir de
motivos, métodos e caminhos diferentes, defendiam um Estado forte e tutelar
que controlasse a vida dos indivíduos e das massas, além de regulamentar
a economia, afastando‑se do liberalismo político e econômico. O Brasil não
ficou imune a esse debate internacional (NAPOLITANO, 2018, p. 100‑101).

Em nosso país, essas duas tendências políticas pressionavam o Governo Vargas. Por parte dos
fascistas, esperava‑se que o governo assumisse uma postura corporativista, que consistia na organização
da sociedade “na forma de corporações profissionais que reunissem empresários e trabalhadores”
(NAPOLITANO, 2018, p. 101). O Estado tomaria para si, então, a responsabilidade de intermediar, ou tutelar,
os conflitos de interesses desses dois grupos, o que costumava ser desfavorável aos trabalhadores, já
que os empresários possuíam maior poder de pressão sobre o governo. Além disso, seria papel do Estado
planejar as atividades econômicas visando ao desenvolvimento nacional, cujos eventuais conflitos de
interesses seriam tutelados pela burocracia central de maneira a planejar as atividades econômicas em
nome do desenvolvimento e harmonia nacionais. Ou seja, o Estado passaria a se colocar de forma muito
mais ativa e presente na vida econômica nacional e na regulação das relações trabalhistas.

Em 1932, foi lançado um novo Código Eleitoral que trazia muitas mudanças em relação ao período
anterior. O voto passava a ser secreto, as mulheres passariam a ter direito ao voto e haveria uma justiça
eleitoral independente para monitorar os resultados do processo eleitoral. Na primeira eleição convocada
seriam escolhidos os membros da Assembleia Constituinte, ou seja, os representantes do povo que
iriam preparar a nova constituição. O governo provisório tinha escrito uma proposta de constituição
que necessariamente deveria ser a base sobre a qual trabalhariam os constituintes, fazendo correções
e emendas, mas não redigindo um documento novo. Segundo as resoluções dessa assembleia, o voto
passaria a ser obrigatório, mas vedado aos analfabetos. Seria criada a Justiça do Trabalho, o salário
mínimo, a jornada de oito horas diárias de trabalho, férias anuais e a pluralidade sindical. O governo
queria um único sindicato por categoria, conseguindo assim ter maior controle sobre as associações de
trabalhadores. A primeira eleição para presidente após a Assembleia Constituinte deveria ser indireta.
Após o final do primeiro mandato presidencial desse novo período, as eleições se tornariam diretas.
Vargas venceu essa primeira eleição indireta.

Mesmo após a promulgação da Constituição em 1934 e a eleição indireta de Vargas, ainda havia
opositores políticos ao governo, especialmente dos grupos reunidos na ANL, que reunia diversos grupos
de esquerda e questionava as posturas do poder e conseguia mobilizar grandes manifestações populares
nas ruas. Entre os principais nomes da ANL estavam Luís Carlos Prestes (1898‑1990) e Olga Benário
(1908‑1942). Em 1935, Prestes escreveu um manifesto pedindo o fim do Governo Vargas, o que motivou
105
Unidade II

a decisão do presidente em suspender as atividades da ANL, que passou a ser reprimida pelo regime.
Vários grupos ligados à ANL, mesmo na ilegalidade, passaram a organizar um grande levante comunista
em 1935. Foi declarado estado de sítio e os direitos dos cidadãos presentes na constituição foram
suspensos. Prestes e Olga foram presos, sendo que ela foi deportada para Alemanha, levada grávida a
um campo de concentração, onde foi assassinada, em 1942. A família de Prestes conseguiu trazer a filha
do casal ao Brasil. Prestes ficou preso até 1945.

A partir desse momento, a ameaça comunista fez com que diversos grupos que não necessariamente
concordavam com o Governo Vargas passassem a se subordinar ao seu poder, que foi bastante acrescido
após a desarticulação desse levante. O PCB estava desorganizado e com seus líderes presos, mas uma
nova ameaça foi utilizada como justificativa para que Vargas concentrasse ainda mais os poderes em
suas mãos, o que culminaria no autogolpe de 1937, em que é instaurado o Estado Novo, uma ditadura
centrada no poder pessoal do líder de Estado, que duraria até 1945.

Segundo o Dicionário de política de Norberto Bobbio:

Com a palavra ditadura, tende‑se a designar toda classe dos regimes não
democráticos especificamente modernos […]. São três, a meu ver, essas
características [de regimes não democráticos modernos]: a concentração e
o caráter ilimitado do poder; as condições políticas ambientais, constituídas
pela entrada de largos estratos da população na política e pelo princípio
da soberania popular; a precariedade das regras de sucessão ao poder
(BOBBIO, 2010, p. 373).

Esse não seria o último momento em nossa história republicana em que o poder se concentraria nas
mãos de uma pessoa, ou de um grupo, que se colocava acima das leis, sem os limites constitucionais,
respondendo a um período abalado por profundas transformações econômicas e sociais que fariam com
que grupos diferentes reivindicassem participação política, sem garantir a sucessão do poder pelas vias
estabelecidas, como é explicado no verbete sobre ditadura do dicionário citado.

Vinha do período anterior à Revolução de 1930 uma determinada postura sobre a educação que
se relacionava ao grupo representado pela Liga Brasileira da Higiene Mental. Esse grupo era formado
por membro da sociedade civil, fundado em 1923 por Gustavo Riedel, no Rio de Janeiro, que buscava
definir posturas concordantes com as doutrinas eugenistas e uma educação higiênica para a população.
Faziam parte dessa liga nomes como Henrique Roxo, Juliano Moreira, Renato Kehl, Júlio Porto Carrero,
que se inspiravam nos eugenistas e na psiquiatria alemães. Essa liga mantinha a postura iniciada pelos
positivistas, ao colocar a mulher como grande promotora da educação para as crianças; a mãe, na
educação doméstica, deveria ensinar as regras morais, e as professoras, na escola, deveriam ensinar
as normas e disciplinas. A mulher era vista como naturalmente destinada a essa função segundo seu
gênero (usavam o termo sexo na época), que eram o cuidado da família e a maternidade – segundo
esta perspectiva, a função sexual da mulher só se completa com a maternidade. Os conhecimentos
sobre o desenvolvimento infantil passavam a ser importantes, nesse momento, para o exercício
profissional das professoras, para que pudessem observar as crianças e cuidar de seu crescimento e
saúde, com campanhas educativas sobre o higienismo que deveriam ser realizadas nas escolas primárias
106
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

e secundárias. Essa liga funcionou até 1947, ou seja, era ativa e influente durante todo o Governo Vargas
e cobrava atitudes patrióticas das mulheres, desenvolvendo essa função na educação infantil (em casa
e na escola) na criação de cidadãos adequados aos ideais modernizadores da República (VALENTIM;
MARTINS; RODRIGUES, 2019). Essas ideias teriam grande aceitação nesse período.

Desde o século XIX teorias que tentavam explicar as diferenças entre as populações humanas,
sobretudo justificando posturas imperialistas a partir de uma avaliação negativa sobre outros povos,
difundiam‑se pelo mundo ocidental. Essas teses também eram utilizadas para construir a identidade
dos países, eram parte dos discursos nacionalistas. Em 1805, o conde Joseph Arthur de Gobineau
(1816‑1882) escreveu o livro Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas, obra que defendia a
superioridade dos brancos em relação às demais raças e, por isso, condenava a miscigenação entre os
povos. No ano seguinte a essa obra é publicado o livro mais importante de Charles Darwin (1809‑1882),
A origem das espécies, em que desenvolve a teoria da evolução, segundo a qual os indivíduos lutam pela
sobrevivência na natureza, e os mais aptos sobrevivem e se reproduzem. Apesar de na teoria não haver
um juízo de valor sobre as espécies e as características que se perpetuam no tempo, suas formulações
foram desdobradas para o campo social por diferentes autores, criando teorias sobre a evolução das
sociedades, o darwinismo social.

Porém, o aspecto da transmissão de características de uma geração a outra de indivíduos esboçadas


no pensamento de Darwin teria ainda maior impacto em políticas educacionais entre fins do século XIX e
as primeiras décadas do século XX. Alguns autores passaram a discutir sobre a possibilidade de promover
de modo intencional um aprimoramento biológico da humanidade, perseguindo uma condição de
perfeição humana, selecionando as melhores qualidades para serem perpetuadas nas populações.

Um dos autores fundamentais nesse sentido, e que empregaria o termo eugenia pela primeira vez
para tratar o assunto, foi Francis Galton (1822‑1911), que era parente de Darwin e escreveu obra O gênio
hereditário (em inglês, Hereditary Genius). Se a humanidade estava em constante evolução, seria possível
acelerar esse processo criando humanos superiores, por meio de políticas públicas e da ciência.

Essas teorias passaram a ganhar maior peso com a publicação das leis de Gregor Mendel (1822‑1884)
em 1900, que foram desenvolvidas anteriormente, mas passaram a ser difundidas nesse momento, e
que são a base para se compreenderem os mecanismos de transmissão de certas características aos
descendentes de reprodução sexuada. Esse conhecimento seria a base para se pensar em políticas
públicas que promoveriam esse melhoramento biológico dos seres humanos. Muito rapidamente passam
a ser difundidas as sociedades eugenistas. Em 1905 é fundada uma sociedade eugenista na Alemanha,
em 1907 na Inglaterra, em 1910 nos Estados Unidos, e em 1912 na França, ganhando enorme prestígio
entre os intelectuais da época (SILVA, 2014).

Entre as políticas eugênicas de Estado mais comuns estavam as esterilizações dos indivíduos cujas
características não se desejava propagar através das futuras gerações, o que foi realizado em muitos
países. Restrições a casamentos também eram parte das propostas. Em 1920, 24 estados norte‑americanos
aprovaram leis que previam esterilizações involuntárias, sobretudo em jovens negros que estavam em
instituições para pessoas com doenças mentais. Desde 1895, com o livro The foundations of racial
hygiene (que pode ser traduzido como “Os fundamentos da higiene racial”), o alemão Alfred Ploetz
107
Unidade II

apresentava estratégias eugenistas para a raça alemã, mas foi a legislação dos estados americanos que
teve maior impacto nos modelos eugenistas durante o nazismo. Obviamente, essa teoria foi levada ao
seu limite durante o nazismo, mas o início das políticas de extermínio se deu em manicômios, como
forma de não permitir que as doenças mentais pudessem ser transmitidas às futuras gerações, não mais
por esterilizações, mas pela própria morte desses indivíduos. Na Dinamarca e na Suíça, entre os anos de
1930 e 1939, foram esterilizadas cerca de 8.500 pessoas seguindo as intenções eugenistas.

Mas a eugenia podia ter duas diferentes posturas, em termos gerais. Uma postura positiva, em que
essa seleção é feita favorecendo as qualidades desejadas; ou uma postura negativa, promovendo esse
aperfeiçoamento através da eliminação das características menos desejadas, tanto com as esterilizações
como com o assassinato de pessoas.

No caso brasileiro, essas teorias foram incorporadas ao pensamento de autores que precisavam
levar em consideração as particularidades da nossa formação. Em primeiro lugar, a eugenia foi adotada
juntamente com o sanitarismo, pois para o aperfeiçoamento da raça brasileira era necessário antes
conter as doenças que afligiam a população e que em parte eram resultado das más condições de vida
e higiene próprias do nosso processo de urbanização de princípios do século XX. Além das reformas
urbanas empreendidas no início do século e das campanhas de vacinação, era preciso ensinar hábitos
de higiene à população, para assim promover a saúde. Ademais, o Brasil era uma país fundado na
miscigenação, o que era extremamente malvisto pelos eugenistas europeus e americanos, pois, segundo
eles, degenerava a raça superior e, por extensão, a nação. Segundo Silva (2014), assim como outros
países miscigenados da América Latina, ou católicos, como Portugal, a eugenia tendeu a ser adotada de
forma não negativa. E no caso do Brasil, inclusive, a miscigenação passou a ser vista de modo positivo,
pois seria dessa maneira que “os defeitos” da raça negra poderiam ser amenizados e a população poderia
ser branqueada com a vinda dos imigrantes europeus, política muito incentivada no século XX. Ou seja,
era um pensamento extremamente preconceituoso com a maior parte dos brasileiros descendentes
daqueles que foram trazidos contra a vontade para trabalharem escravizados nestas terras.

Essas teorias, caso adotadas em alguma medida em nosso país, se deparavam com um contexto
de enorme miscigenação desde o período colonial. Até o século XVIII, poucas mulheres europeias
vinham para a colônia, e mesmo as que se casavam e viviam com seus maridos acabavam precisando
conviver com as inúmeras amantes, algumas com tratamento de esposas, entre as mulheres indígenas e
mesmo entre as mulheres africanas que trabalhavam nas casas e lavouras na condição de escravizadas
(MESGRAVIS, 2018). É no século XVIII que as condições de vida se tornaram mais favoráveis, sobretudos
nos meios urbanos, para que mais mulheres viessem viver no Brasil. Mas os esforços da Igreja, sobretudo,
com a ação dos jesuítas, de fazer os colonos replicarem nestas terras os modelos familiares cristãos
europeus não alcançavam muito sucesso.

As ideias eugenistas eram publicadas nos meios de comunicação, como jornais, e difundidas em
conferências por nomes como Renato Ferraz Kehl (1889‑1978). A Escola de Medicina da Bahia também
era um dos locais de divulgação da eugenia no país, sobretudo a partir dos trabalhos de Raimundo Nina
Rodrigues (1862‑1906).

108
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Em 1917, com a fundação da primeira Sociedade Eugênica da América Latina por Renato Kehl, em São
Paulo, esse grupo passou a influenciar mais as discussões políticas e, consequentemente, educacionais.
Em primeiro lugar, porque era parte do ideário eugenista que a população tomasse conhecimento de
suas teorias e, dessa forma, passasse a agir em conformidade com os preceitos que gerariam uma
população “melhorada”. Noções sobre prevenção de doenças, higiene e cuidados com as crianças eram
parte das ações esperadas a partir da propagação das ideias. A escola era um dos espaços privilegiados
para essa difusão da eugenia.

No Brasil a postura eugenista oficial que predominou foi sempre a positiva, no sentido de pensar
práticas que promovessem melhor saúde e desenvolvimento do corpo. Ainda assim, havia um caráter
bastante racista e preconceituoso em suas posturas, mas não chegou a se concretizar como uma
eugenia negativa, aos moldes do que foi realizado na Alemanha nazista, com extermínio das populações
consideradas perigosas e inferiores, segundo o pensamento dos líderes ligados a Hitler. Mas existiram
experiências no Brasil bastante cruéis, como o caso do hospício da cidade de Barbacena, investigado
pela jornalista Daniela Arbex no livro Holocausto brasileiro, de 2013.

Para a promoção de uma educação eugênica, Renato Kehl contava com o apoio de Monteiro Lobato.
Tanto os manuais escolares como a literatura infantil deveriam difundir tais ideais. Além disso, muitas
publicações atuaram nesse sentido, entre elas o Boletim de Eugenia, editado entre 1929 e 1933 por
Renato Kehl, que servia como instrumento de propaganda do Instituto Brasileiro de Eugenia e difusor
de seus princípios. Muitos artigos sobre educação foram publicados nesse boletim, revelando o papel
que essa tinha para os eugenistas, o que, ainda segundo Silva (2014), teria servido de base para várias
reformas educacionais que ocorreram no Brasil nos anos 1920, em que a preocupação higienista é
evidente: São Paulo (1920), Ceará (1922‑1923), Bahia (1928), Minas Gerais (1927‑1928), Pernambuco
(1928), Paraná (1927‑1928), Rio Grande do Norte (1925‑1928), Distrito Federal (1922‑1926).

Saiba mais

O documentário a seguir discute as motivações ideológicas do nazismo,


especialmente sua relação com a eugenia, o que nos ajuda a compreender
como essas ideias eram bastante difundidas no período:

ARQUITETURA da destruição. Direção: Peter Cohen. Suécia: Poj


Filmproduktion AB, 1989. 119 min.

Na educação eugenista, as meninas deveriam ser educadas para uma maternidade sadia, pensando
nas heranças que seriam legadas em características genéticas pelos pais. Além disso, os cuidados com a
saúde, com a higiene e o condicionamento físico eram fundamentais para formar uma raça fisicamente
forte (SILVA, 2014).

109
Unidade II

A influência da eugenia era tamanha naquele período que estaria expressa na Constituição de
1934 e 1937, onde se apresenta que seria estimulada a educação eugênica, além de adotar medidas
para reduzir a mortalidade infantil (ROCHA, 2014). Na Constituição de 1934, a educação eugênica, que
deveria ser estimulada por União, estados e municípios aparece no artigo 138 (BRASIL, 1934). Essa era a
primeira vez que uma constituição nacional brasileira reservava um artigo para tratar especificamente
da educação, demonstrando a preocupação do novo governo em efetivamente organizar as iniciativas
nacionais, já que anteriormente não havia se constituído um sistema de ensino articulado que passaria
a ser organizado em várias leis neste momento (PILETTI; PILETTI, 2002).

Segundo Jerry Dávila (DÁVILA; MANNHEIMER, 2015), a eugenia ajudou a organizar as políticas
públicas brasileiras visando a modernização do país e da educação, tentando superar as heranças do
período imperial. Na década de 1920, o Poder Público intensificou sua presença na educação, mas as
reformas no ensino foram muito mais efetivas após a Revolução de 1930, justamente no momento de
auge do movimento eugênico no Brasil e no mundo. De acordo com as pesquisas desse autor:

No Rio, vemos a influência da eugenia explicitada na organização


administrativa, que incluía um Serviço de Antropometria, um Serviço de
Ortofrenia e Higiene Mental e um Serviço de Testes e Medidas que aplicou
muitos dos instrumentos debatidos na eugenia para diferenciar entre pessoas
tidas como mais e menos qualificadas (DÁVILA; MANNHEIMER, 2015).

Em 1931, entre as primeiras ações do Governo Vargas, foi criado o Ministério da Educação e
da Saúde (MES). Educação e saúde faziam parte de uma mesma unidade, o que revela muito sobre
as posturas do governo. Com a criação desse novo ministério se pretendia desenvolver e organizar a
educação nacional, com ênfase na educação popular, além de unificar e integrar os sistemas estaduais de
ensino que estavam isolados e reforçar o relacionamento do ministério com as secretarias estaduais (PILETTI;
PILETTI, 2002).

O primeiro ministro da pasta, Francisco Luís da Silva Campos (1891‑1968), realizou reformas no ensino
durante sua gestão, conhecidas como Reformas Francisco Campos. É criado, nesse momento, o Conselho
Nacional de Educação e há a organização do ensino secundário e superior a partir do Decreto n. 18.890,
de 18 de abril de 1931, com alguns ajustes e consolidação de seus princípios pelo Decreto n. 21.241, de
4 de abril de 1932.

Para o ensino superior, é criado a partir do Decreto n. 19.851, de 1931, o Estatuto das Universidades
Brasileiras. Por esse documento se instituía que as universidades teriam cursos voltados para
conhecimentos desinteressados, ou seja, que não necessariamente teriam aplicação prática, bem como
cursos com sentido utilitário. Nas universidades seriam unificadas e integradas diversas faculdades e
haveria autonomia universitária, ou seja, poderiam criar seus próprios regulamentos, sem intervenção
do Estado. Nessa reunião de faculdades, seria necessário que a universidade tivesse pelos menos três das
seguintes: Direito, Medicina, Engenharia, Educação, Ciências e Letras. Cada faculdade seria dirigida por
uma congregação de professores. O diretor da faculdade seria escolhido pelo ministro dentre uma lista
de professores catedráticos elaborada pela congregação e pelo conselho universitário. A administração
central da universidade era composta pelo conselho universitário (órgão consultivo) e pelo reitor.
110
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

O conselho universitário também deveria elaborar uma lista com três professores do ensino superior
para o ministro da Educação escolher o reitor. A admissão dos estudantes ao ensino superior continuava
a depender de aprovação nos exames vestibulares, além da apresentação do certificado de conclusão
do curso secundário e prova de idoneidade moral. Todos os cursos superiores deveriam ser credenciados
pelo Ministério da Educação e da Saúde (CUNHA, 2020).

Esse estatuto se manteria com poucas alterações até 1968, quando foi realizada uma reforma do
ensino superior. Após esse decreto foi criada, em 1934, a Universidade de São Paulo, e em 1935 a
Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro (PILETTI; PILETTI, 2002).

A partir de 1931, também foi realizada a reforma do ensino secundário (Decreto n. 19.890), que
passava a ter duração de sete anos, dividido em dois ciclos. O primeiro ciclo “fundamental”, de cinco
anos, e o segundo ciclo “complementar”, de dois anos. Esse segundo ciclo era dividido em três opções,
relacionadas ao curso superior que o aluno pretendia cursar: para candidatos à matrícula no curso
jurídico; para candidatos aos cursos de Medicina, Farmácia e Odontologia; e para os candidatos aos
cursos de Engenharia ou Arquitetura. Essa mudança deixava a estrutura do ensino secundário mais
complexa. Até 1950, somente o curso secundário permitia a candidatura ao ensino superior; com cursos
técnicos‑profissionalizantes e o curso normal este acesso não era possível.

Também não seria mais permitido solicitar a uma instituição secundária a realização dos exames
para a conclusão do curso sem que o aluno estivesse matriculado e frequentasse a escola, como se fazia
anteriormente. Se o aluno não tivesse presença em três quartos das aulas, que era a frequência mínima
obrigatória, não poderia realizar os exames finais.

O aumento de anos do ensino secundário, além da presença obrigatória, tornava‑o mais elitista, pois
dificultava aqueles que precisavam começar a trabalhar cedo de continuarem a estudar. Além disso,
os estudos eram teóricos e com caráter enciclopédico, direcionado aos que efetivamente cursariam o
ensino superior e formariam a elite profissional e dirigente do país. Mas a classe média conseguiu acesso
à escola pelo aumento do número de vagas que se deu ao longo do tempo (DALLABRIDA, 2009).

As avaliações eram bastante detalhadas na reforma. Os alunos deveriam ser avaliados com nota
mensalmente, a partir de abril, com uma arguição oral ou trabalho prático aplicado pelo professor
responsável de cada disciplina. Ao longo do ano, deveriam ser realizadas quatro provas escritas parciais e
um exame final, uma prova oral em cada disciplina realizada perante uma banca examinadora com dois
professores do colégio e presidida pelo inspetor federal. Quem não atingisse a média necessária para a
aprovação poderia realizar exames finais em uma segunda época. Segundo Dallabrida:

Desta forma, os estudantes secundaristas eram submetidos a uma engrenagem


examinatória em diferentes tempos ao longo do ano letivo, que os incitava
ao trabalho regular e progressivo. Esse sistema de avaliação permanente
é diametralmente oposto ao regime de cursos preparatórios e de exames
parcelados, pois, neste último sistema de ensino, o aluno apenas realizava
um único exame terminal em cada disciplina (DALLABRIDA, 2009, p. 187).

111
Unidade II

Ou seja, as avaliações auxiliavam na organização dos estudos e do tempo de aprendizagem,


disciplinando os alunos a serem produtivos, organizados. O conteúdo era organizado de forma seriada,
isto é, eram ensinados de modo progressivo, com temas e disciplinas que se sucediam a partir de uma
determinada lógica construída série a série.

O monitoramento do ensino pelo governo federal foi organizado com um serviço de inspeção aos
estabelecimentos de ensino secundário, subordinado ao Departamento Nacional de Ensino do Ministério
da Educação e da Saúde. Essa foi uma das medidas que ajudou a homogeneizar o ensino secundário a
partir dessas reformas.

Foi reintroduzida nas escolas primárias, normais e secundária, em 1931, a educação religiosa, como
um pacto entre o governo provisório e a Igreja católica, justamente em um momento marcado pela
discussão sobre a laicização da educação no país. Além disso, a educação física passou a ser disciplina
importante introduzida na reforma de Francisco Campos; ligada à formação militar, a prática passou
nesse momento a compor os conhecimentos necessários para formar indivíduos mais saudáveis,
corrigindo posturas, ajudando na condução de condutas higiênicas. A questão da educação física
aparece na Constituição de 1937, juntamente com o ensino cívico e os trabalhos manuais:

A educação física, o ensino cívico e o de trabalhos manuais serão obrigatórios


em todas as escolas primárias, normais e secundárias, não podendo nenhuma
escola de qualquer desses graus ser autorizada ou reconhecida sem que
satisfaça aquela exigência (BRASIL, 1937).

Também faria parte do ensino a disciplina de música, com o canto orfeônico, obrigatório na 1ª, 2ª e
3ª série do ensino secundário.

No curso complementar, algumas disciplinas eram obrigatórias e a base para cada seguimento. Para o
curso direcionado aos alunos que realizariam a faculdade de Direito, a ênfase estava nas disciplinas de
humanidades, como latim e literatura; para os alunos que cursariam Medicina, Odontologia e Farmácia,
a base dessas séries estava nas disciplinas de física, química e história natural; e para os alunos que
fariam Engenharia e Arquitetura, a matemática era a principal disciplina.

Com essa reforma o ensino secundário passava a atender a dois objetivos. Por um lado, mantinha o
objetivo de preparar para o ensino superior, como ocorria anteriormente. Mas assumia, por outro lado,
um caráter formativo próprio, o próprio Francisco Campos indicava que o secundário deveria preparar o
homem para atuar nos grandes setores da atividade nacional, o que seria possível pela formação a partir
de um sistema de hábitos, atitudes e comportamentos que o auxiliasse a tomar as melhores decisões em
sua vida (PILETTI; PILETTI, 2002).

Vários órgãos foram criados voltados diretamente à promoção da educação, como o Ministério da
Educação e da Saúde e o Conselho Nacional da Educação, que foram somados à criação do Comissão
Nacional do Ensino Primário, o Fundo Nacional do Ensino Primário, o Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos (atual Inep), o Instituto Nacional de Estatística (que daria origem ao IBGE), o Instituto

112
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Nacional do Livro, o Serviço de Radiodifusão Educativa, o Instituto Nacional do Cinema Educativo (Ince)
e o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Em 1942, é publicado o Decreto‑lei n. 4.244, que marcava a nova reforma do ensino do ministro
da Educação Gustavo Capanema (estava à frente do ministério desde 1934). Nessa reforma, o ensino
secundário de sete anos era dividido em dois ciclos: o primeiro ciclo de quatro anos, chamado de
ginásio, seguido por um ciclo de três anos, chamado colegial. Essa estrutura se manteve até a década
de 1970, quando houve a fusão do primário com o ginásio, formando o 1º grau, e o colegial passou a
ser chamado de 2º grau.

Figura 13 – Imagem de propaganda do Estado Novo de Getúlio Vargas, 1940

Fonte: Sant’Anna (2019c, p. 29).

O colegial passaria a ter apenas dois ramos: clássico e científico. Eram disciplinas comuns aos
dois ramos: português, francês, inglês, matemática, física, química, história geral, história do Brasil,
geografia geral e geografia do Brasil. Filosofia e história natural também estavam presentes nos
dois ramos, mas em proporções diferentes. No ramo clássico se estudava também grego (optativo)
e latim, e no ramo científico se estudava espanhol e desenho. O ramo científico era predominante,
correspondendo ao curso realizado por quase 90% dos alunos nos colégios secundários do país
(PILETTI; PILETTI, 2002).

Nesse momento, já no Estado Novo, período de maior concentração de poder e autoritarismo de


Vargas, o nacionalismo foi reforçado nas escolas, mantendo o destaque da educação física, que tinha
um caráter importante de promover cidadãos sadios e dispostos a construir a nação, além do ensino
religioso católico, da educação cívica e dos estudos de história e geografia do Brasil, valorização do
113
Unidade II

canto orfeônico e das festas cívicas, como a Semana da Pátria. Os objetivos do ensino secundário
nesse momento estavam voltados para a formação de adolescentes que passassem a cultivar elevado
sentimento patriótico, juntamente com a sua formação intelectual.

Para o ensino primário, em 1946 foi criada pela primeira vez desde 1827 uma lei nacional que
regulasse sua organização (Decreto‑lei n. 8.529). O objetivo desse nível de ensino seria preparar
para a vida cultural e familiar, desenvolver a personalidade, a defesa da saúde e a iniciação ao
trabalho. Era designado de ensino fundamental aquele voltado para as crianças de 7 a 12 anos,
que realizavam quatro anos de curso elementar e um ano de curso complementar, que tinha papel
semelhante aos antigos cursinhos que preparavam para o exame de admissão do ginásio. Para aqueles
que realizariam o primário e eram maiores de 13 anos, o curso se chamava ensino supletivo.

Além disso, foi incentivado o ensino técnico e comercial, que, segundo o artigo 129 da
Constituição de 1937, era voltado às classes menos favorecidas. Em 1942 é criada uma legislação
específica para o ensino técnico industrial (Decreto‑lei n. 4.073), em 1943 para o ensino comercial
(Decreto‑lei n. 6.141) e em 1946 para o ensino normal (Decreto‑lei n. 8.530) e para o ensino
agrícola (Decreto‑lei n. 9.613). O ensino técnico (industrial, comercial, agrícola e normal), assim
como o ensino secundário, eram realizados em dois ciclos. Nesse mesmo sentido, foi criado em
1942 o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial (Senac).

Além da organização do ensino, o Governo Vargas foi responsável por muitas outras iniciativas
que faziam o Estado estar mais presente em um projeto de modernização do país, como foi a criação
de empresas estatais em setores estratégicos e com forte propaganda da própria imagem, assumindo
a miscigenação como marca positiva de nosso país e valorizando os elementos antes combatidos da
cultura afro‑brasileira. É o momento em que o samba deixa de ser marginalizado e se torna o ritmo
nacional. O departamento de Propaganda e Difusão Cultural, inclusive, estava subordinado ao Ministério
da Educação e da Saúde. Muitos intelectuais da época integraram esse departamento durante a gestão
do ministro Capanema.

Também foi bastante difundido o chamado “canto orfeônico”, que fazia parte das aulas de
música obrigatórias na escola. Essa forma de canto foi idealizada pelo compositor Heitor Villa‑Lobos
(1887‑1959), que tinha se entusiasmado com a Revolução de 1930 e com o Governo Vargas, e procurava
nessa forma de canto coral erudito estimular o patriotismo e o nacionalismo (NAPOLITANO, 2018).
O próprio Villa‑Lobos participou de muitas apresentações de canto orfeônico em eventos públicos e
dedicou sua obra pessoal a valorizar a cultura nacional, mesclando‑a a elementos eruditos, criando
assim uma música ainda hoje muito reconhecida pela qualidade e pela originalidade.

Essas políticas oficiais dialogavam, em grande medida, com as discussões sobre a educação dos anos
1920, que questionavam a falta de inserção dos diferentes grupos sociais na política e na educação, e se
expressaram por diferentes propostas sobre o assunto. Dentre as propostas devemos destacar uma que
foi elaborada por escrito pelos chamados pioneiros da educação.

114
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

6 A ESCOLA NOVA

Em 1924 foi criada a Associação Brasileira de Educação, que promovia conferências e debates
realizados pelos educadores para discutirem as questões relativas à educação. Após a Revolução de
1930, essa associação promoveu um congresso em Niterói, em 1931, no intento de traçar sugestões
de mudanças na educação a serem apresentadas ao novo governo. Nesse momento o grupo decidiu
redigir um manifesto, que seria lançado em 1932, escrito por Fernando de Azevedo e assinado por
26 educadores e intelectuais. Esse documento deveria ser a base para uma reforma educacional. Estavam
entre os signatários Anísio Teixeira, M. B. Lourenço Filho, Heitor Lira, Carneiro Leão, Cecília Meireles e A.
F. de Almeida Prado.

O texto apresentado começa com um balanço da situação em que a educação brasileira se


encontrava, abrindo com a sentença: “Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em
importância e gravidade o da educação” (AZEVEDO et al., 2010, p. 34). Mesmo para resolver problemas
mais frequentemente tratados pela política, como a economia, era preciso que a solução passasse pela
educação, necessária para promover o preparo daqueles que iriam realizar a produção e deveriam ser
aptos à invenção e iniciativa.

Ainda segundo o texto, os 43 anos desde a Proclamação da República não tinham conseguido criar
um sistema de organização escolar. As escolas e as iniciativas educacionais permaneciam fragmentadas
e desarticuladas, consequência de reformas parciais e arbitrárias. As ações governamentais não
esclareciam quais as finalidades da educação, em seus aspectos tanto filosóficos quanto sociais; também
não aplicavam métodos científicos para tratar dos problemas educacionais, que é caracterizado como
“empirismo grosseiro”, pois lhe falta “espírito filosófico e científico”. Mas indica que alguns estados
e o Distrito Federal realizavam reformas com espírito científico e compara nossa situação a outros
países da América Latina, que já realizavam mudanças na educação semelhantes às propostas naquele
documento: México, Uruguai, Argentina e Chile.

Ao tratarem sobre a finalidade da educação, o texto assim indica: “Toda a educação varia sempre
em função de uma ‘concepção da vida’, refletindo, em cada época, a filosofia predominante que é
determinada, a seu turno, pela estrutura da sociedade” (AZEVEDO et al., 2010, p. 39).

Se a educação era, então, parte da concepção de vida de cada época, o que é explicado
posteriormente com um “ideal” ou a “filosofia de cada época”, o problema educacional brasileiro
estava em sua inadequação ao seu tempo. Com a Proclamação da República havia o desejo de
construir um país moderno, industrializado, urbano, que superasse seu passado escravocrata e
monárquico. Porém, continuaram no poder os mesmos grupos formados pelas elites agrárias. Mas a
Revolução de 1930 poderia significar uma mudança nesse cenário. Ou seja, houve otimismo por
parte dos intelectuais com essa ruptura, pois se esperava quebrar a predomínio das oligarquias no
poder e abrir espaço para que outros grupos pudessem ser representados no governo. O otimismo
foi abafado com o golpe de estado que criou o Estado Novo e com as atitudes ditatoriais de
Vargas. O “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” fazia parte desse otimismo com o novo
regime e com a possibilidade de construção de um país mais democrático com a nova constituição
que estava em gestação. Por isso, assim apresentam: “a educação nova não pode deixar de ser
115
Unidade II

uma reação categórica, intencional e sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional,
artificial e verbalista, contada para uma concepção vencida” (AZEVEDO et al., 2010, p. 40).

Dadas as críticas à situação da educação e a necessidade de superar a velha estrutura, o manifesto


passa a indicar como a nova educação e a nova escola viriam a se organizar.

Em primeiro lugar, a educação deveria deixar de ser um privilégio daqueles com melhores condições
econômicas e precisava ser um direito de todo o indivíduo. Assim:

A educação nova, alargando sua finalidade para além dos limites das classes,
assume, com uma feição mais humana, sua verdadeira função social,
preparando‑se para formar “a hierarquia democrática” pela “hierarquia das
capacidades”, recrutadas em todos os grupos sociais, a que se abrem as
mesmas oportunidades de educação (AZEVEDO et al., 2010, p. 40).

Dessa forma, a educação não poderia ser um privilégio de classe social e deveria ser um direito
de todo ser humano, um direito que é tratado no manifesto como “biológico”, no sentido próprio da
existência física do homem, da capacidade de nossa espécie de se desenvolver. Por isso, a educação tinha
por finalidade “dirigir o desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada uma das etapas de
seu crescimento” (AZEVEDO et al., 2010, p. 40).

Lembrete

É importante salientar que o discurso que ouvimos frequentemente e


que, por isso, podemos naturalizar, de que a educação é direito de todos,
é uma construção histórica; houve um longo período em que o acesso à
educação era visto como privilégio de poucos.

Estava na base do pensamento desse grupo uma série de conhecimentos que vinham sendo
desenvolvidos na psicologia sobre o desenvolvimento infantil e que influenciavam nas propostas
dos pioneiros. Além disso, também havia a influência da sociologia. Por isso a defesa da educação
voltada para a formação profissional do Homem, mas não apenas isso, para o desenvolvimento de
todas as suas potencialidades, que seriam empregadas na vida comunitária e na construção de uma
sociedade democrática.

Por isso, constantemente ao longo do texto são confrontadas duas realidades: a presente, com uma
escola tradicional, burguesa, a serviço dos interesses oligárquicos, e uma nova escola, que já se construía
em algumas iniciativas pontuais, mas que estava para ser elaborada como uma realidade concreta
para todo o país, voltada para o benefício comunitário, para a cooperação, solidariedade e disciplina, o
espírito necessário para que a escola fosse adequada a um país republicano e democrático.

Se a educação tinha uma função social tão preponderante, o Estado deveria assumir papel central
em sua promoção, pois a educação deveria ser essencialmente pública, pois todos têm o direito de
116
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

se instruir. No entanto, a família, que antes tinha maior responsabilidade na educação de seus filhos,
não seria excluída desse processo, pois Estado e família devem atuar de forma colaborativa, em uma
relação de confiança.

O Estado, além de garantir o direito à educação, que seria pública, deveria também organizar
um plano geral de educação, para que os diferentes graus de ensino se estruturassem de modo
contínuo e orgânico. A escola oficial deveria ser única, ou seja, igual para todos os cidadãos,
independentemente das condições econômicas. Mas havia um problema financeiro em se efetivar
uma escola pública e em condições igualitárias para todos, pois o Estado ainda não tinha recursos
para manter escolas em quantidade necessária, em todos os níveis de ensino, para todos os
brasileiros. Por isso, a proposta apresentada seria de que “todas as crianças, de 7 a 15 anos, todas
ao menos que, nessa idade, sejam confiadas pelos pais à escola pública, tenham uma educação
comum, igual para todos” (AZEVEDO et al., 2010, p. 44).

Dessa maneira, todas as crianças teriam as mesmas oportunidades por meio da educação. Isso tornaria
possível que de fato os melhores fossem recrutados para as universidades, não apenas os melhores entre
os alunos das elites que puderam se preparar em uma escola distinta apenas pelo poder econômico
que detinham.

A ideia de que a educação é direito de todos, e não privilégio remonta ao pensamento iluminista
e se apresenta de forma ainda mais enfática a partir da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, como parte dos acontecimentos da Revolução Francesa, votada em 2 de setembro de 1789.
Os direitos humanos, como indica Bobbio (2010), eram apresentados como direitos naturais, ou seja,
que os seres humanos tinham antes mesmo da existência do Estado e que deveriam ser assegurados
pelos governantes como representantes do povo. A ignorância ou o menosprezo das pessoas em
relação a esses direitos humanos era a causa dos problemas públicos e da corrupção dos governos.
Os direitos naturais do ser humano são: a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à
opressão. Em 1793, a nova Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão assumidos pela Convenção
Nacional passa a tratar explicitamente sobre a educação, indicando que é uma necessidade de todos
a instrução e que deveria ser uma preocupação da sociedade favorecer que todos os cidadãos possam
se instruir (ARAUJO, 2006).

Também seria função do Estado, segundo o Manifesto dos Pioneiros, garantir os princípios da
laicidade, gratuidade e obrigatoriedade do ensino. A laicidade significava que o ambiente escolar
estaria acima de crenças particulares e disputas religiosas. Ou seja, era a garantia da separação entre
ensino e religião e convivência pacífica entre pessoas que professavam credos distintos. A gratuidade
para todas as instituições oficiais reforçava o “princípio igualitário que torna a educação, em qualquer
de seus graus, acessível não a uma minoria, por um privilégio econômico, mas a todos os cidadãos que
tenham vontade e estejam em condição de recebê‑la” (AZEVEDO, 2010, p. 45). Por fim, a obrigatoriedade,
que não havia sido implantada efetivamente pela falta de escolas em números suficientes, mesmo
para o ensino primário, deveria ser promovida para os jovens até os 18 anos, o que significava a
compatibilidade do tempo de formação com o trabalho produtivo. Muitas crianças das famílias menos
abastadas precisavam abandonar os estudos para iniciar o trabalho e auxiliar na composição da renda

117
Unidade II

familiar, mas isso deveria ser mudado, pois era necessário que até essa idade o indivíduo pudesse se
instruir e se formar em sentido integral.

Essa preocupação em tornar a educação um direito de todos tinha, ainda que não explícito no texto,
uma capacidade de promover a mobilidade e ascensão social através da instrução. Aqueles que antes
jamais chegariam aos trabalhos mais valorizados e bem remunerados da sociedade, ou mesmo ao grau
de instrução necessário para participar diretamente da política, uma vez que não precisassem escolher
entre estudar e trabalhar e não tivessem no custo do ensino um empecilho, poderiam, dependendo de
suas capacidades, prosperar intelectual e economicamente.

A função da educação, porém, não estava voltada para interesses pessoais, e não se voltava apenas
à formação para o trabalho e para a cidadania. A educação ocupava um papel muito mais amplo, pois
seria o instrumento capaz de:

desenvolver ao máximo a capacidade vital do ser humano, deve ser


considerada “uma só” a função educacional, cujos diferentes graus estão
destinados a servir às diferentes fases de seu crescimento, “que são partes
orgânicas de um todo que biologicamente deve ser levado à sua completa
formação” (AZEVEDO et al., 2010, p. 46).

Ou seja, a finalidade da educação seria o maior desenvolvimento possível dos indivíduos em seus
mais diversos aspectos, físico e mental, um desenvolvimento integral, em todas as suas potencialidades,
fazer o ser humano se tornar o melhor que poderia ser.

Para realizar um objetivo tão audacioso, era necessário, como também indicava o manifesto,
que a educação tivesse autonomia econômica, para que não ficasse refém dos interesses pessoais
e transitórios dos poderosos. Para isso, era necessário criar um “‘fundo especial ou escolar’, que,
constituído de patrimônios, impostos e rendas próprias, seja administrado e aplicado exclusivamente
no desenvolvimento da obra educacional, pelos próprios órgãos do ensino, incumbidos de sua direção”
(AZEVEDO et al., 2010, p. 47).

Além disso, deveria haver uma cooperação entre o poder federal, que ordena o plano geral de
educação, e os estados, que aplicam esses princípios dispostos no plano e adequam às suas realidades.
O plano era uno, mas havia descentralização e multiplicidade em sua aplicação.

O manifesto também apresentava seu “espírito científico”, ou seja, que as propostas apresentadas
estavam em concordância com as pesquisas científicas da época e os avanços no conhecimento
sobre o desenvolvimento infantil. Por isso, em suas propostas, reforçava‑se o ideal de muitos outros
educadores que colocavam a criança no centro da educação, respeitando os processos mentais, o
tempo de desenvolvimento de cada fase da vida, a curiosidade e a descoberta infantil, a liberdade e
incentivo a aprender:

118
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

A escola vista desse ângulo novo que nos dá o conceito funcional da


educação, deve oferecer à criança um meio vivo e natural, “favorável ao
intercâmbio de reações e experiências”, em que ela vivendo sua vida própria,
generosa e bela de criança, seja levada “ao trabalho e à ação por meios
naturais que a vida suscita quando o trabalho e a ação convêm aos seus
interesses e às suas necessidades” (AZEVEDO et al., 2010, p. 49).

Nesse sentido, os educadores não deveriam esperar atitudes passivas dos estudantes em
relação ao conhecimento, com um ensino de conteúdos teóricos da escola tradicional. A nova
escola se baseava em atividades educativas que envolviam a espontaneidade e alegria dos
estudantes. O processo de instrução poderia ser prazeroso, trazer satisfação aos indivíduos em
seu desenvolvimento. Mas, para isso, era necessário atentar ao desenvolvimento intelectual dos
estudantes e suas necessidades psicobiológicas:

É certo que, deslocando‑se, por esta forma, para a criança e para seus
interesses, móveis e transitórios, a fonte de inspiração das atividades
escolares, quebra‑se a ordem que apresentavam os programas tradicionais
do ponto de vista da lógica formal dos adultos, para os pôr de acordo com
a “lógica psicológica”, isto é, com a lógica que se baseia na natureza e no
funcionamento do espírito infantil (AZEVEDO et al., 2010, p. 50).

O estudante deveria ter abertura, dentro do ambiente escolar, para observar, experimentar, criar
atividades que o interessem. O foco estava no educando e em como fazê‑lo agente ativo de sua própria
instrução. E para isso, além dos conhecimentos de psicologia e desenvolvimento infantil, era preciso
compreender o ambiente social no qual esse estudante se inseria.

Nessa educação integral, que deveria ser contínua e articulada nos diversos graus de ensino,
o ensino primário (formado pelas escolas maternais e jardins de infância) deveria estar articulado
ao ensino secundário. Até então o primário das escolas oficiais era voltado para as classes menos
favorecidas, que normalmente não ingressavam no ensino secundário, mas isso deveria ser mudado.
Dessa forma, o secundário deveria ser flexível e vivo, e não mais responder aos objetivos de uma única
classe social. Deveria, ao mesmo tempo, preparar a formação profissional (manual ou mecânica) e
uma educação predominantemente intelectual.

Essa preocupação com o secundário foi em muitos aspectos respondida pelas reformas realizadas
no Governo Vargas, como vimos anteriormente. Houve a organização de um sistema educacional com
maior participação do poder federal do que antes para garantir acesso ao mesmo curso secundário em
qualquer parte do país. A organização das disciplinas e dos ciclos não abandonou a preocupação com
a preparação para o ensino superior, mas passou a incorporar um caráter formativo claro. Além disso,
as iniciativas em relação ao ensino técnico também demonstraram preocupação com a formação de
mão de obra qualificada necessária para os novos trabalhos urbanos do momento, atendendo a uma
necessidade existente e futura, já que o governo também tomou para si a função de modernizar a
economia e promover a industrialização.

119
Unidade II

A proposta da Escola Nova para o secundário guardava também semelhanças com as reformas
realizadas:

A escola secundária, unificada para se evitar o divórcio entre os trabalhadores


manuais e intelectuais, terá uma sólida base comum de cultura geral (3 anos),
para a posterior bifurcação (dos 15 aos 18), em seção de preponderância
intelectual (com os três ciclos de humanidades modernas; ciências físicas e
matemáticas; e ciências químicas e biológicas), e em seção de preferência
manual, ramificada por sua vez, em ciclos, escolas ou cursos destinados
à preparação às atividades profissionais, decorrentes da extração de
matérias‑primas (escolas agrícolas, de mineração e de pesca) da elaboração
das matérias‑primas (industriais e profissionais) e da distribuição dos produtos
elaborados (transportes, comunicações e comércio) (AZEVEDO et al., 2010, p. 54).

Sobre as universidades, o Manifesto dos Pioneiros também apresentou propostas que foram
contempladas na formação das duas universidades criadas após o estatuto universitário: a Universidade
de São Paulo (1934) e a Universidade do Distrito Federal (1935). Segundo os pioneiros, a universidade no
Brasil daquele momento estava voltada apenas para a formação profissional, especialmente para as
áreas de Direito, Medicina e Engenharia. Porém, era necessário que a universidade se ocupasse tanto da
formação profissional como do desenvolvimento da ciência e da cultura. Cada universidade deveria ter
faculdades de Ciências Sociais e Econômicas, Ciências Matemáticas, Físicas e Naturais, além de faculdades
de Filosofia e Letras. Dessa maneira, estava‑se atendendo a diversas necessidades sociais que esses
conhecimentos deveriam responder. Além disso, a universidade tinha três funções primordiais, que eram:
a investigação e produção científica; a docência, ou transmissão de conhecimento; e a popularização,
ou vulgarização das ciências e das artes pela extensão universitária. Ou seja, se inaugurava o ideal
do tripé universitário, que ainda hoje é base para a existência das universidades públicas no Brasil:
pesquisa, ensino e extensão.

Ainda nessa proposta, essas três funções partiam sempre da pesquisa. Sem a produção de pesquisa
não é possível realizar o trabalho docente e formar os novos estudantes. Sem a pesquisa não há o que
divulgar por meio da extensão. A pesquisa é a grande contribuição da universidade para esses pensadores,
pois é ela que permite aperfeiçoar constantemente o conhecimento humano. Parte desses ideais para a
universidade foram implantados na Universidade do Distrito Federal, que funcionou entre 1935 e 1939,
com participação de Anísio Teixeira, um dos signatários do manifesto, e na Universidade de São Paulo,
fundada em 1934, com participação de Fernando de Azevedo, também redator desse documento.

Vamos mencionar, ainda que brevemente, alguns aspectos da Universidade de São Paulo em que a
inspiração escolanovista pode ser percebida.

Em 1934, Armando de Sales Oliveira, governador do estado de São Paulo e também professor da
Escola Politécnica, criou a Universidade de São Paulo, que incorporava escolas superiores já existentes:
Faculdade de Direito, Escola Politécnica, Escola Superior de Agronomia, Faculdade de Medicina e Escola
de Veterinária. O Instituto de Educação foi elevado à categoria de escola superior e incorporado à
universidade como Faculdade de Educação. Também foram criadas faculdades novas: Faculdade de
120
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Filosofia, Ciências e Letras; Instituto de Ciências Econômicas e Comerciais; e Escola de Belas Artes.
Alguns institutos de pesquisa técnico‑científicos mantidos pelo governo foram ligados à universidade:
Instituto Biológico, Instituto de Higiene, Instituto Butantã, Instituto Agronômico de Campinas, Instituto
Astronômico e Geofísico, Instituto do Radium, Instituto de Pesquisas Tecnológicas e o Museu de
Arqueologia, História e Etnologia.

Dentre as faculdades novas que surgiram com a criação da universidade, devemos destacar a
Faculdade de Educação e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Com essas duas faculdades se
realizava um antigo projeto de Fernando Azevedo de proporcionar uma cultura comum a todos os
estudantes da universidade e uma posterior especialização em suas faculdades. Naquele momento já
se manifestava uma tendência crescente dos cursos e das ciências de reforçar suas especialidades, e a
proposta de Azevedo marcava uma tentativa de formar uma cultura comum universitária. Na Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras foram contratados 13 professores europeus, 6 franceses, 4 italianos e
3 alemães. A Universidade de São Paulo atraiu muitos professores estrangeiros, sobretudo aproveitando
o contexto de fuga de intelectuais da Europa devido à Segunda Guerra.

Ainda segundo o Manifesto dos Pioneiros, para que a universidade fosse, de fato, onde os melhores
colocam suas capacidades elevadas a serviço da coletividade, pesquisando, ensinando e divulgando
saber e cultura, era preciso que todos pudessem desenvolver suas capacidades nos graus anteriores de
ensino e, assim, chegar à universidade. Os melhores entre todas as classes sociais, com iguais condições,
podendo contribuir com suas qualidades para a sociedade. A dificuldade em se alcançar tal sonho era
percebida pelos autores, pois pressupunha limitar os privilégios das elites econômicas.

Assim, todos os professores, do primário ao ensino superior, deveriam ter formação profissional
específica para a docência. E deveria se selecionar cuidadosamente aqueles que atuariam na área.
O manifesto critica os professores recrutados em outras profissões, sem formação específica, e a
formação das Escolas Normais, que, segundo eles, muitas vezes era descuidada. Todos os professores
deveriam realizar cursos universitário, pois a educação deve ser pesquisada, ensinada e divulgada por
métodos científicos, próprios do ensino universitário. Esse era um modelo vislumbrado por especialistas
e pensadores voltados especificamente para a educação e que esperavam construir uma sociedade mais
democrática e republicana através das transformações nessa área.

O manifesto teve grande repercussão quando apresentado, gerando reações favoráveis e contrárias,
especialmente entre aqueles que defendiam o ensino religioso obrigatório. Alguns dos princípios foram
introduzidos na Constituição de 1934 e vários dos signatários atuaram durante o Governo Vargas.

Devemos também apresentar algumas iniciativas de Anísio Teixeira (1900‑1961), um dos mais
atuantes entre os intelectuais escolanovistas, que colocou em prática alguns dos ideais propostos
no manifesto.

Anísio Teixeira, assim como Fernando Azevedo, tinha formação jesuítica, formando‑se posteriormente
no curso de Direito no Rio de Janeiro. Em 1924, tornou‑se inspetor de ensino da Bahia, o que o inspirou
a viajar pela Europa a partir de 1925 para visitar e estudar os sistemas de ensino da Espanha, Bélgica,
Itália e França. Em 1927, também viajou para os Estados Unidos, onde conheceu o trabalho de John
121
Unidade II

Dewey (1859‑1952), um dos autores de maior influência em seu trabalho e bastante presente nas
ideias da Escola Nova (CARA, 2016). Dewey considerava que o ser humano, mais do que um ser teórico
ou pensante, era um ser prático, da vontade, voltado para a ação, cujo conhecimento adquiria pela
investigação desenvolvida através da experiência. O conhecimento era parte da vida, se dava na busca
por soluções de problemas que afetavam os indivíduos. A educação correspondia à demanda social de
cada época, e em seu tempo era preciso preparar os indivíduos para um mundo de mudanças dadas
pelos avanços tecnológicos, para que pudessem participar dos efeitos positivos dessas transformações,
assim como atuar democraticamente na sociedade. Por isso a escola deveria incentivar a curiosidade, o
livre intercâmbio e a cooperação entre os indivíduos (GALTER; FAVORETO, 2020).

Anísio Teixeira voltaria aos Estados Unidos após se demitir da direção de instrução da Bahia, em
1928, indo aos Estados Unidos estudar na Universidade Columbia, onde reforçou seu vínculo com o
pensamento de Dewey, obtendo o título de mestre pela Teachers College.

De volta ao Brasil, em 1931, tornou‑se diretor geral de instrução do Distrito Federal e criou, em
1932, o Instituto de Educação do Rio de Janeiro, onde funcionava o primeiro curso superior no Brasil
destinado à formação de professores primários, a Escola de Professores, e que depois seria incorporada
à Universidade do Distrito Federal como Escola de Educação (LOPES, 2007). Esse instituto foi criado com
a noção explícita de Anísio Teixeira de que a única forma de melhorar a educação era investir na melhor
formação dos professores. Com um curso superior para formação de professores, pretendia‑se que a
educação fosse efetivamente realizada por profissionais, o que não estaria sendo plenamente realizado
pelas Escolas Normais, que eram, ao mesmo tempo, centro de formação profissional e de cultura geral.
Por isso, era necessário ter finalizado o ensino secundário para ingressar na Escola de Professores.

O curso tinha duração de dois anos, sendo que no primeiro ano estudava‑se prioritariamente
disciplinas de fundamentos da educação. Cada ano letivo era dividido em três períodos. No primeiro ano
estudava‑se introdução ao ensino, biologia educacional, psicologia educacional e sociologia educacional.
Há um grande peso da psicologia como disciplina que traz aspectos científicos para a formação
do professor. Também faziam parte do curso as disciplinas de história da educação, artes, música e
educação física. O segundo ano era dedicado especialmente à aplicação dos conceitos estudados, com
a prática de ensino, que era dividida em três fases: observação, participação e direção de classe. Havia
também os chamados “estudos intermediários”, que se dedicavam às matérias de ensino: cálculo, leitura
e linguagem, literatura infantil, ciências naturais e estudos sociais. Essas matérias eram estudadas com
professores especialistas em cada assunto (LOPES, 2007).

Também fazia parte da pedagogia em desenvolvimento nessa instituição a organização do ensino a


partir das características psicológicas da criança, que, diferentemente do pensamento de um especialista,
aprenderia melhor por meio de projetos, e não de lições. As matérias seriam trabalhadas a partir das
necessidades e interesses que surgiriam ao longo do projeto. Dessa maneira, a escola colocaria a criança
no centro do ensino, seus interesses, seu modo de pensar, sua personalidade, curiosidade, permitindo
que desenvolvesse o gosto pelo aprendizado.

Durante o período do Estado Novo de Vargas, Anísio Teixeira abandonou a vida pública por um
tempo, retornando após a renúncia do presidente e a redemocratização do país. Em 1946, tornou‑se
122
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

conselheiro geral da Unesco e retornou à Bahia como secretário de Educação. Criou nesse momento o
Instituto Educacional Carneiro Ribeiro, mais conhecido como a Escola Parque. Essa instituição, situada
em um bairro bastante vulnerável de Salvador, abrigava crianças que não tinham onde morar. Além de
ser escola, também atendia a outros direitos e necessidades dessas crianças, que tinham acesso à arte,
educação física, oficinas culturais.

A Escola Parque atendia aos alunos em tempo integral, o que seria a escola mais eficaz dentro do
pensamento de Anísio Teixeira (CORDEIRO, 2001). A escola, que pretendia ser acessível a novos públicos
antes excluídos desse espaço, não poderia contar apenas com a ampliação de vagas mantendo o modelo
tradicional de ensino. Na Escola Parque as crianças deveriam ser educadas para a vida em comunidade
e para a democracia. Os alunos também aprendiam sobre higiene, que era uma questão importante
para a época, como apontamos. Havia espaços para atividades físicas e oficinas para a aprendizagem
de tecelagem, tapeçaria, encadernação, cerâmica, cartonagem, costura, bordado; os alunos aprendiam
a trabalhar com couro, lã, madeira, metal. Também havia espaços para práticas artísticas, como música,
dança, teatro, artes visuais, pintura e escultura.

O conceito de educação integral nessa experiência se dava tanto no sentido temporal, na permanência
longa dos alunos nas instalações da escola, quanto no significado mais amplo do termo, de educar nos
diferentes aspectos que compõem a vida humana, ou seja, para que as crianças tivessem uma vida
saudável (cuidado com o corpo – educação física e higiene), para desenvolver a capacidade de raciocínio
teórico, a capacidade de trabalho (oficinas), de criação (aspecto prático) e da criatividades (acesso à
arte), se educava para o convívio (atividades coletivas) etc.

A organização das turmas se dava por idade e anos de escolaridade. Dentro de cada turma se dividiam
subgrupos com diferentes níveis de aprendizagem, o que direcionava o trabalho para necessidades
diferentes dos alunos, e não havia reprovação. Para atuar adequadamente nesse novo modelo proposto,
havia um curso de treinamento para os professores.

Apesar de posteriormente os continuadores de Anísio Teixeira terem simplificado e transformado o


funcionamento da escola, essa experiência foi inspiração para outras iniciativas políticas educacionais,
como os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), conhecidos popularmente como Brizolões,
um projeto educacional do antropólogo Darcy Ribeiro durante o primeiro governo estadual de Leonel
Brizola no Rio de Janeiro (1983‑1987), ou os Centros Integrados de Atendimento à Criança (CIACs),
criados para serem implantados em todo Brasil durante o Governo Collor (1990‑1992), além dos Centros
Educacionais Unificados (CEUs) na cidade de São Paulo, iniciados na gestão da prefeita Marta Suplicy
(2001‑2005).

Anísio Teixeira continuaria sua participação nas políticas educacionais no Brasil durante os anos
1950, nos debates que levaram à implantação da Lei Nacional de Diretrizes e Bases (1961), depois na
fundação da Universidade de Brasília, junto com Darcy Ribeiro, em 1963. Após o golpe militar, ele se
mudou para os Estados Unidos, onde lecionou na Universidade Columbia e na Universidade da Califórnia,
retornando ao Brasil em 1966. Sua morte, em circunstâncias suspeitas (um acidente em um elevador),
ocorreu em 1971 (CARA, 2016).

123
Unidade II

Resumo

Com o início da República, a intenção de modernizar o Brasil, com a


urbanização e industrialização, foi um dos projetos presentes nas discussões
políticas.

Nesse momento ganha maior força a preocupação com a educação das


crianças, com os jardins de infância para desenvolver melhor os filhos da
elite e as creches ligadas às indústrias, para atender às mães trabalhadoras
das cidades.

O analfabetismo era bastante preocupante e era visto como empecilho


para o desenvolvimento do país. Aqueles que não sabiam ler e escrever
estavam excluídos da vida política ao não terem direito ao voto.

Foram realizadas muitas reformas pelos sucessivos governos, algumas


anulavam ou avançavam as ações anteriores.

A educação primária estava a cargo dos municípios; os estados cuidavam


prioritariamente do ensino secundário e o governo federal legislava sobre
o secundário, mas atuava predominantemente no superior. O colégio
secundário Dom Pedro II, sob autoridade federal, era a referência nacional
para esse nível de ensino.

Além das ações oficiais do governo, outros grupos discutiram e


apresentaram propostas para o ensino.

Os positivistas tiveram influência na educação nacional, especialmente


na valorização das mulheres como educadoras por excelência. É nesse
momento que o magistério primário se construiria como profissão
predominantemente feminina.

Havia nesse momento também grupos ligados ao feminismo que


reivindicavam o direito a voto das mulheres e de receber instrução e
atuar profissional e intelectualmente em igualdade com os homens.
A luta por esses direitos passava necessariamente pela luta por acesso à
educação das meninas.

Com a vinda dos imigrantes e a industrialização em torno do proletariado


urbano, especialmente de origem europeia, organizaram‑se grupos anarquistas.
Esses anarquistas tinham uma concepção própria de educação, a pedagogia

124
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

racional libertária, que deveria desenvolver indivíduos críticos e atuantes


na sociedade, preparados para a militância, versados nos conhecimentos
científicos, com liberdade de pensamento etc.

Com a Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio Vargas inicialmente


um clima de otimismo tomou conta de parte dos intelectuais, vendo
nessa ruptura com a República Velha e Oligárquica uma possibilidade de
efetivamente modernizar o Brasil. Um grupo de educadores pensou em
uma proposta de transformação da educação, publicada em 1932 como o
“Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”.

Nesse manifesto se propunha uma mudança na educação para superar


suas formas tradicionais que não eram compatíveis com as necessidades
dos novos tempos. A educação precisava deixar de ser privilégio da elite
(e parte das camadas médias) para ser um direito de todos. Por ter papel
fundamental na construção da sociedade, o Estado deveria promover a
educação, que deveria ser essencialmente pública.

As propostas da Escola Nova se baseavam nos avanços de duas ciências


relativamente novas naquele momento: a psicologia e a sociologia. Parte
das ideias desse grupo foi incorporada nas ações oficiais. Muitos dos
educadores que formavam o grupo atuaram no Governo Vargas, mas as
posturas autoritárias do presidente, sobretudo após o início do Estado
Novo, fizeram que muitos perdessem o entusiasmo inicial como o regime.

Durante o Governo Vargas o pensamento eugenista teve grande


influência na educação brasileira, aparecendo, inclusive, nas Constituições de
1934 e de 1937. Nesse sentido se valorizavam conhecimentos relacionados à
higiene, a preocupação em relação aos casamentos e aos filhos dos casais
para a formação de uma “raça melhorada”, além da valorização da disciplina
de educação física nas escolas.

Também em seu governo foi criado o Ministério da Educação e da Saúde


e dois conjuntos importantes de reformas educacionais foram realizados
por seus ministros Francisco Campos e Gustavo Capanema.

Francisco Campos, em um decreto, criou universidades com a união


de diversas faculdades preexistentes. O ensino secundário seria de
sete anos, sendo dividido em dois ciclos: fundamental (de cinco anos)
e complementar (de dois anos). O ciclo complementar era divido em
três opções, cada uma voltada a uma área do ensino superior que seria
pretendida pelo aluno:

125
Unidade II

• Direito.

• Medicina, Farmácia e Odontologia.

• Engenharia e Arquitetura.

Na reforma do secundário de Gustavo Capanema, a divisão de dois


ciclos se mantinha, mas era organizada de forma diferente: o primeiro
ciclo do secundário era o ginásio (de quatro anos) e o segundo ciclo era o
colegial (de três anos). O colegial era dividido em duas opções: científico (o
que a maioria dos alunos cursava) e clássico.

126
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Exercícios

Questão 1. Leia o texto a seguir.

A influência positivista na Proclamação da República

O projeto sociopolítico de Comte pressupunha uma evolução ordeira da sociedade, incompatível com
revoluções e mudanças bruscas. Curiosamente, no Brasil, os ideais positivistas serviram para alavancar
uma troca de regime com a Proclamação da República.

O aparente paradoxo se explica, em parte, pelo fato de a influência positivista ter resultado em
pensamentos muito diversos no Brasil, conforme se combinou com outras correntes ideológicas.
Nenhum setor teve maior presença da ideologia comtiana do que as Forças Armadas, de onde saiu o
vitorioso movimento republicano e a ideia de adotar o lema “Ordem e Progresso”. Várias das medidas
governamentais dos primeiros anos da República tiveram inspiração positivista, como a reforma
educativa e a separação oficial entre Igreja e Estado, ambos em 1891.

O positivismo ficou de tal forma conhecido no Brasil, que o prenome de Comte foi aportuguesado
para Augusto e a corrente filosófica tornou‑se tema de um samba de Noel Rosa e Orestes Barbosa.
A canção intitulada “Positivismo”, lançada em 1933, termina com os versos a seguir.

“O amor vem por princípio, a


ordem por base/O progresso é
que deve vir por fim/Desprezaste
esta lei de Augusto Comte/E foste
ser feliz longe de mim”.

Disponível em: https://cutt.ly/ANyuRJw. Acesso em: 6 out. 2022.

Com base na leitura e nos seus conhecimentos, avalie as asserções e a relação proposta entre elas.

I – As ideias positivistas inspiraram fatos importantes para a história do Brasil, como, em 1891, a
reforma educativa e a unificação oficial entre Igreja e Estado.

porque

II – O positivismo foi uma corrente filosófica desenvolvida pelo pensador francês Auguste Comte
(1798‑1857), segundo a qual o método científico é o modelo de conhecimento humano que leva ao
progresso da sociedade.

127
Unidade II

Assinale a alternativa correta:

A) As asserções I e II são verdadeiras, e a asserção II justifica a I.

B) As asserções I e II são verdadeiras, e a asserção II não justifica a I.

C) A asserção I é verdadeira, e a asserção II é falsa.

D) A asserção I é falsa, e a asserção II é verdadeira.

E) As asserções I e II são falsas.

Resposta correta: alternativa D.

Análise da questão

Como vimos no livro‑texto, o positivismo foi uma corrente filosófica desenvolvida na França por
Auguste Comte (1798‑1857) que chegou ao Brasil, inicialmente, por militares, médicos e engenheiros
aqui formados. Essa corrente apresenta uma explicação sobre o processo de transformação das
sociedades ao longo do tempo, com a caracterização de estágios. Ademais, aponta para uma fase
vindoura, de maior desenvolvimento, em virtude da superação de problemas inerentes às comunidades
humanas pelo emprego da racionalidade e do desenvolvimento científico.

As ideias positivistas inspiraram fatos importantes para a história do Brasil, como, em 1891, a reforma
educativa e a separação oficial entre Igreja e Estado.

128
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Questão 2. Leia o texto a seguir.

O que mudou na Educação na Era Vargas?

Por Paula Calçade

Figura 14 – Getúlio Vargas, com outros líderes da Revolução de 1930, em Itararé,


São Paulo, logo após a derrubada de Washington Luís. Foto: Claro Jansson

A partir da Revolução de 1930, a centralização política e econômica volta a ser vigente no Brasil.
A figura de Getúlio Vargas surge com a intenção de ser responsável por grandes mudanças no país,
diminuindo, assim, a autonomia dos governos estaduais. Isso repercute na educação, que passa a ser
regulamentada por leis federais, válidas para todos.

Em 1930, o Governo Vargas criou o Ministério da Educação e Saúde Pública. No ano seguinte, foi
implantada a Reforma Francisco Campos, que organizou o ensino secundário e superior no Brasil.

Figura 15

Adaptado de: https://cutt.ly/lNyioWE. Acesso em: 6 out. 2022.

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Unidade II

Com base no exposto e nos seus conhecimentos, avalie as asserções e a relação proposta entre elas.

I – O documento ao qual se refere o infográfico do texto do enunciado é o “Manifesto dos


Pioneiros da Educação Nova”, publicado em 1932, que apresentou uma proposta de transformação da
educação brasileira.

porque

II – Com a Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio Vargas, inicialmente, um clima de otimismo


tomou conta de parte dos intelectuais, que passaram a ver nessa ruptura com a República Velha e
Oligárquica uma possibilidade de fazer com que, em termos educacionais, fossem retomadas as bases
religiosas jesuíticas do Brasil colonial.

Assinale a alternativa correta:

A) As asserções I e II são verdadeiras, e a asserção II justifica a I.

B) As asserções I e II são verdadeiras, e a asserção II não justifica a I.

C) A asserção I é verdadeira, e a asserção II é falsa.

D) A asserção I é falsa, e a asserção II é verdadeira.

E) As asserções I e II são falsas.

Resposta correta: alternativa C.

Análise da questão

Como vimos no livro‑texto, com a Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio Vargas, inicialmente,
um clima de otimismo tomou conta de parte dos intelectuais, que passaram a ver nessa ruptura com a
República Velha e Oligárquica uma possibilidade de efetivamente modernizar o Brasil. Assim, um grupo
de educadores elaborou uma proposta de transformação da educação, publicada em 1932, com o nome
de “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”.

Nesse manifesto, o grupo propunha mudanças na educação brasileira para superar suas formas
tradicionais, não mais compatíveis com as necessidades dos novos tempos. A educação deveria deixar
de ser um privilégio da elite e de parte das camadas médias para tornar‑se ser um direito de todos.
Em virtude do seu papel fundamental na construção da sociedade, o Estado deveria promover a
educação, que deveria ser essencialmente pública.

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