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Universidade Federal do Ceará

Campus Cariri
IV Encontro Universitário da UFC no Cariri
Juazeiro do Norte-CE, 17 a 19 de Dezembro de 2012

Como ler Platão? Um estudo propedêutico

Otacilio Luciano de Sousa Neto1


Camila do Espírito Santo Prado de Olieira 2

1 Introdução/ Desenvolvimento

Platão é um dos filósofos que traz maior dificuldade a quem pretende interpretá-lo. Ele
não escreveu, até onde se sabe, nenhum tratado. Os escritos tradicionalmente atribuídos ao
ateniense são, em sua grande maioria, diálogos de caráter dramático. Platão sempre se refere ao
leitor de modo indireto. Por tal razão todo aquele que deseja pesquisar o pensamento platônico se
depara com um problema: como ler Platão? Esta questão, da maneira aqui colocada, busca
encontrar um método para interpretar o pensamento de Platão, visto que ele não é, de forma
inequívoca, expresso pelo seu estilo dialógico.
É, então, o objetivo deste emprego, encontrar uma maneira de ler Platão que não se
feche para as várias possibilidades de compreensão e para amplitude do pensamento platônico. Para
isto cabe analisar, em primeiro lugar, o que seria a maneira mais recorrente de ler Platão. Feito isso,
deveremos considerar as principais críticas a essa maneira. Analisaremos, a seguir, outra linha de
interpretação de Platão, que propõe uma ordenação do corpus platônico, denominada
“desenvolvimentista”. Devemos, então, questionar se esta ordenação é adequada à tarefa de
interpretar Platão na vastidão de sua obra.
Segundo Rowe, o pensamento de Platão foi freqüentemente tomado como “um conjunto de
teses altamente significativas e conectadas acerca do mundo em geral3.” Esta leitura afirma que
“estas teses estão lá em Platão4”. Ou seja, para estes intérpretes, o pensamento de Platão, contido
nestas teses está exposto em cada um e em todos os diálogos. Porém, essa leitura do corpus
platônico nos leva a um problema, pois:

[…] ameaçadora para todo tipo de interpretação


“dogmática” [assim é denominada tal posição] é a acusação de
que ela pressupõe que o intérprete está autorizado a ler cada
diálogo à luz dos outros, quando os diálogos (assim reza o
argumento) raramente nos convidam a fazer tal coisa, visto que
eles são na maioria artefatos independentes.5

1
Graduando em Licenciatura em Filosofia, Universidade Federal do Ceará, Juazeiro do Norte, Ceará, e-mail:
otacilioluciano@alu.ufc.br

2
Doutoranda em Filosofia, Universidade Federal do Ceará, Juazeiro do Norte, Ceará, e-mail:
camiladoespiritosanto@yahoo.com.br:

3
Cf. ROWE, Chistopher. Interpretando Platão. Em: Hugh H. & Cols. Benson. Platão. Artmed Editora. 2011. p. 28.
4
Idem.
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Para resolver este problema uma das respostas mais comuns é admitir que o
pensamento de Platão passou por algumas fases de desenvolvimento, mudando de opinião em certos
momentos de sua obra. A tese é que ele escreveu textos “socráticos” imitando os métodos de
Sócrates. Posteriormente, nos diálogos “médios” ele se libertou desses métodos e introduziu a sua
metafísica (principalmente a “teoria das formas”), a qual foi revista de forma mais sóbria nos
diálogos de seu período “último” 6. Rowe chama esta leitura de “desenvolvimentista”.
Porém, a leitura “desenvolvimentista”, apesar de importante em vários aspectos,
fundamenta-se em quatro pressupostos questionáveis, como mostra Trindade:

1. As teses e os argumentos expostos nos diálogos


refletem posições platônicas (nomeadamente expressas por
Sócrates).
2. A data de composição do diálogo indica a
posição platônica naquele momento naquele momento da sua
evolução.
3. Em caso de contradição entre diálogos, as
obras mais tardias refletem a evolução pela qual Platão corrige
posições anteriores.
4. Análogo raciocínio deverá ser feito – o que é
mais grave – para as omissões: o silêncio nos diálogos
anteriores acerca de uma questão deverá implicar seu
abandono.7

Esses pressupostos podem isoladamente ser defensáveis, porém encadeados tornam a


posição “desenvolvimentista” muito problemática. Quanto ao ponto dois, é importante ressaltar que
há dificuldades de determinar precisamente a ordem dos diálogos, mesmo através da estilometria 8.
Dentre as dificuldades temos, por exemplo, 9, que os diálogos “primeiros” ou “socráticos” podem
ser lidos como uma preparação para a República que é considerada um diálogo “médio”. Como é
possível que Sócrates tenha preparado uma introdução a teses que se contrapõem a sua posição?
Outra grande dificuldade é que três diálogos que parecem apresentar a “teoria das formas” - Fédon,
Banquete e Crátilo – pertencem, segundo a estilometria, ao primeiro grupo de diálogos10.
Portanto, ainda deve-se procurar uma leitura que seja justa a Platão. Procuremos uma
maneira de ler Platão que considere toda a amplitude da filosofia e do corpus platônico, sem
fecharmos de antemão caminhos possíveis.
É dado que Platão joga com numerosas estratégias em seus diálogos, que não podem ser
descritas em sua totalidade, porém, há certos princípios que devem ser mantidos em mente quando
se lê Platão. Talvez, mesmo diante de todas as contradições entre as leituras, possamos estabelecer
regras mais gerais e fundamentais que nos permitam transitar pelo corpus platônico.

5
Ibdem. p30.
6
Cf. Idem.
7
SANTOS, José Trindade. Para Ler Platão. Loyola. São Paulo. 2008. p36.
8
Estilometria é o estudo acerca das marcas de um certo autor que podem identificar um padrão em sua escrita. Essas
marcas, se presume, são inconscientes; se tais marcas mudaram ou permaneceram diante alguns diálogos, poderar-
se-á delimitar um período, por comparação.
9
Cf: ROWE, Chistopher. op cit. p31 et seq.
10
Há algumas disparidades neste âmbito. Em alguns comentadores o Crátilo é considerado o último diálogo
“socrático” e o Banquete e o Fédon os dois primeiros diálogos “médios”.
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Primeiro, como propõe Rowe, devemos sempre estar prontos para seguir Sócrates ou
outros interlocutores principais, pois, apesar de pouco se comprometerem com teses claras, eles
sempre trazem uma argumentação pertinente ao tema tratado. Segundo, deve-se sempre diferenciar
Sócrates falando in propria persona, Sócrates adotando posição de outra pessoa e Sócrates
aparentando tomar um ponto de vista de outro quando, de fato, está a refutar um argumento. E o
mais importante é lembrar que o Sócrates de Platão tem um ponto de vista, que mesmo que não
esteja claramente expresso, deve ser buscado. É um erro comum pensar que há lacunas ou falácias
nas argumentações quando, simplesmente, não compreendemos as premissas colocadas.11
Então, parece ser preciso para aquele que pesquisa Platão lidar com essa controvérsia
acerca de um método de leitura de Platão. Todos esses argumentos, posições, deduções, apesar de
não apresentarem uma solução determinada ao problema, mas uma aporia, indicam o próprio
método platônico-socrático de filosofar. Assim como nos diálogos platônicos - afirma Rowe (sobre
como interpretar Platão) - “há algumas idéias e argumentos que insistem em ressurgir, em uma
forma ou em outra” 12.

2 Metodologia/ Resultados

O método utilizado foi leitura e fichamento das seguintes obras: Platão, de Hugh H. &
Cols. Para Ler Platão, por José Trindade dos Santos. Todavia, é importante ressaltar o estudo de
obras e temas não citados no trabalho que foram de grande importância para o início da pesquisa e
para e delimitação do tema. Em primeiro lugar os Diálogos de Platão, nosso objeto de estudo
principal. Dentre as obras secundárias estudadas e não citadas diretamente no desenvolvimento do
trabalho temos: Para uma nova interpretação de Platão, de Reale. Plato and the Older Academy,
por Sarah Frances Alleyne e Alfred Goodwin. Plato, the man and his work, por Taylor.
Dentre os instrumentos para o trabalho, encontrados na pesquisa, temos a seguinte
tabela que mostra a possível ordem, segundo a leitura “desenvolvimentista”, dos diálogos:

Em ordem: Hípias menor, Laques, Êutifron, Íon, “socráticos” ou “primeiros”


Protágoras, Cármides, Apologia, Críton, Lísis,
Górgias, Menexeno, Eutidemo, Mênon, Crátilo.
Em ordem: Fédon, Banquete, República, Fedro. “médios”
Em ordem: Teeteto, Parmênides, Sofista, Filebo, “últimos”
Político, Crítias, Timeu, Leis.
Fonte: Blog do Marcelo Pimenta Marques. Disponível em: < http://www.fafich.ufmg.br/~marquess/dialogos.php >. Acesso
em: 15 out. 2012.

11
Cf: ROWE, Chistopher. op cit. p37 et seq..
12
Ibdem. P38.
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3 Considerações Finais

Constata-se que é aporética a tentativa de estabelecer um método de leitura do corpus


platônico que seja determinado e que pretenda, absolutamente, dar conta do pensamento do filósofo.
Mas, por outro lado, devem-se analisar certos critérios para atentar ao pensamento que é expresso
indiretamente na obra de Platão, através de seus principais personagens. Tais personagens, em
certos momentos, se comprometem com pontos de vista que estão dados nas premissas dos
diálogos, mas, que geralmente são entendidas como lacunas na argumentação ou falácias.
Deve-se, portanto, analisar rigorosamente as argumentações nas quais os principais
personagens do corpus platônico se comprometem com alguma tese, sempre levando em
consideração as múltiplas maneiras de ler Platão, como também todas as suas dificuldades. Só
assim aquele que deseja ler Platão realizará sua pesquisa de modo menos ingênuo, dando conta,
minimamente, do pensamento colocado no corpus platônico.
Temos, portanto, como bônus da pesquisa, um maior entendimento acerca das mais
variadas maneiras de ler Platão. Ao observar as argumentações acerca de tais maneiras de ler Platão
podemos entender melhor o modo de escrita do filósofo. Tal ganho do entendimento poderá
proporcionar, no futuro, um posicionamento acerca da questão.

4 Referências

ALLEYNE, Sarah Frances; M.A, Alfred Goodwin. Plato and the Older Academy. Kessinger
Publishing. Longmans, Green, and CO. London. 1876.

Hugh H. & Cols. Benson. Platão. Artmed Editora. 2011.

MARQUES, Marcelo Pimenta. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade


Federal de Minas Gerais. Disponível em: <http://www.fafich.ufmg.br/~marquess/dialogos.php>.
Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Acessado em: 15 de Outubro de 2012.

REALE, Giovanni. Para Uma Nova Interpretação de Platão. 2ed. Loyola. São Paulo. 2004.

SANTOS, José Trindade. Para Ler Platão. Loyola. São Paulo. 2008. p36.

TAYLOR, Alferd Edward. Plato, the man and his work. 6ed. Methuen & CO. LTD. London.
1949.

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