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Fundadores
1." Fase: Waldemar Ferreira
Fase Atual: Prof. Philomeno J. da Costa (t)
Prof. Fábio Konder Comparato
Supervisor Geral: Prof. Waldírio Bulgarelli
Comité de Redação: Mauro Rodrigues Penteado, Haroldo D. Verçosa,
José Alexandre Tavares Guerreiro, Antonio Martin
I n i; (■; t o Z a cí 2 n 212
Bibliot3ca Cecrge Alexander
Direito
Publicação do
Instituto Brasileiro de Direito Comercial Comparado
e Biblioteca Tullio Ascarelli
e do Instituto de Direito Económico e Financeiro,
respectivamente anexos aos
Departamentos de Direito Comercial e de
Direito Económico e Financeiro da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Edição da
Editora Revista dos Tribunais Ltda.
© Edição e distribuição
RDTTORA RRVTSTA DOS TRIBUNAIS LTDA.
LIVRARIA TRIBUTARIA
Rua Cel. Xavier de Toledo, 210
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3 2 2-í?. í
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Impresso no Brasil
Instituto Macksnzio
Biblioteca George Alcxander
Direito
DOUTRINA
ATUALIDADES
JURISPRUDÊNCIA
ARNOLDO WALD
Advogado em São Paulo c Paris; Professor Catedrático de Direito Civil da UERJ; Presidente
do grupo brasileiro da Association Henri Capitant; Ex-Presidente da Comissão de Valores
Mobiliários — CVM; Ex-Membro do Conselho Monetário Nacional.
DURVAL JOSÉ SOLEDADE SANTOS
Advogado; Consultor Jurídico e Superintendente de Operações da BNDES Participações S.A.
— BNDESPAR.
FRANÇOISE MONOD
Master of Laws da Universidade de Harvard e advogada em Paris (associada de Sokolow,
Dunaud, Mcrcadier & Carreras).
JOÃO LUIZ COELHO DA ROCHA
Advogado no Rio de Janeiro.
JORGE EDUARDO PRADA LEVY
Advogado em São Paulo.
LUIZ ALFREDO PAULIN
Procurador da Fazenda Nacional junto ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional;
Doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo.
LUIZ ANTONIO SOARES HENTZ
Mestre e Doutor em Direito; Professor de Direito Comercial da UNESP; Juiz de Direito da
9." Vara Cível de Ribeirão Preto.
LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES
Professor de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
NELSON EIZIRIK
Advogado no Rio de Janeiro. Ex-Diretor da Comissão de Valores Mobiliários — CVM.
PEDRO FREDERICO CALDAS
Advogado em São Paulo.
RENATA BRANDÃO MORITZ
Advogada no Rio de Janeiro.
DOUTRINA
ARNOLDO WALD
Qu’il n’est pas sans intérêt de rappeler exprimée sur ce point par les parties et
que c’est dans le même sens que s’est des usages du commerce;
récemment prononcé un Tribunal arbitrai Considérant qu’avec raison, les arbi
américain se référant à des décisions tres ont observé en la cause que la loi
étatiques américaines, en observant 'qu ’il applicable pour la détermination de la
n ’est ni raisonnable ni pratique d 'exclure portee et des effets de la clause
(de la compétene des arbitres) des compromissoire instituant un arbitrage
demandes de sociétés qui ont un intérêt international ne se confondait pas
dans FaJJaire et sont membres de la nécessairement avec le droit applicable
même famille de sociétés' (Society of au fond du litige;
Maritime Arbitrators, Inc. New York, Considérant que par une interprétation
Partial Final Award n. 1.510, 38 nov. souveraine des conventions susvisées et
1980, Yearbook Commercial arbitration, des documents échangés lors de leur
VII (1982), American awards, p. 15 négociation et de leur résiliation, les
1)”? arbitres ont jugé, au terme d’une
motivation pertinente et exempte de
14. A Corte de Apelação de Paris, em contradiction, que, suivant la volonté
acórdão de 21.10.83, rejeitou recurso de commune de toutes les sociétés intéres-
anulação contra a decisão supramencio sées les sociétés Dow Chemical France
nada, adotando os fundamentos da et Dow Chemical Company avaient été
mesma e concluindo que a lei nacional parties à ces conventions bien que ne
escolhida pelas partes para a solução de les ayant pas matériellement signées, et
litígios não se aplicava na interpretação que la clause compromissoire leur était
da cláusula compromissória, no tocante dés lors applicable;
à incidência que poderia ter sobre de Qu 'ils ont aussi fait accessoirement
terminadas sociedades do mesmo grupo, appel à la notion de ‘groupe de sociétés’
que tinham efetivamente participado do dont 1’existence à titre cTusage du
negócio, embora não tivessem aderido commerce international n ’est pas
explicitamente ao compromisso. sérieusement contestée par la deman-
deresse. ”4
15. Nos seus considerandos, a Corte
firmou os seguintes princípios: 16. Mais recentemente, a Corte de
“Considérant que, par 1’éffet de la Apelação de Paris, no caso S.A. Kis
clause compromissoire ci-dessus rappe- France contra Société Générale e outros,
lée, les parties aux contrats de distribution rejeitou recurso de anulação contra
de 1965 et 1968 se sont soumises aux sentença arbitrai, de 27.1.89, que tam
dispositions du Règlement de conciliation bém ampliou, por interpretação, a com
et d’arbitrage de la CCI; petência do Juízo Arbitrai, a fim de
Considérant qu’il résulte de la submeter, ao mesmo, empresas do grupo
combinaison des articles 8, 11 et 13 in litigante, que não tinham assinado o
fine de ce Règlement que, pour statuer documento no qual constava a cláusula
sur sa compétence, 1’arbitre doit compromissória, consagrando a teoria
notamment tenir compte de la volonté do grupo societário, considerada como
constituindo uso do comércio interna
cional, que não conflitava com a lei
O) Case 4131-ICC, in Revue de 1’Arbitrage,
1984, p. 137 c, cm versão inglesa, in francesa, que, por sua vez, o consagrava
Collection ofl.C.C. Arbitrai Awards, 1974-
1985, Paris-New York, I.C.C. Publishing, (4) Acórdão in Revue de /'Arbitrage, 1984, p.
1990, p. 146 ss. 99-101.
DOUTRINA 25
— sob outra forma e com outros fins todas as dívidas e obrigações do esta
— na Lei 82.915, de 28.10.82 (art. 439, belecimento comercial, conforme por
1). ele teria sido reconhecido perante os
tribunais ingleses.6
17. Acrescentou a decisão da Corte
de Paris que as conclusões de Juízo 19. Há, pois, uma tendência dos ár
Arbitrai tanto mais se justificavam bitros da CCI, de ampliar a doutrina do
quando fundamentadas na análise das grupo societário, para fazê-la incidir em
convenções das quais se extraía a inten matéria de sujeição à arbitragem, que,
ção comum das partes de realizar uma inclusive, foi recentemente suscitada em
operação económica única, da qual Juízo Arbitrai, cuja constituição foi
participavam todas as entidades, cons provocada pela Brasoil, com pleitos
truindo um conjunto de instrumentos contra várias empresas líbias, em virtude
contratuais no qual as filiais permane de contrato de pesquisa e construção de
ciam num estado de estreita dependên poços artesianos, contrato este que foi
cia de suas controladoras, que manti rescindido pelos contratantes líbios,
nham o poder de decisão e deviam, ensejando, uma arbitragem em Paris.
portanto, ser consideradas partes no pleito
sujeito à arbitragem.5 20. No mencionado processo, que se
tomou público em virtude de notícias da
18. No mesmo sentido, também existe imprensa brasileira, a parte líbia preten
outra decisão da Corte de Apelação de deu chamar ao pleito a controladora da
Paris, pela sua Primeira Câmara, Seção Brasoil, invocando tanto a teoria dos
C, datada de 11.1.90, numa operação grupos, como a própria legislação bra
entre a empresa Elf Aquitaine e um sileira que, nas sociedades de economia
grupo de pessoas jurídicas e físicas mista, considera o controlador co-res-
oriundas da Arábia Saudita, denominado ponsável pelas obrigações e responsabi
conjuntamente Grupo Orri. Neste julga lidades assumidas pela controlada (art.
do, os árbitros decidiram que o contro 242 da Lei 6.404).
lador das empresas signatárias do termo
de compromisso estava pessoalmente 21. Tratava-se, pois, de compatibilizar
sujeito à cláusula compromissória em os princípios da Lex Mercatoria, do
virtude das circunstâncias especiais do direito brasileiro e, eventualmente do
caso. Na realidade, entendeu a decisão direito líbio, que era aplicável à solução
arbitrai, mantida pela Corte de Paris, do mérito do litígio, em virtude de
que os negócios eram realizados pelas cláusula contratual. Alegaram os inte
várias sociedades, todas controladas, ressados líbios que havia uma jurispru
pessoalmente, pelo Sr. Mohamed Abdul dência consolidada, nos casos anterior-
Rahman Orri, que, assim, não podia mente citados — e em particular no
alegar não estar vinculado ao Juízo processo da Dow Chemical —, reconhe
Arbitrai, em virtude da existência de cendo o poder dos árbitros de ampliar
contratos coligados, uns aos outros, tanto a sua competência para chamar ao feito
mais que, pela lei saudita, se tratava de quem não tivesse assinado o instrumen
comerciante individual, que usava uma to no qual constava a cláusula compro-
razão social, para explorar o comércio missória. Em defesa dos seus interesses,
marítimo, obrigando-se pessoalmente por a Brasoil não só comprovou a diferença
<5) Recuei! Dalloz Sirey, 1990, 40ème cahier, (6) Journal de Droit Internacional, 1991, 1, p.
informations rapides. 144.
26 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL ---- 101
Neste caso, a alínea “g”, do art. 72, É ela, por sua flexibilidade, que dá
também sofreria uma modificação para a liberdade necessária para atender tanto
acrescentar a expressão “se for o caso”. às necessidades de quem precisa captar
Esta mudança não impediria que a recursos, como os desejos de quem quer
debênture, altemativamente, continuasse aplicá-los.
a ter o penhor como garantia real — tal
como as debêntures. Com o penhor sendo Quadro das características das emis
sões registradas no SND/ANDIMA
uma faculdade, e não uma obrigação, o
emitente teria essa possibilidade ao lan Os números referem-se, em cada caso,
çar o título. Claro está que, neste caso, à quantidade de séries.
haveria a impossibilidade de o titular
optar pelas debêntures que lastreiam a FORMA
Cédula como uma forma de pagamento. ENDOSSÁVEL 274
De qualquer forma, ainda que não ESCRITURAL 76
sofra alteração, a cédula permite que a ESPÉCIES
instituição financeira compatibilize suas REAIS 48
aplicações — subscrições de debêntures FLUTUANTES 138
— com a sua captação — emissão de QUIROGRAFARIAS 7
cédulas. SUBORDINADAS 157
Essa afirmativa é válida tanto para os TIPO
encargos quanto para o prazo. CONVERSÍVEIS 82
No que se refere a encargos, os juros SIMPLES 268
seriam certamente menores nas cédulas PAGAMENTO
do que nas debêntures que as lastreariam. VENCIMENTO 203
O “spread" se justifica porque, no mais AMORTIZAÇÃO 100
das vezes, o risco da instituição é menor RESGATE 5
que o do emitente das debêntures. PRAZO
Quanto ao prazo, não é difícil que 5 ANOS 62
sejam semelhantes, devido ao entendi 10 ANOS 49
mento geral de menor risco e maior 3 ANOS 40
liquidez dos títulos emitidos por insti _____________ INDETERMINADO 45
tuições financeiras. ATUALIZAÇÃO
1GP-M 175
8. Observações finais TR 103
IPC-R 35
DÓLAR 20
A retomada do processo de desenvol
vimento, advindo da estabilização eco JUROS
nómica, demandará um volume expres 12% a.a. 142
VARIANDO ENTRE
sivo de recursos. 6%/30% a.a. 182
A infra-estrutura, por exemplo, além
da quantidade de recursos, irá necessitar No que se refere à remuneração,
de fórmulas bastante criativas para sua existem ainda:
mobilização — devido às particularida a) 26 que detêm participação nos
des do setor. resultados;
A debênture — como se espera ter b) 104 que, altemativamente à remu
demonstrado — é o título que permite neração fixada, retêm prémios, dos quais
a maior criatividade para montagens 56 são da taxa divulgada pela ANBID
financeiras. acrescida de 3% a.a.
DOUTRINA
EMISSÃO DE DEBÊNTURES
NELSON EIZIRIK
65, as quais foram alvo de severas emissão, conforme o § l.° do art. 59.
críticas doutrinárias,4 utiliza, em seu art. No caso, a Assembléia aprova a emis
19 (tanto no caput como nos seus são, em tese, fixando as características
parágrafos) as expressões emissão, dis básicas das debêntures, que estão
tribuição e colocação para designar o elencadas nos números I a V do art. 59
mesmo ato de oferta pública de valores da Lei. Cabe ao Conselho decidir qual
mobiliários aos investidores do merca o momento mais adequado para proce
do. O caput do art. 19 chega a dizer que der à efetiva emissão e colocação das
nenhuma emissão pública de valores debêntures, tendo em vista as condições
mobiliários será distribuída no mercado do mercado.
sem prévio registro na Comissão, como A delegação ao Conselho de Admi
se fosse possível a existência de uma nistração, na Cia. Aberta, da deliberação
emissão pública não distribuída no sobre o momento mais oportuno para
mercado, ou seja, uma emissão pública proceder à efetiva criação e colocação
distribuída privadamente. Tal expressão dos papéis constitui praxe bastante
emissão pública, embora evidentemente comum, flexibilizando o processo
imprópria, conforme as críticas da dou decisório e permitindo à companhia
trina, acabou consagrada pelo uso, sen escolher, com maior rapidez, qual o
do de larga utilização na regulamenta tinúng mais adequado para o sucesso da
ção administrativa da CVM.5 operação.
A possibilidade de delegação ao
4. Competência para deliberar a Conselho de Administração das delibe
emissão de debêntures rações acima referidas somente existe
no caso de companhias abertas, sendo
A competência para deliberar a emis nula tal delegação na companhia fecha
são das debêntures é privativa da As da. Tratando-se de companhia aberta, a
sembleia Geral, nos termos expressos do delegação é possível tanto no caso da
art. 59 da Lei das S.A. Porém, tratando- colocação pública, realizada no mercado
se de Companhia Aberta, a Assembleia de capitais, como no caso da colocação
Geral pode delegar ao Conselho de privada, posto que genericamente auto
Administração a deliberação sobre: a rizada, nos termos do § I.° do art. 59.
época e as condições de vencimento,
amortização e resgate; a época e as 5. Autonomia plena da companhia
condições do pagamento dos juros, da para emitir debêntures
participação nos lucros e do prémio de
reembolso, caso existente; o modo de Ao longo de sua existência, a com
subscrição ou colocação — se pública panhia pode realizar o número de
ou privada; e o tipo das debêntures (art. emissões de debêntures que considerar
59, VI a VIII e § l.°). conveniente. Trata-se de decisão interna
Pode ainda a Assembléia-Geral dele corporis, relativa ao grau de endivida
gar ao Conselho de Administração a mento considerado adequado pelos acio
deliberação sobre a oportunidade da nistas e administradores. A companhia
não pode, porém, emitir debêntures em
<4) Heitor Gomes de Paiva. O Código Penal de valor total superior ao seu capital social
1969 e as figuras penais de Direito Comer (art. 60, caput). Tal limite pode ser
cia, Revista Forense, n. 232, p. 5 ss.
(5) Nelson Eizirik. Aspectos Modernos do Di
excedido até alcançar: 80% do valor dos
reito Societário. Rio de Janeiro, Ed. Reno bens gravados, próprios ou de terceiros,
var, 1992, p. 13 ss. tratando-se de debêntures com garantia
40 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL ---- 101
real; 70% do valor contábil do ativo da do. Deve a companhia, porém, por
companhia, diminuído de suas dívidas razões de cautela, promover a transfe
garantidas por direitos reais, tratando-se rência gradual da propriedade das de
de debêntures com garantia flutuante bêntures, condicionando-a ao efetivo
(art. 60, § l.°). Observados tais limites, pagamento das parcelas por parte do
deve ser enfatizado que inexiste qual adquirente.
quer possibilidade de controle, por parte Na prática, verifica-se que a CVM
da CVM ou do Poder Judiciário, sobre tem aceito, em emissões de debêntures
a quantidade de emissões de debêntures divididas em séries, que o pagamento
e sobre a oportunidade de seu lançamen seja feito parceladamente. Assim, por
to. Não pode a CVM, mesmo no caso exemplo, podem ser emitidas debêntures
do lançamento público das debêntures, das séries A, B e C, integralizadas as
proceder a qualquer exame sobre o da série A a vista, no ato da subscrição,
mérito do empreendimento económico e as demais em datas futuras, fixadas na
que a companhia deseja desenvolver escritura de emissão. Em emissões de
com os recursos captados com a emissão debêntures destinadas ao financiamento
dos títulos. de empreendimentos imobiliários (cons
Assim, a companhia tem liberdade trução de shopping centers, hotéis,
para proceder às emissões de debêntures hospitais etc.) tem sido utilizado o
que considerar convenientes. Não pode expediente, plenamente lícito, de emitir-
porém a companhia efetuar nova emis se várias séries de debêntures, cuja
são antes de colocadas todas as debên subscrição ocorre de forma vinculada ao
tures de séries anteriormente emitidas, cumprimento do cronograma de execu
ou antes de canceladas as séries não ção das obras.
colocadas (§ 3.° do art. 59).
7. Registro na CVM da emissão pú
6. Subscrição a vista ou parcelada blica de debêntures
Nos termos do art. 19, da Lei 6.385/ verdadeiro controle de qualidade com
76, que disciplina o mercado de capitais, relação às companhias abertas e aos
toda e qualquer emissão pública de valores mobiliários de sua emissão;
valores mobiliários deve ser registrada ademais, a disponibilidade das informa
na Comissão de Valores Mobiliários, ções relevantes sobre os negócios das
previamente à sua distribuição no mer companhias coloca os investidores em
cado.8 Assim, a companhia, para proce posição de relativo equilíbrio frente aos
der à emissão pública de debêntures, acionistas controladores e administrado
que constituem valores mobiliários para res da companhia.9
os efeitos da Lei 6.385/76, deve regis
trar a referida emissão na CVM. Nos 8. Poder vinculado da CVM para
termos expressos do art. 4.°, parágrafo aprovar o registro
único da Lei das S.A., somente os
valores mobiliários das companhias No Direito Comparado, assim como
registradas na CVM, ou seja, das com em nosso sistema legal, a atuação da
panhias abertas, podem ser objeto de entidade fiscalizadora do mercado de
distribuição no mercado e de negociação capitais concentra-se na promoção do
em Bolsa de Valores e no Mercado de processo de disclosure', assim, não se
Balcão. comete ao Estado o poder de aprovar
O registro da emissão pública de ou recusar o registro de uma emissão
debêntures objetiva basicamente prote pública de ações ou debêntures por
ger os tomadores dos valores mobiliá razões de conveniência, oportunidade ou
rios, impondo à companhia a obrigação mérito do empreendimento económico.
de prestar as informações previstas na O princípio básico da política de
lei e na regulamentação administrativa disclosure é de que o exame do mérito
da CVM. do empreendimento cabe unicamente
Nos termos da Lei 6.385/76 (art. 19, aos investidores; uma vez conveniente
§§ 6.° e 7.°, e art. 20), cabe à CVM mente informados, podem decidir cons
subordinar o registro de emissão de cientemente se desejam ou não adquirir
valores mobiliários à divulgação das os valores mobiliários publicamente
informações necessárias à proteção dos ofertados pela companhia.
investidores. Ou seja, considera-se, em O princípio do disclosure, como ins
nosso sistema legal, que a transparência trumento de proteção aos consumidores
de informações (o disclosure do direito de produtos distribuídos em massa, como
norte-americano) constitui a melhor são os títulos vendidos no mercado de
forma de se prevenir abusos e fraudes capitais, foi originalmente desenvolvido
que poderiam ser cometidas contra os nos Estados Unidos. Já em 1914, o
investidores. então Ministro da Suprema Corte daque
O disclosure, com efeito, permite aos le país, Louis D. Brandeis, pregava, para
investidores do mercado, a partir da o mercado de capitais, uma regulamen
análise das informações, exercer um tação inspirada no Pure Food Law, nos
termos da qual os fabricantes de alimen
(8) A Resolução n. 1.777, no Conselho Mone
tos ficavam obrigados a divulgar os
tário Nacional, de 19/12/90, dispõe, no
mesmo sentido, em seu art. l.° que a
emissão de debêntures para subscrição (9) Eddy Eymmersch. L 'Information Societaire,
pública, prevista no art. 52, da Lei 6.404, in Convcgno Intcmazionale di Studi sull
de 15.12.76, dependerá de prévia anuência Informazione Societária, Foundazione
da Comissão de Valores Mobiliários. Giorgio Cini, Veneza, 1981, p. 14 ss.
42 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL ---- 101
eficácia de seu ato e cabendo ao Poder Com relação aos meios utilizados
Judiciário decretar a sua nulidade. pelo emissor, verifica-se que foram eles
elencados no § 3.° do art. 19 da Lei
9. Caracterização legal da emissão 6.385/76. Assim, caracterizam a emis
pública de debêntures são pública: 1. a utilização de listas ou
boletins de subscrição, folhetos, pros
A diferenciação entre a emissão pri pectos e outros documentos de publici
vada e a emissão pública de valores dade, bem como anúncios destinados ao
mobiliários não foi fixada de maneira público, por intermédio da imprensa; 2.
sistemática e precisa em nossa legisla a procura dos subscritores realizada por
ção. empregados do emissor ou por agentes
Na realidade, a Lei 6.385/76, ao invés ou corretores contratados pelo emissor;
de estabelecer uma distinção conceituai 3. a negociação feita em loja, escritório
entre a emissão privada e a emissão ou estabelecimento aberto ao público,
pública de valores mobiliários limitou- desde que precedida da utilização, pelo
se a enunciar algumas hipóteses em que ofertante, de serviços públicos de comu
se caracteriza esta última, repetindo, nicação.
aliás, as confusões terminológicas exis Os meios utilizados pela emissora
tentes na vigência do § 2.°, do art. 16, para a colocação dos papéis, que carac
da Lei 4.728/65, que regulava a matéria terizam a emissão como pública, estão
até o advento da Lei 6.385/76." elencados exemplificativamente no § 3.°
Nos termos do § 3.°, do art. 19, da Lei do art. 19, da Lei 6.385/76. Quaisquer
6.385/76, caracterizam a emissão pública outros instrumentos de apelo à poupança
de valores mobiliários: 1. a utilização de popular, desde que não estejam indivi
listas ou boletins de venda ou subscrição, dualizados os ofertados, podem também
folhetos, prospectos ou anúncios destina ser considerados como caracterizadores
dos ao público; 2. a procura de subscritores da emissão pública.
ou adquirentes para os títulos, por meio O ofertante é, em regra, a companhia
de empregados, agentes ou corretores; 3. emissora dos títulos. Também são con
a negociação feita em loja, escritório ou siderados ofertantes as pessoas físicas
estabelecimento aberto ao público, com (como os agentes autónomos de inves
a utilização dos serviços públicos de timentos) ou jurídicas (como as institui
comunicação. ções financeiras aptas a atuarem como
A caracterização de uma emissão underwriters) contratadas pela emissora
como pública ou privada, conforme a para venderem os valores mobiliários ao
doutrina, deve levar em consideração público.
três elementos básicos: 1. o ofertante; 2. Equiparam-se à companhia emissora,
os destinatários da oferta; 3. os meios nos termos do § 2.°, do art. 19, da Lei
utilizados pelo ofertante para a coloca 6.385/76: 1. o acionista controlador da
ção dos títulos.12 companhia, ou pessoa por ele controla
da; 2. o co-obrigado nos títulos; 3. as
instituições financeiras integrantes do
Sobre a matéria: Ariadna Bohomolctz Gaal. sistema de distribuição de valores mobi-
Da Caracterização da Emissão Pública de
Valores Mobiliários: uma análise compa
rativa. Rio de Janeiro, 1982, Dissertação de Nelson Eizirik: Aspectos Modernos do Di
Mestrado para o Departamento dc Ciências reito Societário, cit. p. 15; Caracterização
Jurídicas da PUC-RJ. jurídica da emissão pública de valores
(l2) Samuel F. Linarcs Brctón. Operaciones de mobiliários. Revista dc Direito Mercantil,
Bosa. Buenos Aires, Dcpalma, 1980, p. 53; v. 83, p. 55.
44 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL ---- 101
liários; 4. qualquer pessoa que tenha Além dos dois elementos anterior-
subscrito os valores mobiliários para o mente mencionados, há que se perquirir
fim de colocá-los no mercado. sobre a qualificação dos ofertados.
Já os destinatários da oferta consti Considera-se que podem ser entendidas
tuem o elemento decisivo para a carac como privadas aquelas emissões que são
terização da emissão como pública ou colocadas apenas junto a investidores
privada. Com efeito, para distinguir-se sofisticados, com elevado poder de bar
a emissão privada da pública, deve-se ganha frente à emissora e plenamente
analisar a situação dos destinatários da capazes de assumirem conscientemente
oferta, tendo em vista quatro elementos os riscos do empreendimento. Assim,
essenciais: 1. o fato de serem eles, por vendas realizadas unicamente para um
ocasião do lançamento da oferta, pesso reduzido número de investidores insti
as indeterminadas; 2. o fato de inexis- tucionais ou instituições financeiras,
tirem vínculos entre eles e a emissora; altamente sofisticados, que podem até
3. a sua qualificação como investidores mesmo condicionar a subscrição dos
sofisticados ou não; 4. o acesso que têm títulos a eventuais modificações nas
às informações sobre a emissora, inde condições originalmente planejadas pela
pendentemente do registro na CVM. emissora, devem ser consideradas emis
Inicialmente, considera-se que um dos sões privadas, ainda que nelas presentes
traços caracterizadores da oferta pública os meios de colocação elencados no §
é o fato de ser ela dirigida a pessoas 3.°, do art. 19, da Lei 6.385/76.
indeterminadas, ou seja, não individua Deve também ser considerada como
lizadas.13 Quando a oferta é realizada, privada, dispensado conseqúentcmente
há uma indeterminação dos destinatá o registro na CVM, a emissão na qual
rios, qualquer pessoa podendo aceitá-la; os destinatários têm acesso a informa
na emissão pública existe, por definição, ções do mesmo tipo que teriam caso a
emissão fosse objeto de registro. Como
oferta dirigida à generalidade dos indi
o registro tem uma natureza basicamen
víduos.
te instrumental, se os investidores estão
No caso da emissão pública, em
de posse de informações que lhes per
segundo lugar, inexistem quaisquer vín mitem uma tomada de decisão conscien
culos entre a companhia emissora e os te, não há porque obrigar-se a emissora
destinatários da oferta. Quando a subs a proceder ao registro na autoridade
crição dos valores mobiliários decorre governamental, com custos desnecessá
do exercício do direito de preferência rios.15
(subscrição de ações ou debêntures con
versíveis em ações por acionistas da 10. Taxa de registro da emissão pú
companhia) não se pode cogitar de blica de debêntures
emissão pública, dado o relacionamento
já existente entre a emissora e os
Nos termos do art. l.°, da Lei n.
subscritores, sendo, portanto, desneces
7.940, de 20.12.89, foi instituída a Taxa
sário o registro na CVM.14 de fiscalização do mercado de valores
mobiliários. Dispõe o art. 2.° da mesma
(,3) Modesto Carvalhosa. Oferta Pública de Lei que constitui fato gerador da Taxa
Aquisição de Ações. Rio de Janeiro, IBMEC,
1979, p. 23.
<I4) Parecer da Superintendência Jurídica da (l5) Cari Schneider. The Statutory Law ofPrivate
CVM n. 005/86; Nota Explicativa CVM n. Placements. The Review of Securities
19/80 Regulation, v. 14, 1981.
DOUTRINA 45
tuída pela Lei 7.940/89, uma vez que Caracterizada a emissão pública sem
não estaria caracterizada qualquer vio registro, a CVM pode determinar a
lação ao art. 77 do Código Tributário instauração de inquérito administrativo
Nacional e ao art. 145, § 2.° da Cons para apurar a responsabilidade discipli
tituição Federal.17 nar das pessoas envolvidas, como os
administradores e acionista controlador
da companhia, instituições underwriters
11. Conseqiiências da falta de registro etc.
na CVM
12. Participação obrigatória de insti
Caracterizada determinada emissão de tuição financeira underwriter na emis
debêntures como pública, deve ser ela são pública
(,6) Hely Lopes Mcirellcs. Finanças Munici
pais. São Paulo, RT, 1979, p. 12. Nenhuma emissão pública de debên
<l7) Tribunal Federal da 5.a Região, Apelação tures pode ser realizada sem a partici
em Mandado de Segurança n. 5.585, julgada pação de uma instituição financeira
em 31.3.92; Tribunal Regional Federal da atuando como underwriter. Conforme as
5.* Região, apelação cm Mandado de Se disposições dos arts. 82 e 176, § 5.°, da
gurança n. 2.367, julgada em 29.2.92;
Tribunal Federal Regional da 5a Região,
Apelação cm Mandado de Segurança n. (,8) Parecer n. 88/79, da Superintendência Ju
2.893, julgada em 6.7.91. rídica da CVM.
46 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL --- 101
94) pretendendo que também o art. 134, pois, para sua real compreensão, dentro
III, do CTN se aplicaria iguaimente aos do contexto axiológico daquela norma»
diretores de empresa, por serem eles ou seja, qual o padrão de comportamen
administradores de bens de terceiros. to do diretor, gerente ou representante
Essa concepção peca por afrontar que a lei quis categorizar como grave
desde o início o próprio conceito da mente ofensivo à ordem tributária, de
pessoa jurídica e de seus diretores, pois um modo tal que se desconsiderasse a
estes não são em rigor jurídico, como pessoa jurídica e se o atingisse pesso
administradores, terceiros em relação a almente.
ela, mas sào os seus próprios órgãos A imediata pergunta que decorre dessa
exteriorizadores de sua vontade, os normatividade é se o não-pagamento, a
“presentantes” do ente abstrato, societá falta de recolhimento dos tributos devi
rio, como queria Pontes de Miranda. dos, a inadimplência da sociedade na
Assim, o art. 134, III, se destina e satisfação de suas obrigações de paga
objetiva aos gestores comuns de bens de mento de tributos configura uma “infra
terceiros, pelas vias contratuais de uso, ção legal”, de modo a acarretar a res
donde sua responsabilização objetiva, ponsabilização dos diretores ou gerentes
independente de culpa, pelos tributos ou representantes.
imputáveis a esses representados. E por isso que falamos acima na
O absurdo seria, com desvio de apro vagueza da expressão “infração legal”,
priação técnico-jurídica, extrapolar esse pois que, em extremo rigor, não pagar
preceito aos diretores de sociedades, um débito fiscal na data devida, é um
deferindo-lhes responsabilização, sem descumprimento, e pois uma infração, à
culpa, sem desvio de poder, sem infra lei que assim determina. Mas, não pagar
ção legal, pelos ónus tributários da uma obrigação comercial qualquer no
empresa. seu vencimento também é uma ofensa
Definitivamente, pois, é apenas no à lei, em sentido lato, com todo ato não
art. 135, III, que o CTN concede trato cumpridor de ditames legais ou
à responsabilidade dos diretores de obrigacionais é infrator da lei, até do
sociedades, e aí se demanda para tal as princípio genérico que determina cum
condições necessárias referidas no caput primento das obrigações.
do artigo. É então que vemos como contempla
A esse respeito, a principal questão do nessa norma matriz do art. 135, do
I se circunscreve à efetiva determinação CTN o princípio de que, a infração à
do que representa a infração legal, uma lei que configure um “ato ilícito” estrito
das condições que a lei estabeleceu para senso, esta sim qualifica e proporciona
que surja a responsabilidade do diretor, a responsabilidade dos diretores, geren
gerente ou representante. tes e representantes.
Sim, porque mais fácil será se deli Pois de outra forma teríamos desapa
mitar onde há a prática de atos com recida a natureza das sociedades de
excesso de poderes, ou afronta aos responsabilidade limitada, e a distinção
estatutos ou ao contrato social, pelos arcaica, clássica, entre a pessoa jurídica
termos necessariamente definidores des e as pessoas físicas que a compõem e
ses atos societários, onde se fixa até a dirigem, pois que o simples não-
onde os representantes das pessoas ju pagamento de débitos, tributários e outros
rídicas podem agir. da sociedade, configura um deslize
Mas, “atos praticados” com “infração comercial, mas não propriamente um
de lei”, já é um conceito delimitador um ilícito, e suas seqiielas ficam, pois,
tanto difuso, que precisa ser entendido, limitadas à própria pessoa jurídica.
52 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL ---- 101
dade dolosa entre ato seu e a elisão Se, e somente se os dirigentes, con
tributária. troladores ou representantes das empre
Melhor decidiu o TJSP (acórdão da sas houverem agido de modo estrita
12.a C. Cível, 31.8.82, ADV n. 7.181). mente ilícito no trato da matéria em
“Sem prévia demonstração, em pro questão, afrontando a lei o contrato
cesso judicial ou administrativo, de que social ou estatuto — cometendo fraude
ocorreu ato irregular do sócio, não pode ou sonegação fiscal em termos claros e
este ter seus bens penhorados em pro estritos — serão eles igualmente respon
cesso de execução contra a sociedade”. sáveis por tais débitos.
Em igual sentido o TJMS (acórdão Para isso, ao autuar a sociedade, o
unânime do T. Cível em 10.5.82, ADV credor tributário deve necessariamente
n. 6.562). estender a autuação a seus dirigentes, se
“Os bens particulares dos sócios das sinais houver desde logo desses ilícitos,
sociedades por cotas de responsabilida de modo a que no ensejo do procedi
de limitada ordinariamente não respon
mento administrativo — que afinal vai
dem pelas dívidas sociais, salvo se, em
conceder poder de inscrição e título
sendo eles gerentes, se houverem con
duzido com excesso de poderes, com executivo ao crédito fiscal — essa res
violação da lei, do contrato ou do ponsabilização fique apurada.
estatuto; por isso não se justifica tam Aí sim, a execução fiscal, processo
bém a penhora sobre tais bens”. judicial revestido de qualificações de
Em síntese, o credor tributário, credor eficácia e de força próprios à demanda
estatal, a princípio corre o mesmo risco compulsória das prestações tributárias,
que qualquer um de nós, credor comum, poderá ser dirigida contra a sociedade
corre em relação aos débitos comuns, e contra esses terceiros envolvidos, pela
quanto aos débitos que as empresas gestão ilícita, na insatisfação dos débitos
(débitos tributários) têm para com ele. fiscais.
i
DOUTRINA
í
DOUTRINA 59
O art. 45 da Lei 6.404 não fala em Dessa forma, o art. 45 determina que
qualquer avaliação do património líqui o valor de reembolso, salvo previsão
do a preços de mercado, mas sim, em diversa no estatuto da companhia, deve
valor de património líquido das ações. ser calculado com base no valor do
A avaliação a preços de mercado toma- património contábil, operação esta mui
se perigosa, pois impede que todos to mais simples e segura para os acio
tenham conhecimento de quanto a com nistas e a companhia, do que a avaliação
panhia deverá pagar aos acionistas dis do valor das ações a preços de mercado.
sidentes, antes que se realize a avalia Procedendo desta forma, toma-se mais
ção. Tal indefinição prejudica o acionis fácil imaginar quanto será pago pela
ta minoritário, que, desconhecendo o companhia aos minoritários dissidentes
valor que poderá vir a receber, não terá e conseqúentemente avaliar se, para ela,
certeza se a retirada será conveniente. a deliberação foi vantajosa ou não. Se
E também afetará a companhia, pois não foi vantajosa, pode reconsiderar sua
esta não conseguirá estimar o seu inte decisão anterior e desistir da operação
resse em reconsiderar a decisão anterior- anteriormente aprovada. O mesmo raci
mente tomada.10 Além disso, se o valor ocínio é válido para os acionistas que
de reembolso correspondesse ao valor optaram por exercer o direito de retira
de mercado das ações, talvez muitos da.
dissidentes saíssem da companhia com Em um país com uma economia
lucro, o que poderia favorecer uma inflacionária como a nossa, toma-se
atuação dos minoritários contra os in imperativo corrigir-se monetariamente
teresses sociais. qualquer dívida, seja de valor ou de
Na realidade, o § 2.° do art. 15 da dinheiro, sob pena de possibilitar um
Lei 6.404 fala em um “balanço” espe enriquecimento ilícito por parte do
cial, mas esse nada tem em comum com devedor e em detrimento do credor.”
O acionista dissidente permanece sócio
a avaliação do valor das ações a preços
da companhia até o pagamento total do
de mercado. A lei, com esta medida, valoj do reembolso e como tal, continua
procurou solucionar o problema da com seus direitos políticos ou de natu
correção monetária, permitindo que o reza patrimonial.
acionista dissidente requeira um balanço Assim, como sócio, tem direito à
atualizado, no caso da deliberação ter correção monetária total do valor de
ocorrido a mais de sessenta dias do suas ações, desde o momento em que
último balanço aprovado. Nestes casos suas ações foram avaliadas até o mo
a companhia deverá pagar imediatamen mento do pagamento do seu reembolso,
te ao acionista 80% do valor do reem conforme decisão do Supremo Tribunal
bolso calculado com base no último Federal, no julgamento do RE n.
balanço e, depois de levantado o balan 108.188-SP,12 e também conforme deci
ço especial deverá, então, pagar os 20% são unânime da 2.a Câmara Civil do
restantes no prazo de cento e vinte dias, Tribunal de Justiça de São Paulo.13
a contar da data da deliberação da
assembléia-geral, conforme determina a Mello Franco, Vera Helena de, A correção
lei e conforme orientação da Comissão monetária no valor de reembolso do reces
de Valores Mobiliários no Parecer da so societário, Revista de Direito Mercantil,
Superintendência Jurídica n. 93/78. S. Paulo: RT, n. 89, p. 83.
(l2) Revista Trimestral de Jurisprudência, n.
123, p. 658.
(l0) Comparato, Fábio Konder, obra já citada, (,3) “Transpostas essas questões prévias, cum
p. 227. pre examinar os pontos substanciais da lide.
68 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL ---- 101
<20) Machado, Rubens Aprobato, obra já citada, de 1976 (...). A grande discussão que
p. 57. perdurou foi se o direito de retirada estava
(2,) “o Colegiado da Comissão de Valores mantido ou não. A CVM entende que sim.
Mobiliários (CVM) defendeu o direito de Segundo seu diretor, José Arthur Escodro,
retirada dos acionistas minoritários dissi a CVM seguiu “o princípio de que uma lei
dentes da incorporação da Sulina Alimentos específica não é revogada por uma lei
S.A. pela Perdigão Agroindustrial S.A. A geral. No caso, a lei trata da questão em
decisão foi tomada em reunião do Colegiado, um capítulo específico pois o direito está
realizada em outubro, e comunicada, na inserido no art. 230. O fato gerador está
terça-feira, ao representante dos minoritários, no 230”. Tanto a área técnica como o
Arthur Celso Dias de Souza, da corretora Colegiado da CVM concordaram nesse
Dias de Souza. Na mesma reunião, a CVM ponto, pois, anteriormente, a superintendên
também se posicionou favoravelmente ao cia de relações com empresas já havia se
direito de recesso dos minoritários dissiden pronunciado a favor dos minoritários da
tes da ação parcial da Panex S.A. (...) A Sulina”. (Grifos meus) Carvalho, Maria
Perdigão, ao negar o direito de retirada aos Christina, CVM defende direito de retirada
minoritários, baseou-se na Lei Lobão, a Lei dos acionistas, jomal Gazeta Mercantil, 21
7.958, de dezembro de 1989, do senador de novembro de 1991.
Edison Lobão. Essa lei suprimia o direito (22) Apelação Cível n. 116.737-1, decisão
previsto no art. 137, que se referia ao 136, publicada no “Minas Gerais” de 26 de
da Lei das Sociedades Anónimas, a 6.404, setembro de 1991.
DOUTRINA 71
(doze por cento ao ano), se constituía meio de títulos de crédito rural (Dec.-
na taxa máxima referida pelo Dec. lei 167/67), os juros poderão ser capi
22.626/33. talizados, na forma prevista no art. 5o
do referido decreto-lei.
29. O decreto rompia a plena liber
dade de fixação de juros, observada pelo 33. Fato é que a capitalização de juros
Código Civil e, já bem antes, pelo é, de regra, proibida, punida na forma da
Código Comercial, inaugurando um legislação vigente, salvo as expressas
longo período de intervenção estatal na exceções legais, ou se o Conselho Mo
fixação das taxas de juros e abrindo um netário Nacional deliberar diversamente
longo debate em tomo da aplicação de ao disciplinar determinadas linhas ou
suas regras às operações das instituições operações creditícias, no exercício da
financeiras, tudo se complicando pela competência que lhe outorgou a Lei
paulatina instalação, mais tarde, de uma 4.595/64.
crónica e ascendente inflação.
34. No rastro do Dec. 22.626, veio a
3.1.3 O anatocismo Lei 1.521, cie 26.12.1951, elencando
crimes e contravenções contra a econo
30. Além disso, ficava proibido, tam mia popular, dentre os quais o crime de
bém, o anatocismo, acima já referido, e usura pecuniária ou real, configurado
que se consubstancia na cobrança de quando se cobrar juros, comissões ou
juros dos juros, ressalvando o decreto a descontos percentuais, sobre dividas em
possibilidade da acumulação de juros dinheiro, superiores à taxa permitida por
vencidos aos saldos líquidos em conta lei, prevendo, como punição, pena de
corrente de ano a ano, como previsto no detenção de seis meses a dois anos, além
art. 253 do Código Comercial. Por si de multa (art. 4.°, a).
metria ou extensão da norma, passou-
se a admitir a capitalização ânua. Por 3.1.4 A proibição da “cláusula ouro”
outro lado, nunca foi proibido, uma vez
recebidos juros por períodos menores de 35. Buscando a proteção da moeda
um ano, se contassem juros do seu nacional e tomar efetivo o seu curso
reempréstimo. forçado, o Dec. 23.501, de 27.1 1.1933,
declarou nula qualquer estipulação de
31. A proibição do anatocismo perma pagamento em ouro ou moeda estrangei
nece em vigor até hoje, embora não se ra. Essa disposição rompia com a tradi
negue ao Conselho Monetário Nacional, ção do nosso direito, firmada tanto no
órgão governamental criado bem depois Código Comercial (art. 431, § 4) quanto
da edição do decreto sob comento, com no Código Civil (art. 947, § l.°). Essa
petência para dispor sobre a matéria, iniciativa do Governo Provisório seguia
dentro de sua ampla competência para uma tendência mundial, principalmente
disciplinar o crédito bancário em todas após a conhecida crise de 1929 de con
as suas modalidades, as operações sequências tão graves para o mundo. A
creditícias em todas as suas formas e exposição de motivos do decreto invo
limitar as taxas de juros, como oportu cava a posição de outros países, anteri
namente, neste trabalho, será analisado. ores e no mesmo sentido da tomada por
aquele diploma legal.
32. Nos financiamentos rurais conce
didos pelas instituições integrantes do 36. Daí em diante, a política mone
sistemas nacional de crédito rural, por tária em relação à proibição da estipu-
DOUTRINA 83
tado legal (limitar sempre que necessá ção. Contrariamente, quando ela se
rio...}. valoriza em face também do conjunto
de bens e serviços ofertados pela eco
49. O tema foi agitado na doutrina e nomia, identificamos a ponta inversa do
na jurisprudência. As decisões entre os fenômeno inflacionário, denominado pela
tribunais estaduais conflitavam-se, rei ciência económica de deflação. Se a
vindicando a pacificação necessária para deflação, como ocorre neste segundo
a segurança do sistema, até que o semestre de 1995 no Japão, é um fenô
Supremo Tribunal Federal aplainou a meno raro para a Economia, a inflação
matéria através da Súmula 596, com a tem-se mostrado uma constante ao lon
seguinte ementa: go da História. Há períodos de completa
"As disposições do Dec. 22.626/33 desestabilização de um determinado país,
não se aplicam às taxas de juros e aos ou de uma determinada região, em que
outros encargos cobrados nas opera a inflação assume proporções alarman
ções realizadas por instituições públicas tes, caindo na anarquia económico-fi
ou privadas, que integram o sistema nanceira chamada de hiperinflação, como
financeiro nacional". ocorreu em diversos países da Europa,
no entreguerras (Alemanha, Polónia,
50. Outra discussão com vista a rom Hungria), ou, em anos recentes, na
per a camisa de força imposta pelo Dec. Argentina, chegando o Brasil, recente
22.626 — adequado, talvez, ao ano em mente, ao seu limiar. De ordinário, a
que editado, mas descompassado da inflação tem-se, repita-se, mostrado um
nova realidade nacional, principalmente fenômeno persistente, já crónico mes
face à nossa inflação crónica e elevada mo, porém num nível plenamente acei
—, travou-se em tomo da correção tável pelas economias realmente está
monetária. veis.
52. Convivendo com uma inflação
4.1.1 A correção monetária crónica, manifestada ao longo de déca
das, principalmente a partir da segunda
51. A correção monetária busca cor metade dos anos cinqiienta, com perío
rigir o desgaste que a inflação causa no dos de grande aceleração (primeira
poder de compra da moeda. A moeda metade da década de sessenta e a partir
de valor estabilizado pode eventualmen dos anos oitenta), embicando, mesmo,
te perder o seu valor de compra em em direção à hiperinflação (da segunda
relação a determinados produtos ou metade dos anos oitenta até o primeiro
serviços em razão de fatores vários, semestre do ano passado), o Brasil criou
como a sazonalidade, o esgotamento de um mecanismo de convivência da eco
certa matéria-prima, ou declínio na oferta nomia com uma inflação alta e constan
de um determinado tipo de serviço; mas, te a que se denominou de correção
em contrapartida, pode, por razões in monetária. Se por um lado a correção
versas, valorizar-se frente a outros pro monetária possibilitava a convivência de
dutos ou serviços, realizando o jogo um certo crescimento económico com
normal e previsível de uma lei econó inflação alta, contrariando previsões
mica muito conhecida e denominada lei económicas tidas por sedimentadas, por
da oferta e da pocura. Todavia, quando outro lado, provocava uma certa leniência
a moeda se desvaloriza face aos bens para com tão enfermiço fenômeno que,
e serviços em geral, temos, aqui, o pelo seu lado mais perverso, atua como
fenômeno económico chamado de infla- elemento alimentador e perenizador do
86 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL ---- 101
63. Nesse ambiente económico con taxa artificialmente baixa de juros con
turbado, as autoridades governamentais duzir o país definitivamente para a
atuavam na ponta monetária da econo hiperinflação e frustrar qualquer tenta
mia, forçando mediante restrições de tiva séria de estabilização da economia
crédito e fortalecimento da cunha fiscal em razão da impossibilidade de se pra
a prática de juros altos, aumentando os ticar uma política monetária forte com
custos económicos internos, que se uma taxa de juros artificialmente baixa.
compensavam por forte proteção no
plano do comércio internacional, opon 67. Em razão disso, logo promulgada
do barreiras tarifárias ao ingresso de a Constituição de 1988, travou-se em
bens e serviços. todo País um ferrenho debate sobre a
possibilidade de aplicação imediata da
64. Cansada de tentativas de estabi norma constitucional limitativa da taxa
lização económica tão desastrosas, a de juros para o sistema financeiro, tema
sociedade como um todo passou a exigir que se passará a analisar, não sem antes
do Governo em geral um ataque às abordarmos uma modalidade de reajuste
causas reais da inflação, o que se vem das obrigações contraídas junto a ban
fazendo ao longo do últimos anos, cos, um misto de correção mais juros
embora de forma lenta, em face das moratórios, denominada de comissão de
resistências corporativas de toda ordem permanência.
e à leniência do nosso legislativo. Pa
rece que o país, finalmente, descobriu 4.1.2 A comissão de permanência
que o controle da inflação se dá por
ataque doloroso às suas causas básicas, 68. A comissão de permanência foi
e, não, por truques e “efeitos especiais”. criada através da Resolução n. 15, de
28.1.66, do Banco Central do Brasil, por
65. As considerações económicas decisão do Conselho Monetário Nacio
foram feitas para mostrar que o descon nal, autorizado que estava, como já
trole da economia e seu efeito mais vimos, pelos incs. VI e IX, do art. 4.°,
perverso — a inflação — empurraram da Lei 4.595/64. Esse normativo, várias
o País para a cobrança de taxas de juros vezes alterado, sempre por decisão do
sem precedentes, fato que abriu, há mais CMN, instituiu a comissão de perma
de dez anos, um grande debate nacional nência para remunerar as obrigações
sobre qual o nível adequado de taxas de vencidas e não pagas das instituições
juros do sistema financeiro. Esse debate financeiras. Correspondiam, assim, aos
levou os constituintes de 1988 a intro juros que os devedores em mora deve
duzirem na Constituição da República o riam pagar aos bancos enquanto os
estabelecimento de nível de taxa máxi títulos de sua responsabilidade perma
ma permitido para o sistema financeiro, necessem impagos na carteira.
sob a equivocada visão de que o pro
blema dos preços — e os juros são um 69. A sua legalidade foi submetida
dos preços da economia —, pode ser vezes sem conta à apreciação dos tri
contornado pelo controle administrativo bunais, resultando, ao final, proclamada
ou tabelamento. a sua legalidade, uma vez reconhecida
a competência do Conselho Monetário
66. Economistas das mais diversas Nacional, nos termos dos incisos acima
tendências foram acordes em condenar citados, para disciplinar o crédito em
o tabelamento constitucional dos juros todas as suas modalidades e estabelecer
e todos apontavam para o perigo de uma limites às taxas de juros.
DOUTRINA 89
70. Durante muitos anos, o Banco cia, muitas vezes vinculando o seu
Central divulgava, periodicamente, o percentual a, por exemplo, taxa média
percentual da comissão de permanência para operações da espécie praticadas por
a ser cobrado pelos bancos, mantendo, bancos tais e tais, ou pela maior taxa
pela taxa publicamente conhecida, a praticada pelo mesmo banco no período,
liquidez e certeza da obrigação a ela ou coisas desse jaez. A nosso ver, nesses
sujeita. casos, para a cobrança da comissão de
permanência em juízo haveria necessi
71. Por longo tempo, muitos bancos, dade de perícia para apurar a taxa —
confundindo, deliberadamente ou não, a isso quando possível! —, fato que retira
comissão de permanência com uma a liquidez e certeza da obrigação,
simples taxa de juros, costumavam in inviabilizando a via executiva.
troduzir cláusulas e seus financiamentos
prevendo a cumulação da correção 4.1.3 Limitação constitucional à taxa de
monetária contratada com a comissão de juros das instituições financeiras
permanência, caso o mutuário ou
comitente incorresse em mora. Como, 74 — A Constituição elaborada em
na verdade, a taxa da comissão de 1988 pela Assembleia Nacional Cons
permanência já trazia embutida a taxa tituinte dedicou, pela primeira vez em
da inflação, essa enormidade cometida nossa histórica constitucional, um capí
pelos bancos exasperava as obrigações tulo ao Sistema Financeiro Nacional.
de devedor, elevando a dívida a um Esse capítulo, o IV, está contido no
patamar muitas vezes insuportável. título VII, que trata da ordem económica
e financeira, e se constitui de um só
72. Embora tenha havido vacilações artigo, o de n. 192, composto de oito
jurisprudenciais no início, até mesmo incisos e três parágrafos. Diz o caput do
porque o Judiciário tardou a entender, artigo, verbis:
em extensão e profundidade, a real “Art. 192. O sistema financeiro na
dimensão da correção monetária, as cional, estruturado de forma a promo
cortes finalizaram por rejeitar a ver o desenvolvimento equilibrado do
cumulação da correção com a comissão Pais e a servir aos interesses da cole
de permanência, quando caracterizado tividade, será regulado em lei comple
que, nesta, aquela já estivesse embutida. mentar, que disporá, inclusive, sobre:”
Tendo o Supremo Tribunal Federal Em seguida, enumera nos oitos incisos
tardado em sumular a matéria, quando um elenco de matérias sobre que disporá
de sua competência fazê-lo, o fez o a lei complementar do sistema financei
Superior Tribunal de Justiça, novo ór ro nacional. Acontece que um dos pa
gão de homogeneização da jurisprudên rágrafos do art. 192, precisamente o §
cia pátria, através de Súmula n. 30, cuja 3.°, estabeleceu o seguinte, verbis:
ementa, é verbis: “As taxas de juros reais, nelas incluí
“A comissão de permanência e a das comissões e quaisquer outras remu
correção monetária são inacumuláveis nerações direta ou indiretamente refe
ridas à concessão de crédito, não po
73. De há muito, o Banco Central derão ser superiores a doze por cento
deixou de fixar a comissão de perma ao ano: a cobrança acima deste limite
nência. Apesar disso, muitos bancos será conceituada como crime de usura,
continuam introduzindo em seus contra punido, em todas as suas modalidades,
tos de mútuo a comissão de permanên- nos termos que a lei determinar.”
90 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL ---- 101
possa receber dos princípios constitucio 93. O Supremo Tribunal Federal, corte
nais, a sua incidência direta e imediata.17 de cúpula do sistema judiciário brasilei
ro, alçado pela própria Constituição de
89. Nem se diga que a matéria a ser 1988 à dignidade de corte eminentemen
tratada na futura lei complementar do te constitucional, procura julgar com a
sistema financeiro já estaria elencada melhor técnica jurídica possível, até
nos oito incisos do art. 192. É evidente pelo alto saber dos seus ilustres inte
que as matérias estão relacionadas nos grantes, mas sempre atento, como a
incisos não exaustivamente, pois, como história tem demonstrado, à gravidade
lembra Saulo Ramos, o art. 192 diz que das repercussões político-institucionais
lei complementar “disporá, inclusive, de seus arrestos, quando lhe submetidas
sobre...”. matérias das mais alta relevância polí
tica, social ou económica. A questão da
90. Todos esses fatores e outros não limitação constitucional da taxa de juros
mencionados, conduziram intérpretes foi uma dessas matérias cuja decisão
como Saulo Ramos a identificar o dis poderia, na visão de muitos, principal
positivo constitucional em discussão mente pelo diagnóstico traçado pelas
como um preceito constitucional de mais altas autoridades económicas go
integração, a reclamar, em caráter ne vernamentais, com o endosso isento de
cessário, a mediação legislativa concre- notáveis economistas, desestabilizar o
tizadora do comando nela positivado, quadro económico vivido pelo País,
não sendo, por isso, o parágrafo terceiro com repercussões insondáveis. Seria
exequível por si mesmo (self inforcing). natural que, ao apreciar a matéria, fos
sem ponderadas as consequências de sua
91. Como se vê, há argumentos decisão, razão por que, quaisquer que
ponderáveis tanto no sentido da imedia fossem os argumentos eminentemente
ta aplicação do parágrafo terceiro, quan técnico-jurídicos, o componente políti
to no sentido da necessidade de inter- co-institucional não fosse desprezado de
mediação de lei subconstitucional elevada ponderação. O fato é que o STF
integradora do seu comando, no dizer de poderia optar por qualquer das soluções
Celso Ribeiro Bastos. alvitradas (possibilidade de execução
imediata, ou não, do parágrafo terceiro),
92. As divergências doutrinárias não edificado, qual fosse a tese escolhida,
tardaram a chegar aos pretórios para em judiciosas razões de decidir.
uma decisão quanto a se poder aplicar,
sem a integração de lei complementar, 94. As normas, como se sabe, com
o limite constitucional aos juros, tendo- portam, não raras vezes, mais de uma
se registrado decisões divergentes entre interpretação. A teoria da interpretação,
como ser importante, não constitui uma
as mais diversas cortes de justiça do
idéia acabada nem dá todos os meca
País, até que a matéria, como não
nismos para uma perfeita compreensão
poderia deixar de ser, foi submetida à
da lei, ou seja, como diz Windscheid,
consideração do Supremo Tribunal Fe
“não é tanto uma ciência que possa
deral. ensinar-se, como uma arte que deve
aprender-se”.
(,7) Bastos, Celso Ribeiro, Comentários à
Constituição do Brasil (escrito em parceria 95. Em dilemas como esse, o Excelso
com Ives Granda da Silva Martins), v. 7,
art. 191, p. 445, Ed. Saraiva. Pretório poderia, como diz o jurisconsulto
DOUTRINA 95
conteúdo bem mais razoável. Ora, o mos do art. 9.°, II, da Portaria 346, de
texto constante do art. 9.°, II, da Portaria 3.7.85, que a decisão prolatada pela
346, de 3.7.85, é claro ao afirmar que Comissão de Valores Mobiliários, deter
o recurso de oficio é interposto no minando a remessa de inquérito ao
próprio ato que deixar de aplicar a arquivo, não se sujeita ao recurso de
penalidade. Portanto, nos termos do oficio.
texto legal., sujeitam-se ao recurso de
oficio os atos que deixarem de aplicar 2.3 Dos atos sujeitos ao recurso de
penalidades. Neste passo, força é relem oficio
brar que só deixa de aplicar penalidade
quem poderia fazê-lo e não o fez. Isto 17. Como já se viu, a interpretação
é, a faculdade de deixar de aplicar do art. 9.°, II, da Portaria 346, de 3.7.85,
penalidade é unicamente daquele que conduz à certeza de que as decisões
estava autorizado a aplicar determinada prolatadas pela Comissão de Valores
sanção, e? com base na lei, opta por não Mobiliários, na fase de inquérito, não se
o fazer. E este o exato sentido que tem sujeitam ao reexame obrigatório. Tal
o texto legal. Tendo alcançado este fato, por si só, seria suficiente para
entendimento teórico, há de se aplicar encerrar imediatamente o debate. Toda
as conclusões à questão prática da qual via, objetivando uma abordagem defini
se ocupa este trabalho. Vale dizer: o tiva sobre o assunto, necessário que se
despacho exarado pela Comissão de analise a questão sobre outros ângulos,
Valores Mobiliários determinando o de sorte a comprovar a exatidão da
arquivamento de um inquérito, é ato conclusão a que se chegou nos itens
procedimental onde a autoridade deixou anteriores. Para tanto, aconselha-se que,
de aplicar uma penalidade? inicialmente, se verifique se a decisão
prolatada pela CVM, em sede de inqué
15. A resposta à pergunta acima é, sem rito, tem natureza tal que permita seja
sombra de dúvida, negativa. O pronun ela objeto de recurso de oficio.
ciamento da Comissão de Valores Mo
biliários, que determina a remessa do 18. Para uma conveniente análise do
inquérito ao arquivo, não é ato onde se assunto, a pesquisa não poderá ficar
deixa de aplicar penalidade, posto que, restrita ao Direito Administrativo. Com
nesta fase do procedimento, o agente efeito, o instituto não é originário do
público não estava legalmente autorizado Direito Administrativo, que o tomou por
a aplicar qualquer sanção. De fato, quan empréstimo de outro ramo do direito.
do um dado inquérito, concluído por uma Destarte, é no ramo de Direito de onde
comissão, é enviado ao colegiado, este, se originou que se buscará compreender
à vista do relatório final poderá: a) que espécie de decisões submete-se ao
remeter os autos ao arquivo; ou b) reexame necessário.
intimar o indicado a apresentar defesa.
Verifica-se, então, que nesta fase não se 19. O recurso de oficio é instituto
permite à autoridade aplicar ou deixar de encontrado no processo comum. Surge
aplicar penalidades. Se assim o é, não ele no direito processual penal lusitano?
apresenta esta Ato Administrativo as Segundo consta, o instituto teria imigra
características necessárias para ensejar a do para o processo civil, por conta do
interposição de um recurso de oficio.
(3) José Frederico Marques. Instituições de Di
16. De todo o exposto, pode-se con reito Processual Civil. Rio de Janeiro,
cluir, a partir da interpretação dos ter- Forense, 1960, p. 364.
102 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL ---- 101
29. Isto posto, estribando-se na Teoria 32. Vê-se, pois, que a existência do
Geral do Processo, conclui-se que, no recurso de oficio está intimamente liga
presente caso, não seria próprio a pro- da à necessidade de que ações que
positura de recurso de ofeio. resguardem interesses relevantes para o
Estado ou Sociedade ganhem o status
2.4 Da razão para existência do recurso de coisa julgada, sendo atingida, pois,
de oficio pela imutabilidade, somente após terem
sido revistas por um órgão colegiado.
30. Como já se encontra demonstra Esta opinião é compartilhada por Alcides
do, decisões proferidas pela Comissão de Mendonça Lima,10 do qual meditando
de Valores Mobiliários determinando a a respeito da conveniência do chamado
remessa de inquéritos ao arquivo não recurso de oficio, assim se expressa:
“Com isso, previnem-se maiores pre
são objeto de reexame necessário. Os
juízos, mesmo sacrificando o possível
motivos que embasam tal conclusão
desfecho rápido, mesmo que a parte
encontram-se devidamente declinados
vencida — e presuntivamente a maior
nos itens precedentes. A despeito deste
lesada com a manutenção da sentença
fato, existem outros argumentos que
— se haja conformado com o resultado.
reforçam esta conclusão. Estas novas
Realmente, os órgãos do Ministério
ponderações em favor da tese do não
Público ou das Consultorias Gerais (da
cabimento do recurso de oficio em República, dos Estados, ou dos Muni
situações como a aqui tratada, têm como cípios, quando agem como verdadeiros
suporte argumentos ligados à finalidade “advogados” daquelas entidades públi
precípua do recurso de oficio, que cas), como fazia sentir João Monteiro,
passam a ser expostos. no lance transcrito, têm o dever de atuar
com lisura na fiscalização e vigilância,
31. Muitos tratadistas pátrios se dis sobretudo em tais processos. O Antepro
puseram a analisar a finalidade do re jeto do Código prescrevia que, “inter
curso de oficio. Por certo, uma das mais vindo como fiscal da lei, o Ministério
felizes abordagens é de Pontes de Público (...). III — apelará da sentença
Miranda9 que, em lição magistral, ensi que anular o casamento” (art. 92). Desde
na: o Projeto que o inciso foi suprimido,
A exigência do duplo grau de juris situação mantida no texto definitivo.
dição derivou de se entender que se Entretanto, o dispositivo era inócuo,
precisa evitar, por motivo objetivo (art. porque seu não cumprimento deixava de
475, I) ou subjetivo (art. 475, II e III), atingir a finalidade da lei: evitar o
que um só juiz ou corpo julgador profira trânsito em julgado se não reexaminada
a sentença. Uma dessas espécies ligada a sentença em grau superior. Na ver
à matéria, ao objeto, é a das ações de dade, se por descuido, negligência, ig
inexistência, nulidades ou anulação de norância ou causas ocultas de improbi
casamento. Pareceu perigoso ao legisla dade (forçado por contingências do poder
dor que tais ações pudessem ter senten económico ou político-partidário; coa
ça transitada em julgado se só um juiz ção moral; vinculações escusas etc.), o
foi o prolator (grifo nosso). agente deixa de usar o recurso que a lei
<9) Pontes de Miranda. Comentário ao Código (10) Alcides de Mendonça Lima. Introdução
de Processo Civil. Rio de Janeiro, Ed. aos Recursos Cíveis. 2.“ cd., S. Paulo, Ed.
Forense, 1974, Tomo V, p. 216. RT, 1976, p. 192/193.
ATUALIDADES 105
mostra-se sem sentido querer ser impor primeiro caso, isto é, se houvesse co
um recurso de oficio contra decisão que incidência entre o posicionamento da
determina o arquivamento de inquérito. Comissão de Valores Mobiliários e do
Ou seja: se uma das finalidades do Conselho de Recursos do Sistema Finan
recurso de oficio é se evitar a criação ceiro Nacional nenhum tipo de celeuma
de decisões materialmente imutáveis, sugiria. A decisão seria confirmada e os
sem que antes um órgão colegiado autos remetidos ao arquivo. Contudo,
analise o assunto, não haveria razão para tome-se por hipótese a possibilidade de
que decisão prolatada em simples inqué Conselho de Recursos do Sistema Finan
rito, a qual, como já concluiu, não ceiro Nacional discordar do posiciona
impede a Administração voltar a exami mento da autoridade a quo. Que alter
nar os fatos, sujeite-se ao reexame nativas restariam ao órgão ad quem?
necessário.
39. Desde logo, afaste-se a possibi
36. Isto posto, também sob este as lidade do Conselho de Recursos do
pecto, demonstra-se sem qualquer fun Sistema Financeiro Nacional aplicar qual
damento advogar-se a obrigatoriedade quer penalidade aos eventuais recorri
das decisões proferidas pela Comissão dos de oficio. De fato, não tendo sido
de Valores Mobiliários em inquérito estes intimados a apresentarem defesa,
sujeitaram-se ao reexame necessário. eventual condenação seria classificada,
no mínimo, com arbitrária. Neste passo,
2.5 Da impossibilidade do CRSFN de a lição de Hely Lopes Meirelles:12
terminar a devolução do inquérito à “Garantia de defesa: o princípio da
CVM garantia de defesa, entre nós, está as
segurado no inciso LV do art. 5.° da CF
37. Até o momento vem-se tratando justamente com a obrigatoriedade do
do não cabimento do recurso de oficio, contraditório, como decorrência do de
em decisões prolatas, em inquérito pela vido processo legal (CF, art. 5.°, LIV),
Comissão de Valores Mobiliários, deter que tem origem no due process of law
minando seu arquivamento. Crê-se que - do Direito anglo-norte-americano.
não resta qualquer controvérsia a este 'Por garantia de defesa deve-se enten
respeito. Todavia, no intuito de seu der não só a observância do rito adequa
esgotar todos os aspectos polêmicos que do como a cientificação do processo ao
a temática oferece, mister se faz exami interessado, a oportunidade para contes
nar a competência do Conselho de tar a acusação, produzir prova de seu
Recursos do Sistema Financeiro Nacio direito, acompanhar os atos de instrução
nal para conhecer de recurso de oficio e utilizar-se dos recursos cabíveis. (...).
como o ora estudado, caso ele fosse Processo administrativo sem oportu
cabível. E o ponto que passa a ser nidade de defesa ou com defesa cercea
ferido.
da é nulo, conforme têm decidido rei-
teradamente nossos Tribunais judiciais,
38. Na hipótese de um recurso de
confirmando a aplicabilidade do princí
oficio, com as características supra, ser
pio constitucional do devido processo
recebido pelo Conselho de Recursos do
legal, ou, mais especificamente, da
Sistema Financeiro Nacional, duas pos
garantia de defesa”.
sibilidades se apresentariam ao órgão:
concordar ou discordar das conclusões
da Comissão de Valores Mobiliários. No <12> Op. cit, p. 588.
ATUALIDADES 107
40. Neste mesmo sentido, as palavras que afronta o próprio texto constitucio
da Titular do Largo de São Francisco nal.
(FADUSP):'3
“Como, então, relacionar, os incisos 42. Certamente se dirá que o Conse
LIV e LV do art. 5.° da CF? lho de Recursos do Sistema Financeiro
Ana Lúcia Berbert Fontes afirma que Nacional poderia conhecer do recurso,
o texto de 1988 visou, com o inciso LV, determinando a continuidade do proce
garantir princípio do devido processo dimento contra os acusados. Conquanto
legal. Contudo, parece melhor dizer que tal se afiguraria uma solução plausível,
o inciso LIV especifica, para a esfera entende-se que a lei não atribuiu esta
administrativa, o devido processo legal, função ao Conselho de Recursos do
ao impor a realização do processo ad Sistema Financeiro Nacional. Realmen
ministrativo, com as garantias do con te, não há qualquer disposição no Dec.
traditório e ampla defesa, nos casos de 91.152, de 15.3.85, ou na Portaria 346,
controvérsia e ante a existência de de 3.7.85, onde este mister seja atribuí
acusados. No âmbito administrativo, do ao colegiado.
desse modo, o devido processo legal não
se restringe somente às situações de 43. Muito pelo contrário. As normas
possibilidade de privação de liberdades em vigor restringem a competência do
e de bens, mas abrange as hipóteses de Conselho à análise de penalidades. Veja
controvérsia ou conflito de interesses e que o Dec. 91.152, de 15.3.85, em seu
de existência de acusados. art. l.°, II, é claro ao dizer:
No concernente aos sujeitos, o devido “Art. l.°— Fica criado, no Ministério
processo legal significa o conjunto de da Fazenda, o Conselho de Recursos do
garantias que lhes são propiciadas para Sistema Financeiro Nacional, com a
tutela de posições jurídicas ante a finalidade de julgar, em segunda e úl
Administração. Sob o ângulo do poder
tima instância, os recursos interpostos
público consiste na obrigatoriedade de
das decisões relativas à aplicação de
atuar mediante processo em determina
das situações. penalidades administrativas previstas:
A combinação dos incisos LIV e LV
(...)
do art. 5.° resulta na imposição de II — no § 4.° do art. 11 da Lei 6.385,
processo administrativo que ofereça de 7.12.1976” (grifo nosso).
aos sujeitos oportunidade de apresen
tar sua defesa, suas provas, de con 44. Por sua vez, o art. 11, § 4.°, da
trapor seus argumentos a outros, Lei 6.385, de 7.12.76, dispõe:
enfim, a possibilidade de influir na “Art. 11 — A Comissão de Valores
formação do ato final. O devido pro Mobiliários poderá impor aos infratores
cesso legal desdobra-se, sobretudo, das normas desta lei, da lei das socie
nas garantias do contraditório e ampla dades por ações, das suas resoluções,
defesa, aplicadas ao processo admi bem como de outras normas legais cujo
nistrativo" (grifo nosso). cumprimento lhe incumba fiscalizar, as
seguintes penalidades: (...).
41. Como se vê, aplicar penalidade § 4.° — As penalidades só serão
sem garantir o direito de defesa é ato impostas com observância do procedi
mento previsto no § 2.° do art. 9.°,
(,3) Odete Mcdauar. A Processualidade no cabendo recurso para o Conselho Mo
Direito Administrativo. São Paulo, Ed. RT, netário Nacional, nos termos do regu
1993, p. 82. lamento por este aprovado.
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tanto pode ser prejudicial ao retirante, 33. Em suma, não resta dúvida de que
em casos de a cooperativa ter registrado as subscrições de capitai realizadas pelo
lucros, como pode ser lesivo à coopera cooperado devem lhe ser restituídas
tiva, e portanto aos cooperados rema devidamente atualizadas, quando de sua
nescentes, se tiverem ocorrido prejuízos retirada. Tal atualização, contudo, não
durante o período de permanência do há que ser feita simplesmente de acordo
demissionário. com a correção monetária plena, mas
também levando em consideração todos
32. Qualquer das situações menciona os lucros e/ou prejuízos sofridos pela
das no parágrafo anterior — restituição cooperativa desde o ingresso do coope
ao retirante de valor inferior ou superior rado, proporcionalmente a sua participa
ao que efetivamente corresponde sua ção no capital, de tal forma que o valor
quota-parte em relação ao património da a ele restituído corresponda fielmente ao
cooperativa — infringiria disposição valor patrimonial da participação cance
legal. lada.
vel a toda obrigação pecuniária, seja nas anos, deixa-se de cumprir a obrigação na
dívidas de valor, seja nas dívidas de dinheiro, exatas proporções de seu conteúdo económico,
pouco importando que no caso as cooperativas para fazê-lo apenas pelo que ela tem de
não exerçam atividade lucrativa, bastando que aparência externa, nominalmente, tendo em
seja económica, devendo apenas ter em conta contrapartida o enriquecimento sem causa
o capital formado e sua proporcionalidade com inevitável do devedor à custa do credor,
as cotas deste integralizadas. iniludivelmente imoral e injurídico.
A r. sentença, cujo relatório é adotado, Era compreensível alguma hesitação ou
julgou improcedente a ação e apela autora para timidez na aplicação irrestrita da correção
a reversão integral da solução dada, renovando monetária até mesmo ao tempo da edição da
os mesmos argumentos trazidos com a petição Lei 6.899/81, porque a inflação na ocasião
inicial. ainda não era alarmante, visto que controlada
O recurso foi recebido e impugnado. Há com mãos de ferro pelo Ministro Delfim Neto,
preparo anotado. que se gabava de mantê-la abaixo dos 225%
È o relatório. ao ano. E quando se vê vacilante a jurispru
dência, ora entendendo que devia haver sua
VOTO — Na Apelação Cível 231.113-2/3, previsão expressa no contrato ou quando só
de Marília, em que foi relator o Eminente estivesse autorizada em lei. Ora era abominada
Desembargador Luiz Tâmbara, consta do v. como algo estranho ao sistema jurídico, ora se
acórdão que a “A correção monetária nada procurava fazer distinções das obrigações que
mais significa que a reposição do valor da lhe estavam sujeitas das que não estavam,
moeda, corroída pela inflação, como meio de sempre, é claro, invocando tradicionais insti
troca por bens da vida e de extinção de tutos ou servindo-se dos conceitos jurídicos
obrigações. Rcpara-se e elimina-se, por ela, a existentes, embora mal ajustados porque, no
defasagem do valor aquisitivo da moeda cau fundo, a aplicação era apenas casuística.
sada pela demora no pagamento de uma dívida Todavia, o mesmo já não mais ocorre com
líquida e certa. Na síntese admirável do a inauguração dos governos civis, ocasião em
Eminente Ministro Athos Gusmão Carneiro, a que houve a explosão da inflação com toda
correção monetária não é um 'plus’ que se fúria, recrudescendo com uma vertiginosidade
acrescenta ao crédito, mas um 'minus’ que se espantosa, até chegar aos patamares que supe
evita”. ravam cm muito a casa dos 1.000% ao ano.
Também, no julgamento do agravo de ins Agora já revelava, ostensivamente, seus efeitos
trumento 49.028-9, dc São Paulo, D.J.U. de perversos, e diários, aos olhos até dos mais
16.3.94, p. 4.985, em que foi Relator o Mi leigos cm assuntos económicos e financeiros,
nistro Milton Luiz Pereira, do Egrégio Superior diferentemente dc outrora, quando só ao cabo
Tribunal dc Justiça, ficou assentado cm admi dc períodos mais longos, cerca dc um ano em
rável estilo que “o judiciário, ouvindo o eco média, tomava-se perceptível esse aviltamento
de indissociáveis fatos económicos, não olvi do poder dc compra da moeda, e ainda só aos
dando, sob pena de louvaminhar direito olhos mais sagazes.
desajustado e injusto, entre os estabelecidos, Desse modo, a correção monetária passou
possa escolher o índice mais apropriado para a fazer parte da vida económica do Brasil
confrontar a perversidade da inflação, causa como algo que lhe é essencial, tal como o
dora de danos à economia e às finanças do oxigénio o é ao ser vivo na Terra, e isso sob
cidadão, salvando-se dc ficar atrás de seu pena dc desmantelamento completo da econo
tempo, afogado na procela de acontecimentos mia nacional. Foi de modo tal modo arraigada
contemporâneos do litígio”. na vida social, que em todos os setores desta
O pensamento hoje dominante a respeito de exercia seus efeitos, nada, pois, lhe ficando à
qualquer obrigação jurídica dc prestação margem.
pecuniária, seja decorrente da lei, do contrato Tomou-se mesmo impossível diante de tal
ou de ato ilícito, seja, enfim, tida como dívida quadro fazer prevalecer o disposto no § 2.° da
de valor ou dc dinheiro, é que é aplicável a Lei 6.899/81, ou seja, a aplicação de correção
correção monetária sempre, que não acresce, monetária só a partir da citação para a ação,
mas apenas repõe o poder dc compra da moeda tantas foram as leis posteriores que vieram
aviltado pela inflação. implicitamente mudar tal critério, claro que
Aliás, em não o fazendo, considerada a inspiradas pela contingência do crescimento
vertiginosa inflação ocorrida nos últimos vinte vertiginoso da inflação. Por isso mesmo, não
128 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL ---- 101
faltou o irrestrito aplauso do Poder Judiciário, ocorre —, dos atos concretos tendentes ao
até porque, como dito cm v. acórdão relatado cumprimento desses objetivos.
pelo Ilustre Ministro Dcmócrito Reinaldo, do De fato, as cotas de capital integralizadas
Egrégio Superior Tribunal da Justiça, no re são dotadas de conteúdo económico, porque
curso especial 22.610-0-SP, 1." Turma, “É isso é feito com moeda corrente nacional.
ressabido que o reajuste monetário visa exclu Portanto, ao receber tais cotas, o património
sivamente a manter no tempo valor da dívida da cooperativa sofre acréscimo não apenas
real, mediante a alteração de sua expressão simbólico, mas efetivo, porque o poder de
nominal. Não gera acréscimo ao valor nem compra da moeda guarda correlação com o
traduz sanção punitiva. Decorre de simples total de bens existentes no país, estes os
transcurso temporal, sob regime de desvalori componentes do grande fundo formador da
zação da moeda”. economia da nação. Portanto, a quantidade de
Portanto, não há hoje como se pretender moeda ofertada como integralização de cota
fazer distinções artificiais dos negócios jurídi permite, naquele momento, a aquisição de uma
cos que estão sujeitos à correção monetária ou quantidade desses bens, quantidade essa que
não, sem se revelar ingénuo ou artificial. deve ser preservada para quando da restituição
Por isso mesmo, malgrado o enorme respei das cotas, no caso de desligamento.
to tributado aos ilustres pareceristas, não se Assim, é de admirar o quanto impressionou
pode identificar, ao menos razoavelmente, o argumento da finalidade mutualística das
qualquer característica nas sociedades coope cooperativas e sua ausência de finalidade lu
rativas que as exclua dos efeitos da inflação, crativa, porque não se lhe está a exigir par
e muito menos teria qualquer eficácia cláusula ticipação nos lucros, mas apenas a alteração
que expressamente afastasse a correção mone de expressão económica do capital, como
tária de suas relações jurídicas, sejam quais decorrência de indexação dos preços e serviços
forem, até porque sua atividade, além de ser à elevação da inflação.
essencialmente económica, como foi bem sa Pelas mesmas razões, não impressiona o
lientado em parecer da lavra do Prof. Waldirio argumento de que a cooperativa não pratica
Bulgarelli, não se desenvolve à margem do atividade comercial, ou seja, não aufere lucro.
contexto social e económico da nação, mas, ao Importa só c que o cooperado retirante quer,
contrário, nele se insere e dele participa, como não participar de eventual acréscimo real do
qualquer ente da nação brasileira, e até com património da cooperativa, o que seria o lucro,
muito mais assiduidade, por ser tal inerente ao mas apenas ver corrigido o valor dos bens com
cumprimento de seus objetivos sociais. os quais contribuiu para a formação do
A única coisa, assim, que se vê de real nas património da cooperativa e com o qual foi
cooperativas, é que exercitam atividades eco dado a ela cumprir seus objetivos, até porque
nómicas e que o lado cogcntc das normas do o património formado com tal capital também
Estado que as regulam decorre justamente da sofreu naturalmente reajuste por se achar in
necessidade de proteger o cooperado, sempre serido no sistema económico vigente.
presa fácil desse tipo de organização que Sequer socorre a assertiva de que os bens
parece, como a política, ter abatido sobre si dados como quotas se dissipam no ato de sua
algum castigo divino que a faz trazer nas entrega pelos serviços que presta a cooperativa
entranhas a inclinação para a corrupção, para ao associado, no cumprimento de seus obje
os abusos para a expoliação. Aliás, sua história tivos. Tal não ocorre, porque esses serviços são
registra mais descalabros que benefícios cole cobrados individualmcnte dos cooperados, c as
tivos, e tantos foram, que até despertaram a quotas apenas se destinam à formação do
atenção de sociólogos, os quais não pouparam capital cooperativo, que será a garantia de
severas criticas a seu respeito, também não terceiros, naturais credores da cooperativa no
lhes reconhecendo senão o caráter de mera desenrolar do cumprimento dos objetivos so
sociedade comercial, exercente, pois, de ativi ciais, c para ser gerenciadas sua atividades,
dade lucrativa apenas. como foi bem anotado cm parecer acostado aos
O que se pretende na contestação é que se autos, da lavra do Prof. Waldiro Bulgarelli.
reconheça verdadeira mitificação do sistema Sc a restituição com correção monetária vier
cooperativo, para subtraí-lo, às obrigações que a descapitalizar a cooperativa, como foi a
toda e qualquer pessoa está sujeita, quando preocupação do digno Magistrado, é sinal que
cumpre apenas distinguir seus objetivos, des foi mal gerida e seu destino não poderia ser
tituídos de fins lucrativos — o que nem sempre outro que o encerramento de suas atividades.
JURISPRUDÊNCIA 129
O que não é moral nem lícito c que os des da economia, quando sua atividade é
cooperados remanescentes continuem usufruin meramente económica.
do do amplo património formado, se não pela A ação é assim procedente, sem exclusão
eficiente gestão, ao menos por causa da va do pedido para substituição dos índices de
lorização do património e pelas restituição reajuste oficiais pelos que vieram exprimir a
apenas simbólica das quotas dos retirantes. real inflação ocorrida, porque, como já é
Impressiona menos ainda a afirmação de pacífico nestas Egrégia Câmara, a exemplo do
que se está diante de contrato de adesão, em que ocorre com todos os Tribunais do país,
que o cooperado aceitou as condições tidas por prevalece o entendimento de que, embora seja
essenciais à estrutura da cooperativa, sendo a certo que a intervenção do Poder Público na
avaliação dessas condições do livre arbítrio dos economia tem previsão constitucional, todavia
fundadores. não pode ser discricionária ao ponto de fazer
Ninguém nega que a complexidade das alquimias com vistas à supressão de situação
organizações modernas toma o ente individual jurídica existente e que se formou sob o império
infmitamcnte inferior e sem opções alem, de lei anterior, como a inflação existente.
daquilo que está previamente estabelecido, Não seria dado suprimir dita inflação por
limitando-se a autonomia de sua vontade em que, como bem dito em brilhante acórdão da
optar ou não. Dessa forma, importarão muito lavra do Eminente Desembargador Donaldo
mais os desdobramentos dos efeitos do contrato Armclin, isso não se faz por decreto, como sói
no curso de seu cumprimento, do que propria acontecer, mas com reordenação de fatores
mente aquilo que foi aceito quando da adesão. económicos c tudo com a lentidão própria para
Assim, se a correção monetária, ao tempo as circunstâncias.
do desligamento, cra o único mecanismo que Sc critérios tradicionais medidores de infla
preservaria cm tese o direito do cooperado de ção apontavam determinado resíduo inflacio
ter restituidas as quotas com que contribuiu nário, não c a mudança de sistemática, orienta
para formação do capital, não nominalmente, da pelo espírito de contornar o fracasso de dada
apenas historicamente, mas pela expressão do política económica tomada insustentável, que
real valor desse património segundo o que c obrigará o Judiciário ao reconhecimento de sua
praticado no mercado, não há como negá-la, inexistência ou existência em outros parâme
a menos que se queira, como dito num dos v. tros, ao menos quando isso atinja situações
acórdãos citados, “louvaminhar direito jurídicas passadas.
desajustado e injusto ". E, certamente, essa não Esse pensamento vem minuciosamente ex
é a finalidade do Judiciário, ao menos quando posto na apelação cível 221.201-2/7, de São
certas questões lhe ficam mais amadurecidas Paulo, em que foi relator o Eminente Desem
ao ponto de poder lhes avaliar com segurança bargador Érix Ferrcira, quando é traçada a
todas as consequências. evolução histórica da legislação disciplinadora
Qualquer outra ponderação alem das exa da correção monetária no período objeto do
minadas não é suscetível de alterar o quadro pedido, no qual se conclui pelo afastamento da
traçado, de modo que não se está a omitir sobre variação do Bónus do Tesouro Nacional como
ela pronunciamento, mas a considerá-la inócua, indexador, com prevalência do IPC, a exemplo
tcndo-sc como ociosos novos argumentos. do que vem fazendo o Egrégio Superior Tri
Apenas, por causa do realce dado à questão, bunal de Justiça, conforme se vê da transcrição
convém esclarecer que as normas cogentes parcial acima dos venerandos acórdãos citados.
existentes na regulamentação das sociedades Porém, quanto ao índice de inflação rela
cooperativas é justamente para proteção do tivamente ao mês de fevereiro de 1991, não
cooperado, de maneira que a falta de finalidade cabe sua integração pelo IPC de 19,91%,
de lucros é somente para preservar o patrimó subsistindo-se apenas a TR em 7%. O enten
nio do cooperados da atividades de risco c dimento a seu respeito nesta Egrégia Câmara
também para cercear os naturais abusos que é o que está cristalizado no v. acórdão pro
a direção se vê tentada a cometer quando tem ferido na apelação cível 214.565-2, de São
às mãos tanto dinheiro que não lhe custaram Paulo, cm que foi relator o Eminente Desem
o suor. Não que isso forre as tais sociedades bargador Luiz Tâmbara, do qual é destacado
de se submeter às regras mais comezinhas de o seguinte excerto:
direito, muito menos lhes outorga privilégios “Contudo, conforme orientação assentada
ao ponto de se porem acima do bem e do mal, neste Tribunal de Justiça, a partir de fevereiro
como entidades sagradas, livres das vicissitu de 1991, devem incidir os índices da TR, tal
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como foi feito, uma vez que o IPC foi extinto res de Cana, Açúcar c Álcool do Estado de
pela Lei 8.177, de l.° de março dc 1991, São Paulo Ltda. — Copersucar, em maio dc
substituindo o indexador do inflação pelo 1974, e dela se retirou em abril dc 1988, a
índice calculado com base na TR referente ao partir de quando passou a comercializar dire
mês anterior, o que ocorreu com outros índices tamente sua produção. Na ocasião em que foi
destinados à atualização de obrigações com formalizado o pedido de desligamento da autora,
cláusula de correção monetária (art. 3.°, III). cm 6 dc abril de 1988, a ré lhe restituiu, sem
Entendimento diverso, entraria em conflito qualquer correção monetária, as quotas-partes
com o disposto no art. 62 e seu parágrafo único integralizadas por ela durante quatorze anos.
da Constituição da República, uma vez que a Em agosto de 1993, mais de cinco anos após
eficácia da Medida Provisória 294, cujo art. 4.° sua retirada espontânea da ré, a autora vem em
havia proibido o cálculo e a divulgação do IPC, Juízo postular o recebimento da correção
não se perdeu, antes foi confirmada pela Lei monetária das quotas integralizadas por ela ao
8.177 em que se converteu. longo dos quatorze anos em que permaneceu
O IPC de março, para medir a inflação de cooperada. Causa perplexidade essa longa
fevereiro de 1991, sequer foi publicado, fican demora, em vir demandar a atualização mo
do a desobediência do IBGE à produção de netária do que lhe fora restituído, pelo valor
indexador, sem nenhum efeito, por infringir a nominal, desde que considerado o vultoso
Medida Provisória, 294 e a Lei 8.177. desfalque que a autora alega ter suportado.
Em suma, o cálculo de IPC de fevereiro de Destaque-se que a autora, ao pedir sua
1991, se fez à margem de expressa disposição demissão da ré, informou essa circunstância ao
legal, de modo que, sem a eficácia de índice Instituto do Açúcar e do Álcool, e solicitou a
oficial, tanto que não houve sua publicação, fixação de sua cota individual para a comer
não podia mesmo ser considerado no cálculo cialização de sua produção referente à safra
elaborado pelo Contador do Juízo, nos termos sucro-alcooleira a iniciar-se em l.° dc maio de
da respeitável decisão do Eminente Desembar 1988, afirmando que sua retirada do quadro de
gador João Sabino Neto publicada no Diário cooperadas da ré constituía ato unilateral de
Oficial da Justiça de 27 de agosto de 1993, vontade, visto que as Cooperativas têm como
p. 38". característica básica a adesão voluntária, agra
A apuração do débito, em tendo sido em decendo os serviços e a colaboração prestada
várias ocasiões as integralizações do capital pela ré (fls.).
cooperativo, terá de ser por artigos, porque Em assembléia-geral extraordinária realiza
ausente a indicação de ditas épocas e também da em 14 de abril dc 1987, com a presença
dos respectivos valores. de 83 associados, foi aprovada a alteração do
Em face do exposto, pelo meu voto, dá-se estatuto social da ré, que disciplina os direitos
provimento ao recurso, para julgar procedente e deveres de seus cooperados (fls.).
o pedido inicial, com a restrição apenas de que O art. 5.° dispõe que o capital social da
o reajuste incidente no mês de fevereiro de Cooperativa varia com o número de associados
1991 é somente pela Taxa Referencial, fixados e das quotas-partes subscritas, não podendo ser
os honorários de advogado resultante da su- inferior a Cz$ 240.000,00 (duzentos e quarenta
cumbência em 20% sobre o valor da conde mil cruzados), nem superior a 15% do preço
nação, para o que foram tomadas em consi oficial líquido vigente na data do encerramento
deração notadamente a complexidade da causa de cada exercício, correspondente à produção
e o excepcional zelo do ilustre causídico. total de açúcar, de álcool e de mel dos
Também, a apuração do débito será por artigos associados na safra encerrada no exercício, ou
de liquidação. de cana Comercializada pela Cooperativa nessa
Luiz Tâmbara, vencido com a seguinte mesma safra (II e III do art. 4.°, da Lei 5.764,
declaração de voto: de 16 de dezembro de 1971). Por sua vez, o
art. 6.° estabelece que o capital social da
VOTO (vencido) — Dissenti da douta Cooperativa é dividido em quotas-partes, no
maioria, por entender que a apelação da autora valor de Cz$ 1,00 (um cruzado) cada uma. Na
não reúne condições de prosperar, não obstante admissão do associado será obrigatória a subs
os ponderáveis argumentos expedidos nas ra crição de 12.000 (doze mil) quotas-partes, as
zões do recurso. quais serão compensáveis na subscrição e
A autora, Companhia Açucareira Usina integralização proporcional à produção na forma
Cupim, ingressou na Cooperativa de Produto do art. 8.° (art. 7.°), cujo conteúdo é no sentido
JURISPRUDÊNCIA 131
dc que no final de cada exercício social, o Para tanto, a Cooperativa mantém conta cor
associado subscreverá quotas do capital social rente das rcspcctivas quotas-partes do capital
no percentual que o Conselho de Administra social de seus associados, tendo em vista as
ção anualmente fixará para esse fim, ate 15% atividades exercidas e a variabilidade do ca
do preço oficial líquido vigentes na data da pital social, segundo proclama o art. 23, III,
subscrição dc cada saco dc açúcar ou do valor da Lei 5.764. Se não fosse a enorme vantagem
da paridade económica equivalente a esse dc canalizar a comercialização dc sua produção
preço em litros de álcool ou em quilos de mel por meio de uma única entidade representativa
de sua efetiva produção comercializada pela dos interesses dc todos os associados, e dc
Cooperativa nessa mesma safra, deduzido em adquirir financiamentos c insumos por inter
cada exercício social o montante subscrito nos médios da Cooperativa-ré, por certo e autora
exercícios anterior. À integralização das quotas não teria integrado, por adesão voluntária, seu
do capital subscritas pelo associado será efe quadro associativo durante quatorze anos.
tuada a cada exercício em percentual a critério A tese sustentada pela autora, depois de
do Conselho de Administração não superior a longa reflexão e amadurecimento do extenso
2% do valor líquido do faturamento correspon desfalque suportado por ela, com a forma de
dente à sua produção de açúcar, álcool ou de restituição de suas quotas-partes, pois só in
mel, realizada na safra encerrada no exercício gressou cm juízo cinco anos depois dc sua
ou dc sua produção de cana comercializada demissão, não encontra apoio na Constituição
pela Cooperativa nessa mesma safra. Essas Federal ou na lei. É sedutor o argumento de
regras do estatuto da Coopcrativa-rc amoldam- que a correção monetária não constitui um plus
se ao disposto nos arts. 21, II e III, 24 e seu que se acresce, mas um minus que se evita.
§ 3.°, 25 c 27 e seu § 2.° da Lei Federal 5.764, Ou ainda que a correção monetária não se
de 16 dc dezembro de 1971, que institui o constitui em um plus, senão em mera atuali
regime jurídico das sociedades cooperativas. zação da moeda aviltada pela inflação, impon
Infere-se dessa normatividade estatutária que do-se como um imperativo de ordem jurídica,
na admissão, obrigatoriamente, o associado económica e ética. Jurídica, porque o credor
deve subscrever e integralizar 12.000 quotas- tem o direito tanto de ser ressarcido dos
partes, as quais serão compensáveis na subs prejuízos do inadimplemento, como o de ter
crição c integralização proporcional à produção por satisfeito, em toda inteireza, o seu crédito
do associado, cm percentual fixado anualmente pago com atraso. Económica, porque a corre
pelo Conselho de Administração da Coopera ção nada mais significa senão um mero ins
tiva. Portanto, o associado subscreve as quotas- trumento de preservação do valor do crédito.
partes fixadas anualmente, na proporção de sua Ética, porque o crédito pago sem correção
produção e da comercialização de sua safra, importa em um verdadeiro enriquecimento sem
mediante prestações periódicas, no término da causa do devedor, e a ninguém é lícito tirar
safra, deduzindo-se, em cada exercício social, proveito de seu próprio inadimplemento (Re
o montante subscrito nos exercícios anteriores, curso especial 57.644-0, SP, Relator Ministro
e integralizados na medida do valor líquido e César Asfor Rocha). Qual o homem de bom
seu faturamento correspondente à sua produção senso e médio entendimento que não reconhece
de açúcar, álcool e mel. a justiça dessa afirmação. Qual o juiz, de sã
A Cooperativa tem por objetivo prestar consciência, que recusaria a aplicação desse
serviços a seus associados, receber, financiar preceito. Essa é a distância que se interpõe
c vender a produção de cana-de-açúcar, álcool entre o ideal e o real, o que é o que deveria
e dc mel de seus associados, assim como ser, o que a lei, como norma emanada do Poder
preceder a aquisição de bens de interesse Legislativo, dispõe, e a todos se impõe, e a
económico ou social dos associados cm suas aspiração do justo. Contudo, a tese assentada
atividades agrícolas ou industriais. É evidente naquela alta Corte se refere apenas aos débitos
o proveito comum que resulta para todos os cobrados em Juízo. Não alcança o pagamento
associados em decorrência do exercício dessas na forma livremente estipulada no contrato.
atividades económicas, por uma entidade que A moeda representa um direito que seu
não tem objetivo de lucro, mas que representa possuidor tem para a aquisição de bens da vida
a força da união, para a venda da produção e de serviços. A moeda estável é aquela que
de açúcar, álcool e mel no mercado, para a permite a compra de determinadas mercadorias
obtenção de financiamentos e aquisição de e serviços, sempre na mesma proporção, e na
máquinas e insumos agrícolas ou industriais. idêntica equivalência ao longo do tempo.
132 REVISTA DE DIREITO MERCANTIL ---- 101
Possibilita o pagamento diferido no tempo, cm Ora, o art. 947 do Código Civil c claro ao
virtude de manter o poder liberatório a pres dispor que “o pagamento cm dinheiro, sem
tação futura. determinação da espécie, far-se-á em moeda
A lei pode muito, mas não consegue con corrente no lugar do cumprimento da obriga
ciliar o que é inconciliável. A lei pode dar ção”.
curso forçado à moeda nacional, mas não Por sua vez, o art. 11 e seus parágrafos do
consegue manter estável seu padrão monetário Estatuto Social da Cooperativa proclamam que
em relação aos bens se serviços. De nada as quotas-partes subscritas e integralizadas
adianta a Constituição da República assegurar serão retiradas pelo associado, por seu valor
a irredutibilidade dos vencimentos dos juízes, nominal, em caso de demissão, sem nenhum
como garantia de independência funcional, direito à participação nas reservas de qualquer
agora estendida aos demais servidores, se o que natureza, após a aprovação pela Assembleia
c irredutível c a quantidade de moeda perce Geral das Demonstrações Financeiras corres
bida, e não a quantidade de mercadorias c pondentes ao exercício em que ocorreu sua
serviços que se pode adquirir com aquela. A efetivação, e o respcctivo pagamento será feito
esse respeito, é oportuno invocar a decisão do em parcelas mensais e iguais no prazo de um
Excelso Supremo Tribunal Federal, no julga ano. É evidente que essa cláusula tem plena
mento do recurso extraordinário 140.768, de validade, um vez que se refere a direito
que foi Relator o Eminente Ministro Celso de patrimonial c, por isso mesmo, disponível. Não
Mello, no sentido de que “os índices de tem a marca de potestativa, defesa pelo art. 115
desvalorização da moeda não geram direito, do Código Civil, visto que não priva de todo
ação e pretensão à revisão dos valores remu- efeito o ato, ou o sujeita ao arbítrio de uma
neratórios pagos a servidores públicos, pois das partes. Tanto é livre o ingresso nas coo
esses reajustamentos não constituem decorrên perativas, desde que se adiram aos propósitos
cia necessária da cláusula constitucional sociais e se preencham as condições estabe
institutiva da garantia de irredutibilidade de lecidas no estatuto, como a demissão do
vencimentos” (RTJ 150/616). A estabilidade da associado, na forma dos arts. 29 e 32 da Lei
moeda, a despeito de seus tremendos reflexos Federal 5.764, de 1971. É o respeito à auto
no mundo do direito, é um fato económico e nomia da vontade e à liberdade de contratar.
só será alcançada com um espírito novo que Pelo exposto, pelo meu voto, nego provi
não nascerá senão de instituições novas. mento à apelação.
NOTICIÁRIO
pela OAB/SP, IASP e Ed. Saraiva, por mais dois juristas nomeados por sua
respectivamente. Diretória.
Art. 4.° — Por ocasião da inscrição, Parágrafo único — A decisão da
o candidato apresentará monografia es Comissão Julgadora será proferida até o
crita no idioma português, com no mí dia 15 de maio de 1996.
nimo 100 e o máximo de 150 páginas Art. 7.° — A Entidade Patrocinadora
datilografadas, em espaço duplo e de um poderá, com exclusividade, no prazo de
só lado, identificado por um pseudónimo, 6 (seis) meses, contados da entrega do
em 4 (quatro) vias; deverá também en prémio, promover a publicação das
tregar em sobrecarta fechada, a indicação monografias premiadas, ficando os au
do pseudónimo do autor, no Departamen tores com direito ao recebimento gratui
to de Direito Comercial da Faculdade de to de 50 (cinquenta) exemplares, sem
Direito da Universidade de São Paulo (R. prejuízos dos seus direitos autorais,
Riachuelo, 185 — 9.° andar. devidos pela empresa editora.
Parágrafo único — A sobrecarta de Art. 8.° — A entrega do Prémio
verá conter outra menor, igualmente “Tullio Ascarelli” far-se-á em sessão
fechada, com o pseudónimo do autor, pública da Entidade Patrocinadora, na
dentro da qual deverão ser indicados os Faculdade de Direito da Universidade
dados de sua identidade, qualificação e de São Paulo, em data a ser determi
endereço. nada.
Art. 5.° O candidato somente Art. 9.° — Os casos omissos no
poderá apresentar uma única monografia. presente regulamento serão resolvidos
Art. 6.° — O julgamento do concurso em única instância pela Comissão
será feito, em caráter irrecorrível, por Julgadora do Concurso.
uma comissão integrada por membros
de notável saber jurídico, composta pelo Waldírio Bulgarelli
Presidente da Entidade Patrocinadora e Presidente
ÍNDICE ALFABÉTICO REMISSIVO
A E
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