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CURSO DE GESTÃO EM SEGURANÇA PÚBLICA E


PRIVADA
ÉTICA PROFISSIONAL, CIDADANIA E FILOSOFIA

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Sumário
1. Ética: O Conjunto De Regras Morais...................................................................... 3
1.1. Conceitos ........................................................................................................ 5
1.2. Como adquirimos nossos valores éticos pessoais? ........................................ 7
1.3. Ética nos Negócios ......................................................................................... 9
1.4. Regras Fundamentais da Moralidade Comum ................................................ 9
1.5. A Ética Profissional ....................................................................................... 10
2. Filosofia - As Origens ........................................................................................... 12
3. Noções Fundamentais Do Pensamento Filosófico-Científico ............................... 17
3.1. A Physis ........................................................................................................ 17
3.2. A Causalidade ............................................................................................... 18
3.3. A Arque (Elemento Primordial) ...................................................................... 19
3.4. O Cosmos ..................................................................................................... 20
3.5. O Logos ........................................................................................................ 21
3.6. O Caráter Crítico ........................................................................................... 21
3.7. Quadro sinóptico ........................................................................................... 23
4. Teorias Deontológicas e Utilitarista ...................................................................... 25
4.1. Intenção Ética e Norma Moral ....................................................................... 25
4.2. O Utilitarismo na Prática................................................................................ 26
4.3. Dois Níveis de Pensamento Moral ................................................................ 30
4.4. Teorias Deontológicas................................................................................... 32
4.5. Explicação Versus Prescrição de Formas de Conduta .................................. 41
4.6. Responsabilidade Social ............................................................................... 43
4.7. Princípios da Ética Social .............................................................................. 48
4.8. Códigos De Ética Empresarial....................................................................... 50
4.9. Códigos de ética de empresas ...................................................................... 52
5. Referências .......................................................................................................... 59

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1. Ética: O Conjunto De Regras Morais

A moral é o conjunto de normas de conduta adotado como


universalmente válido por uma comunidade humana ou cultura, num lugar e
num tempo determinados. Sócrates elaborou a pergunta: “Como queremos
viver?”.
Respondendo a esta questão desenvolvemos o conceito de moralidade,
nada mais é que o conjunto de regras sob as quais nós viemos na maioria do
tempo.
A ética é o conjunto de regras morais, que se constitui em um
importante ramo da filosofia, que procura entender a natureza, a finalidade, a
justificativa e os princípios fundamentais das normas morais e dos seus
sistemas relacionais no contexto de dada sociedade.

http://blog.maxieduca.com.br/diferenca-moral-etica/

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As decisões de negócios são decisões morais porque afetam os
projetos de outras pessoas.

Escolhas Morais:
As escolhas morais podem caracterizar-se como oriundas de fatores
subjetivos ou objetivos.

• Fatores objetivos: Estão relacionados às normas e costumes


estabelecidos previamente.
• Fatores subjetivos: Estão relacionados às preferências pessoais. De
igual modo, estão ligados aos princípios de liberdade da
responsabilidade. Só podem ser falsos se houver desonestidade ou
intenção de enganar por parte de quem faz a escolha. Não se espera
que os outros tenham as mesmas preferências.

Julgamentos Morais:
Geralmente relacionados a temas objetivos de avaliação de
comportamento. Espera-se que as pessoas estejam de acordo com as
convicções morais do tecido social. A falta de conformidade e/ou violação
resultam normalmente na penalização de quem viola determinado princípio de
conduta social. A pessoa que passa por esta situação em geral sofre censura
moral, a condenação e o escárnio.

Ética Normativa = Ética Moral


Baseia-se em princípios e regras morais fixas, o seu objetivo principal é
formular normas válidas de conduta e de avaliação do carácter.

Ética não Normativa (relativa, factual, experimental)


• A norma ética é puramente convencional, mutável, subjetiva. Logo
existem várias normas aplicáveis (para uma mesma situação).
• Não existem valores universais, objetivos, mas estes são convencionais,
condicionados ao tempo e ao espaço.

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• Não existem valores a priori: eles são criados conforme seja necessário
ou oportuno.
• Investigação factual do comportamento moral

1.1. Conceitos

-Absolutismo Ético: Padrão moral único e universal, isto é, verdadeiro.


Ainda não foi descoberto. Quer dizer que uma vez conhecido esse padrão
moral todos deveriam obedecê-lo.
Relativismo ético simples: Não existe um único padrão moral objetivo
(verdadeiros ou falsos) aplicável para todas as pessoas. A moral está
relacionada sempre uma época, grupo social, etc. O que um grupo social julga
correto, é o correto em um determinado tempo e lugar.
Relativismo ético funcional: São as normas morais consideradas boas
por uma sociedade, desde que essa sociedade existe. Essas normas morais
são aquelas que funcionam nessa sociedade, pois sua obediência propicia
benefícios para todos na sociedade.

Uma observação relevante: O Caráter.


Caráter é o modo de ser de um indivíduo, através da soma de seus
hábitos, virtudes, sua índole ou sua firmeza de vontade, seus vícios, suas
características próprias, seu temperamento. Existe muitas variações do caráter
de uma pessoa, que pode ser, covarde, dramático, desafiador, briguento,
inconstante entre outros.
O caráter não sofre as influências do meio, uma vez que ele é inerente
ao individuo e se forma dentro do ventre materno. O conjunto das qualidades
boas ou más é que determina sua conduta e a sua moralidade. Sua
personalidade, seu humor e temperamento que pode sofrer alterações em
função da adaptação familiar, pedagógica e social do individuo.
O caráter quando é forte, não se deixa vencer pelas liberalidades, pelas
facilidades oferecidas que indicam um caminho errado, mesmo que naquele
instante possa parecer correto. O individuo está sempre em estado de
prontidão. É como se ficasse uma luz vermelha piscando, diante dos caminhos

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que se apresentam. A educação e a cultura são as responsáveis na tomada de
decisão na vida, porém o diferencial é o caráter.
O individuo é uma construção dele mesmo, ele forja seu próprio eu,
presente sem máscaras, dentro dos seus pensamentos, formando os mais
variados graus de caráter. O caráter é modelado, pela experiência, educação,
autoconhecimento, formação familiar, e é lapidado com a perseverança e a
determinação.

Ainda sobre o caráter e a personalidade:


Sobretudo as escolas da caracterológica alemã e franco-holandesa
esforçaram-se por dar aos dois termos (personalidade e caráter) um significado
diferente, sem que, no entanto, se chegasse a um consenso. René Le Senne,
por exemplo, propõe a seguinte distinção: Caráter refere-se ao conjunto de
disposições congênitas, ou seja, que o indivíduo possui desde seu nascimento
e compõe, assim, o esqueleto mental do indivíduo; já personalidade, é definida
como o conjunto de disposições mais "externas", como que a "musculatura
mental" - todos os elementos constitutivos do ser humano que foram adquiridos
no correr da vida, incluindo todos os tipos de processo mente Caráter, em sua
definição mais simples, resume-se em sua índole ou firmeza de vontade.
O caráter de uma pessoa pode ser dramático, religioso, especulativo,
desafiador, covarde, inconstante. Tais variações podem ser inúmeras.
Mas não é o caráter que sofre as influências pelo meio em que é
submetido, pois o ser humano demonstra sua pessoal característica desde os
primeiros dias, quiçá ainda enquanto dentro do ventre materno. O caráter é
inerente do próprio espírito, e os moldes de educação, adaptação às diferentes
condições e fases da vida humana apenas levam o ser às escolhas que deve
fazer, obedecendo elas a esse princípio primeiro.
As culturas antigas costumavam declarar quando de uma pessoa de
índole confiável: "Pessoa de caráter forte".
Quando o caráter - presença inerente no ser - é forte, significa que por
mais maravilhosos ou recompensadores os caminhos possam parecer, há
sempre um sentimento de alerta dentro, que indica aquele como um caminho
errado, mesmo que no momento possa parecer o correto.

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O caráter faz ver além, nas consequências dos atos de hoje, e não pode
ser adquirido ou estudado ou mesmo aprendido. A educação e a cultura se
diferem nesses valores, assim como o caráter se interfere a uma coisa e
pessoas e difere das boas maneiras ou do estilo de vida que se leva. Ambos, a
cultura e o estilo de vida, são transformados, adquiridos e estudados e podem
ser esquecidos ou aprimorados. Mas o caráter faz desses todos seus
caminhos. Escolher qual deles seguir e quais consequências irão advir só o
caráter pode identificar, no momento que as decisões - de trabalho, amor,
relações sociais, escolares, de amizade etc. - são tomadas.

1.2. Como adquirimos nossos valores éticos pessoais?

Tudo começa na infância. Segundo Freud:


• Ego = Eu -> Busca do prazer -> Equilíbrio superego/id
• Superego = Censura -> Família, religião, Escola, cultura
• Id = Instinto -> Primitiva

Pulsões:

• Eros (pulsão sexual) = tendência à preservação da vida.


• Tânatos (pulsão de morte) = tendência à destruição.
• Não agem de forma isolada, estão sempre trabalhando em conjunto.

Formação da personalidade:
a) Formação do superego: 6 anos
b) Antes: censura externa. Pai, mãe, professora, padre, pastor moravam
fora da criança.
c) Depois: censura interna. Pai, mãe, professora, padre, pastor moram
dentro da criança.

A ética é necessária?
• A ética tem é principal regulador do desenvolvimento histórico e cultural
da humanidade.

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• Sem uma referência a princípios humanitários fundamentais comuns a
todos os povos a humanidade já teria se autodestruído.
• Os seres humanos são capazes de concordar minimamente entre si
sobre princípios como justiça, igualdade de direitos, dignidade,
cidadania, solidariedade e outros entretanto esses princípios nem
sempre são praticados por todos.

Texto Complementar: Qualidade de Vida (Prof. Alessandro Martins – Blog


Filosofando)
Um amigo, certa vez, disse e concordo com ele que a qualidade de vida
se sustenta em 3 pilares. Se você souber lidar bem com cada um deles, terá
uma vida de boa qualidade. Eles não estão em ordem de importância:

• Saber lidar com o dinheiro: goste-se ou não, não se vive bem sem
dinheiro ou sem algum dinheiro. O segredo aqui não é ter muito dinheiro.
Mas gastar menos do que se ganha e fazer o que sobra render em mais
dinheiro ou em qualidade de vida.
• Saber lidar com os relacionamentos afetivos: cultivar bons
relacionamentos afetivos de caráter sexual, romântico ou de amizade é
fundamental. O homem é um ser social por definição. Mais uma vez, não
se mede a qualidade de sua vida pela quantidade de amigos, romances
ou de parceiros sexuais que você tem, mas pela qualidade desses
aspectos e a forma descomplicada e clara com que você administra
seus relacionamentos.
• Saber lidar com a comida: alimentar-se bem aumenta a chance de
uma boa saúde, fundamental para a qualidade de vida.
Note como cada um dos três aspectos interfere-nos outros dois. Por
exemplo: uma boa alimentação, que traz melhores chances de você ter a
saúde necessária para trabalhar e obter o dinheiro de que precisa para
satisfazer suas necessidades mais ou menos básicas ou para ter a energia
necessária para se relacionar com seus amigos e ser um membro atuante de
sua comunidade.

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Também note como existem livros de autoajuda sobre cada um desses
itens. No entanto, é importante alertar que não existem fórmulas mágicas ou
fórmulas prontas para trabalhar com dinheiro, relacionamentos e comida. O
caminho de auto aprendizado é longo e exigente. Apesar disso, acho que se for
encarado com prazer pode dar melhores resultados.

1.3. Ética nos Negócios

Decisões Éticas:
- Decisões que dizem respeito ao bem comum:

a) ar, água, terra e outros recursos limitados;


b) os benefícios à sociedade e a legitimidade do negócio na sociedade.

Decisões feitas com respeito a pessoas, demandas conflitantes e


operações de negócio:
• Estabelecendo a Moral:
• Os gerentes podem não saber raciocinar eticamente, ou podem não
querer fazê-lo.
• Tipos de legislações passada como leis ou obrigações:

a) Lei antitruste;
b) Código de Defesa do Consumidor;
c) Legislação sobre verdade na propagada;
d) Segurança do produto ou serviço;
e) Proteção ambiental;
f) Comportamento ético no governo.

1.4. Regras Fundamentais da Moralidade Comum

A moralidade comum é o conjunto de regras sob as quais a maioria de


nós conduz sua vida na maior parte do tempo, pois assume que é melhor fazer
o “bem” do que o “mal”. São eles:

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• Princípio de cumprir a promessa;
• Princípio da não malevolência;
• Princípio da ajuda mútua;
• Princípio do respeito às pessoas;
• Princípio do respeito à propriedade.
• Tomando uma decisão eticamente moral:

a) Identificar o responsável pela decisão que possua um problema ético;


b) Identificar o tema ético;
c) Descrever as alternativas possíveis;
d) Identificar pessoas, organizações ou grupos que possam se beneficiar
ou se prejudicar por cada alternativa;
e) Listar os benefícios e os prejuízos para cada parte envolvida;
f) Mostrar quais as regras éticas usadas, qual o raciocínio que levou à
decisão e escolher a Ação recomendada.

1.5. A Ética Profissional

Ética profissional é um conjunto de normas de conduta que deverão ser


postas em prática no exercício de qualquer profissão.

Código de Ética:

• O Código de Ética é o acordo explicito entre os membros de um grupo


social.
• Deve descrever o modelo de conduta para seus membros.
• As profissões regulamentadas possuem um Código de Ética.

Princípios da Ética Profissional:


• Honestidade enquanto ser humano e profissional.
• Perseverança na busca de seus objetivos e metas
• Conhecimento Geral e Profissional para oferecer segurança na
execução das atividades profissionais.

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• Responsabilidade na consecução de qualquer tarefa.

Texto complementar:
Teorias da Obrigação Moral (VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez, Ética, Editorial
Grijalbo):

Os éticos contemporâneos costumam dividir as teorias da obrigação


moral em dois gêneros: deontológicas e teleológicas. Uma teoria da obrigação
moral recebe o nome de deontológica (do grego déon, dever) quando a
obrigatoriedade de uma ação não se faz depender exclusivamente das
consequências da dita ação ou da norma a que se ajusta. Chama-se
teleológica (de télos, em grego, fim) quando a obrigatoriedade de uma ação
deriva somente das suas consequências.
Tanto num caso como no outro, a teoria pretende dizer o que é
obrigatório fazer. Ambos os tipos de teorias pretendem dar resposta à questão
de como determinar o que devemos fazer de modo que esta determinação
possa orientar-nos numa situação particular. Suponhamos que um enfermo
grave, confiando na minha amizade, me pergunta pelo seu verdadeiro estado,
já que lhe parece que o médico e os familiares lhe ocultam a verdade.
O que devo fazer neste caso? Enganá-lo ou dizer-lhe a verdade? De
acordo com a doutrina deontológica da obrigação moral, devo dizer-lhe a
verdade, quaisquer que sejam as consequências; ao invés, de acordo com a
teoria teleológica, devo enganá-lo tendo presente as consequências negativas
que para o doente possam advir ao ter conhecimento do seu verdadeiro
estado.
Enquanto que a ética formal de Kant se enquadra nas teorias
deontológicas, a ética de Jeremy Bentham e John Stuart Mill constituem
exemplos de teorias teleológicas.

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2. Filosofia - As Origens

O Surgimento Da Filosofia Na Grécia Antiga


A passagem do pensamento mítico para o filosófico-cientifico.
Um dos modos talvez mais simples e menos polêmicos de se
caracterizar a filosofia e através de sua historia: forma de pensamento que
nasce na Grécia antiga, por volta do sec. VI a.C. De fato, podemos considerar
tal caracterização praticamente como uma unanimidade, o que costuma ser
raro entre os historiadores da filosofia e os especialistas na área. Aristóteles,
no livro I da Metafisica, talvez tenha sido o ponto de partida dessa concepção,
chegando mesmo a definir Tales de Mileto como o primeiro filósofo.
Veremos em seguida em que sentidos podem dizer isso, e o que nos
leva a afirmar que a filosofia nasce em um momento e um lugar tão definidos,
ou ate mesmo o que nos permite considerar determinado pensador como o
"prime ira filosofo". Não teria havido pensamento antes de Tales e desse
período de surgimento da filosofia? E claro que sim. Neste caso, o que tomaria
o tipo de pensamento que afirmamos ter surgido com Tales e seus discípulos
tão especial a ponto de ser considerada como inaugurando algo de novo, a
"filosofia"? Procuraremos, portanto, explicitar as razões pelas quais
tradicionalmente se tem feito esta caracterização do surgimento do
pensamento filosófico.
Os diferentes povos da Antiguidade assírios e babilônios, chineses e
indianos, egípcios, persas e hebreus, todos tiveram visões próprias da natureza
e maneiras diversas de explicar os fenômenos e processos naturais. Só os
gregos, entretanto, fizeram ciência, e na cultura grega que podemos identificar
o principio deste tipo de pensamento que podemos denominar, nesta sua fase
inicial, de filosófico-cientifico.
Afirmou-se que o conhecimento científico, de cuja tradição e herdeiros,
surge na Grécia por volta do Sec. VI a.C., nosso primeiro passo devera ser
procurar entender por que se considera que esse novo tipo de pensamento
aparece ai pela primeira vez e o que significa essa "ciência" cujo surgimento
coincide com a emergência do pensamento filosófico.

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Quando dizemos que o pensamento filosófico-cientifico surge na Grécia
no sec. VI a.C., caracterizando-o como uma forma especifica de o homem
tentar entender o mundo que o cerca, isto não quer dizer que anteriormente
não houvesse também outras formas de se entender essa realidade. E
precisamente a especificidade do pensamento filosófico-científico que
tentaremos explicitar aqui, contrastando-o com o pensamento mítico que lhe
antecede na cultura grega. Procuraremos destacar as características básicas
de uma e de outra forma de explicação do real.
O pensamento mítico consiste em uma forma pela qual um povo explica
aspectos essenciais da realidade em que vive: a origem do mundo, o
funcionamento da natureza e dos processos naturais e as origens deste povo,
bem como seus valores básicos. O mito caracteriza-se, sobretudo pelo modo
como estas explicações são dadas, ou seja, pelo tipo de discurso que constitui.
O próprio termo grego mythos significa um tipo bastante especial de discurso,
O discurso fictício ou imaginário, sendo por vezes ate mesmo sinônimo de
"mentira".
As lendas e narrativas míticas não são produto de um autor ou autores,
mas parte da tradição cultural e folclórica de um povo. Sua origem cronológica
e indeterminada, e sua forma de transmissão e basicamente oral. O mito e,
portanto, essencialmente fruto de uma tradição cultural e não da elaboração de
um determinado individuo. Mesmo poetas como Homero, com a Ilíada e a
Odisseia (Sec. IX a. C.), e Hesiodo (Sec. VIII a. C.), com a Teogonia, que são
as principais fontes de nosso conhecimento dos mitos gregos, na verdade não
são autores desses mitos, mas indivíduos no caso de Homero cuja existência e
talvez lendária que registraram poeticamente lendas recolhidas das tradições
dos diversos povos que sucessivamente ocuparam a Grécia desde o período
arcaico (c. 1500 a. C.).
Por ser parte de urna tradição cultural, o mito configura assim a própria
visão de mundo dos indivíduos, a sua maneira mesmo de vivenciar esta
realidade. Nesse sentido, o pensamento mítico pressupõe a adesão, a
aceitação dos indivíduos, na medida em que constitui as formas de sua
experiência do real.
O mito não se justifica não se fundamenta, portanto, nem se presta ao
questionamento, a critica ou a correção. Não ha discussão do mito porque ele

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constitui a própria visão de mundo dos indivíduos pertencentes a uma
determinada sociedade, tendo, portanto um caráter global que exclui outras
perspectivas a partir das quais ele poderia ser discutido. Ou o individuo e parte
dessa cultura e aceita o mito como visão de mundo, ou não pertence a ela e,
nesse caso, o mito não faz sentido para ele, não lhe diz nada. A possibilidade
de discussão do mito, de distanciamento em relação a visão de mundo que
apresenta, supõe já uma transformação da própria sociedade e, portanto, do
mito como forma reconhecida de se ver o mundo nessa sociedade. Voltaremos
a este ponto mais adiante.
Um dos elementos centrais do pensamento mítico e de sua forma de
explicar a realidade e o apelo ao sobrenatural, ao mistério, ao sagrado, a
magia. As causas dos fenômenos naturais, aquilo que acontece aos homens,
tudo e governado por uma realidade exterior ao mundo humano e natural,
superior, misteriosa, divina, a qual só os sacerdotes, os magos, os iniciados,
são capazes de interpretar, ainda que apenas parcialmente. São os deuses, os
espíritos, o destino que governam a natureza, o homem, a própria sociedade.
Os sacerdotes, os rituais religiosos, os oráculos servem como
intermediarias pontes entre o mundo humano e o mundo divino. Os cultos e
sacrifícios religiosos encontrados nessas sociedades são, assim, formas de se
tentar alcançar os favores divinos, de se agradecer esses favores ou de se
aplacar a ira dos deuses. Na Grécia pode-se dar como exemplo a religião do
orfismo e os mistérios de Eleusis, cujas influencias se estendem a escola de
Pitagoras e ao pitagorismo.
E Aristóteles, como dissemos acima, que afirma ser Tales de Mileto, no
Sec. VI a. C., o iniciador do pensamento filosófico-cientifico. Podemos
considerar que este pensamento nasce basicamente de uma insatisfação com
o tipo de explicação do real que encontramos no pensamento mítico. De fato,
desse ponto de vista, o pensamento mítico tem uma característica ate certo
ponto paradoxal. Se, por um lado, pretende fornecer uma explicação da
realidade, por outro lado, recorre nessa explicação ao mistério e ao
sobrenatural, ou seja, exatamente aquilo que não se pode explicar que não se
pode compreender por estar fora do plano da compreensão humana. A
explicação dada pelo pensamento mítico esbarra assim no inexplicável, na
impossibilidade do conhecimento.

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E nesse sentido que a tentativa dos primeiros filósofos da escola jônica
será buscar uma explicação do mundo natural (a physis, dai o nosso termo
“fisico”) baseada essencialmente em causas naturais, o que consistira no assim
chamado naturalismo da escola. A chave da explicação do mundo de nossa
experiência estaria então, para esses pensadores, no próprio mundo, e não
fora dele, em alguma realidade misteriosa e inacessível. O mundo se abre,
assim, ao conhecimento, a possibilidade total de explicação ao menos em
principio a ciência.
O pensamento filosófico-cientifica representa assim uma ruptura
bastante radical com o pensamento mítico, enquanto forma de explicar a
realidade. Entretanto, se o pensamento filosófico-científico surge por volta do
Sec. VI a.C., essa ruptura com o pensamento mítico não se da de forma
completa e imediata. Ou seja, o surgimento desse novo tipo de explicação não
significa o desaparecimento por completo do mito, do qual, alias, sobrevivem
muitos elementos mesmo em nossa sociedade contemporânea, em nossas
crenças, superstições, fantasias etc., isto e, em nosso imaginário. O mito
sobrevive ainda que vá progressivamente mudando de função, passando a ser
antes parte da tradição cultural do povo grego do que a forma básica de
explicação da realidade.
Contudo, sua influencia permanece mesmo em escolas de pensamento
filosófico como o pitagorismo e na obra de Platão. E nesse sentido que
devemos entender a permanência da referencia aos deuses nos filósofos
gregos daquele período.
E claro que essa mudança de papel do pensamento mítico bem como a
perda de seu poder explicativo resulta de um longo período de transição e de
transformação da própria sociedade grega, que tornam possível o surgimento
do pensamento filosófico-cientifico no sec. VI a. C. Basicamente isso
corresponde ao período de decadência da civilização micênico-cretense na
Grécia, por volta do sec. XII a .C.,e de sua estrutura baseada em uma
monarquia divina em que a classe sacerdotal tinha grande influencia e o poder
politico era hereditário, e em uma aristocracia militar e em uma economia
agraria.
A partir da invasão da Grécia pelas tribos dóricas vindas provavelmente
da Ásia central em tomo de 900 a 750 a.C., começam a surgir as cidades-

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estados, nas quais haverá uma participação politica mais ativa dos cidadãos, e
uma progressiva secularização da sociedade. A religião vai tendo seu papel
reduzido, paralelamente ao surgimento de uma nova ordem econômica
baseada agora em atividades comerciais e mercantis. O pensamento mítico,
com seu apelo ao sobrenatural e aos mistérios, vai assim deixando de
satisfazer as necessidades da nova organização social, mais preocupada com
a realidade concreta, com a atividade politica mais intensa e com as trocas
comerciais. E nesse contexto que o pensamento filosófico cientifico encontrara
as condições favoráveis para o seu nascimento.
E significativo, portanto, que Tales de Mileto seja considerado o primeiro
filosofo e que o pensamento filosófico tenha surgido não nas cidades do
continente grego como Atenas que terá seu período áureo posteriormente,
Esparta, Tebas ou Micenas, mas nas colônias gregas do Mediterrâneo oriental,
no mar Jônico, no que e hoje a península da Anatólia na Turquia.
Essas colônias, dentre as quais se destacaram Mileto e Éfeso, foram
importantes portos e entre postos comerciais, ponto de encontro das caravanas
provenientes do Oriente Mesopotâmia, Pérsia, talvez mesmo Índia e China,
que para lá levavam suas mercadorias que eram embarcadas e transportadas
para outros pontos do Mediterrâneo que os gregos cruzavam com suas
embarcações. Ora, por esse motivo mesmo, nessas cidades conviviam
diferentes culturas, e de forma harmoniosa, pois o interesse comercial fazia
com que os povos que ai se encontravam, os gregos fundadores das cidades,
fossem bastante tolerantes.
As colônias gregas do mar Jônico eram então cidades cosmopolitas
onde reinava certo pluralismo cultural, com a presença de diversas línguas,
tradições, culto e mitos. E possível, assim, que a influencia de diferentes
tradições míticas tenha levado a relativização dos mitos. O caráter global,
absoluto, da explicação mítica teria se enfraquecido no confronto entre os
diferentes mitos e tradições, revelando-se assim sua origem cultural: o fato de
que cada povo tem sua forma de ver o mundo, suas tradições e seus valores.
Ao mesmo tempo, em uma sociedade dedicada as praticas comerciais e
aos interesses pragmáticos, as tradições míticas e religiosas vão perdendo
progressivamente sua importância. Esta e uma hipótese que parece razoável;
de um ponto de vista histórico e sociológico, e mesmo geográfico e econômico,

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para a explicação do surgimento do tipo de pensamento inaugurado por Tales
e pela chamada Escola de Mileto, naquele momento e naquele contexto.
Passemos agora a examinar algumas das características centrais desse
tipo de pensamento, encontradas nao só na Escola de Mileto, mas
praticamente, embora com diferenças, em quase todos os pensadores daquele
período (sécs. VI ao V a. C.), os assim chamados filósofos pré-socráticos, por
terem vivido antes de Sócrates.

3. Noções Fundamentais Do Pensamento Filosófico-


Científico

A principal contribuição desses primeiros pensadores ao


desenvolvimento do pensamento filosófico, e podemos dizer também cientifico,
encontra-se em um conjunto de noções que tentam explicar a realidade e que
constituirão em grande parte, como veremos alguns dos conceitos básicos das
teorias sobre a natureza que se desenvolverão a partir de então.
Embora essas noções sejam ainda um tanto imprecisas, já que se trata
do momento mesmo de seu surgimento, podemos dizer que a filosofia e a
ciência tem ai o seu inicio em nossa tradição cultural. Veremos como, de certa
forma, essas noções constituem o ponto de partida de uma visão de mundo
que, apesar das profundas transformações ocorridas, permanece parte de
nossa maneira de compreender a realidade ainda hoje. Isso quer dizer que
podemos reconhecer nesses pensadores as raízes de conceitos constitutivos
de nossa tradição filosófico-cientifica.

3.1. A Physis

Aristóteles (Metafisica I, 2) chama os primeiros filósofos de fisiólogos, ou


seja, estudiosos ou teóricos da natureza (physis). Assim, o objeto de
investigação dos primeiros filósofos-cientistas e o mundo natural; sendo que
suas teorias buscam dar uma explicação causal dos processos e dos
fenômenos naturais a partir de causas puramente naturais, isto e, encontráveis
na natureza, no mundo natural, concreto, e não fora deste, em um mundo

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sobrenatural, divino, como nas explicações míticas. Segundo esse tipo de
visão, portanto, a chave da compreensão da realidade natural encontra-se
nesta própria realidade e nao fora dela.

3.2. A Causalidade

A característica central da explicação da natureza pelos primeiros


filósofos e, portanto o apelo à noção de causalidade, interpretada em termos
puramente naturais. O estabelecimento de uma conexão causal entre
determinados fenômenos naturais constitui assim a forma básica da explicação
cientifica e, em grande parte, por esse motivo que consideramos as primeiras
tentativas de elaboração de teorias sobre o real como o inicio do pensamento
cientifico. Explicar e relacionar um efeito a uma causa que o antecede e o
determina. Explicar e, portanto, reconstruir o nexo causal existente entre os
fenômenos da natureza, e tomar um fenômeno como efeito de uma causa. E a
existência desse nexo que toma a realidade inteligível e nos permite considera-
la como tal.
E importante, entretanto, que o nexo causal se de entre fenômenos
naturais. Isto porque podemos considerar que o pensamento mítico também
estabelece explicações causais. Assim, na narrativa da guerra de Troia na
Iliada de Homero vemos os deuses tomar o partido dos gregos e dos troianos e
influenciar os acontecimentos em favor destes ou daqueles. Portanto,
fenômenos humanos e naturais tem nesse caso causas sobrenaturais. Trata-se
de uma explicação causal, porem dadas através da referencia a causas
sobrenaturais. E por isso que o que distingue a explicação filosófico-cientifica
da mítica e a referencia apenas a causas naturais.
A explicação causal possui, entretanto, um caráter regressivo. Ou seja,
explicamos sempre uma coisa por outra e ha assim a possibilidade de se ir
buscando uma causa anterior, mais básica, ate o infinito.
Cada fenômeno poderia ser tomado como efeito de uma nova causa,
que por sua vez seria efeito de uma causa anterior, e assim sucessivamente,
em um processo sem fim. Isso, contudo, invalidaria o próprio sentido da
explicação, pois, mais uma vez a explicação levaria ao inexplicável, a um
mistério, portanto, tal como no pensamento mítico.

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• fenômeno 1 → fenômeno 2
• causa → efeito
• (causa) → (efeito)
• ...(causa) → (efeito)

Para evitar que isso aconteça, surgindo a necessidade de se estabelecer


uma causa primeira, um primeiro principio, ou conjunto de princípios, que sirva
de ponto de partida para todo o processo racional. E ai que encontramos a
noção de arque.

3.3. A Arque (Elemento Primordial)

A fim de evitar a regressão ao infinito da explicação causal, o que a


tornaria insatisfatória, esses filósofos vão postular a existência de um elemento
primordial que serviria de ponto de partida para todo o processo. O primeiro a
formular essa noção e exatamente Tales de Mileto, que afirma ser a agua
(hydor) o elemento primordial.
Não sabemos por que Tales teria escolhido a agua: talvez por ser o
único elemento que se encontra na natureza nos três estados, solido, liquido e
gasoso; talvez influenciado por antigos mitos do Egito e da Mesopotâmia,
civilizações de regiões áridas e que se desenvolveram em deltas de rios e onde
por isso mesmo a agua aparece como fonte da vida. Porem, o importante na
contribuição de Tales não e tanto a escolha da agua, mas a própria ideia de
elemento primordial, que da unidade a natureza.
E claro que a agua tomada como primeiro principio e muito diferente da
agua de nossa experiência comum, que bebemos ou que encontramos em rios,
mares, e lagos. Trata-se realmente de um principio tomado aqui como
simbolizando o elemento liquido ou fluido no real como o mais básico, mais
primordial; ou ainda a agua como o elemento presente em todas as coisas em
maior ou menor grau.
Diferentes pensadores buscaram eventualmente diferentes princípios
explicativos, assim, por exemplo, os sucessores de Tales na Escola de Mileto,
Anaxímenes e Anaximandro, adotaram respectivamente o ar e o apeiro (um

19
principio abstrato significando algo de ilimitado, indefinido, subjacente a própria
natureza); Heráclito dizia ser o fogo o principio explicativo, Demócrito o átomo e
assim sucessivamente.
Empédocles, com sua doutrina dos quatro elementos como que sintetiza
as diferentes posições, afirmando a existência de quatro elementos primordiais
terra, agua, ar e fogo, tese retomada por Platão no Timeu e bastante difundida
em toda a Antiguidade, chegando mesmo ao período moderno, presente nas
especulações da alquimia no Renascimento ate o surgimento da moderna
química. Pode-se considerar inclusive que, de certa forma, a química ainda
hoje supõe que certos elementos básicos, como o hidrogênio, estejam
presentes em todo o universo.
A importância da noção de arque esta exatamente na tentativa por parte
desses filósofos de apresentar uma explicação da realidade em um sentido
mais profundo, estabelecendo um principia básico que permeie toda a
realidade, que de certa forma a unifique, e que ao mesmo tempo seja um
elemento natural. Tal princípio daria precisamente, o caráter geral a esse tipo
de explicação, permitindo considera-la como inaugurando a ciência.

3.4. O Cosmos

O significado do termo cosmos para os gregos desse período liga-se


diretamente as ideias de ordem, harmonia e mesmo beleza (já que a beleza
resulta da harmonia das formas; dai, alias, o nosso termo "cosmético"). O
cosmo e assim o mundo natural, bem como o espaço celeste, enquanto
realidade ordenada de acordo com certos princípios racionais. A ideia básica
de cosmo e, portanto, a de uma ordenação racional, uma ordem hierárquica,
em que certos elementos são mais básicos, e que se constitui de forma
determinada, tendo a causalidade como lei principal.
O cosmo, entendido assim como ordem, opõe-se ao caos (Kaos), que
seria precisamente a falta de ordem, o estado da matéria anterior a sua
organização. E importante notar que a ordem do cosmo e uma ordem racional,
"razão" significando ai exatamente a existência de princípios e leis que regem,
organizam essa realidade. E a racionalidade deste mundo que o toma
compreensível, por sua vez, ao entendimento humano. E porque ha na

20
concepção grega o pressuposto de uma correspondência entre a razão
humana e a racionalidade do real o cosmo que este real pode ser
compreendido, pode-se fazer ciência, isto e, pode-se tentar explica-lo
teoricamente. Dai se origina o termo "cosmologia", como explicação dos
processos e fenômenos naturais e como teoria geral sobre a natureza e o
funcionamento do universo.

3.5. O Logos

O termo grego logos significa literalmente discurso, e com tal acepção


que o encontramos, por exemplo, em Heráclito de Éfeso. O logos enquanto
discurso, entretanto, difere fundamentalmente do mythos, a narrativa de caráter
poético que recorre aos deuses e ao mistério na descrição do real. O logos e
fundamentalmente uma explicação, em que razoes são dadas.
E nesse sentido que o discurso dos primeiros filósofos, que explica o
real por meio de causas naturais, e um logos. Essas razões são fruto nao de
uma inspiração ou de uma revelação, mas simplesmente do pensamento
humano aplicado ao entendimento da natureza. O logos e, portanto, o discurso
racional, argumentativo, em que as explicações são justificadas e estão
sujeitas a critica. Dai deriva, por exemplo, o nosso termo “logico”.
Porem, o próprio Heráclito caracteriza a realidade como tendo um logos,
ou seja, uma racionalidade (ver o conceito de cosmo acima) que seria captada
pela razão humana. Portanto, um dos pressupostos básicos da visão dos
primeiros filósofos e a correspondência entre a razão humana e a racionalidade
do real, o que tomaria possível um discurso racional sobre o real.

3.6. O Caráter Crítico

Um dos aspectos mais fundamentais do saber que se constitui nessas


primeiras escolas de pensamento, sobretudo na escola jônica, e seu caráter
critico. Isto e, as teorias ai formuladas nao o eram de forma dogmática, nao
eram apresentadas como verdades absolutas e definitivas, mas como passiveis
de serem discutidas, de suscitarem divergências e discordâncias, de
permitirem formulações e propostas alternativas.

21
Como se trata de construções do pensamento humano, de ideias de um
filosofo e nao de verdades reveladas, de caráter divino ou sobrenatural, estão
sempre abertas a discussão, a reformulação, a correções.
O que pode ser ilustrado pelo fato de que, na escola de Mileto, os dois
principais seguidores de Tales, Anaxímenes e Anaximandro, nao aceitaram a
ideia do mestre de que a agua seria o elemento primordial, postulando outros
elementos, respectivamente o ar e o apeíron, como tendo esta função.
Isso pode ser tomado como sinal de que nessa escola filosófica o
debate, a divergência e a formulação de novas hipóteses eram estimulados. A
única exigência era que as propostas divergentes pudessem ser justificadas,
explicadas e fundamentadas por seus autores, e que pudessem, por sua vez,
ser submetidas a critica.

Segundo o Importante Filósofo da Ciência Contemporâneo Karl Popper


O que e novo na filosofia grega, o que e acrescentado de novo a tudo
isso, parece-me consistir não tanto na substituição dos mitos por algo de mais
"cientifico", mas sim em uma nova atitude em relação aos mitos. Parece-me ser
meramente uma consequência dessa nova atitude o fato de que seu caráter
começa então a mudar.
A nova atitude que tenho em mente e a atitude critica. Em lugar de uma
transmissão dogmática da doutrina (na qual todo o interesse consiste em
preservar a tradição autentica) encontramos uma tradição critica da doutrina.
Algumas pessoas começam a fazer perguntas a respeito da doutrina, duvidam
de sua veracidade, de sua verdade.
A dúvida e a critica existiram certamente antes disso. O que e novo,
porem, e que a duvida e a critica tomam-se agora, por sua vez, parte da
tradição da escola. Uma tradição de caráter superior substitui a preservação
tradicional do dogma. Em lugar da teoria tradicional, do mito, encontramos a
tradição das teorias que criticam, que, em si mesmas, de inicio, discussão
critica que a observação e adotada como uma testemunha.
Nao pode ser por mero acidente que Anaximandro, discípulo de Tales,
desenvolveu uma teoria que diverge explicita e conscientemente divergido de
modo igualmente consciente da doutrina de seu mestre. A única explicação
parece ser a de que o próprio fundador da escola tenha desafiado seus

22
discípulos a criticarem sua teoria transformado esta nova atitude critica de seu
mestre em uma nova tradição

3.7. Quadro sinóptico

Passagem do pensamento mítico surgimento da filosofia na Grécia


antiga (Séc. VI a.C).
Ruptura entre essas duas formas de pensamento como resultante de
transformações na sociedade grega da época, que se seculariza, tomando-se
importante a atividade comercial.
O surgimento do pensamento filosófico uma vez que ali se dava um
maior contato com outras culturas, levando a uma relativização do mito e das
práticas religiosas.
O mito, como explicação do real através do elemento sobrenatural e
misterioso, é considerado insatisfatório; os primeiros filósofos procuram
explicar a realidade natural a partir dela própria: naturalismo da escola jônica.
O novo pensamento filosófico possui características centrais que
rompem com a narrativa mítica:
A noção de physis
A causalidade interpretada em termos estritamente naturais
O conceito de arqué ou elemento primordial.
A concepção de cosmo (o universo racionalmente ordenado).
O logos como racionalidade deste cosmo e como explicação racional.
O caráter crítico dessas novas teorias que eram sujeitas a discussão
evitando o dogmatismo e fazendo com que se desenvolvessem,
transformando-se e reformulando-se.
Ética e moral ao longo dos tempos nao foi uniforme o uso dos termos:
umas vezes empregues como sinônimos, outras com diferente significado, que
varia segundo os autores.
Moral vem do latim mos ou mores, que significa hábito ou hábitos. É com
este termo que o latim julgou traduzir ethos, esquecendo-se da diferença que o
grego apresenta entre:
ἤθος– ethos (com eta inicial) morada, caracteriza o lugar onde o animal
habita, a caverna; o caráter enquanto lugar de onde brota o ato, a interioridade

23
do ato, o que ha de mais interior no homem, como se tratasse do centro do
qual o agir emana.
'ε´θος – ethos (com epsilon inicial) significa hábito.
O primeiro sentido de ethos foi revelado por Heráclito em seu aforismo
N° 119, onde diz: morada da consciência (Divino/ser) ou a consciencia
(divino/ser) mora no homem.
Na ética aristotélica não apenas ocorre o ethos como também ethos e e
para esse segundo sentido, habito, que se serve a tradução latina.
Moral diz respeito às ações praticadas por hábitos e aos costumes em
geral, o que privilegia o lado pelo qual a ação e ainda exterior ao sujeito; esta
exterioridade reenvia então para a lei e a regra.

Segundo Adolfo Sanchez Vasquez


A ética e a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em
sociedade (...). A ética depara com uma experiência histórico-social no terreno
da moral, ou seja, com uma serie de praticas morais já em vigor e, partindo
delas, procura determinar a essência da moral, sua origem, as condições
objetivas e subjetivas do ato moral, as fontes da avaliação moral, a natureza e
a função dos juízos morais, os critérios de justificação destes juízos e o
principio que rege a mudança e a sucessão de diferentes sistemas morais".
(VASQUEZ, 1975, p. 12)
Podem-se classificar as teorias éticas de acordo com o seu fundamento
em:
Teorias teleológicas ou da responsabilidade decidem o que e
moralmente justo ou injusto, pela comparação das consequências e dos riscos.
Ex.: Utilitarismo os atos devem produzir o máximo de bens para o maior
numero.
Teorias deontológicas ou da convicção ha considerações de ordem
superior, imperativos da consciência, mandamentos divinos.
Ex.: Kant

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4. Teorias Deontológicas e Utilitarista

Pode-se dizer que os utilitaristas diferem dos deontologistas por causa


do modo como respondem a estas duas perguntas:
1. O que torna as nossas ações certas ou erradas?
2. Quando e que nossas ações são certas ou erradas?
Utilitarismo: Apenas as consequências das nossas ações as tornam
certas ou erradas. As nossas ações são certas ou erradas apenas em virtude
de promoverem imparcialmente o bem-estar.
Deontologia: Nem só as consequências das nossas ações as tornam
certas ou erradas. Muitas ações são intrinsecamente erradas, ou seja, erradas
independentemente das suas consequências.
Podemos dizer, alias que todos temos de respeitar certos deveres que
proíbem a realização dessas ações.
Quando e que uma ação e certa ou errada? Aqui as respostas em
disputa são as seguintes:
Utilitarismo (contemporâneo): Uma ação e certa apenas quando
maximiza o bem-estar, ou seja, quando promove tanto quanto possível o bem-
estar. Qualquer ação que nao maximize o bem-estar e errada.
Deontologia: Uma ação e errada quando com ela infringimos
intencionalmente algum dos nossos deveres. Qualquer ação que nao seja
contraria a esses deveres nao tem nada de errado.
Um grupo de terroristas viaja num barco com dezenas de pessoas
inocentes. Os terroristas levam consigo uma nova arma biológica que poderá
provocar a morte de muitos milhões de pessoas. Infelizmente; a única maneira
segura de impedir que os terroristas venham a usar essa arma e afundar o
barco antes que este chegue ao seu destino. Mas será eticamente aceitável
afundar o barco?

4.1. Intenção Ética e Norma Moral

Vamos examinar criticamente o utilitarismo e confronta-lo com


alternativas apresentadas por aqueles que, como o filosofo do século XVIII

25
Immanuel Kant, defende uma perspectiva deontológica da ética. Quem aceita
esta perspectiva pensa que para fazermos o que esta certo devemos respeitar
certas normas ou regras morais, mesmo nos casos em que desrespeita-las
produziria melhores consequências. Muitos deontologistas pensam também
que, para sabermos se uma pessoa agiu bem, temos de saber com que
intenção ela agiu os efeitos ou consequências da sua ação nao são tudo o que
e preciso levar em conta.

4.2. O Utilitarismo na Prática

E o utilitarismo uma boa teoria moral? Ou será que ha razoes


suficientemente fortes para o rejeitar?
A melhor maneira de tentar responder a esta questão difícil consiste em
descobrir o que o utilitarismo implica na pratica. Se nao estivermos dispostos a
aceitar as suas implicações, teremos de procurar uma perspectiva mais
satisfatória. Mas, como veremos, nem sempre e fácil determinar as
consequências praticas do utilitarismo, isto e, que tipo de vida e que tipo de
ações estão em conformidade com este teoria. Para começar, consideremos
um dialogo em que um dos interlocutores apresenta argumentos
aparentemente demolidores contra o utilitarismo:
O utilitarismo tem certa simplicidade que me cativa. No fundo, diz-nos o
seguinte: aprecia as situações com total imparcialidade e, para fazeres o que e
melhor, escolhe a opção que mais vai beneficiar os que serão afetados pelas
tuas ações.
Parece-me que estas muito enganado quanto a simplicidade do
utilitarismo. Já pensaste como, na pratica, seria insuportavelmente complicado
viver como um utilitarista?
Complicado?
Sim, o utilitarismo exige que te tornes uma espécie de maquina
calculadora ambulante, sempre a tentar prever os custos e os benefícios
prováveis das diversas opções que tens diante de ti. Ninguém conseguiria viver
assim!
Não sei se o utilitarismo exige esse tipo de vida... Tenho de pensar
melhor no assunto.

26
Alias, mesmo que pudesse haver uma sociedade utilitarista, eu nao
gostaria de fazer parte dela... Porque?
Porque nunca me sentiria seguro nessa sociedade. Um utilitarista
genuíno nao hesitaria em mentirem, roubar-me ou mesmo matar-me quando
descobrisse que fazer isso teria melhores consequências numa perspectiva
imparcial. Como estaria sempre empenhado em produzir o maior bem para o
maior numero, seria indiferente as normas morais que qualquer pessoa
decente aceita. Para ele uma regra como nao deves matar pessoas inocentes
nao tem a menor importância.
Uma vez mais, só te posso dizer que tenho de pensar melhor no
assunto. Sinceramente, não sei se na ética utilitarista nao ha qualquer lugar
para as normas morais comuns.

Duas Objeções ao Utilitarismo

Antes de vermos como pode o utilitarista responder as criticas


apresentadas neste dialogo, esclareçamos um pouco o seu conteúdo. Temos
então duas criticas que, como se tornara obvio, estão bastante ligadas entre si:
O utilitarismo não funciona na pratica, pois exige que estejamos sempre
a calcular as consequências das nossas ações.
Se isto for verdade, alias então o utilitarismo derrota-se a si próprio, pois
quem perde demasiado tempo a fazer cálculos acaba por não contribuir tanto
como podia para a felicidade geral. Isto se torna particularmente claro se
imaginarmos situações que exigem uma decisão urgente. Supõe, por exemplo,
que o Joao esta num barco e vê a Maria e o Jose a afogarem-se. Dadas as
circunstancias, e muito improvável que ele tenha tempo para salvar os dois.
Quem devera então salvar em primeiro lugar? O Joao fica quieto no barco a
tentar determinar se, numa perspectiva imparcial, será melhor salvar primeiro a
Maria ou salvar primeiro o Jose. Antes de chegar a qualquer conclusão, a
Maria e o Jose morrem afogados.
O utilitarismo, como não leva em conta as normas ou regras morais
comuns, predispõe-nos frequentemente a fazer coisas erradas como mentir,
roubar ou matar.

27
Para esclarecer esta objeção, tomemos como exemplo a regra. Não
deves quebrar promessas≫ e imaginemos que o Pedro prometeu a Inês que
pagaria o dinheiro que lhe estava a dever quando recebesse uma herança.
Depois de receber a herança, no entanto, o Pedro pensa o seguinte: ≪Se eu
pagar o que lhe estou a dever, ela vai gastar tudo na compra de um carro novo
só para se exibir. O carro que ela tem, alias, ainda esta muito bom.
Por isso, vou antes dar o dinheiro a uma organização de defesa do
ambiente afinal, fazer isso produzira melhores consequências. Parece assim
que o Pedro, raciocinando de uma maneira utilitarista, se esta a colocar acima
das regras morais comuns, o que o leva a proceder de uma maneira errada,
quebrando a promessa que fez a Inês. Na verdade, parece que o Pedro, se for
um utilitarista genuíno, será capaz de cometer qualquer atrocidade em nome
do maior bem para o maior numero.

Uma Resposta às Objeções


Como responde o defensor do utilitarismo a estas objecções? Ambas se
baseiam no pressuposto de que um utilitarista tem de tomar as suas decisões
aplicando diretamente o seu principio ético em todas as situações em que se
encontra. Este pressuposto, no entanto, e falso: o utilitarismo e primariamente
uma teoria sobre o que torna as ações certas ou erradas não e uma teoria
sobre como devemos tomar as nossas decisões.
A utilitarista pensa: fazer o que este certo e apenas uma questão de
promover imparcialmente o bem-estar. Ele aceita assim o principio:
• Devemos promover imparcialmente o bem-estar.
• Mas aceitar este princípio não implica pensar que devemos tê-lo sempre
em mente quando agimos. Não implica que devemos estar sempre a
tentar fazer as nossas escolhas em função do bem-estar produzido. Por
isso, um utilitarista não tem de estar constantemente a tentar decidir o
que fazer calculando as consequências das suas ações até porque esse
tipo de atitude como vem no exemplo do afogamento, certamente não
favorece a promoção da felicidade geral.
Deste modo, a primeira objecção acima apresentada e muito fraca, pois
parte da ideia falsa de que o utilitarismo exige que estejamos sempre a calcular
as consequências das nossas ações.
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E a segunda objecção? Também ela se baseia numa premissa falsa não
e verdade que o utilitarismo não leva em conta as normas ou regras morais
comuns.
E certo que para umas utilitaristas regras como>
• Não deves roubar ou
• Não deves matar pessoas inocentes
• Não são princípios morais básicos, pois para ele só ha um principio
moral básico.
• Deves promover imparcialmente o bem-estar.
No entanto, os utilitaristas salientam que, dadas as circunstancias em
que vivemos, as regras morais comuns são indispensáveis. No texto que se
segue, Peter Singer, explicando a perspectiva de R. M. Hare, que ele próprio
aceita, mostra por que razão o utilitarismo não dispensa tais regras:
Na vida real na o podemos normalmente prever todas as complexidades
das nossas escolhas. Não e pura e simplesmente pratico tentar calcular
antecipadamente as consequências de todas as escolhas que fazemos.
Mesmo que nos limitássemos às escolhas mais significativas, haveria o perigo
de, em muitos casos, estarmos a calcular em circunstancias longe das ideais.
Poderíamos estar com pressa ou confusos. Poderíamos sentir-nos furiosos,
magoados ou em competição.
Os nossos pensamentos poderiam estar toldados pela ganancia, pelo
desejo sexual ou por ideias de vingança. Os nossos interesses pessoais ou das
pessoas que amamos poderiam estar em jogo. Ou poderia acontecer que não
fossemos muito bons a avaliar questões tão complicadas como as
consequências prováveis de uma escolha importante. Por todas estas razoes,
Hare pensa que seria melhor adoptarmos alguns princípios éticos gerais para a
vida ética quotidiana, e não nos desviarmos deles.
Esses princípios deveriam incluir aqueles que a experiência mostrou ao
longo dos séculos que conduzem geralmente as melhores consequências e, na
perspectiva de Hare, incluiriam muitos dos princípios morais canônicos, como,
por exemplo, dizer a verdade, respeitar as promessas, não prejudicar os
outros, e assim por diante. [ ... ] Mesmo que, ao nível critico, possamos
conceber circunstancias nas quais melhores consequências resultariam de agir
contra um ou mais destes princípios, as pessoas procederiam melhor, no seu
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todo, atendo-se a estes princípios do que não o fazendo. [ ... ] E possível que,
uma vez por outra, nos encontremos em circunstancias nas quais seja
absolutamente claro que afastarmo-nos dos princípios dará melhores
resultados que os que obteríamos se nos ativéssemos a esses princípios, caso
em que temos uma justificação para esse afastamento. Mas, para a maioria
das pessoas, na maior parte do tempo, essas circunstancias não surgirão e
podem ser excluídas do nosso pensamento. (Peter Singer, Ética Pratica 1993,
pp. 113-4)
Regressemos ao exemplo do Pedro e da Inês. Será que, afinal, o
utilitarismo implica que o Pedro deve quebrar a promessa que fez a Inês? Não,
diria o utilitarista, pois esta longe de ser obvio que quebrar a promessa ira
produzir melhores consequências. Como sabe o Pedro que a organização
ambiental ira usar bem o dinheiro? E como sabe ele que a Inês ira gasta-lo em
algo supérfluo? Não estará a ser motivado por algum sentimento de vingança
em relação a Inês e, consequentemente, a ter uma visão distorcida da
situação?
Além disso, se o Pedro quebrar a promessa, provavelmente os que
souberem disso deixarão de confiar nele, e assim ele talvez venha a perder
oportunidades de cooperar com os outros no sentido de promover o bem.
Perante todas estas incertezas, concluiria o utilitarista, o Pedro devera manter-
se fiel a regra nao deves quebrar promessas≫. Como mostra a experiência,
esta e uma regra importante para assegurar a convivência harmoniosa entre os
seres humanos. Por isso, devemos ter uma forte disposição para respeita-la e
só em casos invulgares será sensato considerar a possibilidade de quebrar
uma promessa.

4.3. Dois Níveis de Pensamento Moral

O utilitarista pensa então que, para promovermos o bem-estar, na


grande maioria dos casos o nosso pensamento moral deve permanecer a um
nível intuitivo: devemos tomar as nossas decisões de acordo com as regras
simples da moral, seguindo as nossas intuições sobre o que esta certo e errado
e sem entrarmos em cálculos elaborados a proposito das consequências
prováveis dos nossos atos.

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No entanto, ha casos em que temos de ir mais longe. Por vezes, o nosso
pensamento moral deve situar-se a um nível critico, e a este nível devemos
aplicar o próprio principio utilitarista para tomar a decisão correta. Imagina, por
exemplo, que fizeste uma promessa, mas que, entretanto as coisas se
complicaram de tal maneira que só podes cumprir a tua promessa roubando
certo objeto.
O que deves fazer? Numa situação deste tipo, diria o utilitarista, não
podes encontrar uma resposta clara nas regras morais comuns, pois segundo
estas não devem roubar nem quebrar promessas. Só que agora te vês forcado
a fazer uma destas coisas. Tens então de recorrer ao principio utilitarista para
determinar se, na situação em que estas, será melhor quebrar a promessa ou
roubar o objeto. Aplicar este princípio, obviamente, e tentar determinar qual
dessas opções terá melhores consequências numa perspectiva imparcial.
O principio utilitarista não serve apenas para decidir o que fazer quando
as regras morais comuns estão em conflito também serve para avaliar
criticamente essas mesmas regras. E claro que uma regra como
“Não deves roubar”: merece a aprovação do utilitarista, pois, como
mostra a experiência, seguir essa regra, incorpora-la no nosso caractere,
censurar quem a desrespeita e ensina-la as crianças e algo que contribui
indiscutivelmente para o bem-estar. Mas nem todas as regras morais são
assim tão incontroversas.
Considera, por exemplo, a seguinte regra, que ainda hoje e aceite por
muita gente em muitos lugares do mundo: Uma mulher deve obedecer ao seu
marido. Será que devemos seguir esta regra, incorpora-la no nosso caractere,
censurar quem a desrespeita e ensina-la as crianças? O utilitarista, depois de
avalia-la criticamente, dirá que não. Embora a aceitação dessa regra produza
algumas boas consequências para os homens, também leva a uma enorme
opressão das mulheres. Assim, considerando imparcialmente os diversos
interesses em jogo, temos de concluir que adoptar tal regra nao promove a
felicidade geral. Portanto, deve ser rejeitada.
A teoria apresentada conhecida por utilitarismo dos dois níveis. Foi
desenvolvida, sobretudo por Hare, embora já Mill a tivesse esboçado no seu
Utilitarismo. Podemos resumi-la indicando o que caracteriza cada um dos
níveis do pensamento moral:

31
Nível intuitivo: Como o nosso conhecimento e muito limitado, tomamos
as nossas decisões quotidianas segundo as regras morais simples que
aceitamos, obedecendo às inclinações do nosso caractere, sem aplicar o
principio utilitarista.
Nível critico: Aplicamos o principio utilitarista para tomar decisões em
situações em que as regras morais comuns não nos permitem saber o que
fazer avaliar criticamente essas regras de modo a determinar se elas
promovem ou não o bem-estar.
Em rigor, os filósofos utilitaristas não examinam só regras. Eles ocupam-
se, sobretudo, alias, da avaliação critica de praticas controversas. No século
XIX, Mill insurgiu-se contra a escravatura e defendeu o sufrágio feminino; hoje,
Singer discute praticas como o aborto, a eutanásia ou mesmo a criação de
animais para alimentação. O utilitarismo e uma das teorias morais mais
influentes, sendo indiscutível a sua relevância pratica. Mas muitos filósofos
pensam que nao e uma boa teoria e que devemos adoptar antes uma
perspectiva deontológica da ética.

4.4. Teorias Deontológicas

Neste momento, a diferença fundamental entre uma ética utilitarista e


uma ética deontológica já deve estar clara, Mas como ate ao final do capitulo
vamos ocupar-nos da polemica que divide os defensores destas perspectivas,
vale a pena precisar essa diferença, Podemos dizer que os utilitaristas diferem
dos deontologistas por causa do modo como respondem a estas duas
perguntas:
1. O que torna as nossas ações certas ou erradas?
2. Quando e que nossas ações são certas ou erradas?
Podemos dizer, alias que todos temos de respeitar certos deveres que
proíbem a realização dessas ações. Para um deontologista, como Kant ou
David Ross, mesmo quando e absolutamente obvio que agir de certa maneira
produzira as melhores consequências, poderá ser errado agir dessa maneira
caso isso implique infringir algum dos nossos deveres. Mas quais são
exatamente os nossos deveres? Ross tenta responder a esta questão
apresentando a seguinte lista de deveres:

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• Fidelidade: Mantem as tuas promessas.
• Reparação: Compensam os outros por qualquer mal que lhes tenhas
feito.
• Gratidão: Retribui fazendo bem aqueles que te fizeram bem.
• Justiça: Opõe-te as distribuições de felicidade que nao estejam de
acordo com o mérito.
• Desenvolvimento pessoal: Desenvolve a tua virtude e o teu
conhecimento.
• Beneficência: Faz bem aos outros.
• Não-maleficência: Não prejudiquem os outros.
• Uma lista como esta suscita problemas difíceis. Como sabemos que são
estes os nossos deveres?
E o que fazer quando os nossos deveres entram em conflito? Os
deontologistas não respondem todos da mesma maneira a estas perguntas.
Kant, que certamente aceitaria uma lista semelhante a de Ross, defende que
os nossos deveres resultam de um principio moral fundamental o imperativo
categórico, que examinaremos mais a frente. Ross, pelo contrario, afirma que
não ha qualquer principio moral mais básico e que sabemos por simples
intuição quais são os nossos deveres.
Qualquer pessoa eticamente lucida consegue ver que os deveres
indicados na lista são os nossos deveres morais básicos. Ross, alias, também
defende que só a nossa intuição moral pode guiar nos quando ha um conflito
de deveres, indicando-nos o dever que tem de prevalecer na ocasião do
conflito. Isto significa que nenhum dos deveres acima mencionado e absoluto
por vezes justifica-se quebrar uma promessa, por exemplo, para beneficiar os
outros.
Já Kant entende que certos deveres, como o de nao mentir, são
absolutos, de tal maneira que alguns tipos de atos nunca podem ser realizados,
sejam quais forem as consequências. Ha regras morais que devem ser
respeitadas em todas as circunstancias possíveis.
Mas, passemos a segunda questão. Quando e que uma ação e certa ou
errada? Aqui as respostas em disputa são as seguintes:

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Utilitarismo (contemporâneo): Uma ação e certa apenas quando
maximiza o bem-estar, ou seja, quando promove tanto quanto possível o bem-
estar. Qualquer ação que não maximize o bem-estar e errada.
Deontologia: Uma ação e errada quando com ela infringimos
intencionalmente algum dos nossos deveres. Qualquer ação que não seja
contraria a esses deveres não tem nada de errado.
Para o deontologista, a ética exige primariamente que evitemos realizar
certos tipos de atos, considerados intrinsecamente errados. E certo que, entre
os nossos deveres, ele costuma incluir o dever de beneficiar os outros
promovendo de alguma maneira o seu bem-estar. Tal dever, no entanto, e
apenas um aspecto da nossa vida moral e nao tem de se apresentar como a
nossa preocupação fundamental. O deontologista nao vê nada de errado em
dedicarmos grande parte do nosso tempo a atividades e projetos que, muito
provavelmente, não contribuirão para a felicidade geral.
Já os utilitaristas contemporâneos, como Hare e Singer, costumam
insistir na ideia de que fazer o que está certo e maximizar o bem-estar. Isto
significa que, perante varias opções, temos a obrigação de escolher aquela que
apresenta a maior utilidade esperada todas as outras são erradas. Os
utilitaristas clássicos, Bentham e Mill, não vão tão longe neste aspecto.
Afirmam que a nossa única obrigação moral básica e promover o bem-estar,
sem duvida, mas nunca acrescentam que temos de promovê-lo tanto quanto
possível.
Na verdade, pressupõem que o certo e o errado admitem graus: as
nossas ações são certas na medida em que promovem o bem-estar; erradas
na medida em que não promovem o bem-estar. Como ficara claro na próxima
seção, esta perspectiva mais moderada torna-os imunes a uma das criticas que
os deontologistas fazem ao utilitarismo.
Ainda no que diz respeito ao problema de saber quando e que as nossas
ações são certas ou erradas, importa sublinhar que enquanto os deontologistas
consideram importante a intenção subjacente as ações, os utilitaristas
concentram-se exclusivamente nos efeitos das mesmas. Muitos deontologistas
sustentam que em algumas circunstancias podemos provocar maus efeitos,
como a morte de uma pessoa, desde que não o façamos intencionalmente.

34
Um utilitarista, como só leva em conta as consequências das ações, não
aceita esta ideia. Para ele a única coisa que justifica provocarmos um mau
efeito e isso servir para dar origem a algo melhor ou evitar algo ainda pior.
Nesta perspectiva, para sabermos se alguém procedeu erradamente ao
provocar a morte de uma pessoa, não interessa saber se essa morte foi
provocada intencionalmente ou não só interessa saber se provocar essa morte
serviu para alguma coisa boa, como, por exemplo, evitar a morte de varias
pessoas.
(Recorda o exemplo do capitulo anterior em que o Pedro propõe ao Joao
que este mate um índio).
Aprofundaremos um pouco este aspecto da polemica no final do
capitulo. Nas próximas paginas, vamos considerar alguns dos argumentos mais
fortes dos deontologistas. Quando argumentam contra o utilitarismo alegando
que este tem consequências inaceitáveis, defendem o seguinte:
Que o utilitarismo nos obriga a realizar certos atos que nao são
moralmente obrigatórios. E por isso, em certos aspectos, uma teoria moral
demasiado exigente.
Que o utilitarismo permite ou consente certos atos que nao são
moralmente permissíveis. E por isso, noutros aspectos, uma teoria moral
demasiado permissiva.
Veremos, em primeiro lugar, por que razoes pensam os deontologistas
que o utilitarismo e demasiado exigente e depois por que acreditam que este e
também demasiado permissivo.

Integridade
Os utilitaristas contemporâneos pensam que estamos sob a obrigação
de maximizar imparcialmente o bem-estar. Isto quer dizer que devemos fazer
tudo o que esta ao nosso alcance para contribuir tanto quanto possível para a
felicidade geral. Nao será esta, no entanto, uma perspectiva que exige
demasiado de nos?
Como seria a nossa vida se a aceitássemos coerentemente? O texto
que se segue permite-nos discernir a resposta para estas perguntas.
Diz-se que a moral, tal como e entendida em algumas teorias morais, faz
exigências excessivas às pessoas - exige que abandonemos os nossos

35
projetos preferidos e possivelmente ate aquilo que da sentido a nossa vida.
Este problema, na medida em que tem fundamento, e um problema para as
teorias que, como sucede frequentemente nas teorias consequencialistas, nos
exigem que maximizemos o bem.
Se o bem a maximizar for um bem geral, como a felicidade humana, e
não um bem pessoal, como a nossa própria felicidade, a obrigação de
maximizar a felicidade pode deixar pouco espaço para desenvolvermos os
nossos próprios projetos. Uma entomologista que esta fascinada pelos hábitos
de certo tipo de inseto e que dedica muito do seu tempo a estuda-la
provavelmente não esta a maximizar a felicidade geral.
Os seus talentos de investigadora poderiam ser usados para fins mais
humanitários. Mas estaremos dispostos a dizer que ela esta a agir imoralmente
ao desenvolver a sua pesquisa em entomologia? Presumivelmente não, e isto
sugere que a concepção da moral das teorias que exigem que maximizemos a
felicidade humana pode estar errada. (Marcia Baron, ≪Ética kantiana≫, 1997,
p. 20).
O argumento subjacente a este texto e muito simples. Ele diz-nos que,
se o utilitarismo for verdadeiro, então as nossas ações que não maximizam o
bem-estar são erradas. Mas muitas das coisas que fazemos, embora não
maximizem o bem-estar, não tem nada de errado. Logo, o utilitarismo e falso. E
claro que a versão clássica do utilitarismo, como não inclui a ideia de que
devemos promover tanto quanto possível o bem-estar, esta fora do alcance
deste argumento.
Imagina, por exemplo, que estas a fazer um curso de literatura, que
fazes parte de uma equipe de futebol, que gostas imenso de ir ao cinema e que
colecionas soldadinhos de chumbo. Há algo de errado nisto? Parece
suficientemente obvio que não. No entanto, se o utilitarista tivesse razão,
alegam os seus críticos, terias de sair do curso e da equipe de futebol, terias de
deixar de gastar dinheiro em bilhetes de cinema e soldadinhos de chumbo, pois
certamente poderias dedicar-te a atividades que contribuiriam muito mais para
a felicidade geral.
Se utilitarista tivesse razão, teríamos de redefinir radicalmente as nossas
vidas, prescindindo de quase tudo o que apreciamos para beneficio dos outros.

36
Teríamos de sacrificar o nosso bem-estar ate aquele ponto em que sacrifica-la
ainda mais não resultaria na maximização da felicidade geral.
Nas circunstancias atuais, isto nos levaria a viver no limiar da pobreza,
dedicando a maior parte do nosso tempo a lutar contra a miséria. Apenas
alguns luxos seriam aceitáveis, de modo a conservar a nossa sanidade mental,
sem a qual não poderíamos continuar a contribuir para a felicidade geral.
Podemos pensar que e louvável viver assim. Para o utilitarista, no
entanto, adoptar este estilo de vida seria apenas cumprir a nossa obrigação.
Os críticos do utilitarismo acrescentam que, como este nos impõe um
tipo de vida em que não ha espaço para nada que seja alheio a maximização
do bem, a nossa integridade pessoal fica assim seriamente ameaçada. O que
quer isto dizer? A nossa vida caracteriza-se por diversos compromissos e
projetos pessoais estão fortemente ligados a certas pessoas ou organizações e
queremos realizar-nos desenvolvendo certas atividades. Mas, paro fazermos
tudo aquilo que o utilitarismo exige, teríamos de por de parte quase todos
esses compromissos e projetos em nome da felicidade geral, teríamos de
aniquilar aquilo que nos identifica enquanto pessoas e que dá sentido a nossa
vida.
Se, como parece ser o caso, a perspectiva dos utilitaristas
contemporâneos exige tanto de nos que ameaça a nossa integridade pessoa,
então esta tem de ser revista Afinal, se agir normalmente implicasse destruir o
que nos identifica enquanto pessoas, tornando-nos miseráveis, por que razão
haveríamos de ser morais?
Para além de ser uma teoria moral demasiado exigente, alegam os
deontologistas, o utilitarismo e também demasiado permissivo: se o
aceitássemos, teríamos também de aceitar que em certas circunstancias seria
permissível ou mesmo obrigatório, realizar atos claramente errados. Para
vermos claramente como isto sucede, imaginemos a seguinte situação:
A Sara e uma cirurgia especializada na realização de transplantes. No
hospital em que trabalha enfrenta uma terrível escassez de órgãos cinco dos
seus pacientes estão prestes a morrer devido a essa escassez. Onde poderá
ela encontrar os órgãos necessários para salva-los? O Jorge esta no hospital a
recuperar de uma operação. A Sara sabe que o Jorge e uma pessoa solitária -
ninguém vai sentir a sua falta.

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Tem então a ideia de matar o Jorge e usar os seus órgãos para realizar
os transplantes, sem os quais os seus pacientes morrerão.
Não hesitamos em considerar a ideia da Sara abominável. Mas o que
pensa um utilitarista sobre essa ideia? Parece que, para permanecer coerente,
o utilitarista tem de pensar que não ha nada de errado em matar o Jorge.
Afinal, a opção de mata-lo permitira salvar cinco pessoas que de outro modo
morreriam vistas as coisas numa perspectiva imparcial, mata-lo e usar os seus
órgãos promovera mais o bem-estar do que não o matar e deixar os cinco
pacientes morrer. Uma vez mais, o argumento e muito simples: se o utilitarismo
fosse verdadeiro, seria permissível (ou mesmo obrigatório) a Sara matar o
Jorge, mas fazer tal coisa não e permissível. Logo, o utilitarismo e falso. Assim,
uma situação como a que descrevemos parece mostrar que ha algo de
profundamente errado no utilitarismo.
Um deontologista, pelo contrario, não tem qualquer dificuldade em
condenar coerentemente a opção de matar o Jorge. Para ele, como vimos, ha
coisas que não se podem fazer, mesmo que faze-las promova o bem-estar.
Assassinar uma pessoa para lhe tirar os órgãos e seguramente uma dessas
coisas.
Mas por que razão seria errado matar o Jorge? Aqui a resposta
depende, obviamente, da teoria que o deontologista subscreve. Se ele for um
defensor da teoria de Kant que examinaremos no próximo capitulo recorrera ao
imperativo categórico, que e o principio ético fundamental da ética kantiana.
Kant formulou esse principio de varias maneiras. Uma delas, conhecida por
formula do fim em si, e a seguinte: Age de tal maneira que uses a tua
humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e
simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.
O que quer isto dizer? Kant esta a afirmar que e errado instrumentalizar
as pessoas, ou seja, usa-las como simples meios para atingir fins. Assim, o
imperativo categórico implica que e errado matar o Jorge na situação acima
descrita assassinar uma pessoa para beneficio de outras e fazer dessa pessoa
um simples meio para um fim. A ética kantiana exige que respeitemos as
pessoas. Isto significa que devemos tratar as pessoas como fins em si
mesmos, ajudando-as a desenvolver os seus projetos, mas sem interferir
indevidamente na sua vida.

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Muitos deontologistas entendem que desrespeitar uma pessoa e violar
os seus direitos.
Segundo esta perspectiva, as pessoas têm certos direitos que limitam
aquilo que podemos fazer em nome da felicidade geral matar o Jorge para
retirar os seus órgãos e errado porque fazer isso e violar o seu direito a vida.
Mas o que e ao certo um direito? O texto que se segue e uma boa maneira de
começar a responder esta questão.
Em geral, um direito e algo que podemos exigir justificadamente dos
outros. Tem-se um direito, então podes exigir que os outros te tratem de certas
maneiras. Tradicionalmente, distinguem-se os direitos legais dos direitos
humanos. Um direito legal e um direito reconhecido pela estrutura que governa
a nossa sociedade. Por exemplo, numa dada sociedade podemos ter o direito
legal de vender os nossos escravos.
Um direito humano, por outro lado, e um direito que temos (ou que
devemos ter) simplesmente por sermos seres humanos, e não por
pertencermos a uma sociedade especifica. Por exemplo, todas as pessoas tem
o direito humano de não ser escravizadas.
Os direitos humanos dividem-se tradicionalmente em direitos negativos e
direitos positivos. Um direito negativo e um direito a não sofrer a interferência
dos outros de certas maneiras. A Declaração da Independência falava do
nosso direito a vida, a liberdade e a procura da felicidade. Estas são áreas em
que os outros não devem interferir. E errado tirar a vida, a liberdade ou a
felicidade de uma pessoa, mesmo que fazer isso maximize o bem social. Um
direito positivo, pelo contrario, e um direito a certos bens que os outros podem
proporcionar. Quando as pessoas falam do direito a uma habitação adequada,
esta a pensar que a sociedade deve de alguma maneira assegurar que as
pessoas tenham uma habitação adequada. (Harry Gensler, Ética, 1998, p.171)
A introdução de direitos na ética suscita muitas questões difíceis. Afinal,
como podemos saber que direitos temos? Temos só direitos negativos ou
temos também direitos positivos? De onde surgem os direitos? Podemos de
alguma maneira perder certos direitos? Ha direitos absolutos? E os animais,
também tem direitos?
Não e fácil desenvolver uma teoria ética baseada em direitos, pois para
faze-lo temo de responder satisfatoriamente a estas questões. E qualquer

39
teoria deontológica, mesmo que não se baseie em direitos, enfrenta problemas
delicados. Mas se o utilitarismo tiver realmente consequências inaceitáveis e
isto permanece hoje uma questão em aberto temos de adotar uma perspectiva
deontológica da ética.
Em qualquer sociedade que se observe, será sempre notada a
existência de dilemas morais em seu interior. Os dilemas morais são um reflexo
das ações das pessoas, e surgem a partir do momento em que, diante de uma
situação qualquer, a ação de um individuo ou de um grupo de indivíduos,
contraria aquilo que genericamente a sociedade estabeleceu como padrão de
comportamento para aquela situação.
Aspectos distintos de um comportamento moral:
Pratico, relacionado a ação propriamente dita;
Teórico, vinculado a justificação dos valores que dão suporte a ação.
Por exemplo, a clássica historia de Hobbin Hood.
A existência de um dilema moral implica que a ação de determinado
individuo, ou mesmo de um grupo de indivíduos, contrariou aquilo que
genericamente a maioria da sociedade acredita ser o comportamento
adequado para aquela situação.
Para Walter Sinnott-Armstrong Dilema moral seria: Qualquer problema
em que a moralidade seja relevante.
Este uso lato inclui não apenas conflitos entre razoes morais, mas
também conflitos entre razões morais e razoes legais, religiosas ou
relacionadas com o interesse próprio. (...) encontro-me num dilema moral se
nao puder ajudar um amigo que esteja com problemas sem renunciar a uma
lucrativa, mas moralmente neutra oportunidade de negocio. (Extraído de
Dicionário de Filosofia de Cambridge, org. por Robert Audi (Paulus, 2006)
A historia da humanidade pode ser entendida como o retrato das ações
das pessoas através do tempo. A história sempre teve e, certamente, terá seu
rumo alterado através dos tempos.
Quando nos referirmos aos problemas de comportamento humano,
estamos falando de moral, de valores morais e, obrigatoriamente, adentrando o
campo da ética, ou seja, estamos discutindo problemas éticos.
Nesse contexto, a Ética, enquanto ramo do conhecimento humano, tem
como função essencial a tarefa de investigar a realidade dentro da qual cada
40
momento da historia foi vivido e explicar os valores que conduziram a
determinado tipo de comportamento, isto e, a determinado tipo de moral que
naquele momento foi aceito.
O comportamento das pessoas, enquanto fruto dos valores nos quais
cada um acredita, sofre alterações ao longo da historia. Tal fato significa que
aquilo que sempre foi considerado como um comportamento amoral pode, a
partir de determinado momento, passar a ser visto como um comportamento
adequado a luz da moral.
Os problemas relacionados com o comportamento do ser humano
encontram-se inseridos no campo de preocupações da Ética. Ainda que nao
torne os indivíduos "moralmente perfeitos", a Ética tem por função investigar e
explicar o comportamento das pessoas ao longo das varias fases da historia.

4.5. Explicação Versus Prescrição de Formas de Conduta

Conflito de interesses as pessoas são obrigadas a decidir sobre aquilo


que lhes e moralmente mais aceitável ou condenável. Em qualquer que seja a
situação, essa decisão devera levar em conta, sempre, os valores individuais
de cada um, valores que traduzem a verdade individual de cada pessoa.
Quando uma decisão precisa ser tomada em face de um conflito de
interesses, algum interesse estará sendo contrariado, fato este que pode trazer
como consequência prejuízos morais e talvez também financeiros, de natureza
tanto individual quanto coletiva.
Investigar e explicar o comportamento das pessoas ao longo das varias
fases da historia e de grande relevância, tanto no sentido de se entender o
passado, quanto de servir como parâmetro para a fixação de comportamentos
"padrões", aceitos pela maioria, visando diminuir o nível de conflitos de
interesses dentro da sociedade.
Lembrem-se: A reflexão ética não pode pretender converter os agentes
sociais em “indivíduos éticos”, mas pode instrumentaliza-los para que decidam
consequentemente, de acordo com o que a coletividade espera deles.
A imposição de regras de comportamento não objetiva tomar as pessoas
"moralmente perfeitas", mas propiciar uma convivência pacifica entre elas,
reduzindo a um nível mínimo possível os conflitos de interesses.

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Como se percebe, dentro de seu campo de atuação, a ética pode ser
vista através de duas óticas distintas: (a) enquanto explicação do
comportamento humano, em um período qualquer, justificando, desse modo,
as ações advindas daquele comportamento; e (b) enquanto fonte para o
estabelecimento de regras de comportamento diante de situações concretas,
caso em que a ética se presta para, senão eliminar, pelo menos atenuar os
conflitos de interesses no seio de qualquer sociedade.

Fontes das regras Éticas


• A natureza humana "verdadeira";
• Forma ideal universal do comportamento humano, expressa em
princípios validos para todo pensamento sadio;
• A busca refletida dos princípios do comportamento humano;
• A legislação de cada pais, ou de foros internacionais, ou mesmo o
código de ética profissional de cada corpo social organizado;
• E os costumes (ethos).
• E quase certo que uma norma legal que dispusesse sobre
generosidade, bondade, delicadeza e altruísmo para com o semelhante
seria de fácil aceitação. Por que, então, os governos desejosos de
popularidade nao emitem dispositivos legais que versem sobre tais
qualidades morais? A resposta pode ser encontrada em Maquiavel.
• Em O príncipe, Maquiavel prega a completa separação entre a politica e
a ética. Bignotto escreve:
"Ao afirmar, por exemplo, que 'a um príncipe nao e necessário possuir
todas as qualidades, mas e necessário parecer tê-las' ( ... ), Maquiavel parece
sugerir que a boa ação politica nao deve levar em conta valores que sejam
incapazes de garantir seu sucesso, mas apenas o que conduz a meta desejada
... " Não seria o Estado suspeito para legislar sobre ética, pelo fato de ele ser o
próprio legislador? Ora, a lei deve sempre ser obedecida?
Para se evitar o subjetivismo e a injustiça, os julgamentos éticos devem
ficar a cargo dos foros específicos que detém a competência, credibilidade e
experiência para julgar tais questões.

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4.6. Responsabilidade Social

A responsabilidade social sempre foi preocupação de partidos políticos e


de governos, mas nas ultimas décadas tem recebido crescente atenção por
parte das empresas. Num primeiro momento, elas tomaram consciência de que
deviam prestar atenção não só aos seus sócios ou acionistas (stockholders),
mas também a todas as pessoas que se relacionavam com ela (stakeholders),
fornecedores, clientes e empregados; num segundo momento,
conscientizaram-se de sua responsabilidade para com a sociedade em geral.
Nas décadas de 60 e 70 do século XX, em parte esc1arecidas por
amplos estudos científicos sobre os limites dos recursos terrestres, em parte
pelos visíveis estragos causados ao meio físico pelas crescentes
concentrações urbanas, a opinião publica e as empresas desenvolveram uma
nova sensibilidade ambientalista ou ecológica. Desde então, a liberdade, a
amplitude e a velocidade da informação tem posto a mostra certas condutas
flagrantemente antiéticas, como o trabalho infantil e a propaganda de produtos
prejudiciais a saúde (fumo e álcool). Dentre outros, um famoso escândalo
envolveu a Nike, fabricante mundial de artigos esportivos, por aceitar
fornecedores que empregavam crianças do Terceiro Mundo.
Tudo isso levou a reflexões nas empresas, terminando em iniciativas
como a da criação, em 1992, da Organização Não Governamental Business
for. Social Responsability (BSR) <http://www.bsr.org>; recursos oferecidos por
seus sócios destinam-se a ações justificadas por responsabilidade social.
Como se tem repetido, a ética e, em primeiro lugar, pessoal. A fonte dela
e só a pessoa e sua inteligência pratica. Isso exige que, para a empresa
exercer sua, responsabilidade social, a ética seja posta em pratica dentro da
administração, e mais, no interior de cada uma das pessoas.
Hoje e consenso de que existe também um efeito em sentido inverso,
isto e, de que a responsabilidade da empresa pelo atendimento as
necessidades sociais retoma para todas as pessoas da empresa, porque aguça
a sua sensibilidade ética; o resultado final e maior satisfação no emprego, que
se reflete beneficamente em todas as atividades da empresa.

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Assim, pode-se concluir que o exercício da responsabilidade social pela
empresa e a ética pessoal de seus dirigentes e funcionários estão
intrinsecamente ligados.
A responsabilidade social "e vista como um compromisso da empresa
com relação a humanidade em geral, e uma forma de prestação de contas do
seu desempenho baseado na apropriação e uso de recursos que originalmente
não lhe pertencem [ ... ]."
A empresa consome recursos naturais, renováveis ou não, direta ou
indiretamente, que são enorme patrimônio gratuito da humanidade; utiliza
capitais financeiros e tecnológicos que, no fim da cadeia, pertencem a pessoas
físicas e consequentemente a sociedade; também utiliza a capacidade de
trabalho da sociedade; finalmente, subsiste em função da sociedade e do que a
ela pertence, devendo, em troca, no mínimo prestar-lhe contas da eficiência
com que usa todos esses recursos (MELO, 1999, p. 83-84).
Neste inicio do novo milênio, entende-se que o mencionado
"compromisso com a humanidade em geral" deva traduzir-se pela destinação
não só de recursos, mas também da atenção dos seus funcionários a
atividades com fins sociais, por exemplo, em favor da infância abandonada, da
alfabetização, da saúde, escola, assistência aos necessitados etc.
Mas não e unanime a opinião dos economistas sobre a responsabilidade
social da empresa.
A denominada visão clássica ou econômica acha que a única
responsabilidade social da empresa e de seus executivos e a de maximizar o
lucro para seus acionistas. Seus defensores mais destacados são economistas
apologistas do livre-mercado, como Milton Friedman. Eles argumentam assim:
Quando os administradores decidem destinar recursos da empresa a
causas sociais, de onde provem esses recursos? Provem ou do lucro dos
acionistas, ou da remuneração dos empregados, ou dos preços pagos pelos
consumidores. Este último caso e o pior, porque preços altos podem ser
rejeitados pelos consumidores, reduzir vendas e prejudicar seriamente o
negocio; ai perdem todos os envolvidos na empresa;
A solução dos problemas sociais e de competência dos representantes
da sociedade, escolhidos pelo povo, do poder publico, e não das empresas;

44
A pratica da responsabilidade social aumentaria excessiva e
perigosamente o poder que as empresas já possuem naturalmente, podendo
ser considerada uma verdadeira intromissão politica, sem mandato publico;
Por ultimo, os homens de negócios estão habituados em suas empresas
a um estilo "monárquico" de liderança que não combina com a liderança
verdadeiramente democrática exercida nas organizações sociais; eles não
estão preparados para comandar essas organizações.
A outra visão e a denominada visão socioeconômica. De acordo com
seus defensores, dentre eles o economista Paul Samuelson, as empresas não
somente devem buscar o lucro, mas também a proteção e a melhoria da
qualidade de vida das comunidades em que elas operam, e da sociedade em
geral. Dentre os argumentos dos defensores da Responsabilidade Social
Empresarial, podem ser citados os seguintes:
• Existe uma expectativa do publico quanto ao apoio das empresas aos
projetos sociais de toda natureza, comprovada pela experiência das
organizações sociais;
• Estudos e pesquisas de escolas de administração, como os da
Universidade de Harvard, mostram que o comportamento socialmente
responsável das empresas e as boas relações com a comunidade
propiciam, com mais segurança, lucros no longo prazo;
• Os objetivos sociais da empresa contribuem para a sua boa imagem
publica;
• A melhoria do ambiente interno e outro resultado do bom desempenho
social da empresa, ao gerar um clima de idealismo e de solidariedade
entre os empregados, com a valorização dos empregos e da própria
empresa;
• Existe interesse dos acionistas, mostrado pela crescente procura de
investidores por ações de empresas consideradas socialmente
responsáveis;
• Com o atendimento a problemas e carências sociais, as empresas
evitam mais regulamentos do governo;

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• A responsabilidade social promove o equilíbrio entre responsabilidade e
poder das empresas; o poder sem a responsabilidade social pode
estimular comportamentos irresponsáveis contra o bem comum;
• A empresa conta com disponibilidade de recursos financeiros, de
especialistas e de talento gerencial, de que necessitam as organizações
sociais;
• A responsabilidade social serve de ação preventiva, pois o adiamento na
solução de problemas da sociedade pode torna-los mais agudos e sua
solução mais cara, com risco para a própria empresa;
• Por ultimo, e considerada uma obrigação ética, pois a responsabilidade
social, além de ser eticamente boa correta em si mesma, e um dever da
empresa para com a sociedade, graças a qual a empresa vive e da qual
obtém seu retomo.
• Faz-se mister distinguir responsabilidade social dos cumprimentos das
obrigações sociais e das obrigações emergenciais. A responsabilidade
social e uma tomada de consciência da empresa que a leva a assumir
livremente atividades e encargos em prol da sociedade em que esta
inserida.
• Toda empresa tem obrigações sociais que devem ser satisfeitas:
pagamento de salários, de contribuições a Previdência Social, de
impostos e taxas etc. São de caráter legal, contratual e, por isso, não se
consideram como parte da denominada responsabilidade social, que e
por principio voluntario e livre.
As obrigações emergenciais, de igual forma, não se incluem na
responsabilidade social. Ditas obrigações surgem perante situações
calamitosas, como inundações, terremotos, incêndios etc. Nessas
emergências, imprevisíveis, a sociedade e chamada a colaborar, para
amenizar ou aliviar a situação dos mais atingidos; as empresas são moídas a
contribuir. Trata-se, porem, de uma resposta de solidariedade com a situação,
chamada de reatividade social.
E diferente da responsabilidade social, pois esta e proativa, não
depende de situações emergenciais, decorre de princípios e politicas da

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empresa e esta prevista na sua estratégia de negócios e no seu orçamento
anual, visando a solução programada de problemas sociais específicos.
No Brasil, desde a década de 80, vem-se desenvolvendo a pratica da
responsabilidade social por parte de empresas: de doações e ajudas eventuais
a entidades sociais ou filantrópicas ate a sofisticação de ajudas incluídas no
planejamento estratégico para grandes projetos sociais e a constituição de
fundações voltadas para as carências significativas da comunidade.
Na década de 80, constituiu-se em São Paulo o Instituto Ethos, com 11
empresas pioneiras na pratica da responsabilidade social; em 2003, o Ethos já
contava com um milhar de associados.
Pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas
(IPEA), em 2003, mostrou que 60% das empresas do país desenvolviam ou
apoiavam ações sociais, investindo anualmente dois bilhões e meio de dólares
em projetos comunitários (Exame, Guia da Boa Cidadania Corporativa 2003).
Segundo o Instituto ADVB de Responsabilidade Social, pesquisa
realizada com 2.330 firmas brasileiras mostra como a responsabilidade social e
uma preocupação cada vez maior entre os empresários do pais. Os principais
resultados desse estudo são: 1,88% das empresas desenvolvem projetos
sociais voltados para a comunidade; 2,65% incentivam a participação
voluntaria dos empregados nos projetos; 3,97% consideram a responsabilidade
social um tema estratégico (Veja, 15 jan. 2003).
Todo esse fenômeno e auspicioso e se vê bem representado nos cursos
de Administração, através da disciplina Ética e Responsabilidade Social
Empresarial, ou de capitulo especifico dentro da disciplina Teoria Geral da
Administração.
As áreas de atuação são muito variadas, pois dependem, de um lado,
das necessidades e demandas sociais da comunidade em que as empresas
operam, e, de outro lado, da filosofia e da politica dos empresários ou de seus
executivos e da natureza da atividade da empresa.
Segundo pesquisa realizada pelo Centro de Estudos em Administração
do Terceiro Setor, da Universidade de São Paulo, a atuação social das
empresas se concentra em educação (40%); saúde (26%); arte e cultura
(23%); meio ambiente (19%); esporte (16%) (Exame, A Empresa do Novo
Milênio, separata, p. 90).

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Ainda estão ai citados outros projetos sociais relativos a redução do
desemprego, ao apoio aos deficientes, ao combate a fome, a redução da
violência e ao apoio a terceira idade (Exame, Guia de Boa Cidadania
Corporativa, edição especial, 2003).

4.7. Princípios da Ética Social

Os princípios da ética social são de suma importância, pois eles são


fundamento e parâmetro do comportamento ético do individuo em sociedade,
assim como do comportamento das organizações de todos os níveis, naturezas
e dimensões.
Os seis princípios clássicos da ética social dizem respeito a: Dignidade
da Pessoa, Direito de Propriedade, Primazia do Trabalho, Primazia do Bem
Comum, Solidariedade e Subsidiariedade.

Dignidade da Pessoa.
Dignidade significa qualidade, nobreza, respeitabilidade. Apenas em
razão de o outro ser uma pessoa, merece respeito, honra e consideração. Nao
se deve confundir dignidade da pessoa, que e um bem absoluto, com bens
singulares ou particulares que ela possa ter. A dignidade independe das
posses, dos cargos e dos títulos.

Direito de Propriedade.
O direito de propriedade e o direito das pessoas de possuírem coisas,
para atender as suas necessidades, para seu uso; e um direito pacificamente
reconhecido por todos.
Observação: note que aqui se trata sempre dos bens ditos essenciais, e
nao supérfluos. Este direito básico e um elemento de garantia da dignidade da
pessoa, agora e no futuro.
As pessoas tem a propriedade das coisas, mas todas elas estão
oneradas pelo direito dos outros todos garantem a subsistência de todos. Tudo
e para todos, devendo a partilha ser justa, sem que ninguém possa ser
excluído.

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Primazia do Trabalho
Da vasta atividade do ser humano interessa destacar, para efeitos a
Ética Social, aquela atividade que ele realiza para sobreviver, ganhar a vida e
crescer como pessoa, a qual se denomina trabalho.
O trabalho e a atividade de primordial importância, sem duvida a mais
expressiva da pessoa humana. A pessoa mesma esta em seu trabalho. As
pessoas apresentam-se pelo nome e pelo trabalho. Não só a subsistência
pessoal e de familiares depende do trabalho, mas antes a própria pessoa, seu
crescimento, seu desenvolvimento.
Observação: Um dos grandes problemas nas relações de trabalho e o
conflito entre os trabalhadores e os detentores do capital.

Primazia do Bem Comum


O Bem Comum, que pode ser de ser de ordem material, moral e
psicológica, em termos gerais, e o bem de interesse de um grupo de indivíduos
e só pode ser alcançado com a colaboração de todos os integrantes do grupo.
Os seres humanos buscam naturalmente a união, primeiro porque são
essencialmente sociais e segundo porque sentem inúmeras limitações ao agir
isoladamente.
E o conjunto de condições sociais que permite e favorece aos membros
da sociedade o seu desenvolvimento pessoal e integral.
Primazia do bem comum significa que ele tem precedência sobre
qualquer interesse particular.
Observação: o bem comum de uma sociedade menor deve ser coerente
com os das sociedades mais abrangentes. Por exemplo, o bem comum de uma
empresa não se pode contrapor ao da nação na qual atua.

Solidariedade.
Solidariedade deriva do latim solidus. Um corpo em estado solido e
aquele cujas moléculas tem entre si uma coesão maior do que em seu estado
liquido ou gasoso. No corpo social existe solidariedade quando seus membros
se mantem unidos, coesos.
Priorizar o preparo profissional e humano do excluído, para que ele
cuide de si mesmo no futuro, faz parte da verdadeira solidariedade. A

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solidariedade e também a base do bom inter-relacionamento entre todas as
sociedades, desde a família ate a comunidade internacional. Ela atravessa as
fronteiras das nações e das culturas.
Observação: a) atos verdadeiramente solidários; b) o perigo da
dependência social.

Subsidiariedade.
Em latim, subsidere significa sentar-se debaixo, estar na reserva.
Subsidio e o auxilio dado; quem recebe e dito subsidiado; quem doa e o
subsidiário. Devido a presença do sufixo idade, a palavra subsidiariedade e o
estado ou a qualidade de subsidiário. (Silveira Bueno 1968, p,83).
Sempre existe uma ordem ou hierarquia natural entre as sociedades e
entre estas e as pessoas, tendo como critério o poder de realização e de ajuda.
De acordo com essa hierarquia, a família pode ajudar a pessoa, pode ser
subsidiaria da pessoa. As sociedades privadas e/ou publicas podem auxiliar a
família. A nação pode auxiliar as empresas e a comunidade internacional pode
auxiliar as nações. O principio ético da subsidiariedade afirma que, não sendo
necessário o auxilio, a pessoa ou a sociedade subsidiaria não deve dá-lo a
subsidiada. Pais ou professores não devem ajudar a criança se ela não
precisar; chefes não devem substituir o subordinado sem necessidade. O
Estado não deve invadir os espaços próprios das empresas se elas tem
aptidão para ocupa-los.
Subsidio e suplência e ajuda não e sucção ou liquidação do espaço da
sociedade subsidiada e ajudar sem se substituir a ela.

4.8. Códigos De Ética Empresarial

Vimos que a ética social não fala desta ou daquela empresa publica ou
privada, tampouco da família ou da nação; sob o vocábulo sociedade, refere-se
a todo e qualquer agrupamento humano, unido para determinado fim. Os
códigos de ética, entretanto são codificações concretas de determinada
sociedade. Ha, assim, códigos de ética de organismos públicos e, de igual
forma, códigos de ética de empresas privadas. Os códigos são, portanto muito
numerosos e variados.

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A codificação da ética, quer dizer, uma autoridade estabelecer por
escrito normas que dimanam do interior das pessoas a partir do primeiro
principio pratico, e um fenômeno societário usual (ubi societas ibiius).
Nas nações, as leis e as constituições estão certamente embebidas de
princípios e normas éticas; não nos esqueçamos de que toda sociedade e
formada por pessoas e que a ética lhes e inerente.
Aqui vamo-nos cingir aos códigos de ética das empresas e também aos
códigos de ética dos organismos profissionais (em especial, ao do Conselho
Regional de Administradores), porque a eles devem obediência todos os que
trabalham na empresa.
A linha divisória entre o âmbito jurídico e o ético encontra-se na
presença ou não do outro (alteridade). Ha conduta ética que não e jurídica,
porque nela inexiste o outro (por exemplo, nos atos internos: lucubrações,
premeditações, decisões frustradas etc.). Entretanto, todo o campo jurídico tem
preocupação ética. A lei do transito, pela qual a luz vermelha significa pare e a
luz verde, passe, tem fundo ético, na medida em que são cores opostas,
facilmente diferenciáveis, aumentando a segurança viária. Não seria ético (faca
o bem, evite o mal) usar em seu lugar cores (verde folha e verde abacate) que
se pudessem confundir. "O mundo jurídico e o mundo ético da alteridade."
Um código de ética empresarial e um conjunto de normas éticas ditadas
pela autoridade empresarial com vistas ao bem comum. A tênue fronteira entre
o ético e o jurídico faz com que, frequentemente, nesse Código se repitam
normas legais.
Códigos de Ética devem prever sanções - advertência, suspensão e
exclusão para os infratores e devem contar com Comissões de Julgamento,
integradas por pessoas da própria corporação, de reputação ilibada, e por
pessoas estranhas a corporação (ombudsmen).
Assim, a empresa passa a atuar no seu espaço interno (interna corporis)
como entidade jurisdicional preliminar, independente dos tribunais.

51
4.9. Códigos de ética de empresas

O código de ética deve partir da realidade do que cada empresa e,


estabelecendo comportamentos corretos, a partir de bem diagnosticar a sua
própria problemática ética e de enfrenta-la.
O código de ética deve especificar as infrações previsíveis e a sanção
correspondente a cada uma delas. Não se pode esquecer de que ele também
tem um caráter punitivo ou sancionador e que, portanto, deve seguir o modelo
dos códigos penais. Por isso deve estabelecer, em primeiro lugar, no que
consiste o delito, para só depois estabelecer a pena. Conhecido adagio jurídico
diz: "nullumcrimensine lege", não há crime sem lei que descreva o crime.
Em matéria ética como em matéria penal, não cabe à arbitrariedade.
Tudo deve estar clara e perfeitamente estabelecido, sendo este um ponto em
que vários códigos de ética existentes deixam a desejar.
Os códigos de ética estabelecem certa jurisdição administrativo-
disciplinar interna. Convém ter a melhor disciplina possível, ate para reduzir a
probabilidade de que seus empregados ou dirigentes cometam delitos sujeitos
a processo criminal.
Dita jurisdição disciplinar cabe a Comissão de Ética da empresa, a qual
deve proceder em conformidade com um processo claramente determinado no
Código.
O processo deve, nas questões graves, contar com sete passos:
1. Recebimento da representação ou denuncia ética;
2. Defesa previa do denunciado;
3. Rejeição ou acolhimento da representação;
4. Defesa do denunciado que indicara provas;
5. Audiência de instrução;
6. Razoes finais de defesa; e
7. Julgamento.
As sanções geralmente são a advertência reservada, a censura pública,
a suspensão e a demissão.
E preciso dizer que não basta que os membros da comissão de ética
sejam empregados ou diretores de reputação ilibada. Eles devem ser pessoas
integras e com caráter, além de terem domínio da ética, pois não devem ficar a

52
mercê das pressões da politica interna. E muito conveniente que dela façam
parte também pessoas de fora da empresa: ex-empregados, ombudsmen,
membros das comissões de ética de Conselhos Regionais de Profissionais
ligados a empresa. A comissão de ética deve ter isenção e forca moral ou
autoridade.
E importante, para uma empresa desenvolver o seu código de ética, que
ela se oriente por algumas recomendações:
1. Pela presença de um consultor externo, que interprete a
personalidade da empresa e os potenciais perigos de comportamento antiético,
seja da empresa, seja de seus funcionários, clientes e fornecedores;
2. Pela representatividade, não só da direção, mas também de outros
níveis da empresa, e do consultor, na comissão encarregada de redigir o
Código;
3. Pelo processo de divulgação e implantação.

Desenvolvimento Do Código
E de se notar que as empresas costumam seguir dois procedimentos
distintos na elaboração e implantação de um Código de Ética. No procedimento
tradicional, um executivo e escolhido, dentre os das áreas jurídicas ou de
Recursos Humanos, para gerenciar o projeto de implantação do Código,
eventualmente auxiliado por uma consultaria externa. Redigido o texto,
Marketing o imprime com um visual atraente. E implantado em todos os níveis
da organização, através de palestras, e também distribuído aos principais
clientes e fornecedores.
Em um procedimento inovador e participativo, uma equipe responsável
pelo projeto e encarregada do extenso trabalho constituído das seguintes
etapas:
1 a Levantamento dos principais valores éticos com todos os
funcionários da empresa.
2 a Indagação sobre quais dos seis princípios da ética social estão na
base de cada valor escolhido. Esta indagação deve ser feita em reuniões
dirigidas, com amostras de funcionários de cada área e nível da empresa.

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3 a Com o resumo dos valores e dos princípios associados, grupos de
funcionários de cada setor apontam o seu padrão especifico de comportamento
ético concreto, adequado aos citados princípios e valores.
4 a Redação final do texto, que deve ser claro e objetivo, e, por ultimo,
oficialização do código pela diretoria da empresa.
Este segundo procedimento oferece vantagens, como a do envolvimento
e preparação dos funcionários no código, simultaneamente com a elaboração e
a implantação. Outra vantagem e a garantia da objetividade, pois se exprime
em termos de cada setor da empresa.
E ainda garante o encadeamento "principios-vaIores-padroes" de
comportamento ético, evitando um defeito frequente nos códigos de empresa,
que e omitir a referencia aos princípios de ética social, aos fundamentos tanto
dos valores quanto dos padrões.

Códigos De Ética Profissionais


As profissões, no pais, estão organizadas por intermédio dos Conselhos
Regionais Profissionais. Há o Conselho Regional dos Contadores, o Conselho
Regional de Engenharia e Arquitetura, o Conselho
Regional dos Jornalistas, o Conselho Regional de Medicina, a Ordem
dos Advogados do Brasil, o Conselho Regional de Administradores etc. Todos
contam com seus próprios códigos de ética.
Em sua imensa maioria, os profissionais trabalham como empregados
de empresas e dessa forma estão sujeitos a dois códigos de ética: o do
Conselho Regional da sua profissão e o da empresa. Em principio são âmbitos
distintos: uma coisa e a profissão, com os seus deveres profissionais próprios,
e outra, distinta, a empresa em que se trabalha. Os dois costumam ter regras
em comum: quando ha infração simultânea a ambos os códigos, e de boa
norma que a infração seja julgada pela comissão ética que primeiro receba a
denuncia.
E a chamada prevenção, quer dizer: e competente aquele a quem
primeiro veio a denuncia.
Suponhamos um medico que, por imperícia, numa cirurgia cortou uma
artéria, ocasionando sangramento e morte do paciente; os parentes reclamam
perante o hospital; este deve levar adiante o julgamento ético, ate a eventual

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sanção do medico, e sendo a infração grave deve também informar oficio o
Conselho Regional de Medicina.
Cabe lembrar que, em muitos casos, infrações éticas graves são
também crimes que estão sujeitos as leis penais da nação. Independentemente
dos procedimentos pelos códigos éticos, de caráter profissional ou empresarial,
e claro que os profissionais estão sujeitos ao Poder Judiciário. Ocorrendo
sentença condenatória deste. Poder, e boa conduta que a entidade de classe
ou a empresa apliquem ipso facto a sanção ética correspondente. Porem, nada
impede a sanção pelo código de ética independentemente do processo
criminal.

O que é cidadania?
No Brasil ainda ha muito que fazer em relação a questão da cidadania.
Por exemplo, acabar com a violência.
No decorrer da historia da humanidade surgiram diversos entendimentos
de cidadania em diferentes momentos Grécia e Roma da Idade Antiga e
Europa da Idade Media. Contudo, o conceito de cidadania como conhecemos
hoje, insere-se no contexto do surgimento da Modernidade e da estruturação
do Estado-Nação.
O termo cidadania tem origem etimológica no latim civitas, que significa
"cidade". Estabelece um estatuto de pertencimento de um individuo a uma
comunidade politicamente articulada um pais e que lhe atribui um conjunto de
direitos e obrigações, sob vigência de uma constituição. Ao contrario dos
direitos humanos que tendem a universalidade dos direitos do ser humano na
sua dignidade, a cidadania moderna, embora influenciada por aquelas
concepções mais antigas, possui um caráter próprio e possui duas categorias:
formal e substantiva.
A cidadania formal e, conforme o direito internacional, indicativo de
nacionalidade, de pertencimento a um Estado-Nação, por exemplo, uma
pessoa portadora da cidadania brasileira. Em segundo lugar, na ciência politica
e sociologia o termo adquire sentido mais amplo, a cidadania substantiva e
definida como a posse de direitos civis, políticos e sociais. Essa ultima forma
de cidadania e a que nos interessa.

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A compreensão e ampliação da cidadania substantiva ocorrem a partir
do estudo clássico de T.H.
Marshall Cidadania e classe social, de 1950 que descreve a extensão
dos direitos civis, políticos e sociais para toda a população de uma nação.
Esses direitos tomaram corpo com o fim da 2a Guerra Mundial, apos
1945, com aumento substancial dos direitos sociais com a criação do
Estado de Bem-Estar Social (WelfareState) estabelecendo princípios mais
coletivistas e igualitários. Os movimentos sociais e a efetiva participação da
população em geral foram fundamentais para que houvesse uma ampliação
significativa dos direitos políticos, sociais e civis alçando um nível geral
suficiente de bem-estar econômico, lazer, educação e politico.
A cidadania esteve e esta em permanente construção; e um referencial
de conquista da humanidade, através daqueles que sempre buscam mais
direitos, maior liberdade, melhores garantias individuais e coletivas, e nao se
conformando frente as dominações, seja do próprio Estado ou de outras
instituições.
No Brasil ainda ha muito que fazer em relação a questão da cidadania,
apesar das extraordinárias conquistas dos direitos apos o fim do regime militar
(1964-1985). Mesmo assim, a cidadania esta muito distante de muitos
brasileiros, pois a conquista dos direitos políticos, sociais e civis não consegue
ocultar o drama de milhões de pessoas em situação de miséria, altos índices
de desemprego, da taxa significativa de analfabetos e semianalfabetos, sem
falar do drama nacional das vitimas da violência particular e oficial.
Conforme sustenta o historiador Jose Murilo de Carvalho, no Brasil a
trajetória dos direitos seguiu logica inversa daquela descrita por T.H. Marshall.
Primeiro “vieram os direitos sociais, implantados em período de supressão dos
direitos políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que se tornou
popular (Getúlio Vargas). Depois vieram os direitos políticos... a expansão do
direito do voto deu-se em outro período ditatorial, em que os órgãos de
repressão politica foram transformados em peca decorativa do regime [militar]...
A pirâmide dos direitos [no Brasil] foi colocada de cabeça para baixo”.
Nos países ocidentais, a cidadania moderna se constituiu por etapas. T.
H. Marshall afirma que a cidadania só e plena se dotada de todos os três tipos
de direito: Civil: direitos inerentes a liberdade individual, liberdade de expressão

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e de pensamento; direito de propriedade e de conclusão de contratos; direito a
justiça; que foi instituída no século XVIII;
Politica: direito de participação no exercício do poder politico, como
eleito ou eleitor, no conjunto das instituições de autoridade publica, constituída
no século 19;
Social: conjunto de direitos relativos ao bem-estar econômico e social,
desde a segurança ate ao direito de partilhar do nível de vida, segundo os
padrões prevalecentes na sociedade, que são conquistas do século 20.

Vocabulário Básico

• Ética: (ethos) disciplina filosófica que estuda o valor das condutas


humanas, seus motivos e finalidades.
• Reflexão sobre os valores e justificativas morais, aquilo que se
considera o bem. Analise da capacidade humana de escolher, ser livre e
responsável por sua conduta entre os demais. Para alguns autores, o
mesmo que moral.
• Antiético: contra uma ética estabelecida ou contra a ideia (da ética) de
estabelecer o que devemos fazer ou quem querem ser levando os
outros em consideração. Muitas vezes, o antiético tem ideias éticas
próprias.
• Aético: sem ética, mas não contra uma ou outra ética.
• Imoral: contra uma moral ou a ideia moral vigente. Muitas vezes, o
individuo que questiona uma ética dominante tem ideais morais próprias
ou diferentes.
• Amoral: sem moral (aquém ou além dela), mas não contra uma ou outra
moral.
• Moral: (mores) conjunto dos costumes, hábitos, valores (fins) e
procedimentos (meios) que regem as relações humanas, considerados
validos e apreciados, individual e coletivamente. Embora possam variar
entre grupos e ao longo da historia, tendem a ser considerados
absolutos. Podem ser justificados pelo costume, pela natureza, pela
educação, pela sociedade, pela religião. Pode ser considerado o mesmo

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que ética, com a diferença que a ética acrescenta a reflexão e o estudo
continuado sobre aquilo que se faz ou o que se deveria fazer, pensa
sobre o bem e o mal, a felicidade, o prazer, a compaixão, a
solidariedade e outros valores.

• Cidadania: (polis, Civita, cidade) A cidadania se refere as relações entre


os cidadãos, aqueles que pertencem a uma cidade, por meio dos
procedimentos e leis acordados entre eles. Nossa herança grega e latina
denota o sentido de pertencimento a uma comunidade organizada,
regida pelo direito, baseada na liberdade, participação e valorização
individual de cada um em um em uma instituição publica (não privada,
como a família) a que pertence. E uma experiência politica que sofreu
mutações históricas.
Um dos sentidos atuais da cidadania em sociedades de massa, em
Estados que congregam muitas diversidades culturais, e o esforço para
participar e usufruir dos direitos pensados pelos representantes de um
Estado para seus virtuais cidadãos, e vir a ser, de fato, um cidadão. Os
valores da cidadania são políticos: igualdade, equidade, justiça, bem
comum.

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5.Referências
ALMEIDA, Aires et al. A arte de pensar. Lisboa: Didatica Editora, 2004.

ALONSO, Felix Ruiz et al. Curso de etica na administracao. Sao Paulo:


Atlas, 2008.

MARCONDES, Danilo. Iniciacao a historia da filosofia: dos pre-


socraticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1998. (p 19-29)

CARVALHO, Jose Murilo. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de


Janeiro: Civilizacao Brasileira,
2001. p. 219-29

(LISBOA, Lazaro placido. Etica geral e profissional. Sao Paulo: Atlas,


2011.)

HARRY GENSLER, Etica, 1998, p.171


/Cidadania. Origem: Disponivel em:
http://www.brasilescola.com/sociologia/cidadania-ouestadania.
htm. Acessado em 07 de fevereiro de 2013.

PETER SINGER, Etica Pratica, Sao Paulo, 1993, pp. 113-4

http://fabiopassos.com.br/downloads/0924e11e3e59ef4c6e516f22ded407cc.
pdf

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