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Por indicação do industrial e levando consigo uma carta K.

é levado ao pintor que em um


campo marcado pela vaidade, melhor forma de prestígio não pode haver senão a angariada
com aquele que é responsável pela imagem dos magistrados – ou ao menos a imagem que os
próprios fazem de si mesmos – o pintor de retratos do tribunal Titorelli. Novamente a visão é
angustiante e claustrofóbica, encerrado em um pequeno aposento, cercado por todos os lados
por meninas, com Titorelli, o pintor de retratos, K. Tenta, desesperada e inutilmente
compreender as acusações que contra si pesam. quando perguntado sobre como assumiu a
função de pintor da justiça Titorelli responde no trecho: ― Duma maneira muito simples ―
respondeu o pintor por herança. já o meu pai era pintor do tribunal. É uma situação
que se lega sempre e que não pode ser ocupada por estranhos. De facto, a pintura
referente a cada categoria de funcionários obedece a regras tão diferentes, tão
múltiplas e sobretudo tão secretas que, de modo nenhum, são conhecidas fora de
certas famílias. No entanto, mesmo que eu o perca, ainda fico com tantas regras na
cabeça, regras essas que só eu conheço, que ninguém poderia disputar-me o
lugar. É que cada juiz quer ser retratado como o foram os grandes juízes de
outrora e só eu consigo fazê-lo. Declarando sua posição firme nessa função e alegando
que por conta disso pode tomar a liberdade de ajudar aqueles a qual denomina
“pobres coitados” , que estejam a braços com um processo. Então apresenta a K. três
modalidades de absolvição que ele pode escolher: A absolvição real, a absolvição
aparente e a prorrogação. Sendo a absolvição real não necessária a ajuda dele ou de
ninguém já que é para aqueles que realmente são inocentes. Absolvição aparente
exige um esforço violento e temporário, ao passo que a prorrogação implica um
esforço menor mas permanente. já prorrogação consiste em
manter permanentemente o processo na sua fase inicial. Para isso é necessário
que o acusado e o seu auxiliar, em especial este último, se mantenham em
permanente contacto com a justiça. Para se alcançar uma prorrogação não
é necessária, um dispêndio de forças tão grande como para se obter uma
absolvição aparente, mas e preciso ter-se uma atenção muito maior. Não se pode
tirar os olhos do processo; é necessário ir regularmente ter com o 'juiz que nos
interessa e, acima de tudo, procurar mantê-lo, por todos os meios, bem-disposto
connosco. Se não se conhecer pessoalmente o juiz, torna-se necessário procurar
juizes conhecidos para exercerem sobre ele a sua influência; no entanto isso não
significa que se deva desistir dos contactos directos. Se neste aspecto não houver
qualquer negligência, pode-se ter quase a certeza absoluta de que o processo não
ultrapassa a sua primeira fase. Na verdade, o processo não termina, mas o réu
fica quase tão ao abrigo de uma condenação como se estivesse em liberdade. A
prorrogação possui, em relação à absolvição aparente, a vantagem de tornar
menos incerto o futuro do acusado; este fica livre do susto de uma prisão
repentina e não tem que recear, precisamente na altura em que as circunstâncias
lhe são tão desfavoráveis, ser obrigado a tomar a seu cargo as canseiras e as
aflições que a obtenção da absolvição aparente implica. No entanto, a
prorrogação tem igualmente certos inconvenientes para o acusado que não devem
ser subestimados. Não estou a pensar no facto de nesta modalidade o acusado
nunca ser livre; também o não é, no sentido próprio do termo, na absolvição
aparente. Trata-se de um outro inconveniente. O processo não pode permanecer
parado sem que para tal existam pelo menos razões aparentes. Por conseguinte, é
necessário criá-las. Assim, de vez em quando, tem de se tomar diversas
disposições, interrogar o acusado, realizar investigações, etc. O processo é pois
obrigado a girar no mesmo pequeno círculo a que artificialmente o limitaram.
Isso, naturalmente, acarreta certos inconvenientes para o acusado; não obstante, o
senhor não os deve ter na conta de demasiado graves. De facto, é tudo apenas
aparência, os interrogatórios, por exemplo, são muito breves; além disso, se uma
pessoa não tem tempo ou vontade de lá ir, pode dar qualquer desculpa; com
certos juizes, podem-se mesmo estabelecer de antemão as disposições a tomar
durante um longo espaço de tempo. No fundo, tudo se resume a isto: o acusado,
de vez em quando, apresenta-se ao seu juiz. Após apresentadas as três modalidades K.
chega a conclusão de que escolhendo as duas opções oferecidas por Titorelli como as
únicas as quais ele poderia de fato realizar K. estaria impedido a absolvição real.
Chegando a esta conclusão ele se sente cada vez mais preso e afetado pelo tamanho do
ateliê do pintor e apreçasse para sair do lugar, ao se ver encurralado pelo pintor que
tenta vender seus quadros representando charnecas que de fato atraem sua atenção, o
pintor aproveita para lhe empurrar outros diversos quadros que são exatamente iguais,
apressado para ir embora K. compra-lhe todos os quadros oferecidos e assim que faz
menção para sair assusta-se chamou a atenção do pintor para a janela que está olhando
― São as repartições da justiça. Não sabia que há aqui repartições da justiça? Existem
em quase todos os sótãos; por que razão havia
logo este de não as ter? O meu atelier também lhes pertence, mas a justiça pô-lo à
minha disposição Respondeu o pintor.

Charneca: terreno inculto e árido onde há apenas vegetação rasteira com plantas e
arbustos muito resistentes.

Pág: 101-117 Queila Gomes

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