Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
06 de abril de 2023.
O processo penal é a pedra de toque da civilidade não apenas porque o delito, de diferentes
representa a relação que se desenvolve entre quem o comete, ou se supõe que o comete, e
aqueles que assistem à sua perpetração. No entanto, é o que ocorre, nove a cada dez vezes, no
processo penal.
A toga, assim como o traje militar, desune e une, ela separa os magistrados e advogados dos
leigos para uni-los entre si. O juiz, como se sabe, não é sempre um homem só. No entanto,
dizemos “juiz” também quando os juízes são mais de um, precisamente, porque se unem uns aos
outros, assim como as notas emitidas por um instrumento musical se fundem nos acordes.
Aparentemente, eles estão divididos, mas na realidade estão unidos, no esforço que cada um
São cada vez mais raros os juízes que usam da severidade necessária para reprimir tal desordem.
Quidquid latet apparebit, repete ele: tudo o que está oculto será revelado.
Basta tratar o delinquente como um ser humano, e não como besta, para se descobrir nele a
chama incerta do pavio fumegante que a pena, em vez de extinguir, deve reavivar.
Cada um de nós é prisioneiro, na medida em que está encerrado em si mesmo, na solidão do seu
eu e no amor próprio.
O delito não é senão uma explosão do egoísmo. O outro não conta; o que conta é apenas o eu.
As pessoas não sabem, nem o sabem os juristas, que o que se pede ao advogado é a esmola da
A inimizade ocasiona um sofrimento ou, pelo menos, um dano comparável ao de certos males
Algumas vezes, nas causas mais graves, parece que o mundo inteiro está contra ele.
É necessário se colocar no lugar dos acusados, para compreender a sua espantosa solidão e a sua
Em conclusão, é necessário submeter o juízo próprio ao alheio, ainda quando tudo faz crer que
A poesia é algo que um advogado sente em dois momentos de sua carreira: quando veste pela
primeira vez a toga e quando, se ainda não se aposentou, está para aposentá-la – na alvorada e no
crepúsculo.
3
Aqueles que estão diante do juiz para serem julgados são partes, quer dizer que o juiz não é
parte.
Ser e não ser, simultaneamente, parte: esta é a contradição em que se debate o juiz.
Nenhum ser humano, se pensasse no que é necessário julgar outro ser humano, aceitaria ser juiz.
Somente a consciência da sua indignidade pode ajudar o juiz a ser menos indigno.
O juiz, para ser juiz, é preciso crer que não se põe a alma humana sobre a mesa de Anatomia,
O que cada um de nós crê ser a verdade não é mais do que um aspecto da verdade – algo como
As razões são “aquela fração” de verdade que cada um de nós julga haver alcançado.
O seu ofício é argumentar, mas argumentar de um modo peculiar, para atingir uma conclusão
preconcebida.
O defensor e o acusador devem buscar as premissas para chegar a uma conclusão preconcebida.
Se o advogado fosse um argumentador imparcial, não apenas trairia o seu próprio dever, como se
colocaria em contradição com a sua razão de ser no processo, de maneira que este ficaria
desequilibrado.
Essa degeneração do processo penal é um dos sintomas mais graves da civilização. Todos sabem
Quando, num processo de homicídio, se estabelece a certeza de que o acusado matou um homem
com um tiro de pistola. Ainda não se conhece todo o necessário para se proferir a condenação. É
certo que não se pode julgar a intenção a não ser pela ação. É preciso, porém, que consideremos
A ação humana não é um ato singular, mas todos os atos, em seu conjunto.
Isso significa que, depois de haver construído um fato, o juiz percorreu apenas a primeira etapa
do caminho.
Para além dessa etapa, o caminho prossegue, porque a vida inteira do acusado ainda está por ser
explorada.
O ofício de historiador, que a lei atribui ao juiz, torna-se tão mais impossível quanto mais se
reconhece que, para obter a história do acusado, ele precisa superar a desconfiança, que impede o
relato sincero.
A desconfiança não é vencida senão com a amizade, porém a amizade entre o juiz e o acusado
O processo penal é uma pobre coisa à qual foi confiada uma missão pode demais elevada para
Isso não quer dizer que se possa prescindir do processo penal, ma, se temos de reconhecer a sua
Essa é uma condição para a civilização, que exige que se trate com respeito não apenas o juiz,
O homem não dispõe de outro meio para resolver o problema do futuro a não ser olhar para o
passado.
5
Se há um passado que se reconstrói para dele fazer-se a base do futuro, no processo penal, esse
passado é o do preso.
Não existe razão para se estabelecer a certeza de que o delito ocorreu, a não ser para se aplicar a
pena.
Há casos em que fica claro que o processo, ou melhor, aquela parte voltada para a reconstrução
da história, como todos os seus sofrimentos, com todas as suas angústias, com todas as suas
vergonhas, basta para assegurar o porvir do acusado, no sentido de que ele compreendeu o seu
erro, e não só o compreendeu como ainda o expiou com aquele peso de sofrimento, de angústia,
de vergonha.
Mas não se pode ocultar que direito e processo são uma pobre coisa e que é da consciência dessa
Quando ele é inocente, o juiz declara que o acusado não cometeu o ato, ou que o ato não
constitui delito.
Porém, nos casos de insuficiência de provas, o juiz declara que nada pode declarar.
Porém, é esta irresponsabilidade que assinala um outro aspecto em demérito do processo penal.
ser levado perante o juiz, investigado, não raro arrancado de sua família e dos seus negócios,
6
prejudicado, para não dizer arruinado, perante a opinião pública, para depois nem sequer ouvir as
desculpas de quem, embora sem dolo, perturbou e algumas vezes despedaçou a sua vida.
Absolvido, ainda que surjam novas provas contra ele, o acusado permanece seguro.
É costumeiro dizer-se que a pena não tem somente a função de redimir o culpado, mas também a
de admoestar as demais pessoas, que poderiam ser tentadas a delinquir e que precisam ser
É necessário ser pequenino para compreender que o delito se deve à falta de amor.
Os sábios procuram a origem do delito no cérebro, os pequeninos não se esquecem de que, como
Ao sair da prisão, o ex-condenado crê não ser mais um preso, mas as outras pessoas não o veem
assim.
Crueldade por se pensar que alguém deve continuar a ser para sempre o que foi.
As pessoas creem que o processo penal termina com a condenação, o que não é verdade.
As pessoas pensam que a pena termina com a saída do cárcere, o que tampouco é verdade.
7
As pessoas pensam que a prisão perpétua é a única pena que se estende por toda a vida: eis uma
outra ilusão.
Senão sempre, pelo menos nove a cada dez vezes, a pena jamais termina.
Civilização, humanidade, unidade são uma única coisa: a possibilidade alcançada pelos homens
de viver em paz.
À medida que tem acesso a uma experiência processual penal mais profunda e refinada, o jurista
Não se trata de desvalorizar o direito, mas de evitar que ele seja valorizado em excesso
Tudo o que se poderia obter, se o direito fosse construído e manejado da melhor maneira
Os homens não podem ser divididos em bons e maus, mas que eles tampouco podem ser
divididos em livres e presos, pois fora do cárcere há presos mais presos do que os que estão
dentro dele, assim como dentro do cárcere há pessoas mais livres do que as que estão fora dele.
Para sermos libertos, talvez não possamos contar com maior ajuda do que a que nos oferecem os
Carnelutti defende que o processo penal deve ser mais humanizado e menos burocrático, pois
O livro apresenta diversos exemplos de casos em que o sistema penal falhou, bem como
Este conteúdo será útil para aqueles que desejam um resumo dos capítulos do livro e, assim,
O que se pretende com este livro, segundo o próprio autor, é fazer do processo penal um motivo
Para Carnelutti, o próprio ato de julgar com base em normas jurídicas já é artificial.
Para julgar um processo penal, seria preciso ver o todo, seria preciso conhecer a vida inteira do
acusado.
Como o ser humano não pode antever o futuro, e o passado se apresenta inapreensível, devido ao
volume e complexidade das tramas que o compõem, todo julgamento está fadado ao insucesso.