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I – O Drama

O interesse do público pelos processos, principalmente pelos penais, mas também pelos
civis, sempre existiu, porém hoje, talvez esse interesse tenha chego no seu apogeu. Por
que tanta curiosidade? Quereis que respondamos cruamente? Bem, porque as pessoas
estão ávidas por diversão.

Um traço comum, entre outros, à representação e ao processo é que cada um deles tem
suas leis, mas se público que assiste a um ou ao outro, não as conhece, não entende
nada. Precisamente as regras do jogo não têm outra razão de ser que garantir a vitória a
quem a tenha merecido.

Contudo, a liberdade vale mais que a vida; e ainda que eu tenha dito, no curso de
‘’Como nasce o direito’’, que esta sagrada palavra deve ser tomada no sentido mais
elevado do que creem aqueles para os quais tal liberdade se resolve na possibilidade de
se fazer o que agrada, até mesmo precisamente por isso, o certo é que, na maioria dos
processos penais, inclusive nos que podem parecer menos graves, está em jogo a
liberdade do imputado.

Certamente, não tem tanta importância a discussão sobre a propriedade, que constitui a
matéria costumeira dos juízos cíveis, os quais, na maioria dos casos, parecem dedicados
aos interesses materiais, sem dúvida menos elevada que aqueles interesses morais
supremos dos quais temos falado até agora: mas seria necessário considerar como a
propriedade é a outra face da liberdade.

O processo, depois de tudo, é o sub-rogado da guerra. É, em outras palavras, um


modo para domesticá-la. Recordemos, por enquanto, o que dissemos no curso anterior
sobre as relações entre o direito e a guerra: nasce o direito para que a guerra morra. Em
vez de a guerra de todos contra todos, é a guerra entre apenas dois, entre duelistas.
O processo é um combate a tal ponto que, em certos tempos e entre certos povos, é feito
com as armas. O êxito do duelo indica a vontade de Deus.

Mais adiante os meios de combates se transformam e a relação entre vencer e ter razão
se inverte: não mais quem vence é quem tem razão, mas quem tem razão acaba
vencedor.

Nos estádios, já não está mais em jogo à vida dos lutadores, mas nos tribunais a
multidão pode verdadeiramente gozar o cruel espetáculo da discórdia. Os expertos no
processo, juízes ou defensores, sabemos que as experiências mais sangrentas são
exatamente aquelas em que lutam entre si os descendentes de um tronco comum.

As leis não são mais que instrumentos, pobres e inadequados, quase sempre, para
tratar de dominar os homens quando, arrastados por seus interesses e suas paixões,
em vez de se abraçarem como irmão, tentam se despedaçar como lobos.

II – O Processo Penal

O processo penal sugere a ideia de pena; e esta, a ideia do delito. Por isso, o
processo penal corresponde ao direito penal. Como o processo civil corresponde ao
direito civil. Mais concretamente, o processo penal se faz para castigar os delitos;
inclusive para castigar os crimes. A propósito do qual se recorda que não se castigam
apenas os delitos, mas também essas perturbações menos graves da ordem social, que se
chamam contravenções.

Precisamente porque os delitos perturbam a ordem e a sociedade necessita de ordem, ao


delito deve seguir a pena para que as pessoas se abstenham de cometer outros delitos e
a mesma pessoa que o tenha cometido possa recuperar sua liberdade, que é o domínio
de si, e com ela a capacidade de reprimir as tentações, que, por desgraça, nos espreitam
continuamente ao longo de nosso caminho.

Infelizmente, a justiça se é segura não é rápida, se é rápida não é segura. É preciso ter a
coragem de dizer, por sua vez, também do processo: quem vai devagar, vai bem e vai
longe. O castigo, infelizmente, não pode ser rápido, como o delito.

E, essas exigências, logicamente, se explicam pensando que castigar quer dizer, antes
de mais nada, julgar. O delito, depois de tudo, pode acontecer de maneira rápida,
exatamente porque, na maioria das vezes, é sem juízo. Se quem o comete tivesse juízo,
não cometeria. O processo penal, por conseguinte, é em sua essência um juízo, mas se é
chamado de processo é cabalmente para dar a entender que o juízo procede, ou deve
proceder, ou não pode menos que proceder com muita cautela.

Eis aqui porque, como diremos melhor a seguir, o processo penal se desdobra
normalmente em duas fases distintas, uma das quais toma o nome de instrução e a
outra, de debate, as quais servem nem tanto para castigar quanto para saber se deve
castigar. A não agir assim, correr-se-á o risco de castigar inocentes.
Somente que tampouco esse exame duplo, que se faz normalmente mediante a instrução
e o debate, exime o erro judicial, que tanto pode ser positivo (condenação de um
inocente) como negativo (absolvição de um culpado).

Se for inocente, o processo, na verdade, está terminado e todos têm a impressão de que
terminou na melhor maneira. Mas a verdade é que, neste caso, a máquina judiciária
trabalhou com prejuízo, e tal prejuízo consiste não apenas no custo do trabalho
realizado, mas sobretudo, no sofrimento daquele a quem o processo foi imputado e
muitas vezes até foi encarcerado, quando nada disto deveria ter sido feito a ele. A partir
deveis compreender que a chamada absolvição do imputado é a quebra do processo
penal: um processo penal que se resolve com uma sentença como esta é um
processo que não deveria ter sido feito.

Depois de tudo, condenar não quer dizer mais que ordenar o castigo. Mas este,
depois de ordenado, deve ser executado, e a execução muito frequentemente, dura anos
e anos, sendo que não raras as vezes, dura a vida toda do condenado. Com a condição
definitiva, cai efetivamente a cortina em um dos teatros faz justiça, mas se eleva em
outro: o primeiro se chama tribunal, o segundo penitenciário.

De acordo com os técnicos, depois do processo de cognição, que serve para saber se
um homem é culpado ou inocente, quando se resolve com a condenação, vem o
processo de execução.

De todos os modos, dizíamos, ao transferir-se do tribunal à penitenciária, o processo


continua seu triste caminho. Aqui também as pessoas têm impressões erradas, que devo
tratar de ratificar. Tem-se a impressão de que o caminho por fim chegou à meta quando
a pena infligida com a condenação foi expiada, ou, como se diz, quando foi cumprida a
condenação. Mas qual é a meta da cura de um doente, senão sua cura? Infelizmente, são
poucas as curas. Desta forma, ainda quando pareça que alcançou sua finalidade, o
processo penal fracassou em seu objetivo.

III – O Processo Civil

O processo civil se distingue, em uma rápida olhada, do processo penal, por um caráter
negativo: não existe um delito, sendo o delito a negação da civilidade, a fim de nos
entendermos, poderíamos chamar ao processo penal de um processo incivil; e ao
processo civil por sua vez, o chamaríamos civil porque se realiza inter cives, quer
dizer, entre homens dotados de civilidade.

A civilidade não é, pois, outra coisa que um andar de acordo. Mas se os homens têm
necessidade do processo, isto quer dizer que falta acordo entre eles. O gérmen da
discórdia é o conflito de interesses.

Uma situação dessas ainda não é a guerra entre ambos, mas contém em potência, de
onde se conclui que alguém ou algo deve intervir para evita-la. Esse algo é o processo,
que se chama civil porque ainda não surgiu o delito que reclama a pena; e a
situação, frente a qual intervém, toma o nome de litígio ou lide.

A lide é, pois, um desacordo. Elemento essencial do desacordo é um conflito de


interesses. Sobre este elemento substancial, se implanta um elemento formal, que
consiste em um comportamento correlativo dos dois interessados: um deles insiste ser
tolerado pelo outro, assim como exige a satisfação de seu interesse, e a essa exigência
se chama pretensão; mas o outro, em vez de tolerá-lo se lhe opõe.

A lide ainda não é um delito mas o contém como gérmen. Entre lide e delito, existe a
mesma diferença que entre perigo e danos. Por isso, litigiosidade e delinquência são
dois índices correlativos de incivilidade. Na lide está sempre implícita uma injustiça.
De fato, não é possível que ambos os litigantes tenham razão.

O processo civil, pois, opera para combater a lide como o processo penal opera
para combater o delito. Mas a ação, ou melhor, a reação do processo civil, é mais
complexa que a reação ao processo penal. Às duas formas do processo civil,
preventiva ou repressiva, poder-se-ia dar genuinamente o nome de processo civil com a
lide ou sem lide.

O processo civil voluntário, que, portanto, tem caráter preventivo, é a figura menos
importante, ou, com mais exatidão, menos complexa dos dois. A figura do processo
civil que mais chama a atenção do público é a do processo repressivo, ou contencioso,
como se queira chama-lo, que se desenvolve, em presença de um litígio.

Em todos estes casos, e em mais mil outros, onde o egoísmo coloca em desacordo os
homens que se encontram em conflito de interesses, vemos que se dirigem ao juiz para
pedir-lhe cada qual que lhe dê a razão e a negue ao outro litigante.
Naturalmente, quando se trata de processo contencioso, esta dependência da iniciativa
dos litigantes, que constitui sua força motriz, vem a ser a razão de que também o
processo civil, como o processo penal, esteja destinado a percorrer um lento e comprido
caminho: não só a justiça penal, mas também a justiça civil anda como uma tartaruga.

Mas, infelizmente, os litigantes, cada um dos quais acredita ter razão, ou, em todo caso,
quer vencer ainda que não a tenha, procura, como se costuma dizer, embaralhar os
papéis. Se uma providência do juiz não corresponde às suas expectativas, cada qual
busca todos os meios para fazer com que ela seja revogada ou modificada e, se não
consegue, dificilmente se resigna a executar as ordens do juiz.

IV – O Juiz

Tanto o processo penal quanto o processo civil nos oferecem uma distinção entre quem
julga e quem é julgado. No fim das contas, a necessidade do processo se deve à
incapacidade de alguém para julgar, por si só sobre o que deve e o que não deve ser
feito. O processo serve, pois em uma palavra, para estabelecer que entre em juízo
aqueles que não tem. Quem faz entrar em juízo, quer dizer, quem prova aos outros o
juízo de que necessitam, é o juiz.

Juiz é, em primeiro lugar, alguém que tem juízo. Para que se compreenda como se faz
um processo, deve-se compreender como se faz para julgar. A ciência do direito teria
que ser a ciência do juízo.

Na raiz dessa intuição está, ainda para os descrentes a palavra de Cristo: não julgueis.
Ainda hoje, se o juiz, apesar do desprezo em relação às formas e aos símbolos, que é
dos caracteres pejorativos da vida moderna, leva o hábito solene que chamamos de toga,
isto responde à necessidade de fazer visível a majestade, e esta é um atributo divino.

Mas, onde encontrar um homem que seja mais homem? Neste aspecto, o problema do
processo é semelhante a um quebra cabeça. Provavelmente as soluções no plano lógico,
são duas, dependendo dos conceitos de qualidade e quantidade. Do ponto de vista
qualitativa, aflora novamente a coincidência original entre o juiz e o sacerdote. No
aspecto quantitativo, trata-se de acrescentar a idoneidade do homem, juntando vários
homens ao mesmo tempo; este é o princípio do colégio judicial ou do juízo colegiado.

Todos concordam em reconhecer que o juiz deveria ser o melhor; mas como encontra o
melhor? Hoje, a regra consiste em que o juiz é escolhido pelo Estado, ou seja, por
determinados órgãos do Estado, segundo certos dispositivos que se conceituam idôneos
para fazer a escolha. Estes dispositivos são de dois tipos, conforme a eleição seja feita,
em nível superior ou inferior, por decreto ou por escolha.

O chamado colégio judicial ou juízo colegiado é ainda nos dias de hoje, um tipo de
juízo que existe, mas que ao lado, acima do juízo singular, no sentido que se considera
que oferece maiores garantias ao feliz cumprimento de seu ofício: mas apenas em razão
de maior custo, para os processos penais ou civis de menor importância, se prefere o
juízo singular ao colegiado.

Certamente, é necessária uma colaboração dos leigos com os técnicos do direito, tanto
para resolver problemas técnicos distinto dos que se referem ao direito (para indagar,
por exemplo, as causas do desmoronamento de um edifício ou da morte de um homem),
como também para provê-lo de um critério de justiça imediato e independente dos
esquemas da lei, os quais frequentemente se adaptam mal à natureza do caso, mas para
esta necessidade, seria melhor sua assistência ao juiz de direito no conceito de
consultor, que a introdução do leito no colégio judicial.

Esta assistência do consultor, ou do perito, como se queira chamar, não é a única


assistência necessária ao juiz em sua difícil atuação. É, inclusive, uma assistência da
qual ele nem sempre tem necessidade, enquanto que é constante a exigência de que seja
ajudado por outros no que diz respeito às formas de atividade inferior que respondem às
chamadas funções de ordem, segundo a terminologia burocrática. Assim, ao lado dele,
vemos, em primeira linha, duas figuras bem conhecidas, que são a do secretário e a do
oficial de justiça, adstrito o primeiro particularmente à documentação que constituem a
prova dele, e o segundo à notificação, ou seja, a fornecer as notícias que são necessárias
para procurar ao juiz a presença e colaboração de pessoas a respeito quais, ou em
concurso das quais, ele tem que atuar.

O Juízo, singular ou colegiado, juntamente com o secretário e o oficial de justiça, são as


figuras principais que constituem um grupo de funcionários do Estado, que pela
estabilidade de seus atos, se chama ofício e, pelo caráter específico dos mesmos, se
denomina ofício judicial.

IV – As partes
Uma diferença que parece distinguir o processo penal do processo civil: neste último,
aqueles sobre os quais se deve julgar são sempre dois: o juiz não pode dar razão a um
deles sem negá-la ao outro, e vice-versa. No processo penal, ao contrário, o juízo diz
respeito somente ao imputado. Quando, além do imputado, há também a chamada parte
civil, já não se trata de processo penal puro, mas de um processo misto.

Essa diferença diferencia também o processo voluntário do processo contencioso.


Poderíamos dizer, para nos entendermos, que o processo contencioso é essencialmente
bilateral, enquanto que o processo voluntário é, ou ao menos pode ser, unilateral; por
isso o processo contencioso é, com respeito ao processo voluntário, um processo de
partes.

A estrutura do processo contencioso permite entender por que os que devem ser
julgados se chamam partes. A noção de parte está, portanto, vinculado à de discórdia,
que, por sua vez, é o pressuposto psicológico do processo: não haveria nem litígios nem
delitos se os homens não se dividissem.

Compreende-se, pois que, também o imputador, na frente do juiz, seja uma parte. Tal
fato justifica que a diferença entre processo penal e processo civil, ou mais
genericamente, entre processo voluntário e processo contencioso, seja unicamente no
sentido de que neste último as partes entram em cena, enquanto que no processo penal,
ou, em geral, no processo voluntário, uma delas fica nos bastidores.

Sobre o fundo do processo, as partes são, pois, sempre duas. Quando se trata de delitos
se distinguem por uma razão substancial: um é o que atua, e o outro o que sofre a ação.
Em contrapartida, quando se trata de litígio, a distinção se fundamenta na iniciativa:
uma das duas partes pretende e a outra resiste à pretensão.

A parte, no processo penal, recebe o nome de imputado. Imputado é aquele que é


submetido ao processo penal com a finalidade de que o juiz comprove se ele cometeu
ou não um delito e, em caso afirmativo, o castigue. O processo penal, nasce, portanto,
com a imputação.

Antes de formular a imputação, realizam-se certos atos preparatórios dela. Mas,


enquanto não haja um indício no lugar da simples possibilidade, não tem início um
processo penal verdadeiro e próprio. Nesta fase, pode intervir o ofício judicial.
No processo civil, as partes adotam o nome de autor e demandado. Enquanto se torna
imputado como consequência do ato de imputação do juiz, torna-se autor ou demandado
dependendo de uma iniciativa das partes. Autor é propriamente, das partes, aquele que
pede ao juiz o juízo e, assim é chamada, precisamente porque toma a iniciativa da
atuação; e é demandado aquele a respeito da qual se demanda o juiz, e assim se chama
porque lhe é pedido, convidado ou demandado, se apresentar diante do juiz justamente
com o autor, a fim de que um e outro possam ser julgados.

Imputado pode ser um homem sempre que seja uma pessoa. Autor ou demandado, por
sua vez, podem ser homens, ainda que não sejam pessoas, ou pessoas, ainda que não
sejam homem. Homem e pessoa não são a mesma coisa: o primeiro destes conceitos se
refere a vida física, o segundo à vida espiritual. Há homens aos quais não se lhes
reconhece a personalidade: ocorre mediante a atribuição da capacidade jurídica: são
então chamados incapazes; e o inverso é o reconhecimento da personalidade não já a
homens, mas a grupos de homens que, na linguagem jurídica corrente, fala-se de
pessoas jurídicas em vez de pessoas físicas.

Posto que o processo penal apenas é feito para certificar e determinar a responsabilidade
penal, o conceito de parte está duplamente limitado a respeito dele. Não pode ser
imputado, porque não é penalmente imputável, um menino com menos de nove anos ou
um doente mental, como não pode ser penalmente imputável uma pessoa jurídica.

Em contrapartida, uma vez que o processo civil é realizado para reprimir ou para
prevenir uma lide, o conceito de parte a respeito dele se estende a todos os homens,
ainda que não sejam pessoas e a todas as pessoas ainda que não sejam homens, desde
que neles se encarne um dos interesses comprometidos no litígio. Um menino com
menos de nove anos ou um doente mental não pode ter cometido um delito, mas pode
ser proprietário de uma coisa, assim como credor ou devedor de uma soma.

O juízo do juiz transforma, pois, o mandato genérico da lei, é um mandato específico,


dirigido à parte ou partes a respeito das quais ele o pronuncia. O juiz tem em sua mão a
balança e a espada: se a balança não bastar para persuadir a espada serve para compelir.
Por isso, quando o ladrão é condenado, deve ir à prisão, por boa vontade ou por foça.
Quando o juiz exige ao devedor que pague a letra de cambio, se não paga tomam-se lhe
tantos bens quantos sejam necessários para transformá-los no dinheiro necessário para o
pagamento. A estes propósitos, os juristas dizem que o juízo do juiz tem força
executiva. Com isso, querem dizer que, ainda que as partes não se prestem a executá-lo,
alguém intervém para fazê-lo executar pela força.

VI – As provas

No início, o juiz se encontra diante de uma hipótese, pois não sabe como as coisas
aconteceram.

Se soubesse, se tivesse presenciado os fatos sobre os quais deve julgar, não seria juiz,
mas testemunha e, ao decidir, precisamente converte a hipótese em tese, adquirindo a
certeza de que um fato ocorreu ou não, quer dizer, certificando esse fato.

As provas são fatos presentes sobre os quais se constrói a possibilidade da existência ou


inexistência de um fato passado; a certeza resolve-se, a rigor, em uma máxima
probabilidade. Não se pode pronunciar um juízo sem provas; não é possível fazer um
processo sem provas.

Provas pessoais, as quais consistem no modo de ser de um homem; provas reais, as


quais consistem no modo de ser de uma coisa. Exatamente porque as provas são um
modo de ser de homens e de coisas e esse modo de ser está sujeito a contínua mutação.
Uma das precauções em matéria de provas é sua apreensão o mais rápido possível, e sua
conservação numa forma que possa prestar-se a observações posteriores. Apreensão e
conservação das provas dos delitos constituem os feitos principais da polícia judiciária.

As provas se dividem em provas representativas e provas indicativas ou indiciárias.

No atual estado da técnica, podemos falar de uma representação direta e de uma


representação indireta. A indireta, que é a mais antiga e antiga constitui a regra do
processo, é feita através da mente do homem que descreve o que percebeu. A
representação direta se obtém mediante coisas capazes de registrar os aspetos óticos ou
acústicos dos fatos e reproduzi-los.

A representação indireta é levada a cabo de dois modos diversos. De acordo com este
critério, distingue-se representação documental de representação testemunhal. A
testemunha é uma pessoa, o documento é uma coisa que narra. O documento garante a
fidelidade das provas, protege em particular dos perigos da infidelidade da memória do
homem; mas, por outro lado, o testemunho pode adaptar-se com mais maleabilidade às
exigências do juiz, as quais, no momento em que se forma o documento, podem não
estar totalmente previstas.
E já indicamos a razão pela qual o documento serve, preferencialmente em ordem, ao
processo civil e o testemunho, em ordem, ao processo penal. Neste último, os fatos que
devem ser certificados são tipicamente fatos ilícitos que, na maioria dos casos, se
subtraem à documentação, enquanto que, no processo civil, se comprova que são
frequentemente atos lícitos, contratos, acordos, testamentos e similares, que, em geral,
no mesmo momento em que se realizam, são documentados u pelas próprias partes que
o realizam, ou por um documentador público, em particular por um tabelião/notário.

As provas indicativas, à diferença das representativas, não sugerem imediatamente a


imagem do fato que se quer certificar e, portanto, não atuam através da fantasia, mas por
meio da razão, a qual se servindo das regras extraídas da experiência, argumenta, por
meio delas, sobre a existência ou inexistência do fato em si. Tais provas distinguem-se
em duas categorias, segundo sejam naturais ou artificias; as provas indicativas naturais
denominam-se indícios; as artificias levam o nome de sinais. Esses dois tipos de provas
indicativas servem também, em medida diversa, para o processo penal ou para o
processo civil.

As provas, qualquer que seja o tipo a que pertençam, devem, em primeiro lugar, ser
percebidas pelo juiz e, segundo lugar, por ele valoradas. O juiz deve, em particular,
interrogar as partes e as testemunhas, assim como ler os documentos, interpretar sua
narração e estimar sua veracidade. O interrogatório das partes e das testemunhas se
guia à medida que se sucedem as impressões que o juiz recebe acerca da exatidão e
sinceridade dos relatos.

A experiência do processo ensina, sobretudo, também ao grande público, que as provas


não são frequentemente suficientes para que o juiz possa reconstruir com certeza os
fatos da causa. As provas deveriam ser como faróis que iluminaram seu caminho na
escuridão do passado; mas frequentemente, esse caminho fica em sombras. Em todo
caso, no suposto da incerteza, se corre o risco de cometer uma injustiça. Estes são os
casos em que o processo fracasso no seu objetivo. Contudo, repito, deve-se julgar.
Considerou-se sempre como mal menor a absolvição de um culpável, que a condenação
de um inocente.

VII – As Razões
Em duas palavras, depois de ter remontado o curso do tempo remexendo no passado, o
juiz tem que se dirigir ao futuro, depois de te estabelecido o que foi, tem que estabelecer
o que será: Renan roubou, por conseguinte, deve restituir e ir ao cárcere.

Pois bem, se as provas servem para buscar no passado, as razões ajudam o juiz a
penetrar no segredo do futuro.

O homem razoável, o que raciocina, é aquele que não se fia na intuição, mas a verifica
cautelosamente. Pois bem, a finalidade da verificação não é outra senão a de prever as
consequências das próprias ações, que são boas ou más, conforme tenha de advir delas
um bem ou um mal. O juízo do juiz, em sua segunda fase, que é a fase crítica, se
resume, em última análise, em saber se uma parte, agindo como o fez, teve razão ou
não.

As razões devem em primeiro lugar ser buscadas da mesma forma que as provas. Para
orientar-se no labirinto dos códigos, o juiz não apenas deve ter um conhecimento
profundo dele, mas deve possuir uma perspicácia que lhe permita captar, de uma olhada,
a semelhança entre o fato que conseguiu estabelecer e a hipótese, isto é, o caso previsto
pela lei. Se o médico não tem o que se chama de olho clínico, não lhe bastará a
preparação doutrinal.

Uma vez que encontrou ou acredita ter encontrado a norma referente ao caso, ele deve
interroga-lo com atenção, com atenção não menor que a necessária para examinar um
documento ou um testemunho. Alguém lhe fala através da norma, exatamente como o
faria a testemunha.

Por último, também as razões, como as provas, têm que ser valoradas; e esta operação,
que é ainda mais difícil e delicada, recebe o nome de interpretação da lei. A
interpretação, como a própria palavra diz, é uma mediação: juiz deve situar-se entre a
lei e o fato.

As leis do direito supõem um fato e extraem dele certas consequências. A hipótese do


fato se resolve na descrição de um fato; mas é uma descrição sumária ou genérica,
formada com poucos caracteres. Numa palavra, a lei é abstrata e o fato é concreto. Mas
o feito do juiz, como já dissemos, consistem em transformar a lei ditada, em geral para
categorias inteiras de casos, em uma lei especial para este caso particular. Nisto está a
mediação, o juiz, ao menos enquanto é juiz de direito, deve estender uma ponte entre a
lei e o fato.

Precisamente nessa conversão da lei geral na lei especial culminam a necessidade e a


dificuldade do feito do juiz. A lei, ainda que geral, está feita para governar os casos
concretos. Não agiria, por conseguinte, se não se convertesse em lei especial em cada
caso.

VIII – O Contraditório

Convém partir do princípio de que cada uma das partes tem interesse me que o processo
conclua de um modo determinado. É natural, portanto que a parte ofereça ao juiz as
provas e as razões que considere idôneas para determinar a solução por ela desejada.
Mas se a colaboração de uma parte é parcial ou, em outros termos, tendenciosa, este
defeito se corrige com a colaboração da parte contrária, uma vez que esta tem interesse
em desvelar a outra parte da verdade. Portanto, o que torna possível e útil tal
colaboração é o contraditório.

Nesse sentido se fala, entre outras coisas, de ônus da prova. Cada uma das partes deve
apresentar as provas dos fatos dos quais depende que o juiz lhe dê a razão. Em
particular, o juiz é sempre livre, tanto na crítica das provas como na busca e valorização
das razões. Sua dependência do contraditório limita-se à indagação dos fatos dos quais
as partes, que os viveram, estão naturalmente mais informadas do que ele.

O contraditório se desenvolve nos moldes de um diálogo, para cuja eficácia se necessita


de certa preparação técnica e de um certo domínio de si: duas qualidades das quase
raramente as partes estão dotadas. Comumente, elas são inexperientes e estão
dominadas pela paixão. Por isso, ao menos no processo de maior importância, as partes
atuam por meio de certos técnicos ao quais se dá o nome de defensores. Estes não são,
nem devem ser como os juízes, funcionários do Estado, mas igualmente exercem, se
bem que o regime privado, um ofício público.

Segundo uma distribuição de tarefas, que podemos deixar de lado, os defensores se


classificam em advogados e procuradores. O defensor, portanto, em reciprocidade
com o serviço prestado, tem direito ao pagamento de uma mercê ou, como costuma se
dizer, de uns honorários, salvo que à parte, quando se encontre em condições de
pobreza, lhe seja concedido o benefício do patrocínio gratuito.
O juiz deve superar a dúvida, mas, para superá-la, deve propô-la, não basta apenas um.
Não nos esqueçamos de que dúvida, como duelo, vem de duo. Entre MP e defensor não
se desenvolve, pois, um duelo? Para saber se o imputado é inocente ou culpado, o juiz
necessita de que um acuse e o outro defenda; ele não pode saber se tem razão a
acusação ou a defesa sem escutar a uma ou a outra. As partes servem ao processo
combatendo-se entre si. MPs e defensores foram criados para isso.

O MP não opera apenas no processo penal. Pense-se no caso de dois conjugues, um dos
quais queiras fazer que se declare a certeza contra o outro da nulidade do matrimônio,
pois, comumente têm, um e outro, o mesmo interesse em desvincular-se
reciprocamente. Compreende-se que, em tal caso e em muitos outros análogos, seja
oportuna a intervenção do MP a fim de reforçar o contraditório também no processo
civil.

IX – Introdução

Também o processo tem sua vida, isto é, seu princípio e seu fim: inicia, se desenvolve e
acaba. Com efeito, a abertura do processo é uma introdução no sentido de que alguém
chama à porta do juiz e lhe clama por justiça, e o juiz o introduz para perto de si.

Em matéria civil está em vigor o princípio da demanda da parte, tanto do processo é


contencioso como se é voluntário. Este princípio se expressa por meio de uma fórmula
antiga: não proceda o juiz de ofício: o juiz não pode fazer um processo se não é
provocado para isso.

Também em matéria penal, no papel ocorro o mesmo com a diferença de que enquanto
a iniciativa do processo civil pode tomá-la indiferentemente uma parte ou de outra, a do
processo penal pertence apenas ao acusador, quer dizer, ao Ministério Público.

Quando, pois, de ordinário, prévia denúncia, parte, relação ou querela, o MP chega ao


conhecimento e um fato que pode constituir delito, cabe-lhe decidir se deve tomar ou
não a iniciativa do processo. Pois bem, ele não é livre de fazê-lo, como é livre em parte
em assumir a iniciativa de um processo civil: um credor ainda que o devedor não pague,
pode se abster, por razões de conveniência ou de caridade, de chamá-lo a juízo. Por sua
vez, o MP, se acredita que a notícia do delito tem fundamento não tem direito, mas o
dever de promover a ação penal. O MP deve, naturalmente, verificar sua plausibilidade.
Se esta verificação dá um resultado negativo, a notícia é jogada no cesto de papéis, ou
seja, conforme o modo de dizer da lei, é arquivado. Por outro lado, o MP deve, em
todo caso, dar conta ao juiz e dele obter o consentimento para arquivar. Se o juiz não
está de acordo a respeito disso, o processo se inicia, mesmo sem requerimento do MP.

É de experiência comum que o processo civil, ao menos enquanto se trata de processo


de partes, isto é, de processo contencioso, inicia-se com um ato que recebe o nome de
citação. A citação é um ato complexo, que contém, por sua vez, a demanda dirigida ao
juiz e o convite à outra parte para comparecer diante do juiz para ouvir um juízo sobre
dita demanda.

Em todo caso, a citação é um ato com qual não apenas se introduz quanto se prepara o
processo. A introdução ocorre quando as partes, a que convida e a convidada, se
apresentam diante do juiz e lhe propõem suas demandas.

Pode também ocorrer que, apesar da citação, o demandado não compareça, ou porque
não tem nada que opor à demanda do autor, ou por qualquer outra razão. Em tal caso, o
processo se introduz igualmente em contumácia do demandado: a palavra contumácia
indica o não comparecimento de uma parte diante do juiz.

X – A Instrução

Frequentemente, há, sobretudo, no processo civil, outras coisas a fazer entre a


introdução e a decisão. Aqui deveria encontrar seu lugar, entre outras coisas, a
exposição dos incidentes, que constituem um aspecto do processo tão delicado quanto
desacreditado. Contentar-me-ei em dizer que se distingue a instrução da discussão nos
mesmo moldes da distinção já conhecida entre provas e razões, a primeira serve para
colher as provas, e a segunda, para elaborar as razões.

Colher provas, em geral, especialmente no processo penal, dista muito de ser coisa fácil.
No processo penal, quase sempre se ocultam na escuridão. Pode ocorrer, então, que
desde o princípio se siga uma falsa pista. No processo penal, se entende, pois, que em
razão destas dificuldades, a instrução deve proceder impreterivelmente com cautela,
ainda mis porque o erro judicial custa caro. Isso explica por que, no penal, a instrução se
desdobra, da mesma forma que no processo civil, em uma fase preliminar e uma fase
definitiva. A fase preliminar, à qual se dá o nome de instrução em sentido estrito, serve
precisamente para um exame superficial da suspeita da qual nasce o processo.
Entretanto, quanto mais difícil é a investigação, mais o juiz fica apaixonado por ela,
correndo assim o risco de perder a frieza necessária para valorar criticamente seu
resultado. Esta é a razão pela qual, em matéria civil, nunca se encomenda a instrução ao
colégio dos juízes, mas apenas um deles, que se chama exatamente juiz instrutor.

Uma última diferença entre a instrução no processo civil e a instrução no processo penal
corresponde ao ambiente que se procede a recepção das provas. Apenas na fase
definitiva da instrução penal, quer dizer, no debate, a recepção se faz na audiência, isto
é, em uma sessão de ofício judicial das partes, à qual comumente se consente a
assistência do público. Na instrução penal preparatória, por sua vez, e em todo caso na
instrução civil, as provas são recebidas no gabinete do juiz, com exclusão do público.

A maior dificuldade em matéria de produção de provas corresponde ao testemunho.


Este, mais ainda em matéria penal, é uma prova indispensável, mas perigosa.
Naturalmente, a qualidade do depoimento testemunhal depende também em grande
parte do modo em que a testemunha é interrogada.

A verdade é que frequentemente a testemunha, ainda que se sirva bem da atenção e da


memória tem pouca vontade de dizer a verdade. Assim, por infortúnio, se inicia uma
luta entre o juiz que quer fazer a testemunha dizer a verdade, e esta, que não quer dizê-
la, o que constitui um dos mais graves perigos do processo, porque termina
inevitavelmente por comprometer a imparcialidade de quem ter que julgar.

Sempre a propósito do testemunho, não se deve esquecer que, com as inquirições do


juiz e as respostas da testemunha, não fica esgotada a produção da prova, uma vez que,
devendo submeter-se mais tarde à crítica a narração e no curso ulterior do processo, as
perguntas e as respostas devem ser registradas, como costuma-se dizer.

XI – A discussão

A ciência do processo fala pouco da discussão; e, contudo, este é um dos aspectos mais
interessantes de sua realidade. Recolhidas as provas, posto que a lei já lhe é conhecida,
dir-se-ia que não resta ao juiz mais que julgar. Sim, mas julgar é uma palavra.

Nisso precisamente está a razão daquela formação colegiada do juiz de que falamos. O
juiz singular tem inferioridade do monóculo em comparação com o juiz colegiado. Pois
bem, a vantagem da formação colegiada está precisamente em facilitar a discussão. Os
juízes mantêm a balança no fiel, mas são necessárias as partes par a carregar os
pratinhos. Aqui aflora novamente o conceito da ação das partes e do contraditório. Há a
necessidade das partes, não somente para a proposição da demanda, não apenas para a
busca e a recepção das provas, mas também eu diria sobretudo, para prover ao juiz as
razões, o que se consegue precisamente mediante a discussão delas. Assim, ocorre que,
esgotada a instrução, antes de passar à decisão, deve seguir a discussão.

O que as partes fazem na discussão é, definitivamente, o mesmo que o juiz fará para
decidir. Cada uma delas propõe e aconselha o juiz a decisão que lhe parece justa. Seu
feito consiste, pois, em um projeto de decisões. Ela reconstrói os fatos através da crítica
das provas; busca e interpreta depois as normas de leis pelas quais se regulam os fatos e,
finalmente, conclui que, supostos assim o fato e o direito, o juiz deve tomar uma
determinada decisão.

A discussão é, comumente por isso, tarefa dos advogados no processo civil, e dos
advogados e do MP no processo penal. Mas o que surpreende os leigos é por que, se
cada uma das partes tem que apresentar ao juiz um projeto de decisão, quer dizer, a que
lhe parece justa, os dois projetos podem e até devem ser opostos. Diante de tudo isso,
deve-se refletir que a oposição entre as partes é útil, ou melhor, necessária, ao juiz.

Do ponto de vista formal a discussão se resolve num discurso que cada uma das partes
dirige ao juiz. O discurso pode ser direto ou indireto, oral ou escrito. A escrita se presta
melhor à meditação de quem escreve e de quem lê; o discurso falado move mais
fortemente o ânimo de quem fala de quem escuta. É natural que o ordenamento do
processo trate de integrar um método com outro, de modo que a discussão, em geral,
não seja, ou melhor, não deva ser, nem unicamente escrita nem unicamente oral.

No processo civil, os defensores expõem inicialmente suas razões, fazendo certas


escritas que recebem o nome tradicional de escritos de comparecimento, pronunciado,
depois, na audiência, discursos que se denominam, também tradicionalmente,
alegações.

Também o processo penal admite a discussão escrita, sobretudo na fase introdutória,


precisamente quando se trata de valores os resultados da instrução preparatória para
decidir se o processo deve ou não prosseguir com o debate. Então, o MP e os defensores
apresentam ao juiz instrutor escritas que se chamam memorias, quando proveem os
advogados, se requisitórias, quando emanam do MP. O discurso do MP se chama
também requisitória; dos defensores, defesa.
XII – A decisão

Ajudado, como vimos, pela discussão entre as partes, o juiz deve resolver as dúvidas, e
decidir. A decisão é uma declaração de vontade do juiz, não apenas um juízo. O juiz não
apenas julga, mas manda, expressa sua opinião e quer que ela seja seguida. Nem todas
as declarações de vontade do juiz são decisões; outras vezes pronuncia ordens (que se
chamam precisamente ordenações).

Nem todas as decisões adotam forma de sentenças; sentença é a decisão solene que o
juiz pronuncia para concluir o processo penal ou processo civil contencioso. Ao lado da
sentença estão os decretos, com os quais provê normalmente o juiz, no processo civil
voluntário.

A decisão pode ser positiva ou negativa. É positiva quando o juiz pronuncia seu juízo
sobre o negócio, sobre o litígio ou sobre o delito que constitui objeto do processo; é
negativa quando julga que não pode julgar sobre ele, por exemplo, porque não é
competente ou porque uma das partes não está legitimada para acionar ou para
contradizer ou porque a demanda não foi proposta nas formas que a lei prescreve sob
pena de nulidade.

Há outra hipótese que pode parecer que se deva adotar uma decisão negativa. Essa
hipótese difere da recém indica, pois que deriva, não de um erro, mas de uma
impossibilidade: é a hipótese do fracasso da prova. Nessa hipótese, a situação seria tal
que reclamaria uma decisão negativa. Se não conhece os fatos, como o juiz vai julgar?
Mas há exigências práticas que não permitem esta solução, ao menos no que diz
respeito ao processo penal e ao processo civil contencioso.

Em tais casos, pois, é preciso decidir sobre o mérito ainda que faltem os meios para tal
decisão. Se tais meios são as provas, na sua ausência, deve ser encontrado, para decidir,
um sub-rogado da prova. No atual ordenamento, o sub-rogado processual consiste em
um instituo ao qual já tive a oportunidade de referir coo o nome de cargo da prova; se
estabelece um critério em virtude do qual a insuficiência das provas prejudica a uma das
partes e beneficia a outra.

Em matéria civil, o critério adotado é o do interesse; a insuficiência das provas se


resolve em dano àquela parte que tem interesse em provar um fato e não o consegue.
Assim, o juiz julga na realidade, não apenas sobre fatos conhecidos, como sobre fatos
supostos, em virtude de um critério, não de certeza, mas de probabilidade.

Em material penal, infelizmente, já que, como dissemos, as dificuldades das provas são
frequentemente mais graves, a hipótese de sua insuficiência é mais frequente. A
incerteza dos fatos se resolve em favor do imputado. Por conseguinte, quando o juiz não
chega a comprovar a culpabilidade, tem que declarar a inocência.

Assim, a lei admite um estado intermediário entre a culpabilidade e a inocência, quer


dizer, um estado de suspeita, que é contrário à justiça e à civilidade.

Já disse que a decisão judicial, em que se amalgama o juízo com o mandato, tem valor
de lei a respeito do caso que constitui seu objeto. Esse valor se expressa com a fórmula
da declaração de certeza: o juiz declara certa a regulação jurídica daquele caso.

XIII – A execução

Dir-se-ia que, com a decisão, o processo terminou. Não raras vezes é assim. Por
exemplo, se, num processo civil, um devedor é condenado a pagar e ele paga,
evidentemente, não há outra coisa a fazer. Mas, suponhamos, por sua vez, que o
devedor continue, apesar da condenação, no seu descumprimento, ou que o imputado,
em vez de absolvido, seja condenado à reclusão. Em tais casos é evidente que se a
justiça há de seguir seu curso, como se costuma dizer, ainda resta algo por fazer. Esse
algo recebe o nome de execução forçada.

À primeira vista, melhor que ao lado, dir-se-ia que o processo executivo vem depois do
processo de cognição; mas nem sempre ocorre assim. Pode acontecer que, em vez de
segui-lo, o proceda ou, ao menos, o acompanhe. Isto pode ocorrer, antes de mais nada,
nos casos em que a execução, se tivesse que aguardar a decisão, chegaria demasiado
tarde. Em tais casos, a execução se antecipa à cognição mediante certas providências
chamadas cautelares, que são providências provisionais tomadas pelo juiz a fim de
garantir o resultado do processo. Assim, o juiz poderá ordenar um sequestro por conta
do demandado no processo civil, ou a captura preventiva do imputado no processo
penal.

Esta conjectura das providências cautelares não é a única hipótese de antecipação do


processo executivo com respeito ao processo de cognição. Tais são, por exemplo, o
decreto de injunção e a letra de câmbio: o credor de uma soma de dinheiro que tem
uma prova escrita, se o devedor não a pagar no vencimento, sem necessidade de citá-lo
pode obter do juiz uma providência com os mesmos efeitos de uma sentença de
condenação em ordem à execução forçada. Mas, naturalmente, nem o decreto de
injunção nem a letra de cambio tem por si, como tem a sentença, a autoridade de coisas
julgadas.

A execução forçada se resolve, como a própria palavra o diz, no uso da força para fazer
com que as coisas caminhem como a lei quer, ou seja, em pôr as mãos sobre alguém. O
‘’pôr as mãos em cima’’ é uma expressão que deve ser tomada literalmente quando se
trata de execução penal, ao menos no que tange às penas corporais. Em relação às
pecuniárias, a execução se realiza nos modos de execução civil.

No campo civil, por sua vez, o ‘’pôr as mãos em cima’’, em que se resolve a execução,
não se refere ao corpo humano, e menos ainda à pessoa, mas exclusivamente ao
patrimônio, quer dizer, aos bens que pertencem ao obrigado inadimplente. Este ‘’pôr as
mãos’’ sobre os bens de uma pessoa que não cumpre com suas obrigações se realiza em
duas diretivas, às quais correspondem duas espécies de execução civil, denominadas:
execução por entrega ou livramento e execução por expropriação.

A entrega ou livramento forçado se faz quando a obrigação, que deve ser efetivada
por força, tem por objetivo uma coisa determinada, móvel ou imóvel. Quando o
livramento diz respeito a um bem imóvel, em particular a uma coisa dada em
arrendamento, esta forma de execução recebe o nome de despejo prévio.

A execução para expropriação refere-se às dividas de dinheiro. Pode-se prescindir da


liquidação somente quando o credor estiver disposto a receber como pagamento bens
em espécie em vez de dinheiro, o que lhe é permitido que fala com certas garantias.

XIV – A Impugnação

É muito simples o princípio da impugnação: de fato, trata-se de tornar a julgar. Como se


verifica a exatidão de uma operação aritmética? Torna-se a fazê-la outra vez. Há
ordenamentos segundo os quais uma decisão não é eficaz se não for repetida por um
juiz distinto com idêntico resultado. Esse mecanismo, que se denomina da sentença
reexame obrigatória da decisão está em vigor, entre outras, no sentido de que uma
decisão, se não foi assim verificada, não exibe seus efeitos.
Em primeiro lugar, o direito de impugnação está limitado no tempo; a parte vencida, se
quer impugnar, deve ser rápida em fazê-lo; a lei estabelece, por sua vez, no penal e no
civil, prazos rigorosos, os quais, se transcorridos, se perde o direito.

Posto que a impugnação dá lugar a um novo julgamento, o julgamento de impugnação


se distingue do julgamento impugnado. Este é o julgamento que se trata de verificar;
aquele o julgamento que serve de verificação. Os julgamentos de impugnação sã ode
dois tipos. Para uma maior compreensão do público leigo, pode-se nomeá-los
respectivamente, como de apelação e de revisão.

O julgamento de impugnação comum é a apelação. Ele é assim chamado porque a parte


vendia apela, quer dizer, pede que se renove o julgamento. Naturalmente, para maior
garantia, o novo julgamento o pronuncia um juiz diferente do anterior. Mas, ainda
gozando em geral de uma maior experiência que o juiz de primeiro grau, também o juiz
de apelação pode se equivocar.

O problema difícil no nosso ordenamento jurídico, e não apenas no nosso, tem sido
resolvido admitindo uma segunda apelação depois da primeira, com a diferença, não
obstante, de que, enquanto a primeira não está limitada, a segunda, quer dizer, a
apelação contra a decisão de apelação, sim está: e é a natureza particular do limite o que
confere à segunda apelação o nome de julgamento de cassação.

XV – Balanço

Tentei descrever o melhor que foi possível, ainda que de forma superficial, o
mecanismo do processo penal e civil. Um mecanismo, se me é permitida a metáfora,
que deveria prover ao público um produto tão necessário ao mundo como nenhum outro
bem: a justiça. Os interessados, quer dizer, os técnicos do processo, juízes, advogados e
partes, tem consciência de que o mecanismo funcional mal.

Os ofícios judiciais são verdadeiras e próprias fazendas, que deveriam estar provindas
de todos os instrumentos necessário para administração da justiça, começando pela casa.
Tradicionalmente também na Itália, se fala de ‘’palácio de justiça’’ para indicar a sede
de oficio, mas isto faz recordar a amarga ironia de um escritor francês: ‘’palácio da
justiça: ainda que frequentemente não houvesse nem palácio nem justiça. ‘’

Claro, onde se pode fazer muito ainda é no aspecto quantitativo: o número de


juízes e de seus auxiliares é insuficiente. Como exemplo, basta dizer que, nas
audiências cíveis, falta normalmente o secretário, cuja presença requer a lei sob pena de
nulidade; e que, se em matéria penal, fizesse o juízo o que tem a obrigação de fazer,
especialmente para o estudo da personalidade do imputado, o menos importante dos
processos lhe tomaria uma jornada inteira, e não como ocorrem, frequentemente que tais
processos se celebram as dezenas em apenas uma audiência.

Depois de tudo, uma triste conclusão saudável. É necessário que os homens percam a
ilusão de que neste mundo, se pode obter por força a justiça.

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