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A relação entre os jurados e os “Promotores de Justiça” no Tribunal do Júri (Por

Bruna Andrino de Lima e Victória Martins Maia)


O Tribunal do Júri, também conhecido como o “Tribunal do Povo” ou “Júri Popular”,
foi instituído para que, aqueles que cometerem crimes dolosos contra a vida (em
regra, pois os conexos também serão levados a júri) sejam julgados por seus
pares, ou seja, sejam julgados por 07 (sete) pessoas comuns e aleatórias, desde
que idôneas, da sociedade. Os jurados, portanto, não possuem formação técnica
do direito, podendo ser qualquer um de nós.
Frente à importância do Tribunal do Júri no ordenamento jurídico brasileiro, que ele
está positivado na Constituição Federal, no art. 5º, inc. XXXVIII, com a seguinte
redação:

XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que


lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

O procedimento está previsto no Código de Processo Penal, a partir do artigo 406.


Há na doutrina e prática jurídica quem o critique, quem o ame, quem o odeie. Por
ser uma instituição muito antiga e que veio adaptando-se de forma lenta à
modernidade, o Júri ainda merece determinadas críticas no seu modo de ser no
Brasil.
Conforme relatado anteriormente, os jurados são pessoas leigas, sorteados a
partir de uma lista anual do Judiciário, desde que sejam idôneas. Em suma,
atualmente, os jurados são na sua maioria professores e funcionários públicos,
além de engenheiros, técnicos em informática, aposentados e assim por diante.
Por isso a afirmação anterior de que pode ser qualquer um de nós.
Hora de relembrar que os pares julgam os pares no Tribunal do Júri. E no Brasil em
que vivemos, “nós”, não somos “eles”. Ou alguém aqui se equipara a um
assassino? Alguém aqui se considera semelhante/par aquele que está sentado no
banco dos réus sendo julgado por 1, 2 ou 10 assassinatos?
Evidente que não. Porque no nosso consciente, a distância que existe entre “nós” e
“eles” é quilométrica. Não interessa o que ele ou ela fizeram. Interessa que fizeram
(?).
Os jurados sorteados então para compor o Conselho de Sentença passam a
ocupar os seus lugares. Cada um possui uma crença, uma ideologia, uma forma de
vida. Ninguém é imparcial, quando mais leigo. Desde o início já há aquele olhar
sobre o réu, para o comportamento dele, para as atitudes da defesa. Por isso, no
Júri, cada detalhe é importante e faz diferença ao final.
Aí entra a defesa e acusação em plenário, nos chamados debates. Em regra, uma
hora e meia para acusação, uma hora e meia para defesa. Após, querendo, o
Ministério Público tem direito à mais uma hora de réplica, e a defesa uma hora de
tréplica. Cada caso é uma vida, e cada vida é uma preciosidade nas mãos dos
envolvidos.
É nesse – escasso – tempo que ambos os lados possuem para demonstrar seus
argumentos aos jurados, que decidirão ao final pela condenação ou pela
absolvição do réu, ou ainda pela desclassificação ou afastamento de
qualificadoras.
O Ministério Público normalmente inicia o seu debate se autointitulando como
“Promotores de Justiça”. Afinal, “são eles que promovem a justiça”. Discurso que a
depender do jurado, é voto condenatório certo, já que quando eles pedem a
absolvição, é porque o sujeito merece ser absolvido, mas quando eles pedem a
condenação.. Ahh!! Esse sujeito merece ser condenado, em busca da justiça.
O que tem ocorrido em uma das grandes comarcas do Rio Grande do Sul (por
coincidência, ou não) é manter os júris na sua maioria em que o Ministério Público
pede a absolvição, como sendo os primeiros do mês.
A consequência disso é que, por óbvio, os jurados se repetem dentro do mês e
esse discurso de “Promotor de Justiça” serve perfeitamente, pois se naquele júri o
promotor pediu a absolvição e neste a condenação, ele é um promotor justo, não é
mesmo? Então vamos condenar.
Nesse momento cabe salientar que felizmente, essas coincidências e críticas aqui
realizadas não são em todas as comarcas e que existem promotores brilhantes,
além do que o órgão ministerial merece todo o nosso respeito e admiração, porque
sim, na maioria das vezes são Promotores da Justiça, mas em plenário do Júri,
essa denominação não é cabível, já que ali, ele é parte (órgão acusador).
Não obstante, muitos membros do Ministério Público têm se utilizado de Redes
Sociais para divulgar o trabalho por ele prestado. Seja publicando imagens de réus,
publicando suas histórias de vida e os fato pelos quais buscou ou irá buscar a sua
condenação.
Com isso, alcançam multidões de seguidores que expressam diariamente sua
manifestação de apoio aos Promotores pela justiça (ou não) que vem fazendo.
Muitos destes seguidores ora aplaudem o trabalho do Acusador veiculado pela
internet, ora estão sentados integrando o Conselho de Sentença, com sede de
condenar o próximo a ser imputado como assassino pelo Ministério Público. É
evidente que essa vinculação prejudica o trabalho defensivo.
Torna-se muito mais difícil para o Defensor, que muito provavelmente se
apresentará naquele momento para o Jurado, alcançar a confiança desse. Desse
que já guarda no seu íntimo a admiração pelo trabalho do Promotor que divulga
seu trabalho de toda maneira que encontra ser possível. De fato, o Promotor
cumpre papel de importante relevância na sociedade. Mas cabe ressaltar, não o é
diferente com o Advogado ou Defensor Público.
A própria Constituição Federal elenca o Advogado como essencial à
Administração da Justiça. Sem o Advogado não há como se fazer Justiça. Uma
condenação ou absolvição necessariamente deve passar pela atenta análise da
produção de prova realizada tanto pelo órgão acusador, como pela Defesa. Os
julgamentos devem se prestar a analisar o fato em si e não o indivíduo enquanto
pessoa, já que vigente o direito penal do fato e não do autor.
Em uma sociedade aterrorizada pelo medo e pela violência que assola todos os
lugares, o Ministério Público tem alcançado excelentes resultados, muitas vezes
sem levar-se em consideração o arcabouço probatório, mas tão somente o
discurso do medo.
Há sim os casos em que o MP pede a absolvição, porque assim deve ser. Ou pede
a desclassificação. Todavia, na maioria das vezes, o que se pede é a condenação.
E esse pedido vem também com discurso clichê, de que os jurados estão com
poderes nas mãos de melhorar a sociedade, condenando aquele monstro que
matou ou tentou matar. Que o réu matou a vítima, mas que poderia ser qualquer
um de nós, dos nossos filhos ou entes queridos. O clima fica tenso e pesado. O
medo se instala.
Quando a defesa chega, é papel dela quebrar essa tensão e mostrar a bandeira
branca da paz, mostrar que sim, a vítima poderia ser qualquer um de nós, mas que
também qualquer um de nós poderíamos estar no lugar do réu.
Porque o réu é sim gente como a gente e nós somos sim, somos como ele. Não
importa cor, classe social, religião. Ali importa o fato. Tão somente o fato. Por
vezes o indivíduo é culpado, por vezes não. E cabe a defesa demonstrar que as
vezes a “justiça”, não vem somente de um promotor.
Portanto, eis aqui uma crítica e observação, tanto aos atuantes nas tribunas,
quanto aos jurados: não só no Júri, mas em todo processo criminal, estamos
lidando com vida(s). Em primeiro lugar, são vidas. Vidas como as nossas. Raras.
Não nos deixemos abater e dominar por discursos clichês e genéricos.
É muito importante que se analise caso a caso, que se analise o fato. É
desgastante para todos, um ou vários dias envolvidos, mas a responsabilidade de
condenar um inocente é mais chocante do que absolver um culpado. Somos todos
pares. Sem distinção. Sejamos empáticos. Assim sendo, é que a mudança
começa, de dentro pra fora, já que a sociedade num todo é o reflexo de cada um de
nós.

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