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O advogado de Deus
Jean Severo
8-11 minutos

Por Jean de Menezes Severo

Fala meu povo! Gosto sempre de destacar em todas as colunas escritas


por este advogado que sempre é uma alegria e, principalmente, uma
honra escrever para um público tão qualificado como são os leitores do
Canal de Ciências Criminais. Deixo o meu muito obrigado a todos vocês,
amigos leitores, e espero que apreciem mais esta coluna escrita por este
rábula diplomado. Hoje não serei o protagonista desta história; apenas
vou contar sobre um júri que assisti de um advogado que nem ao menos
lembro o nome, afinal de contas, no meu coração, ele ficou marcado
como: O Advogado de Deus!

Como já contei em colunas anteriores, na condição de estudante de


Direito, devo ter feito mais de duzentos júris ajudando o professor com o
qual fazia estágio não remunerado na Faculdade de Direito. Tenho
certeza também que assisti a mais de cem júris de diversos advogados;
colegas de todo tipo. Infelizmente, a grande maioria acabou por me
decepcionar em plenário, em face do despreparo intelectual ou pela falta
de vocação. Mesmo para atuar junto ao júri, o meu grande mestre
Antônio Prestes do Nascimento sempre dizia:

“Temos que assistir aos júris dos grandes advogados, dos advogados
médios e também dos advogados ruins, afinal de contas, com os bons
aprendemos a fazer de forma bem feita o júri e com os ruins
apreendemos o que não fazer em plenário.”

Confesso aos leitores que o meu grande diferencial no trabalho realizado

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no júri é o fato de eu ter participado e assistido a uma grande


contingência de julgamentos realizados pelo tribunal popular.
Resumindo: tornei-me um advogado de plenário, pela insistência só isso
e mais nada.

O ano era 1999. O professor Prestes me pediu para tirar cópias de


processos no Tribunal de Justiça e depois havia me dado folga naquele
dia. Após realizar minhas obrigações como estagiário, fui ao plenário do
júri de Porto Alegre apreciar mais um júri e assim me preparar melhor
para o dia que em que iria estrear no tribunal do povo. Naquela época,
eu mal tinha dinheiro para a passagem do ônibus, no entanto, tinha uma
certeza: um dia me tornaria um advogado criminalista respeitado e
vencedor na vida.

Sentei no mesmo lugar onde sempre sentava; abri a velha mochila e


retirei meu caderno para anotações. Foi quando, na bancada da defesa,
vislumbrei um homem alto, magro, com uma aparência serena e um
sorriso dos mais belos e sinceros no rosto. Geralmente a aparência do
advogado de júri antes do plenário é tensa, fechada, mas aquele senhor
tinha um olhar profundo e uma calma no andar parecia que estava em
casa e isso me chamou a atenção, uma vez que conhecia todos os
grandes advogados de júri de Porto Alegre e ele não estava no rol dos
meus melhores advogados. Paguei para ver e assisti àquele júri até o
final e digo aos senhores: foi um dos melhores júris que presenciei na
minha vida.

Era júri de réu preso e só isso já bastava para fazer daquele júri um
trabalho difícil. Júri de réu preso é sempre mais difícil e aumenta a
responsabilidade do advogado. Recordo-me também que era um
plenário muito árduo, pois se tratava de um homicídio qualificado e
contra um dos grandes promotores da época. Não seria nada fácil aquele
embate, porém, na defesa, estava presente o “Advogado de Deus”.

A acusação foi simplesmente perfeita. Quando o douto promotor


terminara sua fala, não vislumbrei qualquer chance para aquele defensor.
Até eu fui convencido da condenação; o réu tinha matado mal e isso o

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júri não perdoa.

E pior: quando a defesa começou a sustentar a absolvição, quase pari


um filho. O advogado confessou que era seu primeiro júri e que não
atuava na esfera criminal. Era advogado trabalhista e cível e naquele dia
estaria estreando na advocacia criminal e logo no tribunal do júri. Pensei
logo comigo: Coitado do réu; já vou começar a calcular sua pena. Ele vai
ser condenado sem dó e este advogado vai passar uma baita vergonha.

Ledo engano meu! Após estas confissões e que aconselho para nenhum
advogado fazer em plenário, comecei a assistir a um verdadeiro
espetáculo oportunizado pelo tribunal do júri e por aquele grande
advogado.

Com uma voz calma e serena, mas ao mesmo tempo forte e segura,
aquele advogado começou a saudar a todos em plenário em especial a
promotoria:

“Tudo posso naquele que me fortalece.’ (Filipenses 4:13), e não será o


senhor, Doutor promotor de justiça, que vai fazer condenar este
inocente, que da infância não possui lembranças, mas somente as
marcas dos espancamentos que sofria dos pais. Onde estava o senhor
promotor de justiça quando o Estado representado pela figura do
promotor de justiça não garantiu uma infância segura a este pobre guri”?

O caso: dois amigos, que eram moradores de rua, acabaram brigando,


mas não me recordo o motivo, e o acusado havia extrapolado em muito
na legítima defesa. Tese defensiva: que não conhecia absolutamente
nade de processo penal ou direito penal, no entanto, tinha na Bíblia
Sagrada um escudo e aquilo mexeu com o Conselho de Sentença e veio
a destruir todos os argumentos do promotor. Não adianta, a palavra
sagrada tem força e nas mãos daquele que a sabe utilizar é uma
excelente fonte para ser utilizada no tribunal do júri.

Eu ainda guardo as anotações daquele júri. Em certo momento, o


advogado de Deus largou mais uma pérola: Mas aquele que não a
conhece e pratica coisas merecedoras de castigo, receberá poucos

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açoites. A quem muito foi dado, muito será exigido; e a quem muito foi
confiado, muito mais será pedido. (Lucas: 12:48).

Ele explicou que aquele jovem não tinha recebido nenhuma oportunidade
na vida e agora vinha o poder estatal querer lhe cobrar o que nunca o
haviam ensinado. O Advogado de Deus fazia tais explicações de uma
maneira divina; tudo o que saia da boca daquele defensor parecia ser a
mais pura verdade e emocionava a todos em plenário.

Na réplica, o promotor tentou desqualificar o advogado, aduzindo que ele


não parecia um advogado, mais sim um padre, e que o plenário não era
uma igreja. O Advogado de Deus nada respondeu; manteve sua face
serena aguardando a tréplica e quando esta iniciou foi obrigado a dizer:
“Jesus disse: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo”.
Então eles dividiram as roupas dele, tirando sortes.” (Lucas 23:34) e
aquilo veio a irritar ainda mais o promotor.

Nada podia abalar aquele advogado naquela noite e assim ele continuou
a falar durante toda a sua exposição e, por fim, explicou com sabedoria a
tese da legitima defesa ao Conselho de Sentença, despedindo-se dos
jurados da seguinte forma:

“Então Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou: “Senhor, quantas


vezes deverei perdoar a meu irmão quando ele pecar contra mim? Até
sete vezes?” Jesus respondeu: “Eu digo a você: Não até sete, mas até
setenta vezes sete.” (Mateus 18:21-22), e então pediu a absolvição
daquele jovem, levando todos às lagrimas no plenário.

Naquela noite, o réu foi absolvido. Lembro-me até hoje a expressão que
aquele advogado tinha no rosto quando do veredito: estava tranquilo,
sereno, tinha cumprido seu papel. Ele havia usado muitos outros
versículos e que não me lembro. Falou da lei de Deus, falou de perdão e
de uma nova oportunidade.

Nunca mais vi ou ouvi falar deste advogado. É uma pena que naquela
época não tinha Facebook ou celulares, pois certamente teria tirado uma
selfie com ele. No entanto, suas palavras estão guardadas em minha

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memória e principalmente no meu coração.

Não esquecem meus jovens: no júri, o conhecimento amplo de outras


fontes, que não sejam apenas o Direito, são importantes. Filosofia e
religião, por exemplo, pode (e devem) ser utilizadas, mas com
propriedade e, principalmente, com sinceridade.

Aprendi muito com aquele advogado naquele júri. Valeu muito para
minha formação, já que, se somos por Deus, quem será contra ele?

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