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PAULO HENRIQUE CRUDE NABARRO

OS PRINCIPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS E A


OBRA “O PROCESSO” DE FRANZ KAFKA

Londrina
2017
1 INTRODUÇÃO

A obra o “Processo” retrata de forma clara uma distopia, onde o protagonista,


Josef K., se vê preso dentro de uma ordem subvertida, no qual todos os seus agentes
parecem conspirar contra seu favor, e assim como ele parecem desconhecer a qual
justiça servem.

Apesar de Josef K. parecer ser um homem culto e bem sucedido em seu


emprego de procurador em um Banco, é visível em toda trama sua impotência frente
ao processo, parece não saber reagir a uma justiça que desconhece completamente
e que se diz sem nenhuma dúvida inocente. Apesar de possui uma personalidade
apaziguadora, todos em suas volta parecem criar um ambiente desconfortante que
aumenta ainda mais sua tensão, como por exemplo os dois guardas do inicio da trama,
Franz e Willem que assim como K. parecem estar preocupados com seus destinos. O
tio de K. que se indigna com a falta de interesse de seu sobrinho em seu próprio
processo, parece que fica claro que a maior preocupação de seu tio é que ele o nome
da família não seja desonrado. Apesar de haver mais personagens ao longo da trama
que parecem aumentar essa sensação de angustia, cito um ultimo que chama a
atenção, o capelão do cárcere que Josef encontra na catedral e que mostra grande
conhecimento sobre o processo do mesmo. De forma alegórica conta a K. uma história
de como a justiça pode ser alcançada, apesar de ser visível se isso tranquiliza ou o
atemoriza ainda mais.

A trama mostra a desigualdade de forças entre o Estado que acusa e o sistema


de defesa, os advogados e os réus não tem garantido seus direitos pelos princípios
processuais mais elementares e comuns a nossa sociedade, entre eles o da
culpabilidade e o da ampla defesa. No presente trabalho apresento capitulo por
capitulo tais anomalias e os princípios processuais inertes ou ineficientes dentro da
obra.
2 O PROCESSO

2.1 A detenção. Conversa com a senhorita Grubach; depois com a senhorita Burstner

Os primeiros agentes da justiça que aparecem na obra são os guardas Willem


e Franz, que já se encontram no quarto de K. antes mesmo deste acordar, através
deles K. fica sabendo que está sendo acusado de um crime que desconhece e se diz
inocente, os guardas não entra no mérito das alegações de inocência do protagonista
e aparentemente parecem apenas cumprir seu papel dentro do processo. Os guardas
nem se quer possui em mãos um mandado judicial que poderia esclarecer à Josef do
que exatamente estava sendo acusado.

Um princípio extraído do direito penal que não é respeitado inicialmente é o da


culpabilidade, no qual segundo BATISTA (2011), é indispensável, no direito e
processo penal, a demonstração da culpabilidade do acusado e que de maneira
alguma deve ser presumida.

Para ilustrar a correta aplicação de tal princípio, demonstro através do exemplo


retirado dos autos digitais onde se vê expresso dentro da justiça brasileira na decisão
jurisprudencial da apelação criminal nº 765241-3: Duas ex-funcionárias da empresa
Engkraft Ltda., situada em Curitiba (PR), foram condenadas à pena de 2 anos e 9
meses de reclusão e a 30 dias-multa por terem apresentado diversos atestados
médicos falsos para obterem dispensa do trabalho. Elas cometeram o crime de uso
de documento falso, tipificado no art. 304 do Código Penal. Neste caso os réus se
utilizaram de um recurso de apelação, onde um dos pedidos foi o da culpabilidade
mínima, alegam que o crime não foi premeditado, nem planejado, se utilizaram de tal
recurso com o intuito de minimizar ao máximo a pena. Analisando o mérito de tal
pedido a juíza em questão deu voto desfavorável a tal pedido, alegando que a conduta
revela grau de culpabilidade da agente incomum à normalidade, na medida em que a
ré apresentava atestados falsificados com licenças médicas válidas por período
inferior àquele necessário para planejamento da conduta. Assim, considerando que a
culpabilidade foi agravada, a pena deve ser majorada.

Outro principio que deveria ser conspirado é o principio infraconstitucional do


impulso oficial, segundo WAMBIER E TALAMINI (2013 p.74) “o juiz, que representa o
Estado promove e determina que se promovam atos processuais de forma que o
processo siga sua marcha em direção à solução do sistema jurídico”
2.2 Primeira vista da causa

Apesar do título do capitulo, tal primeira vista da causa não esclarece de


nenhuma forma o processo sofrido por K. somente mostra a corrupção e a falta de
responsabilidade por parte dos funcionários do Estado, isto fica claro na conduta do
juiz de instrução e posteriormente do estudante. K. não contente com sua situação em
sua primeira audiência, defere provocações aos membros do tribunal, o que causa ao
chamado juiz de instrução um certo mal-estar:

“- O senhor juiz de instrução acaba de fazer a alguns entre


vocês um sinal secreto. Quer dizer então que entre vocês existem
pessoas que ele dirige. Não sei se o sinal em questão significa que
vocês têm de realizar manifestações de aprovação ou desaprovação.
Com plena consciência renuncio de antemão a conhecer o significado
desse sinal. É-me perfeitamente indiferente, de modo que permito ao
senhor juiz de instrução que em público, em vez de fazê-lo com sinais
secretos, dê suas ordens em voz alta a seus empregados assalariados
e que diga com toda clareza: Agora assobiem; agora aplaudam”
(KAFKA, Franz. 2011, p.78)

O segundo capítulo mostra a falta de um principio processual infraconstitucional


fundamental em um processo o da oralidade, no qual através de manifestações sob
forma oral, se tenta obter a solução de um determinado caso com o menor número
possível de atos processos, dando-o maior celeridade. O princípio da “oralidade” leva
em consideração a soma de outros três princípios: o da identidade física do juiz, fato
que não esta presente da obra, pois em nenhum momento K. chegou até algum Juiz
superior, o qual provavelmente instaurou o processo contra ele, o da imediatidade,
também inexistente, pois em nenhum momento são apresentado provas e o da
concentração da causa, idem, pois fica claro que os atos do processo não se integram
a fim de promover uma sentença justa.

O princípio da identidade física do juiz, de acordo com WAMBIER E TALAMINI


(2013 p.75), diz que “haverá de ser o mesmo juiz que preside a audiência e que colhe
as provas orais (depoimento das partes e de testemunhas por exemplo) o que dê a
sentença”. Pois desta forma a juiz que tem o maior contato direto na audiência tem
maiores condições de conferir uma sentença justa.
O seguinte é o princípio da imediatidade, no qual segundo WAMBIER E
TALAMINI (2013 p.75), “o juiz deve colher as provas direta e pessoalmente, sem
intermediários. O art. 446, inciso II, do CPC, assim dispõe: “Compete ao juiz em
especial: (...) II – proceder direta e pessoalmente à colheita das provas”.

Por ultimo o da concentração, segundo WAMBIER E TALAMINI (2013 p.75),


“contem a ideia de que todos os atos do processo, inclusive a sentença, devem
realizar-se o mais proximamente possível uns dos outros, para que se possa proferir
decisão justa”.

2.3 Na sala de sessões vazia. O estudante. As secretárias.

No presente capitulo fica ainda mais claro a falta de organização dos órgãos
jurisdicionais e a corrupção de seus funcionários. No presente capítulo K. se depara
com um Estudante que causa grandes problemas entre os funcionários da casa, pois
trata-se de um mulherengo que perturba a mulher do porteiro do tribunal entre outras
mulheres.

Tal episódio deixa claro a bagunça em que se encontra os órgãos de justiça na


trama, K. por sua vez parece tentar mantem a sanidade frente a episódios tão
reprováveis quanto os que presenciou. Em sua conversa com o porteiro expressa sua
vontade de fazer justiça contra o estudante, de forma narrada até desproporcional
dando a intenção de querer de forma desesperada descontar toda a sua ira pela
situação em que seu processo o colocara.

2.4 A amiga da senhorita Bürstner

O presente capitulo trata de acontecimentos pessoais na rotina de K. retratando


fatos corriqueiros pelo fato de K. morar em uma pensão, personagens aparecem em
seu cotidiano.

2.5 O açoitador

O presente capitulo retrata as punições sofridas pelos funcionários de baixo


escalão, punições totalmente desproporcionais e desmedidas que se assemelham
muito as sanções sociais acometidas aos delinquentes. Fica visível a opressão estatal
sobre os seus cidadãos e seus funcionários de baixo escalão e uma justiça que nem
se quer se preocupa com a dignidade humana pois se utiliza de tortura até para os
casos aparentemente mais corriqueiros.
A situação a qual K. se depara é por coincidência a punição dos guardas Willem
e Franz que aparecem no começo da trama. K. fica sabendo que devido as
reclamações proferidas por ele próprio ao juiz de instrução contra os guardas, lhes é
ordenado que sofram punição por açoite. K. parece ter consciência de que só falou
contra os guardas ao juiz de instrução como uma maneira de desqualificar a justiça
que o cerca, vendo-se em tal situação parece se arrepender do que disse
anteriormente dos pobres guardas, pois não imagina que estes receberiam tão
desproporcional punição.

Tal situação mostra o distanciamento da realidade distópica em que Josef vive


com a realidade jurídica brasileira, a tortura fere um dos princípios fundamentais da
constitucional, o da dignidade da pessoa humana, fere também os direitos individuais
presentes no art 5º, CF.

O que deixa claro no capítulo que nem aos funcionários do Estado estão
garantidos os direitos ao contraditório e o da ampla defesa que até então, tais
inexistências pareciam ser somente comuns ao protagonista.

O guarda Franz ainda pede perdão a K. e se humilham em uma tentativa inútil


de reverter seu destino próximo, K. se vê em uma situação totalmente desconfortável
e perturbadora.

2.6 O tio. Leni

No sexto capítulo da obra, o tio de K. em uma tentativa de ajudar seu sobrinho


o leva a um advogado com o intensão de garantir uma defesa competente.

O tio parece estar muito mais tenso com toda a situação em que seu sobrinho
se encontra e se revolta pelo fato da calma e tranquilidade de Josef frente a sua
própria situação.

A escolha do advogado pelo tio não pareceu ser tão boa, pelo fato da
incapacidade física e mental deste. O advogado é muito velho e enfermo, e ao longo
da trama mostra que não tem capacidade de resolver a situação de K., mas por outro
lado não fica claro se o destino do protagonista seria muito diferente caso a escolha
fosse outra. K. vendo-se em tal situação busca meios alternativos como será mostrado
no próximo capítulo.
2.7 O advogado. O fabricante. O pintor

Apesar do empenho do advogado em produzir uma defesa sob a alegação


desta impressão inicial ser decisiva pra todo o processo o narrador esclarece que de
nada adiantaria:

“Infelizmente, tinha que prevenir K. que muitas vezes acontecia


que de modo algum liam tais escritos. Limitavam-se
momentaneamente as declarações do acusado nos interrogatórios
eram muito mais importantes que tudo o que era escrito. Acrescentava-
se, se o peticionário insistia, que antes da sentença definitiva, quando
se tivesse se reunido todo o material, quer dizer, quando se tivesse
composto todo o expediente da causa, seria examinado também este
primeiro pedido. Infelizmente, porém, na maioria dos casos isto não era
certo porque de ordinário esse primeiro escrito ficava de lado ou então
completamente esquecido” (KAFKA, Franz. 2011, p.146)

Tendo em vista tais circunstancias, na realidade jurídica atual isto seria


inimaginável pelo fato do juiz analisar o mérito referente ao que consta na petição
inicial e somente o que esta pedido nesta não considerando em regra geral de
nenhuma forma o mérito de seu entendimento próprio.

No presente capitulo fica claro que os princípios fundamentais constitucionais


do contraditório e da ampla defesa não são considerados, segundo o texto do inciso
LV do art. 5º, CF, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesam com os meios
e recursos a ela inerentes”.

Segundo WAMBIER E TALAMINI (2013 p.70), “atualmente enfatiza-se que o


próprio juiz deve, ele mesmo, observar o contraditório. Há um ‘dever de diálogo’ do
juiz com as partes”. Segundo os autores isto está longe de ser um mero formalismo,
pois assegura decisões de melhor qualidade.

Ainda no presente capitulo K. recebe orientações de um cliente do banco, um


certo fabricante , que o sugere procurar um pintor de rua que o poderia orienta-lo sobre
seu processo. Assim K. vai de encontro a tal personagem para buscar orientações,
em um dos momentos mais interessantes do livro e ironicamente ao se encontrar com
o pintor o mesmo trabalhava em uma obra alegórica sobre como seria a deusa da
justiça na realidade apresentada na obra. Uma deusa com os olhos vendados e asas
nos pés, neste caso seria uma fusão com outra deusa, o da vitória, o que pra K. não
fez nenhum sentido como todo o universo que o cercava.

O pintor explicou a K. quais o tipos de absolvição (real, aparente e dilação


indefinida) que podia se obter, o que de fato parecia totalmente ridículo a luz do direito
atual, pois tal situação se realmente existisse feriria o principio da universalidade, pois
casos semelhantes teriam fins totalmente diferentes, dependendo, talvez do humor do
julgador ou da influencias de terceiros, como a que K. buscava, pois justamente como
dito pelo próprio pintor, este possuía influência sobre os juízes pelo fato de fabricar
obras para seus deleites.

2.8 Block, o comerciante. Rompimento com o advogado

K. toma a decisão de romper com o advogado e vai ao encontro deste anunciar


tal proposito, ao chegar na residência se depara com um sujeito franzino chamado
Block, um comerciante tradicional da cidade, que também carregava ao longo de 5
anos um processo, o que deixa K. espantado pela demora nas decisões judiciais. Ao
decorrer do capitulo ocorre um longo diálogo entre K. e Block, no qual fica claro que
apesar de todos o esforço do comerciante, parece que seu processo nunca iria se
resolver.

Tal capitulo mostra que não existe um princípio de razoável duração do


processo como existe em nosso ordenamento, tal principio que por força de Emenda
Constitucional n. 45, promulgada em 08/12/2004, foi acrescido ao art 5º o inciso
LXXVIII, que assegura a todos, tanto no âmbito do processo judicial quanto do
processo administrativo, o direito à razoável duração do processo, bem como meios
que garantam que sua tramitação se dará de modo célere.

O que parece que a falta de celeridade no processo deixou o comerciante


abatido e com a saúde frágil, causou também graves problemas financeiros pelo fato
do comerciante ter que dedicar muito tempo ao processo e desta forma prejudica o
andamento de seu negócio. Podemos extrair assim mais um principio não obedecido
o da Efetividade do processo, pois quando ele se extinguir como estará a situação do
réu? Pois imagino que se o comerciante fosse dado como inocente tal distopia não
garantiria a ele tudo o que perdeu.
Quando K. resolve apresentar sua renuncia ao advogado, este mostra seu
império sobre Block, e este como um servo mostra total submissão, como se o não
fosse o advogado que trabalhasse pra ele.

Tal situação fez K. refletir qual seria seu destino caso não renunciasse o
advogado que anteriormente fora apresentado por seu tio.

2.9 Na catedral

No penúltimo capítulo da obra, K. em uma visita à catedral com o intuito de


apresentar a um estrangeiro amigo do gerente do banco se depara com um sacristão
que o reconhece e o chama pra falar sobre o processo, em um primeiro momento, ser
reconhecido deixa K. espantado, mas depois de saber que o sacristão também é
capelão do cárcere e tem ligação porém aos órgãos do Estado, este fica mais a
vontade com toda aquela situação.

O sacristão conta uma alegoria a K. com o intuito que este compreenda como
obter a justiça, mas o que parece ser em vão pois todas as suas tentativas pareciam
estar fadadas ao fracasso.

2.10 O fim

Em um dia qualquer dois homens batem a porta de K. e pedem que o


acompanhem, os homens ficam calados todo o tempo, K. parece prever o destino que
o aguarda e tenta fugir, o que é em vão, os homens o cercam e respeitando uma certa
formalidade executam k. mostrando-o qual foi a decisão sobre seu caso.

O ultimo ato do livro mostra o quão arbitraria é as decisões deste governo


autocrático, em nenhum momento K. pode estar na presença dos juízes superiores
ou ao menos saber do que o acusavam. O discurso que resume o livro de forma
poética é a que ele profere antes de chegar ao local de sua execução:

“A única coisa que posso fazer (...) é manter até o fim sereno e claro
meu entendimento. Sempre quis conduzir-me no mundo com vinte mãos e
além disso pretendi alcançar objetivos não muito razoáveis. Isso estava mal, e
agora terei de mostrar que nada me ensinou um ano de processo? Deverei ir-
me como um homem de curto entendimento? Terei de deixar-me dizer que no
começo do processo eu queria já termina-lo e que agora, em seu final, quero
torna-lo a começa-lo de novo? Não quero que se diga isso a mim. Festejo o
fato de que me tenham dado por acompanhantes na presente etapa estes
senhores meio mudos, faltos de inteligência e que se tenha deixado a mim
mesmo o encargo de dizer o que é necessário fazer”

3 CONCLUSÃO

Apesar de “O processo” se tratar de um livro da literatura mundial, sem dúvida


alguma o livro serve como um alerta a sociedades que se perdem em um puro
legalismo e se transformam em autocracias.

A justiça não podem destoar dos princípios fundamentais da constituição


devem estar em conformidade a: soberania; cidadania; dignidade da pessoa humana;
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político.
BIBLIOGRAFIA

BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 12ª ed. Rio de Janeiro:
Revan, 2011.

KAFKA, Franz. O processo. 5. Ed. São Paulo: Martin Claret, 2011.

WAMBIER, Luiz Rodrigues. TALAMINE, Eduardo. Teoria geral do processo e


processo de conhecimento. 13ª ed. São Paulo: Editora e Revita dos Tribunais, 2013.

www.tjpr.jus.br/jurisprudencia acessado dia 21/01/2018 as 16:05 HS

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