Você está na página 1de 6

25/04/2021 ConJur - Por que "depoimentos" em delegacia não podem ser usados em juízo?

Boletim de notícias ConJur: cadastre-se e receba gratuitamente. Login

Capa Seções Colunistas Blogs Anuários Anuncie Apoio cultural

TV ConJur Livraria Mais vendidos Boletim jurídico Busca de livros

LIMITE PENAL

Por que "depoimentos" prestados em


LEIA TAMBÉM
delegacia não podem ser usados em juízo?
27 de março de 2015, 8h01 Imprimir Enviar LIMITE PENAL
Inocente preso 13 anos sem sentença
Por Aury Lopes Jr e Alexandre Morais da Rosa é retrato da falência do Estado

 Ouvir: Por que "depoimentos" em delegacia não podem ser 0:00


LIMITE PENAL
As histórias do advogado leigo e do
acusado confundido

LIMITE PENAL
Inacreditável Judicial Clube: uma
É cada vez mais comum a utilização
condenação sem denúncia
das expressões “declaração na fase
inquisitória” e “declaração na fase LIMITE PENAL
judicial”. O adjetivo é muito mais do Afinal, quem tem medo da audiência
que o lugar em que as “declarações” de custódia? (parte 3)
são prestadas. Significa o modo e a
finalidade com que são produzidas. LIMITE PENAL

Isto porque a partir da notícia de Afinal, quem continua com medo da


possível crime, o Estado precisa audiência de custódia? (parte 2)
realizar a apuração preliminar com o
fim de levantar elementos mínimos de materialidade e indícios de autoria. Do Facebook Twitter
contrário, corre-se o risco de se iniciar a ação penal sem elementos mínimos. A
função da investigação preliminar é a de levantar elementos de materialidade e
Linkedin RSS
autoria da conduta criminosa (meios probatórios, informantes, testemunhas,
perícias, documentos, etc.), justificando democraticamente a instauração de
ação penal (CPP, artigo 12), ou seja, para que o jogo processual possa ser
iniciado a partir da autorização do estado-juiz (recebimento motivado da
denúncia e/ou queixa crime).

Para instauração de ação penal é necessária a existência de justa causa


(elementos de materialidade e autoria) a ser aferida por investigação e/ou
documentos preliminares. De regra, realiza-se por Inquérito Policial (CPP,
artigo 4º e seguintes), o qual é procedimento administrativo, não jurisdicional,
a cargo da Polícia Judiciária — Estadual ou Federal (artigo 144, parágrafo 4º,

https://www.conjur.com.br/2015-mar-27/limite-penal-depoimentos-prestados-delegacia-nao-podem-usados-juizo 1/6
25/04/2021 ConJur - Por que "depoimentos" em delegacia não podem ser usados em juízo?

CF), submetido aos princípios da administração pública (legalidade,


publicidade, impessoalidade, moralidade e eficiência — CF, artigo 37)[1].
Evita-se que a ação penal possa ser instaurada como aventura processual, dado
que o simples fato de ser acusado já etiqueta[2] o sujeito para todo o sempre,
mesmo que absolvido ao final. De sorte que é necessário o controle, por parte
do Judiciário, dos requisitos para o exercício da ação penal.

Dai que durante a fase anterior à ação penal executam-se “atos de


investigação”, desprovidos da garantia de Jurisdição, do contraditório e da
ampla defesa, dentre outros. Os depoimentos das vítimas e das testemunhas,
embora sigam as regras do CPP, no que couber, são tomados pela autoridade
policial sem a presença do Ministério Público e da Defesa. A destinação dos
“atos de investigação” é a de servir de sustentáculo para o recebimento da ação
penal. Nem mais, nem menos. São declarações produzidas sem contraditório.
Logo, não podem ser qualificadas como “atos de prova”.

Dito de outra forma, em relação à validade dos elementos colhidos no


Inquérito Policial, diante de suas peculiaridades (sem garantia da Jurisdição, do
Contraditório, da Ampla Defesa, da Motivação dos Atos), cabe distinção: a)
em relação às provas periciais o contraditório será diferido, a saber, no decorrer
da instrução processual os jogadores poderão impugnar os laudos, pareceres,
perícias, inclusive requerendo esclarecimentos e sua renovação; b) no tocante
aos depoimentos testemunhais a renovação é obrigatória. Cuida-se de mero ato
de investigação, sem que o indiciado tenha participado da produção das
informações, nem mesmo controlada pelo Estado Juiz.

A validade, portanto, é somente para análise da justa causa e cautelares pré-


jogo, como explica Aury Lopes Jr: “O inquérito policial somente pode gerar o
que anteriormente classificamos como atos de investigação e essa limitação de
eficácia está justificada pela forma mediante a qual são praticados, em uma
estrutura tipicamente inquisitiva, representada pelo segredo, a forma escrita e a
ausência ou excessiva limitação do contraditório. Destarte, por não observar os
incisos LIII, LIV, LV e LVI do art. 5o e o inciso IX do art. 93, da nossa
Constituição, bem como o art. 8o da CADH, o inquérito policial jamais poderá
gerar elementos de convicção valoráveis na sentença para justificar uma
condenação.”[3]

Fazendo um paralelo com a Sindicância e o Processo Administrativo


Disciplinar, não resta muita dúvida que as declarações tomadas de maneira
inquisitorial, durante a apuração preliminar, não servem de elemento
probatório posterior, conforme reiterada jurisprudência (STF MS 22.791 e STJ
MS 7.983). Devem ser renovadas, sob o crivo do contraditório.

Assim, como passe de mágica, em uma leitura obtusa do art. 155 do CPP, não
se pode requentar os depoimentos prestados à autoridade policial porque
violam o contraditório na produção da prova, com o qual já defendemos uma
noção de amor ao contraditório (aqui). É o mesmo que tornar irrelevante a
Jurisdição, ou seja, se os depoimentos antes valem, qual o sentido de se
renovarem em juízo? Justamente porque antes não havia acusação formalizada
e a acusação e defesa não podem sequer perguntar. A partir do processo como
procedimento em contraditório (Fazzalari), as declarações realizadas durante a

https://www.conjur.com.br/2015-mar-27/limite-penal-depoimentos-prestados-delegacia-nao-podem-usados-juizo 2/6
25/04/2021 ConJur - Por que "depoimentos" em delegacia não podem ser usados em juízo?

investigação preliminar para fins de condenação são um nada probatório. E


esta variável deve ser considerada, pois há julgadores que acolhem.

Simples assim e muitos não param para sequer pensar, no desejo de condenar,
prenhe de deslizamentos imaginários decorrentes da assunção da concepção de
Verdade Real, tão bem criticada por Salah Khaled Jr (aqui), sem falar na
violação do devido processo legal substancial (aqui).

Provavelmente uma das maiores conquistas do processo penal democrático


seja a garantia de ser ‘julgado com base na prova’, ou seja, com base nos
elementos produzidos em juízo, a luz do contraditório e demais garantias
constitucionais processuais. Prova é o que se produz em juízo. O que se faz no
inquérito são meros atos de investigação cuja função endoprocedimental os
limita a servir como base para as decisões interlocutórias da investigação
(prisões cautelares, quebra de sigilo bancário, interceptações telefônicas etc.) e
para a decisão de recebimento ou rejeição da denúncia. Não mais do que isso,
como regra (claro que a exceção são as provas técnicas irrepetíveis e aquelas
produzidas antecipadamente através do respectivo incidente judicial). Os atos
do inquérito não se destinam a forma a convicção do julgador sobre o caso
penal, mas apenas indicar o fumus commissi delicti para a formação da opinio
delicti do acusador e a decisão de recebimento/rejeição.

É por isso que há mais de uma década sustentamos a “exclusão física dos autos
do inquérito”[4], como a única forma de assegurar a ‘originalidade’ dos
julgamentos, ou seja, de que alguém será julgado com base na prova
judicialmente produzida e em contraditório pleno. Também é o único
mecanismo eficiente para evitar os falaciosos julgados do estilo: “cotejando a
prova judicializada com os elementos do inquérito”, ou “a prova judicializada
é corroborada pela prova produzida no inquérito”. Sempre que um juiz usa a
fórmula mágica do ‘cotejando’ ou do ‘corrobora’, o que ele está dizendo é: não
tenho prova judicializada com suficiência para condenar, mas como o quero
fazer, preciso recorrer aos elementos produzidos na inquisitorialidade do
inquérito.

Dessarte, tecnicamente os elementos do inquérito não são ‘provas’ e, portanto,


não servem para legitimar uma condenação. Ademais, posteriormente em
juízo, essa “prova” (rectius atos de investigação) não serão ‘repetidos’, senão
‘produzidos’. É um equivoco falar em ‘repetição’ se compreendermos que a
prova é originariamente produzida no processo e em contraditório. O que se
fez na fase pré-processual, não é prova. O contrário é desamor ao contraditório
e condenações com a insígnia do autoritarismo que tocaia o processo penal
brasileiro, ainda.

[1] STF, ED.Caut. MS 25.617-6/DF, rel. Min. Celso de Mello: “... a


unilateralidade desse procedimento investigatório não confere ao Estado o
poder de agir arbitrariamente em relação ao indiciado e às testemunhas,
negando-lhes, abusivamente, determinados direitos e certas garantias – como a
prerrogativa contra a auto-incriminação – que derivam do texto constitucional
ou de preceitos inscritos em diplomas legais: (...) O indiciado é sujeito de
direitos e dispõe de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância,
pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a
https://www.conjur.com.br/2015-mar-27/limite-penal-depoimentos-prestados-delegacia-nao-podem-usados-juizo 3/6
25/04/2021 ConJur - Por que "depoimentos" em delegacia não podem ser usados em juízo?

responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das
provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial.”
[2] BACILA, Carlos Roberto. Estigmas: um estudo sobre os preconceitos. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
[3] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2015.
[4] Desde nossa primeira obra “Sistemas de Investigação Preliminar no
Processo Penal”, publicada em 2001. Atualmente o tema é tratado nos livros
“Investigação Preliminar” e “Direito Processual Penal”, ambos publicados pela
Editora Saraiva.

Topo da página Imprimir Enviar

Aury Lopes Jr é doutor em Direito Processual Penal, professor Titular de Direito Processual
Penal da PUC-RS e professor Titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais,
Mestrado e Doutorado da PUC-RS.

Alexandre Morais da Rosa é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor
de Processo Penal na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univali
(Universidade do Vale do Itajaí).

Revista Consultor Jurídico, 27 de março de 2015, 8h01

COMENTÁRIOS DE LEITORES
16 comentários

DELEGACIA NÃO É FÓRUM


Ronaldo Brites (Agente da Polícia Federal)
28 de março de 2015, 16h00

Não creio que o artigo quis desqualificar o trabalho da polícia, mas sim chamar a
atenção para o uso indevido do termo "repetição" de prova, na âmbito judicial.
Muito bom o artigo, pois muitos Delegados acham que são verdadeiros juízes de
Delegacia e, infelizmente, contam com o apoio de certa parcela de advogados que
querem "involuir" o sistema para isto.

NEM TANTO NÉ

https://www.conjur.com.br/2015-mar-27/limite-penal-depoimentos-prestados-delegacia-nao-podem-usados-juizo 4/6
25/04/2021 ConJur - Por que "depoimentos" em delegacia não podem ser usados em juízo?

JuizEstadual (Juiz Estadual de 1ª. Instância)


28 de março de 2015, 10h49

Não precisava desse radicalismo.


O fato de o inquérito policial produzir em regra elementos informativos, e apenas
excepcionalmente elementos de prova, não permite a conclusão equivocada e
apressada que o caderno inquisitivo deve ser descartado.
Esse entendimento rasgaria os dispositivos do CPP que admitem a condenação
exclusivamente com base nas provas produzidas no IP (cautelares, não repetíveis e
antecipadas) e relativamente com fulcro nos elementos de informação (desde que em
conjunto com as provas do processo).
Essa possibilidade prevista pelo CPP se embasa no ordenamento constitucional, que
garante o contraditório e a ampla defesa, e ao mesmo tempo a segurança pública.

ESTA ENGANADO
Ricardo Vaz de Oliveira (Escrivão)
27 de março de 2015, 21h56

Com todo o respeito ao autor, mas ele esta integralmente enganado.

É muito fácil pensar dessa formas nos crimes simples, onde há 2 testemunhas, a
vítima e o autor (visão tapada de uma investigação policial), mas pense em uma
investigação como da Boate Kiss (que pegou fogo), para formar a convicção que
houve ou não negligência por parte dos proprietários foram ouvidas dezenas de
pessoas, bombeiros, seguranças, vítimas, fiscais em geral.

Vai me dizer que tudo isso "não vale nada"? até porque, cada um desses indivíduos
irão contribuir um pouquinho para o esclarecimento dos fatos, como montar um
quebra-cabeça. Até pelo próprio rito do processo penal, é impossível chamar todas
as testemunhas e a conjugação de todo o colhido que é importante.

No caso exposto, os depoimentos entrariam como prova com contraditório deferido,


nada mais.

Ver todos comentários

Comentários encerrados em 04/04/2015.


A seção de comentários de cada texto é encerrada 7 dias após a data da sua publicação.

RECOMENDADO PARA VOCÊ Links patrocinados por taboola

Limpa estoque! Mizuno Wave Prophecy de R$ 594 por R$ 197


Best Shoes

Motoristas: Rastreador sem mensalidade preocupa seguradoras em


Goioerê
Active GPS

Limpe e cuide do seu PC para que ele dure ainda mais!


PC Cleaner

Especialista alerta: Se sente dores na coluna faça isso em casa (Assista)


Dr. Wilson Garves - Especialista em Dor

https://www.conjur.com.br/2015-mar-27/limite-penal-depoimentos-prestados-delegacia-nao-podem-usados-juizo 5/6
25/04/2021 ConJur - Por que "depoimentos" em delegacia não podem ser usados em juízo?

ÁREAS DO DIREITO
Administrativo Ambiental Comercial Consumidor Criminal Eleitoral Empresarial Família Financeiro Imprensa Internacional
Leis Previdência Propriedade Intelectual Responsabilidade Civil Tecnologia Trabalhista Tributário

COMUNIDADES
Advocacia Escritórios Judiciário Ministério Público Polícia Política

CONJUR SEÇÕES ESPECIAIS REDES SOCIAIS


Quem somos Notícias Eleições 2020 Facebook
Equipe Artigos Especial 20 anos Twitter
Fale conosco Colunas Linkedin
PRODUTOS
Entrevistas RSS
PUBLICIDADE Livraria
Blogs
Anuncie no site Anuários
Estúdio ConJur
Anuncie nos Anuários Boletim Jurídico

Consultor Jurídico
ISSN 1809-2829 www.conjur.com.br Política de uso Reprodução de notícias

https://www.conjur.com.br/2015-mar-27/limite-penal-depoimentos-prestados-delegacia-nao-podem-usados-juizo 6/6

Você também pode gostar