Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
OPINIÃO
O fato investigado era corrupção passiva a partir do recebimento de vantagem por Aécio,
oriundo das empresas contratadas pela estatal Furnas Centrais Elétricas S.A. Os recursos
ilícitos seriam lavados por meio de pessoas jurídicas ligadas à irmã de Aécio (Andrea
Neves), bem como pelo envio de recursos a contas no exterior, utilizando-se do serviço de
doleiros.
https://www.conjur.com.br/2021-mai-12/delacao-ouvir-dizer?imprimir=1 1/4
21/08/2023, 11:14 ConJur - Aury Lopes Jr. e Vítor Paczek: Delação por ouvir dizer?
O chamado hearsay testimony é a testemunha do 'ouvi dizer', ou seja, aquela pessoa que
não viu ou presenciou o fato e tampouco teve contato direto com o que estava ocorrendo,
senão que sabe através de alguém, por ter ouvido terceiro narrando ou contando o fato. No
nosso sistema, esse tipo de depoimento não é proibido, mas deveria ser considerado
imprestável em termos de valoração, na medida em que é frágil e com pouca credibilidade,
impedindo na prática o direito ao confronto.
Explica Malan[1] em profundo estudo sobre o tema que o direito ao confronto é fundante
da prova testemunhal e o depoimento indireto prejudica sobremaneira esse direito, na
medida em que “(i) a declaração original com frequência é prestada sem qualquer
solenidade ou formalidade, em especial o juramente de dizer a verdade; (ii) o declarante
original não pode ser submetido ao exame cruzado da parte processual prejudicada pelo
teor da declaração; (iii) o juiz e os jurados não podem observar o comportamento do
declarante original no momento em que prestou as declarações”.
b) Bad character: prova sobre o mau caráter. Importante para evitar o direito penal do autor
(eis outra proibição de prova que poderíamos adotar, especialmente no tribunal do júri);
Na experiência brasileira o STJ tem fixado uma ratio decidendi importantíssima a respeito
dos limites de suficiência da decisão de pronúncia no procedimento do Júri. Quando os
indícios de autoria sejam fundados exclusivamente em testemunhos de ouvir dizer, a
exemplo do RESp 933436/SP (Rel. ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe
13/10/2009) é vedada a pronúncia porque “tais elementos revelam-se precários, e dessa
forma, não autorizam a sua submissão ao iudicium causae”. Em outro caso paradigma,
REsp nº 1.444.372/RS (Rel. ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, DJe
25/02/2016) segue-se a mesma linha, proibindo a pronúncia com base em ouvir dizer.
Enfim, a testemunha de 'ouvi dizer' (hearsay) não é propriamente uma prova ilícita, mas
deveria ser evitada pelos riscos a ela inerentes e, quando produzida, valorada com bastante
cautela ou mesmo não valorada. Existe uma insuperável restrição de cognição, pois não se
trata de uma testemunha presencial, daí decorrendo o completo desconhecimento do fato e,
portanto, um elevadíssimo risco de indução, deturpação e contaminação, pois ela acaba
sendo mera 'repetidora' de discurso alheio.
No âmbito das delações premiadas é correta a preocupação do Ministro Gilmar que foi
incorporada pelo pacote anticrime, pois o delator deve provar o seu discurso para receber
benefícios penais. Nesse momento é extremamente pertinente acusar com base em ouvir
dizer, pois estar-se-ia incluindo fatos novos para ‘vender’ conhecimento delatado que não
se tem. A decisão do Ministro Gilmar que limita a delação por ouvir dizer corretamente
segue a linha de que se deve presumir a falta de credibilidade dos depoimentos e dos
elementos de corroboração apresentados pelos delatores, pois são direcionados para
contrapartidas penais (INQ nº 4419, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma,
julgado em 11/9/2018).
https://www.conjur.com.br/2021-mai-12/delacao-ouvir-dizer?imprimir=1 3/4
21/08/2023, 11:14 ConJur - Aury Lopes Jr. e Vítor Paczek: Delação por ouvir dizer?
A decisão proferida no Inq 4244 é um standard de legalidade importante, que deve ser
replicada nas demais investigações do país e o ‘hearsay’ precisa ser vedado como prova no
processo penal.
[1] MALAN, Diogo Rudge. Direito ao Confronto no Processo Penal. Rio de Janeiro:
Editora Lumens Juris, 2009, p. 54 e ss.
Aury Lopes Jr. é doutor em Direito Processual Penal, professor titular da PUCRS e
membro do escritório Aury Lopes Jr. Advogados.
https://www.conjur.com.br/2021-mai-12/delacao-ouvir-dizer?imprimir=1 4/4