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InformANDES

SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR - ANDES-SN

Informativo
Especial
Brasília (DF)
Outubro de 2015

Organizações sociais
ameaçam caráter público
da Educação Federal
A
Contrarreforma do Estado, concebida por Bresser
Pereira na década de 1990, durante o governo de
Fernando Henrique Cardoso, ganha novos contornos
para garantir maior inserção do Capital no Estado
brasileiro. Com isso, o governo prepara o terreno para
aprofundar a mercantilização da Educação Pública, com a
possibilidade de contratação de docentes federais através
de Organizações Sociais (OS). Diante desse cenário, a luta
de resistência à implantação da gestão através das OS nas
instituições federais de ensino, que tem conseguido barrar
esses ataques, precisa ser ampliada e intensificada.
2 InformANDES Especial/2015
Organizações Sociais

Estado mínimo para o Social e máximo


para o Capital
Contrarreforma do Estado, concebida por Bresser Pereira durante o governo FHC, ganha novos
contornos para garantir maior inserção do Capital no Estado brasileiro

E
m 1994, o Brasil elegia seu segundo e bancos estatais, e diminuir a participa- implementação dos fundos de pensão
presidente após o fim da ditadura ção do Estado nas políticas sociais, com para os servidores públicos.
militar e começava a superar o a criação de parcerias público-privadas e E, nesse contexto, que a lei das
longo processo hiperinflacionário adoção de Organizações Sociais, além de Organizações Sociais (OS) foi aprovada e
dos anos 1980. Sob o fantasma da infla- enxugar o quadro de servidores públicos, vem sendo executada principalmente na
ção e da suposta crise do Estado de Bem uma vez que a folha de pagamento seria área da Saúde Pública.
Estar Social nos países desenvolvidos, o responsável, dentre outros fatores, pela Cláudia ressalta que a proposta de OS
governo de Fernando Henrique Cardoso escassez de recursos e ineficiência opera- veio vinculada a outras medidas, similares
(FHC) encontrou terreno fértil para im- cional do poder público. as que estão em curso, como Programa
plementar uma série de medidas carac- “Na compreensão deles, era neces- de Demissão Voluntária (PDV) para vários
terísticas das reformas neoliberais em sário reconfigurar o Estado, em uma setores, suspensão de concursos públicos
curso em diferentes países: a abertura da perspectiva de implementação do Estado e alterações nos direitos de aposentadoria.
economia, as reformas da previdência e mínimo, de fato um Estado mínimo para “No período FHC, houve um processo,
da legislação trabalhista e a privatização o Social, mas máximo para o Capital. E, em vários setores do Estado, de PDV, que
de vários setores. hoje, se retoma essa ideia. As políticas estimulava o trabalhador a ir embora,
A Contrarreforma do Estado, desenhada de ajustes mais recentes sustentam que combinado com a suspensão de concursos
pelo então ministro da Administração e o tamanho do Estado é a origem da crise. públicos. O objetivo era esvaziar o serviço
da Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser Logo, se propõe e implementa a redução público e abrir espaço para a terceirização
Pereira, partia do pressuposto de que a do tamanho do Estado em termos de e para a contratação precária, inclusive
crise que o país enfrentava à época tinha serviços públicos, estatais e gratuitos e se via Organização Social”, explica.
sua origem no tamanho do Estado, que ampliam as garantias de reprodução do A diretora do ANDES-SN ressalta que
seria extremamente ampliado, oneroso capital a partir do Estado, da transferência é muito importante relembrar esse con-
e pouco efetivo. As reformas propostas do fundo público para o setor privado”, junto de medidas do governo FHC para
previam diminuir a atuação do Estado, conta Claudia March, secretária-geral do compreender que hoje está em curso a
inclusive nas políticas sociais, e manter ANDES-SN. Ela ressalta dois exemplos, retomada da contrarreforma do Estado
uma atuação forte no sentido de garantir como o subfinanciamento e a precariza- de forma mais orgânica e estruturada.
espaço para a reprodução do Capital. Para ção da Saúde Pública, que abrem grande “É essencial recuperarmos a história
isso, era necessário privatizar as institui- mercado para os planos de saúde, e a para ver que existe hoje um movimento
ções públicas produtivas, como empresas contrarreforma da Previdência, com a que retoma e atualiza muito a situação
vivida no período FHC. Temos
a proposta de emenda cons-
titucional que propõe o fim
do abono permanência, a
suspensão dos concursos
públicos, e retomada da con-
trarreforma da previdência,
criando, como no período
FHC, uma instabilidade nas
regras para aposentadoria.
Essas medidas se combinam
com o anúncio da possibi-
lidade de contratações via
OS na Educação Federal, por
representantes do governo
federal, se constituindo de
fato em uma ameaça. Por
isso, é importante e urgen-
te que intensifiquemos o
debate acerca dos impactos
negativos já vivenciados em
outros setores e que rondam
a universidade”, alerta.
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Organizações Sociais

Organizações Sociais foram


criadas por lei em 1998
A
s Organizações Sociais (OS) surgi- os princípios da legalidade e do concurso
ram no Brasil durante o primeiro público na gestão de pessoal.
mandato de Fernando Henrique O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou
Cardoso como presidente da a ação em abril de 2015. Por 7 votos a 2,
república, no ano de 1998. Inseridas na a maioria dos ministros entendeu que
lógica de Contrarreforma do Estado, a entidades da área de saúde e educação,
criação das OS está diretamente relacio- por exemplo, podem receber dinheiro do
nada com a transformação do Estado sob governo para auxiliar na implementação de
uma ótica gerencial, própria da iniciativa políticas nas áreas em que atuam.
privada, comandada pelo então ministro Rodrigo Torelly, advogado da Assessoria
da Administração e da Reforma do Estado, Jurídica Nacional do ANDES-SN, afirma
Luiz Carlos Bresser Pereira. que concorda com o voto
A Lei 9637, de maio de 1998, foi a res- vencido do ministro
ponsável pela criação das OS. Ela determina Marco Aurélio Mello.
que a Organização Social é um título que a “Entendemos que a
administração pública outorga a entidade Constituição não deixa
privada sem fim lucrativo para que esta espaços para que o
realize - com recursos públicos - atividades Estado possa repassar ao
ligadas ao ensino, à pesquisa científica, ao setor privado as atividades
desenvolvimento tecnológico, à proteção relacionadas à saúde, educa-
e preservação do meio ambiente, à cultura ção, pesquisa, cultura, proteção
e à saúde. e defesa do meio ambiente,
Essa lei especifica como se dá a relação tendo em vista que devem ser
entre o Estado e as OS, partindo do pres- prestadas de forma exclusiva e
suposto de que não cabe mais ao Estado direta pelo próprio Estado”, afirma
o monopólio da prestação de serviços em o advogado.
áreas sociais. A contratação de OS pelo “Deve ser registrado que, apesar de
Estado dispensa licitação, os trabalhadores entender pela validade de contratação,
são contratados pela CLT e outras formas os ministros entenderam que nesse
próprias do setor privado, além de abolir tipo de convênio devem ser obedecidos
uma série de procedimentos, previstos no os critérios de fiscalização previstos
poder público, de fiscalização dos contratos no artigo 37, da Constituição, que
e do repasse de dinheiro público. determina a observância dos
A lei criou o Programa Nacional de princípios da legalidade, im-
Publicização (PNP), que tem como o intuito pessoalidade, moralidade,
de fazer absorver pelas organizações sociais publicidade e eficiência”,
as atividades desenvolvidas por entidades completa Torelly.
ou órgãos públicos da União, que atuem
nas áreas ligadas ao ensino, à pesquisa
científica, ao desenvolvimento tecnológico, SBPC defende privatização da gestão via OS

Q
à proteção e preservação do meio ambien-
te, à cultura e à saúde. Na prática, o PNP uem comemorou o resultado do julgamento da constitucionalidade das OS
se enquadra como mais uma medida de foi a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A SBPC fez
desestatização levada a cabo por Fernando pressão junto ao STF contra a ação de inconstitucionalidade, atuando como
Henrique Cardoso para diminuir o Estado e amicus curiae no processo, partindo dos mesmos pressupostos privatistas defen-
os serviços públicos no Brasil durante seus didos por Bresser Pereira, e apresentando os dados quantitativos de crescimento
dois mandatos como presidente. da adoção das Organizações Sociais. A entidade afirmou, na época do julgamento,
que a declaração de inconstitucionalidade afetaria a produção científica do país – já
STF julga OS constitucionais dependente das parcerias público-privadas para manter-se funcionando. A postura
Logo após a promulgação da lei que de defesa da constitucionalidade das Organizações Sociais assumida pela SBPC
criou as OS, o Partido dos Trabalhadores tem relação direta com demais iniciativas de defesa da ampliação das parcerias
(PT) e o Partido Democrático Trabalhista público-privadas tomadas pela entidade, a exemplo da posição acerca do Código
(PDT) entraram na justiça, alegando incons- Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação - incluindo a defesa da ampliação da
titucionalidade dos repasses de dinheiro flexibilização do regime de dedicação exclusiva.
público a entidades privadas, ofendendo
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Organizações Sociais

Exemplos de OS pelo país são de


precarização dos serviços e do
trabalho
Em diversas capitais, trabalhadores protestam contra
a implantação de gestão de OS na saúde pública

S
Agência Brasil
e na educação superior o debate iniciativa privada, é um
sobre a transferência de gestão do dos que sofre. O estado
poder público para as Organizações repassa o dinheiro para a
Sociais (OS) ainda é uma ameaça, organização gestora, mas
no Sistema Único de Saúde (SUS), em di- ela, muitas vezes, não re-
versos estados e municípios, esse cenário passa o salário dos traba-
já é realidade. Desde a criação da lei das lhadores. Isso sem falar
Organizações Sociais, durante o processo que os salários são mais
de Contrarreforma do Estado, o SUS - baixos e as condições de
devido à sua configuração tripartite - foi trabalho piores do que na
a porta de entrada para a terceirização e saúde pública. O hospital é
precarização dos contratos de trabalho. muito bem equipado, mas
Com a suspensão de concursos públicos tem muitos leitos vazios,
em nível federal, e sob a pressão da Lei de pois não há controle social
Responsabilidade Fiscal, muitos estados e como haveria na saúde
municípios passaram a utilizar do sistema pública”, afirma Pilotto.
de contratação de trabalhadores via OS Bernardo Pilotto ressal-
para baratear os custos e enxugar a folha ta que a gestão privada da
de pagamento. O resultado foi a precariza- saúde pública no Paraná
ção das condições de trabalho e do serviço traz graves consequên-
prestado à população, com alta rotatividade cias ao serviço. “Para os
dos quadros funcionais e assedio dos traba- trabalhadores há salários
lhadores. As consequências dos exemplos mais baixos, ausência de
elencados a seguir podem servir como plano de carreira. Há a
um alerta do que pode acontecer com a rotatividade, que na saúde,
educação pública nos próximos anos. mais do que em outras
áreas, pode ser muito ruim,
Paraná especialmente em trata-
O Paraná é um dos estados que implantou mentos de longo prazo e
o sistema de gestão da saúde pública por acompanhamento médico
meio das Organizações Sociais. O sistema na área da saúde mental. É
teve início em 2011 e já apresenta diversos importante que os pacien-
problemas de acordo com Bernardo Pilotto, tes não sejam atendidos a
trabalhador do Hospital de Clínicas (HC) de cada mês por um médico Manifestação no Dia Mundial da Saúde, no Rio de Janeiro
Curitiba e militante em defesa da saúde ou enfermeiro diferente”,
pública. Bernardo lembra que Barbosa Neto, diz. “Os usuários também são prejudicados na saúde pública já completa 17 anos. Rita
então prefeito de Londrina, foi deposto de pela falta de controle social das gestões de Cássia Pinto, trabalhadora do Instituto
seu cargo em 2012 justamente por desvio de PPP na saúde. A lei do SUS faz com que Nacional do Seguro Social (INSS) e diretora
de dinheiro da saúde pública do município. o usuário possa opinar sobre a gestão da do Sinsprev-SP e da Fenasps, acompanhou
O esquema envolvia duas Organizações da saúde, mas com PPP isso se dilui no conse- de perto o processo e os problemas que
Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), lho gestor de cada unidade, que é regido dele decorreram.
que geriam, por meio de Parcerias Público- por outra lógica que não a da participação A experiência da precarização da saúde
Privadas (PPP), a saúde de Londrina. social. É por isso que há tanta gente sem no estado de São Paulo tem como um dos
Em Curitiba, a gestão privada da saúde leito, e tanto leito sem gente”, conclui. mecanismos a pactuação de contratos entre
pública também traz problemas à população os governos federal, estadual e municipal
e aos trabalhadores da área. “O Hospital de São Paulo para gerenciamento de unidades de Saúde
Reabilitação do Paraná, que foi construído No estado mais populoso do país, o via OS, no fornecimento de força trabalho.
pelo estado e depois repassado para a processo de implantação de gestão de OS “A experiência que nós tivemos é que esse
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Organizações Sociais

é um ataque frontal aos trabalhadores Rio de Janeiro, por meio da celebração à Receita Federal, entre outras”, afirma
estatutários”, relata Rita. de Contratos de Gestão, um valor global Joseane sobre sua pesquisa.
A dirigente da Fenasps conta que no de aproximadamente mais de quatro A assistente social cita, como exemplo,
Posto de Assistência Médica (PAM) do SUS, bilhões de reais – contabilizando apenas irregularidades constatadas pelo Tribunal
por exemplo, havia servidores públicos os Contratos de Gestão aos quais sua de Contas municipal em 2011 no contrato
estaduais e federais, que aos poucos foram pesquisa teve acesso. entre o poder público e a OS IABAS. Foram
sendo colocados em disponibilidade. Ela “De modo geral, as irregularidades apontados sobrepreços relativos aos custos
relata uma reunião da qual participou, com envolvendo as OS encontradas até o dos serviços continuados contratados pela
diretores da OS responsável por aquelas momento envolvem violação das leis IABAS, valores salariais exorbitantes pagos
unidades, na qual foi explicado a lógica trabalhistas, utilização dos recursos para aos diretores da OS que geraram prejuízos
da substituição dos servidores públicos despesas alheias ao objeto do contrato, milionários aos cofres públicos, além de
por terceirizados ou celetistas – um dos descumprimento das cláusulas contratuais, incapacidade de alcançar os indicadores
princípios básicos do repasse da gestão repasse de dados falsos dos funcionários de qualidade de prestação de serviços.
da saúde à iniciativa privada.
“Nós questionamos: olha, você tem
um quadro formado, preparado, com ex-
periência e que é pago pelo estado e por Resistência

A
que você quer expulsar os trabalhadores
daqui? Estranho isso. E aí um diretor luta dos trabalhadores frente aos processos de privatização do sistema de
soltou a pérola de que esses servidores saúde no município do Rio de Janeiro é um bom exemplo de resistência
não podem ser demitidos, e que, do total ao processo de implantação da contratação via Organizações Sociais.
pago pelo estado no contrato daquela De acordo com Regina Simões Barbosa, professora da UFRJ e pesquisadora do
unidade, é descontado o quanto o estado tema, são diversas as frentes de luta. “As intervenções sindicais vão desde a
gasta com os salários de estatutários. Logo, assessoria jurídica aos trabalhadores individuais em decorrência de conflitos e
ao expulsar os estatutários daquele local violência nas relações de trabalho, cujas queixas crescem exponencialmente, à
de trabalho, ele tem o retorno financeiro fiscalização das condições de trabalho. No plano do embate político mais amplo,
daquela folha, para subcontratar de forma existe uma articulação de sindicatos, especialmente os de servidores públicos, nos
terceirizada”, detalhou. níveis locais e nacional, que estão desenvolvendo, entre outras estratégias, um
Segundo Rita, em um primeiro momen- enfrentamento jurídico contra a constitucionalidade das OS”, conta. De acordo
to, o argumento para a criação da OS é a com a pesquisadora, muitos desses sindicatos integram a Frente Nacional contra
gestão mais eficiente de pessoal, já que há a Privatização da Saúde, que hoje capitaneia a luta política em nível nacional.
uma grande demanda por mais servidores. Regina aponta que as dificuldades encontradas pelos movimentos sindicais
“Mas, para nós, significa a privatização são muitas e de várias ordens: desde a baixa participação dos trabalhadores
aberta do SUS, sem que isso tenha sido em função das sobrecargas de trabalho, a variedade de vínculos e jornadas de
votado em nenhum momento”, comenta. trabalho, que dificultam a unificação das lutas, o medo de demissão, etc. “Há
Outro problema é no momento da apo- uma perversidade no modelo de trabalho que vem sendo implementado pelas
sentadoria do servidor público. “Se a OS OS, dada principalmente pela ocupação das instituições públicas 'por dentro',
tem a gestão daquele local de trabalho, estabelecendo uma variedade de vínculos e jornadas de trabalho e, inclusive,
na prática ela vai substituir os quadros por contratando servidores públicos através do vínculo precarizado, o que provoca
terceirizados, ou não contratar ninguém, uma cisão na identidade desses profissionais. Esses processos vêm causando
conforme julgar conveniente”, completa intenso sofrimento psíquico e adoecimento dos trabalhadores de saúde, que
a dirigente da Fenasps. vivem o paradoxo de terem que exercer o cuidado em saúde quando estão sendo
violentados e adoecendo”, completa.
Rio de Janeiro
Agência Brasil

A implantação da gestão via Organizações


Sociais na cidade do Rio de Janeiro iniciou
em 2009, com a aprovação da Lei Municipal
5026, a despeito da posição contrária do
Conselho Municipal de Saúde e da mobiliza-
ção de movimentos sociais, como o Fórum
de Saúde do Rio de Janeiro. A lei está em
consonância com a lei federal, permitindo
o repasse dos serviços públicos às OS nas
mesmas áreas de atuação, mas exigindo que
apenas novas unidades de saúde possam
ser geridas pelas OS.
A assistente social Joseane Barbosa,
pesquisadora sobre a implantação das
OS no Rio de Janeiro, afirma que, apenas
de 2009 a 2013, foram repassados para
Organizações Sociais gerirem e executa-
rem serviços de saúde no município do
Manifestação pública contra a privatização do Sistema Único de Saúde (SUS), no mês de março, no Rio de Janeiro
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Organizações Sociais

Ameaça da privatização ronda a


Educação Federal
Governo prepara o terreno para aprofundar a mercantilização da educação
pública, com a possibilidade de contratação de docentes federais através de
Organizações Sociais

N
o final de 2014,
em um debate
sobre educação
superior reali-
zado no Rio de Janeiro
(RJ), o então presiden-
te da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (Capes), Jorge Almeida
Guimarães, declarou que o
Ministério de Ciência, Tecnologia
e Inovação (MCTI) e o Ministério
da Educação (MEC) pretendiam
implementar a contratação de docentes
e pesquisadores para as Instituições sua fala o aprofundamento do projeto, há
Federais de Ensino Superior (Ifes) por tempos em curso, o desmonte do serviço Estado, iniciado na década de 90 durante
meio de Organizações Sociais, e conse- público, desta vez com foco na Educação o primeiro mandato de FHC, e do reflexo
quentemente pela Consolidação das Leis Superior, com a terceirização do trabalho na contratação de pessoal no serviço
do Trabalho (CLT). dos professores das Ifes. Na época, gesto- público. “A meta deles é enxugar a folha
"O ministro [da Educação, José res e representantes do governo federal de pagamento, o que significa deixar de
Henrique] Paim e o ministro [da Ciência, tentaram minimizar a declaração, que contratar e também congelar salários, uma
Tecnologia e Inovação, Clelio] Campolina ganhou grande repercussão e foi ampla- vez que há um crescimento orgânico da
estão nos autorizando a fazer uma orga- mente criticada pelo ANDES-SN. folha devido às progressões e promoções
nização social para contratar, saindo do das carreiras”, explica.
modelo clássico que demora e que nem Preparando o terreno Além disso, tanto nos documentos em
sempre acerta muito", disse Guimarães No entanto, o que se viu na sequência resposta à pauta de reivindicações dos
naquele momento, segundo matéria foi uma série de medidas, que visam docentes federais quanto nas reuniões
publicada pela Agência Brasil. A medida, preparar o terreno para a ampliação das com o ANDES-SN, por diversas vezes, a
segundo ele, teve bons resultados no parcerias público-privada nas IFE, nos Secretaria de Educação Superior do MEC
Instituto Nacional de Matemática Pura e moldes semelhantes ao ocorrido na Saúde (Sesu/MEC) defendeu o projeto de Lei
Aplicada (Impa), que é uma OS, e recebe Pública. Além das medidas, manifestações 77/2015, argumentando que este projeto
recursos reajustados anualmente para tanto do Ministério da Educação (MEC) traz uma série de inovações que reforçam
pagar profissionais vindos de fora. quanto do Ministério do Planejamento e a autonomia da universidade federais no
Segundo o então presidente da Capes, Gestão (Mpog) demonstram a intenção âmbito da ciência, tecnologia e inova-
a proposta de terceirização poderia do governo em reconfigurar o modelo de ção, evidenciando mais uma vez, que a
atrair docentes estrangeiros às universi- contratação na Educação Federal. definição de “autonomia universitária”,
dades brasileiras – o que internacionali- No dia 20 de março, o ministro do para o governo, representa a ressignifi-
zaria as instituições. Guimarães também Planejamento, Nelson Barbosa, destacou cação do público pela consolidação dos
afirmou que os exemplos de autarquias o objetivo do governo em reduzir o gasto mecanismos de privatização.
que abriram mão da contratação de ser- primário com folha de pagamento em A diretora do ANDES-SN reforça que,
vidores por meio do RJU são positivos, relação ao percentual do Produto Interno seguindo os preceitos da Contrarreforma,
já que o sistema de contratação vigente Bruto (PIB). Segundo Barbosa, em 2002, essas medidas visam diminuir a participa-
“não está funcionando”. no último ano do governo de Fernando ção do Estado, e abrir espaço para a repro-
Valendo-se da argumentação falaciosa Henrique Cardoso, a folha representava dução do Capital em políticas sociais como
de que o RJU contrata professores “por 4,8% do PIB, já em 2014 havia caído para educação e saúde, transformando-as em
30 anos e não manda ninguém embora”, 4,3% do PIB. mercadorias. A estagnação e redução do
e de que a OS garantiria e facilitaria a Para Claudia March, secretária-geral número de servidores ativos se conectam
contratação de grandes pesquisadores do ANDES-SN, essa manifestação de com a proposta de contratação por outras
estrangeiros, Guimarães revelava com Barbosa é a tradução do desmonte do vias, como as Organizações Sociais, uma
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vez que a demanda por reposição e am- abre possibilidade para que, na ciência instituições privadas. O impacto imediato
pliação do quadro de trabalhadores con- e tecnologia, o Estado possa investir em que isso pode gerar é colocar o regime de
tinuará, em especial na Educação Federal, parceria com o setor privado, usando di- dedicação exclusiva em risco. Em médio
com a expansão desestruturada das IFE. nheiro público. Ou seja, constitucionaliza prazo, com essa medida, não será plausível
o uso de dinheiro público em ciência e realizar concursos públicos para dedicação
Judiciário e Legislativo tecnologia privadas. exclusiva”, avalia.
também operam A terceira mudança é na produção de Outra ameaça contida no PL 77/2015 é
Além das ações do Executivo, tanto no ciência e tecnologia. A emenda permite a possibilidade de assinatura de contratos
Judiciário quanto no Legislativo, uma série a colaboração pública e privada, ou com entre as universidades e as empresas
de medidas também prepara terreno para uso de dinheiro público, ou com comparti- privadas sem intermédio das fundações.
a concretização da ameaça da contratação lhamento de estrutura física e de pessoal. “O PL legaliza a Empresa Brasileira de
via OS na Educação Federal. Abre também a possibilidade de criação Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii),
Em abril, depois de 17 anos analisando de Organizações Sociais para gerir essas que faz justamente isso. E possibilita a
a Ação Direta de Inconstitucionalidade parcerias público-privadas. criação de OS para gerir essas parcerias”,
(Adin) contra as OS, o STF se posicionou De acordo com Macário, com a emenda reforça Macário.
favorável à terceirização dos serviços aprovada, o PL 77/2015 voltou a tramitar, O 2º vice-presidente do ANDES-SN
sociais via essas figuras jurídicas de na- detalhando as mudanças realizadas com lembra ainda da PEC 395/2015 e o PL
tureza privada, permitindo generalizar a EC 85/2015, para finalmente criar o 4643/2012, também em tramitação no
para todas as políticas sociais, incluindo Código Nacional de Ciência, Tecnologia Congresso, que, respectivamente, permite a
as universidades e institutos federais, a e Inovação. No entanto, o texto chegou cobrança por cursos de extensão, especiali-
contratação sem concurso público. ao Senado com novos elementos, como a zação e mestrado profissional, como forma
No Congresso Nacional, tramita um possibilidade do gestor público manejar de gerar recursos para as IFE, e a autoriza a
elenco de projetos de lei, medidas provisó- os recursos orçamentários de uma rubrica criação de Fundo Patrimonial (endowment
rias e propostas de emenda constitucional para outra dentro da Ciência e Tecnologia, fund) nas instituições federais de ensino
que tem por objetivo criar os mecanismos o que, segundo ele, representa a volta superior, permitindo que pessoas físicas e/
legais e facilitadores para a terceirização de um elemento muito combatido na ou jurídicas financiem as universidades, e
dos serviços sociais. O Projeto de Lei (PLC) década 1990: a Desvinculação de Receitas participem dos conselhos gestores.
77/2015, que já foi aprovado na Câmara da União (DRU). “Com a posição do STF favorável à
enquanto PL 2177/2011 e agora tramita “A dita comunidade científica saudou constitucionalidade das OS e os projetos
no Senado, é um bom exemplo. Segundo efusivamente o PL, em especial a flexibi- que tramitam no Congresso, o terreno
Epitácio Macário, 2º vice-presidente do lização das licitações para aquisição de está pronto para a entrada das OS nas
ANDES-SN e membro da coordenação do produtos para pesquisa. O ANDES-SN, universidades. Um exemplo é a Empresa
Grupo de Trabalho de Ciência e Tecnologia, no entanto, vê o projeto como preocu- Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial
o projeto, que cria o Código Nacional de pante, porque favorece a promiscuidade (Embrapii), uma organização social que
Ciência, Tecnologia e Inovação, se encaixa entre o pesquisador público e a iniciativa opera com muito dinheiro público e faz
na perspectiva de avanço do setor privado privada, já que, com o compartilhamento pesquisa voltada à grande indústria. Com
sobre o setor público, flexibilizando o ca- de mão-de-obra, o pesquisador público as OS, estado e indústria operam em
ráter de público para atender ao mercado, pode, inclusive, receber pagamentos das simbiose”, avalia Macário.
mais especificamente, à indústria.
“O PL está inserido no quadro de ata-
ques aos serviços públicos e aos direitos
básicos da população. Quando proposto,
em 2011, os deputados perceberam que
ele confrontava preceitos constitucionais,
então foi suspensa por um tempo sua
tramitação. Para dar sequência, se fez
necessário mudar esses preceitos, o que foi
feito por meio da PEC 290/2013, que virou
a Emenda Constitucional 85, aprovada em
fevereiro de 2015”, explica Macário.
O diretor do Sindicato Nacional res-
salta que emenda 85 traz três grandes
mudanças. A primeira é conceitual. A
Constituição previa a obrigação do Estado
em fornecer serviços sociais, entre eles o
de ciência e tecnologia, dando prioridade à
ciência básica. Com a emenda, foi incluída
a produção e inovação tecnológicas, para
responder às demandas do mercado.
A segunda mudança tem a ver com a
garantia de oferta de educação e ciên-
cia, prevista na Constituição. A emenda
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Organizações Sociais
Impacto para os docentes rigor dos concursos públicos. A segunda menos retardar, o avanço do projeto de
federais é a dificuldade de organização sindical da privatização e mercantilização do ensino.
Assim como evidenciado durante categoria, justamente por essa divisão, “A luta do ANDES-SN nesse processo
anos de desmonte da Saúde, através da e que é uma consequência imediata e é muito importante. Temos conseguido
terceirização via OS, um dos impactos da extremamente danosa”, pondera. resistir e denunciar esses ataques”, re-
contratação via esse modelo na Educação força Claudia March, lembrando o mais
Superior é a precarização das condições Luta para barrar os ataques recente embate travado pelos professo-
de trabalho e, consequentemente, dos Se a ameaça de contratação via OS na res federais, a greve protagonizada em
serviços prestados à população. Educação Federal está posta nesse mo- 2015. Durante os 139 dias de paralisação,
Epitácio Macário avalia que existem três mento de forma mais contundente, isso cobraram do governo, e dos reitores, po-
grandes consequências da entrada das não significa que antes não existia. Desde sicionamento contrário à contratação via
organizações sociais nas IFE. “A primeira o início da Contrarreforma do Estado, os OS, o arquivamento do PL77, a revogação
é criar duas categorias distintas. De um governos buscam, de diferentes manei- dos contratos com a Ebserh, entre outras
lado, os servidores públicos, contratados ras, privatizar os direitos sociais. A luta reivindicações, que garantem o caráter
via Regime Jurídico Único. De outro lado, travada pelo ANDES-SN ao longo de sua público da educação, a autonomia das
os contratados via OS, celetistas, con- história, em defesa do caráter público da instituições, condições adequadas de tra-
tratados de maneira mais ampla, sem o educação, tem conseguido impedir, ou ao balho e a valorização da carreira docente.

Ebserh: um exemplo “Temos que ter um trabalho de base Universitários, houve um subfinancia-
nefasto muito intenso, pois a proposição de imple- mento de mais de uma década nos

D
mentação das Organizações Sociais não se HU e suspensão de concursos para a
iante do cerco de precarização dará a partir de uma reforma administrativa carreira de técnico-administrativos.
e privatização que vem se for- feita por cima, mas aos poucos e de forma “A Ebserh chegou num terreno fértil,
mando também em torno da fragmentada, a partir das Instituições de esvaziamento do serviço público,
educação pública federal, com tantos Federais de Ensino, com a possibilidade depois de anos sem concurso público,
exemplos nefastos na área da Saúde de contratação via esse modelo”, destaca. principalmente para o cargo de técni-
e também da educação estadual e Claudia avalia a possibilidade real de co-administrativo, e de generalização
municipal, é necessário um estado pressão por parte do governo federal, da precarização do trabalho nos HU
permanente de alerta. como se deu com a Ebserh, para os ges- através da contratação por fundações
A luta travada por docentes, técnicos tores aderirem ao novo modelo de gestão privadas ditas de apoio. E sabemos
e estudantes para barrar, por exemplo, via OS na educação. No caso dos Hospitais qual o resultado disso”, complementa.
a adesão das Universidades Federais
à Empresa Brasileira de Serviços
Hospitalares (Ebserh), que definiu um
novo modelo de contratação e gestão
dos Hospitais Universitários, se deu em
nível nacional, e mais expressivamente
em cada instituição.
Através da resistência, foi possível
retardar em alguns casos e, em outros,
impedir que os HU passassem a ser
administrados pela empresa. Em várias
universidades, a adesão acabou se
dando de forma autoritária, atropelan-
do, inclusive, deliberações dos conselhos
universitários. A intensa mobilização
contra a Ebserh expôs para a comuni-
dade acadêmica e para a população as
condições precárias de funcionamento
dos hospitais. Para Claudia March, a
organização da luta em defesa dos
Hospitais Universitários serve como
exemplo para a resistência às OS.

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