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Cultura Documentos
tempo e
gênero
Organizadoras
Natália Fontoura
Clara Araújo
USO DO TEMPO E GÊNERO
NATÁLIA FONTOURA
CLARA ARAÚJO
Organizadoras
USO DO TEMPO E
GÊNERO
Maria de la Paz López Barajas
Lourdes Maria Bandeira
Renata Barreto Preturlan
Luana Simões Pinheiro
Nathalie Reis Itaboraí
Jackeline Velazco
Julia Velazco
Hildete Pereira de Melo
Cláudio Monteiro Considera
Alberto Di Sabbato
Neuma Aguiar
Arnaldo Mont’Alvão
Valeria Esquivel
Ragni Hege Kitterød
Marit Rønsen
Inclui Bibliografia.
ISBN: 978-85-87847-03-4
CDD 305.4
Ações de fortalecimento da temática de uso do tempo das mulheres no Brasil – Convênio
n° 782949/2013 SPM
USO DO TEMPO E
GÊNERO........................................................................................................................................11
APRESENTAÇÃO..........................................................................................................................................
..............13
INTRODUÇÃO..............................................................................................................................................
............17 AVANÇOS NA AMÉRICA LATINA NA MEDIÇÃO E VALORAÇÃO DO TRABALHO NÃO
REMUNERADO REALIZADO PELAS MULHERES –
Maria de la Paz López Barajas.................................................................................. 21 1 –
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................ 2
1 2 – AS PESQUISAS DE USO DO
TEMPO................................................................................................................... 22 3 – INSTRUMENTOS
INTERNACIONAIS E MEDIÇÃO DO TRABALHO NÃO REMUNERADO REALIZADO PELAS
MULHERES....................24 4 – PESQUISAS E MÓDULOS SOBRE USO DO TEMPO E TRABALHO NÃO
REMUNERADO NA AMÉRICA LATINA................................25 5 – LEGISLAÇÃO E INICIATIVAS PARA A
PRODUÇÃO DE INFORMAÇÕES SOBRE O USO DO TEMPO E O TRABALHO NÃO REMUNERADO NA AMÉRICA
LATINA.......................................................................................................................................................
...........31 6 – PRODUÇÃO DE CONTAS-SATÉLITES DE TRABALHO NÃO REMUNERADO NA REGIÃO E
ALGUNS RESULTADOS...........................34 7 – À GUISA DE
CONCLUSÃO............................................................................................................................... 39
AFAZERES DOMÉSTICOS.........................................................................................................................179 4 –
RESULTADOS...........................................................................................................................................................18
1 5 –
CONCLUSÕES...........................................................................................................................................................18
5
O
desigual
Estudo do Uso do Tempo é crucial para a compreensão das
apre
sentados na 35ª Conferência da Associação Internacional de
Pesquisa de Uso do Tempo (IATUR), realizada no Rio de Janeiro no ano
de 2013. Os artigos selecionados foram estruturados, portanto, em torno
da rubrica acadêmica “Uso do Tempo”. Esta expressão remete a um
campo de estudos interdisciplinares e aglutina uma miríade de trabalhos
de cunho estatístico, sociológicos, demográficos, econômicos e de
outras áreas das Ciências Hu manas e Sociais.
O foco da publicação, cuja organização ficou a cargo da Secretaria
de Políticas para as Mulheres (SPM), do Ministério das Mulheres, da
Igualda de Racial e dos Direitos Humanos, e do IPEA, está em estudos
que tratam das formas de compatibilização dos indivíduos nos trânsitos
e vivências entre atividades de trabalho remunerado e de trabalho não
remunerado. Ou do que costumamos genericamente falar, entre Família
e Trabalho. Família e trabalho, porém, não são tratados como
abstrações, mas como espaços de (com) vivência, produção e
reprodução da vida social. Tam bém não são abstrações os agentes ou
atores desse fazer humano. São indivíduos socialmente situados,
identificados, construídos ou definidos por suas relações sociais, aqui
trabalhadas, em particular, sob o ângulo situacional de gênero ou por
suas identificações de sexo. Em comum, estão as problemáticas da
repartição do tempo entre as atividades laborais, de lazer e de
convivências dos indivíduos, por um lado, e as desigualdades
encontradas nessa repartição quando são observadas a partir dos
recortes de gênero e de sexo, por outro lado. Em outros termos, estão
as dinâmicas de organização dessas atividades e dos tempos
despendidos e a natureza generificada de tais práticas, com seus
âApresentaçãongulos de discrepân cias e iniquidades.
Desigualdade de gênero e divisão sexual do trabalho são problemáti cas
presentes nas pesquisas sobre aspectos sociais há algumas décadas.
Mas para além da natureza própria do trabalho de pesquisa que consiste
em mapear, sistematizar, desvendar e interpretar dados, fenômenos e
aspectos de relações sociais, os quais estão aqui também presentes, o
que é sempre instigante e, de certa forma, preocupante é a lenta
dinâmica das mudanças nos padrões de divisão do trabalho doméstico.
As horas dedicadas às ati vidades de trabalho doméstico mudam pouco
para as mulheres, quer elas trabalhem em atividades remuneradas em
tempo integral, tempo parcial
14 USO DO TEMPO E GÊNERO
Clara Araújo
Pesquisadora do PPCIS/UERJ e do NUDERG/UERJ
INTRODUÇÃO
As organizadoras
AVANÇOS NA AMÉRICA LATINA NA
MEDIÇÃO E VALORAÇÃO DO TRABALHO NÃO
REMUNERADO REALIZADO PELAS MULHERES
Maria de la Paz López Barajas11
1 – Introdução
A
traba
tradicional divisão sexual do trabalho definiu distintos espaços de
res (MAM) dos países da região. Este trabalho foi realizado em conjunto
com o Instituto Nacional de Estatística e Geografia do México (Inegi), a
Divisão de Assuntos de Gênero (DAG) da Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe (Cepal) e o Instituto Nacional das Mulheres do
México (Inmujeres), graças a seminários especializados, oficinas e
grupos de trabalho, nos quais são compartilhadas experiências que se
mostraram exitosas.
No âmbito desse trabalho conjunto, em 2006, a ONU Mulheres, o
Inegi, a DAG da Cepal e o Inmujeres iniciaram a formação do Grupo de
Trabalho de Estatísticas de Gênero (GTEG), na Conferência Estatís tica
das Américas (CEA) da Cepal, mecanismo que foi muito útil para
compartilhar conhecimentos e boas práticas relativas ao levantamento de
informações sobre uso do tempo e trabalho não remunerado, nos diferen
tes países da região, assim como para fortalecer as capacidades dos
INEs de realizar pesquisas na matéria, e dos MAMs, de analisar este
tipo de informação; além de promover a sua utilização para o cálculo do
valor do trabalho não remunerado.
O programa de trabalho do GTEG, aprovado em 2007 pela CEA,
teve como objetivo “fomentar os esforços para sistematizar a informação
estatística nacional com enfoque de gênero e promover a realização de
pes quisas sobre o uso do tempo, ou a inclusão de módulos ou curtas
baterias de perguntas nas pesquisas domiciliares, para medir a
contribuição não remunerada das mulheres […]” (Cepal, 2007).
28 USO DO TEMPO E GÊNERO
QUADRO 1
Países que realizaram pesquisas e/ou módulos sobre uso do tempo e
trabalho não remunerado – América Latina e Caribe
2005 Pesquisa/módulo /perguntas
País Antes de 2006
ou pos teriores
2006 Pesquisa/módulo/perguntas
1. Argentina
(Buenos Aires) 2011 Módulo na Pesquisa Permanente de 2013 Módulo na Pesquisa Anual de Domicílios
Domicílios Urbanos (EAHU)
Diário 2010-
2010,
2. Bolívia 2001 Módulo na Pesquisa Contínua de Domicílios
2011 Pesquisa de Uso de Tempo em Domicílios
Desde 1992
Perguntas na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Perguntas na Pnad
3. Brasil 4. Colômbia 2009- 2010 2007, 2008, 2009, Perguntas na Grande Pesquisa
GTEG 2010 Integrada de Domicílios
Pesquisa-piloto, com diário, em
cinco estados do Brasil
12. México 2
1996 Módulo na Pesquisa Nacional
l sobre Trabalho, Contribuições e 2011 Módulo na Pesquisa Permanente de
Uso do Tempo (Entaut)
Domicílios 2009 Enut
QUADRO 2
Exemplos de legislação e iniciativas para a produção de
informações sobre uso do tempo e para a valoração e elaboração
das contas-saté lites de trabalho não remunerado
AVANÇOS NA AMÉRICA LATINA NA MEDIÇÃO E VALORAÇÃO DO TRABALHO NÃO REMUNERADO REALIZADO PELAS
MULHERES 33
Fonte: Argentina (2011), Bolívia (2009), Chile (2010), Colômbia (2010), Costa Rica (pro
jeto de Lei): <http://migre.me/ruLeF>, Equador (2008), (Lei Orgânica da Econo mia
Popular e Solidária): <http://migre.me/ruLfW>. El Salvador (2011), Honduras (2010),
Inegi (2010), Peru: <http://migre.me/ruLgp>. Trinidad e Tobago (2013), Uruguai:
<http://migre.me/ruLgP>.
Obs.: consultas realizadas entre junho de 2013 e maio de 2014.
5
As informações relativas às CSTNRs de El Salvador, Colômbia, Uruguai e Venezuela,
foram obtidas de Aguirre (2013).
AVANÇOS NA AMÉRICA LATINA NA MEDIÇÃOE VALORAÇÃO DO TRABALHO NÃO REMUNERADO REALIZADO PELAS
MULHERES 37
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7 – À guisa de conclusão
Como demonstrado ao longo do texto, embora ainda haja muito trabalho
a ser feito, há avanços na região em relação à medição do uso do tempo
e do trabalho não remunerado de mulheres e homens. Estas
informações permitem dimensionar as necessidades das mulheres,
medir as brechas de desigualdade e, graças a isso, dispor de bases
sólidas para conceber e im
plementar políticas públicas, definir programas e ações públicas, elaborar
orçamentos públicos com enfoque de gênero e preparar sistemas de
moni toramento e avaliação da eficácia e eficiência do investimento, em
relação aos objetivos e às metas almejados.
Nessa perspectiva, embora seja verdade que, dentro do lar, pais e
mães devam se responsabilizar pelo cuidado dos filhos e pela realização
dos afaze res domésticos, fora do núcleo familiar, o Estado tem a
responsabilidade de contribuir para a produção e reprodução da força de
trabalho que alicerça as sociedades, possibilitadas, em grande parte,
pelas tarefas de trabalho domés tico e de cuidados – principalmente
realizadas, hoje em dia, por mulheres e meninas. Estas atividades são
as menos visíveis, no que tange à contribuição das mulheres para o
desenvolvimento e a sobrevivência econômica dos lares e das nações.
Nesse sentido, é necessária uma virada em direção a um novo modelo
de compreensão e abordagem do trabalho não remunerado, que o
conceba numa perspectiva de responsabilidade social, o que envolve a
partici pação central do Estado, das empresas e da sociedade, em geral.
Este modelo supõe a responsabilidade estatal de, por um lado, conceber
e lançar políticas públicas que permitam liberar as mulheres de sua
sobrecarga de trabalho e tempo e, por outro lado, de realizar ações
destinadas a valorar o trabalho não remunerado, numa perspectiva
cultural, social, econômica e política.
Não obstante, apesar das evidências disponíveis, não existem, atual
mente, mecanismos nem políticas públicas para liberar as mulheres da
so brecarga de trabalho, o que tem como consequência que este
trabalho seja principalmente realizado, nos lares, com escassa
participação dos homens, e com baixa responsabilidade do setor privado
e do Estado, acarretando uma sobrecarga significativa no trabalho total
realizado pelas mulheres.
40 USO DO TEMPO E GÊNERO
1 – Introdução
13
As trabalhadoras domésticas recebem baixos salários, não raro abaixo do valor mínimo,
e, até a aprovação da Emenda Constitucional no 72/2013, não tinham todos os seus
direitos trabalhistas reconhecidos.
54 USO DO TEMPO E GÊNERO
públicas
DETERMINANTES DA ALOCAÇÃO DE
TEMPO EM TRABALHO REPRODUTIVO:
UMA REVISÃO SOBRE OS ACHADOS
EM PESQUISAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS
1 – Introdução
E ste capítulo tem como objetivo apresentar uma revisão não sistemática
1
Técnica de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do
Ipea. 2 Disponível em <http://www.ces.uc.pt/lab2004/inscricao/pdfs/painel29/MariaBetania
avila.pdf>.
62 USO DO TEMPO E GÊNERO
O que faz, portanto, com que o trabalho reprodutivo siga sendo fe minino,
a despeito das importantes mudanças verificadas ao longo dos últimos
anos nas condições de vida das mulheres e na sua forte entrada na
esfera do mercado de trabalho? O que leva homens e mulheres a (não)
alo carem tempo em trabalho reprodutivo? De modo geral, o que
determina a desigualdade de gênero na distribuição de tempo neste tipo
de atividade?
Muitos estudos têm procurado responder a estes questionamentos,
tomando como base as informações disponibilizadas pelas pesquisas de
uso do tempo conduzidas pelos institutos de estatística de cada país. A
maior parte destas pesquisas vem de países da Europa Ocidental, da
Aus
trália ou dos Estados Unidos, que já contam com pesquisas de uso do
tempo estruturadas e de longa data, permitindo, inclusive, a realização
de análises longitudinais. Para o caso brasileiro, contudo, ainda há pou
ca produção no campo, seja porque os dados disponibilizados são muito
restritos – não há uma pesquisa nacional de uso do tempo no país –,
seja porque o tema só muito recentemente tem sido incorporado como
uma questão relevante para tratar das condições de vida da população
e, em especial, das desigualdades de gênero.
De forma resumida, Bruschini aponta que os estudos sobre o uso do
tempo concluem que: i) o tempo econômico masculino é maior do que o
tempo feminino e, contrariamente, o tempo feminino na reprodução so
cial é maior do que o masculino; e ii) o aumento da jornada de tempo eco
nômico prejudica mais as mulheres, uma vez que o tempo dedicado por
elas à reprodução social não tende a diminuir, o que leva a uma redução
no tempo livre das mulheres, que acabam por adicionar tempo
econômico ao tempo da reprodução (Bruschini, 2006). A divisão sexual
do trabalho, portanto, impõe às mulheres um acúmulo de trabalho no
mercado e no espaço doméstico. As pesquisas de uso do tempo
possibilitam conferir materialidade aos fundamentos desta divisão,
evidenciando os seus resul tados e os seus determinantes, foco central
dos estudos realizados sobre o tema, tanto no Brasil, quanto nos demais
países com tradição neste tipo de análise.
Tradicionalmente, a discussão sobre uso do tempo se deu a partir das
jornadas de trabalho no mercado e da exploração do trabalhador. Tal dis
cussão, fundamentada em um posicionamento teórico que entendia traba
lho como a venda da força de trabalho dos indivíduos a um empregador,
excluiu da esfera de debate e de ação pública o trabalho doméstico não
remunerado (ou reprodutivo), realizado por milhões de homens e mulhe
res no cuidado de seus próprios domicílios e de seus familiares.
“Prevalecia
DETERMINANTES DA ALOCAÇÃO DE TEMPO EM TRABALHO REPRODUTIVO: UMA REVISÃO SOBRE
OS ACHADOS EM PESQUISAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS63
utilizam dos poucos dados coletados, desde 2001 apenas, pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O foco tem sido mais a des
crição das desigualdades na alocação de tempo em trabalho reprodutivo
segundo diversas categorias relevantes do que uma discussão que
avance em direção aos determinantes desta desigualdade. Ainda assim,
optou-se por apresentá-los aqui para que se possa ter um breve relato
sobre a pro dução nacional no tema.
Em seguida, são apresentados os estudos produzidos em âmbito in
ternacional e que abordam exatamente a questão dos determinantes das
desigualdades. Estes foram classificados, basicamente, em três grandes
grupos, tal como aparece na literatura: os que encontram na teoria econô
mica das trocas (teoria da barganha ou recursos relativos) o
determinante central da alocação de tempo em trabalho reprodutivo; os
que explicam esta alocação pela teoria da disponibilidade de tempo; e
os que enxer gam nas ideologias de gênero os elementos mais
importantes para explicar como homens e mulheres decidem investir
tempo em trabalho reprodu tivo. Para além destas três categorias, que se
abrem em alguns subgrupos, os estudos foram classificados ainda em
outro rol de determinantes im portantes, os quais referem-se àqueles
relacionados ao ciclo de vida, e que envolvem especialmente a
formação/dissolução de uniões, idade, arranjos familiares e fecundidade.
balho doméstico cai, ainda que os resultados para os homens sejam, por
vezes, inconclusivos neste sentido, já indicando as limitações desta pers
pectiva (Aassve et al., 2014; Baxter, 2005; Beller, 1993; Blair; Lichter,
1991; Brines, 1994; Cunningham, 2007; Ferree, 1991; Hersch; Stratton,
1997). As pesquisas nos anos 1990, revisadas por Coltrane, mostram
que quando os recursos relativos são mais igualitários, a divisão de
trabalho reprodutivo entre maridos e esposas tende a ser também mais
igualitária. Casais em que ambos possuem renda tendem a dividir o
trabalho domés tico de forma mais igualitária que casais nos quais o
homem é o único provedor. Na mesma linha, mulheres em ocupações
de maior prestígio e autoridade tendem a compartilhar mais o trabalho
doméstico não remu nerado (Coltrane, 2000).
Uma série de estudos, porém, tem apontado limites ao nível de efeti
vidade que esta perspectiva pode ter, especialmente para as mulheres
(Sou th; Spitze, 1994). Becker (1991), Brines (1994) e Greenstein (2000),
por exemplo, encontraram que homens dependentes economicamente
fazem menos trabalho reprodutivo quanto mais dependentes forem de
suas es posas, o que é exatamente o oposto do que prevê a teoria da
dependência. Hochschild (1989) percebeu, ao analisar casais, que
quando as mulheres ganham mais do que os homens, não há divisão
igualitária do trabalho doméstico, ao passo que em 21% dos casais
entre os quais os homens ganham mais do que as mulheres e em 30%
dos que têm renda igual, o trabalho doméstico era dividido igualmente.
Ou seja, os homens com menos renda relativa realizavam menos
atividades ligadas à reprodução social, contrapondo-se ao predito pela
teoria da barganha ou dos recursos relativos. Evidencia-se, assim, a
necessidade de considerar outros fatores na explicação das
desigualdades de gênero na alocação de tempo em tra balho
reprodutivo.
Perspectiva da disponibilidade de tempo