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Unidade Curricular: Lusofonia e CPLP

Ano Letivo:2023/2024
Aluno: Manuel Robalo

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, hoje


Fará sentido tratá-la como uma organização de direitos
humanos?

“A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, hoje/Fará sentido trata-la como uma
organização de direitos humanos?” corresponde ao texto da comunicação, com autoria de
Patrícia Jerónimo, apresentado no quadro da conferencia Os Desafios da CPLP à Luz do Direito
Internacional Público, que data de 19 de abril de 2018, tendo tido lugar na Universidade
Lusófona do Porto. A autora é Professora Associada na Escola de Direito da Universidade do
Minho, instituição na qual coordena o Mestrado de Direitos Humanos e o Centro de
Investigação em Justiça e Governação.Com formação no Instituto Universitário Europeu e na
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, publicou já vários artigos que abrangem o
jurídico, o académico, o social, o económico, e ainda o científico e político, muitas vezes
interligando estas áreas para uma perspetiva interdisciplinar. Patrícia está ainda envolvida em
numerosos projetos de investigação internacional, na qualidade de perita sobre Direito
Português e Direito de Países de Língua Oficial Portuguesa. As suas áreas de investigação
preferenciais incluem os Direitos das Minorias, Multiculturalismo, Cidadania e Imigração,
Pluralismo Jurídico, entre outros, tendo já sido premiada pela Universidade do Minho, graças á
sua investigação no domínio dos Direitos Humanos. Quanto ao enquadramento político-
ideológico da autora, podemos deduzir, a partir da sua defesa continua da multiculturalidade,
da inclusividade, da importância da cultura, da tolerância e respeito pela diferença, raça e
etnia, a par de uma aceitação, e de uma tentativa de colaboração, com os sistemas jurídicos
atuais, e respetiva ordem económica e social, presente em grande parte do seu trabalho e
investigação, que esta tem uma inclinação liberal, e de esquerda em certos aspetos culturais-
um importante facto de vertente epistemológica, a ter em conta na presente recessão critica-
como iremos analisar mais á frente.

Numa abordagem inicial, é importante ter em conta o artigo “The European Union as a human
rights organization? Human rights and the core of the European Union” de Armin von
Bogdandy, que fornece inspiração, e até o título, ao trabalho de Patrícia Jerónimo. Para
começar, von Bogdandy analisa a origem da União Europeia, argumentando que esta começou
por uma vertente essencialmente económica, lentamente abrangido dimensões politicas e
sociais-“The European legal order started as a functional legal order: it was set up in order to
integrate the European peoples and States, mainly through an integration of their national
economies.European law has been an instrument for political and social transformation of
completely new dimensions for democratic societies, not meant to protect ,but rather to
change them with a view toward a common European future ”Armin von Bogdandy, 2000,
pp.1308- e sobretudo movendo-se para uma maior ênfase nos direitos humanos, cuja
desejabilidade é o tema de reflexão e crítica do seu artigo. Assim, e ao estabelecer um
paralelismo entre a União Europeia, como descrita por von Bogdandy, e a CPLP, em aéreas
como a mobilidade intracomunitária, cooperação em matéria consular, e a exigência de que os
Estados candidatos á adesão acolham o “acervo comunitário” , Patrícia Jerónimo consegue
estabelecer uma base credível para comparar também as dificuldades que a CPLP enfrenta, ao
procurar introduzir os direitos humanos no centro da sua atividade, e avaliar o desempenho
dos seus Estados Membros neste âmbito. Embora esta análise inicial efetue uma comparação
que, inicialmente, possa parecer um pouco precipitada, não tendo em conta todo um contexto
pós-colonial e cultural que, no caso da CPLP, é de extrema relevância, a autora vai elaborando
estas ideias, de maneira suficientemente satisfatória, como veremos mais á frente. De facto,
desde a admissão da Guiné Equatorial como Estado-Membro em 2014, os direitos humanos
tornaram-se essenciais nas discussões sobre a CPLP. Logo, a investigação da autora revela-se de
grande utilidade e relevância, ao procurar estabelecer a natureza, origem e objetivos da CPLP,
presentes na agenda da organização, e nos seus textos fundadores, e avaliar a viabilidade de
erigir os direitos humanos como critério de admissão, e razão para a vigilância do desempenho
dos Estados-Membros depois de admitidos.

No seu website, a CPLP declara publicamente ter como princípios:

-Igualdade soberana dos Estados membros;

-Não-ingerência nos assuntos internos de cada estado;

-Respeito pela sua identidade nacional;

-Reciprocidade de tratamento;

-Primado da paz, da democracia, do estado de direito, dos direitos humanos e da justiça social;

-Respeito pela sua integridade territorial;

-Promoção do desenvolvimento;

-Promoção da cooperação mutuamente vantajosa;

Contudo, para Patrícia Jerónimo, embora os direitos humanos sejam um valor tido como
importante para vários dos Estados membros, efetivamente presente nos princípios
fundadores da organização, e juridicamente referido na Declaração Constitutiva e nos Estatutos
da CPLP, este continua sem figurar nos seus objetivos gerais. Logo, embora presentes na sua
agenda e também no Programa de Adesão, existe uma “falta de vontade política dos Estados-
Membros para transformar a proteção e a promoção dos direitos humanos num objetivo geral
da CPLP com efeitos jurídicos vinculativos” Patrícia Jerónimo, 2019, p.12, e na prática “não nos
parece que o Programa de Adesão tenha alguma vez tido carácter de condição sine qua non da
admissão” Patrícia Jerónimo,2019, p.16, sendo que “os Estatutos em vigor não conferem à
CPLP quaisquer poderes para fiscalizar e avaliar o desempenho dos Estados-Membros, nem
preveem sanções para a hipótese de os resultados da avaliação serem negativos.” Patrícia
Jerónimo, 2019, p.17, entre outros exemplos fornecidos e e leis citadas, que ilustram a
verdadeira posição da CPLP sobre o assunto.

Todavia, para a autora esta conjuntura não está necessariamente errada. Pelo contrário, esta
tem uma postura cética e realista, desconfiando dos benefícios e da própria viabilidade de uma
maior preocupação com os direitos humanos: “As organizações internacionais não têm de ser
todas organizações de direitos humanos. Partilhamos com von Bogdandy o ceticismo face às
virtudes intrínsecas da multiplicação de padrões e mecanismos internacionais de direitos
humanos. Importa não perder de vista a origem, natureza e objetivos das organizações e
reconhecer que nem todas têm de prosseguir objetivos inspiradores ou altos ideais” Patrícia
Jerónimo, 2019, p.22.”. Na minha opinião, concordo com Patrícia quando esta, numa discussão
recente, alertou que os direitos humanos nos debates sobre a jurisprudência e
multiculturalidade operam como uma arma paradoxal, pois tanto são evocados para negar
qualquer relevância á produção e contexto cultural, como são utilizados para assegurar a
igualdade tendo em conta a cultura, valores e crenças subjetivas de cada povo ou etnia.
Verdadeiramente, toda esta questão está profundamente relacionada com padrões culturais,
coloniais e ideológicos que problematizam uma solução objetiva. Principalmente no âmbito
particular da CPLP, o próprio conceito de lusofonia é alvo de um extremo debate e dialética
que, com a queda do regime Salazarista e instalação de uma realidade pós-colonialista, veio
mudar as relações e valores de toda uma comunidade de Estados ligados á CPLP, e ao passado
colonial português. Para continuar, poderíamos enquadrar o tema como uma questão de
neocolonialismo, em que a discussão dos direitos humanos, no caso da CPLP, reflete apenas
uma crença inerente da superioridade cultural/moral das antigas potências colonizadoras
sobre os Estados colonizados. Neste caso, até o multiculturalismo, tão ligado ao projeto da
CPLP, assume contornos questionáveis, pois “pressupõe a ideia de uma cultura central que
estabelece as normas em relação às quais devem posicionar-se as culturas menores (Bhabha,
1990b: 208). Como tais normas estabelecem os limites dentro dos quais as outras culturas —
consideradas menores ou inferiores — podem legitimamente manifestar-se, a afirmação da
diversidade multicultural implica sempre uma limitação na afirmação da diferença cultural. É
por isso que os projectos multiculturais não têm impedido que o racismo e a discriminação
étnica continuem a propagar-se”. Boaventura de Sousa Santos, 2003, p.585.Contudo, este tipo
de questões mais ontológicas, que a meu ver são de grande relevância, foram evitadas,
resultando numa análise que acaba por ser demasiado limitada.

Não obstante, conhecendo brevemente a carreira e as crenças da autora, esta provavelmente


limitou-se apenas a uma síntese objetiva, jurídica e histórica dos direitos humanos e o seu
contexto dentro da CPLP, procurando uma maior brevidade, método que, embora incompleto,
me parece adequado como análise mais sistémica e imediata do problema em causa. O
resultado é por isso uma investigação prática, útil e extremamente informativa, que se afasta,
de certa maneira, de questões ambíguas ou problematizações mais radicais do sistema político
e cultural vigente, aceitando o papel da CPLP em matéria de direitos humanos como sendo
apenas “o de oferecer uma plataforma para partilha de boas práticas entre os Estados-
Membros, numa lógica de influência sem ingerência. Dificilmente será de outro modo, atenta a
manifesta falta de vontade política dos Estados-Membros para uma reforma de fundo dos
Estatutos que viesse pôr a proteção e a promoção dos direitos humanos no centro da ação da
CPLP, com a consequente atribuição de poderes de controlo sobre o desempenho dos Estados-
Membros. Para além disso, uma qualquer política comum lusófona em matéria de direitos
humanos sempre haveria de esbarrar, de forma ainda mais aguda do que a que se verifica para
a União Europeia, nos muitos obstáculos resultantes da grande diversidade cultural entre (e
dentro dos) Estados-Membros.” Patrícia Jerónimo, 2019, p.22. Nesta perspetiva, Patrícia
Jerónimo difere de von Bogdandy, que por comparação acaba por ser mais idealista, e menos
pessimista, dado o contexto da união europeia, escrevendo no final da sua obra “And yet the
discussed challenges should not be discarded lightly. Human rights are in many legal orders
importante instruments for continuous legal adaptation to changing social needs, fears and
convictions. Legal scholarship has an importante role in articulating the demands and
furthering the process of change.” Armin von Bogdandy, 2000, p.1338. Concluindo, acho o
trabalho em causa, de autoria de Patrícia Jerónimo, uma importante fonte de conhecimento, e
mais que tudo, de diálogo, sobre a CPLP, o seu passado, o seu presente e o seu futuro.

Bibliografia:

-Armin von Bogandy, “The European Union as a human rights organization? Human rights and
the core of the European Union”, in Common Market Law Review, n.37, p. 1308-1338

-Patrícia Jerónimo “A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, hoje/ Fará sentido tratá-la
como uma organização de direitos humanos?”, 2019, p.12-22

- Discussão de Patrícia Jerónimo relacionada com o tema em causa


https://educast.fccn.pt/vod/clips/2oew5yktai/desktop.mp4?locale=pt, minuto 25 a 27

- Objetivos CPLP https://www.cplp.org/id-2763.aspx

- Boaventura de Sousa Santos, 2003, “Construindo as Epistemologias do Sul Para um


pensamento alternativo de alternativas”, Volume I, p.585

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