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Atendimento

inicial ao
trauma 2020
Apostila teórica da Liga acadêmica
do trauma do hospital cajuru
diretoria Presidente: Edson Vieira Nascimento
Vice-presidente: Gabriela Redivo Ströher
Coordenadora científica: Angel Adriany da Silva
Gestão 2020 Coordenadora de cursos: Vitória Wisnievski Marucco Silva
Secretária: Amanda dos Santos Tiodozio
Diretora de Marketing: Mariana Massuqueto Cavalli

Autores
Adriano Augusto Tavares de Campos Mondini
Amanda Christina Castanheira Kozesinski
Amanda dos Santos Tiodózio
Ana Claudia Janiszewski Goes
Andressa Sakamoto Aoki
Angel Adriany da Silva
Anna Clara Rocha Plawiak
Anne Karoline Cardozo da Rocha
Beatriz Zanutto Salviato
Bruno Durante Alvarez
Caio Pellizzari
Daniel Augusto Mauad Lacerda
Danilo Mardegam Razente
Douglas Shun Yokoi
Edson Vieira Nascimento
Elton Wolaniuk
Felipe Fogliatto
Gabriela Redivo Ströher
Gisele Pietrowski Abot
Heloísa Moro Teixeira
Isabela Pizzatto Teixeira
Isadora Mezzomo Desconsi
Jaqueline Novack
Juliana Pitchinin Pereira Dias
Lucas Pegoretto
Luiza de Martino Cruvinel Borges
Lyncoln Shody Ioshino
Maria Victória Cordeiro
Mariana Massuqueto Cavalli
Mariana Rothermel Valderrama
Matheus Leite Fabian
Nico Ceulemans
Nicole Silveira Lother
Raquel Porto Lovato
Renan Fernando Ferreira Alves
Renato Sabah Gomes Soares
Ricardo Mendes Silveira
Thaisa Frediani Bergamaschi
Thiago Tsuneo Kominek Sato
Victor Toniolo Marconi
Vitória Wisnievski Marucco Silva

2
objetivo Sejam bem vindos à Liga Acadêmica de Trauma do
Hospital Universitário Cajuru (LAT-HUC). Criada em
1997, sob tutela do Dr. Luiz Carlos Von Bathen, a liga foi
idealizada para dar a oportunidade aos alunos de
medicina de aprofundar os conhecimentos teóricos e
práticos no assunto Trauma.

As atividades da liga contam com plantões no serviço


de emergência do HUC, acompanhando a admissão de
pacientes vítimas de trauma. Aulas mensais com
médicos, residentes e convidados. Realização de
trabalhos científicos e participação em eventos,
congressos e ATLS.

A apostila desenvolvida pelos acadêmicos da liga tem


o intuito de dar o embasamento teórico inicial ao assunto
do trauma a fim de fomentar o interesse na leitura
aprofundada de livros texto, artigos científicos e
diretrizes. Servirá também como material de apoio e
consulta rápida aos ligantes.

Este material é de uso exclusivo da liga para fins


educacionais. Não possui fins lucrativos sendo proibida
sua venda ou comercialização.

Organização: Angel Adriany da Silva

Realização Primeira Revisão: Angel Adriany da Silva e Heloísa Moro


Teixeira
Revisão final: Prof. Dr. Luiz Carlos Von Bahten
Design e diagramação: Felipe Fogliatto
3
ÍNDICe
Capítulo 01 Atendimento inicial ao trauma
1.1. Introdução..................................................................10
1.2. Preparação................................................................11
1.2.1. Pré-hospitalar..................................................11
1.2.2. Tratamento no local do trauma.......................13
1.2.3. Esquema de triagem de campo......................14
1.3. Hospitalar..................................................................15
1.3.1. Triagem...........................................................15
1.3.1.1. Vítimas múltiplas..................................15
1.3.1.2. Vítimas em massa................................15
1.3.2. Método START...............................................16
1.4. Avaliação primária e ressuscitação...........................17
1.4.1. Airway.............................................................18
1.4.2. Breathing.........................................................19
1.4.3. Circulation.......................................................19
1.4.4. Disability..........................................................20
1.4.5. Exposure.........................................................20
1.5. Adjuvantes na avaliação primária e ressuscitação....20
1.6. Populações especiais................................................21
1.7. Avaliação secundária................................................22
1.7.1. História............................................................22
1.7.2. Exame físico...................................................22
1.8. Auxiliares na pesquisa secundária............................24
1.9. Reavaliação...............................................................25
1.10 Cuidado definitivo.....................................................25
1.11 Escores do trauma...................................................25
1.11.1 Revised Trauma Score (RTS).........................25
1.11.2 Abbreviated Injury Scale (AIS)........................27
1.11.3 Injury Severity Score (ISS)..............................28
1.11.4 New Injury Severity Score (NISS)…………….28
1.11.5 Trauma and Injury Severity Score (TRISS)….28
1.12 Resumo e fluxograma..............................................30
1.13 Referências..............................................................33

Capítulo 02 Cinemática do trauma


2.1. Introdução..................................................................34
2.2. Cavitação...................................................................35
2.3. Trauma contuso.........................................................36
2.4. Colisões automobilísticas..........................................37
2.5. Acidentes de motocicleta...........................................40
2.6. Acidentes de bicicleta................................................41
2.7. Agressão física..........................................................41
4
2.8. Quedas......................................................................41
2.9. Queimados................................................................42
2.10 Mordeduras..............................................................43
2.11 Trauma penetrante...................................................43
2.1.1. Orifício de entrada e saída..............................45
2.12 Explosões.................................................................45
2.13 Referências..............................................................46

Capítulo
Capítulo03
03 Vias aéreas e controle cervical
3.1 Introdução..................................................................47
3.2 Trauma maxilofacial..................................................47
3.3 Trauma de pescoço e laringe....................................47
3.4 Obstrução de vias aéreas..........................................48
3.5 Ventilação..................................................................48
3.6 Manejo de vias aéreas..............................................48
3.6.1 Oxigenoterapia................................................49
3.6.2 Controle cervical.............................................49
3.7 Técnicas de manutenção de via aérea......................50
3.7.1 Elevação de mento.........................................50
3.7.2 Tração de mandíbula......................................51
3.7.3 Tubo nasofaríngeo..........................................52
3.7.4 Tubo orofaríngeo............................................52
3.8 Dispositivos extraglóticos e supraglóticos.................53
3.8.1 Máscara laríngea............................................53
3.8.2 Tubo laríngeo..................................................55
3.8.3 Tubo duplo-lúmen...........................................55
3.9 Via aérea definitiva....................................................55
3.9.1 Tubo endotraqueal..........................................55
3.9.1.1 Tudo nasotraqueal...............................56
3.9.1.2 Tubo orotraqueal..................................56
3.9.2 Via aérea cirúrgica..........................................58
3.9.2.1 Cricotireoideostomia.............................58
3.9.2.2 Cricocotireoideostomia x
traqueostomia.....................................................60
3.10 Via aérea difícil.........................................................60
3.11 Resumo e Fluxograma.............................................62
3.12 Referências..............................................................63

Capítulo 04 Trauma torácico


4.1 Introdução................................................................64
4.2 Anatomia do tórax.....................................................64
4.3 Avaliação primária e lesões com risco imediato de
morte.................................................................................65
4.3.1 Obstrução das vias aéreas.............................65
4.3.2 Trauma da árvore tráqueobrônquica..............66

5
4.3.3 Pneumotórax hipertensivo..............................66
4.3.3.1 Fisiopatologia.......................................68
4.3.3.2 Quadro clínico......................................68
4.3.3.3 Diagnóstico e tratamento.....................68
4.3.3.4 Complicações.......................................69
4.3.4 Pneumotóras aberto.......................................69
4.3.4.1 Fisiopatologia.......................................70
4.3.4.2 Quadro clínico......................................70
4.3.4.3 Diagnóstico e tratamento.....................70
4.3.5 Hemotórax maciço..........................................71
4.3.5.1 Fisiopatologia e quadro clínico.............72
4.3.5.2 Diagnóstico e tratamento.....................72
4.3.5.3 Hemotórax maciço e Pneumotórax
hipertensivo.........................................................73
4.3.6 Tamponamento cardíaco................................73
4.3.6.1 Fisiopatologia.......................................73
4.3.6.2 Quadro clínico......................................74
4.3.6.3 Diagnósticos diferenciais......................74
4.3.6.4 Diagnóstico e tratamento.....................74
4.4 Avaliação secundária e lesões com risco potencial de
morte.................................................................................75
4.4.1 Pneumoteorax simples...................................76
4.4.2 Hemotórax......................................................77
4.4.3 Contusão pulmonar e tórax instável...............78
4.4.4 Lesão cardíaca por trauma contuso...............79
4.4.5 Ruptura traumática de aorta...........................79
4.4.6 Lesão traumática do diafragma......................80
4.4.7 Ruptura esofágica por trauma contuso...........81
4.5 Outras manifestações de trauma torácico.................81
4.6 Resumo e fluxograma...............................................83
4.7 Referências...............................................................85

Capítulo 05 Choque e controle hemorrágico


5.1 Introdução..................................................................86
5.2 Fisiopatologia do choque...........................................86
5.3 Clínica e diagnóstico do choque................................87
5.4 Classificação e fisiopatologia do choque...................88
5.4.1 Choque hemorrágico......................................88
5.4.2 Choque cardiogênico......................................89
5.4.3 Choque anafilático..........................................90
5.4.4 Choque neurogênico.......................................90
5.4.5 Choque séptico...............................................90
5.5 Manejo inicial do choque hemorrágico......................91
5.5.1 Outras medidas de manejo inicial...................91
5.5.1.1 Descompressão gástrica......................91
5.5.1.2 Cateterismo vesical..............................91

6
5.5.1.3 Acessos vasculares..............................92
5.6 Ressuscitação volêmica inicial..................................92
5.6.1 Resposta inicial a ressuscitação volêmica......93
5.6.2 Tipos de resposta terapêutica.........................93
5.6.3 Resposta rápida..............................................93
5.6.4 Resposta transitória........................................94
5.6.5 Resposta mínima ou sem resposta................94
5.6.6 Administração de sangue...............................95
5.6.7 Protocolo de transfusão maciça (PTM)...........95
5.6.8 E quando ocorre falha a terapia? ...................96
5.6.9 Situações especiais........................................96
5.7 Resumo e fluxograma...............................................97
5.8 Referências...............................................................98

Capítulo 06 Trauma abdominal e pélvico


6.1 Introdução..................................................................99
6.2 Anatomia...................................................................99
6.3 Mecanismo do trauma.............................................100
6.5 Trauma abdominal contuso..........................100
6.6 Trauma abdominal penetrante......................100
6.4 Avaliação.................................................................101
6.4.1 História..........................................................101
6.4.2 Exame físico.................................................101
6.4.3 Medidas auxiliares ao exame físico..............102
6.4.3.1 Sonda nasogástrica.............................102
6.4.3.2 Sonda vesical......................................102
6.4.3.3 Lavado peritoneal................................103
6.4.3.4 Avaliação com sonografia para trauma
(FAST) .................................................103
6.4.3.5 Tomografia computadorizada (TC).....104
6.4.3.6 Radiografia simples.............................106
6.4.3.7 Radiografias contrastadas...................106
6.4.3.8 Exames laboratoriais...........................106
6.5 Laparotomia, suas funções e indicações................107
6.6 Laparotomia exploradora..............................107
6.7 Laparotomia abreviada ou cirurgia de controle
de danos (CDC) ......................................................108
6.6 Diagnóstico específico do trauma...........................108
6.6.1 Baço..............................................................108
6.6.2 Fígado e vias biliares....................................109
6.6.3 Trauma do duodeno......................................110
6.6.4 Trauma do pâncreas.....................................110
6.6.5 Trauma de vísceras ocas..............................110
6.6.6 Trauma do trato urinário...............................110
6.6.7 Fraturas pélvicas...........................................111
6.7 Referências.............................................................113

7
Capítulo 07 TCE e disfunção neurológica
7.1 Introdução................................................................114
7.2 Manejo inicial e parâmetros.....................................114
7.3 Fisiologia.................................................................115
7.4 Escala de Coma de Glasgow (ECG) ......................116
7.5 Avaliação pupilar.....................................................117
7.6 Classificação e manejo do trauma segundo escala de
coma de Glasgow...........................................................119
7.6.1 Trauma leve (ECG 13-15) ............................119
7.6.2 Trauma moderado (ECG 9-12) ....................120
7.6.3 Trauma grande (ECG <8) ............................120
7.7 Classificação e manejo do trauma segundo a
morfologia das lesões.....................................................121
7.7.1 Lesões de escalpo........................................121
7.7.2 Fraturas de crânio.........................................121
7.7.3 Lesões intracranianas...................................122
7.7.3.1 Lesões cerebrais difusas....................122
7.7.3.2 Lesão axonal difusa...........................122
7.7.3.3 Lesões cerebrais focais......................122
7.8 Referências.............................................................126

Capítulo 08 Trauma raquimedular


8.1 Introdução................................................................127
8.2 Anatomia e fisiologia...............................................127
8.2.1 Anatomia coluna vertebral............................127
8.2.2 Anatomia medula espinhal............................127
8.2.3 Acometimento regional.................................128
8.2.4 Fisiopatologia/lesões primárias e
secundárias.............................................................128
8.3 Apresentação clínica...............................................129
8.3.1 Manifestações sensitivas e motoras.............129
8.3.2 Síndromes medulares...................................131
8.3.3 Choque medular...........................................131
8.3.4 Choque neurogênico.....................................132
8.4 Manejo.....................................................................132
8.5 Resumo e fluxograma.............................................134
8.6 Referências.............................................................135

Capítulo 09 Queimados
9.1 Introdução................................................................136
9.2 Classificação...........................................................136
9.2.1 Queimaduras de primeiro grau.....................136
9.2.2 Queimaduras de segundo grau....................137
9.2.3 Queimaduras de terceiro grau......................137
9.2.4 Queimaduras de quarto grau........................138
8
9.3 Atendimento primário..............................................138
9.3.1 Vias aéreas (A) ............................................138
9.3.2 Ventilação (B) ..............................................139
9.3.3 Circulação (C) ..............................................139
9.3.4 Avaliação neurológica (D) ............................140
9.3.5 Exposição (E) ...............................................140
9.4 Avaliação secundária..............................................141
9.4.1 História..........................................................141
9.4.2 Avaliação da extensão da queimadura.........141
9.4.3 Queimadura circunferencial em
extremidades...........................................................142
9.4.4 Curativos.......................................................142
9.5 Transporte...............................................................143
9.6 Tratamento e exames complementares..................144
9.6.1 Vias aéreas e ventilação...............................144
9.6.2 Circulação.....................................................144
9.7 Outras lesões por queimaduras..............................144
9.7.1 Queimaduras elétricas..................................144
9.7.2 Queimaduras químicas.................................145
9.8 Referências.............................................................146

9
1.1 Introdução
inicial
Atendimento
Vítimas gravemente feridas necessitam de uma equipe preparada para
realizar a rápida abordagem dos seus ferimentos e instituir as condutas
cruciais para a manutenção da vida. Por isso, tanto no meio pré-hospitalar
quanto no intra-hospitalar, existe uma sequência de passos a serem
seguidos. Essa abordagem sequencial é denominada de Avaliação Inicial, e
inclui os seguintes elementos:

• Preparação – incluindo pré-hospitalar e intra-hospitalar.

• Triagem.

• Avaliação primária (ABCDE) com ressuscitação imediata de pacientes com


lesões ameaçadoras da vida.

• Complemento à avaliação primária e ressuscitação.

• Necessidade de transferência dos pacientes.

• Avaliação secundária (análise da cabeça aos pés e histórico do paciente).

Autores: • Complemento à avaliação secundária.

Amanda Christina • Monitoramento contínuo e reavaliação.


Castanheira
Kozesinski • Terapia definitiva.
Bruno Durante
Alvarez
É muito importante salientar que a transferência de pacientes para centros
mais especializados não deve ser retardada de forma alguma. Não é
Caio Pellizzari recomendado solicitar ou esperar resultados de exames para o
encaminhamento do paciente.
Isabela Pizzatto
Teixeira A história por trás da padronização e sequenciamento desse atendimento
Lyncoln Shody
aconteceu em 1976 quando o Dr. James K. Styner, um médico ortopedista
Ioshino americano, sofreu um acidente de avião com a sua família. Devido ao impacto,
sua esposa foi ejetada e faleceu imediatamente. Cogitando uma explosão, Dr.
Matheus Leite James, mesmo com inúmeras fraturas, conseguiu retirar as crianças de dentro
Fabian da aeronave. Enquanto buscava ajuda por cerca de 1 km em uma estrada
Renan Fernando
próxima, garantiu que elas ficassem aquecidas (risco de hipotermia por ser
Ferreira Alves uma noite fria). Após serem resgatados, seguiram para o hospital mais
próximo e foram submetidos a inúmeros procedimentos atualmente
Atualização: considerados inaceitáveis: nenhum controle cervical ou ressuscitação
volêmica foram realizados. Somente após 14 horas do acidente, Dr. Styner e
Isadora Mezzomo seus filhos foram transferidos a um centro especializado para receberem os
Desconsi
devidos cuidados.
Mariana
Massuqueto Nos anos seguintes ao acidente, o médico ortopedista trabalhou com uma
Cavalli equipe multidisciplinar a fim de criar um modelo de abordagem aos pacientes
politraumatizados. Baseado no ACLS, o ABC do trauma então difundiu-se. O
Victor Toniolo primeiro curso ATLS (Advenced Trauma Live Support) foi realizado em 1978
Marconi
e em 1980 foi oferecido a nível nacional nos Estados Unidos. Graças a esse

01
padrão criado, os profissionais são treinados a se anteciparem em todos os
níveis, diminuindo mortalidade e morbidade nos pacientes vítimas de trauma.

10
1.2 PREPARAÇÃO
inicial
Atendimento
1.2.1 PRÉ-HOSPITALAR
O trabalho conjunto do setor pré-hospitalar com a equipe médica do hospital
é fundamental para a correta recepção da vítima na sala de emergência. Isso
permite que todos os recursos necessários estejam disponíveis no momento
da chegada do paciente grave.

Na cena do acidente os procedimentos realizados são:

• Manutenção da via aérea.

• Imobilização do paciente.

• Controle de sangramento externo.

• Controle de choque.

• Transferência para o hospital especializado.

Reavaliação contínua da vitalidade do paciente é extremamente importante.

Os socorristas devem realizar esse primeiro atendimento de maneira


objetiva e imediata com a finalidade de transportar o paciente para a
instituição de referência o mais rápido possível, minimizando o chamado
“tempo de cena”.

O mecanismo do trauma, o tempo da lesão e o histórico do paciente devem


ser repassados para a triagem intra-hospitalar, ajudando a equipe médica a
prever, identificar e tratar possíveis lesões.

Já a mortalidade resultante do trauma tem uma distribuição trimodal:


inicial
Atendimento

• Primeiro pico: morte que ocorre nos primeiros segundos e minutos após
o trauma por lesões fatais. Para ser evitado apenas as prevenções são
efetivas.

• Segundo pico: varia de minutos até horas do acidente, associado a lesões


graves e potencialmente fatais como: hematomas intracranianos,
hemopneumotórax, ruptura esplênica, lacerações hepáticas. São necessários
diagnóstico precoce e rápida resolução a fim de diminuir a mortalidade. É o
momento de intervir, no qual as ações realmente impactam na sobrevida dos
pacientes

Terceiro pico: dias a semanas após o trauma, devido a complicações das


lesões ou intra-hospitalares, tais como sepse e falência múltipla de órgãos. A
mortalidade pode ser reduzida com capacitação profissional, manejo correto
do paciente grave, maior disponibilidade de aparelhos e hospitais de alta
complexidade.

01 11
inicial
Atendimento

Distribuição Trimodal dos Óbitos por Trauma. Classificação da mortalidade dos


pacientes conforme o tempo decorrido após o trauma.
Fonte: BERTOLLI, Eduardo. Medcel: Cirurgia do Trauma. 1. ed. atual. São Paulo: Med
Editora e Eventos, 2018. 14 p. v. 1

Padrão de Mortalidade no Trauma. Tempo decorrido após o trauma e explicação dos


fatores de prevenção.
Fonte: BERTOLLI, Eduardo. Medcel: Cirurgia do Trauma. 1. ed. atual. São Paulo: Med
Editora e Eventos, 2018. 14 p. v. 1

01 12
1.2.2 TRATAMENTO NO LOCAL DO TRAUMA

inicial
Atendimento
O tratamento pré-hospitalar, que ocorre antes do doente ser transportado
para um centro de trauma, determina o prognóstico de maneira positiva ou
negativa. Salienta-se novamente a importância da notificação ao hospital
sobre a chegada desse paciente, para que todos os profissionais estejam
preparados e equipados, provendo o melhor cuidado possível. Sendo assim,
a comunicação entre o serviço pré-hospitalar e hospitalar deve ser feita de
aneira contínua e deve começar o mais cedo possível.

Quando o paciente chega no hospital, o médico emergencista o recebe


assinando a RAS e o socorrista é responsável por passar a ele um breve relato
do caso. Quanto ao recebimento e assinatura deste documento, os
acadêmicos da liga devem conversar com o médico do plantão a fim de
receber orientações/permissões sobre isso.

01 13
inicial
Atendimento 1.2.3 ESQUEMA DE TRIAGEM DE CAMPO

01
Esquema de Triagem em Campo. Condutas pré-hospitalares para triagem de pacientes
politraumatizados com posterior encaminhamento para o correto setor especializado.
Fonte: ATLS, 2018.

14
1.3 HOSPITALAR
inicial
Atendimento
As decisões são tomadas com o objetivo de facilitar e agilizar a
ressuscitação. Todas as informações importantes do acidente devem estar
claras para toda a equipe a partir do relato pré-hospitalar.

A preparação do hospital para a recepção do paciente deve incluir:

• Área de ressuscitação disponível (sala de emergência).


• O equipamento para a manutenção das vias aéreas precisa ser testado
para garantir seu funcionamento adequado (por exemplo, laringoscópios e
tubos endotraqueais) e posicionado estrategicamente para melhor
acessibilidade.
• Soluções cristaloides intravenosas devem ser aquecidas estando
imediatamente disponíveis para infusão, assim como dispositivos de
monitoramento apropriados.
• Devem existir protocolos para solicitação de assistência médica adicional
e meios de garantir respostas imediatas do laboratório e da radiologia.
• Acordos de transferência com centros de trauma especializados devem
estar estabelecidos e operacionais.

1.3.1 TRIAGEM
A triagem feita na cena do acidente diz respeito a classificação dos pacientes
com base nos recursos necessários para o atendimento e nos recursos
realmente disponíveis. O tratamento segue a mesma ordem em todas as
vítimas – o ABC, via aérea com proteção de coluna cervical, respiração e
circulação com controle de hemorragia – porém, dependendo da situação do
acidente, gravidade das lesões, capacidade de sobrevivência e dos recursos
disponíveis a sequência de atendimento sofre modificações.

Outra função da triagem é garantir que a equipe especializada em trauma


seja responsável pelos pacientes mais graves, enquanto o setor pré-hospitalar
os encaminha aos hospitais apropriados, com nível de especialização
compatível com o estado da vítima.

As situações de triagem se dividem em vítimas múltiplas e vítimas em


massa.

1.3.1.1 VÍTIMAS MÚLTIPLAS


São caracterizados como aqueles acidentes em que o número de pacientes
e a gravidade dos seus ferimentos não excedem a capacidade da equipe de
prestar o atendimento. Nessa cena os pacientes com risco de vida e lesões
múltiplas são socorridos primeiro.

1.3.1.2 VÍTIMAS EM MASSA


Nessa situação, os pacientes com maior chance de sobrevivência e que

01
exigem menor tempo de atendimento e equipamentos serão tratados primeiro.
Isso ocorre porque a equipe e as instalações não são capazes de atender o
grande número de pacientes e a gravidade de seus ferimentos.
15
1.3.2 MÉTODO START

inicial
Atendimento
Para triar adequadamente as vítimas de acordo com a gravidade utiliza-se o
método START – Simple Triage and Rapid Treatment, levando em
consideração a frequência respiratória, o pulso e a capacidade de obedecer
aos comandos.

Os pacientes são identificados por um cartão que fica pendurado em seus


pescoços contendo dados pessoais como: sexo, idade, local das lesões,
fraturas, dados vitais, antecedentes médicos (comorbidades e alergias).

A primeira ação a ser realizada é encaminhar as vítimas capazes de andar


(“vítimas leves”) para uma zona segura, retirando-as da cena. Elas podem
aguardar o tratamento por mais tempo e ainda ajudar no atendimento das
outras, se necessário.

Utilizar o mnemômico “30-2-pode fazer”, no qual 30 diz respeito a frequência


respiratória, 2 ao tempo de enchimento capilar, e o último a capacidade de
obedecer aos comandos. Caso ocorra anormalidades nos primeiros dois itens
a liberação das vias aéreas e o controle de hemorragia externa podem ser
efetuados.

Se a vítima não respira deve ser feita a liberação das vias aéreas. Se
funcionar, a classificação para esse paciente é “Imediato”, caso contrário não
devem ser feitas as medidas de reanimação cardiopulmonar e essa vítima é
classificada como “Morta”. Esse tipo de atendimento de campo visa salvar a
maior quantidade de vítimas possível, sendo inviável se ater a um quadro
muito grave enquanto outros estejam deteriorando.

Em caso de demora de transporte e encaminhamento sempre realizar a


triagem novamente!

01 16
A seguir a sequência preconizada no START:

inicial
Atendimento

Método Start. Classificar os pacientes em casos de acidentes com múltiplas vítimas.


Fonte: HERPICH, Henrique. Protocolo Start para Triagem de Múltiplas Vítimas. In:
HERPICH, Henrique. Protocolo Start para Triagem de Múltiplas Vítimas . International
Student Association of Emergency Medicine, 25 ago.

1.4 AVALIAÇÃO PRIMÁRIA E RESSUSCITAÇÃO SIMULTÂNEA


Abrange o ABCDE de atendimento ao trauma e identifica ameaças de
integridade a vida por meio dessa sequência:

• Manutenção das vias aéreas com restrição do movimento da coluna


cervical.
• Respiração e ventilação.
• Circulação com controle de hemorragia.
• Deficiência (avaliação do estado neurológico).
• Exposição/controle ambiental.

O ABCD pode ser avaliado pelos médicos em 10 segundos, a partir da


entrada do paciente na sala de emergência, basta se identificar, perguntar o
nome e o que aconteceu ao paciente. Uma resposta adequada sugere que

01
não há comprometimento importante das vias aéreas no momento, pois a
capacidade de falar intacta, que a ventilação está efetiva e que a consciência
não está significativamente diminuída, já que possui memória do acidente. A

17
falha em responder essas perguntas acusa anormalidades no A, B, C ou D

inicial
Atendimento sendo considerada uma urgência.

Durante a avaliação primária, as condições com risco de vida são


identificadas e tratadas em sequência estipulada com base nos efeitos
fisiológicos para o paciente. Independentemente da causa da obstrução da
via aérea, o que deve ser manejado primeiramente é a sua abertura.

As condutas exemplificadas nesse capítulo, apesar de seguirem um


protocolo sequencial, na prática ocorrem simultaneamente no atendimento ao
politraumatizado.

1.4.1 AIRWAY
A prioridade é o manejo da via aérea: desobstruir, aspirar, administrar
oxigênio e proteger as vias aéreas. O primeiro item a ser avaliado é a
permeabilidade, mesmo sendo uma análise rápida é possível identificar sinais
de obstrução.

Os passos a serem seguidos são:

• Inspeção da orofaringe a procura de corpos estranhos.


• Identificação de fraturas faciais, mandibulares, traqueais, laríngeas ou
outras lesões que possam resultar em obstrução das vias aéreas.
Determinam a conduta seguinte a ser realizada.
• Aspiração do sangue ou secreções acumuladas que possam causar ou
estar causando a obstrução das vias aéreas.
• Estabelecer a permeabilidade da via aérea enquanto a coluna cervical
permanece imobilizada.
• Sempre reavaliar o paciente.

Como intervenção inicial, para manutenção da permeabilidade da via aérea,


indica-se as manobras de Chin Lift e Jaw Thrust. Se o paciente estiver
inconsciente e sem reflexo de vômito pode-se optar também pelo uso de uma
cânula orofaríngea. Dependendo do estado geral da vítima uma via aérea
definitiva pode ser necessária, principalmente para os pacientes com uma
pontuação na Escala de Coma de Glasgow (GCS) de 8 ou inferior. Em caso
de dúvida sobre a capacidade do paciente em manter a via aérea
desobstruída sempre estabelecer a via aérea definitiva.

Quando o paciente não puder ser intubado, a via aérea cirúrgica é indicada.

Ao manejar as vias aéreas de um paciente é necessário ter cuidado para


não movimentar excessivamente a coluna cervical. E também, sempre supor
que exista uma lesão medular até que se prove ao contrário. O exame
neurológico por si só não exclui o diagnóstico de lesão.

A coluna deve ser protegida para prevenir o desenvolvimento ou progressão


de um déficit e isso é feito com o uso de colar cervical. Quando o manejo das
vias aéreas se faz necessário, o colar cervical é aberto e um membro da
equipe manualmente imobiliza o pescoço e a cabeça do paciente.

01 18
Reconhecer o potencial para a perda progressiva da permeabilidade da via

inicial
Atendimento aérea é igualmente importante, por isso recomenda-se a reavaliação
frequente.

1.4.2 BREATHING
A permeabilidade da via aérea isolada não garante ventilação adequada.
Esta depende da funcionalidade do pulmão, parede torácica e diafragma,
identificada a partir de uma análise rápida.

A exposição do tórax do paciente permite a visualização da distensão venosa


jugular, a posição da traqueia, e a movimentação da parede torácica. A
ausculta do tórax garante a presença de fluxo de ar nos pulmões e a inspeção
visual e a palpação identificam lesões que ameacem a ventilação. A
percussão pode ajudar no diagnóstico de alterações, mas em uma sala de
emergência barulhenta não tem muito valor.

As principais lesões que prejudicam a ventilação são: pneumotórax


hipertensivo, hemotórax maciço, pneumotórax aberto, lesões traqueais e
brônquicas, frequentemente diagnosticadas na avaliação primária
necessitando de intervenção imediata. Pneumotórax simples, hemotórax
simples, tórax instável e contusão pulmonar comprometem em menor grau e
geralmente são identificadas no exame secundário.

Todo paciente deve receber oxigênio complementar, seja por meio da


intubação ou por máscaras com reservatório, e sua saturação ser monitorada
por um oxímetro de pulso.

1.4.3 CIRCULATION
Na avaliação do C do ABCDE são identificadas alterações circulatórias e o
controle da hemorragia é estabelecido. Volume sanguíneo, débito cardíaco e
hemorragia são os principais a serem avaliados, assim como nível de
consciência, perfusão da pele e pulso.

A hemorragia frequentemente causa mortes evitáveis, portanto, identificar,


controlar rapidamente e iniciar a reposição volêmica correta são etapas
cruciais do controle hemorrágico.

A diferenciação entre hemorragia interna e externa permite o estancamento


manual direto das lesões externas, reduzindo o sangramento já na avaliação
primária. Os torniquetes são eficazes apenas em lesões que ameacem a vida
e em casos de hemorragia maciça, apresentando risco de lesões isquêmicas
nas extremidades.

Em relação a hemorragia interna, pesquisar lesões em tórax, abdome,


retroperitônio, pelve e ossos longos. A origem do sangramento pode ser
visualizada em exames de imagem (radiografia de tórax e pelve, FAST e
lavado peritoneal diagnóstico – LPD). Para suspeitas de fraturas de pelve a
medida imediata consiste em imobilização da pelve com lençóis a nível de

01
acetábulo e trocanter femoral.

19
O controle da hemorragia e a reposição volêmica são essenciais, sendo a

inicial
Atendimento última feita através de dois acessos venosos de grosso calibre. Exames
laboratoriais são solicitados para os pacientes graves, principalmente tipagem
sanguínea, teste de gravidez, níveis de lactato e gases sanguíneos, os dois
últimos para pacientes em suspeita de choque. Quando não for possível
realizar o acesso venoso periférico, o acesso intra-ósseo ou venoso central
são indicados.

Os fluidos são administrados cuidadosamente, uma vez que a infusão


agressiva de cristaloides sem o controle da hemorragia demonstrou aumento
de mortalidade e morbidade dos pacientes. Quanto mais cedo for possível
transfundir sangue nesse paciente melhor é o prognóstico. De acordo com os
estudos, pacientes que receberam mais do que 1,5L de cristaloides estavam
relacionados com um maior risco de morte. Além disso, a administração de
ácido tranexâmico (Transamin ®) em até 3 horas após a lesão repercutiu em
uma melhora na sobrevida.

1.4.4 DISABILITY
O tópico D da avaliação inicial ao politraumatizado corresponde à avaliação
neurológica, e é feita baseada na escala de coma de Glasgow (que inclui
reação pupilar, resposta motora e resposta verbal). Alterações nesta escala,
como diminuição do nível de consciência, podem indicar diminuição da
oxigenação e/ou trocas gasosas não efetivas.

Outras situações como hipoglicemia, uso de álcool e drogas podem ser


responsáveis por tais alterações, entretanto, toda alteração de nível de
consciência deve ser considerada lesão do sistema nervoso central até que
se prove o contrário (a intoxicação por álcool pode acompanhar uma lesão
cerebral, por exemplo).

O principal objetivo na avaliação é garantir oxigenação e perfusão


adequada, para que seja possível prevenir lesões cerebrais secundárias (se
uma lesão cerebral for identificada, o neurocirurgião deve ser chamado). Além
disso, a reavaliação é a palavra-chave nesse tipo de atendimento.

1.4.5 EXPOSURE
A exposição do paciente, com retirada de roupa e acessórios por completo,
é essencial para avaliação eficaz. Tão importante quanto o passo anterior, é
a prevenção de hipotermia nos politraumatizados, já que tal quadro configura
uma complicação potencialmente letal. Para isso, o paciente deve ser coberto
com mantas aquecidas, assim como receber fluidos à 39º C.

A hipotermia pode estar presente na admissão do paciente ou pode se


desenvolver posteriormente. Em ambos os casos um ambiente quente deve
ser preparado.

1.5 ADJUVANTES NA avaliação PRIMÁRIA E RESSUSCITAÇÃO

01
A adequada ressuscitação das vítimas politraumatizadas pode ser
verificada por diversos adjuvantes como:

20
Eletrocardiografia contínua

inicial
Atendimento •
• Oximetria de pulso
• Monitoramento de dióxido de carbono
• Avaliação da frequência respiratória
• Gasometria arterial
• Sonda urinária e gástrica
• Exames (raio-x, FAST, eFAST e lavado peritoneal)

A monitorização pelo eletrocardiograma (ECG) pode identificar lesões de


contusão cardíaca, tamponamento cardíaco, pneumotórax hipertensivo e
hipovolemia profunda (a hipotermia, por exemplo, pode produzir arritmias). A
oximetria de pulso monitora a oxigenação de forma contínua, entretanto não
mede a pressão parcial de oxigênio ou dióxido de carbono.

A respiração do paciente adequada é indicada pela frequência respiratória,


capnografia e gasometria arterial. A capnografia pode auxiliar na confirmação
da intubação das vias aéreas (mas não confirma a posição adequada do tubo),
ajuda a prever o retorno em caso de parada cardíaca e no controle para evitar
hipo e hiperventilação. A análise da gasometria arterial deve ser comparada
com a oximetria de pulso (diferença alarmante indica erro em algum dos dois
parâmetros), e, além disso, pode demonstrar pH baixo e base em excesso,
indicando choque.

A sonda urinária fornece o débito urinário (indicador sensível que reflete a


perfusão renal). Lesão na uretra, suspeitada pela presença de sinais como
sangue no meato uretral, contraindicam a sondagem. Por sua vez, a sonda
gástrica pode ser utilizada na descompressão do estômago, diminuindo o
risco de aspiração, e na verificação de presença de hemorragia por trauma.
Se houver suspeita de fratura da placa cribriforme, a sonda orogástrica deve
ser escolhida em detrimento da nasogástrica.

Exames complementares como raio-x de tórax e de pelve AP podem


mostrar lesões potencialmente fatais, entretanto, não devem retardar o
processo de reanimação. Ademais, outros exames como FAST, eFAST e
lavado peritoneal diagnóstico podem ser úteis em casos de identificação de
líquido abdominal, pneumotórax e hemotórax.

1.6 POPULAÇÕES ESPECIAIS


As populações especiais incluem crianças, gestantes, idosos, obesos e
atletas. Nesse grupo, as prioridades são diferentes, decorrentes de respostas
fisiológicas e anatomia exclusivas.

Na faixa pediátrica, a quantidade de sangue, fluídos e medicamentos são


inicial
Atendimento

variáveis de acordo com o tamanho da criança. Esse grupo é extremamente


suscetível à hipotermia, apresentam poucos sinais precoces de hipovolemia
e, geralmente quando dão sinais de descompensação, estão em estado
grave.

No trauma, as mulheres em idade fértil devem ser consideradas grávidas

01
até que se prove o contrário. Gestantes possuem mudanças anatômicas e
fisiológicas decorrente desse fenômeno, e podem responder diferentemente

21
a lesões. A palpação do abdome e teste laboratorial da gonadotrofina

inicial
Atendimento coriônica humana podem ajudar a reconhecer a gravidez.

Os idosos, por sua vez, possuem diminuição da reserva fisiológica,


geralmente são portadores de múltiplas comorbidades e usuários de diversos
medicamentos de uso contínuo.

A população obesa tem como desafio a dificuldade de realização de


procedimentos (como FAST e intubação) devido à sua anatomia. Geralmente,
possuem doenças cardiopulmonares que limitam a capacidade de resposta
ao trauma, ao passo que os atletas, decorrente do seu condicionamento físico,
podem não manifestar sinais de choque como taquicardia, taquipneia e
alterações da pressão arterial.

1.7 avaliação SECUNDÁRIA


A pesquisa secundária tem início ao término do ABCDE e representa uma
avaliação mais minuciosa, com história completa e exame físico, com a
finalidade de que nenhuma lesão seja perdida.

1.7.1 HISTÓRIA
A história do paciente pode ser obtida pelo mnemônico “AMPLA”. Lembre-
se: devemos sempre obter a história AMPLA do paciente! Essas informações
podem ser obtidas pelo próprio paciente ou por familiares.

- A (allergies) = alergias

- M (medications) = medicamentos de uso contínuo

- P (past or pregnancy) = doenças anteriores ou gravidez

- L (last meal) = última ingestão de alimentos e líquidos

- A (enviroment) = ambiente relacionado à lesão

Os traumas podem ser divididos em contuso ou penetrante, e, nesse


contexto, algumas lesões podem ser previstas baseado no tipo de
mecanismo.

1.7.2 EXAME FÍSICO


O exame físico deve seguir uma ordem, para que nada deixe de ser
examinado: cabeça, face, coluna cervical e pescoço, tórax, abdome, pelve,
sistema musculoesquelético e neurológico.

Cabeça: avaliar couro cabeludo, possíveis lacerações, contusões, fraturas.


Examine acuidade visual (peça para o paciente ler seu nome no jaleco ou o
rótulo de algum frasco), tamanho da pupila e mobilidade ocular. Em caso de

01
uso de lentes de contato, remover antes que ocorra edema.

22
Face: o exame deve incluir palpação de estruturas ósseas, verificar oclusões

inicial
Atendimento por fraturas, exame da cavidade oral e exame de tecidos moles. Os traumas
maxilofaciais que não sejam responsáveis por obstrução de vias aéreas ou
sangramentos importantes devem ser abordados em um segundo momento,
após a estabilidade hemodinâmica do paciente ter sido assegurada. Os
pacientes com fraturas em região mediana da face devem receber sondagem
gástrica por meio de via oral, uma vez que podem apresentar fratura do seio
cribiforme.

Coluna Cervical e Pescoço: todos os pacientes que apresentarem trauma


em crânio e face devem ser abordados como portadores de lesão cervical, ou
seja, devem ter sua coluna cervical estabilizada por meio de colar cervical. A
ausência de déficits neurológicos não pode excluir lesão cervical, sendo
necessário uma avaliação completa. Esta avaliação inclui a realização de
radiografia e/ou tomografia computadorizada, que devem ser analisadas por
um médico capacitado para detecção de fraturas cervicais. A radiografia pode
ser descartada nos pacientes que se enquadram no critério de baixo risco do
protocolo NEXUS (National Emergency X-Radiography Utilization Study) ou
do CCR (Canadian C-Spine Rule). O exame da região cervical inclui inspeção,
palpação e ausculta. Dor em região cervical, enfisema subcutâneo, desvio de
traqueia e fratura de laringe podem ser descobertos por meio de um exame
minucioso. As carótidas devem ser auscultadas e, posteriormente, palpadas.
A marca do cinto de segurança na projeção desse vaso é um indicativo de
possíveis lesões nesta artéria. Em sua grande maioria, as lesões vasculares
cervicais importantes ocorrem por traumas penetrantes, porém traumas
contusos podem resultar em ruptura da íntima, dissecação e trombose.
Quando o mecanismo de trauma sugerir lesão vascular deve ser solicitado
angiotomografia, angiografia ou ultrassonografia duplex, com intuito de
descartar possíveis lesões. Lesões penetrantes em região cervical não devem
ser exploradas digitalmente por profissionais não capacitados, sendo indicado
avaliação cirúrgica para avaliação e manejo, assim como sangramentos
arteriais ativos, hematoma em expansão, sopro arterial ou comprometimento
das vias aéreas. Se houver paralisia inexplicada de extremidade superior,
considerar lesão de raiz de um nervo cervical ou do plexo braquial.

Tórax: a inspeção anterior e posterior do tórax é suficiente para identificar


um pneumotórax aberto ou um tórax instável. A avaliação completa inclui
palpação de todo o tórax, incluindo clavículas, costelas e esterno. Contusões
e hematomas devem alertar para a presença de possíveis lesões ocultas.
Lesões significativas do tórax manifestam-se comumente como dor, dispneia
e hipóxia. A ausculta deve ser realizada em ápices anteriormente, buscando
por pneumotórax, e em bases posteriormente, buscando por hemotórax.
Tamponamento cardíaco pode ser indicado por hipofonese de bulhas
associada a hipotensão. A presença de ingurgitamento de jugulares deve nos
atentar para pneumotórax hipertensivo e tamponamento cardíaco, lembrando
que este sinal pode não estar presente em paciente com hipovolemia.

Abdome e Pelve: lesões abdominais devem ser identificadas e tratadas


agressivamente, sendo mais importante constatar a necessidade de
tratamento cirúrgico do que determinar qual é a lesão. O exame abdominal
incialmente normal não pode excluir a presença de lesões. Sendo assim, faz-

01
se necessário a constante reavaliação do abdome da vítima de trauma
contuso, preferencialmente pelo mesmo examinador, a fim de identificar
mudanças ao longo do tempo. Fraturas de pelve podem ser suspeitadas pela
23
inicial
Atendimento presença de equimoses sobre as asas do ilíaco, púbis, lábios ou escroto. Dor
a palpação do anel pélvico é um importante sinal de alerta. Pacientes com
hipotensão inexplicável, lesão neurológica, sob efeitos de álcool e/ou drogas
e achados abdominais anormais devem ser submetidos a exames, como
lavado peritoneal, ultrassonografia abdominal ou, em casos de estabilidade
hemodinâmica, tomografia computadorizada de abdome.

Períneo, Reto e Vagina: o períneo deve ser examinado buscando


contusões, hematomas, lacerações e sangramento uretral. O toque retal pode
ser realizado buscando a presença de sangue no lúmen intestinal, integridade
da parede retal e avaliação do tônus esfincteriano. Exame vaginal deve ser
realizado em pacientes com risco de lesão vaginal. Todas as mulheres em
idade reprodutiva devem ser submetidas ao exame de gravidez.

Sistema musculoesquelético: as extremidades devem ser inspecionadas


buscando por contusões e deformidades. A palpação dos ossos procurando
por locais de dor e movimento anormal facilitam a busca por focos de fratura
ocultos. Lesões significativas em extremidades podem ocorrer mesmo na
ausência de sinais de fratura na radiografia, como leões ligamentares,
tendinosas e nervosas. A avaliação do sistema musculoesquelético não está
completa até que o dorso do paciente seja avaliado.

Sistema neurológico: o exame neurológico completo consiste em avaliar a


motricidade e sensibilidade das extremidades, além da reavaliação do nível
de consciência, tamanho e resposta pupilar. A Escala de Coma de Glasgow é
uma ferramenta útil na detecção de mudanças precoces e tendências no
estado neurológico do paciente. O paciente vítima de trauma cranioencefálico
deve ser constantemente reavaliado, uma vez que deteriorações em seu
quadro neurológico podem ocorrer rapidamente. Lembrar sempre que a
proteção da medula espinhal é necessária em todos os momentos, até que
uma lesão na coluna seja excluída.

1.8 AUXILIARES NA PESQUISA SECUNDÁRIA


Testes diagnósticos especializados podem ser realizado durante a
pesquisa secundária com intuito de identificar lesões específicas. Entres os
exames que podem ser realizados temos: radiografias de coluna e
extremidades; tomografia computadorizada de crânio, tórax, abdome e
coluna; urografia e angiografia contrastadas; ultrassom transesofágico;
broncoscopia; esofagoscopia.

Durante a pesquisa secundária imagens completas da coluna cervical e


toracolombar podem ser obtidas se o paciente estiver estável e o mecanismo
do trauma sugerir lesão. Muitos centros de trauma utilizam-se
preferencialmente da tomografia computadorizada para avaliação de lesões
na coluna. A restrição de seu movimento deve ser mantida até que lesões na
região sejam descartadas.

Estes testes especializados devem ser realizados somente após um exame


minucioso e quando estiver hemodinamicamente estável.

01 24
1.9 REAVALIAÇÃO
inicial
Atendimento
Os pacientes vítimas de trauma devem ser reavaliados constantemente a
fim de identificar lesões que tenham passado despercebidas e para identificar
deteriorações das que anteriormente identificadas. Conforme lesões de alto
risco de vida vão sendo tratadas, novas lesões menos graves podem se tornar
aparentes.

O monitoramento contínuo dos sinais vitais, saturação oxigênio e débito


urinário são essenciais. Para adultos o débito urinário desejado é 0,5 ml/kg/h,
já para pacientes pediátricos maiores que 1 ano este valor passa a ser 1
ml/kg/h.

O manejo da dor nestes pacientes é essencial, uma vez que muitas lesões,
principalmente musculoesqueléticas, produzem um estado de dor e
ansiedade no paciente consciente. Analgesia efetiva pode ser realizada com
opioides e ansiolíticos, desde que em dosagem suficiente para produzir
conforto ao paciente e sem causar depressão respiratória, neurológica ou
alterações hemodinâmicas.

1.10 CUIDADO DEFINITIVO


A transferência do paciente a outra unidade de cuidados deve ser
considerada sempre que suas necessidades excedam a capacidade da
instituição. As diretrizes de transferência inter-hospitalar ajudarão a
determinar quais necessitam de maior nível de atendimento com base no seu
estado fisiológico, lesão anatômica óbvia, mecanismos de lesão,
comorbidades e outros fatores que possam interferir no prognóstico.

1.11 ESCORES DO TRAUMA


Os escores do trauma são medidas quantitativas reproduzíveis, com boa
acurácia que permitem comparações entre outros serviços e demostram
informações importantes para criação de medidas preventivas ao trauma.
Ademais, auxiliam na determinação do manejo de pacientes e fatores
preditivos de mortalidade. Existem diversos escores, alguns deles serão
citados a seguir.

1.11.1 REVISED TRAUMA SCORE (RTS)


O RTS é um sistema de pontuação de base fisiológica, sendo pontuado a
partir do primeiro conjunto de dados obtidos no exame pré-hospitalar.
Consiste em 3 parâmetros: frequência respiratória (FR), pressão arterial
sistólica (PAS) e avaliação neurológica pela Escala de Coma de Glasgow
(ECG).

01 25
inicial
Atendimento Dependendo do resultado de cada parâmetro, há um valor correspondente
na escala RTS, que varia de 0 (pior) a 4 (melhor).

Variáveis do Revised Trauma Score. Variáveis do Revised Trauma Score, sendo Escala de
Coma de Glasgow = ECG, Pressão arterial sistólica = PAS e Frequência respiratória = FR.
Fonte: CARVALHO, 2004.

Esses valores são então multiplicados por coeficientes específicos,


visualizados na fórmula abaixo, resultado no valor do RTS, que varia de 0
(pior) a 8 (melhor), e, a partir desse número, a tabela demonstrará a chance
de sobrevida desses pacientes, avaliando o prognóstico.

Coeficientes do Revised Trauma Score.


Fonte: CARVALHO, 2004.

Coeficientes do Revised Trauma Score.

01
Fonte: CARVALHO, 2004.

26
Por exemplo:

inicial
Atendimento
Paciente admitido com GCS de 14 (valor RTS = 4), PAS de 110 (valor RTS
= 4) e FR de 19 (valor RTS = 4).

Colocando na fórmula temos que:

RTS = 0,9368 x GCS + 0,7326 x PAS + 0,2908 x FR

RTS = 0,9368 x 4 (referente à GCS) + 0,7326 x 4 (referente à PAS) + 0,2908


x 4 (referente à FR)

RTS = 7,84

Colocando na tabela de probabilidade de vida, um paciente com RTS de 7,84


(equivalendo a 8) tem 98,8% de chance de sobrevida, acarretando um bom
prognóstico.

Diante disso, pode-se determinar que quanto menor o RTS, maior o risco de
morte. Entretanto, com o passar do tempo, o RTS demonstrou ser insensível
para identificar pacientes gravemente feridos que precisam de intervenções
pontuais de salvamento.

Esse escore tende a superestimar traumas cranioencefálicos (TCEs) por


conta de seus coeficientes, sendo assim, um paciente que tenha uma GCS
baixa, consequentemente terá um RTS baixo com prognóstico pior (sendo que
o trauma pode ser devido apenas à uma concussão). Em contrapartida,
pacientes com traumas toracoabdominais tendem a ter RTS maiores (pois em
um primeiro momento não apresentam alteração do nível de consciência
diminuído), não predizendo a real gravidade do caso.

1.11.2 ABBREVIATED INJURY SCALE (AIS)


AIS é a sigla de escala abreviada de lesões e representa um sistema de
escore anatômico que divide o corpo em 6 regiões: cabeça e pescoço, face,
tórax, abdome e pelve e extremidades. Cada segmento é avaliado quanto a
sua gravidade, pontuando em 1 quando relacionado a uma lesão menor e em
6 quando a lesão é considerada fatal. Não é um dado relevante quando
utilizado isoladamente, mas associado a outros prognósticos tem seu valor de
importância.

Pontuação:

1 – Lesão menor

2 – Lesão moderada

3 – Lesão maior ou séria

4 – Lesão severa

01
5 – Lesão crítica

27
6 – Lesão fatal

inicial
Atendimento
1.11.3 INJURY SEVERITY SCORE (ISS)
ISS diz respeito ao índice de gravidade anatômico e utiliza a pontuação
obtida no Abbreviated Injury Scale (AIS) após o paciente ser admitido no
hospital e todas as lesões terem sido identificadas corretamente. Para calcular
o ISS basta considerar as 3 lesões de maior gravidade pontuadas no AIS e
realizar a soma dos quadrados desses índices:

Os resultados variam de 0, sendo esse a ausência de injúrias, a 75 que


significa sobrevivência improvável.

Os valores numéricos x, y e z representam as lesões severas do AIS. Um


valor ISS = 16 é preditivo de mortalidade em 10% das vítimas e classifica um
trauma em grave pelas lesões anatômicas. Além disso, pacientes com ISS
maior ou igual a 15 apresentam maiores benefícios quando rapidamente
transferidos para centros especializados.

Contudo, esse score não leva em consideração outras lesões que podem
afetar diretamente o prognóstico desse paciente. Dessa forma, pode-se
concluir que o RTS diz respeito à mortalidade precoce do paciente enquanto
o ISS se correlaciona melhor com a mortalidade tardia da vítima.

O índice ISS é considerado o padrão ouro para descrever de maneira geral


a gravidade das lesões.

1.11.4 New Injury Severity Score (NISS)


Criado em 1997, o NISS (New Injury Severity Score), tem como objetivo
avaliar a gravidade de lesões por meio da soma dos quadrados das três
lesões mais graves do AIS, independente do segmento corpóreo lesado. Esta
escala de trauma visa corrigir a acurácia do ISS, uma vez que este não
contabiliza múltiplas lesões em uma mesma região e pode excluir lesões
menos graves em outras regiões, as quais são comuns nas situações de
politraumatizados.

O “Novo Índice de Gravidade de Lesões” é melhor aplicado em pacientes


que sofreram trauma penetrante e apresenta limitações, como não considerar
informações fisiológicas do paciente.

1.11.5 Trauma and Injury Severity Score (TRISS)


O TRISS consiste em uma escala mista, uma vez que surge a partir da
combinação de uma escala anatômica (ISS) e uma fisiológica (RTS), aliado a
idade do paciente (≤ 54 anos ou > 54 anos) e o tipo de trauma (fechado ou
aberto). Esta escala além de auxiliar no cálculo de probabilidade de sobrevida
do indivíduo, permite avaliar a eficiência do atendimento hospitalar.

01 28
inicial
Atendimento

Fórmula para Cálculo do TRISS. Explicação da Fórmula para Cálculo do TRISS


Fonte: TRAUMA Injury Severity Score (TRISS) Calculator. In: The Calculator . [S. l.], 5 abr.
2016.

Tabela TRISSCAN. Método para cálculo do TRISS sem utilização da fórmula


Fonte: JÚNIOR, Gerson Alves Pereira; SCARPELINI, Sandro; BASILE-FILHOS, Aníbal;
ANDRADE, José Ivan. Índices de Trauma. Medicina, Ribeirão Preto,, Ribeirão Preto, v. 32,
p. 237-250, 14 jul. 1999.

Como calcular o TRISS?


1º - Calcular ISS e RTS

2º - Encontrar a cédula da tabela correspondente aos escores calculados


(ISS e RTS)

3º - Valores da parte superior da tabela correspondem a estimativa de


sobrevida dos pacientes com idade ≤ 54 anos, já os valores da parte inferior
da tabela representam a sobrevida dos pacientes com idade > 54 anos

01 29
4º - A coluna da esquerda corresponde a estimativa de sobrevida dos

inicial
Atendimento paciente vítimas de trauma fechado, e a coluna da direita representa a
estimativa de sobrevida dos dos pacientes vítimas de trauma aberto

1.12 Resumo e fluxograma

01 30
Atendimento

01
inicial

31
Atendimento

01
inicial

32
1.13 referências
inicial
Atendimento
1.AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS. ATLS: Advanced Trauma Life
Support - Student Course Manual. 10th. ed. Chicago: American College of
Surgeons, 2018.

2.VELASCO, Irineu Tadeu; NETO, Rodrigo Antonio Brandão; SOUZA,


Heraldo Possolo; MARINO, Lucas Oliveira; MARCHINI, Julio Flávio Meirelles;
ALENCAR, Júlio César Garcia. Medicina de Emergência: Abordagem
Prática. 13. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Manole Ltda, 2018. 1600 p.

3.RAJA, Ali; ZANE, Richard D. Initial management of trauma in


adults. In: UpToDate. [S. l.], Set 2020.

4.CARVALHO, Amanda de Ornelas; JUNIOR, Américo Bez. Caracterização


das vítimas de trauma assistidas por um serviço de atendimento pré-
hospitalar. Revista Eistein, [s. l.], 2004.

5.ALVAREZ, Bruno Durante; RAZENTE, Danilo Mardegam; LACERDA,


Daniel Augusto Mauad; LOTHER, Nicole Silveira; VON-BAHTEN, Luiz Carlos;
STAHLSCHMIDT, Carla Martinez Menini. Avaliação do Escore de Trauma
Revisado (RTS) em 200 vítimas de trauma com mecanismos
diferentes. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, [s. l.], 2016.

6.BROWN, Joshua; SAJANKILA, Nitin; CLARIDGE, Jeffrey A. Prehospital


Assessment of Trauma. Surgical Clinics of North America, [s. l.], 2017.

01 33
2.1 introdução
Trauma
Cinemática do
A cinemática do trauma pode ser definida como a ciência que estuda a troca
de energia entre a vítima e o agente causador da lesão. Sem a compreensão
dos princípios da biomecânica ou dos mecanismos envolvidos, muitas lesões
podem passar despercebidas.

O relato trazido pelo socorrista a respeito da forma como ocorreu a colisão


(frontal ou lateral), se foi entre dois automóveis ou entre carro e motocicleta,
se o paciente usava cinto de segurança ou capacete e se foi arremessado do
veículo são exemplos de informações que nos ajudam a pensar no que pode
ter acontecido no organismo do nosso paciente. Compreender esse processo
ajuda na previsão de lesões e em cuidados antecipados.

Um evento traumático pode ser dividido em 3 fases de análise:

• Pré-evento: são fatores que precedem o acontecimento. São elas:


condições médicas do paciente (doenças pré-existentes e suas
medicações), uso de bebidas alcoólicas e/ou drogas ilícitas, nível de
consciência. Pacientes mais idosos tendem a ter doenças que podem
ter relação com o pré-evento – Ex: Homem, 75 anos, colisão em
anteparo. Relata dor no peito. Parece sugestivo de infarto agudo do
miocárdio. Isso aconteceu antes dele bater o carro ou após?
• Evento: momento em que houve o impacto entre um objeto e outro, que
pode ser uma pessoa. Todas as informações trazidas aqui são
importantes: velocidade no veículo no momento do impacto, se o outro
veículo estava parado, se a colisão foi em anteparo (muro, poste,
árvore), se foi atropelamento. Além disso, precisamos considerar todos
os impactos envolvidos. Em uma colisão moto x anteparo, precisamos
saber sobre os efeitos entre o impacto do veículo com o anteparo, o
Autores: impacto sofrido pelas vítimas que estão dentro do veículo e o impacto
dos órgãos dentro de cada organismo (com a caixa torácica, crânio,
Amanda Christina parede abdominal). Além de acidentes automobilísticos, precisamos
Castanheira pensar na troca de energia em: agressões, FAF (ferimento por arma de
Kozesinski fogo), FAB (ferimento por arma branca), queda de outro nível.
Bruno Durante • Pós-evento: essa etapa é a reunião de todas as informações do pré-
Alvarez evento e do evento em si – como estava a cena, envolvidos (veículo,
anteparo, vítimas), colisão frontal, lateral, velocidade do veículo, se
Isabela Pizzatto houve uso de equipamentos de proteção (cinto de segurança, capacete,
Teixeira
acionamento de airbags, se as crianças estavam em cadeirinhas). Com
Renan Fernando relação às vítimas: foram arremessadas do veículo? Atingiram algum
Ferreira Alves objeto? Qual era a sua natureza? Todas as informações devem ser
coletadas pelo socorrista e apresentadas ao médico no momento da
Atualização: transferência do paciente para o ambiente hospitalar.
Angel Adriany da A biomecânica do trauma envolve a avaliação dos eventos que ocorreram
Silva
no local da colisão e baseia-se em princípios fundamentais da física,
Vitória Wisnievski principalmente a Primeira e Terceira Lei de Newton e a Lei da Conservação
Marucco Silva de Energia. Pela fórmula da energia cinética, E = mv²/2, vemos que quanto
maior a velocidade, muito maior será a energia envolvida. Já pela fórmula da

02
energia potencial, E = mgh, vemos que quanto maior a altura da queda, maior
a energia e, portanto, mais grave será o desfecho. Além desse fator, a
superfície também faz a diferença (neve x asfalto).
34
Outras considerações importantes acerca do evento no corpo humano:

Trauma
Cinemática do
• Densidade: a densidade está envolvida com a quantidade de partículas
que participam da troca de energia no evento. Quanto maior a densidade
do tecido, maior será a troca de energia e, portanto, maior o dano. O corpo
humano possui 3 tipos de densidades teciduais: sólida (ossos), de água
(músculos e órgãos sólidos – fígado e baço, p.e.) e de ar (pulmões e órgãos
ocos – porções do intestino).
• Área de impacto: comparando a ação de uma mesma força em áreas
diferentes, quanto maior a área, menor o dano. Isso ocorre porque a
grande área “espalhará” o efeito da força e as consequências serão
menores. Contudo, em menor área haverá maior absorção de força e,
portanto, grande troca de energia. Se houver penetração da pele e tecido
subjacente denominaremos trauma penetrante.

Adiante serão relacionados os tipos de lesões que devem ser suspeitadas


em diferentes mecanismos de trauma.

2.2 CAVITAÇÃO
O impacto do objeto em uma região do corpo faz com que as partículas dos
tecidos envolvidos se afastem temporariamente daquela área (por
transferência de energia), o que gera uma cavitação. Há dois tipos:

• Cavitação temporária: as partículas se afastam por alongamento e


retornam ao local de origem após o impacto. Situação exemplo: agressão
no abdome com um soco.
• Cavitação permanente: local de destruição do tecido após o impacto.
Situação exemplo: ferimento por arma de fogo (FAF) – região de entrada
do projétil.

Tanto no trauma contuso quanto no penetrante ocorre cavitação. O que


difere é que em um deles há penetração de pele. No trauma penetrante há
cavitação permanente (local de entrada e saída) e temporária (trajeto do
projétil entre esses dois pontos).

Cavitação. Grande força concentrada em uma pequena área (projétil) resultará em

02
penetração da pele e demais estruturas.
Fonte: PHTLS, 2017.

35
2.3 TRAUMA CONTUSO
Trauma
Cinemática do
Neste tipo a força é distribuída em uma grande área e não há penetração
de pele. No trauma contuso duas forças estão envolvidas e podem causar
cavitação: cisalhamento e compressão. A primeira ocorre quando um órgão
muda sua aceleração em relação a outro com quem está conectado, fazendo
com que suas estruturas se rasguem e se separem. A segunda é resultado
de uma opressão direta entre uma estrutura e um órgão ou entre órgãos. A
transferência de energia nestes processos está diretamente relacionada com
a densidade e o tamanho da área frontal no ponto de contato entre o objeto e
o corpo da vítima. Toda e qualquer informação colhida na cena são
importantes para o entendimento do mecanismo do trauma.

Cabeça: O impacto do crânio com algum anteparo leva à sua


desaceleração. O crânio para, mas o cérebro continua a mover-se para frente.
A parte cerebral mais próxima do local de impacto sofre compressão,
contusão ou laceração. A parte do cérebro oposta ao local de impacto se
afasta do crânio podendo levar ao estiramento e laceração dos vasos
causando hemorragias epidurais, subdurais ou subaracnoideas. Pode ocorrer
também lesão axonal difusa.

Pescoço: Lesões de hiperextensão ou hiperflexão levam a angulações


importantes por ser um tecido muito flexível. Podem resultar em fraturas ou
deslocamentos de vértebras cervicais, com possível compressão da medula
espinhal.

Tórax: O impacto na região do peito atinge inicialmente o esterno. Ele


absorve a maior parte da energia e para bruscamente. A parede posterior do
tórax e os órgãos na cavidade torácica continuam a se mover para frente,
podendo resultar em fratura de costelas, gerando tórax instável. A compressão
do coração contra o esterno pode resultar em contusão cardíaca, que pode
gerar arritmias, e a compressão dos pulmões contra as costelas, em contusão
pulmonar, comprometendo a ventilação. O coração e a aorta ascendente não
estão fixos na cavidade torácica, mas a aorta descendente é firmemente fixada
à parede posterior (coluna vertebral). Com isto, o arco aórtico e a aorta
descendente podem sofrer secção total ou parcial nesta região (próximo ao
ligamento arterioso). Em instantes antes do impacto há fechamento
involuntário da glote, aumentando a pressão nos pulmões, o que pode causar
ruptura dos alvéolos e consequentemente pneumotórax.

02 36
Trauma
Cinemática do

Trauma contuso. Resultado da desaceleração das estruturas do mediastino após impacto


em tórax. A. Rompimento da íntima da aorta, produzindo um pseudoaneurisma. B. Secção
total da aorta na junção do arco da aorta com a aorta descendente.
Fonte: PHTLS, 2017.

Abdome: O tronco para e as vísceras continuam seus movimentos,


colidindo contra a parede abdominal ou ficando comprimidas. A compressão
pode gerar rupturas de vísceras maciças e explosão de vísceras ocas. Órgãos
parenquimatosos lesados por lesão costumam ser pâncreas, fígado, baço e
rins. O aumento da pressão intra-abdominal pode ocasionar ruptura
diafragmática levando à herniação do conteúdo abdominal para a cavidade
torácica (órgãos e sangramentos existentes).

Pelve: fraturas de pelve podem resultar em lesões de bexiga e em vasos


sanguíneos presentes. O impacto lateral pode gerar luxação pelo
deslocamento da cabeça do fêmur e fratura diafisária pela absorção de
energia. Além disso, pode ocorrer fratura de pelve em livro aberto (compressão
direta da sínfise púbica) e por cisalhamento (luxação da articulação
sacroilíaca).

2.4 COLISÕES AUTOMOBILÍSTICAS


As informações importantes para compreensão das lesões adquiridas no
evento é o tipo de colisão, sua direção e a troca de energia envolvida.

Impacto frontal: a vítima, por inércia, continua o movimento e seu tórax


(geralmente o osso esterno) colide com o volante. Estruturas do tórax
continuam o movimento até que a energia seja absorvida e o interrompa. Essa
absorção pode ocorrer por fratura de costela e compressão de estruturas do
mediastino pela coluna vertebral e dos pulmões pelas costelas posteriores.
Quanto maior a velocidade do veículo, maior a troca de energia e, portanto,
mais grave serão as lesões. Neste tipo de impacto, a vítima pode seguir uma
das duas possíveis trajetórias: por cima ou por baixo.

• Trajetória por cima: a cabeça atingirá o para-brisas ou o teto do


veículo. A coluna cervical, desprotegida, pode absorver a energia da

02
continuidade do movimento, resultando em lesões. O tórax e/ou
abdome atingirá o volante dependendo da posição da vítima. Se for o

37
tórax, ocorre o mecanismo descrito anteriormente, envolvendo pulmões

Trauma
Cinemática do e estruturas do mediastino. Se for o abdome, pode resultar em
compressão e/ou ruptura de vísceras ocas e cisalhamento de órgãos
maciços, como baço, fígado e rins.

• Trajetória por baixo: o corpo se deslocará para frente, para baixo e


para fora do assento. Se os joelhos estiverem estendidos e os pés nos
pedais, pode haver fratura dos tornozelos. Se os joelhos estiverem
fletidos (mais comum), se chocarão contra o painel do carro. Se a tíbia
o atingir primeiro, o fêmur continua o trajeto, ocasionando luxação da
articulação, envolvendo rutura de ligamentos e até lesão da artéria
poplítea, que passa pela região (identificamos pela redução de pulso
nos ramos deste vaso). Por outro lado, se o fêmur atingir o painel por
primeiro, ele pode absorver a energia, resultando em fratura. Além
disso, a pelve pode continuar o movimento, ocasionando a luxação da
articulação fêmoro-acetabular.

A B

Colisões automobilísticas. (A) Impacto frontal com trajetória para cima. (B) Impacto frontal
com trajetória para baixo.
Fonte: PHTLS, 2017.

Impacto traseiro: um veículo mais lento ou parado é atingido na traseira


por outro mais rápido, que transfere a sua aceleração para o primeiro. Ambos
os veículos e seus ocupantes sofrem danos. Os ocupantes são lançados para
frente através do tronco, mas a cabeça é lançada para trás, causando
primeiramente uma hiperextensão e após uma hiperflexão do pescoço
podendo lesionar gravemente a medula. Este é o mecanismo de chicote.

Impacto lateral: É a colisão do lado do veículo. Pode resultar em


compressão de ombro, tronco e pelve do lado da colisão e lesionar suas
respectivas estruturas. O movimento de rotação lateral e flexão do pescoço
podem provocar um trauma em coluna cervical. As vísceras mais atingidas
neste tipo de acidente são o baço do motorista e o fígado do passageiro.

Impacto angular: impacto da quina de um carro com a lateral de outro ou

02
com um anteparo. Geralmente a vítima mais próxima do ponto de impacto
sofrerá mais lesões, que são a junção das resultantes de impacto frontal com
lateral.
38
Capotamento: Neste tipo de acidente, se as vítimas não estiverem

Trauma
Cinemática do corretamente contidas podem ser jogadas contra qualquer parte do veículo,
inclusive serem ejetadas dele. Contudo, mesmo em uso de cinto de segurança,
os órgãos continuam a mover-se dentro das cavidades, o que pode resultar
em cisalhamento, compressão e rutura de suas estruturas. Hematomas e
ferimentos na pele do paciente sugerem onde foram os locais de contusão, por
isto a importância de realizar a exposição do paciente por completo. As lesões
podem ser maiores devido ao impacto provocado contra o solo se houver
lançamento da vítima para fora do veículo. É comum a presença de lesões
ocultas.

Atropelamento: No adulto há 3 pontos de impacto. Os membros inferiores


colidem com o para-choque do veículo. Após, a vítima rola por cima do
automóvel causando um golpe na cabeça e no tórax com o capô e para-brisa
do carro. Por fim a vítima choca-se com o solo ocasionando múltiplas lesões.
Na criança há mais propensão de lesões torácicas e abdominais em
decorrência do impacto com o para-choque. Após, batem com a cabeça no
capô do carro e, após, podem cair batendo a cabeça, ou até serem arrastadas
pelo veículo por ficarem presas.

Colisões automobilísticas. Mecanopatogenia do trauma no atropelamento


Fonte: CAZARIM, Jorge Luiz Bastos; RIBEIRO, Luiz Fernando Guillon; FARIA, Claudia
Nogueira. Trauma pré-hospitalar e hospitalar: adulto e criança. Rio de Janeiro: Medsi,
1997. 391 p.

Sobre o uso de cinto de segurança: É importante ressaltar que o cinto


de segurança deve ser usado de maneira apropriada, na qual a pressão de
impacto é absorvida pela pelve e pelo tórax. Se ficarem frouxos ou
posicionados acima das cristas ilíacas anteriores, pode ocorrer lesões por
compressão de órgãos intra-abdominais – lesão pancreática e outras
estruturas retroperitoneais, explosão de intestino delgado e de cólon5.

02 39
Trauma
Cinemática do

Colisões automobilísticas. Órgãos abdominais presos entre o cinto de segurança mal


posicionado e a parede posterior.
Fonte: PHTLS, 2017.

2.5 ACIDENTES DE MOTOCICLETA


Este é o mecanismo de trauma mais encontrado nos serviços de emergência
e está relacionado a pacientes jovens. Diferente dos automóveis, não há
proteção externa capaz de conter a vítima, e esta sofre queda com impacto
proporcional à velocidade no momento do acidente e a energia do trauma
envolvida.

Impacto Frontal/Ejeção: Após a colisão frontal, quando o motorista da moto


é ejetado do assento, suas pernas e coxas podem ficar presas no guidão da
moto, caracterizando fratura bilateral de fêmur ou perna. Quando não é
ejetado, a vítima se choca com o tanque de combustível da motocicleta, sendo
comuns fratura de pelve e lesões de bexiga.

Acidente de motocicleta. Impacto frontal resultando em colisão e fratura dos dois fêmures

02
contra o guidão da motocicleta.
Fonte: PHTLS, 2017.

40
Impacto Lateral: O trauma direto da colisão com o membro inferior do

Trauma
Cinemática do motorista implica em esmagamento e fratura, principalmente de tíbia.

Derrapada Lateral: Na tentativa de não ficar prensado, o motorista tenta


virar a moto de lado e a deixa cair sobre sua própria perna, enquanto o membro
superior é colocado para baixo para se proteger do impacto. O motorista sofre
lesões do lado ipsilateral à queda, enquanto o contralateral é preservado.

Impacto angular: A motocicleta cai sobre o piloto ou prensa-o entre o


veículo e o objeto atingido. Pode resultar em lesões nos membros superiores
ou inferiores.

Impacto com ejeção: O motociclista pode ser ejetado e continua voando até
que sua cabeça, braços, tórax, abdome ou pernas atinjam outro objeto.
Quando o motorista se choca inicialmente com a cabeça, são comuns fraturas
de crânio, lesões de partes moles da face e lesão de coluna cervical, já que
após o primeiro impacto, há hiperextensão do pescoço. Ferimentos na cabeça
são a principal causa de morte em acidentes por moto. Quando o paciente é
ejetado, instintivamente estende os membros superiores para se proteger,
levando principalmente à fratura de rádio distal6.

2.6 ACIDENTES DE BICICLETA


Essas vítimas estão protegidas apenas por roupas ou equipamentos de
segurança como botas, roupas protetoras e capacete. Este último é o único
que tem a capacidade, limitada, de redistribuir a energia e reduzir a
intensidade do impacto.

Sem capacete, são comuns lesões de crânio e pescoço, lacerações faciais


e de couro cabeludo e fraturas de extremidades superiores. Com o uso de
capacete, são comuns fraturas de membros superiores. Lesões abdominais
internas ocorrem quando há batida no guidão1.

2.7 AGRESSÃO FÍSICA


Uso da força física – socos, chutes, arranhões, empurrões – ou uso de
objetos podem resultar em contusões, não percebidas inicialmente. Quando
a vítima é uma mulher, criança ou idoso, deve-se ficar atento para a
possibilidade de maus tratos8.

2.8 QUEDAS
Semelhante a acidentes entre veículos, o mecanismo aqui também é por
desaceleração. Quando há baixo impacto são comuns lesões de
extremidades superiores. Em médio impacto, lesões de crânio e pescoço e
fraturas de extremidades superiores e inferiores. Já no alto impacto, há
múltiplos traumas, com lesões de crânio e pescoço e fratura de extremidades
superiores e inferiores. A extensão das lesões será relacionada a:

02
• Altura da queda
• Capacidade da superfície em desacelerar o movimento do corpo

41
Área de superfície no impacto

Trauma
Cinemática do •
• Resistência do osso e tecido acometidos
• Característica do solo – concreto, asfalto e outras superfícies duras estão
associadas a maior severidade, já que aumentam a desaceleração
• Posição do corpo, como demonstrada no seguinte exemplo:
o Um homem cai de um telhado de 4,5 metros de altura. Na primeira
situação, ele cai de pé. Na segunda, ele cai deitado. Na terceira, ele
cai com a cabeça no chão como o pescoço em 15º de flexão. O
mecanismo de trauma é idêntico, mas cada situação terá lesões
completamente diferentes1.

Nos casos em que a cabeça recebe o primeiro impacto há TCE e fraturas


da coluna cervical. Esse tipo de lesão é comum em crianças e em adultos e
quanto maior a altura da queda, maior a chance de cair com a cabeça no chão.
Em quedas de grande altura, lesões torácicas como pneumotórax, hemotórax,
fraturas de costelas e contusão pulmonar podem ocorrer. Em quedas muito
altas, ruptura de aorta é um achado frequente.

Se o primeiro impacto é nos pés, há fratura bilateral dos calcâneos, em


seguida as pernas absorvem o impacto levando a fraturas de joelho e ossos
longos, como tíbia e fíbula (Síndrome de Don Juan). Posteriormente o corpo
é flexionado, causando fraturas por compressão da coluna lombar e torácica.
Quando a colisão se inicia pelas mãos, o resultado é fratura bilateral de rádio
e ulna5.

Importante lembrarmos da população idosa, que por conta da fragilidade e


osteopenia, lesões importantes podem ocorrer mesmo em pequenos
impactos4.

2.9 QUEIMADURAS
Podem ser causadas por três agentes: térmico (calor e frio), elétrico ou
químico. O último pode ocorrer por produtos ácidos, alcalinos ou por produtos
do petróleo, sendo os alcalinos os mais agressivos por penetrar mais
profundamente no tecido levando à necrose. O térmico é o mais frequente e
é comum estar relacionado a maus tratos em crianças e idosos. Devemos ter
atenção em lesões suspeitas, como queimaduras por líquidos quentes ou
cigarro.

Quando o evento acontece em ambiente fechado ou há indícios de


queimadura em face, deve-se atentar para comprometimento de vias aéreas,
pois a gravidade e mortalidade são grandes. Um dado que pode nos alertar é
a presença de queimadura de pelos da face. A fumaça contém partículas
irritantes e asfixiantes. A lesão térmica direta resulta em edema e obstrução
de vias aéreas superiores (edema de glote), podendo causar asfixia aguda e
parada respiratória.

Em agentes térmicos, é possível visualizar escaras circunferenciais


principalmente em extremidades ou tórax, além de trauma oculto. Em
agentes elétricos, são comuns arritmias cardíacas e mionecrose ou síndrome

02
compartimental. A corrente elétrica que atravessa o corpo pode causar
trombose local e lesão de nervos – essas lesões geralmente são mais graves

42
do que parecem. Em lesão por inalação há intoxicação por monóxido de

Trauma
Cinemática do carbono, causando inchaço de vias áreas superiores e edema pulmonar.

É importante sempre avaliar a profundidade da queimadura para determinar


a gravidade desse paciente – e de suas lesões – e o tratamento1.

2.10 MORDEDURAS
As mordeduras são queixas frequentes no pronto socorro. Saber identificar
as lesões como sujas ou limpas, classificá-las adequadamente e programar
seu tratamento são fundamentais. As etiologias mais comuns são mordeduras
por cães, correspondendo a aproximadamente 90% das mordeduras por
animais. Podemos ter complicações agudas – grandes lacerações e
sangramentos – e infecções por bactérias comuns e incomuns.

A ferida vai variar de acordo com o agente causador. Em mordeduras por


cães, há lacerações e esmagamento de estruturas por grande força das
mandíbulas. O mesmo não acontece em mordeduras por gatos que, por
apresentarem dentes afiados, causam lesões puntiformes, penetrando
profundamente a pele e levando a infecções mais frequentemente. A maioria
das mordeduras por cães em adultos ocorrem nas extremidades corporais,
principalmente na mão dominante, enquanto em crianças, as áreas mais
acometidas são a cabeça e o pescoço2. Extremidades são as áreas mais
acometidas também por gatos. Quando se trata de mordidas humanas, as
bactérias transmitidas são as residentes na flora oral e na flora da pele, além
de estar associada a transmissão de vírus como hepatite B, C, HIV e Herpes
simples3.

2.11 TRAUMA PENETRANTE


No trauma penetrante, as principais causas são as lesões por projéteis de
arma de fogo (PAF) ou por arma branca. A extensão e a gravidade do trauma
estão diretamente relacionadas ao local de acometimento e ao nível de
energia que o agente causador tem. Objetos de baixa energia correspondem
a facas e outros objetos lançados manualmente, que causam somente lesões
pela superfície cortante e geram poucas lesões secundárias. Objetos de
média energia correspondem aos revólveres e alguns rifles. E os objetos de
alta energia são os rifles militares ou de caça.

A velocidade do projétil é o fator mais importante para determinar o potencial


da lesão. Acima da velocidade crítica de 600 m/s, a bala entra no corpo
criando uma cavidade temporária, que é resultado da energia trocada entre o
movimento do projétil e os tecidos do corpo. Seu tamanho é proporcional a
área de superfície no local de impacto, densidade do tecido e velocidade do
projétil. Onde houver maior resistência para o percurso da bala, haverá maior
diâmetro de cavitação e maior desaceleração e transferência de energia.

02 43
A lesão no ponto de entrada é determinada pelo perfil da bala (ou área

Trauma
Cinemática do frontal), seu rolamento e fragmentação. Informações sobre região lesada,
órgãos afetados e velocidade do projétil são importantes para o entendimento
da gravidade. Em caso de arma de fogo, velocidade, calibre, distância e
trajetória presumida podem prever pistas importantes sobre a extensão das
lesões1.

Trauma penetrante. Cavidades permanente e temporária, resultantes da troca de energia


entre os tecidos e o projétil.
Fonte: PHTLS, 2017.

Lesões regionais específicas penetrantes:

Cabeça: quando o projétil penetra o crânio, a energia é distribuída em toda


a cavidade fechada. Isso resulta na aceleração das partículas do cérebro,
forçando-as contra o crânio. Como ele é inflexível, choca-se com a parede
interna do crânio, produzindo múltiplas lesões. Se a bala entrar com
angulação, pode acabar acompanhando a curvatura interna da calota
craniana, produzindo lesões significativas. Trauma penetrante envolvendo a
região orbital ou ptério podem levar a fístulas arteriovenosas ou aneurisma
intracraniano traumático.

Tórax: Nos pulmões, o projétil pode causar alterações no espaço pleural


como pneumotórax, hemotórax e hemopneumotórax. Armas brancas atingindo
o tórax anterior podem levar a tamponamento cardíaco se dentro da caixa
torácica. Se em região tóraco-abdominal esquerda, pode resultar em lesão de
diafragma esquerdo, de baço e hemopneumotórax.

Abdome: Armas de baixa energia como facas penetram na cavidade


abdominal e causam lacerações, podendo haver penetração peritoneal com
possível lesão de vísceras abdominais. Armas de fogo, por sua vez, transferem
mais energia cinética, causando grandes danos ao criar uma cavidade
temporária, são mais lesivas e requerem reparação cirúrgica na grande
maioria dos casos. Se atentar para lesões causadas por possíveis
fragmentações da bala.

Extremidades: Se atingido, o osso pode fragmentar. Pode haver lesão

02
neurovascular, fraturas e síndrome compartimental. A trajetória do projétil
pode ser presumida se analisarmos os orifícios presentes na pele e assim
suspeitar das estruturas que podem ter sido acometidas. Quando o projétil se
44
encontra dentro do paciente podemos dispor de exames como o RX nas

Trauma
Cinemática do incidências de frente e perfil para determinarmos seu possível local e traçar a
sua trajetória.

2.11.1 ORÍFICIO DE ENTRADA E SAÍDA


Os ferimentos de entrada e saída de projeteis têm morfologias diferentes. Os
de entrada em geral são menores e mais regulares, cercados por uma área
enegrecida devido à queimadura e/ou abrasão do tecido. Quando a arma está
muito próxima ou encostada da vítima durante o disparo, gases são forçados
para dentro do tecido subcutâneo e a explosão deixa uma queimadura visível
na pele. Pode ser visto um pontilhado devido às partículas de pólvora
lançadas em ignição. O ferimento de saída tem um aspecto irregular e maior.
Algumas vezes pode haver múltiplos orifícios de saída devido à fragmentação
óssea ou do projétil7.

Portanto, por questões clínicas, é importante determinarmos se o ferimento


é de saída ou entrada da bala, já que dois furos por exemplo, podem significar
duas balas ou uma que entrou, atravessou o corpo e saiu. Não se deve
presumir que o projétil seguiu linearmente dentro do corpo, já que ele vai
seguir o caminho com menor resistência. Pode ser difícil reconhecer qual
ferida é de entrada e qual é de saída precisamente e nem sempre essa
informação é útil, sendo mais importante descrever a localização
anatomicamente e a aparência da ferida1.

2.12 EXPLOSÕES
Explosões podem causar tanto ferimentos contusos como penetrantes, além
dos danos causados pelo deslocamento da onda de pressão. Os produtos
resultantes das explosões possuem dentro deles uma pressão muito maior do
que a pressão atmosférica. Na sua periferia, forma-se uma camada fina de ar
comprimido que atua como uma onda de pressão. Portanto as explosões
podem causar 4 tipos de lesão:

Primárias: que resultam diretamente da onda de pressão e têm maior


capacidade lesiva para os órgãos que contém gás. As lesões mais comuns
são rotura de tímpanos, contusão, edema e pneumotórax - quando atinge os
pulmões. Ruptura de alvéolos e veias pulmonares produzem potencial risco de
embolia aérea e morte súbita. São possíveis também lesões hemorrágicas
intraocular e da retina, além de ruptura intestinal.

Secundárias: que resultam do arremesso de objetos à distância e que


atingem os indivíduos ao seu redor.

Terciárias: que resulta a impulsão da vítima como um “projétil” podendo


chocar-se contra um anteparo ou o solo.

Quaternárias: queimaduras, lesões por esmagamento e problemas


respiratórios por inalação de poeira, fumaça ou gases tóxicos. É possível
também a exacerbação de condições já existentes, como angina, hipertensão

02
e hiperglicemia1.

45
2.13 Referências
Trauma
Cinemática do
1.AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS. ATLS: Advanced Trauma Life
Support - Student Course Manual. 10th. ed. Chicago: American College of
Surgeons, 2018.

2.BADDOUR, L. M.; HARPER, M. Animal bites (dogs, cats, and other animals):
Evaluation and management. In: UpToDate. Waltham: Wolters Kluwer, 28 jan.
2020.

3.BADDOUR, L. M.; HARPER, M. Human bites: Evaluation and management.


In: UpToDate. Waltham: Wolters Kluwer, 08 jul, 2019.

4.GRANHED, Hans; ALTGÄRDE, Erik; AKYÜREK, Levent M.; DAVID,


Pazooki. Injuries Sustained by Falls - A Review. Trauma & Acute Care,
Gothenburg, ano 2017, v. 2, n. 2:38, p. 1-5, 3 abr. 2017.

5.NATIONAL ASSOCIATION OF EMERGENCY MEDICAL TECHNICIANS.


Cinemática do Trauma. In: PHTLS: Atendimento Pré-hospitalar ao
Traumatizado. 8. ed. Burlington: Jones & Bartlett Learning, 2017. cap. 5, p.
70-110

6.PETIT, Logan; ZAKI, Theodore; HSIANG, Walter; LESLIE, Michael P.;


WIZNIA, Daniel H. A review of common motorcycle collision mechanisms of
injury. EFORT Open Reviews, Londres, 2020, v. 5, n. 9, p. 544-548, 7 set.
2020. DOI 10.1302/2058-5241.5.190090.

7.SHRESTHA, R.; KANCHAN, T.; KRISHAN, K. Gunshot Wounds Forensic


Pathology. StatPearls [Internet], Island, jan. 2020.

8.WEIL, A. Intimate partner violence: Epidemiology and health consequences.


In: UpToDate. Waltham: Wolters Kluwer, 22 out, 2020.

02 46
e controle cervical
Vias aéreas 3.1 introdução
Pacientes gravemente feridos desenvolvem, com frequência, obstrução de
vias aéreas ou ventilação inadequada, levando a hipóxia. A hipoperfusão
cerebral e de outras estruturas nobres pode levar à morte em minutos1,2.

Por esse motivo, a avaliação e manejo de vias aéreas é a primeira etapa no


atendimento inicial ao paciente politraumatizado. Para garantir uma boa
oxigenação tecidual, não basta apenas uma boa ventilação. O primeiro passo
é reconhecer traumas – maxilofacial, pescoço e laringe – e identificar a
presença de corpos estranhos que possam vir a obstruir a passagem de ar1,2.

Nesse momento inicial, para verificar se a via aérea está pérvia, é indicado
falar com o paciente. Um paciente comunicativo indica um bom prognóstico
nesta etapa da avaliação. Uma resposta confusa ou ausente pode apontar
alteração do nível de consciência, que pode ser resultado do
comprometimento ventilatório1,2.

Além disso, está incluso no “A” da avaliação inicial o controle cervical.


Sempre que houver suspeita de fratura de cabeça e pescoço, o paciente
deverá ser imobilizado com colar semirrígido até que a possibilidade de lesão
seja descartada através de exames de imagem1.

3.2. TRAUMA MAXILOFACIAL


Traumas envolvendo a face, em geral, decorrem de um acidente
automobilístico. O passageiro, sem cinto de segurança, é lançado em direção
ao para-brisa, podendo causar fraturas/luxações que comprometem
nasofaringe e orofaringe. Ainda, em associação ao quadro, pode haver
presença de hemorragia, inchaço, aumento de secreções e dentes
desalojados. Por essa razão, este tipo de trauma exige tratamento rápido,
agressivo e cuidadoso para manutenção da via aérea1.

3.3. TRAUMA DE PESCOÇO E LARINGE


Autores:
A anatomia do pescoço é complexa e envolve estruturas aéreas, digestivas
Adriano Augusto e neurovasculares, confiadas a uma pequena região. Em função disso,
Tavares de qualquer lesão penetrante nessa região pode cursar com lesões vasculares,
Campos Mondini gerando deslocamento, obstrução das vias aéreas e até hemorragias maciças
para dentro da árvore tranqueobronquial. Neste último caso, faz-se necessária
Renato Sabah
Gomes Soares a via aérea cirúrgica ou controle operatório imediato3.

Atualização: Fraturas de laringe são eventos mais raros, porém podem ocasionar
obstrução aguda e necessidade de via aérea definitiva. Clinicamente, a lesão
Heloísa Moro pode ser determinada pela tríade:
Teixeira

Maria Victória • Rouquidão;


Cordeiro • Enfisema subcutâneo;

03
• Fratura palpável.

47
e controle cervical
Vias aéreas Porém, em algumas situações, é necessário lançar mão de estudos
radiológicos para confirmar a hipótese, sendo o melhor método a tomografia
axial computadorizada (TAC)3.

Constantemente, esse tipo de lesão está relacionado com trauma de


esôfago, carótidas e jugulares, além da destruição de partes moles1.

3.4. OBSTRUÇÃO DE VIAS AÉREAS


As seguintes etapas podem servir como ferramenta para identificar
obstrução de vias aéreas:

• Observe o paciente: sinais de agitação sugerem hipóxia, enquanto sinais


de obnubilação sugerem hipercapnia. A utilização de musculatura
acessória e tiragem intercostal apontam para dificuldade
ventilatória/respiratória. A cianose também é um parâmetro relevante,
embora tardio, podendo ser observada pela inspeção do leito ungueal e
região perioral;
• Estridores, roncos e sons anormais podem estar relacionados a sub-
oclusão de faringe ou laringe. A falta de tratamento rápido e adequado pode
levar a obstrução total, piorando o quadro;
• Determine a posição da traqueia. Se desviada, indica comprometimento da
via aérea;
• O paciente pode apresentar comportamento agitado ou abusivo.
Entretanto, nunca se deve presumir intoxicação exógena (álcool, drogas
etc.). Pense primeiramente em hipóxia1,5,6,.

3.5. VENTILAÇÃO
Uma boa via aérea só traz benefícios ao paciente quando a ventilação
também está adequada. Existem três principais causas de má ventilação:
oclusão da via aérea, alteração da mecânica ventilatória e depressão do
sistema nervoso central (SNC).

Para auxiliar no reconhecimento da ventilação inadequada, sugere-se os


seguintes passos:

• Observar expansibilidade e simetria do tórax. A assimetria pode sugerir


pneumotórax ou tórax instável;
• Auscultar a presença do murmúrio vesicular bilateral. A ausência pode
sugerir hemotórax ou lesão torácica. Observar também a frequência
respiratória – taquipneia pode indicar insuficiência respiratória;

Verificar a saturação periférica de oxigênio através de um oxímetro de


pulso1,5.

3.6. MANEJO DE VIAS AÉREAS

03
Durante o atendimento ao paciente politraumatizado, a avaliação do “A”
precisa ir além da manutenção da via aérea, devendo ser ampliada para
garantir a oxigenação adequada e controlar a coluna cervical1.

48
e controle cervical
Vias aéreas 3.6.1. Oxigenioterapia
Está indicada para pacientes que, em ar ambiente, apresentem PaO2 ≤
60mmHg ou saturação periférica de oxigênio (SpO2) ≤ 90%, infarto agudo do
miocárdio (IAM) e intoxicação por gases7.

A oferta de oxigênio complementar ao paciente é feita através de máscara


com reservatório, de preferência com O2 a 100% e volume inicial de 12-15
L/min, sempre monitorado por meio da oximetria de pulso7.

Casos em que a leitura do oxímetro pode estar equivocada: pacientes


portadores de anemia profunda, hipotermia e uso de esmaltes. Por outro lado,
há casos em que é necessário atentar-se a oferta excessiva de O2, como em
portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)7.

3.6.2. Controle Cervical


O profissional deve estabilizar a coluna cervical para minimizar o máximo
possível o movimento da cabeça e pescoço em pacientes com suspeita de
fratura/luxação da coluna cervical. A não realização deste procedimento está
associada a um aumento de sete a dez vezes no risco de lesão neurológica
em pacientes vítimas desse tipo de trauma6.

Colar cervical
Fonte: fibracirurgica.com.br

Para o sucesso da imobilização, o paciente deve ser mantido em decúbito


dorsal em tábua rígida – que deve ser retirada o mais precoce possível, a fim
de evitar úlceras de decúbito. Crianças e idosos possuem um desvio natural
da coluna (de origem não traumática), sendo recomendada a estabilização
com coxins de conforto6.

03 49
e controle cervical
Vias aéreas O controle deve ser mantido até a chegada do paciente a uma unidade de
atendimento secundária ou terciária, desde que possua os devidos recursos
para o tratamento definitivo adequado6.

De acordo com o critério NEXUS – recomendado pelo Guideline Norueguês


de Restrição de Movimento da Coluna – as indicações para restrição de
movimento da coluna vertebral em trauma contuso incluem:

• Alteração do nível de consciência (GCS < 15 ou evidência de intoxicação);


• Dor e/ou sensibilidade na linha média cervical ou dorso;
• Sinais neurológicos focais (sensitivos e motores);
• Deformidade anatômica da coluna;
• Circunstâncias ou lesões que causem distração (ex: fratura de ossos
longos) ou que reduzam a capacidade do paciente colaborar para um
exame confiável;
• Barreira linguística8.

Se o paciente não preencher nenhum critério supracitado, deve-se mantê-lo


em posição supina, retirar o colar e palpar a coluna. Caso não exista queixa
de dor, solicitar a movimentação ativa lateral do pescoço e, se persistir sem
dor, solicitar os movimentos de extensão e flexão. Se seguir sem dor, exames
de imagem não são necessários. Todavia, em caso de dor, estudos
radiológicos (radiografia em incidência AP e lateral ou TAC) são
fundamentais8.

A retirada do colar cervical deve ser realizada pela equipe de neurocirurgia


ou ortopedia que esteja de plantão. Quando em dúvida, deve-se manter o
colar.

3.7. TÉCNICAS DE MANUTENÇÃO DE VIA AÉREA


Em pacientes politraumatizados triados com Escala de Coma de Glasgow
(GCS) < 15, deve-se proteger precocemente a via aérea. Pelo rebaixamento
do nível de consciência, há o risco de queda de base da língua, por esse
motivo, as manobras de elevação do mento (chin-lift) e tração da mandíbula
(jaw-thrust) são grandes aliadas no manejo inicial. Entretanto, estas manobras
podem causar ou agravar uma lesão de coluna cervical. Por isso, é obrigatório
manter a imobilização do paciente durante o procedimento. Se houver dúvidas
sobre a capacidade do paciente de manter a via aérea íntegra, é necessário
estabelecer a via aérea definitiva1.

3.7.1. Elevação do Mento


É a primeira manobra utilizada quando não há suspeita de lesão da coluna
cervical. Nessa técnica, o médico posiciona-se atrás do paciente. Com uma
mão, aplica pressão para baixo na testa e, com as pontas dos dedos indicador
e médio da outra mão, eleva o mento, anteriorizando-o. Com o polegar da
mesma mão, o médico pressiona o lábio inferior, proporcionando a abertura
da boca. Dessa forma, ocorre a retificação da via aérea. Cuidado para não
provocar hiperextensão do pescoço1,6.

03 50
e controle cervical
Vias aéreas

Elevação do mento
Fonte: ATLS, 2020.

3.7.2. Tração da Mandíbula


Trata-se de uma boa técnica de manutenção da via aérea, principalmente
quando a lesão de coluna cervical é uma preocupação. O médico posiciona-
se atrás do paciente, com uma mão em cada ângulo da mandíbula,
deslocando-a para cima e para frente. Quando associada a máscara com
reservatório, essa manobra proporciona boa vedação e ventilação adequada.
Se executada de forma correta, pode ser concluída sem estender o pescoço6.

Tração da mandíbula
Fonte: ATLS, 2020.

03 51
e controle cervical
Vias aéreas 3.7.3. Tubo Nasofaríngeo
O tubo nasofaríngeo é introduzido em uma narina pérvia após lubrificação
adequada, e é passado suavemente até a orofaringe posterior. Se houver
algum tipo de obstrução durante a introdução do tubo, o procedimento deve
ser interrompido e iniciado novamente na outra narina. É contraindicado em
pacientes com suspeita de fratura de base de crânio ou da placa cribriforme
devido à possibilidade de entrada no crânio6.

Tubo nasofaríngeo
Fonte: portuguese.alibaba.com

3.7.4. Tubo Orofaríngeo


Também conhecido como Cânula de Guedel, só é recomendado em
pacientes irresponsivos, porque induz reflexo de vômito ou broncoaspiração
em pacientes acordados. É um tubo curvado e firme, em diferentes tamanhos,
e são medidos desde a rima labial até o lóbulo da orelha. Em pacientes
adultos, a técnica preferida é inserir o tubo com a parte curva voltada para
cima até tocar o palato mole. Após, gira-se 180º de modo que a curva fique
voltada para baixo e posicionada sobre a língua. Em pacientes pediátricos, a
técnica difere apenas no posicionamento inicial, introduzindo a cânula com a
curvatura virada para o lado e girando-a 90º. Essa alteração evita a perfuração
do palato mole da criança pelo tubo1,3.

03
Tubo orofaríngeo.
Fonte: medicalcenterbr.com.br

52
e controle cervical
Vias aéreas

Posicionamento tubo orofaríngeo


Fonte: ATLS, 2020.

3.8. DISPOSITIVOS EXTRAGLÓTICOS E SUPRAGLÓTICOS


Estes dispositivos são utilizados em caso de falha de intubação ou via aérea
difícil.

3.8.1. Máscara Laríngea


É um dispositivo supraglótico e suas indicações estão descritas segundo a
diretriz da Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA):

• Como alternativa após falha na intubação endotraqueal;


• Na via anestesiada não emergencial, como principal dispositivo;

03
• Na via anestesiada emergencial, como dispositivo de resgate.

53
e controle cervical
Vias aéreas A técnica baseia-se em lubrificar a máscara e segurá-la com a mão
dominante como uma caneta, colocando o dedo indicador na junção entre o
balão e o cabo e deixar a abertura da máscara virada sobre a língua. Introduzir
a máscara ao longo do palato, até encontrar resistência. Após, insuflar os
balões até atingir uma pressão de 44mmHg ou até atingir a pressão mínima
necessária para vedar adequadamente. Conferir a efetividade do
procedimento realizando a ausculta, observando a expansão torácica e por
capnografia. O dispositivo vem em tamanhos variados, sendo o tamanho 3
indicado para mulheres pequenas, tamanho 4 para mulheres grandes e
homens pequenos e tamanho 5 para homens grandes1,9.

É importante salientar a necessidade de averiguação da integridade da


máscara antes de introduzi-la. Apesar de ser efetiva, é um tratamento
temporário, sendo imprescindível planejar uma via aérea definitiva
posteriormente9.

Máscara laríngea
Fonte: ATLS, 2020.

03
Posicionamento máscara laríngea
Fonte: ATLS, 2020.

54
e controle cervical
Vias aéreas 3.8.2. Tubo Laríngeo
É um dispositivo extra-glótico semelhante à máscara laríngea. Também
não fornece via aérea definitiva. É colocado sem visualização da glote e sem
necessidade de manipulação de cabeça e pescoço.

3.8.3. Tubo Duplo Lúmen


Utilizado quando a via aérea definitiva não é viável. O material é composto
por dois tubos, sendo que um comunica-se com o esôfago e o outro com a
traqueia. Através da ausculta, verifica-se qual das vias está sendo ventilada.
Após determinar a porta esofágica, esta deverá ser ocluída com um balão,
para que a ventilação só passe pela via que conduz ar para a traqueia1.

Tubo duplo lúmen


Fonte: ATLS, 2020.

3.9. VIA AÉREA DEFINITIVA


É definida como a introdução de um tubo endotraqueal no paciente, com
balão insuflado abaixo das cordas vocais, fixado e conectado a uma fonte de
oxigênio. Existem três formas de via aérea definitiva:

• Tubo nasotraqueal;
• Tubo orotraqueal;
• Via aérea cirúrgica – cricotireoideostomia ou traqueostomia1.

3.9.1 Tubo Endotraqueal


Antes da intubação é importante a certificação de existência ou ausência

03
de fratura de coluna cervical. Se não for possível, deve-se tomar todos os
cuidados para imobilizá-la durante todo o procedimento. Os dois tipos,
nasotraqueal e orotraqueal, podem ser escolhidos conforme a experiência do

55
e controle cervical
Vias aéreas médico. Deve-se ter atenção às contraindicações de cada um antes da
escolha.

3.9.1.1. Tubo Nasotraqueal


Raramente realizada fora do centro cirúrgico, mas pode ser necessária em
alguns procedimentos. É executada com um endoscópio flexível ou
laringoscopia direta. O paciente precisa estar respirando espontaneamente.

Contraindicações absolutas: fraturas faciais ou de seios frontais, fraturas


nasais, fraturas de placa cribriforme, olhos de guaxinim (equimose periorbital),
sinal de Battle (equimose retroauricular), rinorreia ou otorreia1.

3.9.1.2. Tubo Orotraqueal


É a técnica preferida para proteção da via aérea e é a única utilizada
quando o paciente está em apneia. Para realizar a intubação, utiliza-se um
tubo flexível (bougie) como guia e o laringoscópio. Após localizar a traqueia
às cegas com o bougie (quando houver sensação de atrito entre a ponta do
fio e os anéis cartilaginosos da traqueia), insere-se o tubo lubrificado sobre o
guia passando as cordas vocais e, após, insufla-se o cuff. O bougie é retirado
após a confirmação da efetividade da ventilação (ausculta pulmonar em todos
os campos)1,13. Reitera-se a importância da restrição do movimento da coluna
cervical durante o procedimento, aplicando-se a técnica de três pessoas.

Indicações da intubação endotraqueal:

• Incapacidade de manter a via aérea pérvia espontaneamente ou através


de outras técnicas de manutenção da via aérea;
• Em caso de lesões com potencial de piora, como: lesão por inalação,
fraturas faciais e hematoma retrofaríngeo;
• Incapacidade de manter saturação adequada apenas com máscara facial;
• Presença de apneia;
• Necessidade de proteger a via aérea inferior contra broncoaspiração de
fluídos (sangue, vômito);
• Presença de trauma cranioencefálico necessitando de ventilação (GCS ≤
8);
• Atividade convulsiva sustentada1.

Contraindicações:

Absolutas:

• Patologias supraglóticas ou glóticas (trauma contuso de laringe);


• Trauma penetrante de vias aéreas superiores (hematoma ou transecção
parcial da via aérea)
• Edema laríngeo ou supralaríngeo (causado por infecção bacteriana,
queimaduras ou anafilaxia).

Relativas:

03
• Características anatômicas;
• Estado fisiológico;
56
e controle cervical
Vias aéreas • Habilidade do médico10.

Tubo orotraqueal
Fonte: cirurgicalucena.com.br

03 Técnica de intubação orotraqueal


Fonte: ATLS, 2020.
57
e controle cervical
Vias aéreas 3.9.2. Via Aérea Cirúrgica
Realizada quando não é possível realizar intubação endotraqueal. São dois
tipos – cricotireoideostomia e traqueostomia – sendo a primeira preferível, por
ser de fácil execução, causar menos sangramento e exigir menos tempo1.

3.9.2.1. Cricotireoideostomia
Existem duas técnicas disponíveis: por punção e cirúrgica.

• Por Punção: inserção de uma agulha através da membrana cricotireoidea


para o interior da traqueia. É feita em situação de emergência, a fim de
fornecer oxigênio temporariamente até que seja possível estabelecer uma
via aérea definitiva1.

Cricotireoideostomia
Fonte: ATLS, 2020.

• Cirúrgica: incisão na pele na área da membrana cricotireoidea. A partir


dessa abertura, é inserida uma pinça hemostática para alargamento da
incisão. Em seguida, é colocado um tubo traqueal de pequeno calibre.
Deve-se ter cuidado com crianças menores de 12 anos para evitar danos
a cartilagem cricoide, pois é o único suporte circunferencial para a região
superior da traqueia1.

Indicações:

• Hemorragia massiva;
• Vômito profundo;
• Trismo;
• Lesões obstrutivas (tumor, pólipo);
• Oclusão das vias aéreas superiores (corpo estranho, edema e anafilaxia);

03
• Deformidades traumáticas e congênitas11.

58
e controle cervical
Vias aéreas Contraindicações relativas:

• Fratura de laringe;
• Ruptura laringotraqueal;
• Transecção da traqueia com retração da traqueia distal para o
mediastino11.

Não existem contraindicações absolutas para a realização da


cricotireoideostomia em adultos11.

Técnica de cricotireoideostomia. (A) Palpar o intervalo cricotireoideo, (B) Fazer uma


incisão na pele e da membrana cricotireoidea transversalmente. (C) Inserir pinça
hemostática e rotacionar 90º para abrir o orifício. (D) Inserir distalmente o tubo endotraqueal
na traqueia.
Fonte: ATLS, 2020.

03 59
e controle cervical
Vias aéreas 3.9.2.2. Cricotireoideostomia x Traqueostomia12

3.10. VIA AÉREA DIFÍCIL


Há presença de fatores que podem dificultar a abordagem da via aérea e
devem ser observados antes do início dos procedimentos. São fatores que
indicam possíveis dificuldades de intubação endotraqueal: lesão da coluna
cervical, artrite severa da coluna cervical, trauma maxilofacial ou mandibular,
abertura da boca limitada, obesidade, ausência de dentes, variações
anatômicas e pacientes pediátricos1,4.

O mnemônico LEMON pode auxiliar na avaliação de via uma aérea difícil:

• L: Look externally. Procurar características já conhecidas por causar


intubação difícil.
• E: Evaluate the 3-3-2 rule. Regra 3-3-2 para permitir o alinhamento dos
eixos faríngeo, laríngeo e oral. A distância entre os dentes frontais do
paciente deve ter pelo menos 3 dedos (3), a distância entre o osso hioide
e o mento deve ser de pelo menos 3 dedos (3) e a distância entre a incisura
da tireoide e o assoalho bucal deve ter pelo menos 2 dedos (2).
• M: Mallampati. Certificar-se de que é possível visualizar adequadamente
a hipofaringe com o paciente em decúbito dorsal

03 60
e controle cervical
Vias aéreas

Técnica de cricotireoideostomia. Classe1: palato mole, pilares, úvula, e fauces visíveis.


Classe 2: palato mole, fauces e úvula visíveis. Classe 3: palato mole e bate da úvula visíveis.
Classe 4: palatomole não visível.
Fonte: ATLS, 2020.

• O: Obstruction. Qualquer condição ou objeto que possa causar obstrução


das vias respiratórias.
• N: Neck mobility. Requisito essencial para intubação bem sucedida.
Verificar a mobilidade do pescoço com manobras simples de flexão e
extensão. Pacientes com colar cervical não podem mobilizar o pescoço,
portanto são mais difíceis de intubar1,13.

Além disso, pode-se usar o Bougie quando as pregas vocais não são
visualizadas através da laringoscopia direta13.

Bougie
Fonte: ATLS, 2020.

03 61
Vias aéreas

03
e controle cervical
3.11 Resumo e fluxograma

62
e controle cervical
Vias aéreas 3.12 Referências
1. AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS. ATLS: Advanced Trauma Life
Support - Student Course Manual. 10th. ed. Chicago: American College of
Surgeons, 2018.

2.RAJA, Ali; ZANE, Richard D. Initial management of trauma in


adults. Uptodate. p. 1-51. 02 out. 2020.

3.NEWTON, Kim. Penetrating neck injuries: inicial evaluation and


management. Uptodate. p. 1-43. 07 jan. 2020.

4.BERKOW, Lauren. Complications of airway management in


adults. Uptodate. p. 1-31. 23 jul. 2020.

5.Herth, Felix JF. Clinical presentation, diagnostic evaluation, and


management of central airway obstruction in adults. Uptodate 03 abril 2020.

6. A WITTELS, Kathleen. Basic airway management in adults. Uptodate. p. 1-


24. 17 set. 2019.

7.SILVA, Francisca Soraya Lima; MOREIRA, Carlos Augusto de Souza;


SILVA, Maria Bruna Madeiro da; LEAL, Natalia Jacinto de Almeida;
VASCONCELOS, Thiago Brasileiro de. Uso da oxigenoterapia em pacientes
agudos: uma revisão sistemática. Fisioterapia Brasil. Fortaleza CE, p. 809-
816. 25 nov. 2019

8.Ala A, Shams Vahdati S, Ghaffarzad A, Mousavi H, Mirza-Aghazadeh-


AttariM (2018). National emergency X-radiography utilization study guidelines
versus Canadian C-Spine guidelines on trauma patients, a prospective
analytical study. PLoS ONE 13(11): e0206283.
https://doi.org/10.1371/journal.pone.0206283. Nov. 2018.

9.DOYLE, D John. Supraglottic devices (including laryngeal mask airways) for


airway management for anesthesia in adults. Uptodate. p. 1-37. 16 maio
2019.

10.Orebaugh, Steven, SNYDER, James V. Direct laryngoscopy and


endotracheal intubation in adults. Uptodate. 29 abril 2020.

11.SAKLES, John C. Emergency cricothyrotomy


(cricothyroidotomy). Uptodate. p. 1-53. 02 out. 2020.

12.TEIXEIRA, Gilberto Vaz. Traqueostomia e Cricotireoideostomia.


Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. Jan. 2018

13.A BROWN, Calvin. Approach to the anatomically difficult airway in


adultsoutside the operating room. Uptodate. p. 1-36. 01 jul. 2020.

03 63
4.1 introdução
torácico
Trauma
O trauma de tórax é uma causa significativa de morte no paciente
politraumatizado. Somente a menor parte dos casos necessita de intervenção
cirúrgica – menos de 10% dos traumas contusos e 15 a 30% dos penetrantes.
A intervenção precoce é de suma importância, visando prevenir ou corrigir a
hipóxia. O manejo inicial consiste em uma avaliação primária com
ressuscitação dos dados vitais, seguida da avaliação secundária e tratamento
definitivo1.

As lesões que trazem risco imediato de morte devem ser tratadas o mais
rápido possível durante a avaliação primária. Em sua maioria, a abordagem
envolve o controle das vias aéreas ou descompressão torácica com uma
agulha, dedo ou dreno (os quais são considerados procedimentos simples).
Já na secundária, investiga-se lesões específicas1.

4.2. ANATOMIA DO TÓRAX


Na parede torácica, os músculos serrátil posterior superior e inferior
desempenham principalmente função de propriocepção, assim como o
músculo transverso do tórax. O músculo levantador das costelas eleva as
costelas e os músculos intercostais (externo, interno e íntimo) mantém o tônus
dos espaços intercostais, resistindo ao movimento paradoxal (principalmente
durante a inspiração)10.

O sulco costal se localiza na margem inferior das costelas e por ele passa
um feixe vasculo-nervoso composto por veias, artérias e nervos intercostais
(de cranial para caudal). Por esse motivo, procedimentos como toracocentese
ou inserção de dreno de tórax geralmente são realizados na margem superior
da costela inferior, prevenindo injúria nervosa ou vascular10.

O suprimento sanguíneo da parede torácica deriva dos seguintes vasos10:


Autores: • Aorta torácica, através das artérias intercostais posteriores e subcostais;
Daniel Augusto • Artéria subclávia, através das artérias torácicas internas e intercostais
Mauad Lacerda supremas. Ainda, as torácicas internas (ou mamárias) dão origem às
artérias intercostais anteriores, as quais passam no bordo inferior das
Gisele Pietrowski costelas;
Abot • Artéria axilar, através das artérias torácicas superiores e laterais.
Thiago Tsuneo
Kominek Sato Cada pulmão possui uma artéria pulmonar e duas veias pulmonares. As
artérias se originam no tronco pulmonar ao nível do ângulo esternal e
Atualização: fornecem sangue venoso para oxigenação. Já as veias se originam no átrio
esquerdo e fornecem sangue rico em oxigênio10.
Mariana
Rothermel
Valderrama
A traqueia se bifurca no nível do ângulo esternal (T3), originando os
brônquios-fonte, sendo eles10:
Ricardo Mendes
Silveira • Brônquio-fonte direito (mais oblíquo, predispondo à broncoaspiração);

04
• Brônquio-fonte esquerdo (ângulo reto, inferior ao arco aórtico e anterior ao
esôfago e à aorta torácica).

64
Cada brônquio-fonte se divide em brônquios lobares (2 à esquerda e 3 à

torácico
Trauma direita), os quais suprem cada lobo pulmonar. Estes se subdividem em
brônquios segmentares, que suprem segmentos dos lobos que possuem
forma de pirâmide, cada um com um ramo da artéria pulmonar10.

Cada pulmão é envolvido por um saco pleural composto de duas


membranas: a pleura visceral, que reveste toda superfície externa dos
pulmões, deixando-os com aspecto brilhante; e a pleura parietal, que reveste
as cavidades pulmonares. A cavidade pleural é um espaço virtual entre as
pleuras e contém um fluido seroso que lubrifica as superfícies, permitindo um
deslizamento sem atrito durante a respiração10.

O pericárdio é uma estrutura fibroserosa que envolve o coração e uma parte


dos grandes vasos, sendo composto por duas membranas: o pericárdio
fibroso e o seroso, que possui uma lâmina parietal e outra visceral. A cavidade
pericárdica é um espaço virtual entre as duas faces do pericárdio seroso e
normalmente contém um fino filme de fluido que permite que o coração bata
sem fricção. O pericárdio fibroso é inelástico e fechado, limitando o volume
que pode ser ocupado em seu interior. Por isso, o acúmulo de líquido no
interior do pericárdio impede a expansão completa das câmaras cardíacas,
limitando o volume de sangue recebido e, consequentemente, o débito
cardíaco10.

O Quadrilátero de Ziedler é delimitado entre a linha axilar anterior esquerda,


linha paraesternal direita, 2º espaço intercostal (EIC) esquerdo e 6º EIC
esquerdo. É uma zona de grande probabilidade de lesão cardíaca10.

4.3. AVALIAÇÃO PRIMÁRIA E LESÕES COM RISCO IMEDIATO DE


MORTE
Como em todos os pacientes do trauma, o manejo do trauma torácico é feito
com a avaliação das vias aéreas (A), seguida da respiração (B) e da circulação
(C). As situações mais graves devem ser tratadas ao passo em que são
identificadas. São elas: obstrução de vias aéreas, lesão da árvore
traqueobrônquica, pneumotórax hipertensivo, pneumotórax aberto,
hemotórax maciço e tamponamento cardíaco1.

4.3.1. Obstrução das vias aéreas


A identificação de sinais clínicos de obstrução de vias aéreas e uma rápida
intervenção são críticos. Durante a avaliação primária, deve-se buscar por
sinais de esforço respiratório, como tiragem intercostal e retração
supraclavicular. Ainda na inspeção, procurar por corpos estranhos na
orofaringe, além de identificar prontamente sintomas de obstrução de vias
aéreas altas, como estridor ou mudança repentina no timbre da voz. Deve-se
também procurar por crepitação na região anterior do pescoço1.

A obstrução das vias aéreas pode ser resultante de edema, sangramento,


broncoaspiração e, em pacientes com o nível de consciência diminuído,

04
queda da base da língua. Nesse último caso, pode-se realizar manobras como
elevação do mento (Chin lift) ou tração da mandíbula (Jaw thrust). Após, a
colocação de um tubo orofaríngeo (de Guedel) ou nasofaríngeo pode
65
assegurar que a via aérea permaneça pérvia. Dependendo do caso, outras

torácico
Trauma medidas podem ser necessárias, como já abordado no capítulo de Vias
Aéreas e Controle Cervical1.

Fraturas de laringe, embora raras, podem estar presente em grandes


traumas de caixa torácica ou ser resultantes de trauma direto em pescoço.
Em caso de suspeita, uma TC pode ser útil para o diagnóstico. Esse quadro
é caracterizado pela tríade: enfisema subcutâneo, fratura palpável e
rouquidão1.

A obstrução também pode ser decorrente de deslocamento posterior da


cabeça da clavícula. Esse quadro pode ser resolvido com a redução feita
através da extensão do ombro ou com uma pinça Backhaus. A redução
normalmente se mantém estável com o paciente em posição supina1.

Pacientes com obstrução causada por sangue ou vômito podem ser tratados
temporariamente com sucção por aspirador de ponta rígida até a via aérea
definitiva ser estabelecida1.

4.3.2. Trauma da árvore traqueobrônquica


É uma condição incomum, porém com altas taxas de mortalidade. A maioria
dos pacientes morre antes de receber cuidados pré-hospitalares. Em muitos
casos, a intubação pode causar ou piorar o dano à traqueia ou brônquios-
fonte por causa da distorção anatômica, dificultando a obtenção de uma via
aérea definitiva1.

Pode se manifestar clinicamente como hemoptise, enfisema subcutâneo


cervical, pneumotórax hipertensivo e/ou cianose. Deve-se suspeitar desse
tipo de trauma quando ocorre expansão incompleta do pulmão associada a
vazamento de ar após colocação de dreno de tórax1.

O diagnóstico pode ser confirmado através de broncoscopia1.

4.3.3. Pneumotórax hipertensivo


Ocorre quando uma "válvula unilateral" força o ar para dentro do espaço
pleural cada vez que o paciente inspira. Como o ar não tem por onde sair,
acaba se acumulando na cavidade pleural a cada respiração, colapsando o
pulmão e desviando o mediastino para o lado oposto.

04 66
Trauma
torácico

Pneumotórax Hipertensivo. Ilustração do mecanismo “válvula unidirecional” de formação


do pneumotórax hipertensivo e seus efeitos (pulmão colabado, desvio mediastinal e
compressão de estruturas vasculares).
Fonte: ATLS, 2018.

Com isso, o pulmão contralateral é comprimido e os grandes vasos são


colabados, diminuindo o retorno venoso. Assim, o débito cardíaco cai,
causando um choque classificado como obstrutivo1.

A B

Pneumotórax Hipertensivo Raio-X. (A) Raio-x de tórax com penumotórax hipertensivo em


pulmão direito. Nota-se ausência de trama vascular pulmonar em parte do hemitórax
afetado e leve desvio mediastinal e cardíaco para o lado oposto. Vale lembrar que o raio-x
não é necessário para diagnóstico dessa patologia. (B) Nessa imagem, nota-se ausência
completa de trama vascular pulmonar em hemitórax esquerdo, com pulmão totalmente
colabado. Vale lembrar que o raio-x não é necessário para diagnóstico dessa patologia.
Fonte: LIGHT, R. W. Penumotórax.

A causa mais comum de pneumotórax hipertensivo é a ventilação mecânica


com pressão positiva utilizada em pacientes com lesão de pleura visceral.

04
Também são causas: tentativas de obtenção de acesso central através das
veias subclávia e jugular interna; trauma da parede torácica no qual é feito um

67
curativo oclusivo fechado dos 4 lados, promovendo o mecanismo univalvular,

torácico
Trauma promovendo o mecanismo univalvular1.

4.3.3.1. Fisiopatologia
A fisiopatologia do pneumotórax hipertensivo envolve1:

• Rotura do parênquima pulmonar (explosão por trauma contuso ou


penetração de corpo estranho);
• Mecanismo univalvular (o ar entra e não sai);
• Aumento da pressão intrapleural;
• Compressão de estruturas (veia cava inferior e superior – diminuição do
retorno venoso e redução do débito cardíaco), sempre gerando sintomas
clássicos de choque (além da dificuldade respiratória, terá repercussões
hemodinâmicas).

4.3.3.2. Quadro clínico


Quanto aos sinais e sintomas clínicos, temos1:

• Ausência de murmúrio vesicular (MV) no hemitórax afetado;


• Timpanismo à percussão do hemitórax lesado (ar se acumula
anteriormente quando o paciente fica em decúbito dorsal);
• Enfisema subcutâneo;
• Diminuição da expansibilidade do hemitórax lesado;
• Desvio de traqueia para o lado contralateral;
• Jugulares ingurgitadas (veia cava colabada impede o retorno do sangue
para o coração, que fica represado e evidencia as veias jugulares);
• Hipotensão, taquipneia, taquicardia. Cianose é manifestação tardia.

4.3.3.3. Diagnóstico e tratamento


O diagnóstico do pneumotórax hipertensivo é clínico. Jamais deve-se
postergar o tratamento a fim de obter confirmação radiológica. O tratamento
imediato é com toracocentese de alívio (descompressão torácica com
agulha no 5º EIC, levemente anterior à linha axilar média, no bordo superior
da costela inferior para não lesionar o feixe vasculo-nervoso). Após a
introdução à 90 graus com o plano do paciente, espera saída de ar. Depois
do alívio, deve-se manter agulha com extremidade fechada e reabrir quantas
vezes forem necessárias. Pacientes em falência respiratória respondem muito
bem a esse procedimento1.

Já o tratamento definitivo é com drenagem torácica em selo d’água, sendo


mandatória após a toracocentese. Também é realizada no 5º EIC, anterior a
linha axilar média (próxima ao mamilo), na borda superior da costela inferior.
É feita a anestesia local e posteriormente uma incisão de 3 cm anterior à linha
axilar média, seguida de divulsão (introduz a pinça, abre e tira) e perfuração
da pleura parietal. Quando não se consegue mais introduzir, parte-se para a
inspeção digital cavidade torácica (palpar se estamos acima do diafragma e
palpar o pulmão para ter certeza que estamos no espaço pleural, evitando

04
injúria ao parênquima pulmonar). Em seguida, inserção de dreno tubular
perfurado de silicone posterior e superior (para coletar ar) ou posterior e
inferior (para drenar fluídos). A ponta do dreno que se encontra fora do corpo
68
é conectada em selo d’agua (local onde cabe aproximadamente 500 ml de

torácico
Trauma soro) para prevenir que ar seja novamente puxado para dentro da cavidade
pleural. Deve-se garantir que o último furo esteja localizado dentro do espaço
pleural e fixar o dreno na pele através de pontos em "U" 1.

Por último, uma radiografia de tórax deve ser feita para confirmar o
posicionamento correto do dreno, além de monitorar pneumotórax ou
hemotórax residuais e possíveis lesões iatrogênicas1.

4.3.3.4. Complicações
Complicações ocorrem em 5 a 10% dos drenos de tórax, sendo elas7:

• Localização incorreta do dreno (no subcutâneo ou na musculatura, sendo


mais frequente em pacientes obesos mórbidos e com múltiplas fraturas de
arcos costais);
• Empiema pleural (1 a 2%);
• Fístula brônquio-pleural (rara);
• Lesão acidental de vísceras torácicas ou pulmonares adjacentes (pulmão,
diafragma, coração e grandes vasos, esôfago) e raramente de vísceras
extra-torácicas;
• Hemorragia significativa por lesão de vasos intercostais (inclusive por
exploração digital);
• Lesão do nervo intercostal, resultando em neurite ou nevralgia;

Embora não existam contraindicações absolutas à inserção do dreno de


tórax, principalmente em um contexto emergencial, devemos tomar cuidado
adicional em pacientes imunossuprimidos, com cirurgias torácicas prévias e
coagulopatias7.

4.3.4. Pneumotórax aberto


O ar tende a ir pelo caminho com menor resistência. Quando ocorre uma
ferida aberta maior que 2/3 do diâmetro da traqueia, torna-se caminho
preferencial durante a inspiração, equilibrando a pressão intratorácica e
atmosférica. Assim, a respiração é prejudicada, podendo levar à hipóxia e
hipercarbia1.

04 69
4.3.4.1. Fisiopatologia

torácico
Trauma
A fisiopatologia do pneumotórax aberto envolve1:

Pneumotórax Aberto. Ilustração do mecanismo de formação do pneumotórax abeto, com


ar entrando pela lesão na parede torácica.
Fonte: ATLS, 2018.

• Existência de ferida > 2/3 do diâmetro da traqueia e que estabelece


comunicação entre cavidade e meio externo;
• O ar prefere passar pela lesão na parede torácica, pois há menor
resistência;
• Redução da ventilação, aumento do espaço morto, retenção de CO2,
equilíbrio da pressão intratorácica e pressão atmosférica (tudo isso
gerando, então, um déficit na ventilação efetiva).

4.3.4.2. Quadro clínico


Os sinais e sintomas de pneumotórax aberto são1:

• MV diminuído no hemitórax (HT) afetado;


• Dispneia e taquipneia;
• Timpanismo à percussão no HT afetado;
• Diminuição da expansibilidade do HT afetado;
• Fluxo de ar audível através do ferimento em parede torácica.

4.3.4.3. Diagnóstico e tratamento


O diagnóstico é clínico. O tratamento imediato é com curativo quadrangular
de 3 lados ou 3 pontas. Deve-se usar material impermeável estéril. O curativo
deve ser fixado nos lados medial, inferior e superior (permanecendo aberto
lateralmente para caso escorra sangue não descole o esparadrapo) e deve
ser grande o suficiente para tampar as bordas do ferimento. Tal curativo
promove um efeito de válvula, de modo que quando o paciente inspira, ele

04
colaba, prevenindo a entrada de ar. Durante a expiração, a borda livre
possibilita a saída de ar do espaço pleural. Fechar as 4 bordas do curativo
pode acentuar o acúmulo de ar, causando um pneumotórax hipertensivo1.
70
Já o tratamento definitivo é com drenagem de tórax em selo d’água em local

torácico
Trauma distante da ferida. Frequentemente é necessário fechamento cirúrgico da
ferida1.

4.3.5. Hemotórax maciço


O hemotórax é considerado maciço quando há rápido acúmulo de mais de
1500mL de sangue ou 1/3 do volume sanguíneo total do paciente na cavidade
torácica.

Hemotórax Maciço. Imagem ilustrativa de um hemotórax maciço.


Fonte: ATLS, 2018.

04
Hemotórax Raio-X. Nessa imagem de raio-x observa-se opacidade em hemitórax
esquerdo, sendo um hemotórax.
Fonte: WEICHENTHAL, L. Hemothorax – Emergency Management.

71
torácico
Trauma

Hemotórax Tomografia. Nessa imagem de tomografia, observa-se um hemotórax a


esquerda.
Fonte: WEICHENTHAL, L. Hemothorax – Emergency Management.

Geralmente é causado por traumas penetrantes que dilaceram os vasos


sanguíneos sistêmicos ou hilares1.

4.3.5.1 Fisiopatologia e Quadro clínico


A fisiopatologia do hemotórax maciço envolve acúmulo de sangue em
cavidade pleural comprimindo o pulmão e impedindo ventilação e oxigenação
adequadas1.

O tempo é um fator importante. Um paciente pode vir sangrando por 3 horas


(provável lesão de vaso pequeno) ou sangrar grande quantidade em pouco
tempo (provável lesão de vaso grande)1.

Ocorre descompensação hemodinâmica e respiratória no hemotórax


maciço. Suspeita-se de tal diagnóstico quando o paciente está chocado, com
MV diminuído ou ausente e macicez à percussão do hemitórax afetado.
Jugulares ficam colabadas devido à hipovolemia1.

4.3.5.2 Diagnóstico e tratamento


O diagnóstico é clínico. O tratamento inicial envolve reposição de volume e
descompressão da cavidade torácica com drenagem de tórax em selo d’água.
O sangue drenado deve ser coletado em dispositivo que permita
autotransfusão. Se o volume drenado for maior que 1500 ml, indica-se uma
toracotomia de emergência. A saída de 200ml/h de sangue continuamente
pelo dreno também é uma indicação, juntamente com a necessidade de
transfusões de sangue recorrentes1.

04 72
4.3.5.3 Hemotórax maciço x pneumotórax hipertensivo

torácico
Trauma
A tabela abaixo compara as manifestações clínicas que ocorrem no
pneumotórax hipertensivo e no hemotórax maciço, sendo importante para o
diagnóstico diferencial entre as duas patologias.

Diferenças entre pneumotórax hipertensivo e hemotórax maciço. Tabela comparativa


entre pneumotórax hipertensivo e hemotórax maciço.
Fonte: ATLS, 2018.

4.3.6. Tamponamento cardíaco


Ocorre em decorrência do acúmulo de líquido dentro do saco pericárdico,
que comprime o coração e impede o enchimento cardíaco.
Consequentemente, o débito cardíaco reduz. Embora decorra mais
comumente de traumas penetrantes (sendo esses 80% por arma branca e
20% por arma de fogo), o trauma contuso também pode causá-lo (menos
comum, porém mais letal). A sua evolução pode ser lenta1.

4.3.6.1. Fisiopatologia
A fisiopatologia do tamponamento cardíaco envolve1:

• Acúmulo de líquido entre pericárdio visceral e parietal de forma aguda;

04 73
Tamponamento Cardíaco. A ilustração da esquerda demonstra o acúmulo de líquido no

torácico
Trauma saco pericárdico e a formação do tamponamento. A imagem da direita é de um ultrassom
(FAST) mostrando o tamponamento.
Fonte: ATLS, 2018.

• Restrição à sístole/diástole;
• Choque por falha de bomba.

4.3.6.2 Quadro clínico


Clinicamente, o tamponamento cardíaco apresenta uma tríade clássica,
denominada Tríade de Beck, mas que nem sempre está presente. Ela
consiste em1:

• Abafamento de bulhas (nem sempre é fácil de identificar, principalmente


em sala de emergência);
• Hipotensão;
• Jugulares ingurgitadas (pode não estar presentes se houver hipovolemia
associada).

Pulso paradoxal e Sinal de Kussmaul (aumento da pressão venosa com a


inspiração) também podem estar presentes. É importante ressaltar que o
pneumotórax hipertensivo também apresenta jugulares ingurgitadas e
hipotensão e, quando ocorre em hemitórax esquerdo, pode mimetizar
tamponamento cardíaco1.

4.3.6.3. Diagnósticos Diferenciais


As seguintes patologias podem apresentar ingurgitamento jugular, mas seus
outros achados clínicos podem diferenciá-los. São elas1:

• Pneumotórax hipertensivo: jugular ingurgitada; MV diminuído; percussão


hiper-ressonante;
• Hemotórax maciço: jugular ingurgitada; MV diminuído; percussão maciça;
• Tamponamento cardíaco: jugular ingurgitada; MV normal; percussão
normal

4.3.6.4. Diagnóstico e Tratamento


O diagnóstico de tamponamento cardíaco é feito com confirmação por FAST
(o qual tem 90-95% de acurácia para identificar a presença de fluido no saco
pericárdico, porém é operador-dependente). Quando indisponível, pode-se
lançar mão de eletrocardiograma e janela pericárdica para confirmar do
quadro1.

Na presença de cirurgião qualificado, a toracotomia de emergência ou a


esternotomia podem ser realizadas. Se não há esta possibilidade, é possível
fazer uma pericardiocentese de alívio, o que não constitui tratamento
definitivo. Devido às altas taxas de complicação, esse procedimento deve ser
considerado como último recurso de tratamento do tamponamento. O

04
Ultrassom pode facilitar a punção, que deve ocorrer no 5º ou 6º EIC à
esquerda do rebordo esternal ou via infraesternal, à esquerda do processo
xifoide. Vários locais são possíveis, porém os sítios de punção mais usados

74
são o subxifoide, paraesternal ou apical e a escolha entre eles depende da

torácico
Trauma localização e tamanho do derrame pericárdico, anatomia do paciente e da
experiência do profissional12. Quando se opta pela abordagem subxifoide, a
agulha é angulada em 45 graus em direção ao ombro esquerdo. Usando a
técnica de Seldinger, é posicionado um cateter pigtail4.

Pericardiocentese – Vias de acesso. A – Subxifoide; B – Apical; C – Paraesternal.


Fonte: SINNAEVE, P. R.; ADRIAENSSENS, T. A contemporary look at pericardiocentesis.
Trends in Cardiovascular Medicine, v. 29, n. 7, p. 375–383, 2018.

4.4. AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA E LESÕES COM RISCO POTENCIAL DE


MORTE
Mesmo após uma avaliação primária bem feita, existem lesões relativas ao
trauma torácico que frequentemente passam despercebidas em uma primeira
abordagem, sendo diagnosticadas apenas durante a avaliação secundária.
Esses ferimentos, apesar de não representarem um risco imediato de morte,
são potencialmente fatais, podendo levar o paciente a óbito se não forem
devidamente tratados. São eles: pneumotórax simples, hemotórax, contusão
pulmonar, tórax instável, lesão cardíaca por trauma contuso, ruptura
traumática de aorta, lesão traumática de diafragma e ruptura de esôfago por
trauma contuso1.

Para o correto diagnóstico de tais condições, é importante que a avaliação


secundária desse paciente contenha um raio-x de tórax, eletrocardiograma,

04
oximetria de pulso e gasometria arterial, além de um exame físico mais
aprofundado1.

75
4.4.1. Pneumotórax simples

torácico
Trauma
A presença de ar na cavidade pleural é denominada pneumotórax, que pode
ser resultante de um traumatismo contuso ou de um penetrante1. Pode ser
classificado como espontâneo (sem causa aparente) ou como iatrogênico11.
Clinicamente, ocorre diminuição dos sons respiratórios à ausculta e
timpanismo à percussão, ambos no hemitórax lesionado. Um raio-x de tórax
pode ajudar no diagnóstico1.

É importante ressaltar que o pneumotórax hipertensivo é uma complicação


possível do pneumotórax simples. Assim, uma vez confirmada a presença de
ar no espaço pleural, deve-se buscar não realizar anestesia geral ou
ventilação com pressão positiva sem antes inserir um dreno de tórax1.

O tratamento preconizado é a drenagem pleural em selo de água, seguido


de radiografia torácica para averiguar o correto posicionamento do tubo e
avaliar se houve diminuição do pneumotórax1. A retirada do dreno deve
ocorrer após a resolução do quadro comprovado por radiografia e quando não
há mais borbulhamento pelo selo de água8. Pacientes com pneumotórax
menor que 3 cm (da cúpula até o ápice pulmonar) e que estejam estáveis
podem permanecer em observação sem drenagem por até 6 horas, sendo
reavaliados com uma nova radiografia. Se não ocorrer aumento do
pneumotórax, esses pacientes podem receber alta com orientação de retorno
em até 2 dias para nova avaliação e raio-x2.

04 76
4.4.2. Hemotórax

torácico
Trauma
Também causado tanto por trauma fechado quanto por penetrante, o
hemotórax é definido como presença de sangue em quantidade menor que
1,5 litro no espaço pleural, sendo que a diminuição do murmúrio vesicular à
ausculta e a macicez à percussão são seus achados clínicos principais. No
raio-X, pode ser observado uma região opaca e homogênea (que representa
o sangue) no hemitórax afetado1.

Hemotórax Raio-X. Nessa imagem de raio-x observa-se opacidade em hemitórax


esquerdo, sendo um hemotórax.
Fonte: WEICHENTHAL, L. Hemothorax – Emergency Management.

A conduta preconizada é a realização de toracostomia com drenagem pleural


fechada em todo hemotórax agudo que apareça no raio-X, utilizando-se tubo
de calibre 28 a 32 French1. Quando a drenagem de líquido for menor que 200
mL/dia, o dreno pode ser removido8. Contudo, hemotórax menores que 1,5
cm em imagens axiais de tomografia podem ser tratados sem a realização do
dreno3.

Na maior parte dos casos, tal condição é autolimitada, dispensando


intervenções cirúrgicas. A toracotomia deve ser considerada nos seguintes
casos: necessidade de transfusão sanguínea; drenagem de volume maior que
200 mL/h nas primeiras 2 a 4 horas; drenagem de volume maior que 1,5 litro
logo após a inserção do dreno. Contudo, são as condições hemodinâmicas
do paciente que vão determinar a realização ou não da cirurgia1. Caso haja,
por exemplo, instabilidade hemodinâmica persistente associada ao trauma de
tórax, sem nenhuma outra causa aparente, a toracotomia exploradora deve
ser realizada9.

04 77
4.4.3. Contusão pulmonar e tórax instável

torácico
Trauma
Define-se contusão pulmonar como uma lesão no parênquima desse órgão,
normalmente associada à fratura de arcos costais nos adultos. Nas crianças,
por outro lado, a contusão pode existir mesmo sem qualquer fratura óssea. Já
o tórax instável é uma condição que surge a partir da perda da continuidade
óssea da parede torácica, normalmente causada pela fratura de duas ou mais
costelas consecutivas – cada uma lesionada em duas ou mais regiões –, mas
que também pode ser reflexo de uma separação entre a costela e a cartilagem
costal1.

Clinicamente, a instabilidade torácica pode ser notada pelo movimento


paradoxal da parede no local lesionado, que vai para dentro durante a
inspiração e se exterioriza durante a expiração (movimento contrário ao resto
do tórax)6.

Movimento paradoxal no tórax instável. A ilustração demonstra o movimento paradoxal


do tórax instável, sendo que o local lesado se movimenta em direção contrária ao restante
da caixa torácica.
Fonte: WEISER, T. G. Tórax Instável.

Esse achado, no entanto, nem sempre é evidente em um primeiro momento.


Quando associada à contusão pulmonar, pode-se observar uma limitação dos
movimentos respiratórios por conta da dor. Alterações ventilatórias seguidas
de hipóxia podem ocorrer. Dor e crepitação à palpação de arcos costais
também são achados possíveis, e a radiografia torácica pode auxiliar no
diagnóstico1.

O tratamento preconizado para essas condições baseia-se em analgesia


(com analgésicos intravenosos ou anestesia local, para melhorar a ventilação
e evitar intubação), oxigenioterapia (com oxigênio umidificado) e reposição
volêmica cuidadosa com cristaloides. Pacientes saturando menos que 90%
de O2 e com PaO2 menor que 60mmHg, ambas em ar ambiente, podem ser
candidatos para intubação1. Apesar de não ser totalmente aceito, a redução
e fixação cirúrgica das costelas em situação de tórax instável é uma opção.

04
Contudo, a presença de contusão pulmonar associada é uma contraindicação
relativa para tal abordagem6.

78
4.4.4. Lesão cardíaca por trauma contuso

torácico
Trauma
Diversas condições podem se originar a partir de um trauma contuso no
coração, estando associado principalmente à acidentes com veículos
automotores (1 em cada 2 casos de contusão cardíaca)1.

Em uma contusão miocárdica, por exemplo, o paciente pode apresentar


desconforto em região torácica, hipotensão, anormalidades
ecocardiográficas. Além disso, pode haver alterações no eletrocardiograma e
distúrbios arrítmicos, como desnivelamento do segmento ST, fibrilação atrial,
bloqueio de ramo direito, extrassístoles ventriculares e taquicardia sinusal.
Esses pacientes devem receber monitoramento constante nas primeiras 24
horas se apresentarem alterações eletrocardiográficas, pela possibilidade de
desenvolverem arritmias súbitas. Se o eletrocardiograma estiver normal, a
monitorização se faz desnecessária1.

Outra situação possível é a ruptura de câmaras cardíacas, a qual


normalmente é diagnosticada durante a avaliação primária, uma vez que gera
tamponamento cardíaco. Contudo, tal condição pode demorar para se
manifestar clinicamente, principalmente quando a lesão ocorre nos átrios. Por
esse motivo, tem sua relevância durante a avaliação secundária1.

Lesão valvar, trombose e dissecção coronariana também são situações


possíveis de ocorrer após um traumatismo cardíaco contuso. Ainda, deve-se
ter em mente que um evento isquêmico cardíaco pode ter ocorrido antes,
desencadeando o evento traumático1.

4.4.5. Ruptura traumática de aorta


Trata-se de uma causa comum de morte súbita em quedas de nível e
acidentes automobilísticos, sendo gerada pela alta desaceleração1. Pelo
menos 3 em cada 4 pacientes morrem no local5. Para aqueles que não vieram
à óbito no momento do trauma, as chances de sobrevida aumentam nas
seguintes situações: camada adventícia do vaso intacta; hematoma restrito ao
mediastino; diagnóstico e tratamento precoce1.

Comumente, o paciente com ruptura traumática de aorta não apresenta


alterações clínicas específicas de tal patologia. Assim, chega-se ao
diagnóstico principalmente a partir da história, cinética do trauma e radiografia
de tórax, cujos possíveis achados incluem: alargamento de mediastino, desvio
traqueal a direita, apagamento do botão aórtico, entre outros. Por mais que a
tomografia helicoidal contrastada apresente elevadíssima sensibilidade e
especificidade para tal condição, ela só está indicada em pacientes estáveis.
Um ecocardiograma transesofágico ou uma arteriografia também podem ser
realizados para diagnóstico1.

04 79
torácico
Trauma

Ruptura traumática de aorta – Raio-X. Observa-se nesse raio-x uma ruptura de aorta,
com notável aumento de mediastino.
Fonte: FARBER, M. A.; AHMAD, T. S. Dissecção da Aorta.

Em casos de lesão contida, deve-se buscar o controle da pressão


(objetivando pressão arterial média de 60 a 70 mmHg) e da frequência
cardíaca (menor que 80bpm) para evitar ruptura. Betabloqueadores de curta
duração devem ser preconizados. Se contraindicados ou insuficientes, pode-
se utilizar bloqueadores de canal de cálcio. Se também impossibilitados ou
sem resultados, nitroprussiato ou nitroglicerina são uma possibilidade caso
não haja contraindicações, mas devem ser administrados de forma cautelosa.
O tratamento definitivo é cirúrgico, devendo-se transferir o paciente o quanto
antes para um centro capaz de corrigir a lesão1.

4.4.6. Lesão traumática do diafragma


A ruptura diafragmática é uma condição que pode ocorrer tanto a partir de
um trauma contuso quanto de um penetrante. No entanto, as lesões
costumam ser maiores em situações contusas, levando a uma hérnia de
aparecimento mais agudo. Traumas penetrantes geram rupturas pequenas,
com um aparecimento mais tardio da hérnia. Na maioria das vezes, seu
diagnóstico é feito do lado esquerdo do tórax, uma vez que a presença do
fígado no lado direito impede a passagem das vísceras abdominais para a
cavidade torácica1. Um em cada dois pacientes com ruptura diafragmática

04
contusa apresenta também lesão cerebral. Órgãos sólidos abdominais,
pulmões, coração, aorta, pelve e outros locais também podem sofrer danos9.

80
Na radiografia inicial, não é incomum que a ruptura do diafragma seja

torácico
Trauma confundida com outras patologias, como dilatação gástrica aguda, elevação
diafragmática, hemo-pneumotórax loculado ou hematoma subpulmonar.
Ainda, pode ocorrer de não se conseguir diagnosticar a lesão, mesmo após
raio-x e tomografia não contrastados. Nesses casos, exames com contraste
se fazem necessários. De qualquer forma, uma vez tendo lesão diafragmática
como hipótese, deve ser realizada uma radiografia de tórax com uma sonda
gástrica inserida no paciente. Se tal exame mostrar a sonda na cavidade
torácica, estudos contrastados se tornam dispensáveis. Se dúvida,
toracoscopia ou laparoscopia podem auxiliar no diagnóstico1.

Pelo risco de criar nova lesão nos órgãos abdominais que foram para o tórax,
a inserção de dreno pleural deve ser cuidadosa em pacientes suspeitos de
rotura diafragmática. O tratamento definitivo dessa condição é cirúrgico1 e a
abordagem por laparotomia exploradora em casos agudos é a melhor opção,
visto que há chances grandes de ter outras lesões abdominais associadas. A
toracotomia pode ser realizada em casos crônicos ou na presença de outras
situações que a demandem. Laparoscopia também pode ser realizada, caso
não haja necessidade de toracotomia ou laparotomia9.

4.4.7. Ruptura esofágica por trauma contuso


Na maioria dos casos de trauma, a ruptura esofágica costuma ocorrer por
lesão penetrante. Contudo, pode ocorrer em pacientes que recebem forte
impacto na região abdominal superior, gerando lesões pela passagem abrupta
do conteúdo gástrico para o esôfago. É uma situação rara, mas que pode levar
à morte se não for devidamente diagnosticada e tratada. Como consequência,
ocorre mediastinite, além de possível empiema1.

Clinicamente, o paciente pode apresentar dor torácica, dor epigástrica ou dor


cervical, dispneia, disfagia, entre outros13. No entanto, o exame físico
geralmente não auxilia em casos de lesões esofágicas
9
intratorácicas . Situações de pneumotórax ou hemotórax esquerdos, sem
fratura de arcos costais, associados à história de pancada epigástrica e dor
ou choque que não condizem com a lesão aparente, deve-se suspeitar de
lesão esofágica. Drenagem torácica de conteúdo suspeito pode sugerir o
mesmo. Ao raio-x, ar no mediastino pode ser visto. Esofagoscopia ou exames
com contraste confirmam o diagnóstico1.

O tratamento engloba correção cirúrgica da lesão e drenagem de mediastino


e tórax1. Haverá melhores resultados se a cirurgia for realizada nas primeiras
24 horas da lesão13.

4.5. OUTRAS MANIFESTAÇÕES DE TRAUMA TORÁCICO


A presença de ar no espaço subcutâneo – também chamada de enfisema
subcutâneo – apresenta possíveis causas que merecem investigação e
tratamento (tais como lesão em vias aéreas ou pulmonares). Contudo, o
enfisema em si não necessita ser tratado1.

04 81
Face, tronco e membros pletóricos, além de petéquias e edemas (incluindo

torácico
Trauma o cerebral), podem ocorrer em esmagamentos torácicos. As lesões
resultantes de tal evento devem ser tratadas1.

A fratura de arcos costais é uma situação muito comum em traumas


torácicos. A dor associada geralmente resulta em ventilação inadequada e má
oxigenação. Lesões mais distais denotam maior risco de trauma hepático ou
esplênico. Deformidades locais podem indicar a fratura. Dor e crepitação à
palpação estão presentes1.

Diferentemente de jovens e crianças, idosos têm maior facilidade de


apresentar fraturas de arcos costais, mesmo com traumas de menor energia.
Por terem maiores chances de desenvolver complicações, além de
mortalidade mais elevada, tal faixa etária merece maiores observações. Nos
jovens, por outro lado, a existência de diversas fraturas de costelas denota
maior energia1.

Fraturas de escápula, esterno e de 1º ou 2º arcos costais sugerem trauma


de alta energia, com possibilidade de lesão em cabeça, pescoço, medula
espinhal, pulmão e grandes vasos. Contusão pulmonar e cardíaca podem
estar presentes. A mortalidade pode chegar à mais de 1/3 dos pacientes1.

O alívio da dor com analgésicos sistêmicos, anestesia epidural ou bloqueio


intercostal está indicado para os pacientes com fratura de escápula, esterno
ou costelas. O raio-x está indicado para pesquisa de lesões associadas.
Algumas lesões não diagnosticadas podem ser identificadas com tomografia.
Correção cirúrgica pode ser necessária em alguns casos1.

04 82
4.6. Resumo e fluxograma
torácico
Trauma
Risco imediato

04 83
torácico
Trauma

Risco Potencial

04 84
4.6. Referências
torácico
Trauma
1.AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS. ATLS: Advanced Trauma Life
Support - Student Course Manual. 10th. ed. Chicago: American College of
Surgeons, 2018.

2.BAUMAN, M. H. et al. Management of spontaneous pneumothorax: An


American College of Chest Physicians Delphi Consensus Statement. Chest,
v. 119, n. 2, p. 590–602, 2001.

3.BILELLO, J. F.; DAVIS, J. W.; LEMASTER, D. M. Occult traumatic


hemothorax: When can sleeping dogs lie? American Journal of Surgery, v.
190, n. 6, p. 844–848, 2005.

4.BRUNICARDI, F. C. et al. Schwartz’s Principles of Surgery. 10th. ed. New


York: McGraw-Hill Education, 2015.

5.COOK, C. C.; GLEASON, T. G. Great Vessel and Cardiac Trauma. Surgical


Clinics of North America, v. 89, n. 4, p. 797–820, 2009.

6.DOGRUL, B. N. et al. Blunt trauma related chest wall and pulmonary injuries:
An overview. Chinese Journal of Traumatology - English Edition, v. 23, n.
3, p. 125–138, 2020.

7.FILOSSO, P. L. et al. Errors and Complications in Chest Tube Placement.


Thoracic Surgery Clinics, v. 27, n. 1, p. 57–67, 2017.

8.HAVELOCK, T. et al. Pleural procedures and thoracic ultrasound: British


Thoracic Society pleural disease guideline 2010. Thorax, v. 65, n. SUPPL. 2.

04 85
hemorrágico
Choque e controle 5.1 introdução
Definição de choque: “anormalidade do sistema circulatório que resulta em
perfusão orgânica e oxigenação tecidual inadequadas”9.

O choque é uma síndrome clínica que tem várias causas em sua etiologia,
como hipovolêmico, cardiogênico, séptico, anafilático, neurogênico, entre
outras. Independente da causa do choque, a hipoperfusão tecidual gerada
pelo desequilíbrio entre oferta e consumo de oxigênio compromete a atividade
metabólica celular e, consequentemente, as funções celulares e orgânicas.
Essa síndrome é uma emergência médica e está associada a altas taxas de
mortalidade. Por esse motivo, o diagnóstico precoce e o tratamento baseado
na provável causa são de suma importância a fim de melhorar o prognóstico
do paciente6,9.

5.2 FISIOPATOLOGIA DO CHOQUE


Uma das marcas do choque é a má perfusão tecidual. Em nível celular, esse
distúrbio reduz o fornecimento de oxigênio para as mitocôndrias, o que
prejudica a produção de energia (ATP) e, consequente, a manutenção do
funcionamento normal da célula. Para evitar a morte celular, é ativado o
sistema compensatório através da atividade glicolítica (respiração
anaeróbica), porém é somente uma solução parcial. Neste mecanismo, a
produção de energia é menor em relação ao metabolismo aeróbico, além de
haver produção de metabólitos tóxicos que podem levar a danos irreversíveis
ao organismo10.

Em um primeiro momento há um choque compensatório, no qual o


organismo lança mão de alguns artifícios para evitar a hipotensão arterial e
hipoperfusão sistêmica, como: aumento da frequência cardíaca e da
contratilidade miocárdica e vasoconstrição do sistema venoso e arterial. Todo
esse processo garante que o fluxo sanguíneo seja direcionado para os órgãos
vitais (rins, coração e cérebro)7,9. Isso é feito através da:
Autores:
• Ativação do sistema simpático → ↑ frequência e a contratilidade
Anna Clara Rocha
Plawiak
cardíacas, na tentativa de preservar o débito cardíaco. A taquicardia, na
maioria das vezes, é o sinal mensurável mais precoce do choque.
Douglas Shun • Liberação de catecolaminas, vasopressina e angiotensina → ↑ tônus
Yokoi vascular e arteriolar → ↑ volume sanguíneo central, o retorno venoso e a
pressão diastólica, ↓ pressão de pulso.
Luiza de Martino
Cruvinel Borges
Em um segundo momento ocorre o choque descompensado, no qual os
Nico Ceulemans mecanismos compensatórios são insuficientes, acentuando as disfunções
orgânicas (cardiovascular, renal, metabólica, pulmonar e neurológica)7.
Atualização:
Na fase mais tardia, ocorre o choque irreversível, caracterizado pela
Jaqueline Novack
hipotensão de difícil controle e má perfusão tecidual, que persistem apesar da
Raquel Porto infusão de volume e drogas vasoativas. A função da equipe de trauma é evitar
Lovato que se chegue nesta situação crítica, portanto, é muito importante

05
diagnosticar o choque na sua fase inicial7.

86
hemorrágico
Choque e controle 5.3 CLÍNICA E DIAGNÓSTICO DO CHOQUE
Seguindo a ordem do atendimento do protocolo ATLS, somente após
assegurar a via aérea e ventilação adequada se inicia a avaliação cuidadosa
das condições circulatórias do paciente, buscando manifestações precoces
de choque que, na grande maioria das vezes, são taquicardia e
vasoconstrição cutânea9.

A lesão celular causada pela hipóxia tecidual é reversível inicialmente.


Contudo, se a hipoperfusão se prolongar, evoluirá rapidamente para
irreversível, pois, a nível celular, a compensação não será mais possível.
Estudos mostram que, quanto mais rápida a homeostase de um paciente for
restaurada, melhores serão os resultados. Sendo assim, o primeiro passo na
abordagem do choque em um paciente de trauma é reconhecer a presença
do choque em si8,9,10.

O diagnóstico do choque depende da síntese dos achados clínicos,


hemodinâmicos e laboratoriais. Os dados vitais e testes laboratoriais, se
analisados de forma isolada, não podem dar o diagnóstico definitivo de
choque. As informações devem ser consideradas em conjunto, tais como
frequência cardíaca, frequência respiratória, perfusão cutânea e pressão de
pulso (diferença entre pressão diastólica e sistólica). Vale ressaltar que não
se deve utilizar a pressão sistólica como indicador do choque, pois ela se
altera apenas em fases mais tardias, quando já existe uma perda de 30% da
volemia. A taquicardia e a vasoconstrição cutânea são os sinais mais
precoces do choque, de modo que TODO paciente politraumatizado que se
encontra frio e taquicárdico é considerado em choque até que se prove o
contrário9,10.

Alguns pontos importantes em relação à frequência cardíaca:

• A frequência cardíaca normal varia com a idade. Deve-se considerar


taquicardia uma frequência superior a 100 bpm em adultos, 120 bpm até a
puberdade, 140 bpm em crianças com idade pré-escolar e 160 bpm em
bebês;
• A taquicardia pode não aparecer no idoso devido ao uso de medicamentos
ou de marcapassos, além da idade diminuir a atividade simpática no que
diz respeito ao sistema cardiovascular;
• Atletas profissionais, em geral, tem uma capacidade surpreendente de
compensação à perda sanguínea, de forma que mesmo com perdas
volêmicas significativas, pode não evidenciar manifestações fisiológicas
expressivas;
• Gestantes têm hipervolemia fisiológica e por isso podem apresentar sinais
de choque mais tardiamente9.

O segundo passo é identificar a provável causa do choque, baseado no


mecanismo da lesão, e ajustar o tratamento de acordo. Apesar da hemorragia
ser a causa mais comum de choque nos pacientes politraumatizados, eles
também podem sofrer de choque cardiogênico, anafilático, neurogênico e até
mesmo, embora menos comum, choque séptico9.

05
Em resumo, a abordagem do paciente começa com o reconhecimento da
presença do choque. Simultaneamente, deve-se iniciar o tratamento e
87
hemorrágico
Choque e controle identificar a causa provável deste distúrbio. Em seguida, a resposta do
paciente ao tratamento inicial analisada em conjunto com os achados clínicos
e laboratoriais, geralmente fornecem informações suficientes para determinar
a etiologia do choque.

5.4 CLASSIFICAÇÃO E FISIOPATOLOGIA DO CHOQUE


5.4.1 Choque Hemorrágico
O choque hemorrágico, uma dos tipos de choque hipovolêmico (redução
de volume por perda sanguínea), é a principal causa de choque em pacientes
do trauma. Sendo assim, TODO paciente politraumatizado em choque é
portador, até segunda ordem, de choque hipovolêmico hemorrágico. A
hemorragia pode ser externa (traumas p.e.) ou interna (úlcera perfurada
p.e.)5,9.

Se a perda de volume ocorrer de forma lenta, os mecanismos


compensatórios costumam ser eficazes e qualquer quantidade de depleção
volumétrica geralmente é mais bem tolerada do que se o mesmo volume for
perdido agudamente. Entretanto, doenças subjacentes, principalmente
aquelas que limitam a reserva cardíaca, podem influenciar na gravidade
clínica de um insulto hipovolêmico. O choque hemorrágico usualmente ocorre
devido à rápida perda de volume intravascular (pré-carga) que levam à uma
perfusão inadequada de tecido e órgãos.

A resposta circulatória compensatória inicial para perda aguda de sangue


inclui aumento da resistência vascular periférica e contração das veias para
aumentar retorno venoso (pré-carga), bem como aumento da frequência
cardíaca e da sua força de contração. Tudo isso acontece de forma a
preservar o fluxo de sangue nos órgãos vitais (rins, coração e cérebro).

Quando há sinais clínicos evidentes de instabilidade hemodinâmica ou se a


fonte de perda de volume sanguíneo for explícita, o choque hemorrágico é
facilmente diagnosticado. No entanto, podem ocorrer situações nas quais as
manifestações desta patologia são imprecisas, podendo ser facilmente
confundida com outro tipo de choque ou até mesmo não ser diagnosticada
como tal.

Classificação

A tabela 1 descreve a classificação da hemorragia em quatro classes


baseada nos sinais clínicos, sendo assim uma ferramenta muito útil para
estimar em percentual a perda volêmica. Porém, esses valores servem
apenas como um guia para o tratamento inicial, uma vez que o sangramento
pode ser continuado9.

Hemorragia classe I pode ser comparada com a condição do doador de


uma unidade de concentrado de hemácias e não representa risco inicial.
Nesta situação, o paciente pode não apresentar alterações hemodinâmicas e
não há necessidade de reposição. Na maioria dos casos, os mecanismos

05
compensatórios restauram o volume sanguíneo em 24h3,9.

88
hemorrágico
Choque e controle Hemorragia classe II é dita como não complicada, representando uma
perda de volume sanguíneo de até 30%. Os sinais clínicos aqui incluem
taquicardia, taquipneia e redução da pressão de pulso. Pode haver
necessidade de transfusão, mas a maior parte dos pacientes estabiliza
apenas com a reposição de cristaloides3,9.

Hemorragia classe III é definida como perda volêmica entre 30-40%, sendo
um estado hemorrágico mais complicado e grave. Esses pacientes possuem
sinais clássicos de hipoperfusão, assim como queda da pressão sistólica,
taquicardia importante (>120bpm), taquipneia e alterações neurológicas.
Como tratamento, é indicado transfusão de concentrado de hemácias e
hemoderivados, além de interromper a hemorragia3,9.

Hemorragia classe IV nesse grau o paciente perdeu tanto sangue que


existe uma ameaça eminente de vida. Os sintomas são mais acentuados e
incluem taquicardia marcante, queda significativa da pressão arterial sistólica,
redução da pressão de pulso, débito urinário desprezível, rebaixamento do
nível de consciência e pele fria, cianótica e úmida. Esses pacientes
necessitam de transfusão sanguínea rápida e maciça, além de intervenção
cirúrgica imediata3,9.

Classificação da Hemorragia. Tabela abordando as 4 classes de hemorragia e suas


características clinicas.
Fonte: ATLS, 2018.

O choque não hemorrágico inclui o choque cardiogênico, séptico, anafilático


e o neurogênico.

5.4.2 Choque Cardiogênico


O choque cardiogênico é a síndrome causada por patologias cardíacas que
deterioram de forma aguda ou crônica o miocárdio, levando à falência da
bomba, redução do débito cardíaco, e, como consequência, a incapacidade

05
de distribuir sangue suficiente para manter a perfusão tecidual adequada10.

89
hemorrágico
Choque e controle O choque cardiogênico tem o infarto agudo do miocárdio como causa mais
comum. Nessa população, apesar do tratamento adequado, a mortalidade
pelo choque cardiogênico é extremamente elevada, ficando entre 50-80%. No
trauma, o choque cardiogênico pode ser causado por uma função cardíaca
inadequada, secundária à uma contusão torácica que gera tamponamento
cardíaco, arritmia cardíaca, lesão direta de uma válvula, embolia gasosa
ou, mais raramente, infarto do miocárdio associado ao trauma8,9.

Para o diagnóstico clínico do choque cardiogênico, além da hipotensão


arterial, devem estar presentes sinais de má perfusão tecidual, incluindo
oligúria, alterações da consciência e extremidades frias e cianóticas. Isso se
deve pela ativação simpática na tentativa de compensar a má perfusão
tecidual, todavia, nesse choque a bomba de propulsão (coração) está
comprometida. Para fazer o diagnóstico é importante documentar a disfunção
miocárdica e excluir outros possíveis fatores precipitantes reversíveis como a
hipovolemia, hipoxemia e acidose5,6.

5.4.3 Choque Anafilático


O choque da anafilaxia pode levar à morte rapidamente se não for tratado.
Este choque é comumente encontrado em pacientes com reações alérgicas
graves mediadas por imunoglobulina E (IgE), que ocorrem minutos após a
exposição ao antígeno específico, pelo qual é previamente sensível. Inúmeras
substâncias podem causar o choque anafilático, dentre elas picadas de
insetos, alimentos e drogas. A interação antígeno-anticorpo provoca a
degranulação de mastócitos com consequente liberação maciça de histamina,
bradicinina, PGD2 e outros mediadores. Tais substâncias condicionam uma
intensa resposta vasodilatadora, diminuindo o retorno venoso e
aumentando a permeabilidade vascular, resultando em hipotensão arterial,
insuficiência respiratória por broncoespasmo, podendo ou não estarem
associados a urticária e/ou angioedema. O grau de hipersensibilidade do
indivíduo irá definir a intensidade dessa reação, podendo em alguns casos
resultar em óbito em poucos minutos7,9.

5.4.4 Choque Neurogênico


O choque neurogênico ocorre pela injúria no centro vasomotor do sistema
nervoso central, levando à súbita perda do tônus vascular e vagal. No
trauma, isso pode acontecer por traumatismo cranioencefálico grave e/ou
lesão da medula espinhal, o que resultará na interrupção das vias
autonômicas. Isso gerará dilatação das arteríolas (com redução da pós-
carga) e das vênulas (redução da pré-carga por diminuição do retorno venoso)
que, em última análise, pode resultar na redução do débito cardíaco8,9.

5.4.5 Choque Séptico


O choque séptico resulta da resposta sistêmica a uma infecção grave,
porém não é comum ocorrer imediatamente após o trauma. É uma situação
mais frequente em idosos, imunodeprimidos, doentes sujeitos a
procedimentos invasivos, mas principalmente naqueles pacientes

05
politraumatizados que demoram algumas horas para chegar ao Pronto
Socorro. Na fase inicial do choque séptico, os doentes podem ter poucas
alterações hemodinâmicas, apresentando normovolemia, discreta
90
hemorrágico
Choque e controle taquicardia, pele rósea e quente, pressão sistólica próxima do normal e
alargamento da pressão de pulso9.

5.5 MANEJO INICIAL DO CHOQUE HEMORRÁGICO


O principal objetivo do manejo inicial do choque é parar o sangramento e
repor a perda de volume, e isso deve acontecer assim que o
sangramento/choque é identificado9.

É importante lembrar que o choque hemorrágico é o principal entre as


vítimas de trauma, portanto, a conduta vai ser baseada nesse tipo, a menos
que outro tenha sido identificado9.

Lembre-se que, como em todo paciente traumatizado, a avaliação,


diagnóstico e tratamento devem ser iniciados a partir do ABCDE8:

• A: SEMPRE estabelecer uma via aérea pérvia e assegurar o controle


cervical;
• B: garantir ventilação e oxigenação adequadas. Se necessário o oxigênio
suplementar pode ser utilizado;
• C: focar no controle de hemorragias óbvias através de compressão direta,
torniquetes, lençol ou fixadores pélvicos e buscar causas internas. Além
disso, sempre buscar acesso venoso adequado e monitorizar a perfusão
tecidual;
• D: realizar um breve exame neurológico para determinar nível de
consciência do paciente, a resposta pupilar, resposta motora, nível de
sensibilidade. Essas informações são úteis para verificar perfusão cerebral,
acompanhar evolução de danos neurológicos e prever grau de recuperação
futura;
• E: no final da avaliação, despir o paciente por completo e procurar por
outras lesões, sempre atento para prevenção de hipotermia.

5.5.1 Outras Medidas de Manejo Inicial

5.5.1.1 Descompressão Gástrica


A passagem de uma sonda nasogástrica ou orogástrica para
descompressão pode ser usada em pacientes inconscientes com distensão
gástrica devido a maior chance de aspiração do conteúdo gástrico. A sonda
diminui, porém não exclui completamente o risco de aspiração.

Segundo o ATLS, a dilatação gástrica é comum em pacientes traumatizados,


principalmente em crianças e pode causar hipotensão ou disritmia cardíaca
geralmente por estimulo vagal excessivo.

5.5.1.2 Cateterismo Vesical


Permite a avaliação da urina, pesquisa de hematúria e monitorização da
perfusão renal.

05 91
Choque e controle
hemorrágico
Quando houver presença de sangue no meato uretral ou próstata não
palpável é necessário realizar exame de imagem antes da inserção da
sonda vesical.

5.5.1.3 Acessos Vasculares


Deve ser obtido imediatamente9!

Segundo o ATLS, devem ser usados preferencialmente cateteres venosos


periféricos (mínimo abocath 18 em adultos) nas veias antecubitais e do
antebraço.

No caso de dificuldade para obter acesso periférico, como é o caso de


idosos, obesos e usuários de drogas intravenosas, pode ser considerado
acesso intraósseo. Ele também é preferível em crianças menores de 6 anos.

OBS: assim que o acesso for iniciado, realizar coleta de exame de tipagem
sanguínea, prova cruzada, laboratório apropriado para o caso do paciente,
toxicológico e teste de gravidez em mulheres em idade fértil. Também pode
ser realizada uma gasometria arterial nesse momento9.

Em caso de hemorragia intensa e hipotensão severa devem ser usados


aquecedores de fluidos e bombas de infusão rápida.

5.6 RESSUsCITAÇÃO VOLÊMICA INICIAL


O manejo inicial da hemorragia irá variar de acordo com os tipos de lesões,
sinais vitais, extensão da hemorragia, recursos disponíveis e necessidade de
transferência2.

A ressuscitação deve iniciar com administração de soluções isotônicas


aquecidas. Em adultos, inicialmente é infundido 1L em bolus de solução
cristaloide e, para crianças com peso menor que 40Kg deve ser administrado
20mL/kg9.

Deve-se sempre ficar atento para a quantidade de fluidos que o paciente


possa ter recebido no atendimento pré-hospitalar porque essa quantidade
deve estar incluída na ressuscitação inicial.

É importante entender que a infusão excessiva de cristaloides em pacientes


com necessidade de transfusão sanguínea é associada com piores
prognósticos. Então, nesses pacientes deve ser administrado cristaloides até
que os hemoderivados estejam disponíveis ou até que PAS ≥ 90mmHg2. NÃO
realizar apenas infusão excessiva de fluidos na tentativa de controlar a
hipotensão.

Os cristaloides, durante a ressuscitação volêmica, têm como objetivo repor


volume intravascular para que a perfusão tecidual seja recuperada. Porém se
houver infusão excessiva antes da hemorragia ser totalmente controlada e a
PA aumentar rapidamente, pode haver aumento do sangramento. Por isso,

05
SEMPRE procurar a fonte do sangramento ao mesmo tempo que repõe
volume perdido.

92
hemorrágico
Choque e controle Partindo desse princípio de que o excesso de fluidos pode causar efeitos
adversos e piora do prognóstico, surge o conceito de HIPOTENSÃO
PERMISSIVA/ RESSUSCITAÇÃO HIPOTENSIVA, que consiste na infusão
limitada de cristaloides aquecidos. É definida pelo ATLS como a aceitação de
uma PA abaixo dos níveis normais mesmo após o início da ressuscitação para
evitar ressangramento. Essa abordagem aumenta sobrevida e diminui a
necessidade de transfusão sanguínea1.

É de suma importância manter monitorização constante do paciente. Débito


urinário, função do SNC, coloração da pele, retorno do pulso e valores da PA
são essenciais para avaliar resposta do paciente e melhora/piora da perfusão
e oxigenação tecidual.

5.6.1. RESPOSTA INICIAL A RESSUSCITAÇÃO VOLÊMICA


Para verificar a resposta do paciente à terapêutica inicial podem ser usados
os mesmos sinais e sintomas que foram úteis para o diagnóstico do choque.
Segundo o ATLS, retorno da pressão sanguínea a normalidade, pressão de
pulso e frequência de pulso são sinais que sugerem melhora da perfusão.
Entretanto, não oferecem informação sobre a perfusão dos órgãos. Para
obter informações úteis sobre a perfusão dos órgãos, pode-se usar valor do
débito urinário.

• Débito urinário é um valor indicativo de perfusão renal. Quando a


ressuscitação volêmica for adequada, deve-se encontrar valores
aproximados de 0,5ml/kg/hora em adultos, 1ml/kg/hora em crianças
acima de 1 ano e em crianças menores 2ml/kg/hora9. A diminuição
desses valores sugere que a ressuscitação foi inadequada e a
administração de fluidos deve ser aumentada. Atenção para uso prévio de
diuréticos, lesão renal ou hiperglicemia acentuada.

5.6.2. TIPOS DE RESPOSTA TERAPÊUTICA


A resposta inicial do paciente à ressuscitação volêmica é fundamental para
que possam ser determinados diagnóstico e plano de tratamento futuro.

De acordo com o padrão de resposta, pode-se estimar a quantidade de


sangue perdida e determinar quais pacientes precisam de intervenção
cirúrgica para correção da hemorragia.

Os tipos de resposta terapêutica são: resposta rápida, resposta transitória e


resposta mínima/ sem resposta9.

5.6.3. RESPOSTA RÁPIDA


Nesse caso, os pacientes respondem rapidamente a administração dos
fluídos iniciais em bolus e mantêm resposta hemodinâmica normal. Não
aparecem sinais de perfusão e oxigenação inadequadas. Pacientes que
apresentam resposta rápida normalmente perderam menos de 15% do
volume sanguíneo (classe I de hemorragia).

05 Assim que o paciente apresente essa resposta, os fluidos podem passar a


ser administrados em dose de manutenção.
93
hemorrágico
Choque e controle Porém, mesmo com a melhora dos sinais vitais, o paciente ainda precisa ser
avaliado por um cirurgião, visto que ainda pode necessitar de intervenção
cirúrgica.

5.6.4. RESPOSTA TRANSITÓRIA


Nesse tipo de resposta, ocorre melhora dos parâmetros quando e o bolus
inicial é infundido, porém, assim que os fluidos são reduzidos a doses de
manutenção o paciente começa a apresentar sinais de perfusão tecidual
inadequada. Essa deterioração dos níveis pode indicar que o paciente ainda
está perdendo sangue ou que a reanimação foi inadequada.

Estima-se que a maior parte desses pacientes inicialmente perderam em


torno de 15 a 40% de seu volume sanguíneo.

Nesse caso, pode ser considerada a transfusão de sangue e hemoderivados,


porém o mais importante é reconhecer a hemorragia ativa e corrigi-la
rapidamente.

5.6.5. RESPOSTA MÍNIMA OU SEM RESPOSTA


Ocorre falha na resposta à reposição inicial de fluidos. De acordo com o
ATLS, esses casos requerem intervenção imediata e definitiva por via
cirúrgica ou por angioembolização por exemplo, para controle da hemorragia
ativa.

Pacientes com sangramento ativo não devem ser ressuscitados até que se
tenha controle da hemorragia ativa8.

Nesses casos, deve ser iniciado o protocolo de transfusão maciça.

Tipos de resposta terapêutica. Tabela abordando as diferentes respostas terapêuticas e


suas características.
Fonte: ATLS,2018.

05 94
hemorrágico
Choque e controle 5.6.6. ADMINISTRAÇÃO DE SANGUE
A administração de sangue e hemoderivados deve ser realizada nos
pacientes que apresentam resposta transitória ou resposta mínima a
ressuscitação inicial – pacientes em classe III e IV de hemorragia, na maioria
dos casos. Nesses cenários, a transfusão deve ocorrer precocemente como
parte do plano terapêutico de ressuscitação.

O ideal, antes da transfusão, é que o sangue do paciente passe pela Prova


Cruzada para que seja testado e comprovado a compatibilidade. Contudo, na
maioria dos serviços, o resultado do teste pode levar até 1 hora. Em caso de
hemorragia ativa, pode ser administrado sangue tipo O+ ou O- em homens
e sangue O- em mulheres em idade fértil até que o sangue específico
chegue.

Em casos de pacientes que possuam hemotórax maciço, pode-se realizar a


autotransfusão, na qual o sangue drenado em equipamento estéril, após ser
anticoagulado, é reinserido na circulação. Exige-se, contudo, que haja
transplante adicional de plaquetas e plasma, devido a presença de baixos
fatores de coagulação neste sangue.

Durante todo o atendimento do paciente em choque hemorrágico, como já


discutido acima, é muito importante prevenir e reverter hipotermia. Antes da
infusão, é indispensável o uso de aquecedores de sangue mantendo-o a
39°C.

Outra complicação comum em pacientes traumatizados e em choque


hemorrágico é a coagulopatia. Está presente em 30% dos pacientes que não
fazem uso de anticoagulantes e pode ser causada pela diluição ou consumo
dos fatores de coagulação. Isso pode acontecer pela injuria e hemorragia
causadas pelo trauma e, inclusive, pode ser causada pela infusão maciça de
fluidos. A tromboelastografia e a tromboelastometria rotacional são exames
que, se disponíveis, auxiliam na avaliação da coagulopatia. Pacientes com
distúrbios de coagulação devem realizar estudos de TP, TTPa e
contagem de plaquetas durante a primeira hora de atendimento.

5.6.7. PROTOCOLO DE TRANSFUSÃO MACIÇA (PTM)


Uma pequena porcentagem de pacientes com choque hemorrágico requer
transfusão maciça, que é definida como mais de 10 unidades em 24 horas
ou mais de 4 unidades em 1 hora.

Pode ser utilizado o protocolo ABC (assessment of blood consumption), que


estabelece 4 critérios observados na chegada do paciente. Cada um
representa 1 ponto e quando a somatória é ≥ 2 pontos é indicado PTM2. São
eles:

• Trauma penetrante
• FAST +
• PAS ≤ 90

05
• FC ≥ 120

95
hemorrágico
Choque e controle 5.6.8. E QUANDO OCORRE FALHA A TERAPIA?
A principal causa de falha a terapia de reposição é uma hemorragia contínua
e não diagnosticada. Esses pacientes normalmente se enquadram na
categoria de resposta transitória ou mínima/ sem resposta discutidas
anteriormente9.

Além da pesquisa de outros sangramentos não diagnosticados, deve-se ficar


alerta para outras causas de falha a terapia como tamponamento cardíaco,
pneumotórax hipertensivo, problemas ventilatórios, causas não reconhecidas
de perda de fluidos, distensão gástrica aguda, IAM, acidose diabética,
hipoadrenalismo e choque neurogênico.

É importante SEMPRE manter a avaliação constante para que os problemas


sejam reconhecidos precocemente9.

5.6.9. SITUAÇÕES ESPECIAIS


• IDADE AVANÇADA: ocorre um decréscimo da atividade simpática no
sistema cardiovascular por conta do processo de envelhecimento. Por isso,
muitos pacientes idosos não apresentam aumento da FC ou aumento da
contração miocárdica quando perdem sangue, o que faz com que não
apareça alteração nos sinais vitais em grande parte dos casos. Isso
contribui para a dificuldade de diagnóstico de choque.
• GESTAÇÃO: Durante a gestação ocorre, fisiologicamente, uma
hipervolemia. Deste modo, a mãe pode chegar a perder 20% do volume
total de sangue até que apresente anormalidade dos sinais vitais. É
necessário sempre solicitar consulta com o obstetra para avaliação. Além
disso, a manobra de deslocamento do útero para a esquerda pode auxiliar
na melhora do débito cardíaco2.
• MEDICAMENTOS: Pacientes que fazem uso de betabloqueadores e
bloqueadores de canal de cálcio podem ter a resposta hemodinâmica à
hemorragia alterada significativamente. Além desses, pacientes em uso
prolongado de diuréticos podem fazer uma hipocalemia e o uso de AINHs
pode alterar a função plaquetária.

05 96
hemorrágico
Choque e controle 5.7. Resumo e Fluxograma

05 97
hemorrágico
Choque e controle 5.8. Referências
1.CARREIRA, Paulo Roberto Lima. Hipotensão permissiva no
trauma. Revista Médica de Minas Gerais, [s. l.], 10 nov. 2014.

2.COLWELL, C. Initial management of moderate to severe hemorrhage in the


adult trauma patient. UpToDate , [s. l.], 15 nov. 2020.

3.GOLDMAN, Lee; AUSIELLO, Dennis. Cecil Medicina Interna. 1 VOL. 24.


ed. Saunders: Elsevier, 2012.

4.GUYTON, A.C.; HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 12. ed. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2011.

5.HU Revista, Juiz de Fora, v. 40, n. 1 e 2, p. 73-78, jan./jun. 2014

6.LONG, Dan L. et al. Medicina Interna de Harrison. 18 ed. Porto Alegre,


RS: AMGH Ed., 2013.

7.LOPES, A.C; AMATO NETO, V. Tratado de Clínica Médica. 3 vol. 1. ed.


São Paulo: Roca, 2006.

8.MOORE, E.E.; FELICIANO, D.V.; MATTOX, K.L. Trauma. 8 . ed. [S. l.]: Mc
Graw Hill, 2017.

9.AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS. ATLS: Advanced Trauma Life


Support - Student Course Manual. 10th. ed. Chicago: American College of
Surgeons, 2018.

05 98
e Pélvico
Trauma Abdominal 6.1. Introdução
O trauma abdominal é uma situação frequentemente encontrada na
emergência, responsável por causar inúmeras mortes evitáveis. A avaliação
do mecanismo e energia do trauma, localização da lesão e estado
hemodinâmico auxilia na definição da prioridade e do método de avaliação do
paciente. O acometimento de vísceras sólidas ou grandes vasos pode resultar
em sangramentos importantes. Volumes significativos de sangue podem ser
encontrados na cavidade abdominal sem que resultem em alterações
drásticas no tamanho abdome, podendo até não causar uma irritação
peritoneal visível.

A avaliação do abdome e pelve exige cautela, pois eventos como ruptura de


vísceras ocas, lesão de órgãos sólidos e sangramentos da pelve podem não
ser reconhecidos facilmente. Além disso, sintomas abdominais podem ser
mascarados pela alteração do nível de consciência devido à um trauma
craniano ou pelo uso de substâncias, e também pela presença de outras
lesões associadas ou dores referidas.

6.2. Anatomia
O conhecimento da anatomia abdominal auxilia na avaliação de uma vítima
de trauma nessa região, pois norteia qual orgão pode ter sido afetado e se há
necessidade de intervenção cirúrgica. O abdome é dividido em: transição
toracoabdominal, abdome anterior, flanco e dorso. A transição
Autores: toracoabdominal compreende a área abaixo da linha transmamilar
(anteriormente) e linha infraescapular (posteriormente) até os bordos costais,
Ana Claudia e contém o diafragma, fígado, baço e estômago.
Janiszewski Goes
O abdome anterior é delimitado pelo rebordo costal superiormente,
Danilo Mardegam ligamento inguinal inferiormente e lateralmente pela linha axilar anterior. A
Razente superfície abdominal pode ser dividida em quatro quadrantes, dois superiores
e dois inferiores, que são separados por uma linha que passa horizontalmente
Elton Wolaniuk na altura da cicatriz umbilical. A linha vertical inicia no apendice xifóide
estendendo-se até a sinfise púbica, e divide os quadrantes em esquerdo e
Lucas Pegoretto
direito. O conhecimento dessas referências anatômicas é importante para
Thaisa Frediani nortear qual órgão pode ter sido afetado. O quadrante superior esquerdo
Bergamaschi contêm maior parte do baço e estômago, enquanto que o direito compreende
a maior parte do fígado e a vesícula biliar. Já os quadrantes inferiores
esquerdo e direito contêm predominantemente o intestino.
Atualização:
Andressa O flanco está localizado entre as linhas axilares anterior e posterior e o dorso
Sakamoto Aoki compreende a região posterior da linha axilar anterior, ponta das escápulas e
cristas ilíacas. Esses dois locais contêm os órgãos retroperitoneais e
Amanda dos englobam o espaço posterior ao revestimento peritoneal, onde estão
Santos Tiodózio localizados vasos importantes como aorta abdominal e veia cava inferior. As
Gabriela Redivo lesões de vísceras retroperitoneais possuem diagnóstico mais complicado
Ströher pela dificuladde de realização do exame físico. Além disso, a localização
prejudica o acesso pelo lavado peritoneal diagnóstico e para realização de

06
uma ultrassonografia direcionada (FAST) adequadamente.

99
e Pélvico
Trauma Abdominal

Regiões abdominais.
Arte: Andressa Sakamoto Aoki.

6.3. Mecanismo do trauma


Como dito anteriormente, lesões intra-abdominais não são tão claras,
portanto, o mecanismo do trauma irá auxiliar na identificação de lesões de
maneira mais rápida. O trauma abdominal é dividido em contuso (fechado) e
penetrante (aberto).

6.3.1. Trauma Abdominal Contuso


A contusão abdominal é resultado de uma ação ou força súbita exercida
contra o abdome, podendo ser causada por uma desaceleração brusca,
forças mecânicas como compressão, agentes químicos e elétricos, sendo
Mmais comuns os acidentes automobilísticos, golpes e quedas acidentais.
Estas forças podem causar lesões de vísceras parenquimatosas e/ou ocas. A
ruptura de vísceras maciças causa grande perda sanguínea, podendo resultar
em choque hipovolêmico, enquanto os órgãos ocos lesionados liberam
secreções digestivas que podem resultar em uma irritação peritoneal.

O órgão mais frequentemente afetado em contusões abdominais, sendo


submetido à laparotomia exploratória é o baço (40-55%), seguido do fígado
(35-45%) e intestino delgado (5-15%). As vítimas de acidentes
automobilísticos frequentemente sofrem lacerações de fígado e baço nos
ligamentos de sustentação que fazem a fixação do órgão, resultante da força
de desaceleração abrupta do veículo.

6.3.2. Trauma Abdominal Penetrante


O trauma penetrante ou aberto, por sua vez, é resultado da violação da
cavidade abdominal por lesões de baixa energia como ferimentos por arma
branca (FAB) ou lesões de alta energia como ferimentos por arma de fogo
(FAF). Os agentes penetrantes causam lesões de forma direta em função da
trajetória e estrutura que atravessa.

Os ferimentos por arma branca (FAB) afetam, com maior frequência, o fígado
(40%), depois o intestino delgado (30%) e o diafragma (20%). Já os ferimentos

06
por arma de fogo (FAF) causam maiores danos em função da trajetória,
podendo ricochetear em estruturas ósseas, pela energia cinética dissipada
gerando cavitações, além do projétil poder se fragmentar e lesionar estruturas

100
e Pélvico
Trauma Abdominal adjacentes. Os órgãos mais frequentemente envolvidos são o intestino
delgado (50%), cólon (40%), fígado (30%) e estruturas vasculares (25%).

6.4. Avaliação
O tratamento do trauma abdominal começa na cena e continua até a
chegada do paciente ao departamento de emergência. Para a seleção correta
da melhor conduta a ser seguida, deve-se coletar a história do trauma, realizar
um exame físico cuidadoso e utilizar, quando necessário, ferramentas
diagnósticas complementares, que auxiliam a estabelecer a presença de
lesões abdominais e pélvicas que requerem um controle urgente.

6.4.1. História
A história do trauma pode ser coletada através do próprio paciente,
testemunhas do ocorrido, socorristas ou policiais. Os prestadores de cuidados
pré-hospitalares devem fornecer dados relativos aos sinais vitais, lesões
evidentes e resposta do paciente ao manejo pré-hospitalar. É extremamente
importante avaliar a energia e os mecanismos do acidente, visto que tais
fatores podem interferir na posterior conduta médica.

Ao examinar um paciente ferido em um acidente de veículo motorizado, por


exemplo, as informações pertinentes incluem a velocidade do transporte, o
tipo da colisão (impacto frontal, lateral, traseiro ou capotamento), qualquer
intrusão no compartimento do passageiro, utilização de airbags, posição do
paciente no veículo e status de outros ocupantes. Em ferimentos por queda
de outro nível, a altura da queda é uma informação pertinente devido ao
aumento do potencial da lesão por desaceleração em alturas maiores. Ao
avaliar um paciente que sofreu um trauma penetrante, as informações
relevantes incluem o tempo da lesão, o tipo de arma (faca, revólver, rifle ou
espingarda), distância do agressor, número de ferimentos por arma de fogo
ou branca e a quantidade de sangramento externo observada no local. As
explosões podem causar lesões por sobrepressão visceral, sendo que o risco
aumenta quando o paciente está próximo a ela e quando ocorre em um
espaço fechado.

O quadro clínico mais frequente de um paciente com trauma abdominal é o


de choque hemorrágico (ou hipovolêmico), cujos principais sintomas são
palidez, sudorese, pulso filiforme ou ausente, cianose de extremidades e
hipotensão arterial.

6.4.2. Exame Físico


O exame abdominal é realizado em uma sequência sistemática, iniciando-
se por inspeção, ausculta, percussão e palpação, seguido do exame pélvico
por meio do toque retal e vaginal, exame do períneo e avaliação da
estabilidade pélvica. O paciente deve ser totalmente despido para que todas
as lesões sejam encontradas – escoriações, contusões, lacerações, feridas
penetrantes, corpos estranhos, evisceração do omento ou intestino e estado

06
de gravidez.

101
e Pélvico
Trauma Abdominal A ausculta diminuída ou ausente pode acontecer na presença de sangue
livre na cavidade peritoneal. A percussão e a palpação trabalham juntas para
verificar a existência de contrações involuntárias da musculatura abdominal,
o que sugere irritação peritoneal.

Em relação ao exame pélvico, deve-se inspecionar escroto, meato uretral e


região perineal à procura de sangue, edema e hematomas, visto que tais
sinais podem estar relacionados à fratura da pelve com provável lesão de
uretra, o que contraindica a sondagem vesical. O toque retal, essencial no
paciente politraumatizado, fornece informações sobre sangramentos,
fragmentos ósseos pélvicos que penetram a região, crepitação da parede
posterior do reto (retropneumoperitôneo), integridade da mucosa retal e atonia
esfincteriana (lesão medular). Quando houver suspeita de lesões, a vagina
deverá ser examinada, buscando sangramentos, presença de espículas
ósseas (fraturas pélvicas) e sinais de violência sexual.

Para avaliação da estabilidade pélvica, deve ser realizado o procedimento


manual da avaliação, somente quando necessário e por uma única vez, sendo
contraindicado em pacientes com choque e fratura pélvica observada na
inspeção. Quando necessário, a pelve pode ser estabilizada provisoriamente
com um lençol, passando pelos trocanteres maiores dos fêmures. Após o
exame, deve-se cobrir o paciente a fim de evitar a hipotermia.

6.4.3. Medidas auxiliares ao exame físico


Após exame físico, diagnóstico e tratamento de problemas no atendimento
inicial do paciente, iniciam-se, frequentemente, medidas auxiliares ao exame
físico realizado.

6.4.3.1. Sonda Nasogástrica


Tem como objetivo o alívio da dilatação gástrica aguda e descompressão do
estômago, diminuindo o risco de aspiração. No entanto, a passagem do tubo
pode desencadear vômitos em pacientes com reflexo de vômito ativo. Além
disso, a presença de sangue no conteúdo gástrico sugere lesão do trato
gastrointestinal superior, caso as fontes nasofaríngeas e/ou orofaríngeas
sejam excluídas.

Caso o paciente apresente fraturas faciais graves ou possível fratura da base


do crânio, é contraindicado a inserção da sonda nasogástrica, optando-se por
uma sonda orogástrica, visando evitar a passagem do tubo nasal através da
placa cribriforme para o cérebro.

6.4.3.2. Sonda Vesical


Auxilia no alívio da retenção urinária, na avaliação do aspecto da urina e
permite o monitoramento do débito urinário, importante na avaliação da
resposta à reposição volêmica. Lembrar que seu uso é contraindicado em
casos de lesão uretral (uretrorragia, hematoma escrotal, pelve instável), sendo
necessária realização de uretrocistografia retrógrada. Caso não seja

06
detectada lesão na uretra, pode-se passar a sonda.

102
e Pélvico
Trauma Abdominal A hematúria macroscópica indica trauma no trato geniturinário, incluindo rins,
ureteres e bexiga, porém, a ausência da mesma não exclui a presença de
lesões.

6.4.3.3. Lavado Peritoneal Diagnóstico (LPD)


O LPD é uma maneira rápida de identificar hemorragias, sendo simples de
ser realizado e não necessitando de equipamentos sofisticados. A técnica é
mais útil em pacientes hemodinamicamente instáveis com trauma abdominal
fechado ou em pacientes com trauma penetrante com múltiplas trajetórias
cavitárias ou tangenciais aparentes.

Outras indicações para o LPD:

• Lesões de estruturas adjacentes, como fraturas de costelas inferiores,


fratura pélvica ou lombar;
• Achados duvidosos ao exame físico;
• Alteração da consciência: trauma de crânio, intoxicação por droga
depressora do sistema nervoso central;
• Modificações na sensibilidade: trauma raquimedular;
• Impossibilidade de seguimento clínico.

Os pacientes hemodinamicamente estáveis que requerem avaliação


abdominal em locais onde FAST e tomografia computadorizada (TC) não
estão disponíveis podem se beneficiar do LPD. Porém, se estiverem
disponíveis, o LPD raramente é usado, visto ser invasivo e necessitar de
experiência cirúrgica.

A contraindicação absoluta à esta técnica é a laparotomia já indicada. Já as


relativas incluem operações abdominais anteriores, obesidade mórbida,
cirrose avançada e coagulopatia preexistente. A aspiração de 10 mL ou mais
de sangue em pacientes hemodinamicamente instáveis requer laparotomia.

O LPD não permite diferenciar sangramentos de pequenas lesões daquelas


significantes, podendo, muitas vezes, resultar em laparotomias
desnecessárias. Além disso, não mostra localização e extensão das lesões e
nem aquelas de retroperitônio e, assim, não tem sensibilidade para as lesões
traumáticas do pâncreas, rins e porção retroperitoneal do duodeno.

6.4.3.4. Avaliação Focada com Sonografia para Trauma (FAST)


Em pacientes com instabilidade hemodinâmica, a exclusão rápida de uma
hemorragia intra-abdominal é necessária e pode ser realizada por meio do
FAST, que apenas é contraindicado quando houver critério para a realização
de uma laparotomia. Tal exame pode ser realizado no leito na sala de
emergência, ao mesmo tempo em que outros procedimentos diagnósticos ou
terapêuticos são realizados.

O objetivo do exame é detectar e quantificar líquido livre presente na


cavidade abdominal dos pacientes. O FAST possui as mesmas indicações de

06
realização quanto o LPD, contudo aquele substitui o LPD por ser de fácil
utilização, portátil, de rápida execução, pode ser repetido, não tem risco dos
efeitos da radiação e permite identificar tamponamento pericárdico, uma das
103
e Pélvico
Trauma Abdominal causas não hipovolêmicas de hipotensão. No entanto, alguns fatores
comprometem sua utilização, como obesidade, presença de enfisema
subcutâneo, presença de distensão abdominal por gases e cirurgias
abdominais prévias.

O FAST permite a avaliação de quatro regiões: saco pericárdico,


hepatorrenal, esplenorrenal e a pelve ou fundo de saco de Douglas.

6.4.3.5. Tomografia Computadorizada (TC)


A TC é um exame diagnóstico que resulta na exposição do paciente à
radiação e sua realização requer o transporte do paciente para o setor de
radiologia, deixando de ser monitorado na sala de emergência. Além disso, é
um procedimento demorado, portanto deve ser realizado apenas em
pacientes hemodinamicamente estáveis e que não apresentam indicação
aparente para uma laparotomia de emergência. A TC não deve ser realizada
se isso atrasar a transferência de um paciente para um nível superior de
atendimento.

Essa técnica fornece informações relativas à lesão e sua extensão em um


órgão específico e pode diagnosticar lesões de órgão retroperitoneal e
pélvico, o que é difícil de realizar no exame físico, FAST ou LPD. As
contraindicações relativas incluem o atraso da disponibilidade do aparelho de
tomografia, paciente não cooperativo e alergia ao agente de contraste. A TC
pode não detectar algumas lesões gastrointestinais, diafragmáticas e
pancreáticas.

Na ausência de lesões hepáticas ou esplênicas, a presença de líquido livre


na cavidade abdominal sugere lesão do trato gastrointestinal e/ou mesentério,
sendo que muitos cirurgiões de trauma acreditam que esse achado seja uma
indicação para intervenção cirúrgica precoce.

06 104
e Pélvico
Trauma Abdominal

Comparação de métodos de avaliação.

06
Autora: Gabriela Redivo Ströher.

105
e Pélvico
Trauma Abdominal 6.4.3.6. Radiografias simples
Um raio-X de tórax é recomendado para avaliar vítimas com trauma fechado
multissistêmico. Se o paciente estiver hemodinamicamente normal e tiver
trauma penetrante acima do umbigo ou suspeita de lesão toracoabdominal, o
exame pode ser realizado em posição ortostática, a fim de excluir um
hemotórax ou pneumotórax associado ou ainda determinar a presença de ar
intraperitoneal.

Em caso de ferimentos penetrantes em pacientes estáveis, usa-se


marcadores radiopacos em cima das lesões a fim de que a radiografia mostre
o caminho percorrido, tanto de entrada como de saída e a presença de ar
retroperitoneal. A obtenção de duas incidências (AP e perfil) pode permitir a
orientação espacial de corpos estranhos.

Uma radiografia pélvica AP pode ajudar a estabelecer a origem da perda de


sangue em pacientes hemodinamicamente instáveis e quando dor ou
sensibilidade pélvica.

6.4.3.7. Radiografias contrastadas


Os estudos de contraste podem ajudar no diagnóstico de lesões
especificamente suspeitas, mas não devem atrasar o atendimento de
pacientes hemodinamicamente instáveis. São elas:

• Uretrografia: deve ser realizada antes da inserção de um cateter urinário


quando houver suspeita de lesão uretral.
• Cistografia: método mais eficaz para diagnosticar uma ruptura
intraperitoneal ou extraperitoneal da bexiga
• Pielograma intravenoso: alternativa para avaliação de lesões no sistema
urinário quando a TC não estiver disponível.
• Estudos de contraste gastrointestinal: indicados em casos particulares
de suspeita de lesões isoladas em estruturas gastrointestinais
retroperitoneais, como duodeno, cólon ascendente ou descendente, reto,
trato biliar e pâncreas

6.4.3.8. Exames laboratoriais


Além da tipagem sanguínea e das provas cruzadas, amostras de sangue
podem ser utilizadas para medidas de hematócrito, hemoglobina, leucócitos,
amilase, dosagem de álcool ou outras drogas e testes de gravidez em
mulheres traumatizadas em idade fértil. Os valores iniciais de hematócrito e
hemoglobina não refletem a quantidade de sangramento intra-abdominal e
servem como base de comparação para os próximos exames, caso se alterem
com o tempo.

Exames laboratoriais seriados mostrando queda da hematimetria,


aparecimento de leucocitose e aumento da amilase podem ser indícios de
lesão abdominal oculta. Além disso, o exame de urina pode auxiliar na
constatação da presença de micro-hematúria, sugerindo possível lesão no

06
sistema urinário em pacientes hemodinamicamente instáveis na admissão.

106
e Pélvico
Trauma Abdominal 6.5. Laparotomia, suas funções e indicações:
A função principal da Laparoscopia no trauma abdominal é diagnóstica,
uma vez que ela torna possível a identificação de líquidos e suas origens,
como fígado, baço e diafragma, por exemplo. A Cirurgia Laparoscópica, além
de diagnóstica, pode ser terapêutica, pois realiza-se o reparo da lesão logo
após encontrá-la. Contudo, ainda existem limitações para a utilização da
Laparoscopia no âmbito emergencial, como o alto custo, equipe devidamente
treinada, centro cirúrgico e anestesia geral.

A existência de ferimentos penetrantes é a principal indicação para a


realização de uma Laparoscopia. É contraindicada para pacientes instáveis e
com ferimentos em dorso, devido a riscos como embolia gasosa e
pneumotórax hipertensivo por um pneumoperitônio. Além dos ferimentos
penetrantes, outras indicações especificas são:

• Pacientes estáveis com FAB em transição toracoabdominal;


• Pacientes estáveis com trauma em parede abdominal anterior;
• Pacientes com ferimentos tangenciais por arma de fogo de parede
abdominal anterior e flanco;
• Falha do tratamento conservador de uma lesão contusa;
• Paciente estável com ferimento em pelve.

6.5.1. Laparotomia Exploradora:


Haverá casos em que apenas o exame clínico inicial e a realização de um
FAST não fornecerão informações seguras e precisas a respeito das lesões.
Deste modo, em caso de dúvida, a realização de Laparotomia Exploradora
pode ser necessária para a confirmação diagnóstica da lesão e,
possivelmente, sua imediata correção. As seguintes indicações são
frequentemente usadas para facilitar o processo de tomada de decisão para
realização de uma Laparotomia Exploradora:

• Trauma abdominal contuso com hipotensão e com FAST positivo ou


evidência clínica de sangramento intraperitoneal;
• Trauma abdominal penetrante ou contuso com LPD positivo;
• Hipotensão com ferida abdominal penetrante;
• Ferimento por tiro transfixando à cavidade peritoneal ou vísceras/vasos
retro peritoneais;
• Evisceração;
• Sangramento proveniente de estômago, reto ou trato geniturinário por
trauma penetrante;
• Peritonite;
• Ar livre, ar no retroperitônio ou ruptura de hemidiafragma;
• TC evidenciando ruptura de trato gastrointestinal, lesão de bexiga
intraperitoneal, lesão do pedículo renal ou grave lesão de parênquima
visceral por trauma contuso ou penetrante.

06 107
e Pélvico
Trauma Abdominal 6.5.2. Laparotomia Abreviada ou Cirurgia de Controle de Danos (CDC):
Procedimento que tem por objetivo controlar rapidamente focos
hemorrágicos e infecciosos, diminuindo as contaminações e,
consequentemente, o risco de óbito. Tal modalidade de Cirurgia
Laparoscópica possui suma importância, uma vez que em traumas
abdominais graves o paciente pode vir a óbito em poucas horas, devido à
Tríade Letal, caracterizada por: hipotermia, coagulopatia e acidose.

Tríade letal.
Autora: Amanda dos Santos Tiodózio.

Durante a Laparotomia Abreviada, é feita a compressão da cavidade


peritoneal com os órgãos mantidos na sua posição anatômica com
compressas cirúrgicas e realizada a síntese temporária da parede abdominal.
Posteriormente, o paciente é internado em UTI para controle dos déficits
fisiológicos e, em 24 a 48 horas, após o controle da temperatura corpórea, da
coagulação sanguínea e acidose metabólica, é levado novamente ao centro
cirúrgico para correção anatômica das lesões, dessa vez de forma definitiva.

6.6. diagnósticos específicos no trauma:


6.6.1 Baço:
Órgão mais comumente lesionado em traumas contusos do abdome.
Sempre que houver fratura de arcos costais ou dor subescapular à esquerda
(Sinal de Kehr), deve-se lembrar da possível associação desses fatores com
a lesão de baço.

Em pacientes estáveis hemodinamicamente com FAST e/ou LPD positivos,


deve-se solicitar uma TC para avaliar a extensão dos danos e a necessidade
de uma Laparotomia. A Associação Americana de Cirurgia do Trauma criou
uma escala que define graus de lesão esplênica, que vai do grau I a VI (tabela

06
abaixo). Pacientes estáveis que apresentem lesão de baço grau I a III (lesões
sem laceração e sem desvascularização de mais de 25 % do órgão
ou pulverização do órgão e lesão hilar com desvascularização esplênic

108
e Pélvico
Trauma Abdominal a), tem indicação de conduta expectante. Deverão ficar em UTI por 48 a
72h, permanecendo em repouso absoluto, com sonda nasogástrica. Medidas
seriadas do hematócrito (hmt) e avaliação clínica devem ser realizadas, uma
vez que, havendo queda no hmt requer TC imediata. Caso não ocorra
alteração, o paciente é transferido para unidade intermediária, torna-se
permitida a deambulação e a dieta é introduzida.

Escala de lesão esplênica.


Autora: Amanda dos Santos Tiodózio.

A Laparotomia exploradora está indicada no trauma esplênico nas seguintes


situações:

• Estabilidade hemodinâmica com sinais de irritação peritoneal;


• Instabilidade hemodinâmica com LPD ou FAST positivos;
• Lesões esplênicas de grau IV ou V, segundo Associação Americana de
Cirurgia do Trauma;
• Presença de coagulopatia.

Pacientes esplenectomizados devem ser submetidos à imunização contra


infecções pneumocócicas, meningococócias e Haemophilus Influenzae Tipo
B no 14º dia de pós-operatório.

6.6.2. Fígado e Vias Biliares


O fígado corresponde, estatisticamente, ao segundo órgão mais acometido
no trauma abdominal. Vítimas estáveis hemodinamicamente podem ser

06
acompanhadas de forma conservadora, mesmo àquelas com lesões mais
graves, como nos graus IV e V pela escala da AAST. Sendo assim, devem

109
e Pélvico
Trauma Abdominal permanecer em repouso por um período mínimo de 5 dias (associados às
primeiras 48 h em UTI), além disso, a dosagem de hmt seriada e a avaliação
clínica são indicadas. Caso o Hmt caia o paciente deverá ser submetido à
nova TC.

Em pacientes com extravasamento de contraste na fase arterial da TC, a


conduta varia da seguinte forma:

• Tipo I (extravasamento para cavidade peritoneal): indica-se Laparotomia;


• Tipo II (extravasamento para dentro do parênquima + hemoperitônio): é
indicada angiografia seguida de embolização para maioria dos pacientes e,
para alguns, Laparotomia;
• Tipo III (extravasamento para parênquima hepático): a angiografia tem
excelente resultado para tais casos.

6.6.3. Trauma do duodeno:


Devido à sua localização retroperitoneal, é acometido em apenas 3 a 5% dos
traumas abdominais. Se houver suspeita de trauma duodenal, deve-se
pesquisar sinal de retropneumoperitônio, caracterizado por dor lombar e em
flancos com irradiação até escroto, em homens e crepitação ao toque retal.
Além disso, na contusão abdominal ocorre aumento da amilase sérica em
metade dos casos.

Os sinais radiológicos incluem: apagamento da linha do músculo psoas,


discreta escoliose, ausência de ar no bulbo duodenal e ar no retroperitônio
delineando os rins.

6.6.4. Trauma do pâncreas:


Geralmente resulta de trauma direto em epigástrio, sendo comprimido contra
a coluna vertebral. Essa lesão pode não aparecer em um primeiro momento
na TC e o resultado da dosagem laboratorial de amilase pode vir normal.
Nenhum desses dois resultados são suficientes para excluir o trauma de
pâncreas. Caso haja suspeita de lesão, pode-se repetir a TC e realizar outros
exames de imagem. O valor aumentado da amilase pode indicar outras fontes
que não seja o pâncreas.

6.6.5. Trauma de vísceras ocas


Geralmente acontece por desaceleração súbita e posterior rasgo em pontos
de fixação das vísceras. Isso costuma acontecer em casos de uso errôneo do
cinto de segurança, que vai deixar em seu trajeto na pele uma região de
equimose.

Nos casos em que o diagnóstico pelo exame físico gerar dúvidas, pode-se
tentar realizá-lo com uma radiografia simples de tórax, a qual pode revelar
pneumoperitônio. Na TC de abdome, a presença de líquido livre em mais de
um quadrante, na ausência de lesão de vísceras maciças, é achado altamente
sugestivo de lesão intestinal.

06 6.6.6. Trauma do trato urinário:


110
e Pélvico
Trauma Abdominal O trauma da uretra deve ser suspeito em traumas de períneo, como o da
“queda em cavaleiro”. Os sinais consistem em equimose perineal, dor à
palpação do períneo, retenção urinária, uretrorragia, sangue no meato uretral,
próstata flutuante ou alta no toque retal. Na existência desses sinais é
fundamental realizar a uretrografia retrógada. Na abordagem inicial, realiza-
se uma cistostomia, para descomprimir a bexiga e monitorar o débito
urinário.

No trauma renal, acidentes automobilísticos, quedas, contusão direta e


fraturas de arcos costais inferiores são os principais mecanismos envolvidos.
A hematúria é a manifestação mais frequente. Em pacientes estáveis, a TC
com contraste venoso é o exame de escolha para análise do trauma renal. As
lesões renais menores (hematoma subcapsular e as lacerações ou contusões
corticais que não atingem as vias excretoras) são tratadas
conservador\amente, com repouso por um período de sete dias e ATB. Novo
exame de imagem é solicitado após um mês para verificar resolução do
processo. As lesões renais maiores (dano da via excretora) são abordadas
cirurgicamente por meio de laparotomia mediana.

No trauma ureteral, o exame de eleição para o diagnóstico é a TC, porém


também pode ser feita a urografia excretora. O tratamento consiste no
desbridamento, anastomose e proteção com cateter dupla J.

A ruptura extraperitoneal da bexiga geralmente é ocasionada por fragmentos


ósseos da fratura pélvica e a ruptura intraperitoneal decorre de traumatismos
localizados no interior da bexiga (bexiga cheia com impacto direto). O
diagnóstico é realizado por meio da cistografia. As lesões intraperitoneais são
corrigidas por sutura em planos através do acesso abdominal, com colocação
de cistostomia para derivação. Nas lesões extraperitoneais, o tratamento é
conservador, com a colocação de Sonda Vesical de Demora, sendo a cura
espontânea observada em 10 a 14 dias.

6.6.7. Fraturas pélvicas:


Podem ser classificadas como: estáveis (anel pélvico alinhado ou abertura
da sínfise púbica < 2,5cm) ou instáveis (anel pélvico deformado ou abertura
da sínfise púbica > 2,5cm).

As lesões do tipo B são as mais graves, tendo maior risco de sangramento.


Também são conhecidas como fraturas em “livro aberto”. As fraturas A e C
têm maior correlação com lesão de vísceras abdominopélvicas.

06
Tipos de lesão pélvica.
Fonte: ATLS, 2018.

111
e Pélvico
Trauma Abdominal Deve-se suspeitar de fraturas pélvicas sempre que houver instabilidade
hemodinâmica sem outra causa aparente, equimose na região, sinais de lesão
de órgãos geniturinários, rotação e assimetria de membros.

A radiografia simples em AP da pelve é suficiente para confirmar o


diagnóstico. Já o tratamento depende do tipo de fratura. Fraturas estáveis
são tratadas clinicamente, com repouso no leito. Fraturas instáveis devem ser
tratadas com uso de fixador externo anterior, associado ou não à fixação
interna. Nos pacientes com choque hipovolêmico deve-se fazer a reposição
hídrica vigorosa, além de submeter o paciente ao FAST e ao LPD, uma vez
que lesões abdominais associadas frequentes. Em caso de exame positivo,
proceder com Laparotomia, com posterior fixação interna na pelve pela
ortopedia.

06 112
e Pélvico
Trauma Abdominal 6.7. Referências
1.AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS. ATLS: Advanced Trauma Life
Support - Student Course Manual. 10th. ed. Chicago: American College of
Surgeons, 2018.

2.PEREIRA JR, Gerson Alves et al. Abordagem geral trauma abdominal.


Simpósio de Cirurgia de Emergência e Trauma. Medicina (Ribeirão Preto)
2007; 40 (4): 518-30, out./dez 2007.

3.RIBAS-FILHO, Jurandir Marcondes et al. Trauma abdominal: estudo das


lesões mais frequentes do sistema digestório e suas causas. ABCD, Arq.
Bras. Cir. Dig., São Paulo, v. 21, n. 4, p. 170-174. Dez, 2008.

4.PIMENTEL, Silvania Klug et al. Fatores de risco para óbito no trauma


abdominal fechado com abordagem cirúrgica. Rev. Col. Bras. Cir., Rio de
Janeiro, v. 42, n. 4, p. 259-264. Ago, 2015.

5.Colégio Americano de Cirurgiões. Comitê de Trauma. Savt Suporte


Avançado de Vida no Trauma para Médicos. 8a ed. Chicago, 2008. Brasil.

6.Ministério da Saúde. Política nacional de atenção às urgências. 3a ed.


Brasília, DF; 2006. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM n° 2.048, de 5 de
novembro de 2002.

06 113
neurológica
TCE e disfunção 7.1. Introdução
O traumatismo cranioencefálico (TCE) é o comprometimento da função
cerebral após forças diretas ou indiretas ao cérebro e são comuns na rotina
da emergência. A força de um objeto atingindo a cabeça ou uma lesão
penetrante causa lesão direta, já as lesões indiretas ocorrem por forças de
aceleração e/ou desaceleração que resultam do movimento do cérebro dentro
do crânio.

As causas mais comuns de TCEs de qualquer gravidade são quedas e


acidentes de trânsito, que juntos correspondem a mais de 50% dos casos. A
taxa de traumas tende a ser maior entre os homens do que entre as mulheres,
com picos de incidência na infância (0-4 anos), entre os adolescentes e
adultos jovens (15-24 anos), e também entre os idosos (> 65 anos).

Muitas vítimas com TCEs graves entram em óbito antes mesmo de chegar
ao hospital – cerca de 90% das mortes pré-hospitalares por trauma estão
relacionadas ao TCE. Atualmente observa-se um aumento geral do número
de traumas cranioencefálicos, mas com menor taxa de mortes, resultando em
uma população crescente de indivíduos que vivem com deficiências
significativas diretamente relacionadas a um TCE.

7.2. Manejo inicial e parâmetros


Após a avaliação das vias aéreas, respiração e circulação, o próximo passo
do atendimento inicial ao politraumatizado é o exame neurológico primário.
Nesse momento, os objetivos são: avaliar o nível de consciência através da
Escala de Coma de Glasgow, avaliar a resposta pupilar e identificar sinais de
lateralização (que podem sugerir lesão de massa com aumento da Pressão
Intracraniana). Um exame mais detalhado é realizado durante a pesquisa
secundária. Caso presente, também deve-se avaliar rapidamente o nível do
trauma raquimedular. O insulto inicial (lesão primária) que causa um TCE não
pode ser revertido, por isso o objetivo do tratamento desses pacientes é a
prevenção de um dano cerebral secundário. As estratégias do tratamento
devem focar, portanto, na manutenção da Pressão Arterial Sistólica (PAS) em
um valor suficiente para manter a perfusão cerebral e prevenção da hipóxia
por meio de oxigenação adequada. Assim que identificada a lesão, deve-se
obter rapidamente uma avaliação neurocirúrgica.
Autores:

Nicole Silveira O exame neurológico de pacientes que fizeram uso de álcool ou outras
Lother substâncias, em estado de hipoglicemia e aqueles com hipotensão pode não
ser confiável, já que estes pacientes podem apresentar rebaixamento do nível
Atualização: de consciência sem que haja uma lesão cranioencefálica direta. No entanto,
são diag nósticos de exclusão. Todo paciente com rebaixamento do nível de
Anne Karoline consciência deve ser interpretado como consequência do trauma até que
Cardozo da sejam descartadas lesões estruturais.
Rocha

Juliana Pitchinin
Pereira Dias

07 114
neurológica
TCE e disfunção

Fonte: ATLS,2018.

Quando a intubação for necessária, devido ao comprometimento


cardiopulmonar, é importante obter um breve exame neurológico antes de
sedar ou paralisar o paciente, visto que o conhecimento de sua condição
clínica é essencial para determinar o tratamento subsequente. Devem ser
utilizados agentes de ação mais curta quando paralisia farmacológica ou
breve sedação forem necessárias para a IOT segura ou obtenção de estudos
diagnósticos confiáveis.

7.3. Fisiologia
O valor normal da pressão intracraniana (PIC) em um paciente em repouso
é de 10mmHg. Sua elevação pode reduzir a perfusão sanguínea e pode
causar ou exacerbar uma isquemia. Segundo a teoria de Monro-Kellie, o
volume do conteúdo intracraniano deve se manter constante, pois o crânio é
uma estrutura rígida e incapaz de se expandir. Se o volume intracranial
aumentar, o fluxo venoso e o liquor se comprimem para fora da caixa craniana,
o que diminui a PIC. Assim, a PIC pode se manter normal mesmo na presença
de uma massa intracraniana. Quando o deslocamento do sangue venoso e
do liquor atingir seu limite, a PIC aumenta rapidamente.

O edema cerebral é uma situação que ocorre muito comumente quando há


concussão cerebral, em que os tecidos e capilares são traumatizados e o
líquido capilar vaza para os tecidos. Essa lesão dá origem a dois processos
que ocorrem viciosamente:

• O edema comprime a vasculatura, o que diminui o fluxo sanguíneo e


faz isquemia cerebral. A isquemia causa a dilatação arteriolar com
aumentos ainda maiores da pressão capilar. A pressão capilar
aumentada provoca maior extravasamento de líquido para o insterstício
e o edema fica ainda maior.
• O fluxo sanguíneo diminuído ainda diminui o aporte de oxigênio, o que

07
aumenta a permeabilidade dos capilares e causa maior extravasamento
de líquido. Além disso, o funcionamento da bomba de sódio das células
é bloqueado, permitindo que haja maior turgescência dessas células.

115
neurológica
TCE e disfunção
Após a instalação desses dois mecanismos, a medida a ser feita é a infusão
intravenosa de substância osmótica concentrada, como o manitol, para que o
líquido do tecido cerebral seja retirado por osmose.

Fonte: ATLS,2018.

7.4. Escala de coma de Glasgow (ECG)


É um instrumento utilizado em nível mundial que proporciona uma
abordagem padronizada e universal para monitorar e avaliar os achados da
avaliação neurológica, de grande valor preditivo e sensibilidade. Avalia a
reatividade do paciente a partir de três parâmetros: abertura ocular, reação
motora e resposta verbal. Apesar de suas limitações, a Escala de Coma de
Glasgow é considerada padrão-ouro na avaliação de pacientes com TCE.

07 116
neurológica
TCE e disfunção

*Quando há assimetria da resposta motora, sempre usar a melhor resposta para


calcular o escore. Isso porque é o preditor mais confiável de prognóstico.
Fonte: ATLS,2018.

Um escore de 8 ou menos é classificado como coma ou dano


cerebral grave. Pacientes com escore entre 9 e 12 são classificados como
trauma moderado, e entre 13 e 15 são traumas leves.

7.5. Avaliação pupilar


As pupilas normalmente medem de 2 a 5 mm de diâmetro, sendo que até
20% da população pode apresentar assimetria pupilar de cerca de 1mm. O
reflexo fotomotor é um rápido screening para o diagnóstico de lesões em
massa intracranianas e dano em a nível de tronco cerebral. Além disso, é um
dos únicos componentes do exame neurológico que pode ser avaliado em

pacientes comatosos ou que estão sob efeito de bloqueadores

07
neuromusculares e sedação. O exame pupilar completo ainda inclui o reflexo

117
neurológica
TCE e disfunção consensual, uma constrição pupilar que ocorre quando a luz é incidida sobre
o olho

A presença do estímulo luminoso leva à constrição pupilar, tanto no olho


ipsilateral (resposta direta) quanto no olho contralateral (resposta
consensual). É importante ressaltar que a luz não deve ser incidida
diretamente sobre a pupila, porque o brilho da luz ou seu reflexo podem
dificultar a visualização e interpretação do resultado.

A dilatação das pupilas é controlada pelo sistema nervoso simpático, a partir


de estímulos originados do hipotálamo e que chegam até a divisão oftálmica
do nervo trigêmeo, o qual inerva o músculo dilatador da pupila.

Já a contração pupilar é feita pelo sistema nervoso parassimpático a partir


dos receptores sensoriais que enviam os estímulos aferentes via nervo óptico,
quiasma óptico e trato óptico. A resposta ocorre por meio do nervo oculomotor,
responsável pela inervação do músculo constritor da pupila. A resposta
fotomotora, assim como as fibras visuais, seguem pelo quiasma óptico, onde
parte das fibras seguem no sentido ipsilateral, enquanto outras seguem
contralateralmente.

A velocidade de contração da pupila pode ser brusca (padrão normal), lenta


ou não reagente. Normalmente, uma contração lenta indica aumento da
pressão intracraniana (PIC), enquanto pupilas não reagentes apontam para
aumentos mais severos da PIC e/ou lesão cerebral grave.

Fonte: Adoni A., Mcnett M. The pupillary response in traumatic brain injury: a guide for
trauma nurse. Journal of Trauma Nursing. Oct-Dec, 2001. N4, V14.

07 118
neurológica
TCE e disfunção 7.6. Classificação e manejo do trauma segundo a escala
de coma de Glasgow
7.6.1. Trauma leve (ECG 13-15)
Normalmente esses pacientes possuem uma concussão sustentada, ou
seja, perda transitória de alguma função neurológica logo após um trauma
cerebral. Os pacientes podem ser assintomáticos, com apenas uma história
de TCE. Quando consciente, o paciente pode relatar história de confusão
mental, amnésia (retrógrada ou anterógrada) ou perda de consciência
transitória. Também é importante saber se o paciente apresentou náuseas,
vômitos, tontura ou cefaleia. A história de perda de consciência pode ser difícil
de ser confirmada e é facilmente confundida com um quadro de intoxicação
por álcool ou outras substâncias.

A grande maioria desses pacientes se recuperam sem grandes


intercorrências, apresentando remissão dos sintomas dentro de 7–10 dias em
até 90% dos casos. Cerca de 3% dos pacientes progridem para uma
deterioração inesperada, resultando potencialmente em disfunção
neurológica, a não ser que essa deterioração seja detectada precocemente.
A avaliação secundária é particularmente importante na avaliação desses
pacientes. É importante se atentar quanto ao mecanismo do trauma, tempo
que o paciente fica irresponsivo, qualquer convulsão e seu nível de
consciência subsequente.

Fonte: ATLS,2018.

Caso sejam detectadas anormalidades na tomografia ou se o paciente


permanecer sintomático ou com anormalidades neurológicas, solicitar
avaliação de um neurocirurgião. Pacientes com sintomas persistentes (por
mais 3 meses) são diagnosticados com síndrome pós-concussiva.

Se o paciente estiver assintomático e sem anormalidades neurológicas,

07
deixá-lo em observação, reavaliar e, se permanecer normal, pode receber alta
com segurança. Nesses casos, orientar o paciente e o acompanhante sobre

119
neurológica
TCE e disfunção o retorno se houver déficits neurológicos ou rebaixamento do nível de
consciência.

Retornar ao serviço de emergência caso o paciente ou acompanhante


notar:

A. Sonolência inapropriada ou dificuldade progressiva em acordar o


paciente (acordar o paciente a cada duas horas).
B. Náuseas ou vômitos.
C. Convulsões.
D. Sangramento ou drenagem aquosa do nariz ou ouvido.
E. Cefaleias importantes.
F. Fraqueza ou formigamentos em braços ou pernas.
G. Confusão mental ou mudança comportamental.
H. Pupilas anisocóricas, movimentos particulares nos olhos, diplopia ou
outros distúrbios visuais.
I. Bradicardia ou taquicardia ou qualquer alteração do padrão
respiratório.

7.6.2. Trauma Moderado (ECG 9-12)


Cerca de 10 a 20% evoluem com coma, por isso devem ser tratados como
potencial TCE grave. Pacientes com TCE moderado ainda obedecem a
comandos simples, mas geralmente estão sonolentos ou confusos e podem
apresentar déficits neurológicos focais.

Na admissão, obter uma história breve, garantir estabilidade hemodinâmica


e, logo em seguida, encaminhar o paciente para o exame de tomografia
computadorizada. Em todos os pacientes com TCE moderado deve-se
realizar uma TAC. Além disso, conduzi-lo para a Unidade de Terapia
Intensiva (UTI) ou similar para observação mais adequada e frequente, pelo
menos durante as primeiras 12 a 24 horas.

É importante sempre fazer reavaliar a parte neurológica e realizar uma


tomografia de seguimento caso a primeira tomografia esteja alterada ou se a
condição neurológica do paciente se deteriorar.

7.6.3. Trauma grave (< 8)


Esses pacientes não são capazes de obedecer a comandos simples, mesmo
após estabilização hemodinâmica, e representam o maior índice de
morbimortalidade. Dessa maneira, o diagnóstico e tratamento precoces são
de extrema importância. Não fazer exame de imagem caso isso atrase a
transferência.

Prioridades na avaliação inicial e triagem de pacientes com TCE grave

A. Fazer o ABCDE do trauma nessa ordem. Se o paciente necessitar de


controle de via aérea, fazer uma avaliação neurológica breve antes
de administrar as drogas para a intubação. Em seguida, garantir

07
respiração adequada e monitorar saturação de oxigênio.
B. Assim que a pressão arterial for estabilizada, fazer o exame
neurológico (Escala de Coma de Glasgow e avaliação pupilar). Se a
120
neurológica
TCE e disfunção pressão arterial não for normalizada, continuar o exame neurológico
normalmente e registrar a hipotensão.
C. Se não for possível elevar a pressão arterial sistólica em níveis >
100mmHg, a prioridade é identificar a causa da hipotensão. Nesse
caso, fazer o FAST ou lavado peritoneal diagnóstico na sala de
emergência e o paciente pode ser levado para o centro cirúrgico para
uma laparotomia. A tomografia de crânio deve ser feita após a
laparotomia.
D. Se a pressão arterial sistólica for >100mmHg após ressuscitação
volêmica e há evidência clínica de massa intracraniana (por exemplo,
anisocoria ou resposta motora assimétrica), a prioridade é fazer a TC
de crânio. O lavado peritoneal diagnóstico ou o FAST pode ser feito
na sala de emergência ou centro cirúrgico, desde que não atrase a
avaliação ou tratamento neurológico.

7.7. Classificação e manejo do trauma segundo a


morfologia das lesões
7.7.1. Lesões de escalpo
Lesões que atingem pele, tecido subcutâneo, gálea, tecido areolar e
periósteo. A perda de sangue em feridas no couro cabeludo pode ser extensa,
especialmente em crianças e adultos mais velhos. É importante inspecionar
cuidadosamente o ferimento em busca de sinais de fratura no crânio ou
material estranho. O tratamento destas lesões consiste em limpeza e
desbridamento, além de controle da hemorragia do couro cabeludo.

7.7.2. Fraturas de crânio


As fraturas do crânio podem ocorrer na abóbada ou na base craniana e são
importantes no contexto do trauma, visto que é necessária uma força
considerável para fraturar o crânio. Elas estão muitas vezes associadas a uma
contusão cerebral ou hematoma epidural e toas as fraturas abertas ou
abauladas devem obter avaliação neurocirúrgica. Antibioticoterapia profilática
de amplo espectro está indicada para pacientes com fratura exposta de crânio
e vazamento de LCR. Fraturas de abóbada craniana: podem ser lineares ou
estreladas, com ou sem afundamento. Estas últimas também são
classificadas em abertas ou fechadas, dependendo da integridade do couro
cabeludo sobreposto. Pacientes com afundamento de crânio têm indicação de
TC para identificar o grau de depressão e a presença de lesões intracerebrais
associadas.

Fraturas da base do crânio: podem ocorrer em qualquer ponto da base do


crânio, mas a localização típica é na porção petrosa do osso temporal. Os
sinais clínicos de uma fratura da base do crânio incluem equimoses
periorbitárias (olhos de guaxinim), equimoses retroauriculares (sinal de
Battle), hemotímpano, vazamento de LCR pelo nariz (rinorréia) ou ouvido
(otorréia) e disfunção dos nervos cranianos VII e VIII (paralisia facial e perda

07
auditiva), que pode ocorrer imediatamente ou alguns dias após a lesão inicial.
Este tipo de lesão geralmente requer TC com configurações de janela óssea
para identificação.

121
neurológica
TCE e disfunção

Fonte: ATLS, 2018.

7.7.3. Lesões intracranianas

7.7.3.1. Lesões cerebrais difusas


Variam de concussões leves a lesões difusas graves, que geralmente
resultam de um insulto hipóxico e isquêmico ao cérebro, devido a um choque
prolongado ou apneia que ocorre imediatamente após o trauma. Nesses
casos, a TC pode inicialmente parecer normal ou o cérebro pode parecer
difusamente inchado, com perda da distinção branco-acinzentada
normalmente visualizada.

7.7.3.2. Lesão axonal difusa


Lesão que ocorre por cisalhamento axonal, geralmente provocada por forças
de impacto ou desaceleração de alta velocidade. O cisalhamento pode
produzir hemorragias pontilhadas múltiplas em todos os hemisférios
cerebrais, por isso a apresentação clínica é variada, dependendo da
localização e grau da lesão axonal. Os pacientes podem apresentar
alterações de consciência, hemiparesia e déficits cognitivos que podem ser
permanentes.

As lesões são geralmente vistas na fronteira entre a substância cinzenta e a


substância branca, e são classificadas como graves, apresentando desfechos
frequentemente desfavoráveis e representam a causa mais comum de estado
vegetativo permanente.

7.7.3.3. Lesões cerebrais focais


Contusão Cerebral: as contusões são comuns, ocorrendo em
aproximadamente 20% a 30% dos pacientes com lesões cerebrais graves.
Geralmente ocorrem como resultado de forças de golpe e contragolpe,
lesionando diretamente o local do impacto ou o lado contralateral (os locais
mais frequentemente acometidos são o lobo frontal e lobo temporal anterior).
A disfunção neurológica pode ser profunda e prolongada, com os pacientes
apresentando confusão mental, queda do nível de consciência ou coma, além
de déficits neurológicos focais, que geralmente estão presentes. Na TC, a
área contundida geralmente é hemorrágica e com edema circundante. Em um

07
período de horas ou dias as contusões tendem a coalescer, aumentando o
efeito de massa e eventualmente resultando em compressão cerebral e

122
neurológica
TCE e disfunção deterioração neurológica. Por esse motivo, os pacientes com contusões
geralmente têm indicação de repetir a TC dentro de 24 horas da avaliação
inicial, a fim de avaliar se houve mudanças no padrão da lesão.

Hemorragia Subaracnoidea: a HSA resulta geralmente da ruptura de


pequenos capilares após um trauma, que sangram para o espaço
subaracnóide, e se apresenta com sangue no LCR. Os pacientes podem se
queixar de cefaleia difusa, náuseas ou fotofobia. A hemorragia subaracnoide
traumática pode ser a anormalidade na TC mais comum em pacientes com
TCE moderado ou grave.

Hematoma Epidural: os hematomas epidurais são relativamente incomuns,


ocorrendo em cerca de 0,5% dos pacientes com lesões cerebrais. O
hematoma resulta tipicamente de um golpe direto nas regiões temporais ou
temporoparietais, que lacera uma artéria meníngea (mais comumente a
artéria meníngea média). Como consequência disso, a coleção de sangue, à
medida que empurra a dura-máter para longe da parte interna do crânio, forma
um hematoma biconvexo, observado na TC. A apresentação clínica clássica
se dá com um intervalo lúcido entre o momento da lesão e a deterioração
neurológica, que é causada pela herniação cerebral decorrente do
sangramento arterial de alta pressão. As lesões de massa intracraniana
devem ser tratadas por um neurocirurgião.

Hematoma Subdural: em comparação com os hematomas epidurais, os


subdurais são mais comuns, ocorrendo em aproximadamente 30% dos
pacientes com lesões cerebrais graves, além de mais preocupantes, já que
geralmente envolve um grau mais alto de lesão cerebral. O hematoma
subdural representa uma coleção de sangue venoso entre a dura-máter e a
aracnoide. No contexto do trauma, o mecanismo envolvido é geralmente a
aceleração-desaceleração súbita, causando lesões por cisalhamento de
pequenas superfícies ou vasos sanguíneos do córtex cerebral. Pacientes com
atrofia cerebral, como alcoólatras ou idosos, são mais suscetíveis a este tipo
de lesão. A maioria se torna sintomática dentro de 24 horas, apresentando
desde cefaleia, até letargia ou coma. Na TC, o hematoma subdural aparece
como uma lesão hiperdensa em forma de “lua crescente”, que cruza as linhas
de sutura. O edema cerebral subjacente é muitas vezes um fator contribuinte
significativo para o deslocamento da linha média das estruturas e progressão
para herniação cerebral se não for tratado.

07 123
TCE e disfunção

07
neurológica

Fonte: ATLS,2018.

124
neurológica
TCE e disfunção Lesões Penetrantes: as lesões penetrantes são basicamente causadas por
ferimentos por arma de fogo (FAF) ou por arma branca (FAB) e outros objetos
pontiagudos. Nos FAFs, o primeiro dano cerebral é provocado pelo projétil
diretamente sobre o tecido e as estruturas vasculares. O trauma, então, é
agravado pelo vácuo produzido atrás do projétil em alta velocidade, que
carrega para o interior do crânio fragmentos ósseos, pele, cabelo. A TC deve
ser realizada em todos estes pacientes, e a presença de grandes contusões,
hematomas e hemorragias está associada ao aumento da mortalidade,
especialmente quando ambos os hemisférios estão envolvidos. Quanto aos
FABs, os objetos penetrantes que permanecem parcialmente exteriorizados
devem ser deixados no lugar até que uma possível lesão vascular seja
avaliada e o manejo neurocirúrgico definitivo estabelecido. A remoção do
objeto penetrante prematuramente pode causar lesão vascular fatal ou
hemorragia intracraniana. Antibióticos profiláticos de amplo espectro também
estão indicados para pacientes com lesão cerebral penetrante.

Fonte: Rotinas em Neurologia e Neurocirurgia, 2009.

07 125
neurológica
TCE e disfunção 7.8. Referências
1.AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS. ATLS: Advanced Trauma Life
Support - Student Course Manual. 10th. ed. Chicago: American College of
Surgeons, 2018.

2.HALL, John E. Tratado de Fisiologia Médica. 13. ed. São Paulo: Elsevier,
2017.

3.VELASCO, Irineu Tadeu. Medicina de Emergência: Abordagem Prática.


13. ed. Barueri: Manole, 2019.

4.OLIVEIRA, Débora Moura da Paixão; PEREIRA, Carlos Umberto; FREITAS,


Záira Moura da Paixão. Escalas para avaliação do nível de consciência em
trauma cranioencefálico e sua relevância para a prática de enfermagem em
neurocirurgia. Arquivo Brasileiro de Neurocirurgia, Aracaju, p. 22-32, 2014.

5.MEYER, Scott; GIBB, Tyler; JURKOVICH, Gregory J. Evaluation and


significance of the pupillary light reflex in trauma patients. Annals Of
Emergency Medicine, v. 22, n. 6, p.1052-1057, jun. 1993.

6.Cydulka RK, et al. Tintinalli’s Emergency Medicine Manual.


American College of Emergency Physitians. 8th Edition, 2018.

7.Chaves MLF, et al. Rotinas em neurologia e neurocirurgia. Porto Alegre


- Artmed, 2009.861 p. ; 25.

8.Vella MA, et al. Acute Management of Traumatic Brain Injury. Surg Clin N
Am 97 (2017) 1015–1030.

9.Blennow K, et al. Traumatic brain injuries. NATURE REVIEWS | DISEASE


PRIMERS VOLUME 2 | 2016.

07 126
raquimedular
Trauma 8.1. Introdução
O Trauma Raquimedular (TRM) consiste em lesões à medula espinal
causadas por lesões contusas ou penetrantes à coluna vertebral e tem uma
correlação importante com Traumatismo Cranioencefálico (TCE).
Aproximadamente 6% dos pacientes com lesão cerebral têm uma lesão na
coluna vertebral associada, enquanto que 32% dos pacientes com lesão
vertebral podem ter lesão cerebral1. Ainda, a morbi-mortalidade é alta e
dependente da severidade da lesão.

Em pacientes inconscientes e vítimas de colisão de automóveis ou quedas,


a possibilidade da coluna cervical estar lesada é de 5 a 10%2. Isso, associado
ao fato de que cerca de 40% dos pacientes com TRM não apresentam
comprometimento neurológico no momento do acidente, faz com que todo
politraumatizado deva ser considerado como potencial portador de fratura e
deve ser imobilizado para prevenção de lesões adicionais durante o seu
resgate e transporte3.

8.2. ANATOMIA E FISIOPATOLOGIA


8.2.1. Anatomia coluna vertebral
A coluna vertebral é composta por 7 vértebras cervicais, 12 torácicas, 5
lombares, sacro e cóccix. A vértebra é constituída por corpo vertebral, que é
anterior, arco vertebral e 7 processos. Os corpos vertebrais são separados
por discos intervertebrais (conferem estabilidade, movimento e proteção por
absorverem o choque) e mantidos juntos anteriormente e posteriormente
pelos ligamentos anterior e posterior longitudinais, respectivamente. As
articulações, ligamentos e músculos paravertebrais contribuem para a
estabilidade da coluna vertebral. O forame no qual a medula espinhal passa
é formado anteriormente pela parede posterior do corpo vertebral e
posteriormente pela parede anterior do arco vertebral e a sobreposição das
vértebras e dos forames forma o canal vertebral4.

8.2.2. Anatomia da Medula espinhal


A medula espinal se inicia no atlas (C1) como continuação do bulbo e termina
na altura da primeira ou segunda vértebra lombar, como cone medular, onde
inicia a cauda equina. As raízes nervosas emergem da coluna cervical acima
da vértebra correspondente e, a partir de C8, na coluna torácica passam a
emergir caudalmente. A localização anatômica, entretanto, não é direta à
vértebra correspondente, por exemplo, o segmento C8 está anatomicamente
localizado entre os processos espinhosos de C6 e C7 e o segmento T11 entre
T9 e T10. Esse conhecimento é importante para determinação da altura da
raiz nervosa acometida no trauma e pode ser visto na figura a seguir5.
Atualização:

Beatriz Zanutto
Salviato

08 127
raquimedular
Trauma

Relação entre raízes nervosas e vértebras.


Fonte: NETTER, Frank H. Atlas de Anatomia Humana.

8.2.3. Acometimento Regional


A coluna cervical, devido à sua mobilidade e exposição, é a região mais
acometida6. Graças ao fato de o canal cervical ser largo na região cervical
superior, a maioria dos pacientes com lesões a esse nível são
neurologicamente intactos à chegada ao hospital. Por outro lado, um terço dos
acometidos morre na cena por apnéia pelo acometimento de C1. Abaixo do
nível de C3, onde o diâmetro é menor, lesões da coluna vertebral são mais
susceptíveis a causar lesões na medula espinal.

A incidência de fraturas torácicas é muito inferior em função da mobilidade


reduzida e do apoio exercido pela caixa torácica. Assim, a maioria das
fraturas são de compressão em cunha e não estão associadas com lesão
medular. No entanto, quando há efetivamente luxação na coluna torácica,
uma lesão completa da medula espinhal costuma estar associada. Por fim, a
junção toracolombar, por ser ponto de apoio entre a região torácica, que é
inflexível, e os níveis lombares, que são mais fortes, é também vulnerável a
lesões2.

8.2.4. Fisiopatologia/Lesões primárias e secundárias


As lesões na medula espinal podem ser primárias ou secundárias. As
primárias acontecem por consequência da transferência de energia cinética
na coluna que, quando tem as vértebras lesadas ou deslocadas, comprime ou

08
transecciona a medula espinal. Ainda, lesa a trama vascular, comprometendo
a barreira hematoencefálica e levando à uma cascata de lesões secundárias7.

128
raquimedular
Trauma Assim, nas oito primeiras horas após o trauma, há hemorragia e necrose da
substância cinzenta, que segue com edema (que aumenta a compressão na
área lesada) até a cicatrização o que, associado à redução da pressão
sistêmica (por outras hemorragias ou um possível choque neurogênico, que
será tratado a frente), e alterações mecânicas do canal vertebral, levam a uma
redução do fluxo sanguíneo para o segmento lesado. Essa redução do aporte
sanguíneo adequado às células e a exposição de citocinas pró-inflamatórias
gera isquemia e inflamação, corroborando com a morte das células e axônios
que não foram inicialmente lesados, assim, gerando uma lesão adicional,
denominada de lesão secundária3.

8.3. APRESENTAÇÃO CLÍNICA


8.3.1. Manifestações sensitivas e motoras
As manifestações clínicas do TRM dependem da altura da lesão neurológica
e da quantidade de tecido preservado no segmento da medula espinhal.
Nesse último quesito, a perda da função sensório motora pode ser parcial ou
total. A avaliação da altura neurológica da lesão, ou seja, do último nível
medular acometido, é feita clinicamente e é de extrema importância pois, além
da perda ou diminuição da função dos membros, a falta de inervação a
determinados músculos como diafragma (C3 a C5) e músculos intercostais
(transição cérvico-torácica) pode gerar prejuízo na respiração2. Além disso, os
gânglios simpáticos localizados de T1 a L2, quando acometidos, podem não
sustentar o tônus vascular basal abaixo da região acometida, levando ao
choque neurogênico. Pode gerar, ainda, imunodeficiência por perda da
inervação de órgãos linfáticos como baço, aumentando a chance de infecção.
Essas manifestações sistêmicas são as principais causas precoces de morte
em pacientes com lesão medular aguda7.

Assim, à análise clínica, a lesão medular pode ser categorizada conforme a


figura abaixo, embora o diagnóstico final possa ser dado apenas depois de
algumas semanas em função de um possível choque medular e pelo
mecanismo de lesão secundária e regeneração que ocorrem. Qualquer
função motora ou sensorial abaixo do nível da lesão constitui uma lesão
incompleta, que pode se apresentar com qualquer sensação ou movimento
voluntário nas extremidades inferiores, a contração voluntária do esfíncter
anal ou mesmo flexão voluntária do dedo do pé.

Lesões medulares no TRM.


Fonte: ATLS, 2018.

08
Os intervalos da medula espinal melhor avaliados clinicamente são o trato
corticoespinhal lateral, trato espinotalâmico, e as colunas dorsais e estão
descritos na tabela abaixo e se faz importante para diferenciar lesões

129
raquimedular
Trauma completas de incompletas e síndromes medulares, que serão tratadas a
frente. Ainda, na avaliação da função motora, o grau de movimento de cada
extremidade deve ser avaliado e quantificado com relação ao grau de força
muscular, que é determinada de 0 a 5, sendo 0 a ausência de força muscular
e 5 a força muscular normal2.

Feixes nervosos a serem avaliados na análise clinicada da medula espinal.


Fonte: ATLS, 2018.

Outro fator relevante para a análise são os reflexos, tendo em vista que na
ausência de força motora, a presença de reflexos demonstra um melhor
prognóstico para o paciente. Assim, os reflexos tendinosos profundos de
maior importância clínica e que devem ser investigados em todos os pacientes
com suspeita de lesão medular são os mostrados na tabela abaixo. Os
reflexos abdominais e cremastéricos são importantes pois a ausência desses
reflexos simetricamente indica lesão do neurônio motor superior, enquanto a
perda assimétrica sugere lesão no neurônio motor inferior. Nesses casos,
TCE e TRM devem ser melhor investigados, respectivamente2.

Reflexos tendinosos e respectivas raízes nervosas.


Fonte: ATLS, 2018.

08 130
raquimedular
Trauma 8.3.2. Síndromes medulares
As lesões incompletas podem se apresentar como síndromes medulares,
que apresentam certos padrões característicos de lesão neurológica. As
principais são a síndrome centromedular, síndrome anterior da medula e
síndrome de Brown-Séquard e sua apresentação anatômica pode ser vista na
figura abaixo3.

Síndromes medulares.
Fonte: Béria L. Rodríguez. Wikimedia Commons.

A síndrome centromedular é a apresentação de lesão incompleta mais


comum e costuma acometer idosos com osteoartrite prévia com estenose do
canal medular, que apresentam queda com hiperextensão cervical por trauma
de face. É caracterizada por perda de força motora desproporcional nas
extremidades superiores, com graus variados de perda de sensibilidade e
disfunção urinária. O prognóstico para a recuperação em lesões da medula
central é um pouco melhor do que com outras lesões incompletas.

A síndrome de Brown-Sequard resulta da hemissecção medular e é


comumente vista em pacientes com trauma penetrante. Afetando apenas um
lado da medula, há perda ipsilateral motora, de toque leve, propriocepção e
de vibração, que é associado à perda contralateral da sensação de dor e de
temperatura.

Na síndrome anterior da medula, a lesão ocorre apenas na porção anterior,


acometendo os feixes motor e sensitivo. levando a paraplegia bilateral e perda
da sensação de dor e temperatura. A única função preservada é a de
propriocepção7.

8.3.3. Choque medular


O choque medular é um estado clínico temporário caracterizado por paralisia
flácida após lesão medular, que inclui perda da função motora, sensorial,
autonômica e reflexa abaixo do nível de lesão. Não cursa com hipotensão, e
não deve ser confundido com choque neurogênico. O quadro se dá por lesão
parcial ou completa da medula e pode durar de 24 horas a 12 semanas,
aproximadamente, e seu fim é marcado pelo retorno dos reflexos tendinosos
profundos e pelo retorno do reflexo bulbo-cavernoso7.

08 131
raquimedular
Trauma 8.3.4. Choque neurogênico
O choque hipovolêmico é o choque propriamente dito mais comum no
paciente politraumatizado, mas outras causas devem ser pesquisadas, como
é o caso do choque neurogênico. Nesse caso, que ocorre na lesão medular,
a hipóxia tecidual não se dá por diminuição da volemia, mas pela diminuição
da resistência vascular periférica, por vasodilatação. Essa vasodilatação é
resultado da perda ou diminuição do tônus simpático que inerva a musculatura
lisa dos vasos, e acarreta o choque. As características clínicas características
são hipotensão, bradicardia e pressão de pulso alargada, mas com
extremidades quentes e coradas, com enchimento capilar normal. Costuma
ser mais relevante quando em lesões acima de T6, região em que emergem
os nervos simpáticos esplâncnicos, responsáveis pelo tônus muscular. O
tratamento é voltado para vasoconstrição e não para a reposição volêmica,
tendo em vista que não há hipovolemia2.

8.4. MANEJO
O manejo do TRM inicia ainda na cena, com a imobilização imediata da
coluna cervical e a acomodação do paciente em tábua rígida sem que haja
movimentação da coluna. A imobilização da coluna com colar cervical está
indicada para todos os pacientes com múltiplas contusões até que possa ser
avaliado. Mesmo que o paciente traumatizado dê entrada no hospital sem o
colar (em nosso serviço conhecido como paciente “não protocolado”), se
houver qualquer suspeita de lesão ou indicação para o uso, o colar cervical
deve ser alocado. As indicações detalhadas para colocação e retirada do colar
cervical se encontram no Capítulo 3.

A tábua rígida, também utilizada pela equipe de pré-hospitalar para


imobilização do paciente, deve ser retirada o mais cedo possível, tendo em
vista que essa tem função principal de mobilização durante o transporte e
pode levar a lesões secundárias, além do desconforto ao paciente. Sua
retirada se dá durante o “E” do exame inicial, quando há exposição e inspeção
e palpação do dorso. Para isso, é utilizada uma manobra de rolamento com
no mínimo 4 pessoas: uma responsável pela cabeça e pescoço e comando
da equipe, duas no corpo e uma para fazer o exame clínico e a retirada da
tábua rígida. A manobra pode ser acessada aqui

No caso de suspeita de fratura coluna cervical, tendo em vista a possível


perda do controle respiratório, a intubação orotraqueal deve ser considerada
de maneira individualizada para cada paciente. Além disso, a equipe deve
estar sempre alerta para a possibilidade de choque neurogênico,
principalmente quando há hipotensão associada à bradicardia (o que
diferenciaria do choque hipovolêmico onde há taquicardia). Assim, a
reposição volêmica deve ser feita com cautela nesses pacientes.

Historicamente era usado o corticosteroide metilprednisolona em altas doses


precocemente em pacientes com TRM, mas o ATLS2 contraindica o uso por
falta de evidência. Ainda, em 2019 uma metanálise foi publicada mostrando
que a droga, de fato, não contribui para a recuperação neurológica e os risco

08
de efeitos adversos contraindicariam ainda mais seu uso8.

132
raquimedular
Trauma Assim que estabilizado hemodinamicamente, o paciente com suspeita de
lesão vertebral pode ser encaminhado para exames de imagem que
confirmarão ou descartarão a fratura e o tratamento definitivo será, assim,
indicado. O exame mais indicado, com especificidade de quase 100% para
fraturas, é a tomografia computadorizada e, em casos onde não há lesão, é
recomendada a retirada do colar sem a associação de outros exames, como
a ressonância magnética9. Quando forem encontradas lesões, o paciente
deve ser encaminhado para o tratamento definitivo. Esse tem como objetivos
a restauração da anatomia da coluna e da medula e visa diminuir as
complicações e as sequelas, porém, ainda não existem tratamentos cirúrgicos
que restauram as funções dos segmentos já lesados.

08 133
raquimedular
Trauma 8.5. Resumo e fluxograma

08 134
raquimedular
Trauma 8.5. Referências
1.PANDRICH, Mark J.; DEMETRIADES, Andreas K. Prevalence of
concomitant traumatic cranio-spinal injury: a systematic review and meta-
analysis. Neurosurgical review, v. 43, n. 1, p. 69-77, 2020.

2.AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS. ATLS: Advanced Trauma Life


Support - Student Course Manual. 10th. ed. Chicago: American College of
Surgeons, 2018.

3.Barros Filho, Tarcísio Eloy Pessoa de Ortopedia e traumatologia para


graduação / Tarcísio Eloy Pessoa de Barros Filho, Olavo Pires de Camargo. -
Rio de Janeiro : Revinter, 2010.

4.MOORE, Keith L. Anatomia orientada para a clínica. In: Anatomia


orientada para a clínica. 2013. p.1104-1104.

5.HERBERT, Sizínio et al. Ortopedia e traumatologia: princípios e


prática. Porto Alegre: Artmed, p.1376-87, 2009.

6.Kumar R, Lim J, Mekary RA, Rattani A, Dewan MC, Sharif SY,


OsorioFonseca E, Park KB, Traumatic spinal injury: global epidemiology and
worldwide volume, World Neurosurgery (2018).

7.AHUJA, Christopher S. et al. Traumatic spinal cord injury. Nature reviews


Disease primers, v. 3, n. 1, p. 1-21, 2017.

8.LIU, Zhongyu et al. High-dose methylprednisolone for acute traumatic


spinal cord injury: A meta-analysis. Neurology, v. 93, n. 9, p. e841-e850,
2019.

9.PATEL, Mayur B. et al. Cervical spine collar clearance in the obtunded adult
blunt trauma patient: a systematic review and practice management guideline
from the Eastern Association for the Surgery of Trauma. The journal of
trauma and acute care surgery, v. 78, n. 2, p. 430, 2015.

08 135
Queimados 9.1. Introdução
A pele desempenha diversas funções complexas, incluindo proteção ao
ambiente externo, regulação de fluidos, termorregulação, sensibilidade e
adaptação metabólica, tolerando temperaturas de 40°C por breves períodos
de tempo. Contudo, uma vez que as temperaturas excedam esse ponto, há
um aumento logarítmico da magnitude da destruição tecidual. Assim, em uma
queimadura, seja por quaisquer causas possíveis, as proteínas da pele são
gravemente danificadas, levando à desnaturação proteica.

Além da perda da barreira da pele, queimaduras extensas também podem


ser lesões multissistêmicas, capazes de provocar efeitos possivelmente fatais
em órgãos vitais e no sistema imunológico. Diferentemente de outras lesões,
as consequências de extensas queimaduras correlacionam-se diretamente
com a extensão da resposta inflamatória, que é maior conforme a pele é mais
profundamente atingida. Inicialmente, e em lesões menores, essa cascata
inflamatória ajuda na recuperação e cura do tecido. No entanto,
principalmente nos grandes queimados, é a reativação repetida e
descontrolada dos mecanismos inflamatórios que levam a destruição tecidual,
disfunção de órgãos e morte. Há então, nesses pacientes, um aumento de
citocinas, quimiocinas e do catabolismo, configurando um estado
hipermetabólico2.

As principais causas de queimadura são fricção, frio, calor (principal causa),


radiação, químicos e eletricidade, sendo a fisiopatologia variável em cada
caso. Agentes alcalinos levam a necrose liquefativa, enquanto ácidos
relacionam-se a necrose coagulativa. Quando decorrentes do frio, o dano
resulta diretamente da cristalização da água (além de isquemia). Já as
queimaduras elétricas são capazes de gerar danos em tecidos profundos
devido a passagem da corrente pelo corpo. Dada todas essas
particularidades, diferentes abordagens são necessárias para o tratamento
das queimaduras causadas determinado agente.

9.2. Classificação
9.2.1. QUEIMADURAS DE PRIMEIRO GRAU
Acometem somente a epiderme e são caracterizadas por serem
hiperemiadas e dolorosas. São também chamadas de queimaduras
superficiais. É raro estas lesões serem clinicamente significativas. Estas
queimaduras não formam bolhas, são benignas (resolvem-se em cerca de
uma semana) e não formarão cicatrizes (não há fibrose cicatricial).

Atualização:
Edson Vieira
Nascimento

09 Fonte: ATLS, 2018.


136
Queimados 9.2.2. QUEIMADURAS DE SEGUNDO GRAU
São aquelas que envolvem a epiderme e espessura parcial da derme
subjacente, apresentando-se, muitas das vezes, como bolhas. Essas
queimaduras dividem-se em superficiais ou profundas. As superficiais são
úmidas, pálidas ao toque, hiperemiadas, podem formar cicatriz e são mais
dolorosas. As profundas são mais secas, menos dolorosas (devido a
destruição parcial dos receptores de dor), formam cicatriz e necessitam,
muitas vezes, de cirurgia.

Fonte: ATLS, 2018.

9.2.3. QUEIMADURAS DE TERCEIRO GRAU


Envolvem toda a espessura da pele e podem apresentar diversas
aparências. Com maior frequência, esses ferimentos são espessos, secos,
esbranquiçados, com aparência semelhante a couro. Em casos graves, a pele
parece chamuscada, com visível trombose de vasos sanguíneos.
Paradoxalmente, são menos dolorosas devido a destruição das terminações
nervosas. É importante lembrar, no entanto, que doentes com queimaduras
de terceiro grau sentem dor, pois estas lesões são caracteristicamente
cercadas por áreas de queimaduras de espessura parcial e superficial, onde
os nervos estão intactos e continuam a transmitir a sensação de dor dos
tecidos lesionados.

Queimaduras de terceiro grau podem ser debilitantes e fatais e requerem


imediata excisão cirúrgica e reabilitação intensiva.

09
Fonte: ATLS, 2018.

137
Queimados 9.2.4. QUEIMADURAS DE QUARTO GRAU
As queimaduras de quarto grau são aquelas que acometem não somente
todas as camadas da pele, mas também o tecido adiposo subjacente, os
músculos, os ossos ou os órgãos internos.

Fonte: ATLS, 2018.

9.3. Atendimento primário


Na etapa inicial do atendimento de um doente vítima de queimadura
devemos interromper o processo de lesão, controlar as vias aéreas e
administrar a circulação. Os métodos mais eficazes e adequados de
interrupção da queimadura são irrigar com grandes volumes de água a
temperatura ambiente e retirar toda a roupa do paciente (não esquecer de
retirar anéis e outros adereços imediatamente, devido ao edema tecidual de
rápida instalação). O uso de água fria ou gelo é contraindicado, pois pode
aumentar a extensão do dano tecidual na zona de estase por causar
vasoconstrição.

O método de atendimento de trauma ABCDE é também aplicado no


atendimento inicial do paciente vítima de queimaduras, com algumas
particularidades.

9.3.1. Vias aéreas (A)


Manter a desobstrução da via aérea é a maior prioridade no atendimento de
uma vítima de queimaduras. Além da lesão direta, o edema relacionado a
queimadura pode, indiretamente, obstruir a via aérea acima do nível das
cordas vocais, ocluindo-a. De tal modo, uma via aérea que foi considerada
satisfatória ao primeiro exame pode se tornar criticamente estreita em 30 ou

09
60 minutos. Sempre que houver suspeita de lesão de via aérea deve ser feita
a intubação precoce.

138
Queimados Os fatores de risco para obstrução da via aérea superior são queimadura na
cabeça e na face, lesão causada por inalação e queimaduras orais.

Os sinais clínicos de lesão por inalação incluem queimadura de face ou


pescoço, chamuscamento da sobrancelha ou vibrissas nasais, depósito de
carbono na boca ou no nariz, sinais inflamatórios na orofaringe (eritema),
história de confusão mental ou confinamento em um local em chamas, história
de explosão com queimaduras na cabeça ou tronco e níveis de
carboxihemoglobina acima de 10%1.

Além disso, são sinais de indicações de intubação orotraqueal (IOT):


rebaixamento do nível de consciência, estridor, fadiga respiratória,
queimadura circunferencial de pescoço, queimadura de face extensa ou
dentro da cavidade oral.

9.3.2. Ventilação (B)


Em se tratando da ventilação nos queimados, deve-se atentar para hipóxia,
lesão pulmonar por inalação de fumaça e intoxicação por monóxido de
carbono.

Em caso de histórico de confinamento no local do incêndio, sempre assumir


exposição ao monóxido de carbono (CO). Os sintomas de intoxicação por CO
se iniciam quando seus níveis estão maiores do que 20%, podendo
apresentar cefaleia, náusea, confusão, coma e até ir à óbito. Nesse caso,
oxímetros de pulso não são confiáveis, pois podem não refletir a verdadeira
oxigenação! Na suspeita de intoxicação por CO, deve-se administrar oxigênio
a 100%.

Se a parede torácica for queimada circunferencialmente, sua complacência


diminuirá, limitando a capacidade de ventilação. Nesse caso, uma
escarotomia imediata pode restabelecer o movimento respiratório.

9.3.3. Circulação (C)


Estabelecer ao menos 2 acessos venosos calibrosos (pelo menos 18G) e
iniciar ressuscitação volêmica para os pacientes com queimaduras profundas
de segundo grau que envolvem mais de 20% da superfície corporal queimada.
De preferência, puncionar os membros superiores – pois pode causar flebite
em membro inferiores –, e, caso outra região seja inviável, a punção sobre
área queimada é permitida! Quando não for possível o acesso IV, pode-se
empregar o acesso intraósseo ou o venoso central. Assim, deve ser iniciada
a infusão de cristaloides (optar por Ringer Lactato), seguindo a fórmula de
Parkland1.

Vale lembrar que a necessidade de ressuscitação volêmica vem dá perda de


líquido dos capilares em consequência do extenso processo inflamatório
desencadeado, e não de perdas hemorrágicas2.

Se os membros apresentarem queimaduras, é difícil ou até mesmo

09
impossível medir com precisão a pressão arterial. Mesmo que possa ser
obtida, o valor encontrado pode não ser correto devido à presença de edema
ou lesões que afetam a pele. Mesmo que o doente apresente pressão arterial
139
Queimados normal, a perfusão distal do membro pode estar gravemente reduzida pela
presença de lesões circunferenciais. Os membros queimados devem ser
mantidos elevados durante o transporte, para reduzir o grau de aumento de
volume1.

9.2.4. Avaliação Neurológica (D)


Avalie o doente quanto à presença de déficits neurológicos e motores. Uma
fonte de incapacidade neurológica potencialmente fatal que é típica de vítimas
de queimaduras é o efeito de toxinas inaladas, como o monóxido de carbono
e o cianeto de hidrogênio. Além disso, estes pacientes também podem ser
politraumatizados, podendo ter TCE, portanto é necessário a busca de
lesões associadas.

9.2.5. Exposição (E)


Todo o corpo do doente deve ser exposto e inspecionado. As roupas e as
joias devem ser imediatamente removidas (a não ser que estejam aderidas à
pele), pois podem reter calor residual e continuar a ferir o doente. Além disso,
as joias podem contrair os dedos ou os membros quando os tecidos começam
a apresentar aumento de volume.

Após queimaduras químicas, as roupas podem estar encharcadas com o


agente que gerou as lesões. Portanto, a manipulação imprópria das roupas
da vítima saturadas pelo material supostamente perigoso pode causar lesões
no doente e nos socorristas. Se houver pó químico, este deve ser retirado com
uma escova macia e, posteriormente, a área deve ser enxaguada com grande
quantidade de água em temperatura ambiente. Os doentes vítimas de
queimaduras não são capazes de reter seu próprio calor corpóreo, sendo
extremamente suscetíveis à hipotermia. Para preservar a temperatura
corpórea, deve-se evitar superexposições, além de cobrir o paciente com
lençol limpo e seco após ter interrompido o processo de lesão (queimadura)1.

Princípios básicos de reanimação em pacientes vítimas de queimadura:

• Identificar acometimento de vias aéreas;


• Identificar e tratar lesões associadas com potencial risco de vida;
• Manter equilíbrio hemodinâmico com infusão de volume.

Prioridades no atendimento inicial de pacientes vítimas de


queimaduras:

• Parar o processo de queimadura;


• Estabelecer controle de vias aéreas;
• Estabelecer acesso intravenoso calibroso.

09 140
Queimados 9.4. Avaliação secundária
9.4.1. História
A história do acidente é muito importante, pois pode dar pistas de possíveis
lesões associadas. É importante saber por quanto tempo o paciente ficou
exposto ao agente agressor, se houve perda da consciência, se o local era
fechado ou aberto, etc. As lesões devem estar de acordo com a história
contada, caso contrário, deve-se pensar na possibilidade de maus tratos.

O socorrista deve completar a avaliação dos pés à cabeça, tentando


encontrar outras lesões ou alterações.

9.4.2. Avaliação da Extensão da Queimadura


A estimativa da extensão da queimadura é necessária para reposição
adequada de fluidos do doente, impedindo as complicações associadas ao
choque hipovolêmico. A determinação da extensão da área queimada
também é usada como ferramenta para a estratificação da gravidade da lesão
e a triagem. Para uma rápida avaliação da superfície corpórea queimada
(SCQ) na emergência pode-se utilizar a simples ‘’regra dos 9’’, na qual as
regiões anatômicas representam 9% (ou múltiplos de 9) da área corporal total.

No adulto: cada membro superior corresponde a 9% da superfície corporal


total (4,5% região anterior e 4,5% região posterior), cada membro inferior 18%
(9% região anterior e 9% região posterior), o tronco 36% (18% região anterior
e 18% região posterior), cabeça e o pescoço 9% (4,5% região anterior e 4,5%
região posterior) e o períneo 1%.

09 Fonte: ATLS, 2018.

141
Queimados
No paciente pediátrico: quando nascem, a proporção da superfície corporal
representada por sua cabeça é maior (18% da SCQ, 9% anterior e 9%
posterior) e menor em cada membro inferior (14% da SCQ, 7% anterior e 7%
posterior).

Fonte: ATLS, 2018.

Em casos de pequenas queimaduras ou de áreas mal delimitadas, a palma


da mão pode ser usada para contagem daquela superfície, equivalendo cerca
de 1% da área corporal total.

9.4.3. Queimadura Circunferencial em Extremidades


Nesses casos, há possibilidade de síndrome compartimental, devido ao
edema e a diminuição da elasticidade da pele. O aumento da pressão dentro
do compartimento muscular interfere em sua perfusão, levando a morde
tecidual.

Para evitar tal situação, alerta-se para os seguintes sinais: dor


desproporcional ao esperado, parestesia ou alteração sensitiva distal ao
compartimento afetado, inchaço e tensão do compartimento afetado, dor à
extensão passiva. Se necessário, a escarotomia e fasciotomia podem ser
realizadas para descompressão do compartimento, sendo a incisão feita
através da área queimada.

9.4.4. Curativos

09
Antes do transporte, os ferimentos devem ser cobertos com curativos para
impedir a contaminação continua e o fluxo de ar sobre as feridas, que

142
Queimados resultaria em maior dor. Não há indicação para compressa gelada, estourar
bolhas ou usar antibiótico profilático.

A ferida deve ser protegida da contaminação. Reduzir o número de


funcionários que não utilizem equipamentos de proteção no ambiente do
doente e sempre que em contato com a ferida utilizar luvas. Quando
necessário, a ferida pode ser limpa com solução salina estéril1.

9.5. Transporte
Após a estabilização em um centro de trauma, o doente com queimaduras
pode, então, ser transportado a um centro para tratamento de queimados para
instituição da terapia definitiva e reabilitação. A American Burn Association e
a American College of Surgeons estabeleceram os critérios para transporte
ou transferência do doente vítima de queimaduras ao centro para tratamento
especializado1.

9.5.1. LESÕES QUE NECESSITAM DE ATENDIMENTO EM UNIDADE PARA QUEIMADOS:


1. Lesão por inalação.
2. Queimaduras de espessura parcial sobre mais de 10% da área
corpórea superficial total (ACST).
3. Queimaduras de espessura completa (terceiro grau) em doentes de
qualquer faixa etária.
4. Queimaduras em face, mãos, pés, genitália, períneo ou articulações
principais.
5. Queimaduras elétricas, incluindo lesão por raios.
6. Queimaduras químicas.
7. Lesão por queimadura em doentes que apresentam doenças pré-
existentes que poderiam complicar o tratamento, prolongar a
recuperação ou afetar a mortalidade.
8. Quaisquer doentes com queimaduras e trauma concomitante (p. ex.,
fraturas), nos quais a lesão por queimadura apresenta maior risco de
morbidade ou mortalidade; caso o trauma seja associado a um maior
risco imediato, o doente pode ser inicialmente estabilizado em um
centro especializado em traumas antes de ser transferido para a
unidade de queimados.
9. Crianças queimadas internadas em hospitais sem profissionais
qualificados ou equipamentos para o atendimento pediátrico.
10. Lesão por queimadura em doentes que requerem intervenção de

09
reabilitação especial, social, emocional ou prolongada.

143
Queimados 9.6. Tratamento e exames complementares
9.6.1. Vias aéreas e Ventilação
Para acompanhar a evolução de uma possível lesão pulmonar do paciente
queimado são necessários Raio-X de tórax e gasometria arterial. Além
desses, deve-se pedir outros exames complementares: hemograma
completo, tipagem, glicemia, eletrólitos e beta HCG em pacientes femininas
em idade fértil1.

9.6.2. Circulação
A reposição volêmica inicial do paciente queimado deve ser feita com
cristaloides e é baseada na fórmula de PARKLAND: 2 mL x Kg de peso
corporal x % SCQ. Em casos pediátricos, a considera-se 3mL x Kg de peso
corporal x superfície corporal queimada1.

Metade do volume total deve ser infundida nas primeiras 8 horas após a
queimadura e a outra metade nas próximas 16 horas, sendo ajustado de
acordo com a diurese. A meta é atingir uma diurese de 0,5 mL/kg/h para
adultos e 1mL/Kg/h para crianças < 30kg1.

9.7. outras lesões por queimadura


9.7.1. Queimaduras Elétricas
Neste tipo específico de queimadura, o examinador deve ter cautela para
não negligenciar a gravidade da lesão, uma vez que, geralmente, ela é mais
profunda e séria do que aparenta a olho nu. Uma das grandes preocupações
aqui, além das arritmias causadas por injúria miocárdica, é a rabdomiólise,
resultante do dano muscular associado à queimadura elétrica e consequente
liberação de mioglobina, responsável por quadros de insuficiência renal
aguda.

A abordagem inicial inclui atenção e manutenção da via aérea, adequada


oxigenação e ventilação, estabelecer acessos venosos calibrosos em
extremidades não afetadas, monitorização com ECG e sondagem vesical.

Exames laboratoriais como CK-MB não são confiáveis para detecção


de injúria cardíaca, uma vez que o dano muscular também interfere neste
teste, confundindo seu valor. A avaliação, portanto, se dá por ECG4.

Quanto a mioglobinúria, a própria alteração da cor urina, característica do


quadro (urina com cor de ‘’coca cola’’), já é suficiente marcador para início do
tratamento, não necessitando esperar confirmação laboratorial. É
fundamental, nesses casos, iniciar hidratação em grande volume, a 4
mL/kg/%SCQ, e garantir um débito urinário de pelo menos 100 mL/hr em
adultos e de 1 a 1,5 mL/kg/hr em crianças com menos de 30Kg1.

09 144
Queimados 9.7.2. Queimaduras Químicas
São causadas, muitas das vezes, por agentes químicos industriais, sejam
eles de natureza ácida ou básica. Em ambos os casos, ocorrerá necrose
(geralmente de coagulação quando ácidos, e de liquefação quando bases) da
pele atingida, tendo as bases maior potencial de penetração.

São fatores que influenciam as queimaduras químicas: duração de contato,


concentração, volume e reatividade do agente.

Portanto, a remoção do agente e limpeza da ferida são essenciais e devem


ser realizados imediatamente. Para isso, utilizar água corrente e morna em
abundância, por pelo menos 20 minutos.

Vale lembrar que não se recomenda o uso de agentes neutralizantes, visto


que a reação de neutralização liberaria mais calor, podendo aumentar a
gravidade da lesão. Além disso, lesões pulmonares (por inalação)
secundárias a agentes químicos devem receber tratamento similar ao da
lesão pulmonar por fumaça.

09 145
Queimados 9.8. Referências
1. AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS. ATLS: Advanced Trauma Life
Support - Student Course Manual. 10th. ed. Chicago: American College of
Surgeons, 2018.

2.Jeschke, M.G. et al. Burn injury. Nat Rev Dis Primers 6, 11 (2020).

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