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O QUE É
PESQUISA
QUALITATIVA?

objetivos do capítulo
Após a leitura deste capítulo, você deverá:
• identificar as características comuns da pesquisa qualitativa e sua
proliferação ao mesmo tempo;
• conhecer as perspectivas de pesquisa e o papel da teoria na pes-
quisa qualitativa;
• entender que a pesquisa qualitativa está situada na tensão entre
métodos e atitudes.
16 n Uwe Flick

deFinindo A pesQuisA QuAlitAtivA


O termo “pesquisa qualitativa” foi usado, durante muito tempo, de forma
diferenciada, para descrever uma alternativa à pesquisa “quantitativa”,
e foi cunhado no contexto de uma crítica à segunda, especialmente seus
desdobramentos nos anos de 1960 e 1970. Entretanto, a pesquisa qualitativa
tem uma longa história em muitas disciplinas, onde a pesquisa social como
um todo começou com abordagens que agora seriam resumidas sob o título
de pesquisa qualitativa. Quanto mais esse desdobramento avançava, mais
claro foi ficando um perfil daquilo que o termo significava. Esse perfil não
é mais definido por eliminação – a pesquisa qualitativa é a pesquisa não
quantitativa ou não padronizada, ou algo assim –, e sim dispõe de várias ca-
racterísticas próprias. Sendo assim, a pesquisa qualitativa usa o texto como
material empírico (em vez de números), parte da noção da construção social
das realidades em estudo, está interessada nas perspectivas dos participan-
tes, em suas práticas do dia a dia e em seu conhecimento cotidiano relativo
à questão em estudo. Os métodos devem ser adequados àquela questão e
devem ser abertos o suficiente para permitir um entendimento de um pro-
cesso ou relação (ver Flick, 2006, para mais detalhes). Isso significa que se
pode identificar um entendimento comum do que é a pesquisa qualitativa?
Na última edição de seu livro, Denzin e Lincoln (2005a, p. 3) apresentam
uma “definição inicial e genérica”:

A pesquisa qualitativa é uma atividade situada que posiciona o observa-


dor no mundo. Ela consiste em um conjunto de práticas interpretativas
e materiais que tornam o mundo visível. Essas práticas transformam o
mundo, fazendo dele uma série de representações, incluindo notas de cam-
po, entrevistas, conversas, fotografias, gravações e anotações pessoais.
Nesse nível, a pesquisa qualitativa envolve uma postura interpretativa e
naturalística diante do mundo. Isso significa que os pesquisadores desse
campo estudam as coisas em seus contextos naturais, tentando entender
ou interpretar os fenômenos em termos dos sentidos que as pessoas lhes
atribuem.

Essa parece ser uma boa definição sobre o que é a pesquisa qualitativa.
Contudo, se tomarmos como exemplo a análise de conversação (ver Rapley,
2007; Ten Have, 1999), os pesquisadores estão interessados na organização
formal do falar sobre algo e não no sentido que as pessoas atribuem ao fenô-
meno. Porém, a análise de conversação é um exemplo destacado da pesquisa
qualitativa. Uma parcela considerável da pesquisa qualitativa parte de uma
“abordagem naturalística em relação ao mundo” e outra assume uma postura
interpretativa em relação ao mundo. Aliás, em vários contextos, ambas são
consideradas como diferentes em níveis de epistemologia e de metodologia,
Desenho da pesquisa qualitativa n 17

o que torna difícil simplesmente combinar “naturalístico interpretativo” em


uma só abordagem. Essas observações não se fazem tanto como uma crítica
à definição de Denzin e Lincoln, e sim para demonstrar as dificuldades de
se formular essa definição de forma genérica.

A proliFerAção dA pesQuisA QuAlitAtivA


Já faz um bom tempo que a pesquisa qualitativa vem se desenvolvendo.
O nome “pesquisa qualitativa” é usado como um guarda-chuva para incluir
uma série de enfoques à pesquisa nas ciências sociais. Elas também são co-
nhecidas como abordagens hermenêuticas, reconstrutivas ou interpretativas
(ver Flick, 2006, e Flick et al., 2004a, para revisões recentes). Além disso,
às vezes o termo “investigação” é preferido em detrimento de “pesquisa”,
ou ambos são substituídos para se chamar o empreendimento como um
todo de “etnografia”. Contudo, sob o rótulo de pesquisa qualitativa, essas
abordagens e esses métodos, bem como os resultados obtidos com o seu
uso, estão chamando cada vez mais atenção, não apenas na sociologia, mas
também na educação, na psicologia, nas ciências sociais e afins. Em algumas
dessas áreas, são publicados manuais especiais de pesquisa qualitativa (na
psicologia, por exemplo), ao mesmo tempo em que quase não se publica um
livro em outras (como reabilitação, enfermagem e saúde pública) que não
tenha um capítulo sobre métodos de pesquisa qualitativa. Sem entrar em
detalhes de um histórico da pesquisa qualitativa aqui, pode-se identificar
uma trajetória de sucesso. Os indicadores disso são os números crescentes
de revistas acadêmicas sobre o tema ou de revistas estabelecidas que se
abrem à sua publicação. O número de livros-texto, manuais, monografias e
coletâneas está aumentando constantemente e, em muitas áreas, aumenta
muito a pesquisa qualitativa dentro da pesquisa subsidiada. O número de
cursos e currículos dedicados à pesquisa qualitativa está crescendo. Por
fim, um número cada vez maior de jovens pesquisadores faz suas disserta-
ções e teses no âmbito de estudos que usam métodos qualitativos ou uma
combinação de qualitativos e quantitativos. Todos esses indicadores de uma
trajetória bem-sucedida da pesquisa qualitativa podem ser diferentes nas
várias disciplinas relacionadas e em países distintos, mas descrevem uma
tendência geral a estabelecer a pesquisa qualitativa como uma abordagem
levada a sério em um número cada vez maior de contextos.
Ao mesmo tempo, não se vê essa tendência de estabelecer a pesquisa
qualitativa acompanhada do desenvolvimento de algo como um núcleo pa-
radigmático do que ela representa. Embora se possam identificar alguns
princípios gerais já citados, defrontamo-nos com uma proliferação perma-
nente de pesquisa qualitativa em, pelo menos, quatro níveis:
18 n Uwe Flick

• Antes de mais nada, há diferentes programas de pesquisa em pesquisa


qualitativa, que têm diferentes questões de pesquisa, métodos especí-
ficos e contextos teóricos. Entre os exemplos, podem estar a pesquisa
em teoria fundamentada* ou análise do discurso, que têm interesses
e princípios metodológicos diferentes, mas são, ambas, importantes
na pesquisa qualitativa.
• Em segundo lugar, podem-se ver diferenças naquilo que se entende por
pesquisa qualitativa nos Estados Unidos, no Reino Unido ou, por exemplo,
na Alemanha (ver Knoblauch et al., 2005, para uma visão comparativa
da pesquisa qualitativa em diferentes países). A primeira proliferação, é
claro, também é relevante dentro de cada uma dessas tradições nacionais.
A definição de Denzin e Lincoln em seu livro, por exemplo, representa
basicamente a discussão feita nos Estados Unidos.
• Terceiro, encontramos discursos diferenciados sobre pesquisa qualitativa
em diferentes disciplinas. Os pesquisadores desse campo na psicologia
têm interesses e problemas específicos, assim como seus colegas na so-
ciologia, por exemplo, mas eles não são necessariamente os mesmos.
• Quarto, há uma diversidade cada vez maior de discursos específicos de
determinadas áreas em relação à pesquisa qualitativa. Os exemplos são a
pesquisa qualitativa contratada nos campos das ciências da saúde, da ges-
tão ou da avaliação. Essas áreas têm limitações e necessidades especiais,
que são diferentes, por exemplo, da pesquisa universitária no âmbito de
dissertações e de teses, ou no contexto da pesquisa “básica”.

Alguém que espera o desenvolvimento de padrões para pesquisa qualitati-


va a partir de uma longa história de pesquisa e discussão metodológica pode
ficar perplexo ou decepcionado com essa proliferação. Em alguns momentos,
isso pode gerar problemas na aceitação da pesquisa qualitativa e fragilizar
sua posição na concorrência com os pesquisadores quantitativos, quando
se trata de alocar recursos de financiamento. Entretanto, essa proliferação
também pode ser considerada típica da pesquisa qualitativa em função de
suas características principais ou dos princípios orientadores de todos os
tipos de pesquisa qualitativa.

A AdeQuAção Como prinCÍpio orientAdor


O desenvolvimento da pesquisa qualitativa está ligado ao princípio da
adequação de três formas. Originalmente, no início da pesquisa empírica em
várias disciplinas, havia mais questões a serem estudadas do que métodos

*N. de R.T. Neste livro, o termo em inglês Grounded theory foi traduzido como teoria
fundamentada.
Desenho da pesquisa qualitativa n 19

para usar. Podemos ver como os métodos usados nos primeiros estudos da
pesquisa qualitativa foram desenvolvidos a partir de um interesse de co-
nhecimento específico, por um lado, e das características do que deveria
ser estudado, por outro. Vidich e Lyman (2000) mostram como os métodos
dos primórdios da etnografia eram informados pelos interesses dos pesqui-
sadores no “Outro”, o que, naquela época, significava entender a diferença
entre as culturas não ocidentais e os antecedentes ocidentais dos próprios
pesquisadores. Depois, isso foi ampliado a abordagens comparativas que
descreviam diferentes visões de culturas de um ponto de vista evolutivo e,
mais tarde, aplicado à compreensão e descrição de partes específicas da
própria cultura de quem descreve, nos estudos da Escola de Chicago, por
exemplo. Outro exemplo é o desenvolvimento dos métodos de pesquisa
de Piaget, a partir de seu interesse em entender o desenvolvimento e o
pensamento infantis em diversas etapas. Nessa fase do desenvolvimento,
a necessidade de adequação nos métodos da pesquisa (que mais tarde se
chamou de) qualitativa resultou das características das questões que foram
descobertas para pesquisa e da falta de uma metodologia desenvolvida que
estivesse pronta para ser aplicada nesses estudos (ver também Flick, 2006,
Capítulo 1, para uma breve história da pesquisa qualitativa).
Um segundo vínculo com a adequação como princípio pode ser identi-
ficado muito mais tarde no renascimento da pesquisa qualitativa nas dé-
cadas de 1960 e 1970. Neste caso, encontramos uma situação diferente:
as metodologias tinham sido desenvolvidas, estabelecidas e refinadas. As
disciplinas tinham vinculado seu próprio desenvolvimento e consolidação
a um método específico, o experimento na psicologia, o uso de pesquisa
de levantamento* na sociologia, por exemplo. Neste último caso, isso foi
complementado pelo desenvolvimento das “grandes teorias” (como as de
Talcott Parsons, por exemplo) para descrever como as sociedades funcionam
em geral e em termos de detalhes específicos. Ao mesmo tempo, métodos
e teorias deixavam escapar uma grande quantidade de questões que eram
relevantes em termos práticos, mas de menor porte e difícil compreensão.
Como resultado desses desdobramentos, uma carência de métodos (e teo-
rias) prontos para descrever e explicar fenômenos relevantes levou a uma
redescoberta da pesquisa qualitativa. Exemplos de como a falta de méto-
dos adequados levou à criação de novos métodos e programas de pesquisa
para desenvolver teorias “fundamentadas empiricamente” são os estudos
de Erving Goffman (1959) ou Howard Becker, Anselm Strauss e Barney Glaser

* N. de R.T. Neste livro, o termo em inglês Survey foi traduzido como pesquisa de levan-
tamento.
20 n Uwe Flick

(Becker et al., 1961). Esses autores estavam interessados no uso da pesqui-


sa empírica para descobrir e desenvolver teorias de fenômenos que sejam
relevantes em termos práticos, que não poderiam ser tratados por pesquisa
de levantamento e grandes teorias. Nessa fase, o princípio da adequação se
tornou relevante para a pesquisa qualitativa em função da lacuna entre as
metodologias consolidadas e as questões que não poderiam ser estudadas
adequadamente com essas metodologias. O princípio da adequação levou
ao desenvolvimento de uma gama de métodos quantitativos – às vezes a
uma redescoberta e a mais desenvolvimento de métodos já existentes – de
programas de pesquisa e de um discurso metodológico ampliado da pesquisa
qualitativa. Para essa fase, mais uma vez, podemos associar características
metodológicas dos métodos (e programas) da pesquisa qualitativa às carac-
terísticas das questões que foram estudadas.
Em um terceiro sentido, o princípio da adequação se tornou relevante
na situação atual. Atualmente, pode-se observar mais proliferação de pes-
quisa qualitativa em uma série de áreas de pesquisa. Se observarmos áreas
como estudos de organização ou pesquisa em gestão, ou campos como a
pesquisa em saúde ou enfermagem especificamente, encontraremos ca-
racterísticas específicas de campos e questões a serem estudadas. Elas
levaram ao desenvolvimento de discursos metodológicos que são específicos
e diferentes do discurso da pesquisa qualitativa em geral. A pesquisa em
gestão, por exemplo, defronta-se com estruturas muito específicas (das
organizações). A pesquisa em enfermagem muitas vezes trabalha com pes-
soas em uma situação muito específica – a vulnerabilidade de pacientes
e seus parentes diante da doença e da morte – que requer determinados
métodos, sensibilidades e preocupações éticas por parte do pesquisador. No
campo da avaliação qualitativa, por exemplo, as restrições vêm de rotinas
de práticas (a ser avaliadas) e das expectativas dos contratantes da pes-
quisa (de ter resultados que tenham relevância prática, disponíveis depois
de um tempo relativamente curto). Essas restrições geram demandas e
necessidades diferentes da pesquisa qualitativa no contexto de um projeto
de dissertação ou de um financiamento no âmbito da pesquisa básica. Em
todos esses casos – da gestão à avaliação – foram desenvolvidos discursos
metodológicos específicos, estimulados pela necessidade de se ter pesquisa
qualitativa que adequada a esses casos. Isso fica evidente nos métodos usa-
dos, nas discussões de qualidade da pesquisa qualitativa em cada campo e
nas formas de apresentar e usar resultados da pesquisa qualitativa em cada
um desses campos. Neste terceiro sentido, é mais uma vez a proliferação
e o refinamento metodológico da pesquisa qualitativa que criam uma nova
Desenho da pesquisa qualitativa n 21

necessidade de levar mais a sério a adequação como princípio, e leva a uma


diferenciação cada vez maior entre campos.

A pesQuisA QuAlitAtivA Como disCiplinA ACAdêmiCA


em Contextos ApliCAdos
Do ponto de vista mais geral, a pesquisa qualitativa passou por um pro-
cesso de consolidação como disciplina acadêmica. Após um período de pes-
quisa ampliada, cada vez mais se publicam livros-texto. Esses livros-texto
são gerais de pesquisa qualitativa (como Flick, 2006, ou Silverman, 2006)
ou são específicos de disciplinas (p. ex., para a psicologia, Smith, 2003, ou
Bannister et al., 1994; para a sociologia, Denzin, 1989, etc.). Além disso,
podemos encontrar vários manuais de pesquisa qualitativa disponíveis, mais
uma vez, com um foco mais geral (Denzin e Lincoln, 1994, 2000, 2005b; Flick
et al., 2004a; Seale et al., 2004) ou com um foco específico por disciplina
(como Willig e Stainton-Rogers, 2007, para a psicologia). Também há várias
publicações acadêmicas sobre a pesquisa qualitativa em geral ou para sua
aplicação em áreas específicas. Isso está atrelado a tentativas de formular
padrões de pesquisa qualitativa ou, pelo menos, de encontrar respostas mais
ou menos gerais à pergunta de como julgar a qualidade da pesquisa quali-
tativa (ver Flick, 2007, para mais detalhamento). Esses desdobramentos em
geral vão levar à consolidação da pesquisa qualitativa no campo acadêmico e
dar orientação para ensino, formação, qualificação e elaboração de teses.
Ao mesmo tempo, a pesquisa qualitativa muitas vezes não se restringe
à produção de conhecimento ou a descobertas com propósitos científicos.
Com frequência, a intenção é mudar a questão em estudo ou produzir co-
nhecimento relevante em termos práticos, ou seja, produzir ou promover
soluções para problemas concretos. As abordagens de pesquisa participa-
tiva ou pesquisa-ação envolvem pessoas (ou instituições) no planejamento
e, às vezes, na condução de pesquisas que pretendem produzir resultados
relevantes a elas (não apenas aos discursos científicos). Nesses contextos,
podem surgir conflitos entre as demandas de métodos e da ciência em
geral com os propósitos práticos. Na avaliação qualitativa, por exemplo,
levanta-se outra questão: A avaliação tem que gerar apreciações por meio
de pesquisa – ou seja, se um programa específico funciona ou não – o que
significa que os pesquisadores têm que abrir mão de sua neutralidade em um
determinado momento. Ao mesmo tempo, as expectativas na pesquisa sobre
avaliação qualitativa estão vinculadas a calendários por vezes apertados,
e os resultados não apenas têm que ser dirigidos (p. ex., a apreciações e
valorações), mas muitas vezes têm que estar disponíveis depois em um prazo
22 n Uwe Flick

um tanto limitado, em comparação com o período de uma tese de doutorado,


por exemplo. As rotinas da prática e os contextos institucionais demandam a
adaptação de rotinas e padrões metodológicos. Nesse contexto, muitas vezes,
torna-se necessário fazer uso pragmático dos métodos e avaliar os padrões
metodológicos em relação a padrões de cumprimento de expectativas dos
contratantes e aos interesses dos participantes. Em sentido metodológico,
são necessárias estratégias de atalho, que permitam adaptar procedimentos
metodológicos às condições em campo (Flick, 2004a; Luders, 2004a). Como
mencionado acima, esses propósitos e condições de pesquisa podem levar a
problemas e discursos metodológicos, os quais, uma vez mais, reforçam a
proliferação e a diferenciação da pesquisa qualitativa em geral.

A pesQuisA QuAlitAtivA Como disCurso morAl


Em sua definição citada anteriormente, Denzin e Lincoln (2005a, p. 3)
destacam que as “práticas dos pesquisadores transformam o mundo”. No-
vamente, há dois lados da moeda nessa afirmação. O primeiro é que os pes-
quisadores qualitativos não agem com neutralidade invisível, e sim tomam
parte quando observam (na observação participante) ou fazem com que os
participantes reflitam sobre sua vida e história de vida (em uma entrevista
biográfica), o que pode levar os entrevistadores a compreender coisas no-
vas sobre sua situação e o mundo ao seu redor. O segundo é que a pesquisa
qualitativa deveria (em geral ou sempre) se engajar na tarefa de mudar o
mundo. Principalmente, se observarmos a terceira edição do Handbook of
Qualitative Research*, de Denzin e Lincoln (2005b), encontraremos muitos
capítulos aprofundando o que os organizadores estabeleceram em seu prefá-
cio (2005c, p. xvi): “… a pesquisa qualitativa é um projeto de investigação,
mas também é um projeto moral, alegórico e terapêutico”. Segundo essa
leitura, a pesquisa qualitativa está permanentemente em busca da resposta
à pergunta que fez Howard Becker (1967) algum tempo atrás (“De que lado
estamos?”) e tem uma autorização moral para assumir o lado dos menos
favorecidos, das minorias ou das vítimas da colonização ou da migração.
Seguindo essa visão, a pesquisa qualitativa é explicitamente política e pre-
tende transformar o mundo com suas práticas (para usar, mais uma vez, a
citação da definição). Contudo, esta, mais uma vez, é uma versão para se
definir e ler a pesquisa qualitativa. Para além dessa compreensão da pesquisa
qualitativa como discurso moral, há uma postura mais pragmática, que a
vê como extensão das ferramentas e dos potenciais da pesquisa social para
entender o mundo e produzir conhecimento sobre ele. Mais uma vez, isso

* N. de R.T. A Artmed publicou a segunda edição (Denzin e Lincoln. O planejamento da


pesquisa qualitativa e abordagens, 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006).
Desenho da pesquisa qualitativa n 23

mostra a proliferação da pesquisa qualitativa, também em nível de atitudes


e visões básicas de como deveriam ser, em termos gerais, a investigação, a
pesquisa qualitativa e assim por diante.

QuAlidAde e QuAntidAde: AlternAtivAs, dois


lAdos dA mesmA moedA ou CombinAções?
Na relação entre pesquisa qualitativa e quantitativa, mais uma vez encon-
tramos posições diferentes. Em primeiro lugar, cada lado rejeita claramente
o outro. O livro de Denzin e Lincoln (2005a, p. 10-12), por exemplo, não
discute qualquer forma de combinar pesquisa qualitativa e quantitativa. Se
a segunda é mencionada, é basicamente como diferenciação da pesquisa
qualitativa, para apontar a força desta. Ainda há um bom número de pes-
quisadores quantitativos que ignoram ou rejeitam a existência de métodos
qualitativos, da pesquisa qualitativa em geral e dos resultados produzidos
por ela. A distinção e a rejeição mútua ainda são a maneira principal de
tratar ambos os “campos”.
Porém, em muitas áreas, como a pesquisa sobre avaliação, a prática de
pesquisa se caracteriza por um ecletismo mais ou menos pragmático no uso
de uma série de métodos qualitativos e quantitativos segundo o que for
necessário para se responder à pergunta da pesquisa. No contexto desse
pragmatismo, as reflexões metodológicas sobre como combinar a pesquisa
qualitativa e a quantitativa permanecem um tanto escassas e limitadas. As
combinações de pesquisa qualitativa e quantitativa podem ser vistas em
níveis diferentes:

• Epistemologia e metodologia (incluindo as incompatibilidades episte-


mológicas e metodológicas de ambas as abordagens).
• Desenhos de pesquisa, que combinam ou integram dados e/ou métodos
qualitativos e quantitativos.
• Métodos de pesquisa qualitativos e quantitativos ao mesmo tempo.
• Vinculação dos resultados da pesquisa qualitativa e quantitativa.
• Generalização.
• Avaliação da pesquisa com o uso de critérios da pesquisa quantitativa
para avaliar a pesquisa qualitativa ou o contrário.

Podem-se encontrar várias sugestões sobre como combinar a pesquisa


qualitativa e quantitativa. Hammersley (1996, p. 167-168) distingue três
formas de fazer essa ligação:

• A triangulação de ambas as abordagens, em que o autor vê mais ên-


fase na avaliação mútua de resultados e menos na extensão mútua de
potenciais de conhecimento.
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• A facilitação destaca a função de apoio da outra abordagem – cada uma


proporciona hipóteses e inspirações para realizar análises da aborda-
gem isoladamente.
• Ambas as abordagens podem ser combinadas como estratégias com-
plementares de pesquisa.

Bryman (1992, p. 59-61) descreveu onze formas de integrar as pesquisas


quantitativa e qualitativa:
1. A lógica da triangulação significa, para o autor, verificar, por exem-
plo, os resultados qualitativos em relação aos quantitativos.
2. A pesquisa qualitativa pode apoiar a quantitativa e
3. Vice-versa.
4. Ambas são combinadas ou oferecem um quadro mais geral da questão
em estudo.
5. As características estruturais são analisadas com os métodos quan-
titativos e os aspectos de processo, com abordagens qualitativas.
6. A perspectiva dos pesquisadores guia as abordagens quantitativas,
ao passo que a pesquisa qualitativa enfatiza os pontos de vista do
subjetivo.
7. O problema da generalidade pode ser resolvido pela pesquisa qua-
litativa acrescentando-se resultados quantitativos.
8. Os resultados qualitativos podem facilitar a interpretação das rela-
ções entre variáveis em conjuntos de dados quantitativos.
9. A relação entre os níveis micro e macro em uma área importante
pode ser esclarecida combinado-se as pesquisas qualitativa e quan-
titativa.
10. As pesquisas quantitativa e qualitativa podem ser adequadas em
diferentes etapas do processo de pesquisa.
11. Formas híbridas, por exemplo, o uso de pesquisa qualitativa em
desenhos de natureza experimental.

Nesse panorama geral, encontramos uma ampla variedade de alternati-


vas. Os números 5, 6 e 7 destacam que a pesquisa qualitativa pode revelar
aspectos diferentes em comparação com a qualitativa. As diferenças teóricas
e epistemológicas (ou morais) têm muito pouca influência na abordagem de
Bryman, que está mais dirigida à pragmática da pesquisa. A integração de
ambas as abordagens, as metodologias mistas (Tashakkori e Teddlie, 2003a) e
a triangulação de métodos qualitativos e quantitativos (Flick, 2007 ou Kelle
e Erzberger, 2004) são discutidas mais amplamente abaixo. As terminologias
mostram diferentes intenções e objetivos com essas formas de combina-
ções. As abordagens que usam metodologias mistas estão interessadas nos
vínculos entre as pesquisas qualitativa e quantitativa com vistas a dar fim
Desenho da pesquisa qualitativa n 25

às guerras de paradigmas de épocas anteriores. A abordagem é declarada


um “terceiro movimento metodológico” (Tashakkori e Teddlie, 2003b, p. ix).
A pesquisa e os métodos quantitativos são considerados um primeiro movi-
mento, enquanto a pesquisa qualitativa é o segundo. Os objetivos de uma
discussão metodológica neste caso são deixar claro a “nomenclatura”, as
questões relativas ao desenho e as aplicações das metodologias de pesquisa
mistas e das inferências neste contexto. Do ponto de vista metodológico,
o objetivo é se ter um alicerce de metodologias de pesquisa mistas. O uso
do conceito de paradigmas nesse contexto, contudo, mostra que os autores
partem de duas abordagens fechadas, que podem ser diferenciadas, com-
binadas ou rejeitadas, sem refletir os problemas metodológicos concretos
de sua combinação.
As justificações para as metodologias mistas de pesquisa são descritas as-
sim: “Propomos que uma metodologia verdadeiramente mista (a) incorpore
múltiplas abordagens em todas as etapas do estudo (ou seja, identificação
do problema, coleta de dados, análise de dados e inferências finais) e (b)
inclua transformação dos dados e sua análise por meio de outra abordagem”
(Tashakkori e Teddlie, 2003b, p. xi). O conceito de integrar abordagens qua-
litativas e quantitativas vai mais além, visando a desenvolver um desenho
de pesquisa integrado e, particularmente, integrar os resultados qualitativos
e quantitativos (Kelle e Erzberger, 2004). Versões mais recentes de trian-
gulação, por outro lado, visam a combinar os pontos fortes dos desenhos
de pesquisa qualitativos e quantitativos, os métodos de ambos os tipos e
os resultados que eles produzem, levando em conta as diferentes origens
teóricas (ver Flick, 2006, Capítulo 2).
Se examinamos a questão de vincular a pesquisa qualitativa à quantitativa
nesse momento, a intenção não é considerar essa como a futura direção da
pesquisa social ou como sugestão para abrir mão dos princípios e da singu-
laridade da pesquisa qualitativa. Em vez disso, parece necessário refletir
sobre formas de vincular ambas as abordagens, por três razões:

• Antes de mais nada, existem, realmente, questões de pesquisa que


demandam a combinação de ambas as abordagens.
• Em segundo lugar, as combinações pragmáticas de métodos estão na
moda atualmente. Isso não acontece simplesmente porque eles pro-
metem uma simplificação de um campo em proliferação – as diver-
sidades da pesquisa social. Eles parecem ser uma forma de dar fim
a discussões metodológicas nas quais se questionou a adequação da
pesquisa qualitativa.
• Terceiro, se, por uma das duas razões acima, a combinação de pes-
quisa qualitativa e quantitativa se tornar necessária, devemos tentar
26 n Uwe Flick

explicitá-la mais nos níveis teóricos, metodológicos e práticos de pes-


quisa e interpretação dos resultados.

perspeCtivAs de pesQuisA
De um novo ponto de vista, mas abrangente, podem-se identificar várias
perspectivas na pesquisa social. Algumas delas têm orientação puramente
quantitativa (o que significa, basicamente, que não há componentes de pes-
quisa qualitativa envolvidos). Nesse caso, podemos distinguir várias aborda-
gens de pesquisa – pesquisa de levantamento, epidemiológica, padronizada
e experimental, para citar apenas algumas. Determinadas perspectivas se
baseiam em uma combinação de pesquisa qualitativa e quantitativa. Como
já deve estar claro, mais uma vez encontramos diferentes versões. E, fi-
nalmente, podemos encontrar várias abordagens de pesquisa de natureza
principal ou exclusivamente qualitativa. Voltando à pesquisa qualitativa,
podem-se encontrar, pelo menos, três perspectivas, das quais um quadro
geral inicial é apresentado na Quadro 1.1.
Os pontos de referência teóricos na primeira perspectiva se baseiam
em tradições de interacionismo simbólico e fenomenologia. Uma segunda

QuAdro 1.1 perspeCtivAs nA pesQuisA QuAlitAtivA

Análise
AbordAgens desCrição dA hermenêutiCA
dos pontos de FormAção dAs dAs estruturAs
vistA subjetivos situAções soCiAis subjACentes

Posições – Interacionismo – Etnometodologia – Psicanálise


teóricas simbólico – Construcionismo – Estruturalismo
– Fenomenologia genético

Métodos – Entrevistas – Grupos focais – Registro de


de coleta semiestruturadas – Etnografia interações
de dados – Entrevistas narrativas – Observação – Fotografia
participante – Filmes
– Registro de interações
– Coleta de documentos

Métodos – Codificação teórica – Análise de – Hermenêutica


de inter- – Análise de conteúdo conversação objetiva
pretação – Análise de narrativa – Análise do discurso – Hermenêutica
– Métodos – Análise de documentos profunda
hermenêuticos
Desenho da pesquisa qualitativa n 27

linha principal está ancorada teoricamente na etnometodologia e no cons-


trucionismo e interessada em rotinas da vida cotidiana e na formação da
realidade social. As posições estruturalistas e psicanalíticas, que pressupõem
estruturas e mecanismos psicológicos inconscientes e configurações sociais
latentes, são o terceiro ponto de referência. Essas três grandes perspectivas
diferem em termos de seus objetivos de pesquisa e nos métodos que em-
pregam. Autores como Luders e Reichertz (1986) justapõem, inicialmente,
as abordagens que destacam “o ponto de vista do sujeito” e um segundo
grupo que visa a descrever o processo na produção de situações, meios e
ordens sociais existentes (cotidianas, institucionais ou mais gerais e sociais)
(p. ex., nas análises etnometodológicas da linguagem). A terceira abordagem
se caracteriza por uma reconstrução (mais hermenêutica) das “estruturas
profundas que produzem ação e sentido” em termos de concepções psica-
nalíticas e objetivo-hermenêuticas (ver Flick, 2006, para mais detalhes).
Os mais importantes métodos qualitativos para coleta e análise de dados
podem ser situados nessas perspectivas, da seguinte forma. Na primeira
perspectiva, predominam as entrevistas semiestruturadas ou narrativas e
os procedimentos para codificação e análise de conteúdo. Na segunda pers-
pectiva de pesquisa, os dados são coletados em grupos focais, etnografia ou
observação (participante) e pelo registro de interações em áudio ou vídeo.
A seguir, esses dados são analisados usando as análises do discurso e de con-
versação. Do ângulo da terceira perspectiva, os dados são principalmente
coletados registrando-se interações com o uso de material visual (fotos ou
filmes), que depois pode ser submetido a uma das diferentes versões da
análise hermenêutica (Hitzler e Eberle, 2004).

teoriA e epistemologiA dA pesQuisA QuAlitAtivA


Como mencionado anteriormente, a pesquisa qualitativa não se baseia
em um único programa teórico, servindo-se de várias formações teóricas.
Entretanto, a distinção entre positivismo e construcionismo está por trás da
discussão epistemológica da pesquisa qualitativa de forma bastante ampla.
Segundo Oakley (1999), a distinção muitas vezes está relacionada ao con-
texto do feminismo também na pesquisa qualitativa. O positivismo, como
programa epistemológico, tem origem nas ciências naturais e, portanto, é
mais usado como uma referência em negativo da qual diferenciar a pesquisa
em questão. Mas o real significado do positivismo raramente é explicitado
nas discussões das ciências sociais.
Bryman (2004, p. 11) resume várias premissas do positivismo. Somente
o conhecimento de fenômenos confirmados pelos sentidos pode ser consi-
derado conhecimento (fenomenalismo). As teorias são usadas para gerar
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hipóteses que possam ser testadas e possibilitar explicações de leis a serem


avaliadas (dedutivismo). O conhecimento pode ser produzido coletando-se
fatos que forneçam bases para leis (indutivismo). A ciência deve e pode
ser conduzida de forma que seja livre de valores e, com isso, objetiva. Por
fim, vê-se uma distinção clara entre afirmações científicas e normativas. O
positivismo costuma ser associado ao realismo. Ambos pressupõem que as
ciências naturais e sociais devam e possam aplicar os mesmos princípios à
coleta e à análise de dados, e que existe um mundo (uma realidade exter-
na) separado das descrições que fazemos dele. Entretanto, o uso da pala-
vra “positivismo” em debates sobre a pesquisa qualitativa é criticado com
frequência. Hammersley (1995, p. 2) observa: “tudo o que se pode inferir
razoavelmente a partir do uso não explicado da palavra ‘positivismo’ na
literatura de pesquisa social é que o autor desaprova o que quer que seja
a que está se referindo”.
A essa posição, o construcionismo (ou construtivismo) social é justaposto
(ver também Flick, 2004b). Vários programas, com diferentes pontos de par-
tida, são incluídos sob esses rótulos. O fator comum a todas as abordagens
construcionistas é que elas examinam a relação com a realidade lidando
com processos construtivos ao abordá-la. Podem-se encontrar exemplos de
construções em distintos níveis:

• Na tradição de Piaget, a cognição, a percepção do mundo e o conhe-


cimento a seu respeito são considerados constructos (conceitos). O
construtivismo radical (Glasersfeld, 1995) leva essa ideia até o ponto
em que todas as formas de cognição, em função do processo neu-
robiológico envolvido, têm acesso direto a imagens do mundo e da
realidade, mas não de ambos.
• O construtivismo social, na tradição de Schutz (1962), Berger e Lu-
ckmann (1966) e Gergen (1999), investiga a formação de convenções
sociais, a percepção e o conhecimento na vida cotidiana.
• A sociologia construtivista da ciência, a pesquisa “construtivista de
laboratório” (Knorr-Cetina, 1981), tenta estabelecer como os fatores
sociais, históricos, locais, pragmáticos e outros influenciam a des-
coberta científica de tal forma que os fatos científicos possam ser
considerados constructos sociais (“produtos locais”).

O construcionismo não é um programa unificado, mas está se desenvol-


vendo de forma paralela em uma série de disciplinas: psicologia, sociologia,
filosofia, neurobiologia, psiquiatria e ciência da informação. Ele engloba
muitos programas de pesquisa qualitativa com a abordagem de que as rea­
lidades que estudamos são produtos sociais dos atores, de interações e
instituições.
Desenho da pesquisa qualitativa n 29

Ainda que nem o construcionismo nem as origens teóricas da pesquisa


qualitativa possam ser considerados abordagens unificadas em relação ao
mundo, mas sim uma espécie de caleidoscópio de diferentes sotaques e
focos para se entenderem partes do mundo, podem-se observar algumas
premissas teóricas básicas comuns à variedade de programas de pesquisa
qualitativa (ver Flick et al., 2004b, p. 7). Essas premissas mostram que as
pessoas, as instituições e as interações são envolvidas na produção de rea-
lidades nas quais elas vivem ou ocorrem, e que esses esforços produtivos
se baseiam em processos de produção de sentido. As circunstâncias de vida
“objetivas” (como uma doença) se tornam relevantes para a realidade, pelo
menos em grande medida, por meio dos sentidos subjetivos atribuídos a elas.
Se quisermos entender esses processos de produção de sentido, devemos
começar por reconstruir a forma como as pessoas, as instituições e as comu-
nicações constroem seus mundos ou a realidade social em nossa pesquisa.
Essas premissas são a base teórica e epistemológica para se usar métodos
tais como entrevistas (ver Kvale, 2007, e Gibbs, 2007), para entender como
os indivíduos estão engajados na produção de sentido, e assim, entender
as questões através de sua perspectiva, ou usar grupos focais (ver Barbour,
2007), etnografia (ver Angrosino, 2007), análise de conversação (Rapley,
2007) ou métodos visuais (Banks, 2007) para mostrar como os sentidos são
construídos em processos interativos ou em objetos e representações.

pesQuisA QuAlitAtivA: métodos e Atitudes


Como pode já ter ficado evidente, existe atualmente uma ampla gama
de métodos diferentes disponíveis na pesquisa qualitativa. Pode até ser uma
variedade confusa de alternativas, que poderiam ser usadas para responder
uma pergunta de pesquisa. Apesar de toda a literatura disponível no mer-
cado dos livros-texto, monografias, artigos acadêmicos e capítulos de livros
sobre pesquisa qualitativa, ainda há alguma necessidade de esclarecimento
e desenvolvimento metodológico.

• Em primeiro lugar, segundo o princípio da adequação mencionado


antes, ainda parece necessário continuar desenvolvendo novos mé-
todos na pesquisa qualitativa. Embora haja uma série de métodos de
entrevista disponíveis (ver Kvale, 2007), ainda pode ser necessário
desenvolver novas formas de entrevistas para novos tipos de perguntas
de pesquisa ou de participantes em um estudo, quando os métodos
existentes não forem perfeitamente adequados.
• Em segundo, precisamos desenvolver mais os nossos conhecimentos
sobre os métodos existentes, como usá-los e quais são as principais
referências em seu uso. Precisamos de mais reflexões metodológicas
30 n Uwe Flick

e práticas da aplicação dos métodos existentes, de seus possíveis


refinamentos e de seus limites.
• Terceiro, precisamos de orientações mais claras sobre quando usar um
determinado método (em vez de outros métodos disponíveis). O que
faz com que os pesquisadores decidam usar um método específico, o
que deveria guiar suas decisões e qual é o papel dos hábitos (metodo-
lógicos) na pesquisa qualitativa?
• Em pesquisa qualitativa se faz menos aplicação formalizada de rotinas
metodológicas do que em pesquisa baseada em medições. Em nosso
domínio, a intuição cumpre um papel muito mais importante, no campo
e no contato com seus membros, mas também ao fazer com que um de-
terminado método funcione. Assim sendo, deveríamos saber mais sobre
a intuição nos trabalhos de pesquisa e, em termos mais gerais, como as
práticas e as rotinas de pesquisa funcionam na pesquisa qualitativa.
• Além disso, ainda é necessário pensar mais sobre como os diferentes
métodos e passos no processo de pesquisa se encaixam entre si, na
coleta e interpretação de dados, por exemplo.
• Por fim, ainda é necessário entender mais como os pesquisadores
qualitativos avaliam a qualidade da pesquisa qualitativa, isto é, o que
torna uma pesquisa boa aos olhos dos próprios pesquisadores, mas
também aos dos que recebem os resultados?
Sendo assim, ainda é necessário aprofundar nosso conhecimento em rela-
ção ao alcance e aos limites dos métodos qualitativos específicos e a como
eles são usados na prática cotidiana da pesquisa qualitativa.
Contudo, a pesquisa qualitativa continua sendo mais do que simplesmente
usar um ou outro método para responder a uma pergunta. A pesquisa quali-
tativa ainda se baseia em atitudes específicas – de abertura para quem e o
que está sendo estudado, de flexibilidade para abordar um campo e entrar
nele, de entender a estrutura de um sujeito ou de um campo em lugar
de projetar uma estrutura naquilo que se estuda, e assim por diante. Ao
desenvolver pesquisa qualitativa, ao ensiná-la e aplicá-la, devemos tentar
manter o equilíbrio entre habilidades técnicas e atitude que é adequado à
pesquisa qualitativa.

estruturA do livro e dA cOLeÇÃO PeSQUISa


QUaLITaTIVa
plAno do livro
Neste livro, desdobraremos essas observações introdutórias sobre a pes-
quisa qualitativa e desenvolveremos um breve panorama dela e do processo
Desenho da pesquisa qualitativa n 31

de pesquisa, a partir do ponto de vista do desenho desse tipo de pesquisa.


O capítulo seguinte é sobre como desenvolver uma pergunta de pesquisa a
partir de uma ideia ou um interesse geral. O Capítulo 3 trata das estratégias
básicas de amostragem na pesquisa qualitativa e de como conseguir acesso
a um campo. O Capítulo 4 desdobra em mais detalhes o conceito de dese-
nho de pesquisa na pesquisa qualitativa, concentrando-se em influências
e componentes dos desenhos e discutindo desenhos básicos e exemplos. O
Capítulo 5 informa sobre os recursos necessários e os obstáculos com que
você pode se deparar em campo. O Capítulo 6 trata da qualidade da pesquisa
qualitativa pela perspectiva do desenho de pesquisa e continuaremos essa
discussão com relação à ética de pesquisa no Capítulo 7. Os capítulos restan-
tes (8 a 10) apresentam um breve panorama dos métodos mais importantes
da pesquisa qualitativa. O Capítulo 8 aborda métodos para coletar dados
verbais em entrevistas e grupos focais, o Capítulo 9 trata de etnografia e
métodos visuais e o Capítulo 10 informa sobre estratégias analíticas básicas
em pesquisa qualitativa. O foco de todos os três capítulos está, mais uma
vez, no desenho da pesquisa qualitativa. O capítulo final aponta algumas
conclusões, discute a relação do desenho de pesquisa e da elaboração de
propostas a partir de dois lados e apresenta uma perspectiva dos outros
livros constantes na Coleção Pesquisa Qualitativa.

os livros dA cOLeÇÃO PeSQUISa QUaLITaTIVa


Enquanto, neste livro, a estrutura da pesquisa qualitativa é exposta e os
métodos são tratados basicamente de um ponto de vista específico (o dese-
nho da pesquisa qualitativa), os outros livros da Coleção Pesquisa Qualitativa
são muito mais detalhados na apresentação de abordagens metodológicas.
Barbour apresenta uma introdução ao uso de grupos focais. Angrosino discute
a etnografia e a observação participante, enquanto Banks desdobra o uso
dos dados visuais (foto, filme, vídeo) na pesquisa qualitativa. Gibbs introduz
abordagens para codificação e categorização na análise de dados qualitati-
vos e dá um pouco mais de atenção ao uso de computadores e programas de
informática nesse contexto. A questão da qualidade na pesquisa qualitativa
será discutida mais detalhadamente em um outro livro.

pontos-ChAve
• A pesquisa qualitativa está em processo de proliferação, dando origem
a diferentes perspectivas de pesquisa e campos de aplicação.
• Não obstante, há características e questões comuns nessa variedade.
• A adequação pode ser vista como um princípio orientador nessa varie-
dade.

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