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PARTE 2: acessar, no site do STF, o inteiro teor do acórdão proferido na ADI 4983
(vaquejada), ler na íntegra e identificar a ratio decidendi do precedente (fundamentos
determinantes da decisão).
a) Qual teoria (citada no acórdão) poderia ensejar a aplicação do precedente para casos
análogos, como os rodeios?
b) Qual foi o efeito backlash a essa decisão do STF? Pesquise sobre os argumentos críticos
contra esse efeito no caso da ADI 4983.2.
c) Transcreva os trechos do acórdão que apontam para o reconhecimento da dignidade
animal e para a autonomia da regra da proibição da crueldade contra animais.
PARTE 3: Reúna seus apontamentos de sala de aula (aulas presenciais da disciplina) e resuma
o que vem a ser a teoria das capacidades jurídicas animais, como teoria dogmática dos direitos
animais no Brasil (mínimo de 3 laudas).
PARTE FINAL: faça considerações gerais sobre o formato e o conteúdo da disciplina proposta
e se vale a pena repetir o formato em semestres posteriores.
Estudo dirigido de Direito Animal
RESPOSTAS
PARTE 1:
b) O Direito Animal posiciona-se como sendo disciplina jurídica autônoma que expressa
os direitos individuais dos animais não-humanos. Isto se dá em razão de que ao instituir a regra
da proibição da crueldade no art. 225, § 1º, VII da Constituição Federal, o constituinte
“pressupõe que os animais são seres dotados de capacidade de sofrer (senciência)” (Ataíde
Junior, Rocha, 2021), compreendendo os animais não-humanos como indivíduos, como fins em
si mesmos (idem), para além do que significam em sua dimensão ecológica – considerada no
Direito Ambiental.
Foi esta a interpretação do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de
Inconstitucionalidade n.º 4983/16, julgamento no qual o Ministro Luís Roberto Barroso afirmou
expressamente que “a vedação da crueldade contra animais na Constituição Federal deve ser
considerada uma norma autônoma, de modo que sua proteção não se dê unicamente em razão
de uma função ecológica ou preservacionista,” (STF, 2016, p. 19), decisão esta que se
consolidou como “o marco histórico da autonomia do Direito Animal e da sua separação
epistemológica em relação ao Direito Ambiental” (Ataíde Junior, 2018, p. 49).
d) A transversalidade do Direito Animal diz respeito ao fato de que, apesar de ser uma
disciplina autônoma, “toca fontes normativas que pertencem tanto ao Direito Público como ao
Direito Privado, sem deixar de fazer incursões no Direito Penal”, conforme sintetiza Vicente
de Paula Ataíde Junior (2022, p. 79). Diante desse contexto, o autor aponta para o fato de que
“a aplicação da regra da proibição da crueldade deve considerar o caráter prospectivo dos
princípios, no sentido de se localizar qual é o estado de coisas a ser construído” (2022, p. 85),
de modo que “releva aplicar a regra da proibição da crueldade considerando a promoção da
dignidade anima, conforme estabelecem os princípios do Direito Animal” (idem).
e) A norma que qualifica os animais como sujeitos de direitos no Brasil trata-se do art.
225, § 1º, VII da Constituição Federal de 1988, que ao considerar a condição intrínseca de sua
senciência com a regra da proibição da crueldade, alcança os animais enquanto indivíduos
detentores do direito fundamental à existência digna.
Assim sendo, a norma não se limita a proteger os animais em razão de suas funções
ecológicas, mas na dimensão de sua própria subjetividade, de modo que o referido dispositivo
constitucional inaugura o Direito Animal brasileiro que, de acordo com Ataíde Junior e Rocha
(2021), opera justamente “com a transmutação do conceito civilista de animal como coisa, para
o conceito animalista de animal como sujeito de direitos”.
f) À luz do princípio da dignidade animal, o art. 82 do Código Civil pode ser interpretado
como sendo a expressão “situação jurídica dos animais submetidos à pecuária” (Ataíde Junior,
2022, p. 192), isto porque, mesmo que que sejam sujeitos de direitos nos termos da normativa
constitucional disposta no art. 225, § 1º, VII, a sua exploração econômica não permite alcançar
o direito à vida plenamente.
PARTE 2:
Com efeito, tendo em vista o caráter das práticas analisadas até aqui por esta
Corte e a necessidade de se manter na maior extensão possível os interesses
albergados nas normas constitucionais em colisão, considero mais apropriado
assentar que do sopesamento entre elas decorre o seguinte enunciado de
preferência condicionada: manifestações culturais com características de
entretenimento que submetem animais a crueldade são incompatíveis com o
art. 225, § 1º, VII, da Constituição Federal, quando for impossível sua
regulamentação de modo suficiente para evitar práticas cruéis, sem que a
própria prática seja descaracterizada. (STF, 2016, p. 21-22)
Ainda, Alexy sustenta que o precedente condicionado passar a ser uma regra vinculante,
de modo que todas as vezes que houver, por exemplo, uma colisão entre a vedação ao princípio
da crueldade e normas sobre patrimônio cultural, os direitos fundamentais dos animais não-
humanos deve prevalecer sobre os direitos culturais, isto porque as condições fáticas e jurídicas
são as mesmas, de maneira a impedir que tenhamos decisões diferentes em casos idênticos,
gerando a vinculação do precedente, impondo que a sua superação exija um ônus argumentativo
forte para demonstrar que as condições fáticas e jurídicas são diversas.
Portanto, a teoria dos direitos fundamentais e a técnica da ponderação enseja a aplicação
do precedente ao caso dos rodeios, uma vez que a solução adotada pelo Supremo em casos cujas
condições fáticas e jurídicas foram as mesmas no caso dos rodeios foi “no sentido de
prevalência da norma constitucional de (...) imposição de limites jurídicos às manifestações
culturais” (STF, 2016, p. 4), uma vez “presente a crueldade dispensada aos animais” (idem).
b) O efeito backlash refere-se à reação política à decisão, que se expressou através de forte
cobertura midiática, mobilização por parte do setor econômico agropecuário e dos defensores
da vaquejada. A articulação, tomada por lobismo nos gabinetes da bancada do boi no Congresso
Nacional, culminaram na aprovação da Emenda “Constitucional” n.º 96, que introduziu o § 7º
ao art. 225 da Constituição Federal, estabelecendo um verdadeiro malabarismo de ilegalidade
ao dispor que “Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se
consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações
culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de
natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por
lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos”.
De acordo com Vicente de Paula Ataíde Junior (2018, p. 54):
PARTE 3:
Os meus apontamentos em sala de aula giraram em torno da crítica à teoria que defende,
no plano jurídico, os animais como “pessoas naturais não-humanas”, crítica esta dispendida
tanto em termos filosóficos como em termos técnicos.
No plano filosófico, mencionei que considerar os animais como sujeitos de direitos
“despersonalizados” acaba por soar negativo aos adeptos da teoria das “pessoas não-humanas”
por uma razão que se constitui, ao cabo, antropocêntrica.
Isto porque, atravessados por aspectos muito mais espiritualistas do que técnico-
jurídicos, buscam assimilar os animais a pessoas como uma maneira de elevá-los juridicamente,
incorrendo na própria reprodução feurbachiana de o humano como a espécie de todas as
espécies ao tentar atribuir a “pessoas” os seres de todos os seres, apostando todas as fichas em
um conceito cuja origem etimológica significa nada mais do que uma “máscara de teatro” –
persona.
Assim sendo, podemos dizer que mais do que incorrer no risco de inconsequente
atribuição de uma categoria jurídica tecnicamente ineficaz aos animais, muito mais pretendem
atribuir a eles uma categoria espiritualista que dizem respeito muito mais aos adeptos do que
aos animais.
Já em termos técnicos, tive a oportunidade de ampliar a minha crítica durante as aulas
ao me deparar com o conhecimento de que o argumento dos defensores da teoria das “pessoas
não-humanas” limita-se ao amadorismo de superestimar os arts. 1º e 2º do mesmo Código
normativo que referencia os animais como “bens semoventes” em oitenta artigos depois.
Ainda, a teoria carece de fundamentos jurídicos robustos uma vez que, ao defenderem
que os animais são pessoas naturais não-humanas e, portanto, que possuem personalidade
jurídica, presumem que eles possuem aptidão genérica quanto aos seus direitos fundamentais,
a começar pelo direito à vida. Entretanto, retirando completamente os pés do plano material da
própria realidade jurídica na qual travam as suas disputas, não consideram o equívoco jurídico
que incorrem ao desconsiderar que a própria Constituição Federal protege e fomenta a
exploração econômica de determinadas espécies.
Assim sendo, a categoria jurídica de ente “despersonalizado” é negativa se “pessoa” for
considerada não de uma maneira técnica, cível, mas como esse ser superior, espiritual, humano.
Contudo, o debate não deve começar daí, porque a disputa é sobre o direito positivo e é este
que será objeto de discussão nas sentenças da judicialização terciária.
Nesta toada, a Teoria das Capacidades Jurídicas Animais representa o que temos de
mais avançado na produção da dogmática animalista brasileira, isto porque compromete-se com
a utilidade que o plano do direito pretende aos animais. De acordo com o pensador da teoria,
Vicente de Paula Ataíde Junior (2022, p. 202):
Com isso, a partir do direito à vida (idem, p. 212), a teoria das capacidades jurídicas
animais define que a capacidade jurídica animal pode ser dividida em três níveis: (i) a
capacidade jurídica animal plena, (ii) a capacidade jurídica animal plena reduzível e a (iii)
capacidade jurídica animal reduzida. Quanto à capacidade plena, ela diz respeito aos animais
para os quais “o ordenamento jurídico garante o direito à vida como direito inviolável, que não
comporta supressão por razoes ecológicas, econômicas ou cientificas” (idem), a exemplo dos
cetáceos, dos cães e dos gatos, espécies às quais diversas leis infraconstitucionais (federais,
estaduais e municipais) realizam o movimento normativo de imputação de direitos.
No que se refere à capacidade reduzível, o nível se refere aos animais para os quais “o
ordenamento jurídico garante o direito à vida, mas que [esse direito] comporta supressão por
razoes ecológicas ou científicas, contidas em permissão, licença ou autorização da autoridade
competente” (idem, p. 214). Este é o caso da capacidade jurídica de espécies de animais
silvestres sobre os quais a norma relativiza a sua proteção, como é o caso do art. 37 da Lei
9.605/1998.
Ainda, a capacidade reduzida corresponde à capacidade das espécies animais para as
quais “o ordenamento jurídico não garante o direito à vida, muito embora tenham o direito
fundamental à existência digna” (idem, p. 2018) instituído pelo próprio art. 225, § 1º, inciso VII
da Constituição Federal, como é o caso dos animais explorados pelo agronegócio e pelas
atividades científicas para fins “didáticos”.
PARTE FINAL:
No que se refere ao formato da disciplina, penso que ele oferece grandes vantagens
estratégicas às e aos discentes do Programa pela reunião de quatro quesitos: ser presencial, ser
de curta duração, dispor de uma ótima quantidade de créditos e ter um Estudo Dirigido como
trabalho final.
Quanto à disciplina, penso que a proposta é perfeita na medida em que discute desde os
aspectos filosóficos e os propriamente jurídicos, sempre abstraindo sobre as realidades – e as
possíveis realidades – das espécies no plano jurídico e social.
Ainda, penso que vale a pena estender a disciplina para um pouco mais de uma semana,
ainda que para isto seja necessário elaborá-la em um formato híbrido – presencial e virtual.
Porque, afinal, quanto mais contato com as aulas incríveis e com o entusiasmo das discussões
animalistas, melhor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS