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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS

Disciplina: Direitos fundamentais, acesso à justiça e novos direitos


Professor: Vicente de Paula Ataide Junior
ESTUDO DIRIGIDO: DIREITO ANIMAL

Anne Mirelly Gomes Andrade Ferreira Formiga


Matrícula: 20231013880

PARTE 1: acessar o artigo O CONCEITO DE DIREITO ANIMAL, ler e responder às


seguintes perguntas:

a) Qual o conceito dogmático de Direito Animal?


b) Qual é a posição do Direito Animal no ordenamento jurídico? É Direito Público ou
Direito Privado? É autônomo ou parte do Direito Ambiental?
c) É possível falar em Direito Animal positivo? Qual a importância, nesse contexto, do
Código de Direito e Bem-Estar Animal da Paraíba, de 2018?
d) O que significa a transversalidade do Direito Animal?
e) Fundamente, a partir das fontes normativas disponíveis no Brasil, a norma que qualifica
os animais como sujeitos de direitos.
f) Como interpretar o art. 82 do Código Civil à luz do princípio da dignidade animal?

PARTE 2: acessar, no site do STF, o inteiro teor do acórdão proferido na ADI 4983
(vaquejada), ler na íntegra e identificar a ratio decidendi do precedente (fundamentos
determinantes da decisão).

a) Qual teoria (citada no acórdão) poderia ensejar a aplicação do precedente para casos
análogos, como os rodeios?
b) Qual foi o efeito backlash a essa decisão do STF? Pesquise sobre os argumentos críticos
contra esse efeito no caso da ADI 4983.2.
c) Transcreva os trechos do acórdão que apontam para o reconhecimento da dignidade
animal e para a autonomia da regra da proibição da crueldade contra animais.

PARTE 3: Reúna seus apontamentos de sala de aula (aulas presenciais da disciplina) e resuma
o que vem a ser a teoria das capacidades jurídicas animais, como teoria dogmática dos direitos
animais no Brasil (mínimo de 3 laudas).

PARTE FINAL: faça considerações gerais sobre o formato e o conteúdo da disciplina proposta
e se vale a pena repetir o formato em semestres posteriores.
Estudo dirigido de Direito Animal

RESPOSTAS

PARTE 1:

a) O Direito Animal define-se dogmaticamente como sendo “o conjunto de regras e


princípios que estabelece os direitos dos animais não-humanos, considerados em si mesmos,
independentemente da sua função ecológica ou econômica”.
O referido conceito foi delineado por Vicente de Paula Ataíde Junior (2018) no artigo
intitulado “Introdução ao direito animal brasileiro”, publicado na Revista Brasileira de Direito
Animal. Entretanto, a definição foi resgatada pelo autor em “O conceito de direito animal”,
artigo publicado em coautoria com Juliana Rocha (2021) na décima edição da Revista
Eletrônica da Associação de Juízes Federais do Estado de Santa Catarina.
Na ocasião do referido artigo, o autor e a autora apuraram o conceito de maneira a
analisá-lo minuciosamente, procedendo, como assinalam, à sua “desconstrução analítica”.
Assim sendo, por “conjunto de regras e princípios” entende-se “conceito ontológico e
dogmático, forjado do ponto de vista do direito positivo, o que justifica a referência inicial ao
conjunto normativo” (idem), uma vez que “regras e princípios” se constituem propriamente
normas jurídicas de primeiro grau.
Por “que estabelece os direitos”, compreende-se os direitos fundamentais forjados pelas
normas jurídicas de primeiro grau, “reconhecidos e previstos como tais em determinada
Constituição” (idem), os quais têm como função o reforço à proteção da dignidade animal,
considerados como um fim em si mesmo na Constituição Federal de 1988, como se verá na
categoria analítica seguinte.
“Dos animais não-humanos” traduzem, assim, “o objeto do Direito animal”, cujos
direitos inauguram, de acordo com o autor e a autora, a quarta dimensão ou direitos
fundamentais pós-humanistas, implícitos na CRFB/1988. Desses direitos, se pode extrair a
regra da proibição da crueldade contra animais no art. 225, § 1º, VII da carta constitucional,
vedação por meio da qual o constituinte buscou proteger os animais em razão de serem “dotados
de consciência de capacidade de sofrer” (idem), de modo que os animais importam por eles
mesmos, enquanto indivíduos.
Portanto, o conceito de Direito Animal delineado por Ataíde Junior (2018) e
aprofundado analiticamente pelo autor juntamente com Juliana Rocha (2021) exprimem a mais
fiel definição dogmática do Direito Animal, uma vez que sistematiza o caráter positivo
sentencial da normativa constitucional brasileira acerca dos direitos destinados aos animais não-
humanos.

b) O Direito Animal posiciona-se como sendo disciplina jurídica autônoma que expressa
os direitos individuais dos animais não-humanos. Isto se dá em razão de que ao instituir a regra
da proibição da crueldade no art. 225, § 1º, VII da Constituição Federal, o constituinte
“pressupõe que os animais são seres dotados de capacidade de sofrer (senciência)” (Ataíde
Junior, Rocha, 2021), compreendendo os animais não-humanos como indivíduos, como fins em
si mesmos (idem), para além do que significam em sua dimensão ecológica – considerada no
Direito Ambiental.
Foi esta a interpretação do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de
Inconstitucionalidade n.º 4983/16, julgamento no qual o Ministro Luís Roberto Barroso afirmou
expressamente que “a vedação da crueldade contra animais na Constituição Federal deve ser
considerada uma norma autônoma, de modo que sua proteção não se dê unicamente em razão
de uma função ecológica ou preservacionista,” (STF, 2016, p. 19), decisão esta que se
consolidou como “o marco histórico da autonomia do Direito Animal e da sua separação
epistemológica em relação ao Direito Ambiental” (Ataíde Junior, 2018, p. 49).

c) Sim. Para além do dispositivo constitucional que estabelece da regra da proibição da


crueldade contra os animais não-humanos, Ataíde Junior e Rocha (2021) assinalam o fato de o
direito animal estar positivado em normas infraconstitucionais brasileiras, sobretudo em
legislações estaduais.
Nesse contexto, a importância do Código de Direito e Bem-Estar Animal da Paraíba
(Lei Estadual nº 11.140/18) consiste no fato de ser a Lei mais avançada e abrangente (idem) em
termos de realização constitucional acerca dos direitos dos animais, uma vez que estabelece em
seu art. 5º um catálogo de direitos subjetivos e alcança os animais invertebrados.

d) A transversalidade do Direito Animal diz respeito ao fato de que, apesar de ser uma
disciplina autônoma, “toca fontes normativas que pertencem tanto ao Direito Público como ao
Direito Privado, sem deixar de fazer incursões no Direito Penal”, conforme sintetiza Vicente
de Paula Ataíde Junior (2022, p. 79). Diante desse contexto, o autor aponta para o fato de que
“a aplicação da regra da proibição da crueldade deve considerar o caráter prospectivo dos
princípios, no sentido de se localizar qual é o estado de coisas a ser construído” (2022, p. 85),
de modo que “releva aplicar a regra da proibição da crueldade considerando a promoção da
dignidade anima, conforme estabelecem os princípios do Direito Animal” (idem).

e) A norma que qualifica os animais como sujeitos de direitos no Brasil trata-se do art.
225, § 1º, VII da Constituição Federal de 1988, que ao considerar a condição intrínseca de sua
senciência com a regra da proibição da crueldade, alcança os animais enquanto indivíduos
detentores do direito fundamental à existência digna.
Assim sendo, a norma não se limita a proteger os animais em razão de suas funções
ecológicas, mas na dimensão de sua própria subjetividade, de modo que o referido dispositivo
constitucional inaugura o Direito Animal brasileiro que, de acordo com Ataíde Junior e Rocha
(2021), opera justamente “com a transmutação do conceito civilista de animal como coisa, para
o conceito animalista de animal como sujeito de direitos”.

f) À luz do princípio da dignidade animal, o art. 82 do Código Civil pode ser interpretado
como sendo a expressão “situação jurídica dos animais submetidos à pecuária” (Ataíde Junior,
2022, p. 192), isto porque, mesmo que que sejam sujeitos de direitos nos termos da normativa
constitucional disposta no art. 225, § 1º, VII, a sua exploração econômica não permite alcançar
o direito à vida plenamente.

PARTE 2:

a) Trata-se da Teoria dos Direitos Fundamentais expressa pela técnica da ponderação,


formulação empreendida pelo filósofo e jurista Robert Alexy. Nos termos desta teoria, na
hipótese de dois princípios colidirem, um deles terá que ceder no caso concreto, tendo
precedência em face do outro sob determinadas condições fáticas e jurídicas, de acordo com o
peso concreto dos direitos em conflito. De acordo o filósofo, a resposta à colisão de princípios
gera um precedente condicionado designado de “Lei de Colisão”, que nada mais significa do
que a própria resposta final ao caso concreto em que se decide que um direito tem preferência
sobre o outro dentro das condições específicas.
No caso da ADIn da vaquejada, a condição fática que determinou a precedência da regra
da proibição da crueldade os animais foi justamente da crueldade dispendida aos animais
explorados na vaquejada, de modo que esta condição integrou o pressuposto do suporte fático
de aplicação da regra disposta no art. 225, § 1º, VII da Constituição. Assim, o Supremo Tribunal
Federal “usa a técnica da ponderação para resolver conflitos específicos entre manifestações
culturais e proteção ao meio ambiente, predominando entendimento a favor de afastar práticas
de tratamento inadequado a animais, mesmo dentro de contextos culturais e esportivos” (STF,
2016, p. 3). Vejamos trecho do Acórdão:

Com efeito, tendo em vista o caráter das práticas analisadas até aqui por esta
Corte e a necessidade de se manter na maior extensão possível os interesses
albergados nas normas constitucionais em colisão, considero mais apropriado
assentar que do sopesamento entre elas decorre o seguinte enunciado de
preferência condicionada: manifestações culturais com características de
entretenimento que submetem animais a crueldade são incompatíveis com o
art. 225, § 1º, VII, da Constituição Federal, quando for impossível sua
regulamentação de modo suficiente para evitar práticas cruéis, sem que a
própria prática seja descaracterizada. (STF, 2016, p. 21-22)

Ainda, Alexy sustenta que o precedente condicionado passar a ser uma regra vinculante,
de modo que todas as vezes que houver, por exemplo, uma colisão entre a vedação ao princípio
da crueldade e normas sobre patrimônio cultural, os direitos fundamentais dos animais não-
humanos deve prevalecer sobre os direitos culturais, isto porque as condições fáticas e jurídicas
são as mesmas, de maneira a impedir que tenhamos decisões diferentes em casos idênticos,
gerando a vinculação do precedente, impondo que a sua superação exija um ônus argumentativo
forte para demonstrar que as condições fáticas e jurídicas são diversas.
Portanto, a teoria dos direitos fundamentais e a técnica da ponderação enseja a aplicação
do precedente ao caso dos rodeios, uma vez que a solução adotada pelo Supremo em casos cujas
condições fáticas e jurídicas foram as mesmas no caso dos rodeios foi “no sentido de
prevalência da norma constitucional de (...) imposição de limites jurídicos às manifestações
culturais” (STF, 2016, p. 4), uma vez “presente a crueldade dispensada aos animais” (idem).

b) O efeito backlash refere-se à reação política à decisão, que se expressou através de forte
cobertura midiática, mobilização por parte do setor econômico agropecuário e dos defensores
da vaquejada. A articulação, tomada por lobismo nos gabinetes da bancada do boi no Congresso
Nacional, culminaram na aprovação da Emenda “Constitucional” n.º 96, que introduziu o § 7º
ao art. 225 da Constituição Federal, estabelecendo um verdadeiro malabarismo de ilegalidade
ao dispor que “Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se
consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações
culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de
natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por
lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos”.
De acordo com Vicente de Paula Ataíde Junior (2018, p. 54):

O efeito backlash – a reação política à atuação da jurisdição constitucional –


por si só não gera a inconstitucionalidade da emenda.40 Mas o poder de
reforma constitucional conhece limitações materiais, consubstanciadas nas
cláusulas pétreas do art. 60, §4º, da Constituição, dentre as quais os direitos e
garantias individuais. 41 A regra da proibição da crueldade, prevista no art.
225, §1º, VII da Constituição, personificou o direito fundamental animal à
existência digna (de quarta ou de sexta geração, pós-humanista), de natureza
in- dividual, posta a salvo de práticas humanas cruéis. Como direito
fundamental individual, ainda que não-humano, é imune ao poder constituinte
derivado. (...) Caso a prática implique em crueldade contra animais está
proibida pela ordem constitucional vigente, ainda que a lei local procure
paliativos para reduzir a dor, a angústia e o sofrimento dos animais envolvidos.
A prática cruel não comporta gradações.

Ainda, à luz da teoria dos direitos fundamentais e da técnica da ponderação formulada


por Robert Alexy – teoria utilizada no julgamento da ADI 9983/16 –, Vieira e Piccinini (2020,
p. 257) argumentam que “para a edição da EC nº 96/2017, o Congresso Nacional deveria, por
meio de argumentação mais intensa (...) ter demonstrado por qual motivo o direito fundamental
à manifestação cultural prevaleceu em detrimento do direito fundamental ao meio-ambiente
ecologicamente equilibrado”.
Por fim, o malabarismo político que fomentou a emenda nada mais representa do que a
tentativa de petrificação da evolução social (LENZA, 2017, p. 338) pelos “reis do agronegócio”
(CÉSAR, 2015) que, estando à serviço de si próprios, rebaixam planta, bicho e outros entes
pensando apenas em seu lucro (idem).

c) Os trechos do acórdão da ADI 4983 que apontam para o reconhecimento da dignidade


animal e para a autonomia da regra da proibição da crueldade contra animais são identificados
especialmente nos votos da Ministra Rosa Weber e do Ministro Luis Roberto Barroso.
Em seu voto, a Min. Rosa Weber (2016, p. 7) assinalou precisamente a dignidade
animal:

A Constituição, no seu artigo 225, § 1º, VII, acompanha o nível de


esclarecimento alcançado pela humanidade no sentido de superação da
limitação antropocêntrica que coloca o homem no centro de tudo e todo o resto
como instrumento a seu serviço, em prol do reconhecimento de que os animais
possuem uma dignidade própria que deve ser respeitada. (grifos nossos)
Quanto à autonomia da regra da proibição da crueldade animal, foi o voto do Min. Luis
Roberto Barroso (2016, p. 18) que interpretou cirurgicamente o comando constitucional sobre
a autonomia do Direito Animal. Vejamos o momento

A vedação da crueldade contra animais na Constituição Federal deve ser


considerada uma norma autônoma, de modo que sua proteção não se dê
unicamente em razão de uma função ecológica ou preservacionista, e a fim
de que os animais não sejam reduzidos à mera condição de elementos do meio
ambiente. Só assim reconheceremos a essa vedação o valor eminentemente
moral que o constituinte lhe conferiu ao propô-la em benefício dos animais
sencientes. Esse valor moral está na declaração de que o sofrimento animal
importa por si só, independentemente do equilibro do meio ambiente, da sua
função ecológica ou de sua importância para a preservação de sua espécie.
(grifos nossos)

Portanto, podemos considerar que os referidos trechos são os argumentos decisivos do


Supremo Tribunal Federal acerca da dignidade animal e da autonomia da norma da proibição
da crueldade.

PARTE 3:

Os meus apontamentos em sala de aula giraram em torno da crítica à teoria que defende,
no plano jurídico, os animais como “pessoas naturais não-humanas”, crítica esta dispendida
tanto em termos filosóficos como em termos técnicos.
No plano filosófico, mencionei que considerar os animais como sujeitos de direitos
“despersonalizados” acaba por soar negativo aos adeptos da teoria das “pessoas não-humanas”
por uma razão que se constitui, ao cabo, antropocêntrica.
Isto porque, atravessados por aspectos muito mais espiritualistas do que técnico-
jurídicos, buscam assimilar os animais a pessoas como uma maneira de elevá-los juridicamente,
incorrendo na própria reprodução feurbachiana de o humano como a espécie de todas as
espécies ao tentar atribuir a “pessoas” os seres de todos os seres, apostando todas as fichas em
um conceito cuja origem etimológica significa nada mais do que uma “máscara de teatro” –
persona.
Assim sendo, podemos dizer que mais do que incorrer no risco de inconsequente
atribuição de uma categoria jurídica tecnicamente ineficaz aos animais, muito mais pretendem
atribuir a eles uma categoria espiritualista que dizem respeito muito mais aos adeptos do que
aos animais.
Já em termos técnicos, tive a oportunidade de ampliar a minha crítica durante as aulas
ao me deparar com o conhecimento de que o argumento dos defensores da teoria das “pessoas
não-humanas” limita-se ao amadorismo de superestimar os arts. 1º e 2º do mesmo Código
normativo que referencia os animais como “bens semoventes” em oitenta artigos depois.
Ainda, a teoria carece de fundamentos jurídicos robustos uma vez que, ao defenderem
que os animais são pessoas naturais não-humanas e, portanto, que possuem personalidade
jurídica, presumem que eles possuem aptidão genérica quanto aos seus direitos fundamentais,
a começar pelo direito à vida. Entretanto, retirando completamente os pés do plano material da
própria realidade jurídica na qual travam as suas disputas, não consideram o equívoco jurídico
que incorrem ao desconsiderar que a própria Constituição Federal protege e fomenta a
exploração econômica de determinadas espécies.
Assim sendo, a categoria jurídica de ente “despersonalizado” é negativa se “pessoa” for
considerada não de uma maneira técnica, cível, mas como esse ser superior, espiritual, humano.
Contudo, o debate não deve começar daí, porque a disputa é sobre o direito positivo e é este
que será objeto de discussão nas sentenças da judicialização terciária.
Nesta toada, a Teoria das Capacidades Jurídicas Animais representa o que temos de
mais avançado na produção da dogmática animalista brasileira, isto porque compromete-se com
a utilidade que o plano do direito pretende aos animais. De acordo com o pensador da teoria,
Vicente de Paula Ataíde Junior (2022, p. 202):

A hipótese fundamental da teoria das capacidades jurídicas animais, como


teoria dogmática dos direitos animais, construída de acordo com as
peculiaridades do ordenamento jurídico brasileiro, é que qualquer tentativa de
organização sistemática das fontes normativas, considerando os animais como
uma categoria universal e abstrata, está fadada ao insucesso. É preciso
reconhecer que nessa “dimensão subjetiva de amplitude quase astronômica,
as características animais e as suas necessidades de tutela jurídica são bastante
diferentes. Em outras palavras: não é possível falar em direitos animais como
se existisse um só animal, com caracteres, aptidões e necessidades uniformes.
Da mesma forma, não é possível conceber que os animais se relacionam com
seres humanos todos da mesma forma. Nesse mesmo mundo, animais são
tratados com afetividade e com crueldade, com amor e com violências. Aliás,
perceba-se, somente existe Direito Animal, porque existem seres humanos.

Buscando organizar a desigualdade de distribuição dos direitos relativos aos animais


não humanos (Ataíde Junior, 2022, p. 203), a teoria das capacidades jurídicas animais percorre
todo um aprofundamento técnico-jurídico acerca dos institutos cíveis da capacidade jurídica,
da capacidade de fato, da personalidade jurídica e da pessoa, realizando o que os anos de
graduação em direito e as doutrinas cíveis tradicionais não fazem: superar os equívocos.
Que capacidade jurídica se trata do conceito que diz respeito ao volume de direitos que
determinado ente despersonalizado ou pessoa natural possui; que personalidade jurídica, em
sendo a aptidão genérica de adquirir direitos e contrair obrigações sem a necessidade de
imputação pelo ordenamento jurídico, não é sinônimo de capacidade jurídica; que toda pessoa
é capaz de direitos e de deveres porque quem tem personalidade jurídica tem capacidade
jurídica plena, mas que a capacidade jurídica não se limita às pessoas; que os entes
despersonalizados também possuem capacidade jurídica – com a diferença de que esta depende
da mencionada imputação pelo ordenamento, de modo que quanto mais direitos são atribuídos,
mais direitos possui. Estas são algumas das lições valiosas que permeiam a teoria das
capacidades jurídicas animais.
O entusiasmo teórico da discussão é constituído sobretudo no alcance do equívoco de
equiparar o conceito de personalidade com o de capacidade, isto porque a referida comparação
coloca os entes sem personalidade jurídica, que são sujeitos de direitos, sem uma categoria para
mensurar o volume de direitos que esses entes possuem. Após debruçar-se sobre os institutos
cíveis, sustentando os animais não-humanos como entes sujeitos de direitos despersonalizados,
Ataíde Junior (2022, p. 210-212) sintetiza sobre a teoria jurídico-animalista das capacidades
jurídicas animais:

Em virtude da ausência de personalidade jurídica e, consequentemente, da


autorização genérica para agir juridicamente, é preciso encontrar no interior
do ordenamento jurídico a extensão dos direitos dos animais. Em primeiro
lugar, é preciso assentar que, pelo princípio constitucional da universalidade
(...), todos os animais conscientes são sujeitos de direitos. (...)
Secundariamente, também o direito à liberdade é elemento que deve ser
levado em conta para agrupar os níveis de capacidade jurídica animal, pois
uma vida animal digna exige padrões mínimos de liberdade para que o seu
comportamento natural possa florescer.

Com isso, a partir do direito à vida (idem, p. 212), a teoria das capacidades jurídicas
animais define que a capacidade jurídica animal pode ser dividida em três níveis: (i) a
capacidade jurídica animal plena, (ii) a capacidade jurídica animal plena reduzível e a (iii)
capacidade jurídica animal reduzida. Quanto à capacidade plena, ela diz respeito aos animais
para os quais “o ordenamento jurídico garante o direito à vida como direito inviolável, que não
comporta supressão por razoes ecológicas, econômicas ou cientificas” (idem), a exemplo dos
cetáceos, dos cães e dos gatos, espécies às quais diversas leis infraconstitucionais (federais,
estaduais e municipais) realizam o movimento normativo de imputação de direitos.
No que se refere à capacidade reduzível, o nível se refere aos animais para os quais “o
ordenamento jurídico garante o direito à vida, mas que [esse direito] comporta supressão por
razoes ecológicas ou científicas, contidas em permissão, licença ou autorização da autoridade
competente” (idem, p. 214). Este é o caso da capacidade jurídica de espécies de animais
silvestres sobre os quais a norma relativiza a sua proteção, como é o caso do art. 37 da Lei
9.605/1998.
Ainda, a capacidade reduzida corresponde à capacidade das espécies animais para as
quais “o ordenamento jurídico não garante o direito à vida, muito embora tenham o direito
fundamental à existência digna” (idem, p. 2018) instituído pelo próprio art. 225, § 1º, inciso VII
da Constituição Federal, como é o caso dos animais explorados pelo agronegócio e pelas
atividades científicas para fins “didáticos”.

PARTE FINAL:

No que se refere ao formato da disciplina, penso que ele oferece grandes vantagens
estratégicas às e aos discentes do Programa pela reunião de quatro quesitos: ser presencial, ser
de curta duração, dispor de uma ótima quantidade de créditos e ter um Estudo Dirigido como
trabalho final.
Quanto à disciplina, penso que a proposta é perfeita na medida em que discute desde os
aspectos filosóficos e os propriamente jurídicos, sempre abstraindo sobre as realidades – e as
possíveis realidades – das espécies no plano jurídico e social.
Ainda, penso que vale a pena estender a disciplina para um pouco mais de uma semana,
ainda que para isto seja necessário elaborá-la em um formato híbrido – presencial e virtual.
Porque, afinal, quanto mais contato com as aulas incríveis e com o entusiasmo das discussões
animalistas, melhor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ATAÍDE JUNIOR, Vicente de Paula. Introdução do direito animal brasileiro. Salvador:


Revista Brasileira de Direito Animal, v. 13, n.º 3, 2018, p. 48-76. Disponível em:
https://periodicos.ufba.br/index.php/RBDA/article/download/28768/17032/101505. Acesso
em: nov. 2013.

ATAÍDE JUNIOR, Vicente de Paula. Capacidade processual dos animais: a judicialização


do Direito Animal no Brasil. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais,
2022. v. 1.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm. Acesso em: nov. 2023.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Plenário. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º


4938/CE. Relator Ministro Marco Aurélio. Julgada em 06/10/2016. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=12798874. Acesso em:
nov. 2023.

ROCHA, Juliana, ATAIDE JUNIOR, Vicente. O conceito de direito animal. Florianópolis:


Revista Eletrônica AJUFESC, ed. 10, 2021. Disponóvel em: https://ajufesc.org.br/wp-
content/uploads/2021/05/Juliana-Rocha-da-Luz-e-Vicente-de-Paula-Ataide-Junior.pdf.
Acesso em: nov. 2023.

VIEIRA, Isabelle Almeida; Piccinini, Pedro Ricardo Lucietto. A inconstitucionalidade da


“vaquejada” segundo o STF e o posterior efeito backlash no Congresso Nacional.
Disponível em: https://rejuri.stj.jus.br/index.php/revistacientifica/article/view/16. Revista de
Estudos Jurídicos do STJ, v.1, n.º 1, 2020. Acesso em: nov. 2023.

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