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Em 25 de abril de 2018, foi publicada a Lei nº 13.

655 (Lei da Segurança


para a Inovação Pública), que acrescentou dez dispositivos à Lei de Floriano de Azevedo Marques Neto

FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO


Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Cuida-se de Rafael Véras de Freitas Floriano de Azevedo
normativo que é resultado de pesquisas empíricas desenvolvidas na
Marques Neto

RAFAEL VÉRAS DE FREITAS


Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP), na FGV Direito SP e na
Faculdade de Direito da USP.
Professor Titular de Direito
Com base nesses achados, um dos subscritores do presente livro
(Floriano de Azevedo Marques Neto) e Carlos Ari Sundfeld redigiram Administrativo da Faculdade
um anteprojeto de lei, endereçando soluções para reforçar a aplicação de Direito da Universidade de
da segurança jurídica no âmbito do Direito Público, que veio a ser São Paulo – USP.
convertido na Lei nº 13.655/2018, que é objeto deste livro.

Temos que a segurança jurídica tem três vetores. Um vetor de estabilidade,


na medida em que pretende conferir perenidade aos atos jurídicos e aos
COMENTÁRIOS Professor do Mestrado em Direito da

efeitos deles decorrentes, mesmo quando houver câmbios nas normas


À LEI Nº 13.655/2018 Regulação da FGV Direito Rio.

COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018


ou no entendimento que se faz delas. Tem um vetor de previsibilidade,
proscrevendo mudanças bruscas, surpresas e armadilhas. E, por fim,
tem um vetor de proporcionalidade (e de ponderabilidade), pois que a
aplicação do direito não pode ser irracional, nem desproporcional.
São precisamente esses os três quadrantes que deverão orientar a
interpretação da Lei nº 13.655/2018.
(LEI DA SEGURANÇA
Não se desconsidera que o novel diploma ainda será predicador de PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA) Rafael Véras de Freitas
amplas reflexões da doutrina, da jurisprudência e, principalmente,
da sociedade. Nada obstante, o presente livro pretende expor, por
Professor e Coordenador dos
intermédio de uma obra de comentários aos dispositivos trazidos pelo
novel diploma, as primeiras reflexões de seus subscritores a propósito Módulos de Concessões e de
da “Lei da Segurança para a Inovação Pública” – que temos a certeza Infraestrutura do LLM em
de que muito contribuirá para a incorporação definitiva da segurança Infraestrutura e Regulação da FGV
jurídica no Direito Público brasileiro.
Direito Rio.

0800 704 3737 ISBN 978-85-450-0650-3

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Direito
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COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018
(LEI DA SEGURANÇA PARA A
INOVAÇÃO PÚBLICA)
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Floriano de Azevedo Marques Neto
Rafael Véras de Freitas

COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018


(LEI DA SEGURANÇA PARA A
INOVAÇÃO PÚBLICA)

Belo Horizonte

2019
© 2019 Editora Fórum Ltda.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com a AACR2

M357c Marques Neto, Floriano de Azevedo


Comentários à Lei nº 13.655/2018 (Lei da Segurança para a Inovação Pública)/
Floriano de Azevedo Marques Neto e Rafael Véras de Freitas. – Belo Horizonte :
Fórum, 2019.
188p.; 14,5cm x 21,5cm

ISBN: 978-85-450-0650-3

1. Direito Administrativo. 2. Direito Civil. 3. Direito Processual Civil. I. Freitas,


Rafael Véras de. II. Título.

CDD: 341.3
CDU: 342.9

Elaborado por Daniela Lopes Duarte – CRB-6/3500

Informação bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):

MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; FREITAS, Rafael Véras de. Comentários à Lei nº 13.655/2018
(Lei da Segurança para a Inovação Pública). Belo Horizonte: Fórum, 2019. 188p. ISBN 978-85-450-0650-3.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................... 7

Art. 20 ............................................................................................................... 21
Art. 21 ............................................................................................................... 43
Art. 22. ............................................................................................................... 57
Art. 23. ............................................................................................................... 71
Art. 24. ............................................................................................................... 89
Art. 26. ............................................................................................................... 97
Art. 27. ............................................................................................................... 115
Art. 28. ............................................................................................................... 129
Art. 29. ............................................................................................................... 139
Art. 30. ............................................................................................................... 157

CONCLUSÕES A TÍTULO DE SÍNTESE........................................... 165

REFERÊNCIAS....................................................................................... 171
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INTRODUÇÃO

Até bem pouco tempo, a lei continente das pautas de interpretação


era a então denominada “Lei de Introdução ao Código Civil” (o
vetusto Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942). A sinédoque
da designação antiga refletia uma época em que a lei civil (mais até
que a Constituição) era o eixo vetorial do nosso sistema jurídico. Tinha
lugar o Direito Civil oitocentista, pautado em um Estado Liberal, que
tinha seus pilares nas figuras da família, da propriedade e da relação
contratual – sob a orientação do então Código Civil de Beviláqua, de 1916.
O tempo passou. E a Lei de Introdução foi rebatizada, por intermédio
da Lei nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010, para refletir seu amplo
espectro de incidência, passando a se designar “Lei de Introdução às
normas do Direito Brasileiro”.
Mas seu conteúdo seguiu restrito aos problemas de interpretação
do século passado. O Direito hoje, porém, é bastante diferente. Três
fatores ressaltam. A legalidade contemporânea vai muito além da lei
em sentido estrito. Hoje, convivemos com uma pluralidade de fontes
normativas (leis, decretos, resoluções, portarias e com o próprio viés
normativo que passou a ser conferido à Constituição), sendo mais
correto se falar em um “Bloco de Legalidade”, ou no que se denomina
de “Juridicidade”.1 É dizer, se, outrora, predicava-se, tão somente, da
análise da observância dos quadrantes da legalidade simples (que traz

1
Conceito bem delineado por Diogo de Figueiredo Moreira Neto, para quem “O princípio da
juridicidade, como já o denominava Adolf Merkl, em 1927, engloba, assim, três expressões
distintas: o princípio da legalidade, o da legitimidade e o da moralidade, para altear-se
como o mais importante dos princípios instrumentais, informando, entre muitas teorias de
primacial relevância na dogmática jurídica, a das relações jurídicas, a das nulidades e a do
controle da juridicidade O princípio da juridicidade corresponde ao que se enunciava como
um ‘princípio da legalidade’, se tomado em sentido amplo, ou seja, não se o restringindo
à mera submissão à lei, como produto das fontes legislativas, mas de reverência a toda a
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
8 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

limites para as atividades privadas) e da legalidade qualificada (que


guia o atuar da Administração Pública), atualmente, o espectro de
controle da conformidade normativa espraia sua incidência para todo
o conjunto normativo (tendo como diretriz orientadora a Constituição).
As normas vinculantes hoje são muito mais diversas do que a lei estrita.
De fato, a produção normativa infralegal transcende, em muito,
o poder regulamentar atribuído ao Presidente da República pelo art.
84, IV, da CRFB. Temos normas editadas no âmbito de subsistemas
jurídicos e que ora preenchem de conteúdo molduras definidas por
leis-quadro,2 normas editadas no âmbito do processo de deslegalização
(como ocorre, por exemplo, com as agências reguladoras) ou ainda
normas de concretização editadas no âmbito de núcleos de competência
normativa reservada, como ocorre com a Receita Federal. São todas
fontes de normatividade própria que constituem subsistemas jurídicos
dentro do ordenamento,3 formando aquilo que já no início do século
passado Maurice Hauriou4 chamava de Bloco de Legalidade, e que
contemporaneamente tomou grande importância.5

ordem jurídica” (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo:


parte introdutória, parte geral e parte especial, p. 85).
2
Eros Grau, ao analisar o conceito de legalidade, diante da separação de poderes, destaca a
noção de regulamentos autorizados, editados em virtude de lei: “O Executivo fica sujeito, ao
editar esses regulamentos autorizados, exclusivamente às limitações definidas na atribuição
explícita do exercício da sua função normativa. Logo, esses mesmos regulamentos autorizados
podem impor obrigação de fazer ou deixar de fazer alguma coisa (essa obrigação terá sido
imposta em virtude de lei)”. GRAU, Eros. O direito posto e o direito pressuposto. 8. ed. São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 247. No trecho, Eros Grau não fala propriamente em leis-quadro, mas
o trecho foi utilizado por Carlos Ari Sundfeld ao tratar da legalidade e resumir o embate
havido na doutrina quanto à introdução das agências reguladoras no Brasil, ocasião em
que menciona propriamente as leis-quadro. SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo
para céticos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 267 e seguintes.
3
Sobre a Teoria dos Ordenamentos Setoriais, ver Alexandre dos Santos Aragão e o trabalho
que desenvolve para explicar a realidade das Agências Reguladoras e a setorialização, a
partir da doutrina italiana, em especial da obra L’Ordenamento Giuridico, de Santi Romano,
fundamental para o reconhecimento dos pluralismos jurídicos. ARAGÃO, Alexandre Santos
de. As agências reguladoras independentes e a separação de poderes: uma contribuição da
Teoria dos Ordenamentos Setoriais. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico
(REDAE). Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 10, maio/jul. 2007. Disponível
em: http://www.direitodoestado.com.br/codrevista.asp?cod=198. Acesso em 12 set. 2018.
4
“Bloc légal”, mencionado por Maurice Hauriou ao tratar da combinação entre a lei e os
regulamentos então existentes na França. HAURIOU, Maurice. Précis de droit administratif et
de droit public général: a l’usage des étudiants en licence et en doctorat ès-sciences politiques.
5. ed. Paris: Librairie de la societé du recueil general des lois et des arrêts, 1903, p. 32.
5
Na França, Jacques Chevalier trata desse fenômeno: “A disciplina jurídica sofreu intensos abalos
em razão da proliferação anárquica de regras, o que tornou mais indeterminados os contornos da
ordem jurídica, comprometeu a sua coesão e perturbou a sua estrutura: a existência de ‘hierarquias
entrelaçadas, de ‘objetos jurídicos não identificados’, de competências concorrentes testemunham
uma nova desordem. Enquanto a hierarquia clássica das normas foi colocada em dúvida em virtude
INTRODUÇÃO 9

Disso decorre uma fragilização do conteúdo normativo. Nós


assistimos a várias manifestações desse processo. A lei passa não mais a
limitar, a fixar competências e a prescrever meios para atingir finalidades
públicas. Ela passa a ir um pouco mais além, a incorporar bases, normas
gerais, normas objetivas, dentro da ordem jurídica entendida não apenas
como legislação ordinária, mas também como base constitucional. É dizer,
a textura normativa, para além de plurissêmica, é pontuada por termos
técnicos e em grande medida impregnada de conceitos indeterminados,
de forte conotação axiológica.6 Isso não apenas porque o legislador em
si perdeu em técnica, mas, fundamentalmente, porque, de um lado,
os temas e conflitos sobre os quais se normatiza são mais complexos e
intrincados e, de outro, o arbitramento de interesses exige concessões
normativas ou o recurso a prescrições abertas que deslocam a decisão
do legislador para o intérprete.7 Daí surgirem prescrições, como o direito

do fato do declínio da lei, da explosão de regulamentos, transformados na era do Estado-


providência na fonte essencial de obrigações e coerções para os administrados, tal como
pela ampliação do poderio do poder jurisdicional, notadamente no nível constitucional,
algumas novas normas, de origem exterior, vieram se integrar à ordem jurídica estatal, em
condições que permanecem complexas; a produção do direito, a partir de então, parece
menos regida por uma lógica dedutiva, atuante por via de crescente concretização, do que
resultar de iniciativas desordenadas, adotadas por múltiplos atores e cuja harmonização
é problemática”. CHEVALLIER, Jacques. Serviço público. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p.
121-122.

no Brasil, Carlos Ari Sundfeld afirma: “A Administração não age apenas de acordo com
a lei; subordina-se ao que se pode chamar de bloco de legalidade. Não basta a existência de
autorização legal: necessário atentar à moralidade administrativa, à boa-fé, à igualdade,
à boa administração, à razoabilidade, à proporcionalidade – enfim, aos princípios que
adensam o conteúdo das imposições legais”. SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo
ordenador. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 32.
6
Mais uma vez, José Eduardo Faria descreve o cenário: “No entanto, uma vez que o Estado
não pode deixar esses fatos, situações e conflitos sem algum tipo de controle, sob pena de
pôr em risco a estabilidade do regime de acumulação e a base institucional necessária tanto
ao funcionamento da economia quanto à manutenção da coesão social, ele se vê cada vez
mais obrigado a recorrer a conceitos jurídicos indeterminados, a abusar dos dispositivos
legais de caráter programático e a multiplicar o número de normas com textura e tipologia
abertas, o que alarga a discricionariedade deixada aos intérpretes e descaracteriza os
tradicionais papéis exercidos pelos princípios do direito, tanto para a resolução dos “casos
difíceis” quanto para o fechamento lógico do sistema jurídico”. FARIA, José Eduardo. Direito
e conjuntura. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 48.
7
Conforme já afirmado em outras oportunidades, ao analisar esse quadro de complexificação
dos interesses envolvidos e a respectiva regulação promovida: “Deveras, na medida em que
se coloca intrínseco ao órgão regulador o exercício de uma forte atividade regulamentadora,
interconectada com as especificidades e complexidades próprias ao âmbito de sua regulação,
advém a incompatibilidade desta atividade com o pressuposto de vinculação estrita da
atividade administrativa à lei. A incompatibilidade exposta aqui com relação à legalidade
decorre, justamente, do caráter de mediação e de articulação que os órgãos reguladores
cumprem em face dos diversos interesses públicos enredados em sua atividade. Disso
advém uma enorme dificuldade em operar dentro dos padrões rígidos e hierarquizados do
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
10 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

de moradia, ao lazer, à vida saudável, ao meio ambiente equilibrado.


Para isso, o Direito passa, cada vez mais, a recorrer a conceitos jurídicos
indeterminados (como o de “urgência”, para fins de uma contratação
direta, ou de “perigo iminente”, para fins da prática de ato de polícia)
e cláusulas gerais (como a da “boa-fé objetiva”, da “função social dos
contratos, entre outras). Nesse processo de normatização crescente da
vida social”, passamos a assistir ao crescimento das contradições entre
pautas normativas não solúveis.
Some-se a isso o fato de que a complexidade da regulação faz as
prescrições serem mais abertas, menos precisas.8 A mudança da forma
como o Estado intervém no domínio econômico (de uma intervenção
direta para uma intervenção indireta) contribuiu para ampliação dos seus
lindes normativos. De fato, é um erro a afirmação de acordo com qual a
delegação das atividades para a iniciativa privada, seja por intermédio
de contratos de longo prazo (concessões, parcerias público-privadas,
arrendamentos, entre outros), seja pela desestatização de empresas
estatais, fez com que o Estado se demitisse da sua função normativa.9 A
profusão normativa das últimas duas décadas bem retrata esse excesso
interventivo (e muita vez, intrusivo) da função reguladora.10

Positivismo Jurídico e do cânone da legalidade, centrais ao paradigma até então vigente”.


MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos. São Paulo:
Malheiros, 2002, p. 206.
8
Como destacado em MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Discricionariedade
Administrativa e Controle Judicial da Administração. Fórum Administrativo – Direito Público –
FA, Belo Horizonte, ano 2, n. 14, abr. 2002.
9
Entendimento também compactuado por Marçal Justen Filho, para quem “As manifestações
do Estado Regulatório se traduzem na assunção pelo Estado de grandes parcelas de poder
de controle sobre as atividades privadas. A asserção se aplica especialmente ao setor da
prestação de serviços públicos, mas não deixa de incidir também sobre o segmento das
atividades econômicas propriamente ditas (reservado pela Constituição preponderantemente
ao desempenho pelos particulares). Mas pode abranger inclusive outras manifestações
privadas, ainda que destituídas imediatamente de cunho econômico. A regulação estatal
peculiar ao novo modelo retrata-se na ampliação significativa das competências públicas
atinentes ao controle-regulação das atividades desempenhadas pelos particulares. O Estado
determina os fins primordiais a realizar e os meios utilizáveis para tanto. As decisões
empresariais privadas, inclusive no âmbito tecnológico, dependem da aprovação estatal
prévia ou de fiscalização permanente. Reduz-se sensivelmente a margem de autonomia
privada, produzindo-se aquele fenômeno de funcionalização das atividades desempenhadas
pelos particulares, tal como anteriormente observado” (JUSTEN FILHO, Marçal. Direito
Regulatório. Revista Interesse Público, ano 9, n. 43, 2007).
10
Razão pela qual já tive a oportunidade de estabelecer os seguintes limites para tal função:
No eixo horizontal, temos que lobrigar os limites à abrangência da regulação estatal. É dizer,
há que se verificar se existem limites àqueles setores ou campos da atividade econômica que
podem ser objeto de incidência regulatória direta e específica (porquanto, já asseverei, de
forma ampla, toda a atividade econômica está sujeita, em maior ou menor grau, à regulação
geral da economia, variando aí também apenas a intensidade e profundidade da incidência
INTRODUÇÃO 11

O terceiro fator é a multiplicação de polos legitimados para


aplicar o Direito. Ocorre que, ao tempo do Decreto-Lei nº 4.657/42, quem
tinha competência para interpretar o Direito, com força vinculante,
era o Judiciário. Hoje, existem várias esferas com atribuição jurídica
para interpretar e aplicar as normas de modo mandatório. Agências
reguladoras, tribunais administrativos, como o Conselho Administrativo
de Defesa Econômica (CADE), o Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais (CARF), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o Conselho
de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN, o “Conselhinho”,
consoante as Leis nº 9.069/95, 9.447/97 e, mais recentemente, a Lei nº
13.506/17) e outros tantos, os órgãos de controle (Tribunais de Contas,
controladorias e corregedorias), Tribunais Arbitrais, o Ministério Público,
e outras instâncias, aplicam o Direito, diariamente, em decisões que
têm efeitos concretos.
É dizer: se, de um lado, a Constituição de 1988, abriu um caminho
fértil para a democratização (disciplinando, com grande detalhamento,
instrumentos de participação popular, como o voto secreto, o plebiscito
e o referendo), de outro, prestigiou a incidência de múltiplos controles.
E esse fato não é em nada alterado pela inafastabilidade da jurisdição
judicial prevista na Constituição (art. 5º, XXXV). Um exemplo basta.
A rejeição das contas de um administrador público, pelo Tribunal
de Contas, gera, automaticamente, sua inelegibilidade por força da
aplicação da chamada Lei da Ficha Limpa.11 E isso importou no fim do
protagonismo da Administração Pública, que é quem – à luz do ainda

regulatória). Ou seja, trata-se de saber se existem limites, impostos mesmo ao legislador,


para que se edifique um arcabouço regulatório incidente sobre uma atividade, indústria ou
setor econômico. No eixo vertical, cumpre analisar quais são os lindes constitucionais para
o exercício das competências regulatórias. Trata-se de ver, portanto, se existem restrições
à intensidade e profundidade da regulação. Já pude dizer que a atividade regulatória é o
domínio da prudência e não da querença. É falsa a ideia de que, por serem as competências
regulatórias em regras contempladas em leis pouco precisas, genéricas e por vezes vagas,
correspondam à atividade regulatória grandes margens de subjetividade do regulador.
(MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Limites à abrangência e à intensidade
da Regulação Estatal. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 1,
n. 1, p. 69-92, jan./mar. 2003).
11
Art. 1º, I, “g”, da Lei Complementar 64/90, a partir da redação dada pela Lei Complementar
nº 135/10 (“Lei da Ficha Limpa”): “Art. 1º São inelegíveis: I – para qualquer cargo: (…) g) os
que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por
irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por
decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada
pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados
a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição
Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem
agido nessa condição”.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
12 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

em vigor adágio da Separação dos Poderes – dispõe de capacidade


institucional para gerir a coisa pública.
As sobreposições de controles somadas à crise de legitimação
democrática importaram na substituição do administrador público
pelo controlador, destacadamente no exercício de sua atividade-fim. A
atuação do Ministério Público é ilustrativa neste particular. A “doutrina
do promotor natural”, por exemplo, confere ao promotor de justiça
a possibilidade de escolher, discricionariamente, quais situações,
entendimentos, interpretações ou interesses públicos serão privilegiados
em detrimento de outros. Na verdade, trata-se de uma forma de
lassear o caráter institucional do Ministério Público, outorgando uma
individualização para cada membro, que, para além de não ter amparo
na Constituição, gera entendimentos contraditórios dentro da própria
instituição, em prejuízo da segurança jurídica.12 Um exemplo é ilustrativo
do que se passa: em São Paulo, determinado empreendedor imobiliário,
com desiderato de conferir segurança jurídica ao seu empreendimento,
antes de aportar vultosos investimentos, houve por bem celebrar um
Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público. Anos
mais tarde, outro membro do parquet, arvorado no referido princípio
do promotor natural, ingressa com uma ação civil pública, tendo por
objeto a anulação do referido compromisso negocial. Daí que, se, de
um lado, a garantida de autonomia funcional garante a neutralidade
de uma instituição, de outro, pode fomentar a insegurança jurídica.
Para além de conflitos endógenos, a ampliação do espectro de
competências dos controladores gera efeitos exógenos, interinstitu-
cionais. Um exemplo ilustra o exposto. O art. 16 da Lei nº 12.846/2013
(Lei Anticorrupção) – ancorado na experiência cooperativa vivenciada
no âmbito do Sistema Brasileiro de Direito da Concorrência – disciplinou
o acordo de leniência, nos seguintes quadrantes “A autoridade máxima
de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência
com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos
nesta Lei que colaborem, efetivamente, com as investigações e o
processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte”. Tal
previsão gerou uma crise institucional entre a Controladoria-Geral
da União (CGU), o Ministério Público Federal (MPF) e o Tribunal de
Contas da União (TCU), cada qual invocando, ancorado na respectiva

12
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Entre a independência institucional e
neopatrimonialismo: a distorção da doutrina do promotor natural. In: RIBEIRO, Carlos
Vinicius (Org.). Ministério Público: reflexões sobre princípios institucionais. São Paulo: Atlas,
2010.
INTRODUÇÃO 13

competência institucional para combater a corrupção,13 a prerrogativa


de celebrar tal ajuste.
Disso decorre a instabilidade das decisões definitivas. As decisões
dos gestores públicos passam, pois, a ser provisionais – sobrestadas
pelos órgãos de controle.14 Cuida-se de uma cambialidade que gera
instabilidade, abala a segurança jurídica, interfere em políticas públicas
de longo prazo, arrefece a confiança dos particulares na gestão da coisa
pública. Mas não só. Atemoriza-se o gestor público, que, mesmo atuando
nos quadrantes da legalidade, teme exercer a sua discricionariedade.
Gera o “apagão das canetas”. Ninguém decide mais nada, com o receito
de ser responsabilizado, pessoalmente. Para além de uma seleção adversa
para o cargo de gestor público, o contexto de sobreposições de controle
não protege o gestor de boa-fé. Na verdade, o desprestigia, bem como
o afasta do setor público.
Atentos a esses fatores, já há algum tempo, um dos autores do
presente livro (Floriano de Azevedo Marques Neto) juntamente com
Carlos Ari Sundfeld redigiu um anteprojeto de lei, endereçando soluções
para essas questões. O Senador Anastasia encampou a iniciativa, dando

13
A Medida Provisória nº 703/2015 tentou dar enderaçamento a tais questões, porém teve
sua vigência encerrada. Egon Bockmann Moreira, em texto, bem resolveu a questão, ao
afirmar que existem fronteiras rígidas à intervenção dos Tribunais de Contas nos acordos
de leniência. Não se está diante de contratos ou pactos que se submetam naturalmente à
sua “fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial” – como se
houvesse várias rodadas de negociações precárias. Ou como se a Lei nº 12.846/2013 nada
valesse. Quem detém competência privativa para sentar-se à mesa e celebrar acordos de
leniência são as autoridades previstas em lei. O conteúdo do acordo integra o núcleo, duro
e indevassável, da competência discricionária desses órgãos públicos. Caso haja ilícitos –
antes, durante ou depois – dos acordos, merecem ser reprimidos com firmeza. Mas isso
não importa dizer que a validade e eficácia dos acordos de leniência dependam do aval
das Cortes de Contas. (MOREIRA, Egon Bockmann. Tribunais de Contas Podem Controlar
Acordos de Leniência? Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/justica/colunistas/
egon-bockmann-moreira/tribunais-de-contas-podem-controlar-acordos-de-leniencia-
77we8fvgzumzr9nykivxoond3.
14
Um exemplo da provisoriedade das decisões da Administração Pública pode ser extraído
da Súmula nº 36 do Parquet de São Paulo, de acordo com o qual “SÚMULA n.º 36. “Sempre
que constatar a lesão, ou a ameaça a interesses difusos ou coletivos, o Órgão do Ministério
Público poderá apurar se houve a devida atuação do órgão da Administração Pública
competente para a fiscalização e implementação das leis de polícia administrativa incidentes.
Em casos de pouca repercussão ou gravidade, o arquivamento do inquérito civil poderá
ter como fundamento a suficiência das medidas administrativas para cessação dos danos
ou eliminação da ameaça, comprovadas nos autos ou objeto de Termo de Ajustamento de
Conduta. No caso de omissão injustificada por parte da Administração Pública, o Órgão
do Ministério Público poderá tomar as medidas cabíveis para apurar eventuais ato de
improbidade administrativa, falta funcional e/ou crime contra a administração pública,
buscando a responsabilização dos agentes omissos. Da mesma forma, verificará a necessidade
de ajuizar ação civil pública contra a Administração Pública para compeli-la a aplicar a lei
de polícia pertinente”.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
14 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

impulso ao PLS nº 3.489/2015 no Senado.15 O Projeto tramitou, por mais


de três anos, no Congresso, com audiências públicas e debates. Aprovado
pelo Plenário do Senado Federal, em 19 de abril de 2017, a referida
iniciativa foi enviada à Câmara dos Deputados, então sob a designação
de PL nº 7.448/2007. E, posteriormente, à sanção da Presidência, por
intermédio da Mensagem nº 10/2018.16
Enviado à sanção, iniciou-se uma batalha renhida pelo veto.
Alegou-se a falta de discussão, ser uma iniciativa ardilosa para ceifar
o controle, até quem afirmasse padecer de “inconstitucionalidade”.17
Muitas críticas foram dirigidas à lei, argumentando que ela seria prenhe
de conceitos também indeterminados e que trariam mais insegurança
na aplicação jurídica. Nada mais sem sentido. A LINDB existe há quase
um século e não se argumenta que ela traz insegurança, embora do seu
texto constem prescrições como “fins sociais e bem comum” (art. 5º)
e “bons costumes” (art. 17). E assim deve ser, pois a LINDB contém
normas de aplicação reflexa, destinadas não a criar ou limitar direitos
dos indivíduos, mas, sim, normas de interpretação que serão utilizadas
pelo intérprete para bem aplicar outras normas.18 Jamais uma norma que

15
A exposição de motivos da referida proposta bem retrata o que se pretendia: como fruto
da consolidação da democracia e da crescente institucionalização do Poder Público, o
Brasil desenvolveu, com o passar dos anos, ampla legislação administrativa que regula o
funcionamento, a atuação dos mais diversos órgãos do Estado, bem como viabiliza o controle
externo e interno do seu desempenho. Ocorre que, quanto mais se avança na produção
dessa legislação, mais se retrocede em termos de segurança jurídica. O aumento de regras
sobre processos e controle da administração têm provocado aumento da incerteza e da
imprevisibilidade e esse efeito deletério pode colocar em risco os ganhos de estabilidade
institucional. Em razão disso, os professores Carlos Ari Sundfeld e Floriano de Azevedo
Marques Neto elaboraram projeto de lei, que ora é acolhido, fruto de projetos de pesquisa
mais amplos desenvolvidos por pesquisadores da Sociedade Brasileira de Direito Público em
parceria com a Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. O resultado desse
trabalho foi publicado na obra Contratações Públicas e seu Controle, pela Editora Malheiros,
ano 2013. O que inspira a proposta é justamente a percepção de que os desafios da ação
do Poder Público demandam que a atividade de regulamentação e aplicação das leis seja
submetida a novas balizas interpretativas, processuais e de controle, a serem seguidas pela
administração pública federal, estadual e municipal. Disponível em: https://legis.senado.
leg.br/sdleg-getter/documento?dm=2919883&disposition=inline.
16
Sobre a origem empírica dessa proposição, sobre os grupos de estudos que lhe deram origem,
é imprescindível a consulta ao texto da, sempre precisa e brilhante, Juliana Bonacorsi de
Palma, disponível em: http://www.sbdp.org.br/wp/wp-content/uploads/2018/04/PALMA-
Juliana-A-proposta-de-lei-da-seguran%C3%A7a- jur%C3%ADdica.pdf.
17
Tal foi destacado pela Consultoria do TCU: Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/
analise-consultoria-juridica-tcu-lindb.pdf.
18
O debate sobre a interpretação autêntica não é novo, expondo Luís Roberto Barroso a
propósito de sua incidência em sede constitucional: é controvertida a própria possibilidade
de interpretação autêntica da Constituição. Aliás, é controvertida a própria existência da
categoria interpretação autêntica como tal entendida a que emana do próprio órgão que
elaborou o ato cujo sentido e alcance ela declara. Pela interpretação autêntica se edita uma
INTRODUÇÃO 15

contém pautas e parâmetros hermenêuticos será de textura normativa


fechada. Podemos buscar normas de textura mais fechada naquelas que
limitam ou constrangem direitos, que estabelecem restrições às esferas
de liberdade dos indivíduos, embora, como vimos, essa busca seja cada
vez mais inglória. Mas regras de interpretação sempre haverão de ser
construídas com pautas e texturas normativas mais abertas.
Até mesmo porque, como sabemos, a técnica legislativa de criar
microssistemas jurídicos não logrou êxito nos últimos anos. Cite-se, por
exemplo, o plexo normativo que disciplina as contratações públicas.
Preambularmente, por intermédio da Lei nº 9.742/1997 (Lei Geral de
Telecomunicações), institui-se a modalidade de licitação pregão, a qual
foi ampliada para toda a Administração Pública Federal, por intermédio
da Medida Provisória nº 2.026/00, e, pela Lei nº 10.520/2012, para os
demais entes federativos. Do mesmo modo, nos contratos de longo
prazo, previu-se, por intermédio das Leis de Concessão e Permissão
de Serviço Público (Lei nº 8.987/95) e das Parcerias Público-Privadas
(Lei nº 11.079/04), um regime licitatório mais compatível com projetos
de infraestrutura. E, por fim, por meio da Lei nº 12.462/2011 (Regime
Diferenciado de Contratações), pretendeu-se instituir um regime de
contratação mais eficiente para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos
Olímpicos de 2016. Tal regime foi ampliado para as ações do Programa
de Aceleramento do Crescimento (PAC) (incluído pela Lei nº 12.688/12);
para as obras e serviços de engenharia do Sistema Único de Saúde
(SUS) (incluído pela Lei nº 12.745/12); obras e serviços de engenharia
em estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativos
(incluído pela Medida Provisória nº 630/13); pode ser utilizado para
os recursos do Fundo Nacional da Aviação Civil (FNAC); para a

norma interpretativa de outra preexistente. A maior parte da doutrina, tanto brasileira


como portuguesa, admite a interpretação constitucional autêntica, desde que se faça pelo
órgão competente para a reforma constitucional, com observância do mesmo procedimento
desta. Em rigor, a interpretação constitucional, para ser verdadeiramente autêntica, na
conformidade da definição, teria de emanar da mesma fonte instituidora: o poder constituinte
originário. Isso, normalmente, não será possível, pois, uma vez concluída a sua obra, o poder
constituinte originário se exaure, ou, melhor dizendo, volta ao seu estado latente e difuso.
De modo que não se pode falar em interpretação constitucional verdadeiramente autêntica
A discussão, todavia, tem pouca relevância no Brasil. É que um dos traços que distinguem
a interpretação autêntica é o seu caráter retroativo, remontando à data de vigência da lei
que está sendo interpretada. Ora bem: entre nós isso não é possível. Por força do art. 52,
XXXVI, da Constituição da República, combinado com o art. 60, §42, nem mesmo as emendas
constitucionais podem afetar as situações já definitivamente constituídas e incorporadas
ao patrimônio de seu titular. Ou seja: em qualquer caso, os efeitos se produzirão ex nunc.
(BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. São Paulo: Saraiva, 1996,
p. 112-113).
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
16 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

construção ou reformas de presídios e unidades socioeducacionais para


adolescentes infratores (nos termos da Lei nº 12.980/14). Os resultados
dessa hipernormatização setorial não se revelaram eficientes.19 Os
achados da “Operação Lava Jato” reforçam tal conclusão. Daí a estratégia
de se acrescentar dispositivos em uma lei que interpreta outras leis.
A favor do projeto se uniram os nomes mais significativos do
direito público e os principais economistas do país, de todos os matizes.20
As críticas se mostraram insustentáveis, e o projeto, na sua essência,
converteu-se na Lei nº 13.655/2018, a qual será objeto dos presentes
comentários.

19
ROSILHO, André Janjácomo. As licitações segundo a Lei nº 8.666: um jogo de dados viciados.
Revista de Contratos Públicos – RCP, Belo Horizonte, ano 2, n. 2, p. 9-37, set. 2012/fev. 2013.
20
Marcos Augusto Perez, Cenário é desolador, mas houve uma boa notícia para o direito
administrativo (https://www.conjur.com.br/2018-jan-04/cenario-desolador-houve-boa-
noticia-direitoadministrativo); Marco Antônio Moraes Alberto e Conrado Hübner Mendes,
Por que uma lei contra o arbítrio estatal? (https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/
por-que-uma-lei-contra-oarbitrio-estatal-12042018); EGON BOCKMANN MOREIRA, A nova
lei de introdução e o prestígio ao controle externo eficiente (http://www.gazetadopovo.com.
br/justica/colunistas/egon-bockmannmoreira/a-nova-lei-de-introducao-e-o-prestigio-ao-
controle-externo-eficiente6133bodkb8lvvkj4hc1knle4o); Sérgio Ferraz e Amauri Feres Saad,
Controle externo não está ameaçado pelo PL 7.448/2017 (https://www.conjur.com.br/2018-
abr-13/opiniao-controle-externo-naoameacado-pl-74482017); Paulo Modesto, Fake news
institucional: a crítica vazia ao projeto de lei 7.448/2017 (http://www.direitodoestado.com.br/
colunistas/paulo-modesto/fake-news-institucional-acritica-vazia-ao-projeto-de-lei-7488-2017);
Samuel Pessôa, Nova Lei de Introdução às Normas do Direito (https://www1.folha.uol.
com.br/colunas/samuelpessoa/2018/04/nova-lei-de-introducao-asnormas-do-direito.shtml);
Fausto Macedo, Novo salvacionismo (http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/
novo-salvacionismo/); Ricardo A. Kanayama, Por que o PL 7.448/2017 vai trazer segurança
jurídica na aplicação da lei de improbidade administrativa? (https://www.conjur.com.br/2018-
abr-13/sejam-bem-vindas-mudancas-lindb-sociedadebrasileira-agradece); Alexandre Santos
Aragão, Alterações na LINDB modernizam relações dos cidadãos com Estado (https://www.
conjur.com.br/2018-abr-13/alexandre-aragao-alteracoes-lindbmodernizam-relacoes-estado);
Rafael Véras de Freitas, O artigo 28 do PL 7.448/2017 e a responsabilidade administrativa
(https://www.conjur.com.br/2018-abr-18/rafael-freitas-pl-74482017- responsabilidade-
administrativa); Rafael Hamze Issa, Aprovação do PL 7.448/2017 representará uma importante
melhora institucional (https://www.conjur.com.br/2018-abr-16/rafael-issa-pl-744817-
representa-melhora-institucional); Marçal Justen Filho, PL 7.448/2017 e sua importância
para o Direito brasileiro (https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-justen/
pl-7448-2017-e-suaimportancia-para-o-direito-brasileiro-18042018); Fernando Facury Scaff,
Quem controla o controlador? Considerações sobre as alterações da LINDB (https://www.
conjur.com.br/2018-abr17/quem-controla-controlador-notas-alteracoes-lindb); Bernard
Appy e Floriano de Azevedo Marques Neto, Segurança jurídica (http://economia.estadao.
com.br/noticias/geral,segurancajuridica,70002271134). Importante documento que explica
o PL da Segurança Jurídica com argumentos técnicos Disponível em: http://www.sbdp.
org.br/wp/wpcontent/uploads/2018/04/Parecer-apoio-ao-PL-7.448-17.pdf. Acesso em: 19
abr. 2018. Informações extraídas do trabalho: “A proposta de lei da segurança jurídica na
gestão e do controle públicos e as pesquisas acadêmicas” em http://www.sbdp.org.br/wp/
wp-content/uploads/2018/04/PALMA-Juliana-A-proposta-de-lei-da-seguran%C3%A7a-
jur%C3%ADdica.pdf.
INTRODUÇÃO 17

Balizados pelos três vetores acima referenciados, os artigos


que se acrescentaram à LINDB original têm como objetivo explícito
reforçar a segurança jurídica num quadro de incerteza e de mudança
permanente. Daí por que seu recebimento por aqueles que têm – e devem
mesmo ter – competências amplas para aplicar o direito, mormente
para controlar a ação estatal e o agir dos indivíduos dentro da ordem
coletiva, tenha sido pautado pela resistência. Afinal, em regra, o detentor
de competências reage quando sua liberdade de aplicação do direito
é submetida a algum limite ou parâmetro, mesmo que seja em prol da
segurança jurídica e da estabilidade das relações. Damos um singelo
exemplo: antes de vir contida no rol de garantias fundamentais pela
CRFB vigente (art. 5º, XXXVI), a garantia de irretroatividade da lei já
vinha prevista na LINDB de 1942 (art. 6º).21 Claro que o comando do
art. 6º não se dirigia ao legislador, que, editando lei ordinária, poderia
desconsiderá-lo. Dirigia-se ao intérprete, especialmente o autêntico,
que iria aplicar a lei nova. Certo está que o destinatário da competência
prevista ou encorpada pela lei nova viu-se tolhido (alvíssaras) pela
vedação da LINDB, pois que a alteração legislativa tem, pelo art. 6º,
aplicação restrita, vedado o casuísmo da retroação. E ninguém nega a
importância da proteção ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido
para a segurança jurídica.
Disso deve decorrer a interpretação a propósito da própria
incidência da Lei nº 13.655/2018, que será objeto dos presentes
comentários. É dizer, se ela terá ou não efeitos retroativos. Temos
que irretroatividade das normas deve ceder em face das normas
interpretativas, de que é exemplo da LINDB.22 Cuida-se de entendimento

21
Prevista originalmente no Decreto-Lei nº 4.657 de 1942, tal garantia não constava da
Constituição de 1937. Após prevista na então Lei de Introdução ao Código Civil, foi alçada
à condição de garantia constitucional pela Carta de 1946 (art. 141, §3º) e daí prosseguiu nas
constituições sucessivas até a CF 88.
22
Nesse sentido, confira-se o parecer da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal
sobre o Projeto de Lei do Senado nº 349/2015 é claro ao dizer que: “Ocorre que, embora
o Decreto-Lei nº 4.657, de 4 set. 1942, tenha sido editado sob o nomen juris de “Lei de
Introdução ao Código Civil” (LICC), sempre foi considerada uma norma “de sobredireito”,
uma norma que rege a interpretação e aplicação de outras normas, sejam estas privadas ou
públicas”. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4407681.
O tema da interpretação normativa já foi objeto de decisão do Eg. Supremo Tribunal Federal,
como se extrai do seguinte excerto: “É plausível, em face do ordenamento constitucional
brasileiro, o reconhecimento da admissibilidade das leis interpretativas, que configuram
instrumento juridicamente idôneo de veiculação da denominada interpretação autêntica.
As leis interpretativas – desde que reconhecida a sua existência em nosso sistema de
direito positivo – não traduzem usurpação das atribuições institucionais do Judiciário e,
em conseqüência, não ofendem o postulado fundamental da divisão funcional do poder.
Mesmo as leis interpretativas expõem-se ao exame e à interpretação dos juízes e tribunais.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
18 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

que encontra lastro na jurisprudência dos Tribunais Superiores, como


bem observado por Gabriela M. Engler Pinto.23 O Supremo Tribunal
Federal (STF), ao apreciar a ADI nº 605-MC/DF,24 já teve a oportunidade
de asseverar que “as leis, em face do caráter prospectivo de que se
revestem, deve, ordinariamente, dispor para o futuro. O sistema
jurídico-constitucional brasileiro, contudo, não assentou como postulado
absoluto, incondicional e inderrogável, o princípio da irretroatividade”.
No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o Resp
nº 206385,25 deixou assentado que “Trata-se, a toda evidência, de lei
interpretativa, (...) cujos efeitos retroagem à data da publicação da lei
interpretada”.
E aí chegamos aos três vetores da segurança jurídica.26 A segurança
jurídica tem uma vertente da estabilidade, na medida em que dá
perenidade aos atos jurídicos e aos efeitos deles decorrentes, mesmo
quando houver câmbios nas normas ou no entendimento que se faz
delas. Tem um vetor de previsibilidade, protraindo mudanças bruscas,
surpresas, armadilhas. E, por fim, tem um vetor de proporcionalidade
(e de ponderabilidade), na medida em que a aplicação do Direito não
pode nem ser irracional, nem desproporcional. É, exatamente, nesses três
sentidos que a Lei nº 13.655/18 veio reforçar a aplicação da segurança
jurídica no âmbito do Direito Público.
Nesse quadrante, a presente investida acadêmica foi principiada
por uma série de artigos publicados, pelos seus subscritores, na

Não se revelam, assim, espécies normativas imunes ao controle jurisdicional” (ADI nº 605-
MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 05.03.93).
23
PINTO, Gabriela M. Engler. O caso da anulação dos aditivos de 2006 pela ARTESP: seria
diferente à luz da nova Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro? – Disponível
em: http://www.portugalribeiro.com.br/o-caso-da-anulacao-dos-aditivos-de-2006-pela-
artesp-seria-diferente-a-luz-da-nova-lei-de-introducao-as-normas-do-direito-brasileiro/.
Acesso em: 12 dez. 2018.
24
BRASIL. STF. ADI nº 605 MC, Tribunal Pleno, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado
em 23.10.1991.
25
BRASIL. STF. REsp nº 206.385/DF, SEXTA TURMA, Rel. Ministro VICENTE LEAL, julgado
em 18.05.1999.
26
Não se desconhece, claro que, para corrente majoritária Tal princípio se subdivide em duas
vertentes: a objetiva, que tem a função de garantir a estabilidade das relações jurídicas,
notadamente pela proteção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa
julgada; e a subjetiva, a que se relaciona com a confiança na atuação do Estado, nos mais
diferentes aspectos de sua atuação. (Nesse sentido, SILVA, Almiro do Couto. O princípio
da segurança jurídica (proteção à confiança) no Direito Público brasileiro o direito da
administração Pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial
do art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei nº 9.784/99). Revista Brasileira de
Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 2, jul./set. 2004, p. 7/58, e Revista Eletrônica de
Direito do Estado – REDE, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 2, abr./maio/
jun. 2005, p. 3-4).
INTRODUÇÃO 19

Revista Eletrônica Consultor Jurídico – CONJUR, pelo que agradecemos a


oportunidade aos caríssimos Márcio Chaer, Pedro Canário e Andressa
Taffarel. Nesta oportunidade, porém, temos por objetivo conferir
substrato acadêmico às referidas reflexões, por intermédio de uma
obra de comentários à Lei nº 13.655/2018. Não se desconsidera que o
novel diploma ainda será predicador de amplas reflexões da doutrina,
da jurisprudência e, principalmente, da sociedade. Nada obstante,
nos presentes comentários, pretende-se expor as primeiras reflexões
de seus subscritores a propósito da Nova Lei da “Segurança para a
Inovação Pública” – que temos a certeza de que muito contribuirá
para incorporação definitiva da segurança jurídica no Direito Público
Brasileiro.
PÁGINA EM BRANCO

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Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá
com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as
consequências práticas da decisão.
Caput acrescentado pela Lei nº 13.655, de 25.04.2018.

Em 25 de abril deste ano, foi publicada a Lei nº 13.655, que alterou


a Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (LINDB), denominada “Lei
da Segurança para a Inovação Pública”. Cuida-se de normativo que
não foi aprovado, de forma açodada. Na verdade, o projeto é resultado
de pesquisas acadêmicas imparciais e empíricas. É um esforço para o
incremento da segurança jurídica.27 Aprovado, com ampla maioria, nas
casas legislativas (desde a apresentação do PLS nº 349/2015 até a ampla
discussão a propósito da aprovação do PL nº 7.448/2017). Foi permeado
por audiências públicas e por debates a propósito de seus termos, em
diversas instituições brasileiras (universidades, procuradorias, entidades
públicas).
A Lei nº 13.655/2018 já observou, em sua gestação, o que prescreve.
Ao invés de ser fruto de abstrações como os princípios da “supremacia do
interesse público”, da “dignidade da pessoa humana” ou do “princípio
da licitação”, resultou do trespasse de uma ampla fundamentação
empírica para um diploma normativo.28 E é disso de que se cogita, a
partir da vigência do seu art. 20. A ratio é a de interditar a utilização
indiscriminada de abstrações nas razões de decidir – as quais, nos
últimos anos, serviram para ampliar o espectro de poder de instituições.
Cuida-se de vicissitude, há muito, diagnosticada por Carlos Ari
Sundfeld, como uma arma de “espertos e de preguiçosos”.29 Como
bem destacado pelo autor, a decisão com base em princípios jurídicos
pode servir para que controladores decidam, sem enfrentar os fatos e
analisar o ordenamento jurídico. Mais que isso, para que, por intermédio

27
Como demostrado, pela sempre precisa e brilhante, Juliana Bonacorsi de Palma em http://
www.sbdp.org.br/wp/wp-content/uploads/2018/04/PALMA-Juliana-A-proposta-de-lei-da-
seguran%C3%A7a-jur%C3%ADdica.pdf.
28
Tal se dá por que essas escolhas exigem um método de apreciação do caso à luz do contexto
em que as normas serão aplicadas, como bem explica Michel Miaille, para quem “Ora, como
já acima mostrei, os argumentos dependem no seu valor, e, portanto, na sua eficácia, da
situação de momento, do lugar, muito mais que da sua definição abstracta. Os princípios
invocados, as noções utilizadas, as teorias propostas não têm por si mesmo força suficiente:
tudo depende do contexto” (MICHEL MIAILLE. Introdução crítica ao direito. Lisboa: Editorial
Estampa, 1994, p. 195-196)
29
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo para céticos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2014,
p. 215
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
22 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

de indeterminações principiológicas, o controlador se substitua ao


administrador público, seja para não ter de motivar, adequadamente,
as suas decisões, seja para ignorar o ordenamento jurídico, seja para,
sem uma análise consequencialista, resolver políticas distributivas.30
É que, diferentemente das regras, que são aplicadas “de uma forma
tudo-ou-nada (all-or-nothing fashion) os princípios ao contrário, não
são”.31 Os princípios, na verdade, são “mandamentos de otimização, que
são caracterizados por meio disto, que podem ser cumpridos em graus
diferentes e de que a medida ordenada depende, em seu cumprimento,
não só das possibilidades fáticas, mas também das jurídicas”32 possuem
uma dimensão de peso (dimension of weight).
Daí a razão pela qual, nas decisões puramente principiológicas,
como bem destacado por Marçal Justen Filho,33 surgem os oportunismos
decisórios. É dizer, a decisão fundamentada em abstrações, para além
de se furtar a analisar a complexidade da questão vertida, não traduz
uma avaliação prévia quanto à solução mais adequada. Mais que isso, a
utilização de conceitos abstratos pode importar em decisões subjetivas e
arbitrárias, pois que a indeterminação de sua significação pode ocultar
interesses escusos veiculados por seu intermédio. Ou gerar o efeito
da fundamentação reversa, por intermédio do qual o decisor toma a
decisão final e, após, se utiliza de conceitos abertos para justificar a sua

30
Humberto Ávila, com muita propriedade, bem resume a inconsistência metodológica de
tal interpretação, quando leciona que: “No caso de regras constitucionais, os princípios não
podem ter o condão de afastar as regras imediatamente aplicáveis situadas no mesmo plano.
Isso porque as regras têm a função, precisamente, de resolver um conflito, conhecido ou
antecipável, entre razões pelo Poder Legislativo Ordinário ou Constituinte, funcionando
suas razões (autoritativas) como razões que bloqueiam o uso das razões decorrentes dos
princípios (contributivas). 5 Daí se afirmar que a existência de uma regra constitucional
elimina a ponderação horizontal entre princípios pela existência de uma solução legislativa
prévia destinada a eliminar ou diminuir os conflitos de coordenação, conhecimento, custos
e controle de poder” (ÁVILA, Humberto. “Neoconstitucionalismo”: entre e “Ciência do
Direito” e o “Direito da Ciência”. Revista Eletrônica de Direito do Estado – REDE, Salvador,
Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 17, jan./fev./mar. 2009).
31
HECK, Luís Afonso. Regras, princípios jurídicos e sua estrutura no pensamento de Robert
Alexy. In: LEITE, George Salomão (Org.). Dos princípios constitucionais: considerações em
torno das normas principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 57-58.
32
HECK, Luís Afonso. Regras, princípios jurídicos e sua estrutura no pensamento de
Robert Alexy, op. cit., p. 64. BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. A nova
interpretação constitucional: ponderação, argumentação e papel dos princípios. In: LEITE,
George Salomão (Org.). Dos princípios constitucionais: considerações em torno das normas
principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 109-110.
33
JUSTEN FILHO, Marçal. O art. 20: dever de transparência, concretude e proporcionalidade
nas decisões públicas. Revista de Direito Administrativo – RDA. Edição especial. Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Rio de Janeiro, FGV, 2018, p. 22.
ART. 20 23

decisão pré-tomada.34 E disso resulta a insegurança jurídica decisória.


Em conclusão, Carlos Ari Sundfeld e José Guilherme Giacomuzzi35
asseveram que “a Lei nº 13.665/2018, nova fonte formal do Direito
brasileiro, busca justamente trazer quem ‘decide’ ao mundo real. Não
é uma lei contra os princípios. Mas é uma lei para evitar que a validade
de atos e a regularidade de comportamentos sejam decididas a partir
de idealizações e de argumentos retóricos legitimados com a simples
invocação de princípios”.
Essa principiologia decisória vem sendo utilizada, pelo Poder
Judiciário brasileiro, notadamente após a promulgação da Constituição
de 1988. É que, a partir da Constituição Democrática, o Poder Judiciário
foi alçado à condição de intérprete último da carta constitucional. De
fato, nos últimos vinte anos, notadamente o Supremo Tribunal Federal
(STF), arvorado na ampliação de suas competências, se colocou como
a instância adequada a resolver os grandes conflitos institucionais,
políticos e, principalmente, para implementar políticas públicas – uma
espécie de “poder moderador”.36
Um exemplo do que aqui se aborda é a tutela dos direitos sociais
pelo Poder Judiciário. A Constituição de 1988 é prenhe de dispositivos
que tutelam direitos sociais, a exemplo do art. 7º, que assegura direitos
do trabalhador, do art. 196, que traz uma diretriz garantidora do direito

34
É que os princípios passam por processo de ponderação para sua aplicação, como destacado
por Robert Alexy, para quem “Los valores y principios no regulan por sí mismos su aplicación,
es decir, la ponderación quedaría sujeta aI arbitrio de quien la realiza. Allí donde comienza
la ponderación, cesaría el control através de las normas y el método. Se abriría así el campo
para el subjetivismo y decisionismo judiciales. Estas objeciones valen en la medida en que
con ellas infiera que la ponderación no es un procedimiento que, en cada caso, conduzca
exactamente a un resultado.” E, relembrando a orientação para realizar as ponderações da
Corte Constitucional Alemã, que enuncia que “quanto maior é o grau de insatisfação ou de
afetação de um princípio, tanto maior tem que ser a importância da satisfação do outro”,
explica o que denomina de “lei de ponderação”, e o seu bom emprego: “(...) la medida
permitida de no satisfacción o de afectación de uno de los principios depende del grado de
importancia de la satisfacción del outro. Ya en la definición del concepto de principio, con
la cláusula ‘relativo a las posibilidades jurídicas’, aquello que es ordenado por el respectivo
principio fue puesto en relación con aquello que es ordenado por principios opuestos. La
ley de la ponderación dice en qué consiste esta relación. Pone claramente de manifesto
que el peso de los principios no es determinable en sí mismo o absolutamente, sino que
siempre puede hablarse tan solo de pesos relativos” (ALEXY, Robert. Teoría de los derechos
fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 161).
35
SUNDFELD, Carlos Ari; GIACOMUZZI, José Guilherme. O espírito da Lei nº 13.665/2018:
impulso realista para a segurança jurídica no Brasil. Revista de Direito Público da Economia –
RDPE, Belo Horizonte, ano 16, n. 62, p. 39-41, abr./jun. 2018.
36
VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal: o novo Poder Moderador. In: MOTA,
Carlos Guilherme Mota; SALINAS, Natasha S. C. Os juristas na formação do Estado-nação
brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2010.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
24 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

à saúde, e do art. 208, garantidor do direito à educação. Acontece que


tais direitos vêm sendo tutelados ao alvedrio do Poder Judiciário,
com base em argumentos abertos, sem que tenham sido examinados
aspectos específicos dos casos concretos. Para além disso, as decisões que
tiveram por objeto a tutela de direitos sociais deixaram de considerar
seus aspectos prospectivos e sistêmicos, ou, quando o fizeram, também
não continham motivações dando conta de tais nuanças.
Boa parte dessas decisões se vale de uma linha argumentativa de
acordo com a qual as normas que veiculam direitos sociais não teriam
natureza jurídica de normas constitucionais programáticas – as quais
poderiam ser implementadas, de forma gradual, pelo Estado. Ainda de
acordo com tal entendimento, os direitos sociais seriam direitos funda-
mentais, e, nessa qualidade, à luz do art. 5º, §1º, da CRFB, possuiriam
eficácia imediata. Não se desabona tal entendimento. Mas isso não
poderia importar numa transferência de atribuições da Administração
Pública para o Poder Judiciário. Mais que isso, não confere ao Poder
Judiciário a prerrogativa de exercer uma função reguladora, para a qual
não possui a necessária capacidade institucional.
Nesse quadrante, o primeiro e central argumento do qual se vale
o Poder Judiciário, para se arvorar na competência de garantidor de
direitos sociais, por meio de conceitos abertos, é o do adágio da Força
Normativa da Constituição, assim resumido por Luís Roberto Barroso,37
para quem “uma das grandes mudanças de paradigma ocorridas ao
longo do século XX foi a atribuição à norma constitucional do status de
norma jurídica. Superou-se, assim, o modelo que vigorou na Europa
até meados do século passado, no qual a Constituição era vista como
um documento essencialmente político, um convite à atuação dos
Poderes Públicos”.
Com base nesse alicerce doutrinário, passou-se a defender o
entendimento de acordo com o qual não há que se falar mais na existência
de uma discricionariedade administrativa absoluta, pautada pelos
conceitos de conveniência e oportunidade. Afirma-se que existiriam
graus de vinculação da atividade Administrativa à juridicidade38 – os
quais seriam impulsionados pelas doutrinas da judicialização da política,

37
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (o triunfo
tardio do direito constitucional brasileiro). Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 102, n. 384, p.
71-104, mar./abr. 2006.
38
Como vem sendo defendido em OTERO, Paulo. Legalidade e administração pública: o sentido
da vinculação administrativa à juridicidade. Coimbra: Almedina, 2003, p. 147.
ART. 20 25

pelas diretrizes axiológicas do Neoconstitucionalismo,39 pela doutrina da


Eficácia das Normas Constitucionais40 e, para o que aqui importa, pela
Teoria dos Princípios.41 Tudo isso com o fim de possibilitar o controle
judicial de políticas públicas.
O excesso, por certo, não é um caminho seguro. É evidente que
não se está a defender a vetusta concepção de que o mérito do ato
administrativo não pode ser controlado pelo Poder Judiciário – como
bem exposto, no Brasil, por Miguel Seabra Fagundes.42 Mas isso não
importa dizer que, no âmbito da diretriz de um controle recíproco entre
os Poderes da República, como baluarte da Separação dos Poderes (checks
and balances), não mais exista um espaço de atuação reservado ao Poder
Executivo para o exercício de sua vocação finalística, a de administrar,
de realizar as escolhas administrativas. Trata-se, pois, da denominada
Reserva da Administração, assim conceituada por Arícia Fernandes
Correia43 “como exercício da função administrativa em seu conteúdo
essencial e concreto, a englobar tanto atos administrativos unilaterais
(formais ou materiais) quanto bilaterais, bem como procedimentos
administrativos, que não poderiam ser substituídos nem pelo legislador,
tampouco pelo órgão jurisdicional”.
Especificamente no que toca ao direito à saúde, digno de nota
é o Recurso Extraordinário nº 271286-AgR/RS,44 no qual o STF deixou
assentado que o “direito público subjetivo à saúde representa prerro-
gativa jurídica indisponível, cabendo ao Estado formular e implementar
políticas que visem a garantir a todos, inclusive aos portadores do
vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica
e médico-hospitalar”. No que tange ao direto à educação, o STF, ao
apreciar o RE nº 411518/SP,45 consignou que “conforme preceitua o
artigo 208, inciso IV, da Carta Federal, consubstancia dever do Estado a

39
Sobre o tema, veja-se: BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos
fundamentais e controle das políticas públicas. Revista de Direito Administrativo – RDA, p.
84, 103, 2005.
40
V. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 2009,
p. 375.
41
DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978.
42
FAGUNDES, Miguel Seabra. Controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 7. ed. 2005,
p. 138.
43
CORREIA, Arícia Fernandes. Reserva da administração e separação de poderes. In BARROSO,
Luís Roberto (Org.). A reconstrução democrática do direito público no Brasil. Rio de Janeiro:
Renovar, 2007, p. 596.
44
BRASIL. STF. RE nº 271286 AgR, Segunda Turma, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO,
julgado em 12.09.2000.
45
BRASIL. STF. RE nº 411518, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 03.03.2004
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
26 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

educação, garantindo o atendimento em creche e pré-escola às crianças


de zero a seis anos de idade”.
Nada obstante, com o passar do tempo, os dois direitos sociais
começaram a ser tratados, pela jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal STF, por intermédio de um viés mais consequencialista (tema que
será doravante analisado, ao comentarmos o art. 21 do novel diploma).
Na ADPF nº 45/DF,46 por exemplo, malgrado a referida ação tenha
perdido o seu objeto, o Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestou
no sentido de que “a limitação de recursos existe é uma contingência que
não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que
algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado,
ao determinar seu fornecimento pelo Estado”. Do mesmo modo, na
Suspensão de Tutela Antecipada nº 91,47 ficou assentado que “a gestão
da política nacional de saúde, que é feita de forma regionalizada, busca
uma maior racionalização entre o custo e o benefício dos tratamentos que
devem ser fornecidos gratuitamente, a fim de atingir o maior número
possível de beneficiários”. Assim também se passou, com o direito à
educação, a exemplo do que foi decidido na ADI nº 3.324,48 na qual
ficou assentado que “a transferência de alunos pressupõe a observância
da natureza jurídica do estabelecimento educacional de origem, a
congeneridade das instituições envolvidas – de privada para privada,
de pública para pública –, mostrando-se inconstitucional interpretação
que resulte na mesclagem – de privada para pública”.
Ao analisar esses e outros julgados, Daniel Wei Liang Wang,49
em relevante estudo empírico a propósito de tais julgados, concluiu
que, embora os conceitos de “reserva do possível” e de “custos dos
direitos” passassem a ser utilizados em julgados que tenham por objeto
o atendimento de direitos sociais, o problema não está no resultado das
decisões, mas na forma como elas estão fundamentadas. Afirmar com
segurança que o impacto de umas é menor que o de outras só “seria
possível por meio de uma análise mais pormenorizada das políticas
públicas de saúde e educação e de conhecer melhor a capacidade de
gasto do Poder Público, o que foi feito nos julgamentos de pedido de
intervenção federal”.

46
BRASIL. STF. ADPF nº 45 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 29.04.2004.
47
BRASIL. STF. STA nº 91, Relator(a): Min. PRESIDENTE, Decisão Proferida pelo(a) Ministro(a)
ELLEN GRACIE, julgado em 26.02.2007.
48
BRASIL. STF. ADI nº 3.324, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado
em 16.12.2004.
49
WANG, Daniel Wei Liang Wang. Revista Direito GV. São Paulo 4 (2), jul./dez. 2008.
ART. 20 27

Tal viés decisório, com base em conceitos abertos ou princípios,


também tem permeado as decisões do Tribunal de Contas da União
(TCU), notadamente na análise de editais de projetos de infraestrutura
ainda não publicados.50 Para fundamentar tal intervenção, os tribunais de
contas têm se valido, ao menos, dos argumentos de que: (i) a Constituição
de 1988, diferentemente das anteriores, em seu artigo 70, caput, lhes
atribui a competência para a realização de “auditoria operacional”, a
qual legitimaria tal espécie de intervenção;51 (ii) na atuação finalística
das agências reguladoras, sempre haveria repercussão sobre o erário, o
que submeteria os atos dessas entidades ao controle externo;52 e (iii) lhe
teria lhe sido conferido um “poder geral de cautela”, que encontraria
lastro na ainda mais indeterminada “Teoria dos Poderes Implícitos”,
como foi decidido no MS nº 24.510/DF, que foi apreciado pelo Supremo
Tribunal Federal;53 (iv) há recomendações internacionais que fomentam

50
Tal intervenção tem origem nos idos de 1998, quando foi criada a Secretaria de Fiscalização
de Desestatização (Sefid) no âmbito desse tribunal e editada a Instrução Normativa nº
27/1998, que dispõe sobre a fiscalização, pelo TCU, dos processos de desestatização. De
acordo com esse normativo, o TCU passou a exercer a sua função de controle externo em
processos “de desestatização realizados pela Administração Pública Federal, compreendendo
as privatizações de empresas, inclusive instituições financeiras, e as concessões, permissões
e autorizações de serviço público”.
51
RODRIGUES, Walton Alencar. O controle da regulação no Brasil. Interesse Público – IP, Belo
Horizonte, ano 7, n. 33, p. 345-358, 2005, p. 346.
52
“Ao nosso ver, o Tribunal de Contas pode realmente controlar tais atos de regulação,
uma vez que, imediata ou mediatamente, os atos de regulação e de fiscalização sobre os
concessionários de serviços públicos se refletem sobre o Erário. Por exemplo, uma fiscalização
equivocada pode levar à não aplicação de uma multa; a autorização indevida de um aumento
de tarifa leva ao desequilíbrio econômico-financeiro favorável à empresa, o que, entre outras
alternativas, deveria acarretar na sua recomposição pela majoração do valor da outorga
devida ao Poder Público, etc...” ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a
evolução do direito administrativo econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 340-341.
Em sentido contrário, Marçal Justen Filho, para quem “Também é inafastável submeter
a atividade das agências reguladoras ao controle do Tribunal de Contas. Observe-se que
esse controle versará, basicamente, sobre a gestão administrativa em sentido próprio. Não
caberá ao Tribunal de Contas investigar o conteúdo das decisões regulatórias emitidas pela
agência. O que deverá verificar são os dispêndios, licitações e contratações produzidos, os
atos atinentes pessoal e sua remuneração. Enfim, a atuação do Tribunal de Contas envolverá
fiscalização da agência reguladora enquanto autarquia federal, não como órgão titular de
competências regulatórias” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2006, p. 476) e BARROSO, Luís Roberto. Natureza jurídica e funções
das agências reguladoras de serviços públicos: limites da fiscalização a ser desempenhada
pelo Tribunal de Contas do Estado. Revista Trimestral de Direito Público – RTDP, São Paulo,
Malheiros, n. 25.
53
Em decisão, assim ementada: “PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. IMPUGNAÇÃO.
COMPETÊNCIA DO TCU. CAUTELARES. CONTRADITÓRIO. AUSÊNCIA DE
INSTRUÇÃO. 1 – Os participantes de licitação têm direito à fiel observância do procedimento
estabelecido na lei e podem impugná-lo administrativa ou judicialmente. Preliminar de
ilegitimidade ativa rejeitada. 2 – Inexistência de direito líquido e certo. O Tribunal de
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
28 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

o exercício de tal competência, a exemplo da Guidelines on Best Practice


for the Audit on Public/Private Finance and Concessions.
Cuida-se de conceitos abertos e indeterminados que, na verdade,
têm o desiderato de ampliar o seu espetro de Poder para além do
que tal instituição conseguiu incluir na Constituição de 1988 – como
demostrado pela destacada pesquisa empírica realizada por André
Janjácomo Rosilho.54
É exemplo de decisões proferidas, com base em conceitos abertos
o Acórdão nº 2.666/2013,55 no qual se examinava o primeiro estágio das
concessões dos Aeroportos Tancredo Neves/MG (Confins) e Tom Jobim/
RJ (Galeão). Duas previsões editalícias foram objeto de questionamentos,
pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A primeira a de que seria
exigido dos licitantes, para fins de comprovação qualificação técnica,
a demonstração de experiência na movimentação de, no mínimo,
35 milhões de passageiros anuais; a segunda de que não poderiam
participar das licitações empresas que já atuassem na operação de
aeroportos brasileiros licitados na primeira rodada. O TCU questionou
tais exigências, com base nos seguintes argumentos abertos, como se
extraí da seguinte passagem de sua decisão:

em observância aos princípios da motivação, da isonomia e da seleção da


proposta mais vantajosa, aos arts. 37, inciso XXI, da Constituição de 1988,

Contas da União tem competência para fiscalizar procedimentos de licitação, determinar


suspensão cautelar (artigos 4º e 113, §§1º e 2º, da Lei nº 8.666/93), examinar editais de licitação
publicados e, nos termos do art. 276 do seu Regimento Interno, possui legitimidade para a
expedição de medidas cautelares para prevenir lesão ao erário e garantir a efetividade de
suas decisões. Egle dos Santos Monteiro da Silveira defende o mesmo entendimento, quando
afirma que: Ora, o art. 113 coloca como data-limite para a requisição de cópias o último
dia imediatamente anterior à data de recebimento das propostas, vale dizer: em momento
anterior ao início da fase de julgamento dos documentos de habilitação e da proposta.
Por outro lado, se do exame procedido pelo Tribunal podem resultar medidas corretivas,
é certo que tais medidas deverão ser adotadas antes de iniciada a fase de abertura, pois uma vez
iniciada – propostas abertas – não será possível a implementação das mesmas. Será necessário que
se anule o certame para reiniciá-lo, sem a reincidência das irregularidades denunciadas.
(...) resta claro que a suspensão do certame está implícita no art. 113 e na Instrução 1, de
1994, sem o que de nada adiantaria a fiscalização do edital pelo Tribunal, desperdiçadas seriam as
competências a ele constitucionalmente atribuídas” (SILVEIRA, Egle dos Santos Monteiro da.
O controle dos procedimentos licitatórios pelo Tribunal de Contas, RTDP 27/174 ). Em
sentido contrário, v. JORDÃO, Eduardo. A intervenção do TCU sobre editais de licitação
não publicados: controlador ou administrador?. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP,
Belo Horizonte, ano 12, n. 47, p. 209-230, out./dez. 2014.
54
ROSILHO, André Janjácomo. Controle da Administração Pública pelo Tribunal de Contas da
União. Tese de doutorado defendida na Faculdade de Direito da USP em 2016.
55
BRASIL. TCU. Acórdão nº 2.666/2013. Plenário. Relator: AUGUSTO SHERMAN. Data da
Sessão: 02.10.2013.
ART. 20 29

14 da Lei 8.987/1995, 3º e 30 da Lei 8.666/1993 e à súmula TCU 263/2011,


inclusão no processo de concessão, expressamente, dos fundamentos
legais e técnicos (além daqueles constantes da Nota Técnica 001/DERC/
DEOUT/SPR/SAC-PR) da exigência de experiência em processamento
de passageiros e da restrição à participação no leilão de acionistas das
atuais concessionárias de serviço público de infraestrutura aeroportuária,
de forma a demonstrar, tecnicamente, que os parâmetros fixados são
adequados, imprescindíveis, suficientes e pertinentes ao objeto licitado.

Assim também se passou, no Setor Portuário. Ao apreciar as


licitações para o primeiro bloco de arrendamentos portuários, por
intermédio Acórdão nº 3.661/2013,56 o TCU determinou, com base
na sua competência para realizar “auditorias operacionais”, que o
Poder Concedente: (i) instituísse tetos tarifários em todas as áreas
portuárias arrendadas; e (ii) incluísse nas minutas dos contratos de
arrendamento mecanismos de revisão tarifária compatíveis com as
tarifas-teto instituídas.
Tal intervenção principiológica do TCU ainda é uma constante
nos projetos de infraestrutura. Como dá conta balanço crítico parcial
(jan./mar. de 2018) sobre as decisões do TCU, elaborado pelo Grupo
Público da FGV SP57 e da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP),
formado pelos pesquisadores André Braga; André Rosilho; Arthur
Guedes; Conrado Valentini Tristão; Daniel Bogéa; Gilberto Gomes;
Gustavo Maia Pereira; Julia Lillo; Matheus de Paula; e Yasser Gabriel,
sob orientação de Juliana Bonacorsi de Palma. Dentre os achados do
referido grupo, destaca-se o Acordão nº 672/2018, por meio do qual o
TCU se imiscui em decisões relacionadas à exploração de blocos de
petróleo; e o Acórdão nº 290/2018 – Plenário, por intermédio do qual
referendou medida cautelar para determinar à ANTT a mudança de
critérios aplicados em reajustes de pedágios, especificamente em virtude
do impacto advindo da Lei nº 13.103/2015 (conhecida como Lei dos
Caminhoneiros).
Cuida-se de uma intervenção que não encontra lastro no ordena-
mento jurídico. É que as competências dos tribunais de contas, de acordo
com a Constituição, dizem respeito à expedição de atos de correção de
ilegalidades e de sustação de “atos administrativos”, ambas relacionadas

56
BRASIL. TCU. Acórdão nº 3.661/2013. Ata nº 49/2013. Plenário. Relator: ANA ARRAES.
Data da Sessão: 10.12.2013.
57
Disponível em: http://www.sbdp.org.br/wp/wp-content/uploads/2018/08/
Observat%C3%B3rio-do-TCU-Balan%C3%A7o-cr%C3%ADtico-parcial-2018.pdf. Acesso
em: 12 dez. 2018
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
30 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

à atuação “financeira” dos órgãos e das entidades do poder público (art.


71, IX e X, da CRFB). Razão pela qual, como já tive a oportunidade de
asseverar,58 as cortes de contas não poderiam se imiscuir em decisões
de entidades públicas para além desse aspecto. Tanto assim é que,
quando a Carta Constitucional quis conferir tal competência, o fez
expressamente, a exemplo do que se passa com o Conselho Nacional
de Justiça (CNJ), entidade que tem a competência pra rever as decisões
dos órgãos sujeitos à sua jurisdição.59
Nesse sentido, como leciona Maria Sylvia Di Pietro60 “o Tribunal
de Contas, por força das normas constitucionais, somente tem compe-
tência para sustar atos administrativos, mas não a possui para sustar
contratos administrativos. Tal competência foi outorgada ao Congresso
Nacional, o que significa que o constituinte quis tirar tal atribuição de
um órgão técnico – o Tribunal de Contas – para outorgá-la a um órgão
político – o Congresso Nacional”. Esse também é o entendimento de
grande parcela da doutrina pátria.61 O STF, por ocasião do julgamento
do Mandado de Segurança nº 23550, também deixou assentado que “o
Tribunal de Contas da União – embora não tenha poder para anular
ou sustar contratos administrativos – tem competência, conforme
o artigo 71, IX, para determinar à autoridade administrativa que

58
FREITAS, Rafael Véras de. O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e o seu regime
jurídico. Revista de Contratos Públicos – RCP, Belo Horizonte, ano 6, n. 11, p. 137-174, mar./
ago. 2017.
59
SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. O Tribunal de Contas da União e a
regulação. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, v. 14, n. 159, p.
32-37, mar. 2015.
60
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O papel dos tribunais de contas no controle dos contratos
administrativos. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 15, n. 82, p. 15-48, nov./dez. 2013.
61
SUNDFELD, Carlos Ari. Pode o Legislativo sustar contrato administrativo sem prévia
decretação de ilegalidade pelo Tribunal de Contas? Revista Zênite de Licitações e Contratos, ILC
29/489; SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros,
2014; BARROSO, Luís Roberto. Tribunais de Contas: algumas incompetências. Revista Zênite
de Licitações e Contratos, ILC 32/749; SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo
contratual. Lumen Juris, p. 442; FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à CF
1988. v. I. São Paulo: Saraiva, p. 404; GASPARINI, Diogenes. Extinção, sustação e suspensão
do contrato administrativo. Revista Zênite de Licitações e Contratos, ILC 125/621; BRITTO,
Carlos Ayres. O regime constitucional dos Tribunais de Contas. In: CASTRO et al. O novo
tribunal de contas: órgão protetor dos direitos fundamentais. Belo Horizonte: Fórum, 2005;
FERRAZ, Sérgio. A execução das decisões dos tribunais de contas: algumas observações.
In: CASTRO et al. O novo Tribunal de Contas: órgão protetor dos direitos fundamentais. Belo
Horizonte: Fórum, 2005; FIGUEIREDO, Lucia Valle. Extinção dos contratos administrativos.
São Paulo: Malheiros, 2002; SALLES, Alexandre Aroeira. Jurisprudência do STF sobre competência
dos tribunais de contas para determinarem ao Poder Executivo anulação de contrato administrativo e
sua suspensão. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 13, n. 156,
p. 13-17, dez. 2014; FREIRE, André Luiz. Manutenção e retirada dos contratos administrativos
inválidos. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 174 e 175.
ART. 20 31

promova a anulação do contrato e, se for o caso, da licitação de que


se originou”. Daí a razão pela qual temos que, para levar a efeito tal
“intervenção principiológica”, o TCU tem se valido, tão somente, de
valores jurídicos abstratos sem proceder uma análise prospectiva dos
efeitos e das consequências da decisão, o que passa a ser interditado
pelo dispositivo que se comenta.
Não se desconsidera que os quadrantes de um Estado Regulador
(que resulta de substituição do government by law para o government
by policies62), pautado pela densificação técnica de políticas públicas,
impõe a observância de matizes outrora considerados como exógenos
ao sistema jurídico (a exemplo de dados econômicos, e de inputs da
sociologia e da psicologia). Porém, isso não importa dizer que todas
as entidades públicas sejam reguladores ou que tenham a capacidade
institucional para o exercício da função de equilibrar subsistemas
jurídico-econômicos. Mais que isso, que possam se valer dessa função,63
sem os ônus que lhe são inerentes.

62
No mesmo sentido, advertem Mariana Pargendler e Bruno Meyerhof Salama: o “government
by policies”, em substituição ao ‘government by law’, supõe o exercício combinado de várias
tarefas, que o Estado liberal desconhecia por completo. Supõe o levantamento de informações
precisas sobre a realidade nacional e mundial, não só em termos quantitativos (para o qual
foi criada a técnica da contabilidade nacional), mas também sobre fatos não redutíveis a
algarismos, como em matéria de educação, capacidade inventiva e qualidade de vida.
Supõe o desenvolvimento da técnica previsional, a capacidade de formular objetivos
possíveis e de organizar a conjugação de forças ou a mobilização de recursos – materiais
e humanos – para a sua consecução. Em uma palavra, o planejamento” (PARGENDLER,
Mariana; SALAMA, Bruno Meyerhof. Direito e consequência no Brasil: em busca de um
discurso sobre o método. RDA – Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 262, p.
95-144, jan./abr. 2013.).
63
É que a regulação, como já se teve a oportunidade de asseverar: “A atividade de regulação
pressupõe, a meu ver, a noção de equilíbrio. Opõe-se, frontalmente, à unilateralidade
típica presente na ideia de autoridade estatal tradicional. 1 Mais do que isso, o exercício da
regulação importa, necessariamente, a composição dos interesses enredados em um dado
segmento da atividade econômica ou social, sem descurar nesta composição de interesses
difusos, gerais ou titularizados por hipossuficientes, interesses estes necessariamente à
cura da autoridade estatal. A atividade regulatória, deixe-se claro desde logo, não exclui a
presença da autoridade do Estado. Esse objetivo de equilíbrio e composição de interesses
inerente à atividade regulatória nos remete necessariamente a trabalhar com a ideia de
sistemas. Sob dois prismas. Primeiro, porque a regulação servirá para estabelecer o engate,
a ponte, entre os sistemas jurídico e político, de um lado, e os sistemas econômico e social,
de outro. Pressupondo que cada um desses sistemas possui uma certa autonomia e que
nenhum deles reúne a capacidade para se impor sobre os demais, faz-se necessário que se
relacionem e estabeleçam, permanentemente, padrões de equilíbrio. A atividade regulatória
bem se presta a isso. Segundo, porque a construção dos distintos arcabouços regulatórios, ao
estatuir, para cada setor da vida econômica e social, um determinado equilíbrio, um código
interno e um aparato normativo próprio, acaba por criar subsistemas normativos (os tais
ordenamentos setoriais de que nos falava Massimo Severo Giannini),2 que convivem de
maneira nem sempre harmônica com a unicidade e centralidade do ordenamento jurídico
estatal, construído sob o prisma do monismo jurídico” (MARQUES NETO, Floriano
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
32 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

A permeabilidade do sistema jurídico a normas de caráter mais


aberto é uma realidade. Contudo, a decisão baseada em “valores
jurídicos abstratos”, ou seja, não apoiados em normas concretas ou em
prescrições normativas cerradas, não pode servir como uma cláusula
mágica, transcendente. Não podem se prestar a ser um argumento de
autoridade hermenêutica, sem que o decisor tenha o dever (ônus) de
perquirir os efeitos dessa decisão.
Mais do que uma deferência ao consequencialismo, o dispositivo
presta homenagem à responsividade da decisão. Prospectar os efeitos
da decisão não é irrelevante. O dever de motivar (geral a toda decisão)
passa a ser reforçado, nos casos de decisão baseada em valores abstratos,
com o dever de indicar as consequências antevistas pelo decisor.64 Mais
do que isso, o dispositivo obriga a que as consequências possíveis sejam
avaliadas e sopesadas. E, assim exigindo, torna a decisão baseada na
aplicação de princípio controlável (e censurável) quando não vier
acompanhado da análise das consequências.65 Daí por que temos que
o art. 20 visa a interditar que, por intermédio da utilização de conceitos
vagos, sobretudo os controladores, se substituam às competências da

Peixoto de Azevedo. Regulação econômica e suas modulações. Revista de Direito Público da


Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 7, n. 28, out./dez. 2009).
64
Nem sempre será possível ao regulador fornecer razões para fundamentar a escolha tomada
por ele dentro de determinado domínio. Isso porque haverá decisões da agência que serão
necessariamente e inevitavelmente arbitrárias, conforme esclarece Adrian Vermeule, para
quem “Sob condições de incerteza genuína, as razões fogem e uma demanda incessante
para que outra motivação seja dada torna-se patológica. Há uma categoria de decisões da
agência nas quais é racional ser arbitrário, no sentido de que não há razão de primeira ordem que
possa ser dada para justificar a escolha da agência dentro de um determinado domínio, ainda que
uma escolha ou outra seja inescapável, legalmente obrigatória, ou ambos. Em alguns casos,
até mesmo jogar uma moeda ao ar pode ser uma estratégia racional de tomada de decisão
para as agências” (VERMEULE, Adrian. Rationally Arbitrary Decisions (in Administrative
Law). Public Law & Legal Theory Working Paper Series. Paper n. 13-24. Disponível em:
http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2239155. Acesso em: 11 jun. 2018. Mas
cuida-se de hipótese que tem de ser excepcional, e não a regra.
65
Como bem advertiram Carlos Ari Sundfeld e Bruno Meyerhof Salama: “O projeto de lei sugere
um art. 20 para a LICC. Ele trataria das decisões judiciais, administrativas e controladoras
(dos Tribunais de Contas, hoje ativos e interventivos) que se baseiem em “valores jurídicos
abstratos” (que podem ser entendidos como princípios). É fácil entender a importância de
uma norma desse tipo. Como hoje se acredita cada vez mais que os princípios podem ter
força normativa – não só nas omissões legais, mas em qualquer caso – o mínimo que se
pode exigir é que juízes e controladores (assim como os administradores) pensem como
políticos. Por isso, a proposta é que eles tenham de ponderar sobre ‘as consequências
práticas da decisão’ e considerar as ‘possíveis alternativas’ (art. 20, caput e parágrafo único)”
(SUNDFELD, Carlos Ari; SALAMA, Bruno Meyerhof. Chegou a hora de mudar a velha
Lei de Introdução. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 2016,
n. 54, p. 213-216, abr./jun. 2016).
ART. 20 33

Administração Pública, sem assumirem os ônus que são próprios ao


administrador.
É dizer, o dispositivo que ora se comenta milita em favor da
deferência à capacidade institucional da Administração Pública. Segundo
esta Teoria, que tem tomado parte importante do debate jurídico
nacional, a análise das questões de interpretação jurídica, em geral,
deve ser iniciada por uma análise das situações estruturais internas das
instituições envolvidas, identificando e avaliando suas capacidades e
aptidões, de modo a determinar qual é o locus mais apropriado à tomada
de uma determinada decisão.66 Isto é: antes mesmo de se debater sobre
a legalidade, constitucionalidade ou até mesmo a melhor forma de
interpretação de uma determinada norma, dever-se-ia fazer uma análise
das capacidades das instituições envolvidas. Assim, seriam verificadas
questões empíricas como a possibilidade de o agente levantar recursos e
informações;67 a sua especialização, representada por um conhecimento
aprofundado em determinadas matérias; e a sua capacidade de avaliar
os efeitos sistêmicos de sua decisão.68 O objetivo dessa análise consistiria

66
Nesse sentido, lecionam Cass Sunstein e Adrian Vermeule que: “Temos visto que vozes
influentes na doutrina constitucional argumentam em favor de estratégias interpretativas
sem sintonia com a questão das capacidades institucionais. Aqueles que enfatizam
argumentos filosóficos, ou a idéia de interpretações holísticas ou intratextuais, parecem,
em nossa visão, terem dado muito pouca atenção às questões institucionais. Aqui, como em
outros lugares, a nossa colocação [submission] mínima é a de que uma afirmação sobre a
interpretação adequada é incompleta se não prestar atenção às considerações das capacidades
administrativas [administrability], das capacidades judiciais e efeitos sistêmicos, além das
colocações usuais sobre legitimidade e autoridade constitucional” (Grifos postos). SUNSTEIN,
Cass R.; VERMEULE, Adrian. Interpretation and institutions. John M. Olin Program in
Law and Economics Working Paper n. 156, 2002. Disponível em: http://chicagounbound.
uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1279&context=law_and_economics Acesso em:
10 fev. 2016.
67
O levantamento de recursos e informações também serve, portanto, de parâmetro informativo
a uma postura mais ou menos deferente do Poder Judiciário ao controlar a Administração
Pública. Segundo Adrian Vermeule, há um papel apropriado para os tribunais no sentido
de assegurar que as agências tenham adequadamente investido recursos na coleta de
informações que podem resolver a incerteza, seja transformando-a em risco, ou mesmo
em certeza. Assim, quanto mais tempo e recursos o regulador tiver investido na busca de
informações, mais justificada será a deferência do Judiciário às escolhas de primeira ordem
tomadas pelas agências em um ambiente de incerteza. Cf.: VERMEULE, Adrian. Rationally
Arbitrary Decisions (in Administrative Law). Harvard Public Law Working Paper n. 13-24.
Disponível em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2239155. Acesso em: 10
fev. 2016.
68
Nesse sentido, Carlos Bolonha, José Eisenberg e Henrique Rangel anotam: “Em se tratando
de capacidades institucionais, pode-se compreender que existe a necessidade de serem
firmados parâmetros para definir o nível de interpretação que deve ser empregado sobre
o caso concreto. Como exemplos de fatores indispensáveis para o aprofundamento da
discussão decisional, pode-se apontar o fato de a instituição ser plenamente capaz de
levantar recursos e informações que balizem sua decisão, bem como ela estar inserida em
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
34 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

em, por meio da determinação da capacidade institucional dos agentes


envolvidos, determinar qual entidade está mais habilitada a produzir
a melhor decisão em determinada matéria.69 Em outras palavras, “a
capacidade institucional envolve a determinação de qual Poder está
mais habilitado a produzir a melhor decisão em determinada matéria,
devendo ser sopesada de maneira criteriosa”.70 Nessas hipóteses, os
tribunais devem reconhecer que o Poder Executivo tem aptidão especial
que o torna melhor equipado para decidir determinadas questões de
fato, o que se aproxima da própria ideia de deferência.71
A doutrina da deferência (intelligible principles doctrine) advém
da construção da Suprema Corte Americana, segundo a qual, se houve
um processo administrativo e uma fundamentação adequada para a
Administração escolher uma, entre várias interpretações plausíveis do
ato normativo, o Judiciário não deve substituir a interpretação plausível
da Administração pela sua própria, salvo se aquela não for razoável.72
Essa premissa se baseia no fato de que existem atos administrativos
de natureza técnica, cuja competência é privativa da Administração
Pública, a qual não pode ser substituída nessa tarefa por outra entidade
detentora de poder.73

debates teóricos e empíricos sobre os fatos conexos àquela matéria. No que tange aos efeitos
sistêmicos, preocupa-se com os resultados que podem recair sobre pessoas, instituições
públicas e instituições privadas; o que exige do processo de deliberação um rigor maior
na interpretação, discussão e decisão do caso concreto” BOLONHA, Carlos; EISENBERG,
José; RANGEL, Henrique. Problemas Institucionais no Constitucionalismo Contemporâneo.
Direitos Fundamentais e Justiça. Revista do Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado
em Direito da PUC-RS, ano 5, n. 17, out./dez. 2011. Disponível em: http://www.dfj.inf.br/
sumarios2.php.
69
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática.
Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/synthesis/article/view/7433.
70
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Op.
cit., p. 11.
71
De acordo com Alexandre Santos de Aragão, “o controle jurisdicional está avançando para
um nível de discussão muito mais sofisticado do que a divisão binária (e muitas vezes
ad hoc) entre discricionariedade e vinculação, que está sendo gradualmente substituída
pelo conceito de índices de capacidade institucional do órgão administrativo que emitiu a
decisão comparativamente à capacidade institucional que o Judiciário tem para decidi-la”
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Controle jurisdicional de políticas públicas. A&C Revista
de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 10, n. 42, out./dez. 2010.
Disponível em: http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=70465. Acesso
em: 10 jun. 2014.
72
Ibid., p. 12
73
Cass R. Sunstein e Adrian Vermeule: “Temos argumentado que as questões de interpretação
jurídica não podem ser adequadamente resolvidas sem atenção às questões institucionais.
Uma extraordinária variedade de pessoas ilustres tem explorado estratégias interpretativas
sem atentar para o fato de que tais estratégias, inevitavelmente, serão usadas por pessoas
falíveis e com prováveis efeitos dinâmicos que vão muito além do caso em questão. Dois
ART. 20 35

No célebre caso “Chevron”,74 um precedente acidental75 cunhado


pela Suprema Corte Estadunidense, mas que acabou se tornando seu
mais citado precedente,76 restou fixado que, ao rever as interpretações
das agências reguladoras, os Tribunais deveriam adotar uma abordagem
em dois passos: (i) verificar a existência de espaços e lacunas para a
atuação da Administração Pública, isto é, a existência de um espaço que
indique uma delegação legislativa; e (ii) avaliar se o ato administrativo
praticado estaria coerente com o dispositivo legal interpretado, isto é,
se este seria um resultado razoavelmente esperado da interpretação do
mesmo, ou se a interpretação dada pela Administração extrapolou os
limites do dispositivo.77 Desse modo, desde que a interpretação conferida
pela agência à norma legal seja razoável e não contrarie claramente a
legislação, o Poder Judiciário deveria tributar-lhe deferência. As decisões
das agências deveriam, portanto, ser preservadas pelo Judiciário, salvo
a hipótese de erro evidente.78
Tudo isso levando em conta a premissa de que, como as entidades
técnicas seriam capazes de alcançar uma profundidade técnica maior do
que a possível em sede judicial, estariam elas em melhor posição para
tomar decisões regulatórias que assim demandassem. Por consequência,
o Poder Judiciário deveria adotar uma postura de judicial deference

mecanismos parecem principalmente responsáveis por esta cegueira institucional. Um


deles é uma armadilha relacionada a quem desempenha o papel [role-related trap]: os
teóricos interpretativos se perguntam ‘como eu decidiria o caso, se eu fosse um juiz?’ – Uma
pergunta cuja forma muito suprime a questão fundamental de que as regras interpretativas
relevantes serão utilizadas por juízes, em vez de teóricos. Outra é uma armadilha cognitiva:
especialistas, como professores de Direito, criticam opiniões monocromáticas [insufficiently
nuanced opinions] emitidas por juízes generalistas em casos particulares, desconsiderando
que os mesmos juízes poderiam muito bem ter feito muito pior, ao longo de uma série de
casos, na tentativa de emular a abordagem dos especialistas. No geral, a questão-chave
parece ser, ‘como juízes perfeitos decidem os casos?’ ao invés de “como juízes falíveis devem
proceder, à luz de sua falibilidade e de seu lugar em um sistema complexo de ordem privada
e pública?”. SUNSTEIN, Cass R.; VERMEULE, Adrian. Interpretation and Institutions.
John M. Olin Program. Law and Economics Working Paper n. 156, 2002. Disponível em:
http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1279&context=law_and_
economics.
74
Chevron USA Inc. v. Natural Resources Defense Council. 467 U.S. 837 (1984).
75
Cf.: MERRIL, Thomas W. The story of Chevron: the making of and accidental landmark.
In: STRAUSS, Peter. Administrative Law Stories. Foundation Press: NY, 2006.
76
Segundo apontado em MILES, Thomas J.; SUNSTEIN, Cass R. Do Judges Make Regulatory
Policy? An Empirical Investigation of ‘Chevron’. University of Chicago Law Review, v. 73,
2006. U. Chicago Law & Economics, Olin Working Paper No. 294 Disponível em: http://
papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=906658.
77
MILES, Thomas J.; SUNSTEIN, Cass R. Do Judges Make Regulatory Policy?, op. cit., p. 13.
78
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Ativismo Judicial, pragmatismo e capacidades
institucionais: as novas tendências do controle judicial dos atos administrativos. Revista
Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 10, n. 39, p. 9-36, out./dez. 2012.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
36 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

(deferência jurisdicional) à atuação da Administração Pública. O dever


deferência,79 pois, limita a atuação do julgador, nos casos em que este
é provocado a alterar os juízos de ponderação (técnicos, econômicos,
sociais e jurídicos) realizados pela autoridade administrativa, que dispõe
de formação adequada para tanto.80 Nessas hipóteses, a sindicabilidade
do ato envolve o exame limitado aos aspectos de legalidade – em
especial, o atendimento dos elementos do ato administrativo, mediante
a aferição da regularidade do procedimento pelo qual foi cunhado.81
O racional da deferência já foi reconhecido, expressamente, pelo
STF, por ocasião do julgamento da ADI nº 5.501-DF,82 na qual se apreciou
a constitucionalidade da liberação da “pílula contra o câncer”.83

79
Sobre o tema, confiram-se os ensinamentos de José Esteve Pardo: “Questão crucial e de todo
inescusável que se coloca em torno da revisão judicial da atividade regulatória é, justamente,
a delimitação do alcance do controle judicial. Com essa delimitação se determina também,
negativamente, o âmbito excluído da intervenção judicial e que resta, portanto, à completa
disposição das autoridades reguladoras: o espaço de deferência que lhes é reconhecido como
não estando sujeito à revisão judicial”. ESTEVE PARDO, José. La revisión judicial de las
decisiones de las autoridades reguladoras. In: MUÑOZ MACHADO, Santiago; ESTEVE
PARDO, José (Dir.). Derecho de la regulación económica: fundamentos y instituciones de la
regulación. Madrid: IUSTEL, 2009, p. 899.
80
Abordando a noção de capacidade institucional e o princípio da deferência, embasando-se,
para tanto, no artigo anteriormente citado, confira-se também: BARROSO, Luís Roberto.
Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política no Brasil contemporâneo.
Disponível em: http://www.lrbarroso.com.br/pt/. Acesso em: 12 jul. 2014, p. 13; BINENBOJM,
Gustavo; CYRINO, André Rodrigues. Entre política e expertise: a repartição de competências
entre o governo e a Anatel na Lei Geral de Telecomunicações. Revista Eletrônica de Direito
Administrativo Econômico, n. 16, nov./jan. 2009. Disponível em: http://www.direitodoestado.
com.
81
Nesse quadrante, são precisos os ensinamentos de Leonardo Coelho Ribeiro, para quem:
quando afirma que “transportada para os domínios da revisão judicial de atos administrativos,
a referida teoria funciona como um limite à demasiada ingerência judicial sobre a esfera
administrativa, afirmando o fato de que, em determinadas ocasiões, o Poder Judiciário
pode não ser a instância mais qualificada para analisar atos administrativos de grande
complexidade técnica ou científica, seja pela falta de informação, seja pelo conhecimento
específico envolvido no tema em concreto”. Nessas hipóteses, os tribunais devem reconhecer
que o Poder Executivo tem aptidão especial que o torna melhor equipado para decidir
determinadas questões de fato, o que se aproxima da própria ideia de deferência” (RIBEIRO,
Leonardo Coelho. Presunções do ato administrativo, capacidades institucionais e deferência
judicial a priori: um mesmo rosto, atrás de um novo véu? Disponível em: https://bdjur.stj.
jus.br/jspui/handle/2011/99275).
82
BRASIL. STF. ADI nº 5.501 MC, Tribunal Pleno, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado
em 19.05.2016.
83
Quando o legislador confere a uma agência a prerrogativa de normatizar um aspecto ou
segmento da economia, dando-lhe capacidade normativa de segundo grau, suprimindo
mesmo nessa matéria a competência regulamentar geral conferida ao chefe do Executivo,
o faz no exercício do poder de legislar e confere à agência uma autorização para exercer
poder que lhe é próprio. E o faz criando uma reserva de regulação que, consoante decidiu
recentemente o STF, interdita até mesmo o poder de legislar.
ART. 20 37

O art. 20 que ora se comenta, ao conferir um racional decisório


consequencialista às decisões principiológicas, na ponta, interdita que
os controladores se substituam ao administrador público sem que
tenham atenção aos aspectos que devem (ou deveriam) ser analisados
e ponderados pela autoridade originalmente competente para a prática
do ato sindicado. Impõe, pois, que prestem deferência ao administrador,
apreciando circunstâncias e consequências ao cotejar o ato com valores
abstratos presentes no ordenamento. Não se trata de prescrição antípoda
aos entendimentos dos decisores. Cuida-se de uma motivação para além
da exigida pelo disposto no art. 50 da Lei nº 9.784/1999. A prescrição
que ora se comenta é um tanto mais sofisticada. Estabelece um devido
processo legal decisório, mais interessado nos fatos, por intermédio
do qual os decisores terão de explicitar se: (i) dispõem de capacidade
institucional para tanto, ou se, excepcionalmente, estão exercendo
uma função que lhe é atípica, mas por uma necessidade pragmática,
porém controlável; (ii) a decisão que será proferida é a mais adequada,
considerando as possíveis alternativas e o seu viés intrusivo; e (iii)
se as consequenciais de suas decisões são predicadoras de medidas
compensadoras, ou de um regime de transição.84
Assim é que, para além de interditar a intervenção principiológica
das cortes de contas em atos da Administração Pública, o art. 20
poderá interditar o ajuizamento de ações coletivas, com pedidos
liminares procrastinadores do devir dos projetos de infraestrutura, com
fundamento em abstrações, tais como a de que teria sido ameaçado “o
princípio da precaução”; a de que o empreendimento seria permeado
por “atos lesivos ao patrimônio público”; ou a de que teria violado
“os princípios da Administração Pública”, para efeito de aplicação
do art. 11 da Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa).
Em ambas as hipóteses, o art. 20 da Lei nº 13.655/2018 poderá servir
de fundamento para questionar a validade de tais investidas, seja em
âmbito administrativo (por intermédio de pedidos de reexame, por
exemplo), seja em âmbito jurisdicional (por intermédio de demandas
anulatórias, amparadas em vício de motivo).
Não se trata de um dever de utilização de uma “retórica das
consequências”, como já se cogitou, nem, tampouco, tem o propósito de
tornar o controle mais lasso. Quem exerce o controle não pode descurar

84
O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Emb. Ação Cautelar nº 3.637-Rondônia, da
Relatoria do Ministro Edison Fachin, que teve por objeto suspensão das retenções feitas
no repasse do FPE ao Estado de Rondônia, fez referência ao entendimento dos subscritores
desse livro a propósito do art. 20.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
38 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

o seu autocontrole.85 Na verdade, trata-se de dispositivo que visa a


estabilizar e a conferir exequibilidade às decisões do controlador. E,
de outro bordo, estabelecer parâmetros a partir dos quais tais decisões
poderão ser controladas.
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a
adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste,
processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis
alternativas.
O seu parágrafo único impõe que o decisor principiológico,
ao motivar tal decisão, exponha os seus possíveis efeitos. Mais que
isso, cuida de exigir que tal motivação seja permeada por um viés
de proporcionalidade (por nós considerado como o terceiro vetor da
segurança jurídica). O dever de proporcionalidade, sabemos, é o guia
por excelência das escolhas públicas a serem feitas, que devem, ao
mesmo tempo, atender ao interesse público especificamente visado,
mas fazendo-o de maneira menos constritiva a outros fins igualmente
importantes e albergados na Constituição. É dizer, como exposto por
David Duarte, “este princípio revela, portanto, a justa medida entre os
interesses presentes na ponderação e determina que, na relação desses
interesses entre si, deve a composição ser proporcional à luz do interesse
público em causa”.86

85
Cuida-se do que convencionamos chamar de autocontrole, aquele exercido endogenamente
no âmbito da Administração Pública. Ele pode ser dividido em controle interno e controle
correicional. Embora ambos sejam exercidos dentro da estrutura da Administração, sem
envolvimento de outro Poder, eles são distintos. O controle interno deve ser exercido no
âmbito interno ao órgão ou entidade, pela atuação de agentes ou segmentos orgânicos
dedicados a exercer atividade de controle. É aquele controle a que se refere o art. 74 da
Constituição Federal, e que deve se articular com os órgãos de controle externo. Os diversos
órgãos setoriais de controle interno (existentes em cada órgão ou entidade componente da
Administração Pública) devem se articular entre si e com o órgão central de controle interno,
formando assim o sistema de controle interno. Já o controle correicional é aquele exercido
pelos órgãos especializados de auditoria e corregedoria, órgãos estes que têm como atividade-fim
exclusivamente controlar a ação administrativa de outros órgãos públicos e de seus agentes. Porém,
não é correto que o controle correicional se sobreponha ou some, sem clareza de atribuições,
com os órgãos do sistema de controle interno. Nesse sentido, é fundamental que se demarquem
nitidamente as competências dos órgãos correicionais, as quais devem se ater às situações em que
seja necessária uma apuração específica quanto a alguma conduta. Daí a proposta de sua ação ser
fundamentalmente reativa, não ex officio, dependente de provocação interna ou externa aos
quadros da Administração (MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Os grandes desafios
do controle da Administração Pública. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo
Horizonte, ano 9, n. 100, p. 7-30, abr. 2010).
86
DUARTE, David. Procedimentalização, participação e fundamentação: para uma concretização
do princípio da imparciabilidade administrativa como parâmetro decisório. Coimbra:
Almedina, 1996. p. 320 e 323.
ART. 20 39

O princípio da proporcionalidade,87 como ideia subjacente ao


Direito Administrativo, surge muito antes de sua positivação. Ele
emerge no momento em que se passa a limitar e condicionar o poder
exorbitante (desvinculado da pessoa do soberano e albergado na
personificação jurídica do Estado), subordinando-o ao Direito.88 Ele
guarda enorme vinculação com o princípio da finalidade89 que, como
sabemos, obriga que o manejo do poder exorbitante: (i) decorra da
necessidade de concretização de uma finalidade de interesse público; (ii)
dê-se nos estritos lindes do necessário para concreção desta finalidade.
Não é por outra razão que Canotilho90 relaciona a criação do princípio
da proporcionalidade com a teoria do desvio de poder (ou desvio de
finalidade), entendida como a invalidação do ato administrativo por
ser este praticado para atingir finalidade diversa ou exorbitante àquela
predicada em lei.
A relação entre estes princípios é certa e se coloca numa ordem
sequencial. Da mesma forma que não se admitiria o manejo da autoridade
(poder exorbitante-estatal) de forma a discrepar das finalidades
justificadoras da atribuição específica desta (competência), poder-se-ia
também extrair uma regra geral no sentido de que a restrição à liberdade,
ditada pela afirmação legal da autoridade, não poderia ser maior do
que o quantum necessário ao atingimento da finalidade justificadora

87
Não desconhecemos a controvérsia em torno da utilização do termo “princípio” para
designar o objeto dessa parte do texto. Com efeito, o uso do termo “princípio” para tratar
da proporcionalidade pode ser incorreto se adotado o prisma da teoria de Robert Alexy,
que contrapõe regras e princípios jurídicos. Sobre isso, ver ÁVILA, Humberto Bergman. A
distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista
de Direito Administrativo – RDA, n. 215, p. 153-179, 1999. Feita essa ressalva, usar-se-á da
terminologia já consagrada na doutrina e na jurisprudência brasileira.
88
Na pertinente construção de LIMA, Ruy Cirne: “Estão os negócios públicos vinculados,
por essa forma, não ao arbítrio do Executivo, mas à finalidade impessoal, no caso, pública,
que este deve procurar realizar. [...] Preside, destarte, ao desenvolvimento da atividade
administrativa do Poder Executivo, não o arbítrio que se funda na força, mas a necessidade
que decorre da racional persecução de um fim” (Princípios de direito administrativo. 2. ed.
Porto Alegre: Globo, 1939, p. 21).
89
Nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da finalidade “impõe que o
administrador, ao manejar competências postas a seu cargo, atue com rigorosa obediência
à finalidade de cada qual” (Curso de direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Malheiros,
p. 78).
90
“A instituição da dimensão material do princípio não é nova como atrás se acentuou. Já
nos séculos XVIII e XIX, ela está presente na ideia britânica de reasonableness, no conceito
prussiano de Verhältnismässigkeit, na figura de détournement du pouvoir em França e na
categoria italiana do eccesso di potere” (CANOTILHO, José Gomes. Direito constitucional.
5. ed. Coimbra: Almedina, p. 268).
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
40 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

da restrição. Na precisa construção de Canotilho91 “o princípio da


proporcionalidade dizia privativamente respeito ao problema da
limitação do poder executivo, sendo considerado como medida para
as restrições administrativas da liberdade individual”. Daí já a noção
genérica e até certo ponto fluida de proporcionalidade no exercício do
poder pelo Estado. Embora patente a relação histórica entre princípio
da proporcionalidade (como ideia central à noção de limitação e
condicionamento do poder exorbitante) e da adstrição da Administração
ao princípio da finalidade e à legalidade, aquele princípio vai demorar
mais para se introduzir como regra vinculante no direito administrativo.92
Para a aplicação de tal postulado, como é cediço, são utilizados
três subprincípios, originados na Suprema Corte alemã e consagrados
em nossa jurisprudência: adequação, necessidade e proporcionalidade
em sentido estrito. O exame de adequação importa na avaliação da
idoneidade da medida para produzir o resultado visado. Nada mais
significa que o meio escolhido deve ser apto a atingir o fim que pretende
salvaguardar. Por sua vez, a necessidade (também denominada exigibi-
lidade) impõe a inexistência de meio menos gravoso que a medida eleita
para a consecução do mesmo fim, ou seja, se traduz em uma proibição
de medidas excessivamente onerosas. A ideia de proporcionalidade em
sentido estrito, por sua vez, consiste na ponderação entre o ônus imposto
e o benefício trazido, verificando-se a legitimidade da medida. Cuida-se,
aqui, de uma verificação da relação custo-benefício da medida, isto é, da
ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos.93
Assim é que as medidas que atentam contra o postulado da
proporcionalidade ferem os limites externos da discricionariedade
administrativa, encontrando-se sujeitas à anulação, por intermédio de
um processo administrativo. Isso porque os agentes administrativos

91
“A instituição da dimensão material do princípio não é nova como atrás se acentuou. Já
nos séculos XVIII e XIX, ela está presente na idéia britânica de reasonableness, no conceito
prussiano de Verhältnismässigkeit, na figura de détournement du pouvoir em França e na
categoria italiana do eccesso di potere” (Direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, p.
268). Para um aprofundamento sobre a evolução do princípio da proporcionalidade, sob
o prisma da razoabilidade e do devido processo legal substantivo, no direito americano,
ver o percuciente estudo de SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição
Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 81-87.
92
Ver neste sentido BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle
de constitucionalidade das leis restritivas de direitos. Brasília: Brasília Jurídica, 1996. Para um
aprofundamento sobre a evolução do princípio da proporcionalidade, sob o prisma da
razoabilidade e do devido processo legal substantivo, no direito americano, ver o percuciente
estudo de SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 81-87.
93
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., p. 209.
ART. 20 41

encontram-se obrigados a avaliar, antes de qualquer atuação restritiva,


se, no caso concreto, existem bens jurídicos coletivos e até mesmo
particulares de igual ou maior relevância a serem preservados.94
(entendimento que conta com o amplo beneplácito da jurisprudência
pátria95).
O referido parágrafo impõe um racional decisório qualificado
para as decisões “principiológicas”, de modo que sejam consideradas as
possíveis alternativas existentes ao aplicar determinado conceito vago.
Dito em outros termos, predica que tal decisão, ao aplicar um conceito
fluído, seja a mais adequada, considerando as especificidades do caso
concreto; seja a menos intrusiva para os administrados; e importe em
resultados concretos que superem uma análise de custo-benefício. Caso,
porém, tais aspectos não sejam observados, tal decisão restará maculada

94
Lógica da qual já tive a oportunidade de me valer como um limite ao exercício da função
reguladora: “Por tudo isso tenho comigo que o princípio da proporcionalidade é central e
fundamental quando estamos diante do exercício da atividade regulatória estatal. De um
lado, porque se trata de atividade estatal que implica, por definição, em alguma restrição
do princípio de liberdade de iniciativa. De outro, porque a regulação, especialmente quando
exercida por agências independentes, envolve a transferência de significativos poderes a um
só órgão, obrigando o conseqüente reforço no condicionamento e adstrição aos princípios
limitadores do poder extroverso.
Como sói, então, o princípio da proporcionalidade deverá ser observado pelos órgãos in-
cumbidos de exercer regulação estatal quer esta se manifeste no âmbito dos procedimentos
normativos (de modo a não prever restrições infralegais de caráter geral que exorbitem o
quanto necessário à consecução das finalidades públicas justificadoras da regulação); quer
no âmbito do poder sancionador (onde revelar-se-á em sua plenitude, tal qual ocorre no
direito penal, não só na avaliação da punibilidade, mas também na dosimetria da pena);
quer no exercício do poder de polícia ínsito à atividade regulatória (predicando que as
restrições e condicionamentos típicos do poder de polícia deverão observar os traços de
necessidade e adequação acima divisados)” (MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Aze-
vedo. Limites à abrangência e à intensidade da Regulação Estatal. Revista de Direito Público
da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 1, n. 1, p. 69-92, jan./mar. 2003).
95
A exemplo do que ficou decidido pelo Supremo Tribunal Federal na ADC nº 41: “Em terceiro
lugar, a medida observa o princípio da proporcionalidade em sua tríplice dimensão. A
existência de uma política de cotas para o acesso de negros à educação superior não torna
a reserva de vagas nos quadros da administração pública desnecessária ou desproporcional
em sentido estrito. Isso porque: (i) nem todos os cargos e empregos públicos exigem curso
superior; (ii) ainda quando haja essa exigência, os beneficiários da ação afirmativa no
serviço público podem não ter sido beneficiários das cotas nas universidades públicas; e (iii)
mesmo que o concorrente tenha ingressado em curso de ensino superior por meio de cotas,
há outros fatores que impedem os negros de competir em pé de igualdade nos concursos
públicos, justificando a política de ação afirmativa instituída pela Lei nº 12.990/2014” (ADC
41/DF – DISTRITO FEDERAL AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO Julgamento: 08.06.2017 Órgão Julgador: Tribunal
Pleno).
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
42 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

pela pecha na ilegalidade, podendo ser anulada pela Administração


Pública ou pelo Poder Judiciário.96
Cogite-se da hipótese em que uma autoridade sanitária imponha
a sanção administrativa de interdição de um estabelecimento, ao
argumento de que o empresário não teria observado as “normas
sanitárias”. Nessa hipótese, o dispositivo comentado e o seu parágrafo
único impõe que o decisor: (i) especifique quais normas restaram
violadas na situação concreta; (ii) demostre se, considerando a violação
em concreto, tal penalidade foi a mais adequada a tutelar o bem jurídico
protegido (a ordem sanitária); (iii) comprove que se mostrou a menos
intrusiva ao administrado, considerando que poderiam ter sido aplicadas
penalidades mais brandas (como uma multa, ou uma advertência); e (iv)
explicite se ela produzirá os menores efeitos sistêmicos, considerando
um análise de custo-benefício). Diante de todo o exposto, temos que
o art. 20 se configura como um dispositivo que visa a estabilizar e a
conferir exequibilidade às decisões do controlador. E, de outro bordo,
estabelecer parâmetros a partir dos quais tais decisões poderão ser
controladas.
Nota-se que o legislador foi claro ao dizer que a análise de
consequências e de proporcionalidade, inclusive com simulação de
alternativas, deve, necessariamente, integrar a motivação do ato do
controlador quando a ratio jurídica se apoiar em valores indeterminados.
De tal sorte que a ausência dessa análise fará a motivação ser insuficiente
e o ato poderá ser invalidado por vício de motivação.

96
Como se extraí, por exemplo, do seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça – STJ: “Na
atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei, inclusive quanto à conveniência
e oportunidade do ato administrativo. 2. Comprovado tecnicamente ser imprescindível, para
o meio ambiente, a realização de obras de recuperação do solo, tem o Ministério Público
legitimidade para exigi-la. 3. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos
extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade,
uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade. 4. Outorga
de tutela específica para que a Administração destine do orçamento verba própria para
cumpri-la. 5. Recurso especial provido” (STJ, SEGUNDA TURMA, REsp nº 429570/GO; Rel.
Min. ELIANA CALMON, DJ 22.03.2004, p. 277, RSTJ vol. 187, p. 219. Do mesmo modo, AC
0001146-14.2005.4.01.3500/GO, Rel. JUIZ FEDERAL MARCELO DOLZANY DA COSTA, 2ª
TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 p. 403 de 18.09.2013). Na doutrina, v. OLIVEIRA, Márcio
Berto Alexandrino de. A possibilidade de controle do mérito do ato administrativo pelo
Poder Judiciário. Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 16, n. 180, fev. 2016.
Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou
judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma
administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências
jurídicas e administrativas.
Caput acrescentado pela Lei nº 13.655, de 25.04.2018.

O art. 21, por sua vez, visa a conferir uma racionalidade aos
processos administrativos invalidadores. Em termos coloquiais, impõe
que sejam consideradas as consequências do “dia seguinte” da decisão
invalidadora. Duas são as diferenças de abrangência em comparação
com o art. 20. O art. 21 não se aplica apenas às decisões tomadas
com base em valores abstratos, mas a qualquer decisão, mesmo as
fundamentadas em expressa disposição contida em norma. De outro
lado, enquanto o art. 20 se aplica a qualquer decisão, com quaisquer
efeitos, a norma contida no art. 21 cinge-se às decisões que invalidam
ato, contrato, processo ou norma.
Pois bem, como visto na introdução livro, a consolidação da
democracia produziu externalidades positivas para o desenvolvimento
dos sistemas de controles – tanto para o controle externo, quanto para o
controle interno. Mas, se, de um lado, houve um avanço na normatização
do controle sobre o atuar da Administração Pública, de outro, a sua
múltipla incidência importou na supressão da segurança jurídica. É
dizer, à medida que foram ampliados os legitimados ao exercício do
controle, incrementou-se a instabilidade das relações travadas com
poder público.97
Esse cenário, como já se teve a oportunidade de asseverar, com
Juliana Bonacorsi de Palma,98 foi desenvolvido a partir dos seguintes
truísmos doutrinários: (i) quanto maior a margem de liberdade conferida
aos gestores públicos, maior o risco de corrupção; (ii) quando maior a
incidência de controles, maior a certeza de que a Administração atue
dentro da legalidade; (iii) instituições de controles fortes, dotadas de
irrestrita independência funcional e avantajados recursos barram a
corrupção; e (iv) a corrupção da máquina pública é contida por meio de

97
SUNDFELD, Carlos Ari; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. uma nova lei para
aumentar a qualidade jurídica das decisões públicas e de seu controle. In: SUNDFELD,
Carlos Ari (Coord.). Contratações públicas e seu controle. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 278.
98
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; PALMA, Juliana Bonacorsi de Palma. Os sete
impasses do controle da administração pública. In: PEREZ, Marcos Augusto; SOUZA,
Rodrigo Pagani de. Controle da Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2017.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
44 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

punições exemplares, sendo o efeito simbólico das sanções pesadas que


constrange novas práticas delitivas infracionais públicas. Disso decorre
a produção de decisões ao arrepio de suas consequências, notadamente
as que decretam a invalidação de atos provocados pelo Poder Público.
Tendo isso em vista, temos que o dispositivo em comento confere
novos quadrantes consequencialistas à Teoria das Nulidades dos Atos
Administrativos. Explicamos. Como é sabido, a invalidação de um ato
administrativo, em razão de sua desconformidade com a ordem jurídica,
pode ser levada a efeito pela própria Administração Pública (de ofício
ou mediante), ou pelo Poder Judiciário. Cuida-se do poder-dever de
autotutela consagrado, há muito, pela Súmula nº 473 do STF, de acordo
com a qual “a administração pode anular seus próprios atos, quando
eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam
direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade,
respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a
apreciação judicial”.99 O referido provimento, sabemos, tem eficácia ex
tunc, por intermédio de viés retrospectivo – pois que a antijuricidade
não poderia produzir efeitos válidos.
No mundo real, a questão é um tanto mais complexa. É assaz
recorrente, por exemplo, a prolação de provimentos jurisdicionais,
decretando a nulidade de contratos administrativos, sem que sejam
explicitadas as consequências de tal decisão invalidadora. A questão
não passou despercebida para Egon Bockmann Moreira,100 para quem “o
tradicional regime brasileiro de rescisões e nulidades de atos e contratos,
inclusive os de longo prazo, é eminentemente retrospectivo. Volta-se ao
passado, sem atentar ao futuro. Isso instalou o exercício irresponsável
de competências. Se os agentes que firmam os contratos respondem
por seus atos, o mesmo não se pode dizer daqueles que os extinguem”.

99
Racional também previsto no art. 53 da Lei nº 9.784/1999, cuja redação é a seguinte: “Art. 53.
A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade,
e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos
adquiridos”. BAPTISTA, Patrícia. Os limites constitucionais à autotutela administrativa:
o dever de observância do contraditório e da ampla defesa antes da anulação de um ato
administrativo ilegal e seus parâmetros. Revista da Procuradoria-Geral do Município de
Juiz de Fora – RPGMJF, Belo Horizonte, ano 1, n. 1, p. 195-217, jan./dez. 2011. Autotutela
administrativa e princípio do contraditório. Resenha jurisprudencial de: FERRAZ, Luciano;
MOTTA, Fabrício. Fórum Municipal & Gestão das Cidades – FMGC, Belo Horizonte, ano 2, n.
3, p. 97-99, jan./fev. 2014.
100
MOREIRA, Egon Bockmann. Direito Administrativo da escassez, contratações públicas
e segurança jurídica: o que temos a aprender com a crise permanente. Revista de Direito
Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 16, n. 61, p. 55-76, jan./mar. 2018.
ART. 21 45

Nesse quadrante, o dispositivo que ora se comenta vai, justamente,


na linha de coibir condutas desse jaez. É dizer, cria os ônus para que
controlador avalie as consequências – sob um viés prospectivo – das
consequências da invalidação dos atos administrativos. Qualifica,
pois, a motivação do processo administrativo invalidador por um
viés consequencialista. Isso porque, como bem apontado por Thamy
Pogrebinschi101 “é, portanto, antecipando conseqüências futuras que se
produz conhecimento no âmbito do pragmatismo. E estas conseqüências
futuras devem ser permanentemente antecipadas para que se possa
conhecer qual delas é melhor, a mais satisfatória, a mais útil e a mais
benéfica”. A não ser quando olhar o passado seja “metodologicamente
interessante ao próprio estabelecimento do futuro”.102
Em resumo, o art. 21 confere racional pragmático às decisões
invalidadoras, o qual, nada obstante suas variações, apresenta, ao
menos, três características básicas:103 (i) o antifundacionalismo, de acordo
com o qual se rejeita a existência de entidades metafísicas ou conceitos
abstratos, estáticos e definitivos no direito, imunes às transformações
sociais; (ii) o contextualismo, conceito que orienta a interpretação
jurídica por questões práticas; e (iii) o consequencialismo, característica
de acordo com a qual as decisões devem ser tomadas a partir de suas
consequências práticas (olhar para o futuro, e não para o passado).104
Nesse sentido, Diogo Werneck Arguelles e Fernando Leal,105 inspirados
pelas lições de Richard Posner, asseveram que “a melhor leitura possível
da posição de Posner seria, portanto, a de que o juiz pragmático não
adotará a decisão com melhores conseqüências imediatas sempre que
essa postura não implicar as melhores conseqüências sistêmicas, isto
é, para o sistema judicial como um todo no longo prazo”.

101
POGREBINSCHI, Thamy. Pragmatismo: teoria social e prática. Rio de Janeiro: Relume
Dumará, 2005, p. 39.
102
POGREBINSCHI, Thamy. Op. cit., p. 38.
103
Como anota José Vicente Santos de Mendonça: “O pragmatismo é uma filosofia das
consequências, da experiência e da ação, mas é também, e, principalmente, uma filosofia
da transformação. Nada mais distante do pragmatismo filosófico do que uma postura de
tibieza diante da realidade e do conformismo, “render-se aos fatos.” MENDONÇA, José
Vicente Santos de. Direito constitucional econômico: a intervenção do estado na economia à
luz da razão pública e do pragmatismo. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 42.
104
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Ativismo judicial, pragmatismo e capacidades
institucionais: as novas tendências do controle judicial dos atos administrativos. Revista
Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 10, n. 39, p. 9-36, out./dez. 2012.
105
ARGUELLES, Diego Werneck; LEAL, Fernando. Pragmatismo como [meta] teoria normativa
da decisão judicial: caracterização, estratégias e implicações. In: SARMENTO, Daniel (Org.).
Filosofia e teoria constitucional contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 187.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
46 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

Aferir as consequências dos atos produzidos pela Poder Público


não é uma prescrição novidadeira. Já se trata de prática, relativamente,
incorporada – ainda que sem tanta efetividade – na regulação brasileira,
por intermédio do instituto da Análise de Impacto Regulatório. Tal
instituto, como já se teve a oportunidade de asseverar, se configura
como um procedimento administrativo participativo – que será aberto
às contribuições do setor regulado –, e que, por meio de análises
consequencialistas de dados empíricos, visa a conferir racionalidade
aos “motivos” dos atos administrativos produzidos pelo regulador.106
Ora, se já se vem sendo exigindo que a Administração reguladora
lance mão de uma análise consequencialistas antes da produção seus
atos, não há por que eximir o decisor de tal ônus. Eis o racional do
dispositivo que ora se comenta, que confere um viés econômico à
interpretação jurídica. Sobre o tema, como bem destacado por Alexandre
Santos de Aragão,107 “não se trata propriamente de uma sobrepujança
da Economia sobre o Direito, mas sim de uma inevitável em razão do
aumento do poder efetivo dos capitais globalizados valorização do
elemento econômico na interpretação jurídica, elemento este que não
era muito considerado pela hermenêutica jurídica”.
É que não se cogita mais que as normas jurídicas sejam consi-
deradas como um fator exógeno ao sistema econômico.108 Muito ao
contrário, cada vez mais, os agentes econômicos passam a comparar os
custos e benefícios, antes de tomar uma decisão – seja ela econômica,

106
FREITAS, Rafael Véras de. A Análise de Impacto Regulatório (AIR) no setor de energia
elétrica. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 12, n. 46, p. 177-200,
jul./set. 2014.
107
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Interpretação consequencialista e análise econômica
do direito público à luz dos princípios constitucionais da eficiência e economicidade. In:
SARMENTO, Daniel (Org.). Vinte anos da Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2009. Sobre tema, v. ARGUELHES, Diego Werneck; LEAL, Fernando. Pragmatismo
como [meta] teoria normativa da decisão judicial: caracterização, estratégias e implicações.
In: SARMENTO, Daniel (Org.). Filosofia e teoria constitucional contemporânea. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2009, p. 176.
108
Tanto é verdade que, como assevera Cristiane de Oliveira Coelho: “a partir de 1980, pelo
menos um economista fazia parte do corpo docente das mais conceituadas escolas de
Direito dos Estados Unidos, quando também passaram a ser publicadas diversas revistas
especializadas em Law and Economics. No que tange à prática jurídica, por sua vez,
atribui-se à Análise Econômica do Direito não só o movimento de desregulamentação dos
mercados americanos de transporte e telecomunicações, mas também a reforma criminal
de 1984 e a freqüente aplicação de teorias econômicas em decisões judiciais por parte de
juízes como Breyer, Posner, Easterbrook, Calabresi e Ginsburg” (COELHO, Cristiane de
Oliveira. A análise econômica do direito enquanto ciência: uma explicação de seu êxito sob a
perspectiva da história do pensamento econômico. (May 1, 2007). Berkeley Program in Law
& Economics. Latin American and Caribbean Law and Economics Association (ALACDE) Annual
Papers. Paper 05010710. Disponível em: http://repositories.cdlib.org/bple/alacde/05010710.
ART. 21 47

social ou institucional. Para além de fazer justiça, as normas jurídicas


devem ter um viés de otimização (sob um critério de utilidade) da
repartição de recursos escassos, o que legitima a sua interpretação à luz
de critérios consequencialistas atrelados à eficiência e à racionalidade.109
Trata-se de uma concepção já bem desenvolvida nos países que
possuem sistemas jurídicos regidos pela common law, denominada
Análise Econômica do Direito (Law and Economics). Cuida-se de uma
análise consequencialista, na medida em que ela leva em consideração
as consequências futuras (em termos probabilísticos), com um viés
prospectivo. Mais especificamente, ela tem por objetivo racionalizar as
escolhas dos agentes para que sejam tomadas decisões que produzam
eficiência.110 Todo esse ferramental vem, cada vez mais, sendo objeto
de estudos doutrinários no Brasil.111
Fugiria ao escopo dos presentes comentários discorrer a propósito
de outras nuances da referida concepção. Para o que aqui importa, é
de se destacar dois textos seminais de Ronald Coase a propósito dessa
temática; o primeiro, publicado, em 1937, denominado “The Nature of
The Firm”; e o segundo em 1960, cujo título é “The Problem of Social
Cost”.112 Nos referidos trabalhos, fora desenvolvida a Teoria dos Custos

109
Racional que vem se expandindo para o Direito Público. SCHWANKA, Cristiane. Direito
econômico e direito público: uma abordagem da análise econômica como método de
interpretação dos contratos administrativos. Revista de Direito Empresarial – RDEmp, Belo
Horizonte, ano 9, n. 2, p. 63-79, maio/ago. 2012; POSNER, Eric A. Análise econômica do
direito contratual após três décadas: sucesso ou fracasso?: (Primeira parte). [Tradução
Luciano Benetti Timm, Cristiano Carvalho e Alexandre Viola]. Revista de Direito Público
da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 6, n. 23, p. 75-108, jul./set. 2008; DIAS, Maria
Tereza Fonseca. Os problemas da contratação pública brasileira sob a Análise Econômica
do Direito (Law and Economics): em busca de propostas legislativas para sua superação.
Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 15, n. 57, p. 85-111, abr./
jun. 2017.
110
Em complemento, Everton das Neves e Joana Stelzer asseveram que: “À luz da LaE, intentam-
se verificar os efeitos inibidores e incentivos produzidos pelas normas jurídicas no meio
social; o comportamento equitativo e eficiente induzido; a atribuição de riscos de forma
eficiente; a avaliação dos resultados, a distribuição de riqueza e a simbiose entre eficiência
e justiça, já que o julgador deve comportar-se, frente ao caso concreto; solucionando a lide
entre as partes de forma eficiente, maximizando resultados e induzindo comportamentos”
(GONÇALVES, Everton das Neves; STELZER, Joana. O direito e a ciência econômica: a
possibilidade interdisciplinar na contemporânea Teoria Geral do Direito. (May 1, 2007).
Berkeley Program in Law & Economics. Latin American and Caribbean Law and Economics
Association (ALACDE) Annual Papers. Paper 05020701. http://repositories.cdlib.org/bple/
alacde/05020701).
111
Por todos, V. PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, economia e mercados. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2005.
112
The Problem of Social Cost. R. H. Coase. Journal of Law and Economics, v. 3, p. 1-44, Oct.,
1960. Published by: The University of Chicago Press. O artigo “O problema do custo social.
Ronald H. Coase” foi traduzido e publicado na íntegra na The Latin American and Caribbean
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
48 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

de Transação. Em breves e resumidas palavras, a Teoria formulada


pelo autor consagra o entendimento de acordo com o qual “quando
os direitos de propriedade são bem definidos e o custo de transação é
igual a zero, a solução final do processo de negociação entre as partes
será eficiente, independentemente da parte a que se atribuam os direitos
de propriedade”.
Nesse quadrante, o sistema legal exerceria o relevante papel
fundamental em relação aos custos de transação, facilitando a dinâmica
mercadológica entre desconhecidos, permitindo a elaboração de
contratos mais simples e fornecendo mecanismos que garantam seu
cumprimento.113 Nesse sentido, Armando Castelar Pinheiro114 leciona
que “quando a norma é clara, certa, previsível e calculável, ela completa
os contratos, na medida em que determina como proceder em diversas
situações”. É disso que se cogita, por intermédio do dispositivo que ora
se comenta. Impor um racional ao processo administrativo invalidador,
que não incremente os custos de transação das relações travadas com
o Poder Público – ou, ao menos, que tais custos sejam avaliados antes
da prolação de invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma
administrativa.
Não se trata de um racional decisório desconhecido dos decisores.
O STF, em algumas oportunidades, vem se valendo de aspectos
consequencialistas em suas decisões.115 Como bem diagnosticado pelo
robusto trabalho de Mariana Pargendler e Bruno Meyerhof Salama,116 o

Journal of Legal Studies, v. 3, n. 1, Article 9, e pode ser acessado no endereço eletrônico: http://
services.bepress.com/lacjls/vol3/iss1/art9.
113
PIMENTA, Eduardo Goulart; BOGLIONE, Stefano. Análise econômica do direito contratual.
Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 6, n. 24, out./dez. 2008.
114
PINHEIRO, Armando Castelar. Segurança jurídica, crescimento e exportações. Rio de Janeiro,
IPEA, 2005, p. 13.
115
Para uma análise das principais críticas ao pragmatismo e ao consequencialismo jurídico,
ver, por exemplo: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Verticalização, cláusula de barreira
e pluralismo político: uma crítica consequencialista à decisão do STF na ADIN 3685.
Interesse Público, Porto Alegre, v. 37, p. 87, 2006; CARVALHO, Lucas Borges de. Integridade,
pragmatismo e decisão judicial: um debate entre Hércules e Jobim. Revista de Direito
Constitucional e Internacional, São Paulo, n. 64, p. 207-208, jul./set. 2008.
116
PARGENDLER, Mariana; SALAMA, Bruno Meyerhof. Direito e consequência no Brasil:
em busca de um discurso sobre o método. RDA – Revista de Direito Administrativo, Belo
Horizonte, v. 262, jan./abr. 2013. Eis os julgados a que se referem os autores. BRASIL.
Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 526.276. Tribunal Pleno. Rel. min.
Ellen Gracie Northfleet. J. 3.11.2010. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 3.934. Tribunal Pleno. Rel. min. Ricardo Lewandowski. J. 27.5.2009.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.277. Tribunal
Pleno. Rel. min. Ayres Britto. J. 5.5.2011. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 186. Tribunal Pleno. Rel. min. Ricardo
Lewandowski. J. 26.4.2012.
ART. 21 49

Supremo Tribunal Federal se valeu de uma racional consequencialistas,


antes de proferir as seguintes decisões sobre (i) a inconstitucionalidade
da Lei nº 8.620/93, que responsabilizava o sócio de responsabilidade
pelo inadimplemento de contribuições previdenciárias pela sociedade,
por violação ao princípio da livre iniciativa; (ii) a constitucionalidade
do dispositivo da lei de falências que impõe limites quantitativos à
prioridade concedida às dívidas trabalhistas; (iii) a exigência constitu-
cional de estenderem-se os efeitos jurídicos da união estável às uniões
homoafetivas; (iv) a constitucionalidade da adoção de cotas raciais
por universidades brasileiras; e até mesmo (v) a inconstitucionalidade
da criminalização de aborto de feto anencéfalo. Não é por outra razão
que a Corte Suprema, notadamente em sede de controle abstrato de
constitucionalidade, vem se utilizando de audiências públicas, com
desiderato de se valer de substratos consequencialistas, antes de
proferir suas decisões. Some-se a tais julgados o ilustrativo e multicitado
Recurso Extraordinário nº 407.688,117 por intermédio do qual o STF, ao
analisar a constitucionalidade da penhorabilidade do bem de família
do fiador (prevista no art. 3º, VII, Lei nº 8.009/1990), deixou assentado
que impossibilitar tal expediente romperia o equilíbrio do mercado,
despertando exigência mais sistemática de garantias mais custosas
para locações residenciais, com consequente desfalque do campo de
abrangência do próprio direito constitucional à moradia.
Na mesma direção, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial nº
950.489-DF, antes mesmo da vigência do art. 21 em comento, em
vez de decretar a nulidade de contrato de concessão, ponderou que
“no balanceamento dos interesses em jogo, entre anular o contrato
firmado para a prestação de serviços de recuperação e modernização
das instalações físicas, construção de ossuários, cinzários, crematório e
adoção de medidas administrativas e operacionais, para a ampliação da
vida útil dos 06 (seis) cemitérios (...) ou admitir o saneamento de uma
irregularidade contratual, para possibilitar a continuidade dos referidos
serviços, in casu, essenciais à população, a última opção conspira em
prol do interesse público”.
Do mesmo modo, não se trata de viés desconhecido ao controle
externo. Como dá conta o profícuo trabalho de Bruno Araújo Ramalho,118

117
BRASIL. STF. RE nº 407688, Tribunal Pleno, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, julgado em
08.02.2006
118
RAMALHO, Bruno Araújo. O dever de motivação administrativa no contexto das escolhas
regulatórias: uma análise da jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU). In: I
Seminário de Integração FGV Direito Rio e Faculdade de Direito da UERJ, 2016, Rio de
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
50 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

o Tribunal de Contas da União – TCU, em diversos julgados, lançou mão


de um racional decisório consequencialista. São exemplos desse viés
decisório, segundo o autor, dentre outros: (i) o Acórdão nº 2.386/2010 (Ata
34 – Plenário), referente ao setor de energia elétrica, no qual se entendeu
que o cálculo de risco regulatório estava embasado em um estudo
empírico de alcance insuficiente para lastrear a premissa metodológica
ora adotada pelo regulador; (ii) o Acórdão nº 1.201/2009, também sobre
o setor de energia elétrica, por intermédio do qual se criticou a ausência
de dados técnicos para fundamentar o percentual de revisão tarifária,
além da adoção de informações produzidas exclusivamente pela própria
concessionária; e (iii) o Acórdão nº 0768/2005 (Ata 22 – Plenário), sobre
o setor de transportes aquaviários, o tribunal concluiu não haver
consistência documental para considerar atendido o item “manutenção
do calado” e, em razão disso, exigiu que o regulador reforçasse a sua
fundamentação no tocante a esta premissa.
O dispositivo em comento não tem o desiderato de exigir do
decisor que ele preveja todas as possíveis consequências da decisão
invalidadora, sob pena de tal mandamento se tornar inexequível. É que,
da decisão invalidadora, terão lugar um sem número de consequências
diretas e indiretas.119 Razão pela qual temos que o art. 21 imporá o ônus
de explicitar as consequências mais relevantes (econômicas e sociais) do
provimento invalidador. Cite-se, por exemplo, uma decisão que venha
anular um contrato de concessão de serviço público. Nessa hipótese,
temos que o decisor deverá responder às seguintes indagações: Como
será prestado o serviço para população no dia seguinte? Quais são os
prejuízos que serão experimentados pelos usuários (considerando o
dever de continuidade dos serviços públicos)? O Poder Concedente terá
condições (econômicas, técnicas e operacionais) de retomar o serviço

Janeiro. Transformações do Direito Administrativo: consequencialismo e estratégias regulatórias.


v. 1, p. 123-155, Rio de Janeiro: FGV Direito Rio, 2016.
119
No mesmo sentido, José Vicente Santos de Mendonça leciona que: “Primeira observação:
o julgador não deve – porque não teria como – indicar todas as consequências jurídicas e
administrativas da decisão. Ele só deve indicar as consequências mais importantes, seja
em termos econômicos, político-administrativos e/ou sociais. Da invalidação de contrato
administrativo de serviços de limpeza numa escola pública decorrerão um sem número
de consequências jurídicas e administrativas, mas o que se exige é que apenas as mais
importantes sejam indicadas (o custo da evitação da ilegalidade ao erário; estratégias de
realocação de alunos etc.)” MENDONÇA, José Vicente. art. 21: indicando consequências
e regularizando negócios. Revista de Direito Administrativo – RDA. Edição especial. Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Rio de Janeiro, FGV, 2018, p. 50.
ART. 21 51

ou de relicitá-lo? O Poder Concedente terá recursos para indenizar o


concessionário pelos investimentos ainda não amortizados?120
Em conclusão aos comentários aos arts. 20 e 21 da Lei nº
13.655/2018, temos que se trata de artigos que pretendem contribuir
para que as decisões sejam permeadas por um viés de realidade. Que
considerem os efeitos que serão produzidos a após a sua prolação. No
atual quadrante do Direito Público brasileiro, “o papel não aceita mais
tudo”. A decisão alheia à realidade não produz mais um ato jurídico
lícito, nem, muito menos, justo.121
Disso decorre a possibilidade de se questionar a validade de
decisões que não observem os mandamentos dos referidos dispositivos.
Assim é que, caso se trate de decisão na esfera administrativa, a
inobservância dessas exigências poderá importar na sua invalidação,
por ausência de motivos, como determina o disposto no art. 2º, “d” e
paragrafo único, “d”, ambos da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular)
ou por violação aos arts. 20 e 21 da Lei nº 13.655/2018. De outro lado,
caso tal inobservância seja plasmada em provimento jurisdicional,
tratar-se-á de decisão considerada sem fundamentação, nos termos
do art. 489, §1º, do CPC 2015, o que pode ensejar a sua nulidade (nos
termos do art. 1.013, §3º, I, do CPC nº 2015). Os dispositivos, portanto,
não só são compatíveis com sistema normativo já vigente, como, de
resto, com ordenamento constitucional brasileiro. Exigir motivação
robusta e compromisso com os efeitos é, no Estado Democrático de
Direito, nada menos do que o mínimo essencial.

120
Esse racional veio a ser utilizado no âmbito da Tutela Antecipada Antecedente nº 5044495-
17.2018.4.04.7000/PR, que tem curso na 1ª Vara Federal de Curitiba. Trata-se de pedido de
concessão de tutela antecipada antecedente distribuído pelo Estado do Paraná e pelo DER
contra as concessionárias daquele estado, que tem como um de seus pedidos a redução da
tarifa de pedágio. Ao apreciar o pleito de primeira instância, o magistrado corretamente se
manifestou no sentido de que “A petição inicial não enfrenta os comandos dos arts. 20 a 24
2 da LINDB, que escolheram o modelo hermenêutico do consequencialismo para decisões
sobre a invalidação ou modificação dos atos/contratos administrativos. Questões essenciais
para a ponderação sobre os efeitos reversos de eventual decisão pela redução dos padrões
tarifários. Caso ocorra a redução do valor da tarifa em sede liminar e a reforma posterior da
decisão, para a manutenção do equilíbrio financeiro do contrato seria necessário: a) cobrança
de tarifas maiores a hoje praticadas; b) redução das obras previstas; ou c) aumento do prazo
das concessões. Essas soluções podem gerar maiores danos à população paranaense, que
há muito almeja pelo termo dos contratos de concessão, e realização de nova licitação em
que a modicidade das tarifas e a qualidade das obras de melhoramento e manutenção das
rodovias sejam o foco principal”.
121
No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, a Procuradoria-Geral do Estado Editou a Resolução
nº 4.222/2018, que tem por objeto análise global da celebração e execução dos instrumentos
relacionados à construção e operação da linha 4 dos serviços de transporte metroviário. De
acordo com o normativo, a comissão deverá observar levar em consideração as diretrizes
trazidas pela Lei Federal nº 13.655/18.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
52 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá,


quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra
de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais,
não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em
função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos.
Parágrafo acrescentado pela Lei nº 13.655, de 25.04.2018.

O parágrafo único do dispositivo que ora se comenta, para além


de introjetar esse racional decisório consequencialista ao processo
administrativo invalidador, prescreve que tal decisão “deverá, quando
for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo
proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se
podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função
das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos”.
A parte inicial do parágrafo que se comenta prevê o dever de
convalidação dos atos da administração sanáveis. O tema, porém, é
predicador de aprofundamentos. Como visto, em regra, a declaração de
nulidade do ato administrativo opera feitos ex tunc (retroativos).122 Nada

122
A lógica é sempre a indenizatória, como se extrai da Jurisprudência do STJ (Recurso
Especial nº 1.306.350/SP): “A autora sagrou-se vencedora da Concorrência Pública nº 2/92,
promovida pela Municipalidade de Guarulhos, razão por que lhe foi adjudicado o Contrato
Administrativo de nº 174/92, que teve por objeto a execução de serviços de conservação e
manutenção dos sistemas viários e de drenagem da cidade de Guarulhos. Adjudicado o
contrato administrativo em 5 de novembro de 1992 e iniciadas as obras em 1º de março de
1994, cumpria à Municipalidade recorrida efetuar o pagamento das parcelas do preço ajustado
à medida que realizadas as medições periódicas dos serviços executados, o que, todavia, não
foi realizado, não tendo a Municipalidade recorrida cumprido com suas obrigações. Assim, foi
ajuizada a presente ação de cobrança, cumulada com rescisão contratual. O art. 49, parágrafo
único, do Decreto-lei 2.300/86, dispositivo que a recorrente aponta como malferido, fixa: ‘A
nulidade [do contrato] não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado, pelo que
este houver executado até a data em que ela for declarada, contando que não lhe seja imputável,
promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa’. No caso, o réu sequer cogitou – ou
o aresto recorrido tangenciou – suposta má-fé da autora. O contrato foi declarado nulo por
vício intrínseco, qual seja, ausência de prazo para início e execução da obra, que somente
pode ser imputado ao Município de Guarulhos, responsável – exclusivo – pela realização
do certame licitatório e elaboração do contrato administrativo. Como se sabe, o contrato
administrativo é de adesão, elaborado unilateralmente, sem a participação ou discussão
de suas cláusulas com o administrado vencedor da licitação. Assim, se foi anulado por
não conter uma cláusula obrigatória, o vício somente pode ser imputado à Administração,
nunca ao particular que com ela contrata. 6. É fato incontroverso nos autos que a empresa
autora vinha cumprindo todas as suas obrigações contratuais. Nesses termos, não lhe pode
ser imputado o prejuízo por qualquer vício do contrato, cabendo-lhe a remuneração pelos
serviços já prestados até a data da anulação. Não se pode admitir que a Administração
Pública se enriqueça às custas do administrado, que não deu causa à anulação da avença,
recebendo serviços gratuitamente, sem o correlato pagamento previsto no contrato, até
ART. 21 53

obstante, o dispositivo que ora se comenta reforça a possibilidade de o


decisor lançar mão de instrumentos que propiciem a sanatória do ato.123
Assim é que o dispositivo prevê que se confira a possibilidade de que
sejam praticados atos que propiciem a preservação da validade do ato
questionado.124 E que vem contado com beneplácito da jurisprudência
do STF. Foi o que se passou quando aquela corte, com fundamento nos
princípios da proteção da confiança legítima, da segurança jurídica e da
boa-fé, acolheu mandado de segurança para se manter a validade das
contratações, sem concurso público, de empregados da INFRAERO.125
E teve lugar, por exemplo, na seguinte decisão do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região, na qual ficou assentado que “a anulação pura e
simples das licitações sob análise com a consequente restituição integral
de todos os valores pagos pela Administração Pública não se mostra
viável, uma vez que impossível retornar as partes ao status quo ante,
o que implicaria demolição das obras realizadas, solução que não se

a data da anulação. Caso contrário, haverá ofensa inequívoca ao postulado que veda o
enriquecimento sem causa e, em última análise, ao princípio da moralidade administrativa”.
123
A doutrina brasileira é amplamente favorável a tal expediente. FAGUNDES, Miguel Seabra.
O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015,
p. 38; COUTO E SILVA, Almiro do, Princípios da legalidade da administração Pública e
da Segurança Jurídica no Estado de Direito Contemporâneo. Revista de Direito Público –
RDP, Brasília, Editora UnB, p. 46-63; FREITAS, Juarez. Repensando a natureza da relação
jurídico-administrativa e os limites principiológicos à anulação dos atos administrativos.
In: FREITAS, Juarez. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p.
20-21.
124
O que poderia se passar nas seguintes hipóteses, como já ressaltado, pelo Superior Tribunal
de Justiça: “Indispensável, então, para a anulação do ato o reconhecimento de que (i) tenha
ele causado lesão à Administração, (ii) sua convalidação não seja viável juridicamente e (iii)
‘não tenha servido de fundamento a ato posterior, praticado em outro plano de competência’”.
(STJ. REsp nº 56.017/RJ, 6ª Turma. Rel. Min. Fernando Gonçalves. Julg. 02.06.1997. DJ, 23
jun. 1997). Tribunal de Contas da União já agasalhou esse entendimento no Acórdão nº
701/2007, Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler: “3. Atos administrativos contendo defeitos
sanáveis que não tenham acarretado lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros
poderão ser convalidados pela Administração”.
125
“Transcurso de mais de dez anos desde a concessão da liminar no mandado de segurança. 5.
Obrigatoriedade da observância do princípio da segurança jurídica enquanto subprincípio do
Estado de Direito. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente.
6. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de
um componente de ética jurídica e sua aplicação nas relações jurídicas de direito público. 7.
Concurso de circunstâncias específicas e excepcionais que revelam: a boa fé dos impetrantes;
a realização de processo seletivo rigoroso; a observância do regulamento da Infraero,
vigente à época da realização do processo seletivo; a existência de controvérsia, à época
das contratações, quanto à exigência, nos termos do art. 37 da Constituição, de concurso
público no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista. 8. Circunstâncias
que, aliadas ao longo período de tempo transcorrido, afastam a alegada nulidade das
contratações dos impetrantes. 9. Mandado de Segurança deferido”. (STF, MS nº 22.357/DF,
Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJ 05.11.04, p. 6, Informativo de Jurisprudência do
STF, n. 349).
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
54 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

coaduna com o interesse público ora em questão, nem como o interesse


privado dos envolvidos”.126
Nesse quadrante, cogita-se da prática de um ato de convalidação,
por intermédio da qual outro ato será editado, despido do vício que o
inquinava, com o desiderato de levar a efeito a sua validação prospectiva,
produzindo efeitos ex tunc. Cuida-se de racional já previsto no art. 55 da
Lei nº 9.784/1999, de acordo com o qual “em decisão na qual se evidencie
não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os
atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela
própria Administração”.
É de se registrar que o referido expediente só será admissível nas
hipóteses nas quais se configurarem vícios de forma e de competência
dos atos praticados; sendo interditada a sua utilização quando os
vícios forem constatados nos elementos motivo e finalidade do ato.
Cogite-se de uma hipótese em que um procedimento licitatório para
a concessão do uso de um bem público tenha tido a sua fase interna
conduzida por uma entidade despida de competência para tal. De
acordo o dispositivo ora comentado, o decisor, ao invés de, ao constar
tal vício, decretar a nulidade de tal contrato, deverá estipular um prazo
para que entidade competente expeça um novo ato ou que convalide os
atos até então praticados pela entidade incompetente, nos quadrantes
de sua competência. Nesse sentido, José Vicente Santos de Mendonça,127
ao comentar o referido parágrafo, assevera que “assim, num exemplo,
trata-se de identificar se, da anulação do contrato administrativo, haverá
a preservação de algum de seus efeitos, e para quem”.
A parte final do parágrafo que se comenta prevê a impossibilidade
da imposição de ônus anormais ou excessivos a determinados sujeitos,
o que poderia importar, inclusive, no dever indenizatório estatal, em
razão da violação da equânime repartição de encargos sociais.128 É

126
Apelação Cível nº 0004002-93.2003.404.7005/PR
127
MENDONÇA, José Vicente. Art. 21: indicando consequências e regularizando negócios.
op. cit., p. 53
128
No mesmo sentido, Cristiana Corrêa Conde Faldini, em artigo específico sobre o tema:
“[...] tratando-se de atos lícitos, que de forma indireta impõem sacrifícios de direitos
(genericamente considerados) ou lesão de direitos a alguns particulares, que excedem
o limite do razoável a que devem se submeter, e, não havendo tal ato – ou sua norma
autorizadora – estabelecido indenização correspondente, nasce a pretensão indenizatória
que, até por exclusão, deve ser processada pela modalidade objetiva. Isso porque exigir
a submissão do assunto à responsabilidade subjetiva e perquirir de culpa que, dada a
licitude do ato, inexiste, deixaria ao desamparo os administrados que tiveram seus direitos
sacrificados”. (FALDINI, Cristiana Corrêa Conde. Responsabilidade do Estado pela prática
de atos lícitos. Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 67/68, p.
67-130, jan./dez. 2008, p. 112).
ART. 21 55

que, ainda que a decretação da nulidade seja um ato lícito, como bem
apontado como Celso Antônio Bandeira de Mello,129 “na hipótese
de danos ligados à situação criada pelo Poder Público – mesmo que
não seja o Estado o próprio autor do ato danoso –, entendemos que
o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime
repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando
que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de
atividades desempenhadas no interesse de todos”.
Cogite-se, por exemplo, da hipótese em que a exploração de
determinada atividade por um particular, por dez anos, seja considerada
ilegal, por normativo posteriormente editado. Nessa hipótese, o decisor,
antes de decretar a nulidade do referido título habilitante, deverá
permear o procedimento por um racional que considera eventuais
prejuízos excessivos e anormais que serão experimentados pelo agente,
o que poderá lhe gerar, inclusive, um direito indenizatório, sob pena
de uma expropriação normativa (ou regulatória130). Outra hipótese
que se pode cogitar é que de se module, temporalmente, os efeitos da
decretação de nulidade, considerando os efeitos produzidos pela boa-fé
e a necessidade da necessária estabilização das relações jurídicas –
expediente do qual tem se valido o STF, em sede de controle abstrato
de constitucionalidade, com base no art. 27131 da Lei nº 9.868/1999.
Note-se que esse parágrafo do art. 21 consagra no nosso sistema
um regime de corresponsabilidade pelas consequências de uma decisão
invalidadora. Como dito anteriormente, retirar um ato, contrato, processo
ou norma do ordenamento é decisão grave, relevante e que enseja
necessariamente regular seus efeitos seja em relação ao desfazimento
do passado, seja no tocante à projeção de efeitos para o futuro. Antes
da alteração propiciada pela nova LINDB, o decisor (controlador) era
instado a analisar eventual invalidade sob o prisma formal e abstrato,
relegando ao administrador e aos particulares o encargo de desfazer
o que já se perpetrara e de distribuir os ônus da invalidação. Como
o direito não opera efeitos no éter, nem o agir jurídico se resume à
abstração, o dispositivo impõe ao decisor os ônus de indicar como

129
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo:
Malheiros, 2011.
130
FREITAS, Rafael Véras de. Expropriações regulatórias. Belo Horizonte: Fórum, 2016.
131
Eis o dispositivo: “Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e
tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o
Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos
daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado
ou de outro momento que venha a ser fixado”.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
56 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

serão distribuídos os ônus e reguladas as consequências da decisão


invalidadora. Ao transferir essa responsabilidade, o legislador não
pretendeu obstar a invalidação, mas fazer com que o decisor, para além
de sopesar consequências, indique (o termo utilizado é relevante, pois
não tem o caráter mandatório) as condições para regular os efeitos do
desfazimento, respeitando os cânones da proporcionalidade. É, pois, um
dever de compartilhamento da responsabilidade pelas consequências,
e não de avocação da competência de regular o desfazimento.
Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão
considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as
exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos
dos administrados.

O exercício do poder extroverso estatal tem se desenvolvido por


meio de uma interpretação estática, sobretudo pelo seu viés repressivo.
Dito em outros termos, os controladores levaram adiante processos
administrativos sancionadores, com base nos seus próprios juízos a
propósito da adequação das condutas de administradores públicos
e dos particulares. Juízos que, em razão da morosidade própria à
burocracia, são formados sempre, retrospectivamente, muita vez anos
após a conduta. O distanciamento temporal, contudo, turva a avaliação,
propicia o seu enviesamento. Oblitera circunstâncias que não podem
ser desconsideradas pelos órgãos de controle.
É, nesse quadrante, que passa a vigorar o art. 22 da Lei nº
13.655/2018. O referido dispositivo incorpora o pragmatismo ao âmbito
do Direito Administrativo Sancionador. Assim é que, com base nessa
perspectiva, o exercício do controle deve ser orientado, por soluções
pragmáticas, predicadoras da avaliação do contexto no qual a conduta
examinada foi praticada – o que impõe a interpretação conjunta do
dispositivo comentado com o art. 21 da própria Lei nº 13.655/2018 (que
introjeta o consequencialismo jurídico no processo invalidador).132
Daí poder-se afirmar que o caput do dispositivo que se comenta
adiciona um viés realista à interpretação do controlador. Cuida-se de
tendência de se conferir uma instrumentalidade à função interpretativa –
a qual deita raízes no pragmatismo filosófico, datado da segunda metade
do século XIX, quando Charles Sanders Peirce, William James e Oliver
Wendell Holmes Jr. criaram um foro para debate, sarcasticamente,

132
Nesse sentido, já asseveramos com Egon Bockmann Moreira que “O Direito não pode
ser estático, mas também não há de ser uma ‘caixinha de surpresas’. Outro ponto nesta
mesma linha: é comum que os órgãos de controle (administrativo ou judicial), anos depois,
julguem um ato fora do contexto em que foi praticado. Uma decisão justificável ao seu
tempo, descontextualizada torna-se írrita e inconveniente. O projeto (artigo 25) não veda
a censura de um ato, mas coloca clara a obrigação de o controlador ponderar seus efeitos
e contextualizar sua análise na realidade vivenciada ao tempo de sua edição” (MARQUES
NETO, Floriano de Azevedo; MOREIRA, Egon Bockmann. Uma lei para o Estado de Direito
contemporâneo. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 2016, n.
54, p. 209-211, abr./jun. 2016).
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
58 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

denominado “O Clube Metafísico”.133 A partir desse viés filosófico,


deixa de ser importante esclarecer o comportamento humano a partir
de ideias, tendo em vista que “não agimos porque temos ideias; temos
ideias porque precisamos agir, e agimos de acordo com os fins que
perseguimos”.134 Em resumo, mais do que abstrações, valem a experiência
e a percepção de que se aprende fazendo (learn by doing).
Disso decorre a função instrumental do direito, seja para disci-
plinar condutas, seja para reprimi-las. Assim é que o sistema de regras
jurídicas deve considerar dados concretos e econômicos, tendo em vista
tratar-se de “necessidade social e intelectual que o direito seja marcado
por uma lógica mais experimental e mais flexível”.135 O Direito, dessa
forma, precisa ser discutido “em ambiente social concreto, e não no
vácuo comparativo das relações normativas endógenas e despreocupadas
com a vida social”.136
É disso que se cogita a partir da vigência do dispositivo comentado.
Permear o procedimento administrativo sancionador por um viés realista,
por intermédio do qual o decisor se substitua ao controlado. De modo
que possa considerar as circunstâncias da vida real que orientaram e
que justificam a sua conduta.137
Tal racional já foi utilizado, pelo TCU, ao proferir o Acordão nº
1.643/2018. Cuida-se de análise das razões das justificativas apresentadas,

133
Sobre o tema, cf.: MENAND, Louis. The metaphysical club: a story of ideas in America. New
York: Farrar, Straus e Giroux, 2001.
134
MENAND, Louis. The metaphysical club: a story of ideas in America. New York: Farrar, Straus
e Giroux, 2001, p. 364. Apud GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Introdução ao realismo
jurídico norte-americano. Brasília: edição do autor, 2013, p. 28. Disponível em: www.agu.gov.
br. Acesso em: 14 abr. 2015. Pesquisa disposta em RIBEIRO, Leonardo Coelho. O direito
administrativo como caixa de ferramentas. São Paulo: Malheiros, 2016.
135
DEWEY, John. The essential Dewey: pragmatism, education, democracy, v. 1. Indianapolis:
Indiana University Press, 1998, p. 361. Pesquisa disposta em RIBEIRO, Leonardo Coelho.
O Direito Administrativo como caixa de ferramentas. São Paulo: Malheiros, 2016.
136
GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Introdução ao realismo jurídico norte-americano. Brasília:
edição do autor, 2013, p. 57. Disponível em: www.agu.gov.br. Acesso em: 14 abr. 2015.
137
Eduardo Jordão, ao comentar o referido dispositivo leciona, que: “No caso do art. 22,
objeto específico deste texto, é particularmente relevante esta segunda trilha, referente à
contextualização. Daí ser comum que se afirme que ele consagra o “primado da realidade”.
Nele, a exigência de contextualização produz uma espécie de “pedido de empatia” com o
gestor público e com suas dificuldades. Esta é outra lógica bastante presente no projeto: se
o controlador quer se colocar na posição de tomar ou substituir decisões administrativas, é
preciso que enfrente também os ônus que o administrador enfrenta. Esta circunstância vai na
linha das afirmações de parte da doutrina, mencionadas acima, no sentido da necessidade
de maior atenção às agruras e aos dilemas do gestor público” (JORDÃO, Eduardo. O art.
22 da LINDB: acabou o romance: reforço do pragmatismo no direito público brasileiro.
Revista de Direito Administrativo – RDA. Edição especial. Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2018, p. 69-70).
ART. 22 59

por ocasião da realização de audiências determinadas nos itens 9.1.1


e 9.1.2 do Acórdão 3.001/2016-TCU-Plenário (TC 011.884/2016-9), a
propósito de irregularidades detectadas em auditoria realizada no
Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Ao analisar os referidos
expedientes, o TCU determinou o arquivamento do feito, sem a
aplicação de penalidades aos gestores públicos, ao argumento de que
a “aplicação de multa aos titulares das Pastas do Planejamento e da
Educação parece-me medida de extremo rigor, ante as dificuldades
reais dos referidos gestores. Para fundamentar minha posição, lanço
mão, ainda, da recente alteração do Decreto-Lei 4.657/1942 promovida
pela Lei 13.655/2018, que incluiu o art. 22 naquele primeiro normativo”.
Esse racional realista imposto ao decisor poderá produzir exter-
nalidades positivas, a exemplo da redução do número de processos
administrativos sancionadores insubsistentes. Mais que isso, por
intermédio dessa diretriz, é possível que se coíba o exercício abusivo
do direito persecutório estatal (administrativo e judicial) – o qual pode
ensejar, inclusive, como bem apontado por Carlos Ari Sundfeld,138 o dever
de indenizar, com base no art. 27 da lei que se comenta, de acordo com
o qual “a decisão no processo, na esfera administrativa, controladora
ou judicial, poderá impor compensação por benefícios indevidos ou
prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta
dos envolvidos”.
O caput do art. 22 impõe um parâmetro concreto para a avaliação
de condutas de modo que o controlador, na avaliação de uma conduta
e de sua adstrição ao direito não se limite a interpretar a norma a
partir de seus parâmetros semânticos e de valores pessoais e nos
quadrantes deônticos abstratos, mas considerando o contexto fático
em que a conduta foi ou teria que ser praticada e os quadrantes
mais amplos das políticas públicas (o que envolve não só o dever de
atender às demandas da sociedade, mas os instrumentos disponíveis
e a realidade orçamentária). Dois exemplos podem ilustrar bem a
necessidade de concretização desse dever. Primeiro, em que pesem as
exigências formais constantes do art. 26 da Lei nº 8.666/93, eventual
desatenção àqueles procedimentos deve ser analisada cum grano salis
em contratações diretas admitidas em situação de urgência ditada por
situação fática efetivamente emergencial. Segundo, o não provimento
de um serviço público, por exemplo, a destinação de vagas em escolas
com classes segregadas para crianças com necessidades especiais

138
Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/nao-
existe-processo-gratis-08082018.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
60 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

deve ser relativizada como falta de serviço se analisada a negativa no


contexto de uma política pública bem definida e divulgada que defina
que crianças com tais necessidades devem ser acolhidas em escolas e
classes não segregadas, com supedâneo na avaliação técnica de que o
desenvolvimento da criança pode ser melhor nessa opção pedagógica.
Nesse caso, tomada nos parâmetros da política pública, a aparente falta
do serviço toma contornos de decisão técnica com a qual se pode ou
não concordar, mas nunca censurar como ilícita.

§1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato,


contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as
circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado
a ação do agente

Especificando esse racional, o dispositivo que ora se comenta,


em seu §1º, sofistica a Teoria das Nulidades dos atos administrativos,
especificamente no que respeita à responsabilização dos agentes públicos
envolvidos. Explicamos: o ordenamento jurídico já evoluiu, no que
toca à Teoria das Nulidades dos atos administrativos, para proteger
o particular de boa-fé que se relaciona com a Administração Pública,
pautado na confiança legítima (viés subjetivo da segurança jurídica),
positivada, por exemplo, nos art. 54139 da Lei nº 9.784/1999 e no art. 59,
parágrafo único, da Lei nº 8.666/1993140 – já contando, inclusive, com
o beneplácito doutrinário141 e do STF.142 Porém, de outro lado, ainda
existia uma lacuna a propósito da responsabilização do agente público

139
Eis o dispositivo: “Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos
de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da
data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. §1º No caso de efeitos patrimoniais
contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. §2º
Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa
que importe impugnação à validade do ato”.
140
Eis o dispositivo: “Art. 59. A declaração de nulidade do contrato administrativo opera
retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir,
além de desconstituir os já produzidos. Parágrafo único. A nulidade não exonera a
Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a
data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto
que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa”.
141
Por todos, veja-se: SILVA, Almiro do Couto e. O princípio da segurança jurídica (proteção
à confiança) no direito público brasileiro e o direito da Administração Pública de anular
seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei do Processo
Administrativo da União (Lei nº 9.784/99), op. cit.
142
Vide (STF. ACO nº 79/MT, Rel. Min. Cezar Peluso. DJ, 25 maio 2012).
ART. 22 61

que participou no ato nulo. É, pois, nesse quadrante, que deve ser
interpretado o referido parágrafo.
Deve-se evitar que o agente público, que exerce regularmente o
seu mister, seja sancionado pura e simplesmente por ter participado de
um ato que vier a ser declarado nulo. Esse dispositivo busca evitar que
a conduta dos agentes seja julgada dentro de certo “autismo decisório”
que a isola da realidade, confrontando-a apenas com normas e princípios
abstratos, desconectados da realidade.
Critica-se o dispositivo por dizer que o decisor não tem elementos
para aferir as tais circunstâncias práticas existentes ao tempo da decisão.
Nada mais insustentável. O juiz criminal consegue aferir as circunstâncias
de um crime para verificar se houve ou não condições objetivas a justificar
a conduta subjetiva do réu. Um juiz civil consegue, a partir da normal
dilação probatória, se situar na realidade ensejadora de um acidente de
trânsito para firmar o dever de indenizar de um litigante. Um juiz de
família consegue avaliar, no bojo da instrução, o melhor arranjo parental
para definir regime de guarda ou de visitas a menores num processo
de divórcio. Sem sentido, então, defender que o decisor numa questão
de direito público seja incapaz de avaliar tais contextos e circunstâncias
práticas. Mais do que necessário o decisor ter de aferir tais circunstâncias
práticas em que se enredou um administrador público ao praticar uma
conduta, pois a prova no ambiente público tende a ser muito mais fácil
do que no correr da vida privada. Basta sair da abstração e se admitir
que a demonstração dos fatores concretos à época da conduta têm – e
devem ter – significativa importância.
Daí a razão pela qual tal previsão deve ser interpretada em
conjunto com o disposto no art. 28 da própria Lei nº 13.655/2018, de
acordo com o qual “o agente público responderá pessoalmente por
suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”.
É dizer: o agente público só será responsabilizado na hipótese de ter
colaborado, com dolo ou erro grosseiro, para decretação da nulidade,
considerando-se as circunstâncias práticas que houverem imposto,
limitado ou condicionado sua atuação.

§2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade


da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração
pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes
do agente.
Parágrafo acrescentado pela Lei n. 13.655, de 25.04.2018.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
62 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

O §2º do dispositivo comentado dispõe que “na aplicação de san-


ções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida,
os danos que dela provierem para a administração pública, as circuns-
tâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente”. Numa
leitura mais açodada, poder-se-ia cogitar que se trata, simplesmente,
de prescrição que visa a transpor o racional do Direito Penal para o
Direito Administrativo Sancionador. Não é disso que se trata. Explica-se.
Como se sabe, as sanções penais têm por desiderato, especial-
mente, a repressão (por intermédio da recomposição da juridicidade)
e a prevenção das infrações. Trata-se da consagração de uma lógica
redistributiva, por intermédio da qual se tem o desiderato de impor
ao apenado uma pena tão grave quanto a infração cometida, nos
quadrantes de sua culpabilidade. De fato, de acordo com tal viés, a pena
é uma retribuição ao mal praticado. Assim é que a retribuição deve ser
proporcional, o que justifica que a sanção seja aplicada, em observância:
(i) à gravidade do ilícito; (ii) às consequências dos danos provocados
pelo infrator; (iii) às circunstâncias pessoais que orientaram a conduta do
infrator – como consagrado pelo art. 128143 da Lei nº 8.112/1990. Cuida-se
de racional que, por intermédio do dever de proporcionalidade, vem
sendo trespassado para as sanções administrativas, como reconhecido
pela doutrina144 e pela jurisprudência pátria.145 E que, por tal razão, foi
veiculado por intermédio do parágrafo que ora se se comenta.
Nada obstante, a sua interpretação em conjunto com o caput
do art. 22 lhe confere uma lógica um tanto mais sofisticada. É que, há
muito, a sanção administrativa não possui um caráter redistributivo,
mas, sim, instrumental. De fato, desde a consagração da puissance

143
Eis o dispositivo: “Art. 128. Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e
a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as
circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais”.
144
Por todos, V. Rafael Munhoz de Mello, para quem “o princípio da proporcionalidade veda
a imposição de sanções administrativas excessivas e desproporcionais à situação fática que
serve de motivo para a imposição da punição. A intensidade da sanção administrativa
deve corresponder à gravidade da conduta ilícita praticada pelo infrator: quanto mais
grave a conduta, mais intensa deve ser a sanção. (...) Para definir a ‘justa medida’ da sanção
administrativa é preciso sopesar as circunstâncias fáticas de cada infração. É arbitrária a
sanção aplicada sem consideração às peculiaridades do caso concreto, essenciais à definição
da intensidade da medida sancionadora a ser aplicada e, de conseqüência, à observância
do princípio da proporcionalidade” (MELLO, Rafael Munhoz de. Sanção administrativa
e o princípio da culpabilidade. A&C Revista de Direito Administrativo e Constitucional, Belo
Horizonte, ano 5, n. 22, p. 25-57, out./dez. 2005).
145
Como de extrai do seguinte julgado, do STJ: “A aplicação genérica e indiscriminada da
sanção máxima aos servidores envolvidos em processo administrativo, sem que observada
a diversidade das condutas praticadas, fere os princípios da individualização e da
proporcionalidade da reprimenda” (STJ, MS nº 7.077/DF, DJU, 11.6.2001, p. 90).
ART. 22 63

publique, Maurice Hauriou146 à frente, que as prerrogativas públicas


(da qual o poder extroverso é um exemplo) são poderes instrumentais
conferidos à Administração Pública para viabilizar a realização de
atividades veiculadoras de interesses públicos. Em resumo, como bem
diagnosticado por Juliana Bonarcosi de Palma,147 de acordo com tal
vertente (do regime jurídico-administrativo), as prerrogativas públicas
teriam a finalidade de: (i) satisfazer o dever de tutela do interesse público;
(ii) reafirmar a posição de supremacia do interesse público sobre o
privado; (iii) viabilizar a consecução de seus fins, de forma eficiente.
Segue daí que, malgrado esse regime já sofra agudos questiona-
mentos sob o prisma da inexistência de um princípio da supremacia
do interesse público sobre o particular, como referencial teórico
válido,148 fato é que, desde a sua origem, o poder extroverso tem como
nota característica a instrumentalidade. De fato, como bem destacado
por Juliana Bonacorsi de Palma,149 em outra oportunidade, “o poder
sancionador consiste em prerrogativa conferida pelo ordenamento
jurídico à Administração para melhor consecução das finalidades legais,
de onde se extrai a instrumentalidade das sanções administrativas,
decorrência direta do exercício da potestade sancionatória”.
Com o advento da função reguladora (no bojo de um movimento
de ascensão da consensualidade), a sanção administrativa, reforçando
a sua natureza instrumental150 (de ferramenta151), passa a ter como

146
Cf. HAURIOU, Maurice. Précis Élémentaire de Droit Administratif. 4ème éd. Paris: Recueil Sirey,
1938, p. VII.
147
PALMA, Juliana Bonacorsi de. Sanção e acordo na administração pública. São Paulo: Malheiros,
2015, p. 56.
148
Como já tive a oportunidade de desenvolver em MARQUES NETO, Floriano Peixoto de
Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos. São Paulo: Melhoramentos, 2002.
149
PALMA, Juliana Bonacorsi de. Processo regulatório sancionador e consensualidade: análise do
acordo substitutivo no âmbito da Anatel. Revista de Direito de Informática e Telecomunicações –
RDIT, Belo Horizonte, ano 5, n. 8, p. 7-38, jan./jun. 2010.
150
Instrumentalidade essa que se atrela ao realismo, aqui abordado, como bem destacado
por Alexandre Santos de Aragão, para quem: “A necessidade de as normas reguladoras
dos serviços públicos expedidas pela Administração Pública atenderem na prática aos
interesses do serviço, tal como previsto na Constituição e na lei que o instituiu, faz com
esta relação de adequação deva estar sempre sendo verificada e aperfeiçoada. Uma das
importantes conseqüências da mudança de abordagem da Teoria Geral do Direito, que
favoreceu a instrumentalidade das normas jurídicas, foi a de não vincular a eficácia das
normas jurídicas apenas à sua ausência de contradição formal com as normas superiores,
privilegiando também a sua relação com os fatos, de forma que a sua aplicação não acabe,
materialmente, por contrariar os objetivos legais e constitucionais daquele determinado
serviço público” (ARAGÃO, Alexandre Santos de. O marco regulatório dos serviços públicos.
Interesse Público – IP Belo Horizonte, n. 27, ano 6 set./out. 2004).
151
No Brasil, Leonardo Coelho Ribeiro desenvolveu a característica instrumental do direito
administrativo, em destacado trabalho. Para o referido autor, “a abordagem do direito
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
64 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

objetivo conformar a conduta do administrado a determinada pauta


regulatória152 – uma das facetas de uma regulação responsiva,153 por
assim dizer. Punir é apenas uma das formas de disciplinar. Porém,
uma forma vetusta, custosa e pouco eficiente154 – como já demostrado
em diversos estudos empíricos.155
Nesse quadrante, no âmbito da função reguladora, como já
tivemos a oportunidade de asseverar,156 “a sanção é mero instrumento
para atingimento das finalidades primárias do órgão (...) a finalidade
da atividade regulatória estatal não é a aplicação das sanções e sim a
obtenção das metas, pautas e finalidades que o legislador elegeu como
relevantes alcançar. Para atingimento destas finalidades primaciais
pode lançar mão, dentre outros instrumentos, do poder de sancionar”.
Ao estabelecer uma sanção, a entidade administrativa deverá,
para além de considerar o seu efeito redistributivo, prospectar seus
efeitos, aferir as suas consequências e, mais que isso, fiscalizar os seus
resultados. Cuida-se de adotar o viés de um “giro pragmático do Direito
Administrativo”, a que se refere Gustavo Binenbojm,157 caracterizado
“tanto pela descrição de uma tendência contemporânea da disciplina,
nem sempre consciente” como por “uma estratégia prescritiva de análise
e decisão em busca de soluções aptas a alcançar os melhores resultados
práticos para os problemas enfrentados pela Administração Pública”.
Já por isso o novel dispositivo é predicador de uma interpretação
que seja consentânea com os quadrantes de uma Administração Pública
responsiva, que processualiza, por intermédio do consenso e de um

administrativo como caixa de ferramentas confirma sua instrumentalidade e compromisso


com a realidade, se mantém aberta a inovações e aproxima teoria e prática no manejo do
direito administrativo” (RIBEIRO, Leonardo Coelho. O direito administrativo como caixa
de ferramentas e suas estratégias. Revista de Direito Administrativo – RDA, Rio de Janeiro,
ano 2016, n. 272, p. 209-249, maio/ago. 2016).
152
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; CYMBALISTA, Tatiana Matiello. Os acordos
substitutivos do procedimento sancionatório e da sanção. Biblioteca Digital Revista Brasileira
de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 8, n. 31, out./dez. 2010.
153
GUERRA, Sérgio. Discricionariedade de reflexividade: uma teoria das escolhas administrativas.
Belo Horizonte: Fórum, 2013.
154
SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. Acordos substitutivos nas sanções
regulatórias. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 9, n. 34, p.
133-151, abr./jun. 2011.
155
Acórdão nº 1.817/2010-TCU-Plenário e Acórdão nº 482/2012-TCU-Plenário
156
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Aspectos jurídicos do exercício do poder de
sanção por órgão regulador do setor de energia elétrica. Revista de Direito Administrativo,
Rio de Janeiro, v. 221, 2000.
157
BINENBOJM, Gustavo. Poder de polícia, ordenação, regulação: transformações político-jurídicas,
econômicas e institucionais do direito administrativo ordenador. Belo Horizonte: Fórum,
2016.
ART. 22 65

viés pragmático (e prospectivo), os múltiplos interesses enredados no


procedimento administrativo sancionador.
Diante do exposto, temos que o §2º do dispositivo que ora se
comenta sofistica o Direito Administrativo Sancionar, impõe uma
racionalidade decisória à discricionariedade administrativa (o enforcement
passa a conviver, harmonicamente, com a soft regulation). De modo que
a entidade estatal deve dispor de um cardápio de opções para exercer
o seu poder extroverso, entre as quais as de: (i) punir o agente, desde
que em obediência à proporcionalidade e aos efeitos prospectivos
(regulatórios) da sanção, para o que terá de considerar “a natureza e
a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para
a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e
os antecedentes do agente”; e (ii) a suspensão ou de terminação dos
processos sancionadores, por meio da celebração de instrumento jurídico
concertado com as partes (de que cuida o art. 26 da lei que se comenta).
Para o que aqui importa, temos que o item (i) é predicador de
aprofundamentos, sobretudo no que respeita à função regulatória da
sanção. Pois bem. Nos quadrantes da processualização dos interesses
enredados em um setor regulado, a sanção não poderá desconsiderar
seus efeitos para o setor regulado. Razão pela qual tal faceta do poder
extroverso deverá ser exercida por intermédio de um sistema de
incentivos. Para esse fim, é de se cogitar da utilização da conhecida
“Teoria dos Jogos” – desenvolvida por John Von Neumann e por Oskar
Morgenstern, no famoso Theory of Games and Economic Behavior.158 De
acordo com essa Teoria, situações há nas quais a ação ótima para uma
parte depende da conduta da outra, como ilustrado pelo conhecido
“Dilema do Prisioneiro”.159
Transposta para o Direito Administrativo Sancionador, os
agente econômicos seriam jogadores que teriam o desiderato de
reduzir os seus custos, ao passo que o regulador teria o interesse em
incrementar o cumprimento da regulação. Daí que, no âmbito de um
procedimento sancionador, as condutas dos jogadores deveriam ser
cambiantes de acordo com a postura dos seus adversários. Nesse

158
ULEN, Thomas; COOTER, Robert. Direito e economia. Porto Alegre: Bookman. 5. ed. p. 56.
159
Confira-se o referido dilema, nas palavras de Antônio José Maristrello Porto para quem “O
dilema dos prisioneiros é um tipo de jogo em que a matriz dos ganhos implica o seguinte:
i) cada jogador tem um incentivo, independentemente do que faça o outro jogador, para
trair o acordo e empreender ações que o beneficiem às custas do outro; ii) quando ambos
os jogadores traem o acordo, ambos ficam em situação pior do que se nenhum deles tivesse
traído” (PORTO, Antônio José Maristrello. Análise econômica do Direito. FGV Direito Rio,
2012).
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
66 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

quadrante, a conduta de cooperar pode ser mais vantajosa para ambas


as partes. Assim, se o agente econômico for oportunista, caberá ao
regulador lhe aplicar reprimendas; de outro lado, se o regulador for
oportunista, ao agente econômico caberá adotar condutas evasivas ao
cumprimento da regulação. De acordo com esse racional, poder-se-á
adotar a implementação de pirâmides regulatórias,160 de acordo
com as quais a sua base seria comporta por sanções ou por medidas
persuasivas (a exemplo de notificações e de multas leves), ao passo que
o seu vértice, por medidas mais gravosas (a exemplo da cassação da
atividade). Cuida-se de um esquema regulatório tit-for-tat, de acordo
com o qual “o órgão encarregado e a empresa sujeita à fiscalização
cooperam, de modo que haverá complacência administrativa, desde
que no ato anterior o regulado tenha cumprido as regras às quais se
encontrava submetido”.161
Também poder-se-ia cogitar da instauração de um sistema
sancionador arvorado no racional da Law and Economics, por intermédio
do qual fosse realizada uma análise de custo-benefício, de modo que
cumprir a regulação seja, economicamente, mais vantajoso para o infrator
do que sofrer a sanção administrativa – ou ao, menos, que os custos de
tal descumprimento sejam por ele internalizados.162 Para além de tais
estratégias regulatórias, não se pode olvidar que há uma assimetria de
informações163 entre o regulador e os agentes regulados. Essa assimetria

160
AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation: Transcending the Deregulation
Debate. Nova York: Oxford University Press, 1992. Sobre o tema, No Direito brasileiro, V.
VORONOFF, Alice. Direito Administrativo sancionador no Brasil. Belo Horizonte: Fórum,
2018, p. 143.
161
SCHOLZ, John, Cooperation, Deterrence, and the Ecology of Regulatory Enforcement. Law
and Society Review, v. 18, 2, 1984.
162
Sobre o tema, V. BECKER, Gary S. Crime and punishment: an economic approach. In:
BECKER, Gary S.; LANDES, William M. Essays in the economic of crime and punishment. 1974.
163
Essa falha da regulação tem lugar nas situações em que determinado agente, diante da
necessidade praticar determinado ato, não obtém informações no mercado suficientes a
orientar a sua escolha, o que pode importar em uma decisão equivocada. Essa falha de
mercado também se materializa pelo “risco moral” (moral hazard). Trata-se de situações
nas quais a conduta de um dos agentes envolvidos numa relação econômica não pode ser
verificada pela outra parte, o que importa na celebração de negócios jurídicos desvantajosos
excessivamente onerosos. Tal conduta decorre, pois, de um comportamento oportunista
ex post. Cite-se o exemplo de um agente que, após a celebração de um contrato de seguro,
começa a dirigir de forma mais irresponsável. De acordo com Kapoor, assimetria de
informação pode ser definida como a situation in which one party in a transaction has more or
superior information compared to another. This often happens in transactions where the seller knows
more than the buyer, although the reverse can happen as well. Potentially, this could be a harmful
situation because one party can take advantage of the other party’s lack of knowledge. (KAPOOR,
Sujata. Impact of Dividend Policy on Shareholders’ Value: A Study of Indian Firms.
Disponível em: http://www.jiit.ac.in/uploads/SUJATA%20SYNOPSIS.pdf. Acesso em: 11
ART. 22 67

de informações pode ser explicada pela denominada Teoria da Agência,


também oriunda da Law and Economics. Segundo a referida teoria, que
tem origem no estudo das organizações burocráticas e das estruturas
hierárquicas, existem, no âmbito de uma relação econômica, ao menos
duas partes: o principal, que determina o objetivo a ser perseguido; e
o agente, que executa a tarefa transferida ou imposta pelo principal.164
Nada obstante, o principal não dispõe de todas as informações
relevantes para verificar se a tarefa transferida ao agente está sendo,
adequadamente, cumprida. Isso ocorre, basicamente, por duas razões:
(i) primeiro, porque o agente, em diversas oportunidades, tende a
omitir, deliberadamente, tais informações; e (ii) segundo, porque o
“risco da agência” é sobremaneira incrementado, em razão dos altos
custos no estabelecimento de incentivos para que o agente cumpra
suas obrigações.165
Transposta para o Direito Administrativo Sancionador, a referida
teoria pode servir de instrumental para que, antes da aplicação de uma
penalidade, sejam instaurados procedimentos administrativos por
intermédio dos quais o decisor reduza a assimetria de informações
com o imputado, de sorte a que possa melhor “considerar os obstáculos

de abr. 2017). Outra forma de manifestação da falha de mercado provocada pela assimetria
de informações é a seleção adversa, expressão que designa a situação em que variações de
qualidade têm impacto direto sobre o preço estabelecido, que só são percebidas por uma
das partes do negócio jurídico. Cite-se o exemplo da venda em mercado de carros usados,
na qual só o vendedor consegue identificar os vícios ocultos no automóvel. Em todas essas
hipóteses, predica-se uma intervenção regulatória, para o fim de reduzir a assimetria de
informações entre as partes.
164
Segundo Gary J. Miller, do Departamento de Política e Ciência da Universidade de
Washington, “Principal-agency theory (PAT) is one modeling technique that specifically
addresses various manifestations of Weber’s asymmetry. Like Weber, PAT assumes a
relationship in which the agent has an informational advantage over the principal and
takes actions that impact both players’ payoffs. The principal has the formal authority, but
in PAT, the attention is on a particular form of formal authority: the authority to impose
incentives on the agent. Unlike Weber, PAT focuses on the leverage that these incentives
give the informationally disadvantaged principal. In particular, the question is whether
the principal can induce the more expert agent to take those actions that the principal
would take if the principal had the same information as the agent. By manipulating the
agent’s incentives, the principal seeks to minimize shirking or agency costs – the losses
imposed on the principal by an inability to align the agent’s self-interest with that of the
principal. This is the motivational question for the mathematical analysis of what PAT calls
‘the principal’s problem’”. (MILLER, Gary J. The Political Evolution of Principal-Agent
Models. Annu. Rev. Polit. Sci. 2005. 8:203–25. Disponível em: http://faculty.washington.edu/
jwilker/571/571readings/Miller.pdf Acesso em: 16 de mar. de 2014).
165
Nesse sentido, “Here, cost-effectiveness analysis, like cost-benefit analysis of prescriptive
market-correcting regulations, is a device for solving a principal-agent problem” (POSNER,
Eric A. Transfer Regulation and Cost Effectiveness Analysis. In Chicago Unbound, 2003,
p. 1091. Disponível em: http://chicagounbound.uchicago.edu/journal_articles. Acesso em:
22 fev. 2014).
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
68 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas a seu


cargo”. Cuida-se de uma interpretação sistemática da própria Lei nº
13.655/2018. É que, se, nos termos do seu art. 26, se prevê a possibilidade
de a celebração de acordos ser precedida de consulta pública, com
muito mais razão tal possibilidade dever ser estendida para a hipótese
de aplicação de sanções.
Claro que não se olvida que a Teoria da Rational Choice Theory (que
seve de alicerce da Law and Economics), a qual prega a existência de um
homo economicus, que sempre buscaria atingir seus objetivos mediante
uma lógica de incentivos, se encontra imersa em questionamentos. Tais
questionamentos partem da premissa de acordo com a qual o homus
economicus seria uma redução utópica do ser humano, escolhendo
algumas de suas principais características, mas ignorando a influência de
diversas outras diretrizes no seu comportamento (como as suas emoções,
a sua religiosidade, entre outros).166 Razão pela qual tais estratégias
sancionatórias também poderão se valer de aportes da “economia
comportamental” (behavioral economics167), a qual visa demonstrar que as
decisões humanas são “fortemente influenciadas pelo contexto, no qual
se inclui o modo como as escolhas nos são apresentadas” e, ainda, “que
o comportamento varia ao longo do tempo e do espaço e é influenciável
por variáveis cognitivas, emocionais e sociais”.168
Assim é que ambas as vertentes acima expostas, a depender da
natureza jurídica do processo administrativo sancionador, devem ser
instruídas por estudos empíricos, análises dos impactos regulatórios
das sanções e por contribuições dos agentes, direta ou indiretamente,
impactados pela conduta do gestor. Em resumo, o parágrafo que se
comenta abre um caminho para essa nova processualização do exercício
do poder extroverso.

§3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria


das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato.
Parágrafo acrescentado pela Lei n. 13.655, de 25.04.2018.

166
ULEN, Thomas S. Rational choice theory in law and economics. In: BOUCKAERT,
Boudewijn; DE GEEST, Gerrit (Ed.). Encyclopedia of law and economics, volume I: the history
and methodology of law and economics. Cheltenham: Edward Elgar, 2000, p. 790-818.
167
SUNSTEIN, Cass. After Rights Revolution: Reconceiving the Regulatory State. Massachustts:
Harvard University Press, 1993.
168
AVILA, Flávia; BIANCHI, Ana Maria (Org.). Guia de economia comportamental e experimental. São
Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015. Disponível em: www.economiacomportamental.
org. Acesso em: 18 maio 2017.
ART. 22 69

Por fim, o parágrafo 3º do dispositivo comentado prescreve que


“as sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria
das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato”. Já
se defendeu o entendimento de acordo com qual tal prescrição teria
consagrado o bis in idem no ordenamento jurídico pátrio.
Essa é uma leitura apressada e, como tal, equivocada. Até mesmo
por que tal entendimento subverteria o próprio racional de toda a novel
legislação, que tem por desiderato, justamente, fomentar a segurança
jurídica das relações público-privadas. A duplicidade de sanções não
deve ser tolerada, muito menos legitimada. O que não evita que ela exista.
Algo inevitável, diante da independência das instâncias competentes para
punir, prevista no ordenamento jurídico pátrio (prevista, por exemplo, no
artigo 125 da Lei nº 8.112/1990, que enseja que um mesmo agente possa
ser responsabilizado funcional, administrativa, cível e criminalmente).
Ciente disso, a nova LINDB vai de encontro aos efeitos provocados
pelo bis in idem. Um exemplo ilustra o exposto. Cogite-se da hipótese
em que um agente público seja sancionado, em âmbito disciplinar, por
ter atuado, com desídia, num processo administrativo licitatório que
veio a ter a sua nulidade decretada. Nesse exemplo, caso esse mesmo
agente ocupe o polo passivo de uma ação de improbidade administrativa,
ajuizada com base no mesmo fato (causa pedir), de acordo com o
novel diploma, o magistrado terá de levar consideração, por ocasião
de eventual sentença condenatória, a punição administrativa pretérita.
Reiteramos que o bis in idem já foi consagrado pelo ordenamento
jurídico brasileiro. É uma realidade. O que o parágrafo comentado
pretende é atenuar, com base no racional pragmático de toda a Lei nº
13.655/2018, os seus deletérios efeitos para os administrados. Racional
similar ao adotado pelo STJ, quando deixou assentado que “não
configura bis in idem a coexistência de título executivo extrajudicial
(acórdão do TCU) e sentença condenatória em ação civil pública de
improbidade administrativa que determinam o ressarcimento ao erário
e se referem ao mesmo fato, desde que seja observada a dedução do
valor da obrigação que primeiramente foi executada no momento
da execução do título remanescente”.169 Em resumo, o artigo 22 da
Lei nº 13.655/2018 confere uma racionalidade pragmática à função
punitiva estatal, interdita interpretações retrospectivas, quiméricas,
descontextualizadas e extemporâneas; reside num marco de evolução
para o Direito Administrativo sancionador, e não de retrocesso.

169
STJ: REsp nº 1.135.858-TO, Segunda Turma, DJe 5.10.2009.
PÁGINA EM BRANCO

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Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer
interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indetermi-
nado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá
prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever
ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional,
equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.

Ficou célebre a frase do então ministro Pedro Malan, segundo


quem “no Brasil até o passado é imprevisível”. Há, na cultura jurídica,
uma deferência abstrata e um baixo compromisso prático com a
segurança jurídica. Na verdade, sempre que a preservação de um ato ou
contrato firmado no passado nos desinteressa, buscamos um bem jurídico
maior para justificar que o passado seja reescrito, desconsiderado.
No campo do Direito Público, isso é ainda mais comum. É constante
a Administração Pública, o Poder Judiciário ou a esfera de controle
reverem posicionamentos ou atos jurídicos perfeitos sob alegação da
prevalência do interesse público ou de outros valores abstratos. O
que criou para nós um sistema um tanto estranho: a CRFB veda que
a lei retroaja (artigo 5º, XXXVI), mas o ato administrativo e, pior, a
interpretação da lei, pelo Executivo, pelo Judiciário ou pelos meros
órgãos auxiliares do Legislativo podem retroagir, desconsiderando o
que já se perfez juridicamente.
É, nesse quadrante, que passa a vigorar o art. 23 da Lei nº
13.655/2018. O dispositivo visa a conferir maior racionalidade à aplicação
da boa-fé nas relações das quais a administração é parte.
A fórmula redacional adotada pelo legislador ao definir essas
três esferas deixa fora de dúvidas que esses artigos da LINDB são de
observância obrigatória por qualquer agente, órgão ou ente que integre
o aparelho do Estado ou que se equipare ao aparato estatal no exercício
de poder extroverso delegado.
A noção de esfera judicial parece ser menos controversa. Pode-se
controverter acerca da sujeição da jurisdição arbitral a essas normas,
pois é fato que a esfera judicial é mais restrita que a esfera jurisdicional,
não englobando a jurisdição arbitral.170 Contudo, em sede do art. 23,

170
Porém, entendo que, na aplicação do Direito, os árbitros devem observar as normas gerais de
interpretação, salvo se as partes, na cláusula ou no termo arbitrais, dispuserem em sentido
contrário. Na ausência de disposição válida excludente da aplicação integral do direito
brasileiro, entendo necessariamente aplicáveis as normas da LINDB também à jurisdição
arbitral.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
72 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

a discussão não tem grande utilidade, haja vista que o comando se


volta a mudanças de interpretação ou orientação, o que presume uma
permanência de atuação do órgão ou ente, incompatível com o caráter
ad hoc de um tribunal arbitral.
Um pouco mais polêmica é a delimitação do que esteja
compreendido na noção de esfera administrativa. Temos que ela
compreende todos os órgãos ou entes do Estado que exerçam atividade
administrativa. Seja da Administração direta, seja da indireta e mesmo
os entes privados que recebem alguma delegação de atividades próprias
do Estado. Isso compreende, inclusive, as autarquias corporativas de
fiscalização profissional. Mesmo a Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), sobre cujo regime jurídico o STF vem se debatendo há algum
tempo,171 quando exerce prerrogativas próprias do poder extroverso,
também estará adstrita às regras da LINDB.
Igualmente controversa é a sujeição das Estatais que atuem no
ambiente econômico à regra do art. 23. Caso essas entidades não estejam
a exercer atividade administrativa, função própria do Estado, mas,
meramente, atuem como agentes econômicos, entendemos, então, que
elas não integram a esfera administrativa para fins de submissão ao art.
23. Caso, porém, recebam da lei ou tenham em sua missão institucional

171
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.717, o STF decidiu pela inconstitucionalidade
de dispositivo legal que permitia a entidades privadas exercerem a fiscalização de profissões
regulamentadas, por se tratar de atividade típica do Estado e, portanto, indelegável (STF.
ADI nº 1717, rel. Min. Sydney Sanches, j. 07.11.2002). No julgamento da Medida Cautelar
do caso, a situação da OAB foi mencionada de passagem e de forma inconclusiva, uma
vez que a lei em discussão a excluía do seu âmbito de aplicação (STF. ADI nº 1717 – Medida
Cautelar, rel. Min. Sydney Sanches, j. 22.09.1999). Em medida cautelar anterior, em outro
caso, o STF havia sinalizado que a OAB seria uma autarquia (STF. ADI nº 1.707 MC, rel.
Min. Moreira Alves, j. 01.07.1998). Já na ADI nº 3.026, o STF entendeu que a OAB não é
uma entidade da administração indireta da União, mas, segundo a ementa, uma “entidade
prestadora de serviço público independente”, uma “categoria ímpar no elenco das
personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro” e, portanto, não seria obrigada
a realizar concurso público para a contratação de pessoal. A decisão seguiu o voto do
Ministro-relator Eros Grau, amparado na doutrina e na Constituição, a qual considera o
advogado como indispensável à administração da justiça (art. 133), bem como reconhece
a legitimidade da OAB para propor ADI, por exemplo (art. 103, VII). Quanto ao poder de
polícia, a função institucional, segundo o relator, distinguiria a OAB das outras entidades
profissionais, não se tratando de “congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional”
(fl. 488) (STF. ADI nº 3.026, rel. Min. Eros Grau, j. 08.06.2006). Em 2016, o STF reconheceu a
competência da Justiça Federal para casos que envolvam a OAB, em repercussão geral, por
se tratar de autarquia, nos termos do art. 109, I, da Constituição. No caso, a ADI nº 3.026
não foi mencionada, embora o Min. Luís Roberto Barroso tenha sinalizado que a natureza
de autarquia não lhe é tão evidente, possível discussão futura em momento oportuno (STF.
RE nº 595.332 – Repercussão Geral, rel. Min. Marco Aurélio, j. 31.08.2016).
ART. 23 73

divulgada anualmente172 atribuições próprias do Estado-administração,


então, passarão a ser integrantes da esfera administrativa.
Ainda, deve-se rejeitar a tese de que órgãos ou entes sujeitos a
regime jurídico específico ficariam excluídos da aplicação da LINDB
por não serem órgãos administrativos típicos.173 A tese não se sustenta.
Embora reconheça a existência de subsistemas jurídicos, fato é também
que estes não são indiferentes ao ordenamento jurídico como um todo.
Submetem-se à Constituição e às demais leis estruturantes e processuais
que disciplinam o exercício do poder estatal. De tal sorte que temos
serem irrelevantes para afastar a aplicação da LINDB ser o órgão
ou ente administrativo regido por legislação especial, ser dotado de
competência ou ter na sua composição colegiada representantes que
não possuem vínculo de emprego com o Estado. São todos integrantes
da esfera administrativa e, como tal, sujeitos às normas da LINDB e,
portanto, ao seu art. 23.
Por fim, a esfera de controle. Aqui, estão todos os órgãos,
administrativos ou não, que exercem função controladora sobre a
própria Administração ou sobre a atividade ou conduta dos particulares.
Dentro dessa esfera controladora que se submete à LINDB estão
também os conselhos dotados de competências controladoras, mesmo
que brandas. Nesse caso, estão, entre outros, os Conselhos Tutelares do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).174 Note-se que a sujeição
às regras da LINDB deve se dar mesmo para os órgãos que tenham
regime constitucional especial, como as cortes de contas e o Ministério

172
Conforme art. 8º, I, da lei nº 13.303/16: “Art. 8º As empresas públicas e as sociedades de
economia mista deverão observar, no mínimo, os seguintes requisitos de transparência:
I – elaboração de carta anual, subscrita pelos membros do Conselho de Administração,
com a explicitação dos compromissos de consecução de objetivos de políticas públicas pela
empresa pública, pela sociedade de economia mista e por suas subsidiárias, em atendimento
ao interesse coletivo ou ao imperativo de segurança nacional que justificou a autorização
para suas respectivas criações, com definição clara dos recursos a serem empregados para
esse fim, bem como dos impactos econômico-financeiros da consecução desses objetivos,
mensuráveis por meio de indicadores objetivos”.
173
É que no âmbito administrativo, tem ganhado espaço a discussão relativa à submissão do
CARF à Lei nº 13.655/18, especialmente no que tange ao art. 24. A Primeira Turma daquele
órgão entendeu ser plenamente aplicável a regra do art. 24 a caso que tratava de alteração
jurisprudencial na metodologia de compensação de lucro líquido ajustado nos termos
da legislação de imposto de renda. (CARF, processo nº 19515.001282/201071, acórdão nº
9202006.996, Primeira Turma, julgado em 05.06.2018). De outro lado, a Segunda Turma
do mesmo órgão entendeu ser inaplicável a nova lei a caso já em andamento e quanto
menos ao CARF, uma vez que se trata de órgão administrativo, e não controlador. Em seu
entender, o normativo se aplicaria especificamente aos controladores, e não aos demais
órgãos administrativos. (CARF, processo nº 19515.003515/200774, acórdão nº 9202006.996,
Segunda Turma, julgado em 21.06.2018).
174
Previstos, em especial, nos art. 131 e seguintes do ECA (Lei nº 8.069/90).
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
74 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

Público, mesmo nas suas atividades não jurisdicionais. De sorte que


recomendações ou determinações emanadas pela esfera de controle
devem observar o que prediz o art. 23. Assim, por exemplo, se, numa
comarca, o Ministério Público entende que o atendimento a uma regra
do direito ambiental é observada pela municipalidade, com uma dada
providência, e, com o tempo, passa a entender necessário algo mais
rigoroso, necessariamente, deverá ser aplicado o art. 23, estabelecendo-se
um período de transição razoável e com sopesamento dos ônus.
O art. 23 tem por desiderato resguardar o particular dos efeitos
das interpretações jurídicas dos poderes públicos. A interpretação
jurídica, sabemos, é a atribuição de sentido a textos normativos,
conectando-os com fatos específicos e com a realidade subjacente.175
Como bem diagnosticado por Tércio Sampaio Ferraz Junior e Juliano
Souza de Albuquerque Maranhão176 o que “se busca na interpretação
jurídica é, pois, alcançar um sentido válido não meramente para o
texto normativo, mas para a comunicação normativa, que manifesta
uma relação de autoridade. Trata-se, portanto, de captar a mensagem
normativa, dentro da comunicação, como um dever-ser vinculante
para o agir humano”.
Daí a razão pela qual se firmou o entendimento de acordo com o
qual a norma jurídica é resultado da interpretação do texto legal. Nesse
sentido, Humberto Ávila,177 leciona que “normas não são textos nem o
conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação
sistemática de textos normativos”. Cuida-se de racional que se aplica
até mesmo aos dispositivos que possuam uma significação unívoca.
Razão pela qual, como bem destaca Friedrich Müller, “uma norma
não é (apenas) carente de interpretação porque à medida que ela não
é ‘unívoca’, ‘evidente’, porque e à medida que ela é destituída de
clareza – mas sobretudo porque ela deve ser aplicada a um caso (real ou
fictício)”.178 Para tal desiderato, diversos métodos foram desenvolvidos
pela Teoria da Hermenêutica.179
175
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva,
2009, p. 290 e ss. No mesmo sentido, FERRARA, Francesco. Interpretação e aplicação das leis.
Coimbra: Arménio Amado, 1987, p. 191.
176
Função pragmática da justiça na hermenêutica jurídica: lógica do ou no direito?. Revista do
Instituto de Hermenêutica Jurídica – RIHJ. Belo Horizonte, ano 1, n. 5, jan./dez. 2007.
177
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos,
Malheiros, 2003, p. 22. Vide, também: GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre a interpretação/
aplicação do Direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 80-82; PERLINGIERI, Pietro. Perfis
do Direito Civil: introdução ao Direito Civil Constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2002, p. 26.
178
MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2005, p. 42. Nesse sentido, também: PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: introdução
ART. 23 75

Nada obstante, para o que aqui importa, é de se destacarem os


seus efeitos vinculantes. Hans Kelsen180 já lecionava que, quando um
órgão se pronuncia sobre o conteúdo de uma norma, por exemplo, o
juiz quando determina o sentido de uma lei, no processo de aplicação,
produz um enunciado normativo. Como qualquer norma, esse enunciado
é vinculante. No mesmo sentido, Carlos Ari Sundfeld, Rodrigo Pagani de
Souza e Guilherme Jardim Jurksaits181 asseveram que “o reconhecimento
de que interpretações feitas pelas autoridades competentes são normas
encontra-se, antes de tudo, na própria hermenêutica jurídica. Ou seja,
a própria teoria de interpretação das normas jurídicas constata que
as interpretações, quando emanadas de autoridade competente, têm
valor de norma”.
Tanto assim é que o STF vem reconhecendo, em sua jurispru-
dência, a técnica da “interpretação conforme a Constituição”, prevista
no art. 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868/1999, por intermédio da
qual se preserva a vigência de determinada norma, conferindo-lhe a
única interpretação compatível com a Constituição;182 e às Mutações

ao Direito Civil Constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 71-72. BARROSO,
Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 106.
Em sentido contrário, afirmando a desnecessidade de interpretação de textos unívocos:
HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 54. Na verdade, Konrad Hesse sustenta a
existência, nesse caso, de interpretação em sentido amplo: “Tampouco interpretação torna-se
necessária quando determinações constitucionais são unívocas, embora se trate, também
aqui, de um procedimento –estruturalmente mais simples – de ‘entendimento’ e, com isso,
em sentido mais amplo, de ‘interpretação’”.
179
Como se sabe, a interpretação jurídica é atividade que requer do intérprete a conjugação
dos diversos elementos clássicos: gramatical, histórico, sistemático e teleológico. Nada
obstante, como destacado por Luís Roberto Barroso, nenhum desses elementos é absoluto
nem tampouco deve ser utilizado isoladamente. Pelo contrário, a interpretação adequada é
fruto da combinação e do controle recíproco entre eles. Deve-se levar em conta, portanto, o
texto da norma (interpretação gramatical ou semântica), aspectos do seu processo de criação
(interpretação histórica), sua conexão com outras normas do sistema jurídico (interpretação
sistemática) e sua finalidade (interpretação teleológica). (BARROSO, Luís Roberto. Curso de
direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 290 e ss. No mesmo sentido,
FERRARA, Francesco. Interpretação e aplicação das leis. Coimbra: Arménio Amado, 1987, p.
131).
180
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. Tradução de Luiz Carlos Borges. 4. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 236.
181
SUNDFELD, Carlos Ari; SOUZA, Rodrigo Pagani de; JURKSAITIS, Guilherme Jardim.
Interpretações administrativas aderem à lei?. RDA – Revista de Direito Administrativo, Rio
de Janeiro, v. 260, p. 97-132, maio/ago. 2012.
182
Foi o que se passou, por exemplo, na ADIn nº 4.277, julgada em conjunto com a ADPF
nº 132-RJ, na qual ficou assentado que “Ante a possibilidade de interpretação em sentido
preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele
próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de ‘interpretação conforme à Constituição’.
Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
76 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

Constitucionais, que “nada mais são que as alterações semânticas


dos preceitos da Constituição, em decorrência de modificações no
prisma histórico-social ou fático axiológico em que se concretiza a sua
aplicação”.183
Nesse quadrante, um dos maiores propósitos do dispositivo
que se comenta é minorar os efeitos das alterações interpretativas
emanadas pelos poderes públicos. Para tanto, o artigo fixa o primeiro
núcleo de incidência das normas sobre a “decisão”, qualquer que
seja, havida em uma dessas esferas. Segue daí o espectro amplo de
incidência da norma do art. 23: qualquer decisão exarada no âmbito
do poder extroverso estatal que inove a interpretação ou a orientação
sobre outra norma de conteúdo indeterminado. Note-se que o artigo
não se restringe às decisões havidas no exercício da jurisdição judicial,
administrativa ou de contas. Não se restringe a decisões tomadas na
dirimição de conflitos. Alcança também atos administrativos de caráter
normativo ou integrativo. Assim, por exemplo, uma orientação da
Receita Federal acerca do lançamento tributário ou da contabilização
de uma receita nos livros da empresa, uma súmula de um Tribunal ou
uma resolução de um conselho de fiscalização. Atentemos primeiro
ao núcleo da prescrição: qualquer decisão. Podemos aqui estar diante
de um ato administrativo, uma decisão colegiada, um acórdão, uma
súmula judicial, uma orientação normativa ou mesmo um entendimento
reiterado de agente, órgão ou ente de uma das três esferas. Decisão deve
ser entendida como deliberação que produza efeitos jurídicos diretos ou
indiretos. Digo indiretos, pois uma orientação ou deliberação reiterada
pode ser determinante para um comportamento voluntário do particular
ao qual a ordem jurídica confere efeitos jurídicos.
Para fazer incidir a obrigação contida no art. 23, a decisão deve,
de alguma forma, inovar na ordem jurídica. Há quem critique o dispo-
sitivo, afirmando que só a lei pode inovar na ordem jurídica, criando
condicionamentos ou deveres, por força da prescrição constitucional
do art. 5, II, da CRFB. Porém, esse entendimento, para além de um
tanto superado pela realidade da normatividade contemporânea, como

da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família.
Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências
da união estável heteroafetiva” (ADI nº 4.277/DF. Relator(a): Min. AYRES BRITTO Julgamento:
05.05.2011 Órgão Julgador: Tribunal Pleno).
183
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso
de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 152. STF. MS nº 26.602, Voto do Min.
Gilmar Mendes, Data de Julgamento: 04.10.2007. STF. ADI nº 5.081, Relator: Min: Roberto
Barroso, Tribunal Pleno, Data de Julgamento: 27.5.2015, Data de Publicação: DJe 19.8.2015.
ART. 23 77

acima exposto, esquece que a locução constitucional alude à reserva


de obrigação “em virtude de lei” e não “na lei” ou “por força da lei”.
Segue daí que há inúmeras decisões que fixam parâmetros integrados à
norma legal e são origem de obrigações ou condicionamentos. Assim é,
por exemplo, com a Política Nacional de Meio Ambiente, que tem suas
linhas gerais definidas na Lei Federal nº 6.938/81, mas suas disposições
integradas por todas as normas editadas pelo Conselho Nacional do
Meio Ambiente (Conama) e pelos órgãos estaduais e municipais.
Segue daí que, se um desses órgãos vier a editar novas decisões em
cumprimento ao que dispõe a lei nacional ou as Resoluções do Conama,
terá que observar o disposto no art. 23 da LINDB. Portanto, o primeiro
requisito é que seja uma decisão que de algum modo vá em sentido
diverso ou de decisões anteriores ou que inaugura uma interpretação
ou delimitação que antes inexistia. Decisão inovadora, pois, é aquela
que fixa entendimento em alguma medida diverso do que existia antes
de seu advento.
Claro que isso não importa dizer que as autoridades decisoras
restarão aprisionadas às suas interpretações. Até mesmo porque a
cambialidade é da essência da interpretação jurídica. Na verdade, tal
dispositivo só visa a conferir previsibilidade para as suas mudanças
interpretativas. E, na ponta, dar concretude à incidência da boa-fé nas
relações administrativas. Para tanto, impõe o estabelecimento de um
regime de transição, que vise a estabelecer um regime intermédio entre
as relações constituídas com base na interpretação alterada e a nova
interpretação. Trata-se de dispositivo que consagra o mesmo racional
que vem sendo adotado pelo Tribunal de Justiça da Corte Europeia
(TJCE), para os casos de mudanças abruptas de regulamentos, como
se passou, por exemplo, no caso Tomadini (84/78), no qual ficou
assentando que “o respeito da confiança legítima proíbe as instituições
comunitárias (...) modificar esta regulamentação sem combiná-la com
medidas transitórias, salvo se um interesse público peremptório se
opuser à adoção de tal medida”.
Daí ser possível concluir que o dispositivo comentado tende a
proteger o que se convencionou denominar de Confiança Legítima.184

184
J. J. Gomes Canotilho, em seus ensinamentos, aponta os contornos da vertente da Confiança
Legítima: “A protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas
da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em
relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A segurança e a protecção
da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos
actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança
nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
78 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

Cuida-se de conhecido viés que brota das mudanças constitucionais que


se sucederam ao Segundo Pós-Guerra, a partir da reconstitucionalização
da Itália e da Alemanha, sendo desse país a primeira expressiva
formulação jurisprudencial – proteção da confiança – datada de sentença
de 1956.185 O referido preceito foi, recorrentemente, adotado pelos
julgados da Corte da União Europeia, a exemplo do ficou decidido
no Processo nº T-126/97,186 no qual se consagrou o entendimento de
que o direito de invocar a proteção da confiança legítima é facultado a
qualquer operador econômico em cuja esfera jurídica uma instituição
tenha feito nascer esperanças fundadas.187 E por parte significativa da
doutrina alienígena.188 No Brasil, o tema foi desenvolvido, nos trabalhos
seminais de Almiro do Couto e Silva189 e de Patrícia Ferreira Baptista,190

que os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante


qualquer acto de qualquer poder – legislativo, executivo e judicial. (...) (3) em relação a
actos da administração – tendencial estabilidade dos casos decididos através de actos
administrativos constitutivos de direitos” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional
e teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 252).
185
BACHOFF, Otto, apud LUENGO, Javier García. El principio de la protección de la confianza en
el Derecho Administrativo. Madri: Civitas, 2002, pp 164 e 165.
186
Acórdão nº do Tribunal de Primeira Instância (Quarta Secção) de 29 set. 1999. Sonasa –
Sociedade Nacional de Segurança Ldª contra Comissão das Comunidades Europeias.
Recurso de anulação – Fundo Social Europeu – Redução de uma contribuição financeira –
Confiança legítima – Segurança jurídica – Boa administração – Falta de fundamentação.
Processo T-126/97.
187
Figurando, inclusive, como direito fundamental constante da Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, de 1789, que, em seu artigo 2º, prescreve que “Le but de toute
association politique est la conservation dês droits naturels et imprescritibles de l’Homme.
Ces croits sont la liberte, la proprieté, la sûreté, et la résistance à l’oppression”.
188
MACHO, Ricardo Garcia. Contenido y límites de La confianza legítima: estudio sistemático
de la jurisprudencia del Tribunal de Justicia. REDA, n. 56, p. 557 e segs, out./dez., 1987 (versão
eletrônica); ENTERRÍA, Eduardo García de. El principio de protección de la confianza
legítima como supuesto título justificativo de la responsabilidad patrimonial del estado
legislador. In: RAP, n. 159, p. 173-206, set./dez., 2002; CASTILLO BLANCO, Frederico. La
protección de confianza legítima en el Derecho Administrativo. Madrid: Marcial Pons, 1998;
PÉREZ, Jesús González. El principio general de la buena fe en el Derecho Administrativo. 4. ed.
Madrid: Civitas, 2004; LUENGO, Javier García. El principio de protección de la confianza en el
Derecho Administrativo. Madrid: Civitas, 2001; CALMES, Sylvia. Du principe de la protection
de la confiance legitime en Droits Allemand, Communautaire et Francais. París: Dalloz, 2001.
189
SILVA, Almiro do Couto e. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito
público brasileiro e o direito da Administração Pública de anular seus atos administrativos:
o prazo decadencial do art. 54 da Lei do processo administrativo da União (Lei nº 9.784/99).
RDA, n. 237, jul./set., 2004, p. 271-315.
190
BAPTISTA, Patrícia Ferreira. Segurança jurídica e proteção da confiança legítima no direito
administrativo: análise sistemática e critérios de aplicação no direito administrativo brasileiro.
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo, sob a orientação da Profª Draª. Odete Medauar. São Paulo:
USP, 2006. A segurança jurídica, mais do que um princípio, é justamente considerada um
axioma do Direito. Como ensina a Eminente Ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen
Lúcia Antunes Rocha, a segurança jurídica é declinada como direito em alguns textos
ART. 23 79

entre outros, e conta com ampla aceitação da jurisprudência.191 É, pois,


com base nessa confiança que se interdita que as novas interpretações
produzam efeitos imediatos.
Do mesmo modo, o Direito brasileiro é prenhe de exemplos nos
quais as novas interpretações impõem o estabelecimento de um regime
de transição, que seja serviente a salvaguardar a segurança jurídica das
relações entabuladas sob a égide da interpretação superada. É o que
prescreve o disposto no art. 27 da Lei nº 9.868/1999, de acordo com o
qual “ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e
tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse
social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços
de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir
que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro
momento que venha a ser fixado”. No Direito Tributário, por exemplo,
em 2008, foi instituído o Regime Tributário de Transição (RTT), que
trata dos ajustes tributários decorrentes dos novos métodos e critérios
contábeis introduzidos pela Lei nº 11.638/2007.
O STF, do mesmo modo, em diversos precedentes, vem estabe-
lecendo, a bem da segurança jurídica, regimes de transição para dar
conta dos efeitos que poderão ser produzidos pelas suas mudanças de
posicionamento. Assim se passou, por exemplo, no julgamento do MI
nº 670,192 a propósito do direito de greve dos servidores públicos, no
qual ficou assentado que “em razão da evolução jurisprudencial sobre
o tema da interpretação da omissão legislativa do direito de greve
dos servidores públicos civis e em respeito aos ditames de segurança
jurídica, fixa-se o prazo de 60 (sessenta) dias para que o Congresso
Nacional legisle sobre a matéria”. Do mesmo modo, ao apreciar o RE
nº 597.994/PA,193 que consagrou a mudança de interpretação da corte

constitucionais, mesmo nos ordenamentos em que assim não se afigura, é reconhecida como
direito necessário que fundamenta ou define os atos, seus efeitos e atributos, máxime em
se cuidando de práticas estatais. (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Constituição e segurança
jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Belo Horizonte: Fórum,
2004, pag. 167).
191
STJ, MS nº 10381/DF, Rel. Min. Nilson Naves, Terceira Seção, DJe 24.04.09; RMS nº 19.478/
SP, Rel. Min. Nilson Naves, Sexta Turma, DJe 25.08.08; RMS nº 15.420/PR, Ministro Paulo
Gallotti, Sexta Turma, DJe 19.05.2008; RMS 20.718/SP, Ministro Paulo Medina, Sexta Turma,
DJe 03.03.2008. STF, MS nº 22.357/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJ 05.11.04,
p. 6 (Informativo de Jurisprudência do STF, n. 349).
192
BRASIL. STF. MI 670, Tribunal Pleno, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Relator(a) p/
Acórdão: Min. GILMAR MENDES, julgado em 25.10.2007
193
BRASIL. STF. RE nº 597994 ED, Tribunal Pleno, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em
25.08.2017.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
80 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

a propósito da atividade política dos membros do Ministério Público,


deixou assentado que “a ausência de regras de transição para disciplinar
situações fáticas não abrangidas por emenda constitucional demanda
a análise de cada caso concreto à luz do direito enquanto totalidade”.
O TCU, em algumas oportunidades, também vem reconhecendo
um regime de transição a suas alterações interpretativas. A Decisão
nº 481/1997-TCU194 consagrou o entendimento de que seria devida
a incorporação do período de exercício de função comissionada (de
uma fração 1/5 ou 1/10), para fins do percebimento de provimentos
de aposentadoria. Posteriormente, o TCU, por intermédio da Decisão
nº 844/2001-Plenário, reviu tal posicionamento; nada obstante, por
intermédio do Acordão nº 2.076/2005-Plenário, com o desiderato de
preservar a segurança jurídica, deliberou no sentido de preservar os
atos de aposentadoria fundamentados na Decisão nº 481/1997, que
foram publicados até a Decisão nº 481/1997-TCU.
É, justamente, esse o racional do art. 23 da Lei nº 13.665/2018.
Nesse sentido, de acordo com a sempre precisa Juliana Bonacorsi de
Palma, a partir da vigência no novel dispositivo, “a mesma lógica na
vacatio legis, também presente entre os regulamentos, será aplicada
a decisões que estabeleçam novas interpretações ou orientações que
afetem direitos ou criem condicionamentos simplesmente porque têm
estrutura normativa”. E conclui “na medida em que consequências de
responsabilização podem se suceder pela inobservância desses novos
entendimentos, o regime de transição mostra-se fundamental para
que o destinatário promova o necessário para com eles cumprir”.195
Marilda de Paula Silveira,196 ao comentar o referido dispositivo (ainda
em sede de proposição legislativa), assevera que ele tem por desiderato
“introduzir, no regime jurídico-administrativo, a avaliação obrigatória e
motivada de um regime de transição para os casos concretos que estão
na fronteira das novas interpretações e dos novos direitos”.
Damos mais dois exemplos. Se as autoridades de trânsito
inaugurarem ou alterarem o entendimento do que seja “prudência
especial” do condutor ao se aproximar de um cruzamento, para fins
de aplicação do art. 44 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), deverá

194
BRASIL. TCU. Decisão nº 481/1997 – Plenário. Relator(a): PAULO AFFONSO MARTINS
DE OLIVEIRA, data da sessão: 06.08.1997.
195
Disponível em: http://www.sbdp.org.br/wp/wp-content/uploads/2018.04.PALMA-Juliana-
A-proposta-de-lei-da-seguran%C3%A7a-jur%C3%ADdica.pdf.
196
SILVEIRA, Marilda de Paula. Artigo 22. In: PEREIRA, Flavio Henrique Unes (Coord.).
Segurança Jurídica e qualidade das decisões públicas: desafios de uma sociedade democrática. Brasilia:
Senado, p. 24.
ART. 23 81

observar o disposto no artigo ora comentado. Igualmente, se uma agência


reguladora competente para regular um serviço público concedido
edita uma norma definindo o que seja “cortesia” ou “generalidade”,
para fins de verificação de se o serviço público está sendo prestado
adequadamente, do mesmo modo, deverá observar a regra do art. 23. O
conceito de “norma de conteúdo indeterminado” foi muito controvertido
quando da sanção da Lei nº 13.655/18 e imediatamente após, mas de
toda sorte não é um conceito de difícil compreensão. São de conteúdo
indeterminado todas aquelas que, para o processo de extração de um
conteúdo normativo da sua prescrição, demandam o preenchimento de
conteúdo subjetivo por parte do intérprete. É dizer, são indeterminadas
normas (ou melhor, prescrições) em que o processo hermenêutico não
se socorre meramente do conhecimento léxico, mas, sim, depende de
agregação de uma “construção intelectiva” que demanda o aporte da
pertença pessoal do intérprete.
Essa “indeterminação” poderá ser preenchida, no caso concreto,
na decisão singular, ou por deliberação normativa, hipótese em que o
órgão ou ente competente abdica de sua discricionariedade balizada
(capacidade de preencher de conteúdo a indeterminação do preceito)
por uma delimitação geral e abstrata, à qual passa a se vincular. Em
suma, tem conteúdo indeterminado as normas (v.g. preceitos normativos)
cuja extração do seu sentido completo depende do aporte intelectual
subjetivo do intérprete. O objeto da prescrição do art. 23 são as decisões
que conferem “determinação” ao preceito indeterminado.
Nada obstante, não é qualquer mudança de interpretação que
resultará no direito a um regime de transição. Para os fins da exegese de
tal dispositivo, temos como relevante, para a aplicação do viés subjetivo
da segurança jurídica às mudanças de interpretação dos decisores, os
requisitos expostos por Jesús González Pérez,197 para quem a confiança
legítima tem origem quando é produzido um ato estatal que: (i) seja
suficientemente conclusivo para gerar no administrado a confiança
de sua juridicidade; (ii) gere a confiança do afetado de que as suas
expectativas são razoáveis; e (iii) reconheça ou constitua uma situação
jurídica individualizada.
Assim é que tal dispositivo não incidirá sobre interpretações que
são presumidamente provisionais (como as proferidas em decisões das
quais ainda caibam recursos); ou que sejam pautadas em normativos,

197
GONZÁLEZ PÉREZ, Jesús. El principio general de la buena fe en el Derecho Administrativo.
4. ed. Madrid: Civitas, 2004, p. 69-74.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
82 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

manifestamente, inconstitucionais (que foram aplicados por erro


grosseiro ou culpa grave do exegeta); ou que não produzam efeitos
ablatórios no patrimônio do administrado. De fato, o objetivo da norma
é o de proteger as relações jurídicas constituídas (e consolidadas), de
boa-fé, sob a égide da interpretação superada, e não criar um “Direito
Universal a um regime de transição” para todas as mudanças de
interpretação das entidades públicas.
Ademais disso, nesse particular, é de registrar a valiosa contri-
buição de Carlos Ari Sundfeld198 para o Direito Administrativo brasileiro,
por intermédio da qual o referido autor diferencia os condicionamentos
de direitos dos sacrifícios de direitos. Os primeiros, de acordo com
Sundfeld, são “as situações subjetivas, passivas impostas por lei e
controladas pela Administração, com base em lei e por elas controladas,
aos titulares de direitos, para definir seu campo de legítimo exercício,
traduzidas em deveres de não fazer (limites do direito), fazer (encargos)
ou suportar (sujeições)”. Os segundos decorrem de situações “impostas
compulsoriamente pelo Estado, com base em lei, aos titulares de direitos
de conteúdo patrimonial, através do devido processo judicial e mediante
indenização, prévia, justa e em dinheiro, implicando em compressão do
conteúdo do direito ou em sua extinção”. Nesse quadrante, se as novas
interpretações que veiculam condicionamentos de direito se submetem
ao art. 23, com muito mais razão irão se submeter as que venham a
estabelecer sacrifício de direitos, sendo que, nesse caso, no regime de
transição, terá de ser estabelecida a indenização que será devida pela
expropriação de direitos dos particulares (em atendimento ao disposto
no art. 5º, XXXV, da CRFB).
Temos, ainda, que o referido dispositivo terá a importante função
de relativizar a jurisprudência, de natureza quase principiológica,
do STF, segundo a qual “não há direito adquirido a regime jurídico”
(RE nº 227755 AgR/CE199). É que, se, para fins de alteração de regimes
estatutários de servidores públicos, ela pode se mostrar parcialmente
útil, para as demais relações das quais a Administração Pública é parte,
ela é nefasta. Afinal, não se pode desconsiderar que, no mundo dos fatos,
a mudança de interpretação do Poder Público, ainda que resulte em
um novo regime jurídico, produz efeitos nas situações já constituídas.
Os setores regulados vêm reconhecendo os impactos das alterações
bruscas em regimes jurídicos. No Setor Portuário, por exemplo, o art.

198
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo ordenador. São Paulo: Malheiros, 2003.
199
BRASIL. STF. RE nº 227755 AgR, Primeira Turma, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado
em 02.10.2012.
ART. 23 83

47 da Lei nº 10.233/2011 dispõe que “a empresa autorizada não terá


direito adquirido à permanência das condições vigentes quando da
outorga da autorização ou do início das atividades, devendo observar
as novas condições impostas por lei e pela regulamentação, que lhe
fixará prazo suficiente para adaptação”. Do mesmo modo, no Setor
de Telecomunicações, o art. 95 da Lei nº 9.472/1997 prescreve que “a
Agência concederá prazos adequados para adaptação da concessionária
às novas obrigações que lhe sejam impostas”. Nesse quadrante, por
intermédio do art. 23 da Lei nº 13.665/2011, o racional de tais prescrições
passa a ser expandido para as “mudanças abruptas” interpretativas,
que estabeleçam novos condicionamentos no âmbito de toda a esfera
administrativa, da controladora e da judicial.
Temos afirmado que a perplexidade trazida por esse dispositivo
é absolutamente improcedente. A ideia de transição, de eficácia diferida
de prescrições mandatórias já é assentada no nosso ordenamento. Tanto
é que, como vimos, a legislação que rege a mais grave decisão possível
num ordenamento positivo, a erradicação de uma norma pelo mais
grave dos vícios, a inconstitucionalidade, contempla já há bom tempo a
previsão de modulação dos efeitos, limitando a sua retroação ou fixando
lapso temporal de permanência transitória da lei ou norma hostilizada.
Igualmente o NCPC também generalizou essa possibilidade para
decisões judiciais, sem maiores críticas. Pois o que faz o art. 23 da LINDB
é ampliar o dever de transição em prol da segurança jurídica, evitando
surpresas, mudanças drásticas, “cavalos de pau hermenêuticos”. Assim,
por exemplo, quando um Tribunal de Contas muda seu entendimento
sobre o que deve e o que não deve ser computado nos gastos obrigatórios
com educação nas contas públicas, a alteração de entendimento sobre a
licitude ou ilicitude de um gasto deverá vir acompanhada de uma regra
de transição para que o destinatário, governo estadual ou municipal,
se adapte a ponto tal de absorver e implantar a interpretação novel.
Temos, então, que presente a fattispecie exposta no item anterior, tem
o agente, órgão ou ente emissor da decisão, de prever, no mesmo ato,
regime de transição que, basicamente, (i) module temporalmente a
eficácia da nova interpretação; e (ii) distribua os ônus e consequências
dela derivados dentro de critérios de proporcionalidade.
Nada obstante, o regime de transição de que cogita o disposto
comentado deve possibilitar que o “novo dever ou condicionamento
de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente
e sem prejuízo aos interesses gerais”. Em sua parte final, o art. 23
interdita a violação da equânime repartição de encargos sociais. É dizer,
caberá ao decisor estabelecer um equilíbrio entre os interesses gerais
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
84 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

veiculados pela nova interpretação e a imposição de novos deveres e


condicionamentos de direitos aos particulares.
Isso excluirá, tão somente, aquelas decisões interpretativas que
não trazem qualquer efeito sobre a esfera de direitos dos submetidos
à autoridade emissora da decisão. Há que se interpretar a locução
“impondo novo dever ou novo condicionamento de direito” com alguma
aderência às finalidades da LINDB. Descabe, portanto, compreender
o art. 23, procurando limitar sua incidência. Decisões que dão alguma
concretude a valores indeterminados de normas interferentes na esfera
de direitos dos indivíduos, necessariamente, serão criadoras de obrigação
ou condicionamento. Em regra, qualquer norma jurídica condiciona o
direito de outrem.
A norma tem como consequência direta limitar, adstringir, a
liberdade do atingido. Portanto, como consequência quase automática,
uma norma concreta ou de interpretação acarreta ou obrigação, ou
limitação de direito. O legislador poderia ter evitado incluir essa
prescrição. Mas com isso quis excluir tão somente normas de inter-
pretação que impliquem meras disposições de organização interna,
normas de distribuição de competências ou de outorga de direitos. Fora
isso, temos que o art. 23 será aplicado integralmente. Mesmo normas
regimentais, aparentemente organizacionais, podem condicionar o
exercício de direitos. Imaginemos uma decisão que fixa o entendimento
do que sejam “requisitos essenciais” para exercício do direito de petição
num órgão público, ampliando o rol desses requisitos. Essa decisão
preenche um conteúdo indeterminado (“essenciais”) e ao fazê-lo
condiciona o exercício de um direito (de peticionar). Óbvio que nesse
caso aplicável o art. 23.
Outro exemplo: tome-se a definição do que sejam informações
“imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado” ou “segurança
de instituições” para fins do art. 23 da Lei de Acesso a Informações
(LAI). Certo que o preenchimento desses conteúdos indeterminados
gera uma constrição, um condicionamento ao exercício do direito
assegurado por aquela lei. Segue daí que alterações nessa compreensão
deverão compreender alguma transição, dentro dos cânones do art. 23,
que vise a combinar o direito de os cidadãos se adequarem à norma
com as finalidades nacionais precatadas pela LAI, naquilo que for
indispensável para tais fins.
Eis o mesmo racional que deve permear a instituição de um regime
de transição entre a interpretação superada e a nova interpretação.
Explicamos. Ao se estabelecer o regime de transição, a entidade pública
deverá equalizar os interesses gerais que justificaram a alteração de sua
ART. 23 85

interpretação com os interesses que norteiam o regime de transição, de


modo que os condicionamentos impostos pela nova interpretação não
se consubstanciem, na ponta, em sacrifícios de direitos.
Isso porque é natural que a decisão jurisdicional, administrativa ou
controladora alcance desuniformemente os jurisdicionados, particulares
ou controlados. O agir estatal produz efeitos nem sempre idênticos
sobre os cidadãos. Por isso, diz a LINDB, a transição deve buscar um
ponto óptimo de equidade. Semanticamente, equânime é aquele juízo
que defere ânimo igual em relação aos alcançados (equi + animus). No
dispositivo ora comentado, o dever de transição equânime dirá com a
distribuição dos efeitos da nova regra de modo, não idêntico, aderente
à capacidade de absorção, adequado aos bônus correspondentes e
balanceados. O juízo de equanimidade deverá ser aferido sempre
de modo comparativo e relacional entre os alcançados (onerados e
beneficiários).
Assim é, então, que, se a Anatel, no exercício da sua competência
para disciplinar o uso eficiente do espectro de radiofrequências, emite
decisão que, redefinindo o conceito de uso eficiente e adequado do
espectro, determina uma mudança de alocação de faixas de radiofre-
quência, terá de, para além da modulação temporal já prevista na lei,
cuidar para que a regra de transição distribua os ônus dessa liberação de
faixas entre os diferentes prestadores de serviços de telecomunicações
atingidos.
O dispositivo prevê que a regra de transição deverá considerar
a proporcionalidade dos efeitos. Aqui, parece que o legislador quis
exigir que os efeitos da nova interpretação possam ser sentidos de
modo ponderado, com intensidade modulada entre o impacto da
criação da nova obrigação ou condicionamento sejam equilibrados
com a consecução dos objetivos perseguidos pela decisão. De fato, o
proporcional não está referido tanto na dimensão da necessidade (já
presumida pelo art. 23 quando torna a transição obrigatória), mas, sim,
referida como adequação da solução transitória (é dizer, modulação
eficiente para evitar impactos drásticos) e, principalmente, de gradação
ponderada (sopesamento temporal e quantitativo dos impactos da
nova hermenêutica).
Imaginemos que a Agência Nacional do Petróleo (ANP), no
exercício de sua competência prevista no art. 2º, VII, da Lei do Petróleo,
edita nova decisão (resolução ou outro ato) que altera seu entendimento
sobre o que venha a ser o uso eficiente do gás natural, impondo aos
agentes exploradores das atividades de extração ou transporte deste
gás novos encargos. Tal decisão deverá vir acompanhada de uma
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
86 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

regra de transição que, sem perder de vista os objetivos nacionais e


gerais atrelados ao uso eficiente, permitam que os ônus venham a ser
absorvidos pelos regulados de modo gradual, razoável e compatível
com os bônus intrínsecos a essa exploração.
Note-se que ao exigir que a transição seja proporcional, o art. 23
não só confere ao decisor o ônus argumentativo de demonstrar esse
traço de proporcionalidade, como, também, dá aos atingidos o direito
de demonstrar eventual desproporcionalidade (juízo negativo do
proporcional) como causa de invalidação da transição e, por conseguinte,
de suspensão dos efeitos da deliberação até que se promova a adequada
modulação de efeitos.
O último quadrante fixado no art. 23 para a validade da regra
de transição obrigatória é que ela seja tal que não comprometa os
interesses gerais buscados com a decisão. Note-se que o legislador
foi preciso, ao evitar a fórmula interesse público. E o fez, seja pela
insuficiência epistemológica dessa locução, seja porque o que aqui
se quer demarcar são os interesses amplos, da coletividade (e não a
abstração hegeliana de um interesse transcendente, porquanto público)
em oposição aos interesses específicos dos diretamente alcançados pela
nova interpretação.
De certo modo, o dever de preservação dos interesses gerais já
está subjacente aos deveres de proporcionalidade e equidade antes
comentados, pois eles devem também ser considerados na ponderação
da temporalidade da transição, da intensidade de sua eficácia inicial e
na distribuição dos efeitos entre os envolvidos, inclusive a coletividade.
Mas a introdução dessa condicionante se justifica para evitar que se
prevejam transições excessivamente longas ou graduais que impeçam
o atingimento dos objetivos de interesse geral motivadores da decisão
novel.
Assim, por exemplo, se o TCU decide rever seu entendimento
sobre o que seja “preços incompatíveis de mercado” para fins de
atendimento do requisito do art. 24, VII, da Lei nº 8.666/93, para fixar
critérios mais rigorosos, tal decisão, para além de não poder retroagir
para colher contratações diretas já ultimadas com base na interpretação
anterior, deverá prever um período de tempo até a entrada em vigor
da decisão. Contudo, tal lapso temporal não poderá ser tão longo que
permita uma continuidade dos critérios anteriores que comprometa o
interesse geral subjacente à economia de recursos públicos.
Uma última nota diz com os efeitos que podem advir do não
cumprimento, pelo decisor, do dever de fixar regra de transição. Na
redação original do projeto aprovado pelo Congresso Nacional, a
ART. 23 87

LINDB previa uma solução negociada entre o decisor e os particulares


alcançados pela decisão. De tal sorte que se a decisão já não contivesse
a delimitação da transição, sobreviria um direito subjetivo-público aos
atingidos para transacionar tal modulação. O dispositivo foi vetado.
Daquele modo, se a decisão enquadrada nos requisitos acima
explicados viesse desacompanhada da regra de transição, o atingido
poderia provocar o decisor para que se pactuasse uma transição
específica, considerando as particularidades do caso. Sem essa faculdade,
resulta que a decisão continente de uma interpretação nova que crie
obrigação ou condicionamento a direito, mas que não contemple regra de
transição será nula, por descumprimento da exigência legal. Desse modo,
por exemplo, se a ANTT edita resolução que inova na interpretação
que confere à modicidade de tarifas e fretes, fixando valores tabelados
e determina vigência imediata sem prever, nessa mesma decisão, uma
regra de transição, a consequência é que essa norma será nula, por
violação ao disposto no art. 23 da LINDB, sem alternativas para sua
eficácia ser preservada.
PÁGINA EM BRANCO

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Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial,
quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma admi-
nistrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as
orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança
posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente
constituídas.
Caput acrescentado pela Lei nº 13.655, de 25.04.2018.

Seguindo os quadrantes do disposto no art. 23, o art. 24 reconhece


às interpretações conferidas pelas entidades públicas efeitos norma-
tivos. Razão pela qual impõe que tal alteração interpretativa deva
deferência aos atos jurídicos perfeitos. Consagra, pois, a um só tempo,
a segurança jurídica como estabilidade; como previsibilidade; e como
proporcionalidade. Para além disso, se encontra em plena consonância
com a jurisprudência do STF, de acordo com o qual “os contratos – que
se qualificam como atos jurídicos perfeitos (RT 547/215) – acham-se
protegidos, em sua integralidade, inclusive quanto aos efeitos futuros,
pela norma de salvaguarda constante do art. 5º, XXXVI, da Constituição
da República”.200
Em breve síntese, o dispositivo que se comenta interdita que o
processo administrativo invalidador se arvore na retroatividade das
interpretações emanadas pelos Poderes Públicos. Nada mais isonômico.
Explicamos. De acordo a jurisprudência do STF, as leis ordinárias e
as normas constitucionais podem apresentar três graus distintos de
retroatividade, a saber: máxima, média e mínima.201 A retroatividade
máxima – também chamada restitutória – se dá quando a lei nova
retroage para atingir os atos ou fatos já consumados; isto é, aqueles
protegidos pelo direito adquirido, ato jurídico perfeito ou até mesmo
a coisa julgada. A retroatividade média, por sua vez, se opera quando
a nova lei, sem alcançar os atos ou fatos anteriores, atinge os seus
efeitos ainda pendentes. Por fim, a retroatividade mínima – também
chamada de temperada ou de mitigada – se verifica quando a novel
legislação incide imediatamente sobre os efeitos futuros dos atos ou fatos

200
BRASIL. STF. RE nº 204.769, Primeira Turma, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado
em 10.12.1996.
201
Cf.: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Gustavo Gonet.
Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 473. ADI nº 493. Rel. Ministro
Moreia Alves. Tribunal Pleno. Julgamento: 25.06.1992. DJ 01.07.1992. No mesmo sentido:
RE nº 362.584/DF. Rel. Ministra Ellen Gracie. Primeira Turma. Julgamento: 02.12.2002. DJ
14.03.2003
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
90 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

pretéritos. Portanto, nos quadrantes da jurisprudência do STF, não se


afigura constitucional nem mesmo o diploma normativo que produza
efeitos atrelados à retroatividade mínima.202 Ora, se a lei editada pelo
parlamento se submete ao limite da irretroatividade, assim, também,
deve se passar com as interpretações proferidas por entidades públicas.
Cuida-se de um característico intrínseco à segurança jurídica.
Nesse quadrante, Luciano Ferraz203 aponta que duas das principais
diretrizes impostas ao Poder Público, com o desiderato de proteger a
esfera jurídica dos administrados, em face dos efeitos produzidos pela
retroatividade dos atos estatais, são, justamente: (i) a irretroatividade
das leis e demais atos estatais, bem assim de interpretações já realizadas
pelos órgãos administrativos e judiciais acerca da legislação aplicável;
e (ii) o dever de o Estado dispor sobre regras transitórias em razão de
alterações abruptas de regimes jurídicos setoriais (v.g., ordem econômica,
exercício profissional, servidores públicos).
Ambas as vertentes são disciplinadas pelos arts. 23 e 24 da Lei nº
13.655/2018, que ora se comentam. O primeiro dispositivo, como visto,
impõe o dever de o Poder Público instituir um regime de transição,
que propicie que o particular possa se adaptar aos efeitos jurídicos
produzidos pela nova interpretação. E o segundo, que ora se comenta,
interdita que a interpretação retroaja para o efeito de servir à análise
da validade de atos jurídicos.
O dispositivo ora comentado não apresenta racional novida-
deiro. O art. 2º, parágrafo único, XIII, da Lei nº 9.784/1999, interdita a
retroatividade das interpretações administrativas,204 dispositivo que

202
BRASIL. STF. ADI nº 493, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 04.09.92.
203
FERRAZ, Luciano. Segurança jurídica positivada: interpretação, decadência e prescritibilidade.
Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 8, n. 30, p. 19-42, jul./set.
2010.
204
Sobre o tema, Maria Sylvia Di Pietro leciona que: “Como participante da Comissão de
juristas que elaborou o anteprojeto de que resultou essa lei [Lei nº 9.784/99], permito-me
afirmar que o objetivo da inclusão desse dispositivo foi o de vedar a aplicação retroativa
de nova interpretação de lei no âmbito da Administração Pública. Essa ideia ficou
expressa no parágrafo único, inciso XIII, do artigo 2º, quando impõe, entre os critérios
a serem observados, “interpretação da norma administrativa da forma que melhor
garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa” (DI
PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2017, p. 156 a 86).
No Estado do Rio de Janeiro, o art. 2º, §1º, XII, da Lei nº 5427/2009 prescreve em sentido
semelhante, de acordo com qual “interpretação da norma administrativa da forma que
melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada a aplicação retroativa
de nova interpretação, desfavorável ao administrado, que se venha dar ao mesmo tema,
ressalvada a hipótese de comprovada má-fé”; No mesmo sentido. MOREIRA NETO, Diogo
de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 136. PIRES,
Maria Coeli Simões. Direito adquirido e ordem pública: segurança jurídica e transformação
ART. 24 91

tem sido, reiteradamente, aplicado pela jurisprudência pátria205 e pela


jurisprudência administrativa do TCU.206 Do mesmo, o art. 100, III,
parágrafo único, do CTN chega a determinar a exclusão das multas
tributárias na hipótese em que o contribuinte confiou em práticas
reiteradas da Administração Pública. E o seu art. 146, por sua vez,
estabelece que a mudança de interpretação da Administração Pública só
será aplicável para fatos geradores vindouros. A lógica que permeia os
referidos dispositivos é a de interditar comportamentos contraditórios

democrática. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 284-286. MARRARA, Thiago. A boa-fé do
administrado e do administrador como fator limitativo da discricionariedade administrativa.
RDA – Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 259, p. 207-247, jan./abr. 2012.
FERRAZ, Luciano. Termo de ajustamento de gestão e o alerta previsto no art. 59, §1º, da
Lei de Responsabilidade Fiscal: dez anos depois. Revista Técnica dos Tribunais de Contas –
RTTC, Belo Horizonte, ano 1, n. 0, set. 2010.
205
Como se extrai da seguinte decisão do STF de acordo com “a jurisprudência desta Suprema
Corte, fundada nos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, reputa
inviável a aplicação retroativa da interpretação restritiva da Súmula nº 96/TCU assentada
por meio do Acórdão nº 2024/2005 do Plenário do Tribunal de Contas da União. Agravo
regimental conhecido e não provido”. (MS nº 28223 AgR-segundo, Relator(a): Min. ROSA
WEBER, Primeira Turma, julgado em 24.03.2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-068
DIVULG 04-04-2017 PUBLIC 05-04-2017) (g.n). No mesmo sentido, o Superior Tribunal
de Justiça já teve a oportunidade de deixar assentado que “Com efeito, a revisão posterior
desse entendimento afronta a boa-fé dos interessados, o princípio da confiança, bem como
malfere os motivos determinantes do ato, os quais se reportaram à efetiva incidência
do inciso III do §3º do art. 87 da Lei n. 9.394/1996 – LDB, bem como para atender ao
contido no Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei n. 10.172/2001, dentro da
denominada ‘Década da Educação’”. (REsp nº 1498719/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES,
PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08.11.2017, DJe 21.11.2017). É, também, nesse sentido, a
jurisprudencia dos tribunais regionais: TRF-1 – AMS: 38878 DF 2003.34.00.038878-6, Relator:
DESEMBARGADOR FEDERAL ANTÔNIO SÁVIO DE OLIVEIRA CHAVES, Data de
Julgamento: 03.06.2009, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: 21.07.2009 e-DJF1 p. 30.
TRF-2 – AGTAMS: 43996 2002.02.01.027491-5, Relator: Desembargador Federal FERNANDO
MARQUES, Data de Julgamento: 06.05.2003, QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJU –
Data::22.07.2003 – Página::71. TJRJ, Apelação nº 0024140-79.2014.8.19.0042, Desembargador
relator Fernando Foch de Lemos Arigony Da Silva, Terceira Câmara Cível, DJ 04.04.2018.
TJSP; Apelação 3000879-62.2013.8.26.0272; Relator (a): Renato Delbianco; Órgão Julgador:
2ª Câmara de Direito Público; Foro de Itapira – 1ª Vara; Data do Julgamento: 10.02.2015;
Data de Registro: 13.03.2015.
206
Em julgamento ocorrido sob a relatoria do Ministro Raimundo Carreiro, aquele Tribunal
entendeu que o novo entendimento do TCU não teria aplicabilidade imediata à ata de registro
de preços ali discutida, modulando seus efeitos para atendimento das providências pelo
embargante. Veja-se: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM FACE DE DETERMINAÇÃO
DO TRIBUNAL EXPEDIDA EM PROCESSO DE REPRESENTAÇÃO ACERCA DA FIGURA
DO CARONA EM ATA DE REGISTRO DE PREÇOS. IMPUGNAÇÃO QUE BUSCA A
FIXAÇÃO DE PRAZO A PARTIR DO QUAL DEVE PRODUZIR EFEITOS A DECISÃO
DO TRIBUNAL. CONHECIMENTO. PROVIMENTO. PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA
JURÍDICA E DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA. VEDAÇÃO À APLICAÇÃO RETROATIVA
DE NOVA INTERPRETAÇÃO. MODULAÇÃO PRO FUTURO DOS EFEITOS DA DECISÃO
DO TCU. PRECEDENTES” (TCU 00383720122, Acórdão nº 2745/2012, Relator: RAIMUNDO
CARREIRO, Data de Julgamento: 10.10.2012).
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
92 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

do Poder Público – non procedit venire contra factum proprium207 –, um


dos consectários da segurança jurídica que, como destacado por Juan
Carlos Cassagne,208 visa a rechaçar “la actuación de la Administración
que pretende, para beneficiarse a costa del contratista, desconocer o
contradecir sus actos o hechos anteriores legítimos”.
O dispositivo que ora se comenta, porém, vai além, pois que serve
de limite para anulação de atos, com lastro nos efeitos retroativos das
novas interpretações. Cuida-se de dispositivo que poderá ter relevante
aplicação, nas hipóteses de alterações das interpretações proferidas
pelas entidades controladoras, notadamente do TCU. Isso porque
o §2º do art. 1º da Lei nº 8.443/1992 (Lei que dispõe sobre o regime
interno do Tribunal de Contas da União), prescreve que “a resposta à
consulta a que se refere o inciso XVII deste artigo tem caráter normativo
e constitui prejulgamento da tese, mas não do fato ou caso concreto”.
Nesse quadrante, como bem destacado por André Janjácomo Rosilho,209
caso o TCU revisse a sua posição sobre determinado tema, por diversas
vezes, sem a devida fundamentação, ou revisse a sua resposta à consulta
anterior, sem especificar se seu novo pronunciamento produziria efeitos
ex nunc, poderia fomentar o entendimento de acordo com o qual os
jurisdicionados que tivessem agido com base na antiga resposta do
Tribunal poderiam ser sancionados.
Estamos de pleno acordo com o autor. Afinal, se, no Direito,
vigora, com predominante aceitação, o brocardo tempus regit actum, no
que respeita à vigência da lei no tempo, outro não pode ser o viés de
exame da legalidade dos atos jurídicos que produziu efeitos arvorados
na interpretação superada. Juliana Bonacorsi de Palma,210 ao comentar a

207
Sobre o tema, veja-se Anderson Schreiber: “Mais que contra a simples coerência, atenta o
venire contra factum proprium à confiança despertada na outra parte, ou em terceiros, de
que o sentido objetivo daquele comportamento inicial será mantido, e não contrariado.”
SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento contraditório: tutela da confiança e
venire contra factum proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 91. No mesmo sentido,
v. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 15 ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2009, p. 119-120 Cuida-se de vedação amplamente reconhecida pela
jurisprudência pátria, a exemplo do ficou decidido em MS nº 31695 AgR/DF – DISTRITO
FEDERAL AG.REG. EM MANDADO DE SEGURANÇA Relator(a): Min. CELSO DE
MELLO Julgamento: 03.02.201. Órgão Julgador: Segunda Turma. E STJ. RMS nº 20572/
DF. Relatora Ministra: Laurita Vaz (1120) T5 – Quinta Turma. DJe 15.12.2009).
208
CASSAGNE, Juan Carlos. El contrato administrativo. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1999, p.
72-73.
209
ROSILHO, André Janjácomo. Controle da Administração Pública pelo Tribunal de Contas da
União. Tese de doutorado defendida na Faculdade de Direito da USP em 2016.
210
Disponível em: http://www.sbdp.org.br/wp/wp-content/uploads/2018/04/PALMA-Juliana-
A-proposta-de-lei-da-seguran%C3%A7a-jur%C3%ADdica.pdf.
ART. 24 93

referida previsão, assevera que sobre um mesmo fato pode incidir um


conjunto de preceitos e orientações gerais em um momento inicial (t0)
e outro conjunto marcadamente distinto em momento posterior (t1).
De modo que o dispositivo “versa exatamente sobre um ato perfeito,
válido e eficaz praticado no momento inicial (t0). Poderia ele ser
controlado em momento posterior (t1) considerando as novas normas
e orientações que sobrevieram, produzindo efeitos ex tunc? É isso o
que está em discussão”.211
Mais que isso, cuida-se de dispositivo que introduz um novo
racional decisório aos procedimentos administrativos invalidadores. De
fato, um ato pode ser declarado inválido: (i) se afrontar, diretamente, a
Constituição; e (ii) se estiver em desacordo com o ordenamento jurídico
em vigor. Mas isso não significar dizer que os atos jurídicos constituídos
possam ter a sua validade questionada com base na mudança de
interpretação do decisor a propósito da sua compatibilidade com a
Constituição ou com o ordenamento jurídico. E isso por suas ordens
de razão. A uma, porquanto, consoante a garantia da irretroatividade
prevista no art. 5º, XXXVI, CRFB, as novas interpretações das entidades
públicas (em razão da sua força normativa) não podem servir de
fundamento para decretação de nulidade dos atos jurídicos perfeitos. A
duas, na medida em que integra o patrimônio das partes que celebraram
negócios jurídicos o direito de ter a sua validade aferida com base na
interpretação vigente à época da sua celebração; cuida-se, por assim
dizer, de um “direito adquirido” que o art. 24 visa a tutelar.
A título exemplificativo, cogite-se da hipótese em que a deter-
minado agente econômico foi conferido um título habilitante para a
exploração de uma atividade de relevante interesse coletivo, com base
em jurisprudência administrativa consolidada no sentido de que, para
tal, seria desnecessária a realização de procedimentos licitatórios. E que,
depois da exploração de tal atividade por dez anos, tal entendimento

211
Também são elucidativos, sobre o tema, os ensinamentos de Jacintho Arruda Câmara,
para quem “O dispositivo em análise determina que novo entendimento geral não deve
retroagir e impõe consequência relevante para as situações em que ele venha a colidir
com decisão administrativa já consumada. Em síntese, o art. 24 impede que decisão
administrativa seja anulada (invalidada, na linguagem adotada pela lei) com fundamento
em nova interpretação geral. Dito de outro modo: a LINDB passou a reconhecer que decisão
administrativa proferida em conformidade com o entendimento jurídico geral adotado em
sua época deve ser considerada válida mesmo que, no futuro, a interpretação sobre o Direito
vigente mude, e ela se mostre contrária ao novo padrão de orientação jurídica” (CÂMARA,
Jacintho Arruda. O art. 24 da LINDB. Irretroatividade de nova orientação geral para anular
deliberações administrativas. Revista de Direito Administrativo – RDA. Edição especial. Lei
de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2018, p. 117).
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
94 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

administrativo tenha restado alterado, por intermédio de decisão


administrativa, a partir da qual se consagrou o entendimento no sentido
de que o procedimento licitatório seria inerente a tal modalidade de
autorização. Nessa hipótese, de acordo com o regime jurídico trazido
pelo artigo em comento, o seu título habilitante não poderá ser declarado
inválido, considerando que está em consonância com interpretação
jurídica consolidada à época de sua celebração.
Mais um exemplo. É usual que decisores, anos após a celebração
de contratos de concessão, questionem a modelagem de equilíbrio
econômico-financeiro de tais ajustes, seja ao argumento de que a taxa de
rentabilidade do concessionário seria exorbitante (frente à mudança das
condições econômicas do país), seja desqualificando o Plano de Negócios
(PN) apresentado para o Concessionário, para fins de restauração do
crivo de reequilíbrio (passando-se a impor a utilização da metodologia
do Fluxo de Caixa Marginal, por exemplo). Em casos tais, o art. 24
criaria o ônus para o decisor de analisar a validade da conduta dos
concessionários nos quadrantes das interpretações gerais da época de
sua consumação, interditando-se a declaração de sua invalidade, com
base na nova interpretação.212
Mas isso tudo não importa dizer que as autoridades decisoras
restarão aprisionadas às suas interpretações. Até mesmo porque a
cambialidade é da essência da interpretação jurídica. Na verdade, tal

212
Um interessante exemplo é de aplicação do dispositivo é suscitado por Gabriela Engler a
propósito dos aditivos celebrados pela ARTESP, em 2006, com diversas concessionárias de
rodovias. De acordo com a referida autora, “Da perspectiva jurídica, em resumo, o caso dos
‘aditivos de 2006’ trata da anulação de ato administrativo bilateral (os TAMs), transcorridos
vários anos de sua celebração, para rever metodologia de cálculo de desequilíbrio
contratual – que foi realizado com base nas receitas projetadas das concessionárias quando,
no entendimento da ARTESP, deveria ter sido feito a partir da demanda real de veículos
das rodovias. É certo que não haverá consenso sobre qual a metodologia ‘correta’ ou que
deveria ser utilizada para calcular os desequilíbrios: as concessionárias sempre defenderam
e defenderão que o cálculo feito tomou por base a metodologia comumente utilizada
pela ARTESP e a agência sempre sustentou e sustentará que o cálculo feito nos aditivos
de 2006 foi inadequado e lesou o erário. Para além da discussão binária, existe inclusive
reflexão sobre melhores práticas na utilização de elementos aleatórios nos processos de
reequilíbrio – como é a demanda –, que surgiu justamente a partir de reflexão sobre o caso
dos ‘aditivos de 2006’. Justamente esse tipo de entendimento, aperfeiçoado juridicamente,
que é objeto de proteção da Lei 13.655/18. O sentido de ‘segurança jurídica’ resguardado
pela nova legislação é esse: proteger atos que, legitimados à época de sua entabulação,
não podem ser revistos posteriormente sob o argumento de que a nova visão, ensejadora
da revisão, é melhor ou mais adequada em alguma medida” (PINTO, Gabriela Engler. O
caso da anulação dos aditivos de 2006 pela ARTESP: seria diferente à luz da nova Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro?. Disponível em: http://www.portugalribeiro.
com.br/o-caso-da-anulacao-dos-aditivos-de-2006-pela-artesp-seria-diferente-a-luz-da-nova-
lei-de-introducao-as-normas-do-direito-brasil).
ART. 24 95

dispositivo só visa a conferir previsibilidade para as suas mudanças


interpretativas. E, na ponta, dar concretude à incidência da boa-fé nas
relações administrativas. Quem sabe, no futuro, o passado passe a ser
mais previsível.

Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações


e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em
jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas
por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.

O texto da norma é ilustrativo. Ele tem por desiderato assegurar


o vetor previsibilidade da segurança jurídica, pois que prescreve que a
interpretação na qual o particular tenha depositado suas expectativas
deve ser reiterada e amplamente divulgada. Cuida-se de consagrar, como
bem exposto por Humberto Ávila,213 o racional de acordo com o qual
“a proteção da confiança será tanto maior for o grau de existência dos
elementos normativos, pertinentes à situação fática (base da confiança),
quais sejam a vinculatividade, a aparência de legitimidade do ato, a
modificabilidade, efetividade, indução, onerosidade e durabilidade”
Nesse quadrante, temos que devem ser considerados como atos
gerais, para efeito de aplicação do referido dispositivo, as interpretações
administrativas veiculadas em normativos editados por determinada
entidade (a exemplo de uma norma editada por uma agência reguladora),
em resposta a consultas administrativas (como as respondidas pelo
Tribunal de Contas da União), em súmulas administrativas (a exemplo
das editadas pela Receita Federal, para delimitar a configuração de um
fato gerador) e em decisões administrativas das quais não caibam mais
recursos. No âmbito dos procedimentos judiciais, deverão ser conside-
radas interpretações veiculadas em “atos gerais” as consubstanciadas
em decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado
de constitucionalidade; em enunciados de súmula vinculante; em
acórdãos, em incidente de assunção de competência ou de resolução
de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e
especial repetitivos; em enunciados das súmulas do Supremo Tribunal
Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça
em matéria infraconstitucional; e a orientação do plenário ou do órgão
especial aos quais estiverem vinculados (art. 927 do CPC 2015).

213
ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 417.
PÁGINA EM BRANCO

JulianoHeinen_ComentariosaLeideAcesso_1ed_jan14_MIOLO_GRAFICA.indd 2 24/01/2014 10:57:38


Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação
contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de
expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do
órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e
presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com
os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá
efeitos a partir de sua publicação oficial.
Caput acrescentado pela Lei nº 13.655, de 25.04.2018.

Um paradigma é considerado bem-sucedido pelo tempo de sua


dominância. Acontece que, com o passar do tempo, o paradigma é
acometido por anomalias. É dizer, por alguns resultados que não podem
ser explicados por seu intermédio. Na maioria das vezes, tais anomalias
são ignoradas, ou mesmo deixadas de lado. E isso tem uma razão de
ser bem mais humana do que científica. Imagine-se um cientista que
construiu toda a sua carreira (e obteve seus júbilos e láureas) com base
em um paradigma. Não é nada fácil, para ele, simplesmente, assumir
que todos os anos da sua vida que foram dedicados à pesquisa serão
jogados fora, em razão de seu paradigma ter sido acometido por uma
anomalia.
Daí a compreensível resistência à quebra de paradigmas. Nada
obstante, há momentos em que as anomalias começam a se acumular.
Passam a ser notadas por diversos pesquisadores, em vários lugares
do mundo. Nesse quadrante, a defesa da manutenção do paradigma
pode virar “teimosia”, perder o caráter científico – instalam-se, pois,
as crises dos paradigmas. Cuida-se de um período de turbulência que
pode durar décadas, até séculos. Isso porque à comunidade científica
é preferível manter-se afiliada a um paradigma – ainda que ele não se
sustente mais – do que ficar sem nenhum. Assim é que a quebra de um
paradigma se dá quando um modelo alternativo é proposto. Quando
um modelo mais robusto é apresentado, capaz de corrigir as anomalias
apresentadas. Dito em termos direitos: um paradigma só é deposto pelo
surgimento de um novo paradigma.
E assim se passa com alguns institutos Direito. Não se desconhece
que a doutrina é fonte do direito. Mas isso não importa dizer que o direito
possa restar aprisionado a ensinamentos doutrinários. Nada obstante,
assim se passou, com especial pujança, com o direito administrativo. A
maior parte dos seus institutos teve os seus regimes jurídicos cunhados
a partir das lições doutrinárias que tiveram origem, no final do século
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
98 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

XIX, lastreadas no racional de um regime jurídico-administrativo


(caracterizado por relações verticalizas e pautado em prerrogativas
publicísticas).214 É dizer, boa parte de seus paradigmas arvora-se em
entendimentos doutrinários. O exercício do poder extroverso estatal,
também conhecido como police administrative na França – que orientou
os quadrantes do poder de polícia no Brasil – e, como police power, nos
Estados Unidos,215 é um exemplo saliente dessa influência.
Malgrado a sua gênese esteja atrelada à submissão da Adminis-
tração à legalidade (no auge de um Estado Liberal), as principais
características que lhe foram atribuídas, pela doutrina, lhe conferiram
um viés arbitrário. Ancorada no atendimento do indeterminável
interesse público (decorrente do regime jurídico-administrativo), a
Administração Pública estaria autorizada a limitar direitos individuais
em prol dos interesses da coletividade. Isso porque, como destacado
por Caio Tácito,216 “essa faculdade administrativa não violenta o
princípio da legalidade, porque é da própria essência constitucional
das garantias do indivíduo a supremacia dos interesses da coletividade.
Não há direito público subjetivo absoluto no Estado moderno”. Para
tal desiderato, tal função pública seria detentora das características
da discricionariedade (podendo ser exercida sob critérios de conve-
niência e oportunidade), da autoexecutoriedade (prescindindo, pois,
a Administração Pública da interveniência do Poder Judiciário para o

214
No Brasil, tal concepção teve como um de seus principais expoentes a obra Elementos de direito
administrativo, de Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem: “O que importa sobretudo
é conhecer o direito administrativo como um sistema coerente e lógico, investigando
liminarmente as noções que instrumentam sua compreensão sob uma perspectiva unitária.
(...) A este sistema, reportado ao direito administrativo, designamos regime jurídico-
administrativo” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. 1.
ed. 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981 (1. tir.: 1980).
215
Como bem esclarece Gustavo Kaercher Loureiro: “O direito norte-americano intensificou
e potencializou antigas doutrinas da common law que, em certos casos, asseguravam ao
Estado um poder de polícia tonificado, que desaguava em diferentes formas de regulação
‘invasiva’ (para os padrões liberais), como aquela concorrencial (de aplicação geral) e outra
(de aplicação especial), incidente em algumas atividades econômicas particularmente
sensíveis do ponto de vista social e que, contemporaneamente, apresentavam certas
disfunções (estruturais ou conjunturais). De regra, a resposta norte-americana não consistia
em ‘publicizar’ a atividade econômica em questão, mas em submetê-la a uma disciplina
jurídica peculiar, que incluía controle de preços, padrões do serviço e fiscalização estrita e
abrangente, realizada por entidades dotadas de poderes normativos, fiscalizatórios e quase
jurisdicionais (as agências): era o modelo da regulation of publicutilities, em desenvolvimento
intenso desde o final do século XIX” (LOUREIRO, Gustavo Kaercher. “Monopólio” e “serviço
público” nas Constituições brasileiras (1891-1934). Revista de Direito Administrativo – RDA,
Rio de Janeiro, v. 256, p. 47-93, jan./abr. 2011).
216
TÁCITO, Caio. O poder de polícia e seus limites. Revista de Direito Administrativo – RDA,
v. 27, p. 2, 1952.
ART. 26 99

seu exercício) e da coercitividade (pelo que poderia ser imposta aos


particulares, independentemente de sua anuência217).
Outro paradigma atrelado ao exercício da função extroversa
diz com a unicidade do regime jurídico dos títulos habilitatórios
de consentimento estatal. É dizer, ao longo do tempo, defendeu-se
o entendimento de acordo com o qual as autorizações seriam atos
discricionários, unilaterais e precários, ao passo que as licenças seriam
atos administrativos vinculados e estáveis.218 Mais que isso, chegou-se
a defender, com vigor, o entendimento de acordo com o qual “o Texto
Constitucional usa as expressões ‘autorização, concessão ou permissão’,
por uma insuficiência técnica. Deveria ter-se referido a ‘concessão ou
permissão’, pois a autorização diz respeito a atividades privadas que
supõem, para seu exercício, prévia manifestação aquiescente do Poder
Público”.219
Cuida-se de entendimentos que não resistiram, em primeiro
lugar, aos influxos trazidos pela Constituição de 1988. Razão pela qual
autores da envergadura de Odete Medauar220 levaram a efeito uma
releitura de tal função, de sorte a lhe atribuir as seguintes características:

217
Atributos que bem sendo reconhecidos pela jurisprudência pátria, a exemplo do seguinte
julgado do TJDF, do qual se extrai o seguinte julgado: “O poder de polícia tem como atributos
específicos a discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade. Logo, a provocação
do judiciário constitui verdadeira faculdade da administração pública no exercício deste
poder. Não são passíveis de indenização as benfeitorias empreendidas em imóvel quando,
consideradas as características de área e a sua natureza de reserva ambiental, não podem
ser reputadas úteis ou necessárias, nos termos do art. 516 do código civil. Para o pretendido
ressarcimento pelos danos que a edificação da obra teria causado ao equilíbrio ambiental –
pedido formulado em sede de reconvenção pelo Distrito Federal – é indispensável a prova
da ocorrência dos danos. A responsabilidade objetiva do agente poluidor só dispensa a
prova do elemento volitivo, exigindo, contudo, a comprovação do prejuízo causado e do
nexo entre a conduta e a lesão” (TJDFT, APC nº 19980110179936, 4ª Turma Cível, Rel. Des.
Sérgio Bittencourt, DJ 19.02.2003). No mesmo sentido, V. MEIRELLES, Hely Lopes. Poder
de polícia e segurança nacional. Brasília: Revista Jurídica Virtual, 2002.
218
Conceito que foi cunhado, no Brasil, por Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, para quem
“Autorização é o ato administrativo discricionário, unilateral, pelo qual se faculta, a título
precário, o exercício de determinada atividade material, que sem ela seria vedado. A
respeito, é de se recordar o porte de armas: salvo os agentes encarregados da segurança
pública, ninguém mais pode trazer consigo armas sem prévia autorização da repartição
policial competente. O atendimento ao pedido do interessado, entretanto, fica a critério
da Administração Pública, tendo em vista considerações de conveniência e oportunidade
públicas” (Princípios gerais de direito administrativo. Introdução vol. I. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2007, p. 560-561).
219
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 13. ed. São Paulo:
Malheiros, 2001, p. 608
220
MEDAUAR, Odete. Poder de polícia: origem, evolução, crítica à noção, caracterização. In:
MEDAUAR, Odete; SCHIRATO, Vitor Rhein (Coord.). Poder de polícia na atualidade. Belo
Horizonte: Fórum, 2014, p. 24-25.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
100 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

(i) se submete a um regime jurídico de direito público; (ii) é regida


pelos princípios da legalidade, da impessoalidade, da publicidade e,
mais recentemente, pelo princípio da proporcionalidade; (iii) deve ser
exercida de acordo com o princípio pro libertate, posto que não pode
significar a interdição, geral e absoluta, do exercício de um direito; e
(iv) deve observância ao devido processo legal. E, em segundo lugar,
à função reguladora, que passou a ser exercida, pela Administração
Pública, seja em razão do seu viés de processualização dos interesses
enredados em determinado sistema econômico, seja em razão da sua
necessária estabilidade – por ser insulada de influências políticas
(designada de regulatory commitment).221 Nesse quadrante, pautado pela
densificação normativa da função reguladora, o ordenamento jurídico
pátrio caminhou na firme trilha de desconstruir o dogma doutrinário
de acordo com o qual as designações de um ato administrativo, como
licença e autorização, seriam critérios prestantes a qualificar um ato de
polícia como discricionário ou vinculado. São exemplos dessa “quebra de
paradigmas” a autorização vinculada, serviente a franquear a exploração
dos serviços de telecomunicações,222 no regime privado, prevista no art.
131 da Lei nº 9.472/1997, bem como a Licença Ambiental, prevista na
Lei Complementar nº 140/2011, que não poderia ser mais discricionária.
Nessa mesma direção da superação dos paradigmas construídos a
propósito do exercício do poder extroverso, passa a vigorar o art. 26 da
Lei nº 13.655/2018, que ora se comenta. Cuida-se de relevante previsão
da introdução do consenso no exercício no poder extroverso estatal.223
Isso porque a consagração da consensualidade no direito brasileiro é
um movimento que tem sido levado a efeito de forma segmentada.224

221
Isso por que, como já se teve a oportunidade de asseverar: “A função reguladora, por certo, é
mais ampla do que a função ordenadora. Ela não se limita à utilização do poder extroverso
estatal para restringir direitos individuais. Definitivamente, não é esse o propósito da
regulação. A função reguladora se utiliza do poder extroverso como a última ratio para a
ponderação dos interesses dos subsistemas regulados. Mas não é só. O exercício da função
reguladora pressupõe a permeabilidade processualizada dos interesses dos agentes regulados,
ao passo que a função ordenadora em sentido estrito insula o cidadão de sua formulação – a
qual fica restrita ao aparato burocrático estatal” (FREITAS, Rafael Véras de. Expropriações
regulatórias, op. cit., p. 123).
222
Sobre o tema, V. CÂMARA, Jacintho Arruda. As autorizações da Lei Geral de Telecomunicações
e a Teoria Geral do Direito Administrativo. Revista de Direito de Informática e Telecomunicações –
RDIT, Belo Horizonte, ano 2, n. 3, p. 55-68, jul./dez. 2007.
223
SCHIRATO, Vitor Rhein; PALMA, Juliana Bonacorsi de. Consenso e legalidade: vinculação
da atividade administrativa consensual ao direito. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP,
Belo Horizonte, ano 7, n. 27, out./dez. 2009.
224
Embora já se conte com destacadas manifestações jurisprudenciais, a exemplo do que se
passou no julgamento do RE nº 23885/MG, do Supremo Tribunal Federal, do qual se extraí
o seguinte excerto: “Poder Público. Transação. Validade. Em regra, os bens e o interesse
ART. 26 101

Nas últimas décadas, vários atos normativos previram formas de


materialização da consensualidade administrativa, como a previsão de
consultas e audiências públicas prévias à edição de normativos, bem
como uma plêiade de dispositivos que disciplinaram espécies díspares
de acordos substitutivos. A nova LINDB (Lei nº 13.655/2018), por
intermédio de seu art. 26, dá um importante passo para a consagração
definitiva desse vetor no Direito brasileiro.
Nesse quadrante, temos que duas são as características de tal
função que restaram superadas, a partir da vigência de tal dispositivo.
A primeira, de que o poder de polícia seria, necessariamente, coercitivo.
É que, de acordo com o novel diploma, o administrado é chamado a
participar da formação da decisão de polícia – o que, de resto, já poderia
ser extraído da vertente da processualização, prevista no art. 5º, inciso
LV, da CRFB, e do parágrafo único do art. 78 do CTN. Mais que isso,
supera-se o entendimento (mais caracterizado como uma prerrogativa)
de acordo com o qual o poder extroverso deveria ser exercido ao interno
da burocracia.
A segunda, de que tal função seria sempre discricionária. Assim
já não se passava, já que casos há em que o exercício de tal função é
predominantemente vinculado (a exemplo do regime jurídico do registro
para o porte de armas, previsto no art. 4º da Lei nº 10.826/2003). Nada
obstante, por intermédio do art. 26, cogita-se que, à medida que a função
de polícia passa a ser permeada pelos interesses da sociedade, a sua
discricionariedade passará a ser bem reduzida – ou, quando menos, os
atos administrativos delas decorrentes passarão a ser, objetivamente,
controláveis.
É de registrar, porém, que não é qualquer compromisso de que
trata o art. 26 que terá de ser submetido à Consulta. É que, se, de um lado,
a Consulta opera conferindo maior legitimidade a tal instrumento, por
outro, poderá importar em dispêndio de tempo e de recursos públicos,
seja por que ela tem custos de operacionalização, seja por que as contri-
buições dela decorrentes podem não ser relevantes, para a celebração
do instrumento negocial. Nesse quadrante, estamos de acordo com

público são indisponíveis, porque pertencem à coletividade. É, por isso, o Administrador,


mero gestor da coisa pública, não tem disponibilidade sobre os interesses confiados à sua
guarda e realização. Todavia, há casos em que o princípio da indisponibilidade do interesse
público deve ser atenuado, mormente quando se tem em vista que a solução adotada pela
Administração é a que melhor atenderá à ultimação deste interesse. Assim, tendo o acórdão
recorrido concluído pela não onerosidade do acordo celebrado, decidir de forma diversa
implicaria o reexame da matéria fático-probatória, o que é vedado nesta instância recursal
(Súm. 279/STF). Recurso extraordinário não conhecido”.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
102 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

Sérgio Guerra e Juliana Bonacorsi de Palma,225 para quem a realização de


Consultas Públicas será adequada nos casos de: (i) negociação de altos
valores, como nos acordos de investimento bilionários; (ii) desenho de
cláusulas com impactos concorrenciais, econômicos ou que importarem
em escolha daqueles que se beneficiarão dos benefícios gerados pelo
compromisso; (iii) sensibilidade social, política ou humanitária do
compromisso, inclusive quanto à desconfiança ética das tratativas; e
(iv) em casos cujo cenário do compromisso seja complexo e de difícil
mapeamento dos interesses em jogo.
Ademais disso, temos que o dispositivo em comento servirá
como um permissivo genérico para a celebração de acordos, no âmbito
da função de polícia administrativa. Explicamos. Como já se teve a
oportunidade de asseverar com Juliana Bonacorsi de Palma,226 o poder
público dispõe de uma miríade de modelos de acordos dos quais se
pode valer no seu atuar. Para o que aqui importa, é de se destacar os
acordos integrativos, os acordos substitutivos e os acordos complementação.
Os acordos integrativos têm por desiderato viabilizar a edição de um ato
administrativo unilateral, de modo mais harmônico, com as necessi-
dades do caso concreto ou com as características de seu destinatário.
Assim é que, nessa modalidade, há a negociação do conteúdo do ato
unilateral com os particulares. Os acordos substitutivos, por sua vez, são
vocacionados à substituição do processo administrativo sancionador ou
da própria sanção, a depender do regime jurídico previsto em lei. Os
acordos complementação, por sua vez, têm por desiderato complementar,
por meio do consenso, o ato administrativo final que será produzido.
O art. 26 endereça soluções para essas três espécies de acordos. Em
sua parte inicial, servirá como um permissivo genérico para a celebração
dos acordos integrativos, ao permitir a celebração de compromissos
“inclusive no caso de expedição de licença”. Cuida-se de dispositivo
com similar racional ao disposto no art. 135 da Lei nº 9.472/1997 (Lei
Geral de Telecomunicações), de acordo com o qual “a Agência poderá,
excepcionalmente, em face de relevantes razões de caráter coletivo,
condicionar a expedição de autorização à aceitação, pelo interessado, de

225
GUERRA, Sérgio. PALMA, Juliana Bonacorsi. Art. 26: novo regime jurídico de negociação
com Administração Pública. Revista de Direito Administrativo – RDA. Edição especial. Lei
de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2018, p. 149.
226
Floriano de Azevedo e PALMA, Juliana Bonacorsi de. Juridicidade e controle dos acordos
regulatórios: o caso TAC ANATEL. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.
php/4296871/mod_resource/content.1.Juridicidade%20e%20Controle%20dos%20Acordos%20
Regulat%C3%B3rios%20-%20O%20Caso%20TAC%20ANATEL.pdf. Acesso em: 13 dez.
2018.
ART. 26 103

compromissos de interesse da coletividade”. O objetivo de tal concertação


de vontades é o de estabelecer condições para que particular possa
exercer determinada atividade econômica (art. 170, paragrafo único,
da CRFB), especialmente vocacionada às hipóteses em que, seja por
razões econômicas, seja por objetivos constitucionalmente tutelados (a
exemplo da proteção da concorrência), o consentimento administrativo
terá de ser negociado.227 Nesse sentido, Juliana Bonacorsi de Palma,228
para quem “no âmbito regulatório brasileiro, a principal finalidade dos
acordos integrativos consiste em estabelecer os termos pelos quais um
ato de autorização será emitido pela autoridade”.
Um exemplo ilustra o exposto. Cogite-se da hipótese em que a
exploração de uma atividade industrial não comporte, pelas externali-
dades negativas por ela produzidas, diversos prestadores (por exemplo,
pela instauração de uma concorrência predatória). Nesse quadrante,
o poder público, por ocasião do procedimento de consentimento de
polícia, poderá negociar condicionantes a propósito da atuação do
particular (duração, regime de preços, parâmetros qualitativos do
desenvolvimento de sua atividade), para o efeito de deferimento do
título habilitatório – o que já ocorre, por exemplo, em procedimentos
de licenciamentos ambientais, mas que passará a ser, expressamente,
permitido em todo o procedimento de consentimento de polícia.
Ademais disso, o dispositivo comentado servirá como um
permissivo genérico à celebração dos denominados “acordos substitu-
tivos regulatórios”. É que o artigo comentado também é vocacionado
a “eliminar situação contenciosa”. Explica-se. Muito já se questionou
a juridicidade da celebração de tais acordos, quando inexistente
autorização normativa prévia específica. Temos que sempre se tratou
de controvérsia descabida, considerando o disposto no art. 5º, §6º, da
Lei nº 7.345/1985, que autoriza que autarquias (que é gênero, do qual

227
Sempre se respeitando o primado da liberdade de iniciativa, como já teve a oportunidade
de asseverar o Supremo Tribunal Federal: “A intervenção estatal na economia, mediante
regulamentação e regulação de setores econômicos, faz-se com respeito aos princípios e
fundamentos da Ordem Econômica. CF, art. 170. O princípio da livre iniciativa é fundamento
da República e da Ordem econômica: CF, art. 1º, IV; art. 170. II. – Fixação de preços em
valores abaixo da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor:
empecilho ao livre exercício da atividade econômica, com desrespeito ao princípio da livre
iniciativa” (STF. Segunda Turma, RE nº 422941/DF, Relator Min. CARLOS VELLOSO, Julg.
06.12.2005). No mesmo sentido, BARROSO, Luís Roberto. A ordem econômica constitucional
e os limites à atuação estatal no controle de preços. In: Temas de Direito Constitucional.
Rio de Janeiro: Renovar, 2003, Tomo II, p. 53.
228
PALMA, Juliana Bonacorsi de. Acordos para ajuste de conduta em processos punitivos das
agências reguladoras. In: PEREIRA NETO, Caio Mario da Silva; PINHEIRO, Luís Felipe
Valerim (Org.). Direito da Infraestrutura. São Paulo: Saraiva, 2017, vol. 2, p. 65-116.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
104 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

são espécies as agências reguladoras) celebrem tal modalidade de


acordo, desde que tenha suas finalidades vocacionadas a tutelar os
valores protegidos pela Lei da Ação Civil Pública. Mas não só, para além
de tal permissivo genérico previsto na LAC, no âmbito da regulação
setorial, as leis-quadro, em razão da sua baixa densidade normativa,
deslegalizam o que é ou não punível para a normatização de segundo
grau. Razão pela qual a celebração de tais espécies de acordos é, apenas,
predicadora da sua disciplina em normatização da agência.229 Porém, a
inclusão de um permissivo genérico para a celebração de tais ajustes,
em uma lei interpretativa, põe termo à controvérsia a propósito da
imprescindibilidade de sua previsão em normas de primeiro grau.230
A segunda ordem de questionamentos que se esvaem com tal
permissivo diz com o antigo (e em vias de superação) entendimento
de acordo com o qual a chamada “supremacia do interesse público”
interditaria a disponibilidade do procedimento administrativo sancio-
nador e do valor da multa dele decorrente. Tal entendimento não nos
parece o melhor. Para além de o chamado princípio da supremacia do
interesse público (na qualidade um valor metodológico) não ter previsão
normativa, nem acolhimento pela maior parte da doutrina,231 tal adágio

229
Especificamente no que respeita ao setor telecomunicações, Carlos Ari Sundfeld e Jacintho
Arruda Câmara asseveram: “Em telecom a distinção entre o punível e o não punível é
matéria de regulamento, não de lei. Logo, o regulamento pode enquadrar como insuscetível
de sanção a situação que tenha sido resolvida consensualmente, em conformidade com
o interesse público. Logicamente, a aplicação de sanção supõe uma infração suscetível
de punição. Cabe ao regulamento dizer quais são as condições em que uma infração é
punível e quais são as causas excludentes da sanção. Se o regulamento admite a superação
da infração por alguma ação posterior adequada, a adoção dessa ação afasta a pena (isto
é, sua imposição ou execução). O regulamento pode estabelecer que a infração superada é
insuscetível de punição, isto é, que a superação da infração é causa excludente da sanção.
Cabe ao regulamento estabelecer as condições em que uma infração passada se considera
superada: por meio de compensações atuais ou futuras, p. ex”. (SUNDFELD, Carlos Ari;
CÂMARA, Jacintho Arruda. Acordos substitutivos nas sanções regulatórias. Revista de
Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 9, n. 34, p. 133-151, abr./jun. 2011).
230
De que é exemplo o Decreto nº 9.179/2017, que altera o Decreto nº 6.514, de 22 de julho
de 2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente e
estabelece o processo administrativo federal para apuração dessas infrações, para dispor
sobre conversão de multas, o qual, em razão da ausência de normatização de primeiro grau
ainda vem sendo aplicado, de forma modesta.
231
BARROSO, Luís Roberto. Prefácio. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses públicos versus
interesses privados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2005. BINENBOJM, Gustavo. Da supremacia do interesse público
ao dever de proporcionalidade: um novo paradigma para o direito administrativo. In:
SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o
princípio da supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. SARMENTO,
Daniel. Interesses públicos vs. interesses privados na perspectiva da teoria e da filosofia
constitucional. In: SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses públicos versus interesses privados:
ART. 26 105

seria antípoda à própria legislação vigente, que autoriza a celebração


de pactos negociais envolvendo o Poder Público. Até mesmo por que,
como já se teve a oportunidade de asseverar,232 o princípio da supremacia
do interesse publico deve ser aprofundado, de modo a adquirir a
feição da prevalência dos interesses públicos e desdobrando-se em três
subprincípios balizadores da função administrativa: (i) a interdição do
atendimento de interesses particularísticos (v.g., aqueles desprovidos de
amplitude coletiva, transindividual); (ii) a obrigatoriedade de ponderação
de todos os interesses públicos enredados no caso específico; e (iii) a
imprescindibilidade de explicitação das razões de atendimento de um
interesse público em detrimento dos demais.
Nesse quadrante, tal espécie de acordo de que trata o art. 26,
considerando a ponderação de todos os interesses públicos enredados
no caso específico, tende a ser mais eficientes, seja por que os seus
destinatários tendem a lhe emprestar maior deferência (por se tratar
de um ato formado pelo consenso), seja por que a aplicação de uma
sanção pode ser questionada, por longos anos, pelos administrados
(em sede administrativa e judicial). Daí por que tal modalidade de
acordo, no caso concreto, pode melhor atender o interesse público, ao
substituir a incerteza do cumprimento da sanção pelo adimplemento
de uma obrigação superveniente. Por isso o legislador se valeu, propo-
sitadamente, da expressão “razões de interesse geral” para substituir
o adágio da “Supremacia do Interesse Público”.
Some-se a isso o fato de que, no âmbito de um Estado Democrático
de Direito, a sanção deve ser a ultima ratio. É que, como já se teve a
oportunidade de asseverar “dessa constatação parte outra de que a
sanção não é um fim em si, mas sim um dos meios – e não o único – para
se evitar o descumprimento de uma obrigação jurídica e para viabilizar
a consecução das políticas públicas estabelecidas para um determinado
setor”.233 O simples ato de punir não está inserido como prioridade
nas pautas administrativas.234 Na verdade, nesse particular, a sanção

desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen


Juris, 2005.
232
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos. São Paulo:
Malheiros, 2002.
233
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; CYMBALISTA, Tatiana Matiello. Os acordos
substitutivos do procedimento sancionatório e da sanção. Biblioteca Digital Revista Brasileira
de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 8, n. 31, out./dez. 2010.
234
É que como bem asseverado por Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara, em passagem
que já se tornou clássica: “No Direito contemporâneo, com o aumento da complexidade
regulatória, cada vez mais se ampliam os meios postos à disposição dos reguladores para
conduzir os comportamentos dos regulados na direção do interesse público. Castigar é
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
106 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

só será legítima se for o instrumento mais adequado para equilibrar


os interesses enredados em determinada situação concreta. Ademais, é
de ressaltar que a função polícia administrativa não deve ser orientada
por um viés arrecadatório; se o for, produzirá um ato administrativo
maculado pela pecha do desvio de finalidade. De fato, seria absurdo
trazer à baila raciocínio lastreado em perda ou ganho econômico para a
agência em decorrência da celebração de acordo substitutivo. É evidente
que essa preocupação não é legítima aos olhos da pauta regulatória, a
ser observada e ponderada pelo órgão regulador quando de sua escolha
com relação ao acordo.235
A partir desse dispositivo, é de se investigar a natureza jurídica
dessa espécie de acordo. Consoante um primeiro entendimento, tais
acordos teriam natureza jurídica de negócios jurídicos bilaterais do
direito privado, mais precisamente, como uma forma sui generis da
transação prevista no art. 840 do Código Civil.236 Já para um segundo
entendimento, “o ajustamento de conduta responde satisfatoriamente
à natureza jurídica de contrato administrativo típico”.237 E para um
terceiro entendimento, capitaneado por Vasco Dias Pereira da Silva,238
nem mesmo seria necessária a criação de uma nova categoria de ato
administrativo, uma vez que os acordos celebrados pela administração
não poriam em causa a sua natureza essencialmente unilateral. No
entendimento do autor, “a fonte de validade (e de eficácia) de tais
decisões não é o consenso das partes, mas a manifestação de vontade
unilateral da Administração, independentemente de se saber se as

só um desses meios – aliás, um velho meio. Mas a punição não é um fim em si mesmo:
é simples instrumento da regulação, para obter os fins desejados. Como os mesmos fins
muitas vezes são atingíveis de modo mais rápido, mais barato, mais certo – e mesmo de
modo mais justo – com a utilização de meios alternativos, cada vez mais o Direito os vem
valorizando. Os acordos substitutivos são um instrumento para a adoção desses meios
alternativos” (SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. Acordos substitutivos
nas sanções regulatórias. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano
9, n. 34, p. 133-151, abr./jun. 2011”.
235
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; CYMBALISTA, Tatiana Matiello. Os acordos
substitutivos do procedimento sancionatório e da sanção. Biblioteca Digital Revista Brasileira
de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 8, n. 31, out./dez. 2010.
236
NERY, Ana Luiza de Andrade. Compromisso de ajustamento de conduta. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2012, p. 156.
237
FERNANDES, Rodrigo. Compromisso de ajustamento de conduta ambiental. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008, p. 77-78.
238
SILVA, Vasco Pereira da. Em busca do acto administrativo perdido. Coimbra: Almedina,
1998, p. 474. No mesmo sentido, KATO, Mariana Almeida. Os acordos substitutivos o termo
de ajustamento de conduta. Revista de Direito Administrativo, v. 277, p. 101-105, abr. 2018.
ART. 26 107

autoridades administrativas e os particulares se puseram ou não


previamente de acordo acerca do seu conteúdo (em parte, ou no todo)”.239
A natureza de negócio jurídico privado não se coadunaria com um
instrumento que veicula a substituição do exercício do poder extroverso
por uma entidade com personalidade jurídica de direito público. Do
mesmo modo, o ainda vigente regime jurídico único dos contratos
administrativos,240 com as exorbitâncias que lhe são salientes, mostra-se
incompatível com a natureza negocial dos acordos substitutivos. Temos
que os acordos substitutivos têm natureza jurídica de negócio jurídico
processual,241 mas que produz externalidades exógenas. É dizer, de
um negócio processualizado, permeado pelo consenso, que deve ser
praticado com base em juízos pragmáticos e prospectivos, nos termos
do que dispõe o art. 21 da própria Lei nº 13.655/2018. Nada obstante,
como bem observado por Sérgio Guerra e Juliana Bonacorsi de Palma242 a
“Lindb parece ter tentado suplantar essa questão por meio da disciplina

239
Tal pesquisa observa a ordenação de CARDOSO, David Pereira. Os acordos substitutivos
no Direito Administrativo. Negócio jurídico privado, contrato de direito público ou ato
administrativo bilateral?. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte,
ano 13, n. 49, p. 59-77, jan./mar. 2015.
240
O qual já tive a oportunidade de qualificar como uma “Maldição”. “Tal maldição teve
lugar por intermédio da tentativa de, a partir da apartação entre Direito Público e Direito
Privado, atribuir a todos os institutos do Direito Público um regime jurídico único, pautado
na ideia de supremacia do interesse público. Isso se deu: (i) em razão de uma necessidade
metodológica, que tem de ver com a afirmação do Direito Administrativo, bem como da
necessidade vivida no fim do século XIX de demarcar seus lindes em relação a outros
ramos do direito; (ii) em decorrência da influência do Direito Administrativo Francês, em
que a segregação entre o regime comum e administrativo era necessária à dualidade de
jurisdição; e (iii) em razão da influência corporativa das mais distintas origens e propósitos,
que sempre tendem a unificar o tratamento jurídico dos institutos e a rejeitar modificações
de regimes” (MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Do contrato administrativo
à administração contratual: Governet. Boletim de Licitações e Contratos, v. 64, p. 726-732, 2010).
Desmistificando também tal característica, v. ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de.
Contrato administrativo no Brasil: aspectos críticos da teoria e da prática. Revista de Contratos
Públicos – RCP, Belo Horizonte, ano 1, n. 1, p. 125-139, mar./ago. 2012. HEINEN, Juliano.
Contratos administrativos na União Europeia e no Brasil: uma questão contemporânea
comum. Revista de Direito Administrativo – RDA, Belo Horizonte, ano 2017, n. 276, set./dez.
2017.
241
Nesse sentido, Vitor Rhein Schirato e Juliana Bornacorsi de Palma lecionam: “De fato, se
o processo consiste no local de desenvolvimento dos diálogos e conflitos que servem de
transferência das demandas sociais ao corpo político, os instrumentos consensuais de tomada
de decisões e de composição de conflitos constituem efetivos atos de natureza processual, 20
razão explicativa da preferência do estudo dos mesmos pela óptica processual” SCHIRATO,
Vitor Rhein; PALMA, Juliana Bonacorsi de. Consenso e legalidade: vinculação da atividade
administrativa consensual ao direito. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo
Horizonte, ano 7, n. 27, out./dez. 2009.
242
GUERRA, Sérgio, PALMA, Juliana Bornacorsi. Art. 26: novo regime jurídico de negociação
com Administração Pública. Op. cit., p. 149.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
108 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

regulamentar suficiente, que afastaria a necessidade de aplicação


subsidiária de normas outras que não as processuais administrativas”.
Não bastassem os efeitos da substituição do procedimento
sancionador por atos negociais, em termos de eficácia, tais ajustes
terão a vantagem de coibir, de forma imediata, condutas que ofendam
a ordem jurídica. Com esse racional, o art. 26 da LINDB, em sua parte
inicial, prescreve que o compromisso de que trata terá por desiderato
“eliminar irregularidade”. Isto por que a suspensão ou a alteração da
conduta do compromissário é parte integrante do próprio acordo. E
disso decorrem, ao menos, dois efeitos positivos. O primeiro é o de
que o poder público terá menores custos para inibir o ilícito, já que a
suspensão ou a alteração da conduta contará com a aquiescência do
compromissário. O segundo é o de que, como a conduta é voluntária,
à luz da lógica dos incentivos, o compromissário tende a lhe prestar
deferência.243 Não se trata de prescrição novidadeira. No âmbito do
Sistema Brasileiro da Concorrência, com um racional similar, tem lugar
o compromisso de cessação de conduta violadora da ordem econômica
(art. 85 da Lei nº 12.529/2011) e, na seara ambiental, o compromisso de
cessação de infrações ambientais (art. 79-A da Lei nº 9.605/1998).
Nada obstante, temos que, para que o acordo de cuida o dispo-
sitivo em comento seja eficaz, alguns quadrantes deverão orientar a sua
aplicação. O primeiro deles é o de que do compromissário não poderá ser
exigida a confissão da prática do ato violador do ordenamento jurídico,
mas, tão somente, a adequação de sua conduta aos ditames fixados pela
Administração Pública – do contrário, restariam violados os ditames
da presunção da inocência (art. 5º, LVII, da CRFB) e da interdição da
autoincriminação (previsto no art. 5º, LXIII, da CRFB e na Convenção
Americana de Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos, da Organização das Nações Unidas, da qual o Brasil
é signatário). O segundo diz com a necessidade do estabelecimento
de um efetivo procedimento de negociação entre as partes, de modo
que o particular possa, efetivamente, participar da formação do ato

243
Thiago Marrara bem resume o ponto: “Em contraste, ao se optar pela via consensual com o
aval da Administração Pública, o agente regulado aceitará o abandono da discussão acerca
da legalidade de sua conduta, afastará o risco da conclusão processual, tornará prescindível a
decisão de condenação ou absolvição. Em troca, concordará em submeter-se a um ajustamento
de conduta construído de modo dialógico. Nessa situação, pois, o ajustamento não se dará
pela imposição estatal da decisão administrativa condenatória, senão pela vontade manifesta
daquele agente regulado cuja prática se debatia processualmente” (MARRARA, Thiago.
Regulação consensual: o papel dos compromissos de cessação da prática no ajustamento
de condutas. Revista Digital de Direito Administrativo – RDDA).
ART. 26 109

de polícia, interditando-se atos administrativos de adesão, nos quais


o concurso de vontades seja um simulacro. O terceiro, de que todas
as entidades que possam ter competência para exercício do poder
extroverso sobre as atividades exercidas pelos compromissários lhe
devam deferência, sob pena de tal ajuste restar inviabilizado por conta
de sua instabilidade – como ficou decidido pelo STF no Mandado de
Segurança nº 35.435, a propósito da possibilidade de revisão de Acordo
de Leniência pelo TCU.
O referido dispositivo ainda prevê que tal “compromisso poderá
ser celebrado com os interessados”. Disso decorre tratar-se de permissivo
genérico para a celebração dos acima referenciados acordos de comple-
mentação. É que o legislador, em vez de se utilizar do termo “partes”
houve por bem ampliar o seu espectro para todos os interessados que
possam ter seus direitos afetados pela situação jurídica contenciosa.
Trata-se da consagração do que Hamut Maurer244 denomina de relações
administrativas multipolares, as quais “se distinguem das relações
bipolares pelo fato de não só o estado de um lado e o cidadão – ou mais
cidadãos, mas com interesses no mesmo sentido – do outro lado estão
face a face, mas de também do lado do cidadão são feitos valer interesses
distintos e em sentido contrário”. Exemplificando essa relação, o referido
autor apresenta uma hipótese em que o Tribunal Constitucional alemão
considerou cabível a proteção jurídica dos interesses dos vizinhos em
face de planos de urbanização (BVerwGE, 151, 154f.). Isso porque, como
bem destacado Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da Silva,245 “esses
particulares, titulares de direitos subjetivos públicos, já não podem
mais ser considerados terceiros em face da Administração, ou perante
aqueloutros privados imediatamente destinatários da sua actuação”.
Não se trata de racional desconhecido, considerando que o art. 9º da Lei
nº 9.784/1999 (Lei de Processo Administrativo Federal), já reconhecia
como interessados aqueles que não deram início ao processo, porém
tem seus interesses afetáveis pela decisão final.
Cogite-se da hipótese em que o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), constatando
a consumação de um Dano Ambiental, para além de propor um
compromisso ao agente poluidor, inclui, no referido instrumento

244
MAURER, Hartmut. Direito administrativo geral. Tradução de Luís Afonso Heck. São Paulo:
Manole, 2006, p. 191.
245
SILVA, Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da. Em busca do acto administrativo perdido.
Coimbra: Almedina, 1996, p. 234.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
110 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

negocial, obrigações positivas para parcelas de sociedade, diretamente


afetadas pelo dano.
Por fim, o caput do artigo comentado dispõe que o referido
compromisso só “produzirá efeitos a partir de sua publicação”. Cuida-se
de prescrição que visa a interditar a celebração de “acordos de gaveta”,
assim considerados como os compromissos que são pactuados, mas que
ficam sem produzir efeitos, por anos, em razão da inércia da entidade
pública celebrante. Temos, ainda, que, nos quadrantes do dispositivo
comentado, tal compromisso poderá ser celebrado: antes da instauração
do processo administrativo; no seu devir; por ocasião da prolação da
decisão final, quando da interposição de recurso.246 Porém, antes da
constituição de coisa julgada administrativa, caso que ainda será cabível
a celebração de compromisso perante o Poder Judiciário.

I – buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível


com os interesses gerais;
Inciso acrescentado pela Lei nº 13.655, de 25.04.2018.

O §1º, I, do referido dispositivo prevê que os referidos compro-


missos deverão buscar a “solução jurídica proporcional”, equânime,
eficiente e compatível com os interesses gerais. A lógica de tal prescrição
é a de que a obrigação veiculada por intermédio do compromisso não
poderá ser superior à sanção cogitada em sede de processo administrativo
sancionador; tudo sob a orientação de se privilegiar a solução que deve
ser endereçada no caso concreto. Nesse quadrante, temos que um dos
exemplos de que se pode cogitar a partir da vigência de tal dispositivo
é da possibilidade de os valores que seriam arrecadados, a título de
multa, serem reconduzidos à realização de novos investimentos, ainda
não previstos em módulos concessórios – tema que restou, parcialmente,
equacionado, por intermédio do Acordão nº 2.121/2017,247 do TCU.

246
GUERRA, Sérgio. PALMA, Juliana Bonacorsi. Art. 26: novo regime jurídico de negociação
com Administração Pública. op. cit., p. 149
247
Trata-se de acórdão do TCU no qual se julgou válido TAC firmado entre a ANATEL e a
Telefônica Brasil S/A. Nele foi avaliado o procedimento de TAC da agência reguladora em
vários outros TACs por ela firmados, inclusive com outras empresas de telefonia, os quais
alegou-se que perfazeriam o montante de 9 bilhões. Fundamentou-se tal julgamento com
base, em suma, nos seguintes argumentos: (i) a qualidade das atividades de uma agência
reguladora não se mede pelo número de multas que aplica, mas pelo aperfeiçoamento do
serviço por meio da correção e não reincidência das desconformidades identificadas, ou
seja, a multa não é instrumento arrecadatório, mas regulatório. Por vezes, a multa se mostra
ART. 26 111

É que, considerando a incerteza da arrecadação do valor multa, em


determinadas hipóteses, o interesse geral, em concreto, restará mais
bem atendido, se tal numerário for revertido para o adimplemento de
obrigações de investimento não previstas no contrato de concessão – que
não compunha, pois, o fluxo de caixa do projeto.
Até mesmo porque temos que, em determinadas hipóteses, a
celebração dessa espécie de acordos pode ser a única escolha regulatória
possível. Cogite-se, por exemplo, da hipótese em que: (i) o serviço
concedido necessite da realização de investimentos não previstos, origi-
nalmente, no contrato; e (ii) que, para fazer frente a tais investimentos,
não seja mais possível se utilizar da variável prazo (por intermédio do
expediente da sua extensão), da redução de obrigações de desempenho
dos concessionários (sem prejuízo da adequada prestação do serviço
público), nem aumentar a tarifa do serviço concedido (sem prejuízo da
modicidade tarifária). Nessa hipótese, celebração do acordo substitutivo
de que trata dispositivo em comento se trataria de um poder-dever, que
se configuraria como uma solução “proporcional, equânime, eficiente
e compatível com os interesses gerais”.
Porém, é de se registrar, por oportuno, que tais investimentos não
podem ser estipulados ao alvedrio do regulador. Muito ao contrário, a
sua realização será fruto de uma concertação entre as partes. Isto porque,
como é de conhecimento convencional, as cláusulas econômicas dos

como instrumento ineficaz aos objetivos que pretende perquirir, pois exige procedimentos
administrativos burocráticos, com inscrição em dívida ativa, e ainda é normalmente
questionado judicialmente, o que torna a cobrança ainda mais demorada. (ii) Porém, os
TACs têm se mostrado instrumentos úteis nesse sentido, ao flexibilizar a pactuação de
ajuste gradual ao longo do tempo para atingir o cumprimento integral das metas. Dado o
caráter nitidamente negocial do TAC, é razoável supor que não supre apenas o interesse
público do órgão regulador, mas também do interesse privado do ente sancionado. Não
se pode conceder demasiadas vantagens a um ou a outro sob pena de se desequilibrar essa
negociação. O firmamento de TACs para a conversão das multas em investimentos não
deve se tornar a regra, apenas medida excepcional, e prescinde de estudos técnicos sobre
o tema e seguem os procedimentos de mediação da Lei nº 13.140/2015 e dos acordos de
leniência previstos na Lei Anticorrupção; (iii) ainda assim, de modo a aperfeiçoar o sistema
de TACs na ANATEL, o TCU a condenou a tomar uma série de medidas, tais como: (i) criar
mecanismos periódicos de fiscalização do cumprimento dos TACs; (ii) somente aprove em
definitivo termos de ajustamento de conduta após analisar previamente a admissibilidade
de cada Procedimento de Apuração de Descumprimento de Obrigações (Pado) a ser
incluído no TAC e o impacto causado por cada um deles nas condições e nos valores que
compõem o instrumento; (iii) garanta que a soma das sanções aplicáveis à operadora em
casos de descumprimento de cada compromisso adicional do TAC, incluindo as multas
diárias e a execução do Valor de Referência do item, seja superior ao montante previsto de
investimentos para aquele item; (iv) delimite clara e previamente o objeto dos TACs que
firmar, por meio de obrigações e projetos definidos em seus aspectos essenciais, específicos
e suficientemente completos; entre outros.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
112 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

contratos administrativos só podem ser alteradas com a aquiescência


do contratado, consoante dispõe o §1º do art. 58 da Lei nº 8.666/93
(dispositivo aplicável, supletivamente, às concessões). Afora isso,
tais investimentos terão de ser realizados em bens vinculados, direta
ou indiretamente, ao serviço delegado. Não se poderia cogitar, por
exemplo, que as multas que seriam aplicadas a um concessionário
de rodovia fossem revertidas para o cumprimento das obrigações de
universalização de uma concessionária de um serviço de telecomu-
nicações. O nítido desvio de finalidade interditaria tal reversão. Em
resumo, a proporcionalidade de que trata o inciso comentado está,
justamente, no estabelecimento de um racional equalizador entre as
obrigações estabelecidas para os administrados e os benefícios que
serão produzidos para o interesse público concretamente tutelado pelo
instrumento consensual.

III – não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condi-


cionamento de direito reconhecidos por orientação geral;
Inciso acrescentado pela Lei nº 13.655, de 25.04.2018.

O §1º, III, do dispositivo comentado prescreve que tal compro-


misso “não poderá conferir desoneração permanente de dever ou
condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral”. Cuida-se
de uma salutar limitação objetiva à celebração do compromisso de que
trata o caput. Assim é que, se, de um lado, o caput tem por desiderato
ampliar o seu espectro subjetivo (franqueando a sua celebração a todos
os “interessados”), o inciso que se comenta tem por escopo estabelecer
uma limitação objetiva aos termos desse compromisso negocial. Uma
espécie de check and balances, por assim dizer, de tais compromissos.
Segue daí que o seu racional é o de evitar desvios de finalidade na sua
celebração, o que, ao fim e ao cabo, preservará a segurança jurídica na
celebração de tal instrumento, finalidade primeira da Lei nº 13.655/2018.
Dois exemplos ilustram o quanto exposto. À luz de tal inciso,
um acordo substitutivo celebrado pela Agência Nacional de Transporte
Terrestre (ANTT), com uma concessionária de rodovia que a desonerasse
de observar o dever de modicidade tarifária, previsto no art. 6º, §1º,
da Lei nº 8.987/1995, seria considerado inválido. Assim também se
passaria, por exemplo, com um compromisso celebrado pela ANP,
com uma concessionária de E&P, que a desonerasse de observar as
disposições da Lei nº 9.966/2000, que dispõe sobre a prevenção, o controle
ART. 26 113

e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras


substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional.

IV – deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para


seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento.

Por fim, §1º, IV, do dispositivo comentado prescreve que tal


compromisso deverá prever, com clareza, as obrigações das partes,
o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de
descumprimento. Cuida-se de preceito que tem de ver com a eficácia
e com a exequibilidade do referido instrumento. Com a eficácia, na
medida em que, sem o cuidado redacional com as obrigações que serão
estipuladas para os compromitentes, o pacto negocial poderá restar
esvaziado.248 Com a exequibilidade, porquanto a ausência de uma
previsão de comando-sanção, ainda que num instrumento negocial,
poderá gerar incentivos para que as partes o descumpram. Ambas as
referidas diretrizes, uma vez mais, têm por escopo a preservação da
segurança jurídica do referido instrumento.249 Nesse particular, tem-se
a aplicação, por analogia, do disposto no art. 104, III, do Código Civil,

248
Interditando-se, por exemplo, prescrições indeterminadas, a exemplo do disposto no art. 2º,
II, da Resolução nº 199 da ANAC: “Art. 2º O Termo de Ajustamento de Conduta – TAC é o
instrumento celebrado entre a ANAC e os agentes por ela regulados, no qual são definidas
medidas corretivas e prazos a serem observadas pelos agentes com vistas a adequar a
sua conduta II – às melhores práticas para garantir a segurança operacional ou manter a
adequação do serviço público prestado ao usuário de transporte aéreo. §1º Na hipótese do
inciso I deste artigo, o TAC poderá ser proposto a partir da lavratura do auto de infração,
e não afasta o cumprimento das penalidades já aplicadas.
249
Exemplo saliente desse tipo de previsão é o art. 13 da Resolução nº 629/2013 da ANATEL,
que estabelece as seguintes condicionantes, para a celebração de tal ajuste: Art. 13. O TAC
deverá conter, dentre outras, as seguintes cláusulas: I – compromisso de ajustamento da
conduta irregular, prevendo cronograma de metas e obrigações voltadas à regularização
da situação da Compromissária e reparação de eventuais usuários atingidos, bem como à
prevenção de condutas semelhantes; II – compromissos adicionais, nos termos do art. 18;
III – meios, condições e a área de abrangência das condutas ajustadas e dos compromissos
celebrados no TAC; IV – obrigação de prestação de informações periódicas à Anatel sobre
a execução do cronograma de metas e condições dos compromissos; V – multas aplicáveis
pelo descumprimento de cada item do cronograma de metas e condições dos compromissos,
inclusive diárias pelo atraso na sua execução; VI – relação de processos administrativos,
com as respectivas multas aplicadas e estimadas, a que se refere o TAC; VII – Valor de
Referência a ser dado ao TAC, para fins de execução em caso de eventual descumprimento,
nos termos previstos neste Regulamento; e, VIII – vigência, cujo prazo será improrrogável
e não poderá ser superior a 4 (quatro) anos. §1º A multa pelo descumprimento de cada
item do cronograma de metas e condições dos compromissos deverá corresponder a uma
fração do Valor de Referência do TAC”.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
114 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

de acordo com o qual a validade do negócio jurídico predicará de ele


versar sobre um objeto lícito, possível, determinado ou determinável.250
Dos referidos comentários do art. 26, é possível se inferir que
a Lei nº 13.655/2018, diferentemente do que ela foi acusada, não tem
o desiderato de fomentar ilicitudes, ou de tornar o controle mais
lasso. Muito ao revés, o racional na nova lei – do qual é saliente o seu
art. 26 – é o de conferir transparência às relações público-privadas.
A história demostrou que o arbítrio e a unilateralidade do exercício
do poder extroverso, ao invés de reprimir, fomentaram a prática de
ilegalidades. Consagrou a nefasta lógica do “criar dificuldades, para
vender facilidades”. A Lei nº 13.655/2018 caminha no sentido oposto;
processualiza e confere transparência ao consenso. É um novo caminho
para os próximos anos da história sobre o exercício da função de polícia.

250
GUERRA, Sérgio. PALMA, Juliana Bonacorsi. Art. 26: novo regime jurídico de negociação
com Administração Pública. op. cit., p. 149.
Art. 27. A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora
ou judicial, poderá impor compensação por benefícios indevidos ou
prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta
dos envolvidos.

Em economia, ficou conhecida a frase “não existe almoço grátis”,


que representa a tradução da expressão inglesa “There ain’t/is no such
thing as a free lunch”. Cuida-se de expressão que consagra o racional
basilar de acordo com o qual, num contexto de recursos escassos, deve-se
avaliar o “custo de oportunidade” de sua utilização, o que, envolve, por
certo, a instauração de um processo (seja ele judicial, administrativo, ou
da esfera de controle). Explicamos. Cada vez que se instaura um processo,
são alocados custos (que poderiam ter outros destinos) para fazer frente
a tal procedimento, os quais são internalizados pelos particulares e
pelo próprio Poder Público. Pelos particulares, são internalizados
custos diretos, a exemplo dos despendidos para que ela lance mão
do patrocínio jurídico de seus interesses, para custear a produção de
provas, bem como custos indiretos, notadamente os reputacionais, que
podem importar, inclusive, no malfado da sua atividade empresarial.
Já, para o poder público, são despendidos custos para dar impulso ao
efeito, para patrocinar seus interesses (quando ela ocupa a qualidade
de parte), os quais poderiam ser redirecionados para o atendimento de
outras pautas constitucionalmente tuteladas (como saúde, educação,
entre outras).
Em razão de tal inarredável conclusão, o legislador houve por bem
incluir na LINDB o art. 27 que ora se comenta. Na sua base está, como
bem destacado por Carlos Ari Sundfeld e Alice Voronoff,251 “a ideia de
que processos estatais de todas as esferas envolvem atividade de risco
para os direitos dos envolvidos e não devem servir como instrumento
anômalo para obtenção de vantagens indevidas, nem para imposição de
prejuízos anormais ou injustos”. E concluem, com muita propriedade,
que “a grande novidade do art. 27 da LINDB foi viabilizar que, atendidos
os seus pressupostos, também nas esferas administrativa e controladora,
em que há riscos para os direitos dos sujeitos, a autoridade redistribua
esses custos e externalidades ao final do processo”.

251
SUNDFELD, Carlos Ari. VORONOFF. Quem paga pelos riscos dos processos?. Revista
de Direito Administrativo – RDA. Edição especial. Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2018, p. 180.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
116 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

Temos que o novel dispositivo visa a coibir, em termos


coloquiais, o “abuso do direito de processar”. O tema, porém, merece
aprofundamento. Não se pode desconsiderar que a instauração de um
procedimento (judicial, administrativo ou controlador) é um ato lícito.
Razão pela qual não gera, per se, o direito a indenizações. Assim é que o
dispositivo comentado, corretamente, se valeu do termo “compensação”,
e não “indenização”. É que a “indenização”, tradicionalmente, tem por
fundamento primeiro a recomposição do status quo ante patrimonial do
ofendido, provocado pela prática de um ato ilícito (art. 186 do CC), ao
passo que a “compensação”, diversamente, visa a redistribuir, de forma
equânime, os custos que serão suportados pelas partes, em decorrência
de uma relação jurídica.
É disso que trata o dispositivo. Ele considera que, malgrado o
direito à instauração de um processo seja lícito (para alguns, inclusive,
autônomo do direito material), ele deve ser exercido nos quadrantes da
boa-fé, sob pena da configuração de exercício abusivo de um direito.
Não se trata de um instituto novidadeiro. Gustavo Tepedino, Maria
Celina Bodin de Moraes e Heloisa Helena Barboza252 asseveram que, já
na Roma antiga, se percebida que, em certa medida, o exercício de um
direito ipsis litteris pode, por vezes, contradizer sua própria finalidade,
sua própria razão de ser, summum jus, summa injuria (o máximo do
direito, o máximo da injustiça253). Heloísa Carpena,254 por sua vez, leciona
que, malgrado haja achados sobre tal instituto no direito romano e no
medievo, o abuso de direito veio a ser reconhecido, tão somente, em
1912, na França, por ocasião do julgamento do caso Clement Bayard.
No referido julgado, um proprietário de determinado terreno ergueu
torres, com lanças de ferro nas pontas, com o nítido propósito de
prejudicar as propriedades vizinhas. O instituto, porém, como retratado
pela doutrina especializada, passou a ter lugar em negócios jurídicos
celebrados entre partes desiguais (a exemplo do contrato de trabalho),

252
TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; BODIN DE MORAES, Maria Celina.
Código Civil Interpretado Conforme a Constituição da República: Parte Geral e Obrigações
(Arts. 1º a 420), v. 1. 2. ed. rev. e at. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 345.
253
O instituto do abuso do direito não era previsto no Código Civil francês. Sem fundamentação
legal, os tribunais o aplicavam principalmente nas hipóteses em que houvesse intenção de
prejudicar ou faltasse motivo sério e legítimo ou utilidade na prática de determinado ato.
254
CARPENA, Heloísa. O abuso do Direito no Código Civil de 2002: relativização de direitos
na ótica civil-constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo. A Parte Geral do Novo Código Civil:
estudos na perspectiva civil-constitucional. 2. ed. rev. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.
377-378. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/mod/resource/view.php?id=132483.
Acesso em: 25 out. 2018.
ART. 27 117

em hipóteses de resilições contratuais abusivas255 e em atos praticados


com base no abuso de posição societária.256
No âmbito do Direito Comunitário, são reiterados os precedentes
que interditam condutas amparadas no exercício abusivo de um direito,
notadamente em matéria tributária. No caso Emsland-Stärke,257 ficou
consignado que, para a configuração abusiva de um direito, predica-se
de: (i) um elemento objetivo, que se construiu “num conjunto de
circunstâncias objetivas das quais resulte que, apesar do respeito formal
das condições previstas na legislação comunitária, o objetivo pretendido
por essa legislação não foi alcançado”; e (ii) de um elemento subjetivo,
que é a “vontade de obter um benefício que resulta da legislação
comunitária, criando artificialmente as condições exigidas para a sua
obtenção”.
Nos Estado Unidos, o abuso de direito tem origem na sham
litigation, caudatária do Direito Concorrencial. O referido conceito foi
construído, preambularmente, no precedente Eastern Railroad Presidents
Conference versus Noerr Motors Freight, 365 U.S. 127 (1961). Cuida-se
de precedente em que empresas atuantes no transporte de cargas, por
intermédio de caminhões, questionaram a realização de propaganda
publicitária por uma associação ferroviária, que teria por objetivo
causar-lhes danos concorrenciais. Na referida ocasião, a Suprema Corte
assentou que “pode haver situações onde a campanha publicitária,
ostensivamente direcionada para influenciar uma ação governamental,
é um mero pretexto pra encobrir o que não é na realidade mais do que
uma tentativa de interferência direta nas relações de negócio de um
competidor e que a aplicação do Sherman Act poderia ser justificada”.258
No Direito brasileiro, tal instituto veio a ser incorporado, de
forma gradual, de acordo com a própria mudança de interpretação
das normas privatísticas. No Código de 1916 de Beviláqua, não existia

255
PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. O abuso do direito e as relações contratuais, p. 42.
256
MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso do direito e o rumo indicado pela boa-fé.
Disponível em: http://www.fd.ul.pt/Portals.0.Docs/Institutos/ICJ/LusCommune/CostaJudith.
pdf.
257
Acórdão nº no processo C-110/99, [2000] Colect. I-1569. No mesmo sentido, Processo C-419/02,
[2006] Colect. I-1685. Processos C-223/03, [2006] Colect. I-1651; e C-452/03, [2005] Colect.
I-3947. Sobre o tema, V. DE LA FERIA, Rita. Evolução do conceito de abuso do direito no
âmbito do Direito Fiscal Comunitário. Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo
Horizonte, ano 7, n. 40, jul./ago. 2009.
258
Eastern Railroad Presidents Conference e Noerr Motors Freight, rel. Black, j. 20.2.1961
(disponível em http://supreme.justia.com/cases/federal/us/365/127/case.html). V. NETTO,
Patrícia Bueno. “Sham Litigation”: Abuso do direito de petição como prática contrária à
concorrência. Revista Trimestral de Direito Público – RTDP, São Paulo, n. 62, 2015.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
118 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

previsão expressa nesse sentido. Nada obstante, a doutrina especializada


e a jurisprudência pátria259 já extraía essa vertente, da leitura a contrario
sensu, do disposto no art. 160, n, I, de acordo com o qual se previa que
não constituem atos ilícitos “os atos praticados em legítima defesa, ou
no exercício regular de um direito reconhecido”.260
Acontece que, com o influxo trazido pelos ares democráticos da
Constituição de 1988, o exercício de direitos passou a ser atrelado a
valores constitucionalmente consagrados. Trata-se, pois, de uma das
facetas da Constitucionalização do Direito Civil. Em breve resumo, o
referido fenômeno se manifesta sob duas vertentes: (i) pela Constitucio-
nalização do Direito Civil ou publicização do direito privado, que decorre
do tratamento de seus principais temas pela Carta Constitucional (v.g. o
artigo 226 da CF, sobre a configuração da família no Direito brasileiro)
e (ii) pela interpretação dos institutos de Direito Civil sob a ótica do
princípio da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social.
Por meio dessa filtragem axiológica do ordenamento jurídico, com a
passagem valorativa da Constituição para o centro do ordenamento
jurídico, toda a legislação infraconstitucional – o que, inclui, por certo,
o Código Civil – deve ser interpretada à luz do texto constitucional.261
Seguiu daí a promulgação do Código Civil de 2002, que teve
seus pilares vincados nas diretrizes da sociabilidade, da eticidade e
da operabilidade,262 todas, intimamente, relacionadas com o princípio
da dignidade da pessoa humana, fundamento axiológico nuclear de

259
Como sintetizou, já na década de 70, o STF no RE nº 80798/GB-Guanabara. Recurso
Extraordinário. Relator: Min. Xavier de Albuquerque. J. em 07.03.1975. Segunda Turma. In:
DJ 04-04-1975. Ementa. Locação. Reiteradas purgações da mora podem configurar abuso
de direito ensejador de despejo. Precedentes do Supremo Tribunal. Recurso conhecido e
provido. Vinte anos antes, e melhor explicitando os elementos de concreção do abuso, o
mesmo STF, RE nº 20817/Recurso Extraordinário. Relator: Min. LAFAYETTE DE ANDRADA.
J. em 02.09.1955. Segunda Turma. In: ADJ de 25-07-1955, p. 02527; ADJ de 20-07-1953, p. 02011.
EMENT vol. 00130 p. 354. Ementa. Se o locatário, habitualmente, só efetua o pagamento
dos alugueres a que se obrigou, sob a pressão do requerimento de despejo posto em juízo
pelo locador, o seu reiterado pedido de purgação da mora pode ser havido com abuso de
direito, e, como tal, denegado pelo juiz.
260
MARTINS, Pedro Baptista. O abuso do direito e o ato ilícito. (1. ed: 1935). 3. ed. histórica,
Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 92.
261
TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena e MORAES, Maria Celina Bodin de.
Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2007. v. 1.
262
Foram os três valores que nortearam os trabalhos conduzidos por MIGUEL REALE, na
elaboração do Projeto de Lei nº 634/1975, que deu origem ao Código Civil. Especificamente
acerca da diretriz da operabilidade, o referido autor leciona que, segundo os ensinamentos de
Jhering, é “da essência do Direito a sua realizabilidade: o Direito é feito para ser executado;
Direito que não se executa – já dizia Jhering na sua imaginação criadora – é como chama que
não aquece, luz que não ilumina. O Direito é feito para ser realizado e para ser operado”.
ART. 27 119

um Estado Democrático de Direito. Com esse racional, é que passou a


vigorar o disposto no art. 187 do Código Civil, de acordo com o qual
“também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Nos quadrantes desse dispositivo, a ilegalidade da conduta passa
a ser aferida não apenas por sua conformidade com o ordenamento
jurídico, mas também com esteio nas consequências socialmente
esperadas dela.263 Não é por outra razão que o exercício dos direitos será
considerado abusivo se for violador da boa-fé, dos bons costumes ou
contrário à destinação econômico-social.264 Nesse sentido, Caio Mário
da Silva Pereira265 leciona que a doutrina da relatividade dos direitos
como fundamento para a aplicação da teoria do abuso de direito ora
assenta-se na dosagem do exercício do direito, em que o mesmo não
pode imprimir efeitos absolutamente inesperados; ora assenta-se no dolo
de causar prejuízo a outrem, no animus nocendi do titular do direito.266
O Código de Processo Civil de 2015 é prenhe de dispositivos que
consagram esse mesmo racional. Nesse sentido, o seu art. 79 estabelece

(REALE, Miguel. Apud Azevedo, Fabio de Oliveira. Direito Civil: introdução e teoria geral.
2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 113).
263
CARPENA, Heloísa. O abuso do Direito no Código Civil de 2002: relativização de direitos
na ótica civil-constitucional. Op. cit, p. 380.
264
No âmbito do Direito Concorrencial, tal prática é reconhecida como prática violadora da
ordem concorrencial, como se extrai do seguinte julgado do Conselho Administrativo
de Defesa da Concorrência: “Processo Administrativo. Denúncia de abuso do direito
de petição com reflexos na concorrência. Despacho instaurador para averiguar conduta
tipificada no art. 20, I, II e IV c/c o art. 21, IV, V e VI da Lei 8.884/94. Conduta unilateral.
Empresas Box 3 Vídeo e Publicidade (produtora do programa “Shop Tour” São Paulo) e
Léo Produções Publicidade Ltda. (Produtora do programa “Shop Tour” Campinas), no
segmento de programas de vendas e promoções veiculados nas emissoras de televisão.
Mercado de veiculação de programas de venda pela TV em âmbito nacional. Pareceres da
SDE, Procade, MPF pela não condenação. Entendimento do relator contrário aos pareceres,
pela configuração de infração contra a ordem econômica, em razão do abuso do direito de
petição. Voto pela condenação das representadas ao pagamento de multa e publicação da
decisão em jornal de grande circulação”.
265
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: introdução ao Direito Civil; teoria
geral do Direito Civil, v. I. 23. ed. rev. e at. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 575.
266
O aspecto subjetivo do abuso de direito causa certa celeuma mesmo na doutrina civilista
contemporânea. Para alguns, o dolo de causar prejuízo a outrem não deveria ser um
obstáculo à configuração do abuso de direito. Assim, a ilegalidade remontaria na conduta e
não na percepção subjetiva da malévola alheia (Cf. CARPENA, Heloísa. O abuso do direito
no Código Civil de 2002: relativização de direitos na ótica civil-constitucional. Op. cit. p.
381-383). De outro lado, há aqueles que não enxergam essa dificuldade, principalmente
porque a demonstração do dolo não necessitaria de prova cabal, mas se induziria a partir
da conduta do ofensor no caso concreto, na forma como usa de seu direito para causar
prejuízo a outra pessoa (Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil:
introdução ao Direito Civil; teoria geral do Direito Civil, v. I. Op. cit., p. 578).
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
120 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

que “responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como
autor, réu ou interveniente”. E, em sede de tutela acauteladora, o
disposto no art. 302267 prescreve um regime indenizatório na hipótese
de a tutela de urgência provocar danos anormais.
Não se trata de instituto desconhecido do Direito Administrativo.
É dizer, o viés publicístico do abuso de direito, sabemos, é o ato
administrativo praticado com “abuso de poder”.268 Em análise do tema,
Hely Lopes Meirelles269 aponta que o Conselho de Estado Francês,
desde há muito, já reconhecia a ilegalidade de atos praticados por
intermédio do abuso de suas potestades legais. Foi o que se passou caso
Lesbats, julgado em 1864, no qual o prefeito da cidade de Fontainebleu,
ao exercer sua prerrogativa de regular o estacionamento de ônibus
vizinho à estação ferroviária, proibiu que determinada transportadora
de passageiros estacionasse lá os seus veículos, com o desiderato de
beneficiar determinado agente econômico.270
Assim é que, como bem destacado por Caio Tácito,271 o fato de a lei
conferir competência ao administrador para desempenhar determinada
atividade não se trasmuda em um cheque em branco para que ela
possa se utilizar de quaisquer meios para atingir essa finalidade. Razão
pela qual é imperioso que os atos praticados pelo poder público sejam
devidamente motivados, de modo que a sua finalidade fique aclarada,

267
Eis o dispositivo: “Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte
responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se:
I – a sentença lhe for desfavorável; II – obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente,
não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias;
III – ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; IV – o juiz
acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor. Parágrafo único. A
indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que
possível”.
268
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. rev., at. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016, p. 284.
269
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 30. ed. at. São Paulo: Malheiros,
2005, p. 110-111.
270
Eis o dispositivo: “Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte
responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se:
I – a sentença lhe for desfavorável; II – obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente,
não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias;
III – ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; IV – o juiz
acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor. Parágrafo único. A
indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que
possível”.
271
TÁCITO, Caio. Teoria e Prática do Desvio de Poder. Revista de Direito Administrativo – RDA,
1974. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/40110.
Acesso em: 16 out. 2018.
ART. 27 121

interditando-se o privilégio de interesses particularísticos.272 É o exemplo


clássico de um decreto expropriatório, que tem por motivo oculto
desapropriar a propriedade de inimigo capital do Chefe do Executivo.
Segue daí que, como observa Adilson Abreu Dallari,273 o debate
acerca do abuso de poder se confunde com o da motivação de atos
administrativos. Razão pela qual caberá ao juiz investigar os reais
motivos por trás da conduta pública, porquanto não raro essa pode ir
muito além do que o agente público fez consignar na motivação do ato.
De acordo com o referido com o referido autor, para além do abuso
de poder ser veiculado por intermédio de atos administrativos típicos,
“tal vicissitude poderá se configurar por qualquer ato praticado por
entidades públicas, a exemplo de quando o Ministério Público ajuíza
ações civis públicas despropositadas”.
Nada obstante, é de se ressaltar que, para a configuração do
abuso de direito do qual trata o art. 27, é despicienda a perquirição
dos elementos volitivos (dolo ou culpa), seja do administrado, seja da
entidade pública (sob a sistemática do abuso de poder). Temos que se
deve interpretar o referido dispositivo nos quadrantes do Enunciado
nº 37, da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal,
de acordo com o qual “a responsabilidade civil decorrente do abuso
do direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério
objetivo-finalístico”.
De fato, o art. 27 tem por objetivo impor uma “compensação” (e
não uma indenização), endoprocessual, pelos benefícios indevidos ou
pelos prejuízos anormais provocados pela instauração de processos.
Cuida-se, pois, de um dispositivo de natureza residual, que tem por
escopo disciplinar, por exemplo, situações não abrangidas pelos prejuízos

272
Victor Nunes Leal acrescenta a importância do controle de atos discricionários, os quais
sempre foram tidos como impassíveis de qualquer controle judicial. Na atualidade, essa
percepção não mais subsiste. Mesmo as liberdades outorgadas ao Poder Público sofrem
limitações normativas de cunho axiológico. Em razão disso, ganha relevância justamente a
motivação do ato, o que lhe deu causa, como forma de aferição da sua legalidade. É que o
interesse público no qual se calca o ato não pode ser genérico, a ponto de legitimar qualquer
conduta pelo agente público. A vagueza dos argumentos é, em várias oportunidades, forma
de travestir a real vontade do administrador. A ilegitimidade do ato pode se dar ainda
quando, mesmo havendo formalmente motivação legítima para sua prática, sua finalidade
é desvirtuada na prática (LEAL, Vitor Nunes. Reconsideração do tema do abuso de poder.
Revista de Direito Administrativo, 2013. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/
index.php/rda/article/view/14110. Acesso em: 26 out. 2018. MEDAUAR, Odete. Direito
Administrativo moderno. 14. ed. rev., at. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.
159.
273
DALLARI, Adilson de Abreu. Formalismo de abuso de Poder. Revista de Direito do Estado, n.
16. Bahia. 2008. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/codrevista.asp?cod=303.
Acesso em: 29 out. 2018.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
122 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

provocados por condutas dolosas ou praticadas mediante culpa grave,


a exemplo do que se passa no regime de responsabilização prevista nos
art. 143,274 158,275 161276 e 181,277 184,278 187,279 497, parágrafo único,280 do
CPC/2015.281
Nessas hipóteses, não há que se falar na prática de um ato ilícito
de qualquer entidade pública, mas do que Josivaldo Félix de Oliveira,282
em obra específica sobre o tema, denomina de “ato lícito danoso”.
Nas palavras do referido autor, tais atos serão indenizáveis “quando,
embora o ato seja lícito, motivado por interesse público, causar um
prejuízo, especial e anormal, isto é, trata-se de ato impositivo de

274
Eis o dispositivo: “Art. 143. O juiz responderá, civil e regressivamente, por perdas e danos
quando: I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude”.
275
“Art. 158. O perito que, por dolo ou culpa, prestar informações inverídicas responderá pelos
prejuízos que causar à parte e ficará inabilitado para atuar em outras perícias no prazo de 2
(dois) a 5 (cinco) anos, independentemente das demais sanções previstas em lei, devendo o
juiz comunicar o fato ao respectivo órgão de classe para adoção das medidas que entender
cabíveis”.
276 “
Art. 161. O depositário ou o administrador responde pelos prejuízos que, por dolo ou culpa,
causar à parte, perdendo a remuneração que lhe foi arbitrada, mas tem o direito a haver
o que legitimamente despendeu no exercício do encargo. Parágrafo único. O depositário
infiel responde civilmente pelos prejuízos causados, sem prejuízo de sua responsabilidade
penal e da imposição de sanção por ato atentatório à dignidade da justiça”.
277
“Art. 181. O membro do Ministério Público será civil e regressivamente responsável quando
agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções”.
278
“Art. 184. O membro da Advocacia Pública será civil e regressivamente responsável quando
agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções”.
279
“Art. 187. O membro da Defensoria Pública será civil e regressivamente responsável quando
agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções”.
280
“Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se
procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que
assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. Parágrafo único. Para
a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação
de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da
existência de culpa ou dolo”.
281
Nas lições de Fredie Didier Jr., no processo civil, princípio da boa-fé extrai-se do art. 5º do
CPC/15 como uma cláusula geral de garantia de retidão e proteção da confiança legítima
na conduta dos envolvidos. Tal princípio expandiu-se do Direito Privado para todos os
ramos do Direito Público, incluindo o Direito Processual Civil, irradiando-se sobre todas
as relações processuais. (DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução
ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. v. 1. 18. ed. rev. at.
e ampl. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 106-109). CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER,
Ronaldo. Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 146-
147. Cf. STJ, Resp nº 1.467.888, Terceira Turma, relatora: Min. Nancy Andrighi, julgado em
20.10.2016; TJ-RJ, Apel. nº 0194608-39.2013.8.19.0001, 23ª Câmara Cível, relator: Celso Silva
Filho, julgado em 05.07.2017; TJ-RJ, AI nº 0040892-58.2014.8.19.0000, 23ª Câmara Cível,
relator: Des. Luciano Silva Barreto, julgado em 17.09.2014; e STJ, EDcl no REsp, nº 1140326,
4ª Turma, Relator: Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 15.04.2010.
282
OLIVEIRA, Josivaldo Félix de. A responsabilidade do Estado por ato lícito. São Paulo: Habeas,
1998, p. 74-80.
ART. 27 123

sacrifício e não simplesmente restritivo de direito” (grifos nossos).283


No mesmo sentido, Leon Duguit284 lecionava que “se, da intervenção
do Estado, assim da atividade estatal, resulta prejuízo para alguns, a
coletividade deve repará-lo, exista ou não culpa por parte dos agentes
públicos”.
Alguns exemplos ilustram quanto ao exposto. Não se pode
desconsiderar os prejuízos materiais e imateriais que são provocados
quando um agente ocupa a qualidade de réu numa ação de improbidade
administrativa. Acontece que a jurisprudência pátria, até o presente
momento, consagrava o entendimento de acordo com o qual só seria
devido o pagamento de sucumbência, pelo Ministério Público, se ficasse
comprovada a sua litigância de má-fé (nos quadrantes do disposto no art.
17 da Lei nº 7.347/1985).285 O que gerou incentivos para o ajuizamento
de ações de improbidade despidas de substratos fáticos e jurídicos.
Assim é que, a partir da vigência do art. 27, será possível pleitear-se
que a decisão final de mérito (sentença ou acórdão) prescreva o dever
de compensação pelos prejuízos anormais suportados pelo réu que se
sagrou vencedor da demanda.286

283
Esse parece ser o entendimento de Renato Alessi: “Tal compensación no constituye un
ressarcimiento del daño, ya que el concepto jurídico de ressarcimiento presupone el de
responsabilidad por los daños que han de resarcirse, lo que a su vez presupone la violación
de un derecho subjetivo. En el caso que nos ocupa no se trata de violación de derechos,
puesto que son daños que derivan de actividades plenamente legítimas. La Administración
pública cuando se apropia, con las formalidades debidas, del inmueble de un particular,
cuando ordena la destrucción de las vides atacadas de filoxera, no viola otros tantos derechos
de los particulares, puesto que su actividad es plenamente legítima, sino que los sacrifica a
justando se a lo previsto expresamente por la norma legal” (ALESSI, Renato. Instituciones
de derecho administrativo. Tradução de Buenaventura Pellisé Prats. Barcelona: Bosch, 1970,
p. 489).
284
DUGUIT, León. Las transformaciones del derecho público. 2. ed. Madrid: Comares, 2008, p.
306.
285
REsp nº 896.679/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 12.5.2008; REsp nº 419.110/SP, 2ª
Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 27.11.2007; AgRg no Ag nº 542.821, Segunda
Turma, relator: Min. João Otávio de Noronha, DJe de 06.12.2006.
286
Carlos Ari Sundfeld traz o seguinte exemplo elucidativo a propósito da aplicação do art. 27:
“o vereador de Osasco tenha apontado um caminho. Em 2001, sofreu ação de improbidade
e perdeu em 1ª Instância. Recorreu e teve de pagar cerca de R$17 mil de custas. Deu sorte,
acabou vitorioso. E surpreso: o estado nem pagaria seu advogado, nem reembolsaria os R$
17 mil. Irritado, moveu ação para recobrar as custas. Agora em 2018, o Tribunal de Justiça
de São Paulo lhe deu razão, desafiando a legislação processual e usando o princípio da
causalidade (apelação 1028683- 23.2016.8.26.0405). Reconheceu o óbvio: ‘Não existe, de fato,
Justiça gratuita’. Processos sempre oneram alguém. E é errado que o ônus caia sobre a parte
inocente. Ao condenar o estado, o Tribunal disse: quem ‘deu causa à propositura da ação
ou à instauração de incidente processual deve responder pelas despesas deles decorrentes’.
Poderia ter invocado também o art. 27 da Lei de Introdução reformada, segundo o qual
‘a decisão no processo, na esfera administrativa, controladora ou judicial, poderá impor
compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
124 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

Cogite-se da hipótese em que a Agência Nacional de Vigilância


Sanitária (ANVISA), por ocasião de um procedimento de fiscalização,
aplique a penalidade administrativa de interdição total de um estabele-
cimento empresarial, prevista no art. 2º, V, da Lei nº 6.437/1977. E que,
no curso do processo administrativo sancionador, após a produção
de provas pela parte, fique comprovado que não houve violação às
normas sanitárias, ou que teria havido, apenas, a violação parcial.
De modo que a penalidade de interdição parcial, nesse particular, se
mostrou indevida ou excessiva. Nessa hipótese, o art. 27 poderia ser
utilizado para que, no próprio processo administrativo, fosse fixada uma
compensação pelos prejuízos anormais suportados pelo explorador do
estabelecimento empresarial.
Carlos Ari Sundfeld e Alice Voronoff,287 a propósito da aplicação
do art. 27 na esfera de controle, exemplificam que “o TCU tem se valido
de critérios bastante frágeis para determinar o provimento cautelares,
como a mera suspeita de irregularidades. Razão pela qual o art. 27
pretende corrigir e desestimular o uso arbitrário desses instrumentos,
insuficientemente justificados ou, apenas, ensejador de danos anormais
e injustos ao jurisdicionado”. Em resumo, o dispositivo comentado
processualiza os danos anormais e excessivos suportados pelas partes
em decorrência da relação jurídica processual; tende a gerar economia, e,
na ponta, poderá importar em incentivos para que o direito ao processo
seja racionalizado (e exercido de forma menos abusiva).

§1º A decisão sobre a compensação será motivada, ouvidas previamente


as partes sobre seu cabimento, sua forma e, se for o caso, seu valor.

Cuida-se aqui de prescrição autoexplicativa, pois que consagra o


dever de motivação dos atos estatais, um dos postulados básicos do Estado
Democrático de Direito, que tem fundamento nos incisos IX e X do artigo

processo ou da conduta dos envolvidos.’ Quem sabe agora, com a nova lei, as autoridades
sejam cobradas a usar algum filtro antes de abrir processos? Se não por racionalidade e
justiça, ao menos para prevenir as compensações” (Não existe processo grátis. Disponível
em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/nao-existe-processo-
gratis-08082018).
287
SUNDFELD, Carlos Ari. VORONOFF. Quem paga pelos riscos dos processos?. Revista
de Direito Administrativo – RDA. Edição especial. Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2018, p. 195.
ART. 27 125

93288 da CRFB.289 O dever se apresenta ainda mais evidente nos atos que
produzam efeitos na esfera dos administrados, em consonância com o
disposto no art. 50, incisos I e II, da Lei nº 9.784/1999,290 que disciplina o
processo administrativo no âmbito da Administração Pública federal.291
Nada obstante, o parágrafo que se comenta aponta que o contra-
ditório será exercido, especificamente, a propósito do “cabimento”,
da “forma” e do “valor” da compensação que será arbitrada. Significa
dizer que a parte que suportou prejuízos anormais em decorrência da
instauração de um processo deverá demostrar, por intermédio dos meios
de prova legalmente admitidos, o nexo de causalidade entre o prejuízo
suportado e a instauração do procedimento. No exemplo acima suscitado
do exercício fiscalizatório da ANVISA, para efeito de demonstração do
seu cabimento, é possível cogitar-se da comprovação do tempo em que a
empresa restou interditada, em decorrência do processo administrativo
sanitário, por intermédio, por exemplo, da apresentação do auto de
interdição; no que respeita à forma de compensação, caberia à empresa
demostrar qual seria a forma mais adequada de ser compensada (se em
pecúnia ou por intermédio de alguma desoneração regulatória); e, por
fim, no que respeita ao valor, poder-se-ia apresentar uma simulação
do seu faturamento do período.

§2º Para prevenir ou regular a compensação, poderá ser celebrado


compromisso processual entre os envolvidos.

288
“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o
Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: IX todos os julgamentos dos
órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de
nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus
advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade
do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
X as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo
as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros; (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”.
289
OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 2. ed. São Paulo: RT, 2005, p. 532
290
Eis os dispositivos: “Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação
dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I – neguem, limitem ou afetem direitos ou
interesses; II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções”.
291
José dos Santos Carvalho Filho ressalta, com propriedade, a necessidade da motivação
dos atos administrativos: “A ausência da justificativa expressa do ato nos casos em que a
lei a considera essencial e indispensável torna contaminado o ato por vício de legalidade,
impondo-se a sua anulação pela Administração ou pelo Judiciário” (CARVALHO FILHO,
José dos Santos. Processo administrativo federal: comentários à Lei 9.784/1999. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2001, p. 227).
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
126 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

Por fim, o §2º do dispositivo em comento dispõe que, “para


prevenir ou regular a compensação, poderá ser celebrado compromisso
processual entre os envolvidos”. É dizer, cuida-se da hipótese de
celebração de negócios jurídicos processuais, os quais têm previsão no
artigo 190 do CPC 2015, de acordo com qual, “versando o processo sobre
direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente
capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especifi-
cidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades
e deveres processuais, antes ou durante o processo”292 – expediente
que, de resto, já poderia ser utilizado em processos administrativos,
nos termos do artigo 15 do CPC 2015.293
Para efeito de implementação do art. 27, temos que tal prescrição
será serviente, por exemplo, para que compromitente e compromissário
possam estabelecer, de forma negociada: (i) o rito que esse incidente
de compensação deverá seguir; (ii) os prazos em que as partes se
manifestarão sobre o cabimento, a forma e valor da compensação.
Diante de todo o exposto, é possível se concluir que o art. 27 terá
a relevante função de consagrar os vetores da segurança jurídica da

292
A propósito dos limites à celebração dos negócios jurídicos processuais, a Escola Nacional
de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) editou os enunciados. Confiram-
se: Enunciado 36 “A regra do art. 190 do CPC/2015 não autoriza às partes a celebração de
negócios jurídicos processuais atípicos que afetem poderes e deveres do juiz, tais como os
que: a) limitem seus poderes de instrução ou de sanção à litigância ímproba; b) subtraiam
do Estado/juiz o controle da legitimidade das partes ou do ingresso de amicus curiae; c)
introduzam novas hipóteses de recorribilidade, de rescisória ou de sustentação oral não
previstas em lei; d) estipulem o julgamento do conflito com base em lei diversa da nacional
vigente; e e) estabeleçam prioridade de julgamento não prevista em lei”. Enunciado 37
“São nulas, por ilicitude do objeto, as convenções processuais que violem as garantias
constitucionais do processo, tais como as que: a) autorizem o uso de prova ilícita; b) limitem
a publicidade do processo para além das hipóteses expressamente previstas em lei; c)
modifiquem o regime de competência absoluta; e d) dispensem o dever de motivação”.
293
Egon Bockmann Moreira apresenta os seguintes exemplos de negócios jurídicos processuais
que podem ser celebrados pela Administração Pública: “Por exemplo, pense-se num processo
de licitação, em que a Administração e os interessados podem transacionar a respeito do
efeito suspensivo (ou não) dos recursos administrativos. Já num processo administrativo
disciplinar pode-se estabelecer tratativas a propósito do prazo para a defesa e do termo
para ser proferida a decisão final. De igual modo, em pedido de reequilíbrio econômico
financeiro de contrato administrativo deduzido em agência reguladora, as partes podem
negociar a respeito das fases, prazos e eventual prova a ser desenvolvida – bem como
do perito escolhido por elas de comum acordo. O mesmo se diga sobre os processos de
controle por parte dos Tribunais de Contas, aos quais pode ser atribuída consensualmente a
necessária celeridade – prefixando-se a agenda processual. Nada disso atenta nem contra a
lógica nem contra o regime jurídico do processo administrativo. Ao contrário, tais soluções
amigáveis prestigiam os princípios da legalidade, da eficiência e da duração razoável do
processo” (MOREIRA, Egon Bockmann. O novo Código de Processo Civil e sua aplicação
no processo administrativo. Revista de Direito Administrativo – RDA, Rio de Janeiro, ano
2016, n. 273, p. 313-334, set./dez. 2016).
ART. 27 127

estabilidade e da proporcionalidade. Da estabilidade, pois que a insti-


tuição de compromissos endoprocessuais poderá gerar incentivos para
que as decisões sejam menos provisionais, evitando-se questionamentos
irresponsáveis. Da proporcionalidade, na medida em que distribuirá os
ônus e benefícios decorrentes da relação jurídica processual.
PÁGINA EM BRANCO

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Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões
ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
Caput acrescentado pela Lei nº 13.655, de 25.04.2018.

Nutrido pela legítima reação da sociedade contra a corrupção,


vimos assistindo o desenvolvimento de um “sistema legal de defesa
da moralidade administrativa’.294 Ele é composto pela parte penal da
Lei de Licitações e Contratos Administrativos (artigos 90 et seq. da Lei
nº 8.666/1993); pela Lei nº 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência);
pela Lei Complementar nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa); pelos artigos
312 et seq. do Código Penal, que disciplinam os crimes praticados contra
a Administração Pública, pela Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade
Administrativa) e, mais recentemente, pela Lei nº 12.846/2013 (Lei
Anticorrupção). Tais diplomas, na sua maioria, resultaram de manifes-
tações legislativas expedidas, provocadas pela pressão popular (uma
espécie de “voluntarismo normativo”, por assim dizer). Essa marcha
legislativa açodada costuma produzir falhas regulatórias, por erros de
diagnóstico e análises superficiais.295
Uma das principais falhas desse sistema normativo é que ela não
considera o administrador probo, honesto e responsável. O desamparo
normativo desse agente público produz externalidades negativas para

294
Como se teve a oportunidade de asseverar em MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo;
FREITAS, Rafael Véras de. A juridicidade da Lei Anticorrupção: reflexões e interpretações
prospectivas. Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 14, n. 156, p. 9-20, fev. 2014.
295
Sobre o tema, Cass Sustein leciona que: “os casos em que o Legislador ou regulador, instado
a se manifestar por conta de eventos singulares – que dificilmente se repetirão – ou fortes
anseios populares momentâneos, edita normas sem submetê-las a exames mais apurados
que indiquem os possíveis efeitos negativos gerados pelas mesmas” (SUNSTEIN, Cass.
After rights revolution: reconceiving the Regulatory State. Massachusetts: Harvard University
Press, 1993, p. 86). Isso porque, a seu ver, a maioria das pessoas, por meio de “uma lente
grosseiramente distorcida, veem pequenos riscos como grandes riscos e grandes riscos
como pequenos, e muitas vezes eles defendem soluções cujos riscos são ainda maiores do
que aqueles dos problemas que se propõem resolver” (SUNSTEIN, Cass. Risk and reason
safety, law and the environment. Cambridge: Cambridge University Press, 2002). No Brasil,
rotineiramente, anseios populares interferem em processos regulatórios. Influências essas que,
não raro, alteram seus propósitos. Alexandre Santos de Aragão denomina essa influência de
voluntarismo regulatório. Trata-se de medida regulatória levada a efeito não por fundamentos
jurídico-econômicos, mas por paixões e pelo sentimento de impor a visão pessoal daqueles
que se encontram em uma posição privilegiada para a tomada de decisões. (ARAGÃO,
Alexandre Santos de. Análise de impacto regulatório: instrumento de uma regulação mais
eficiente e menos invasiva. Revista Justiça e Cidadania, Rio de Janeiro, n. 129, 2012. Disponível
em: http://www.editorajc.com.br/2012/07/analise-de-impacto-regulatorio-instrumento-de-
uma-regulacao-mais-eficiente-e-menos-invasiva-2/. Acesso em: 13 ago. 2015).
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
130 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

além dos atos praticados pelos agentes corruptos. Causa a paralisia da


Administração Pública. Não há incentivo para se decidir. A lógica de
autodefesa é a seguinte: se a inércia, quando muito, pode lhe importar
uma sanção funcional, enquanto a ação pode lhe importar na sua
responsabilização patrimonial, o melhor é nada fazer. O problema é que
a legítima defesa do gestor público leva, no final do processo, à inação
do Estado, com violação reflexa aos demais fundamentos. Mais que
isso, como bem notado por Gustavo Binenbojm e André Cyrino,296 essa
insegurança jurídica do atuar do agente público honesto importam na:
(i) a inibição de qualquer iniciativa inovadora (inércia conservadora);
e (ii) a submissão acrítica e imediata às orientações dos controladores
(subserviência institucional).
Disso decorre o advento de, ao menos, mais dois efeitos diretos. O
primeiro é o de interditar práticas experimentalistas na gestão pública.297
O experimentalismo pode ser reconduzido a estudos como o de Roberto
Mangabeira Unger e Charles Sabel que, inspirados no trabalho de John
Dewey,298 propõem que as políticas públicas sejam revisadas à luz da
experiência prática. É dizer, nesse quadrante, o Estado define objetivos
e coordena diversas entidades que, de forma descentralizada, operarão
em regimes colaborativos e participativos, capazes de aproveitar o
aprendizado institucional obtido contextualmente.299 Trata-se, pois,
de uma visão na qual as instituições são dinâmicas, e não estáticas,
uma vez que os arranjos institucionais são experimentados e revisados

296
O art. 28 da LINDB: a cláusula geral do erro administrativo. Revista de Direito Administrativo –
RDA. Edição especial. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Rio de Janeiro,
Editora FGV, 2018, p. 218.
297
PALMA, Juliana Bonacorsi de. A proposta de lei da segurança jurídica na gestão e do
controle públicos e as pesquisas acadêmicas. Disponível em: http://www.sbdp.org.br/wp/
wp-content/uploads/2018/04/PALMA-Juliana-A-proposta-de-lei-da-seguran%C3%A7a-
jur%C3%ADdica.pdf. Acesso em: 13 dez. 2018.
298
Charles Sabel e William H. Simon reconhecem que a expressão é tomada da filosofia política
de Dewey. Cf.: SABEL, Charles; SIMON, William H. Minimalism and experimentalism in
the administrative state. Columbia Public Law & Legal Theory Working Papers, Paper
9187, 2011, p. 26.
299
Comentando a importância da expansão do método experimentalista para além das
fronteiras do campo científico, ao campo dos estudos sociais, Mangabeira Unger afirma:
“(...) entendemos como as coisas funcionam ao descobrir sob que condições, em que direções
e dentro de que limites elas podem mudar. A inclusão de fenômenos reais em um campo
maior de oportunidades não aproveitadas não é, para a ciência, uma conjectura metafísica: é
um pressuposto operativo indispensável. O que vale para a ciência natural vale com grande
força para toda a gama de estudos sociais e históricos. Juízos de possibilidade contrafática,
em grande medida implícitos, informam nossa percepção acerca de seqüências reais de
mudança histórica e de forças reais na vida em sociedade” UNGER, Roberto Mangabeira.
O direito e o futuro da democracia. Tradução de Caio Farah Rodriguez e Marcio Soares
Grandchamp. São Paulo: Boitempo, 2004, p. 11.
ART. 28 131

continuamente.300 Desse modo, o experimentalismo se baseia em um


aprendizado contextual, o qual fornece um insumo (input) para a
remodelagem das políticas pelo governo.301 Assim é que, num contexto
no qual se condena o erro ao ilícito, geram-se incentivos contrários a
inovações administrativas experimentais.
O segundo é o de importar em seleções adversas 302 para o
provimento de cargos públicos. É que, se o ordenamento jurídico não
tutela exercício da função pública por agentes probos e honestos, tal
assimetria de tratamentos tenderá a atrair para ocupar tais quadros
pessoas que assumem o risco da desonestidade.303 No mesmo sentido,
como também registrado por Gustavo Binenbojm e André Cyrino304 “a
insegurança jurídica tende a promover um fenômeno de seleção adversa,
desestimulando a atração de gestores de perfil inovador e interessados
na mudança do status quo”.
Retrata, pois, esse cenário de insegurança jurídica para o gestor
público o “ativismo” do controle externo exercido pelo TCU. A referida
Corte de Contas, em diversas decisões, sancionou administradores
públicos que não adotaram posturas dotadas de diligência, cautela e
lealdade, que integram o conceito de “administrador médio” por ela
criado. Cuida-se de conceito dotado de absoluta indeterminação, e que,
por conseguinte, importa na mais completa insegurança jurídica para
o exercício da função pública.305 Foi o que se passou, recentemente, por

300
RIBEIRO, Leonardo Coelho. O direito administrativo como caixa de ferramentas e suas
estratégias. Revista de Direito Administrativo – RDA, Rio de Janeiro, ano 2016, n. 272, p. 209-
249, maio/ago. 2016.
301
Nesse sentido, cf.: DEWEY, John. The public and its problems: an essay in political inquiry.
University Park: Pennsylvania State University, 2012, p. 56-57.
302
O fenômeno da seleção adversa foi melhor investigado por George Akerlof (vencedor do
Prêmio Nobel em Economia no ano de 2001), que escreveu um artigo em 1970 e publicado no
Quarterly Journal of Economics, denominado de “The Market for Lemons: Quality Uncertainty
and the Market Mechanism”.
303
“A seleção adversa ocorre quando uma das partes detém maior quantidade de informações
sobre as características dos bens ou interesses que pretende transacionar, ou mesmo a
respeito de seus inerentes atributos, antes da celebração da transação, tornando difícil ou
impossível para a contraparte se certificar a respeito de tais informações, por assim dizer,
privilegiadas. Em face disso, impede-se a justa avaliação da qualidade dos bens ou da
performance dos envolvidos nos pactos. (FREITAS, Juarez; TRINDADE, Manoel Gustavo
Neubarth; VOLKWEISS, Antônio Carlos Machado. Direito da regulação: falhas de mercado.
Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 18, n. 95, p. 133-153, jan./fev. 2016).
304
O art. 28 da LINDB. A Cláusula Geral do erro administrativo. Op. cit.
305
Juliana Bonacorsi de Palma, em acurada análise sobre o tema, explicita os casos em que o
TCU definiu tal conceito, no seguinte trecho: “Mas quem é o administrador médio do TCU?
Para o Tribunal, o administrador médio é, antes de tudo, um sujeito leal, cauteloso e diligente
(Ac. 1781/2017; Ac. 243/2010; Ac. 3288/2011). Sua conduta é sempre razoável e irrepreensível,
orientada por um senso comum que extrai das normas seu verdadeiro sentido teleológico
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
132 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

ocasião da prolação do Acórdão nº 1.628/2018, plenário, da relatoria


do (Exmo. Ministro Benjamin Zymler), que teve por objetivo avaliar
a responsabilidade de gestores municipais do SUS, em Balneário
Camboriú. No referido julgamento, o responsável pela homologação do
certame foi responsabilizado, pois que sua conduta teria destoado da
do “administrador médio”,306 cuja diligência, cautela e lealdade teriam
impedido a ocorrência de certas falhas. Nesse contexto, bem-vindo, pois,
o art. 28 da Lei nº 13.655/2018, de acordo com o qual “o agente público
responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em
caso de dolo ou erro grosseiro”. Um antídoto ao “apagão das canetas”.
É de se registrar, preliminarmente, que o dispositivo comentado
tem por objeto tutelar “decisões” ou “opiniões técnicas”. “Decisões”,
para o efeito de incidência do dispositivo comentado, são manifestações
de vontade do poder público de natureza final, que tem por objetivo
criar, constituir ou extinguir direitos, as quais são consubstanciadas, em
regra, por intermédio de atos administrativos. Já “opiniões técnicas”,
diversamente, visam a instruir (fática, jurídica ou tecnicamente) o ato
administrativo decisório, de que são exemplos os pareceres jurídicos
(proferidos pelas entidades que exercem o munus da Advocacia Pública) e
os pareceres técnicos (usualmente, proferidos por quadros intestinos, com
funções técnicas, em órgãos ou entidades da Administração Pública). Dito
em outros termos, as opiniões técnicas integram, pois, os “motivos” dos
atos administrativos, na medida em que visam a lhe conferir substratos
fáticos e jurídicos. Assim é que, via de regra, a responsabilização dos
agentes públicos pela produção de opiniões técnicas seria predicadora,

(Ac. 3493/2010; Ac. 117/2010). Quanto ao grau de conhecimento técnico exigido, o TCU
titubeia. Por um lado, precisa ser sabedor de práticas habituais e consolidadas, dominando
com mestria os instrumentos jurídicos (Ac. 2151/2013; Ac. 1659/2017). Por outro, requer
do administrador médio o básico fundamental, não lhe exigindo exame de detalhes de
minutas de ajustes ou acordos administrativos que lhe sejam submetidos à aprovação, por
exemplo (Ac. 4424/2018; Ac. 3241/2013; Ac. 3170/2013; 740/2013). Sua atuação é preventiva:
ele devolve os valores acrescidos da remuneração por aplicação financeira aos cofres federais
com prestação de contas, e não se apressa para aplicar esses recursos (Ac. 8658/2011; Ac.
3170/2013). Não deixa de verificar a regularidade dos pagamentos sob sua responsabilidade
(Ac. 4636/2012), não descumpre determinação do TCU e não se envolve pessoalmente em
irregularidades administrativas (Ac. 2139/2010)” (https://www.jota.info/opiniao-e-analise/
colunas/controle-publico/quem-e-o-administrador-medio-do-tcu-22082018).
306
O Contexto da insegurança jurídica dessa interpretação TCU é bem relatado por Leonardo
Coelho: “Possivelmente, também em nome da segurança jurídica. Do controlador, e
não dos controlados, claro. Nesse contexto, espera-se mesmo é pelo surgimento de um
“administrador médium”, dotado da presciência capaz de antecipar as visões futuras do
controlador” (Vetos à LINDB, o TCU e o erro grosseiro dão boas-vindas ao “administrador
médium”. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-ago-08/leonardo-coelho-vetos-
lindb-tcu-erro-grosseiro).
ART. 28 133

ao menos, da produção de atos administrativos com efeitos exógenos,


e não de manifestações de natureza meramente instrutivas.
Acontece que o tema da responsabilização de agentes públicos,
pela prolação de manifestações técnicas, ganhou nossas páginas, a partir
da Jurisprudência Administrativa do TCU, construída por intermédio
do Acórdão nº 675/2006-Plenário. O caso é tratado como Leading Case
da Responsabilização dos Advogados de Estado, ocasião em que o TCU
deixou assentado que “sempre que o parecer jurídico pugnar para o
cometimento de ato danoso ao Erário ou com grave ofensa à ordem
jurídica, figurando com relevância causal para a prática do ato, estará
o autor do parecer alcançado pela jurisdição do Tribunal de Contas
da União”.
No âmbito do Poder Judiciário, o tema, sabemos, passou por
uma involução jurisprudencial. O primeiro julgado digno de nota foi
o Mandado de Segurança nº 24.073-3-Distrito Federal, por intermédio
do qual o STF, acertadamente, concluiu que seria interditado respon-
sabilizar advogado de empresa estatal307 “dado que o parecer não é ato
administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva,
que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a
serem estabelecidas nos atos de administração ativa”.308

307
Nesse julgado, com absoluta pertinência e até com um indisfarçado toque de ironia, ainda
votou no mesmo diapasão o Min. Nelson Jobim à fls. 394: “a impertinente pratica o ato
de improbidade. Tenho posição conhecida: empresas dessa natureza não estão sujeitas à
verificação do Tribunal de Contas, mas essa não é a tese defendida, não é o caso sustentado.
Só lembraria, na linha das observações do Min. Gilmar Mendes, que, no Rio de Janeiro, um
determinado juiz de Direito está respondendo a uma investigação no Ministério Público
em relação à improbidade administrativa. Por questões de Direito, em algum momento do
tempo, havia sido membro de um dos conselhos do Botafogo e, em certas ações envolvendo
o time, ele não se deu por impedido. Por isso, Membros do Ministério Público entenderam
que ele havia praticado improbidade administrativa. O caso específico mostra claramente o
exagero da visão, quase de pensamento único, pretendida pelo Tribunal de Contas quanto
às questões jurídicas. Divergir dessa Corte é ter a responsabilidades em termos, inclusive,
de análise de questões jurídicas, aplicadas em questões técnicas, podendo atingir até
contadores, técnicos de contabilidade, economistas, etc.”.
308
No voto do Min. Relator Carlos Velloso, à fls. 387, encontra-se o fundamento adequado, posto
com absoluta clareza, peculiar a seus arestos: “Examinemos a questão. O parecer emitido
por procurador ou advogado de órgão da administração pública não é ato administrativo.
Nada mais é do que a opinião emitida pelo operador do direito, opinião técnico-jurídica,
que orientará o administrador na tomada da decisão, na prática do ato administrativo, na
execução ex officio da lei. Hely Lopes Meirelles cuidou do tema e lecionou: ‘Pareceres –
Pareceres administrativo são manifestações de órgãos técnicos sobre assuntos submetidos
à sua consideração. O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a
Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato
subseqüente. Já então, o que subsiste como ato administrativo, não é o parecer, mas sim o
ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinária, negocial ou
punitiva.’ (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 26. ed. Malheiros, p. 185)
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
134 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

Não obstante o acerto dessa primeira decisão, o STF, por ocasião


do julgamento dos Mandados de Segurança nºs 24.631 e 24.584, ambos
de agosto de 2007, inovou o tratamento do tema, ao considerar que o
art. 38, parágrafo único, da Lei nº 8.666/1993, ao tratar do procedimento
licitatório, imporia responsabilidade solidária aos advogados de
Estado. Em tais precedentes, o STF, lastreado em lição doutrinária de
outrora – trazida pelo TCU, se manifestou no sentido de que existiriam
três hipóteses de pareceres, nos quadrantes da natureza da consulta: 1ª)
a facultativa, na qual a autoridade administrativa não se vincularia à
consulta emitida; 2ª) a obrigatória, na qual a autoridade administrativa
ficaria obrigada a realizar o ato tal como submetido à consultoria,
com parecer favorável ou não, podendo agir de forma diversa após
emissão de novo parecer; e 3º) a vinculante, na qual a lei estabeleceria
a obrigação de ‘decidir à luz de parecer vinculante’, não podendo o
administrador decidir senão nos termos da conclusão do parecer ou,
então, não decidir.309 De modo que, ao ver do tribunal, na hipótese de se
tratar de Consulta Vinculante, o parecerista poderia ser, solidariamente,
responsável com o gestor público.
Temos que a doutrina pátria310 e o próprio STF311 já bem equacio-
naram a questão, ao se manifestarem no sentido de que só será admissível

e conclui: ‘É dizer, o parecer não se constitui no ato decisório, na decisão administrativa,


dado que ele nada mais faz senão informar, elucidar, sugerir providências administrativas
a serem estabelecidas, nos atos de administração ativa’. Posta assim a questão, é forçoso
concluir que o autor do parecer, que emitiu opinião não vinculante, opinião a qual não
está o administrador vinculado, não pode ser responsabilizado solidariamente com o
administrador, ressalvado, entretanto, o parecer emitido com evidente má-fé, oferecido,
por exemplo, perante administrador inapto. Esse é o primeiro fundamento que me leva a
deferir a segurança. Fundamento de maior relevância, entretanto, conducente à concessão do
writ, é este: o advogado, segundo a Constituição Federal, ‘é indispensável à administração
da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações; no exercício da profissão, nos
limites da lei’.”
309
MS nº 24.631, Relator o Min. Joaquim Barbosa.
310
SOUTO, Marcos Juruena Villela. O papel da advocacia pública no controle da legalidade da
Administração. In: TAVARES, Lúcia Léa Guimarães (Org.). Revista de Direito da Associação dos
Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 16, p. 25-42, 2006. MOREIRA
NETO, Diogo de Figueiredo. Independência técnico-funcional da Advocacia de Estado. In:
TAVARES, Lúcia Léa Guimarães (Org.). Revista de Direito da Associação dos Procuradores do
Novo Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 16, p. 3-23, 2006.
311
No Recurso em Habeas Corpus nº 7165-RO, julgado em 21 de maio de 1998, relator o
ministro Anselmo Santiago, uma procuradora do estado de Rondônia havia sido denunciada
pelo MP, como incursa no art. 89 da Lei nº 8.666/93, à conta de parecer em que afirmou a
possibilidade de uma contratação direta sem licitação. O relator entendeu que a denúncia
era “despropositada, abusiva até.” “Não é plausível a persecutio criminis contra quem
simplesmente, no pleno exercício de suas funções, emite opinião sobre matéria teórica,
referendada por sua Chefia, pouco importando que espertalhões venham a usar seu trabalho
para, em etapa posterior, se locupletarem a custa do erário público.” Afirmou, ainda, que a
ART. 28 135

a responsabilização dos pareceristas nas hipóteses em que praticarem


atos dolosos ou permeados por erros inescusáveis.312
Na mesma direção, caminhou a jurisprudência pátria a propósito
da responsabilização do agente público pela prolação de “decisões”,
notadamente no que respeita às ações de improbidade administrativa.
Nesse sentido, é clássica a jurisprudência do STJ, de acordo com a qual
“a qual a Lei de Improbidade deve “alcançar o administrador desonesto,
e não o inábil” (Resp. nº 213.994/MG)”. Com base nesse racional, a
doutrina313 e a jurisprudência314 caminharam na firme trilha de consagrar
o entendimento de acordo com o qual a “responsabilização por atos

denúncia seria uma condenável forma de censura a uma atividade que deve ser exercida,
nos termos do art. 18 da Lei da OAB, com ampla liberdade. Com uma única divergência,
todos os demais ministros acompanharam o relator, dando provimento ao recurso. No
Habeas Corpus nº 78.553-SP, julgado por unanimidade em 9 de outubro de 2007, sendo
relator a ministra Maria Thereza de Assis Moura, entendeu-se que não era pelo simples
fato de a impetrante ser advogada – no caso, procuradora do município de Santo André –
que estaria livre de poder cometer, em tese, o crime descrito no art. 90 da Lei federal nº
8.666/93. A liberdade de exercício da profissão de advogado, dizia a ministra, confinar-se-ia
nos limites da lei. Daí a denegação da ordem.
312
José Vicente Santos de Mendonça estabelece os seguintes requisitos formais, que devem ser
observados pelo pareceristas, para evitar a sua responsabilização: “Um parecer jurídico é,
em essência, uma opinião, mas não é só isso: é uma opinião proferida dentro de um contexto
institucional controlado. Portanto, existem limites, formais e materiais, à abrangência da
liberdade profissional do advogado que a profere. Os limites formais expressam-se na (i)
transcrição de dispositivos normativos, (ii) na referência à jurisprudência atualizada, (iii)
no apelo à doutrina consagrada e (iv) na incorporação, moderada e inteligível, de inovações
doutrinárias e jurisprudenciais ao corpo do argumento. O limite formal é a razoabilidade
de tese defendida, conceito de difícil definição, mas que se aproxima do sentido de “ser
apropriado” de Günter; de qualquer forma, a maioria dos advogados consegue distinguir
uma tese juridicamente defensável de uma “forçação de barra”. A ideia é que os pareceres
públicos sirvam apenas a uma visão de Direito entendido como técnica pautada por uma
pretensão de correção, jamais a uma ideia de Direito como prática engenhosa, instrumentalista
e amoral” (MENDONÇA, José Vicente Santos de. A responsabilidade pessoal do parecerista
público em quatro standards. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte,
ano 7, n. 27, out./dez. 2009).
313
No mesmo sentido, FREITAS, Juarez. Do Princípio da Probidade Administrativa e de sua
Máxima Efetivação. Boletim de Direito Administrativo, jul./96, São Paulo: NDJ, 1996, p. 43347;
SILVA, José Afonso da. Reflexões sobre Improbidade Administrativa no Direito Brasileiro. In:
BUENO, Cássio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende (Coord.). Improbidade
Administrativa questões polêmicas e atuais. São Paulo: Malheiros/Sociedade Brasileira de Direito
Público, 2001, p. 88.
314
Precedentes: AgRg no REsp nº 1.500.812/SE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda
Turma, DJe 28.5.2015; REsp nº 1.512.047/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda
Turma, DJe 30.6.2015; AgRg no REsp nº 1.397.590/CE, Rel. Ministra Assusete Magalhães,
Segunda Turma, DJe 5.3.2015; AgRg no AREsp 532.421/PE, Rel. Ministro Humberto Martins,
Segunda Turma, DJe 28.8.2014” (REsp nº 1.508.169/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin,
Segunda Turma, julgado em 13.12.2016, DJe 19.12.2016). Conforme pacífico entendimento
jurisprudencial dessa Corte Superior, improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo
elemento subjetivo da conduta do agente, sendo “indispensável para a caracterização de
improbidade que a conduta do agente seja dolosa para a tipificação das condutas descritas
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
136 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

de improbidade é predicadora da comprovação do elemento subjetivo


(dolo ou culpa grave) do agente público”.
É, justamente, esse o racional do art. 28. Busca basear na certeza
de que o agente não será punido pelo seu atuar de boa-fé ou por
divergências de interpretação ou concepção doutrinária. As vicissitudes
de sua atuação, claro, terão de ser apuradas, mas se volta a privilegiar
a presunção de legalidade dos atos administrativos. Abole-se o nefasto
“crime de hermenêutica”. De fato, a introdução da responsabilidade
objetiva implica imputação por demais aberta, que predicava o estabele-
cimento de parâmetros mais objetivos, de uma racionalidade decisória.
Nada que afronte a moralidade, nem, tampouco, a legalidade.
Mais que isso, temos que o novel diploma terá o condão de dar densidade
ao princípio da moralidade administrativa. É que, nos últimos anos,
sobretudo em razão da abertura do art. 11 da Lei nº 8.429/1992,315 a
imoralidade administrativa, na qualidade de um conceito jurídico
indeterminado, passou a ter a sua zona de certeza positiva delimitada
a critério dos controladores.
Uma espécie de responsabilização objetiva pessoal dos agentes
públicos, que não encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro.
É que a nossa Constituição consagra a responsabilidade subjetiva, a
ser aferida em ação de regresso, nos termos do art. 37, §6º,316 da CRFB.
A jurisprudência pacífica do STJ (a exemplo do Resp. nº 1501621)
vai também nesse sentido. Ademais disso, tratava-se de uma

nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/1992, ou, pelo menos, eivada de culpa grave nas do artigo
10” (AIA nº 30/AM, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, DJe 28.09.2011)
315
Sobre a tipicidade aberta da Lei de Improbidade, confira-se Mauro Roberto Gomes de
Mattos em artigo específico sobre o tema: “Deve, portanto, o aplicador da norma ter
prudência e evitar que a utilização da lei em destaque seja de uma forma ampla, geral e
irrestrita direcionada para qualquer ato tido como ilegal. Esta não é e nunca será a vontade
do legislador, que visa a punir apenas o agente público ou o terceiro que desonre ou lese o
erário de forma efetiva e consciente, tendo o elemento subjetivo do tipo o dolo, pois o direito
atual não se identifica com os tempos da inquisição, onde ninguém tinha meios de saber
se estava sendo acusado e menos ainda de que o acusavam. Partir-se do enriquecimento
ilícito, do prejuízo ao ente público e da violação aos princípios da administração pública,
contidos nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92, sem deixar tipificado ante o entendimento
do legislativo da conduta ímproba é sobremaneira perigoso, pois a indefinição será a marca
registrada que antecede aos citados tipos da lei de improbidade administrativa” (MATTOS,
Mauro Roberto. Do excessivo caráter aberto da lei de improbidade administrativa. Interesse
Público – IP Belo Horizonte, n. 29, ano 7 jan./fev. 2005. PORTO FILHO, Pedro Paulo de.
Improbidade administrativa: requisitos de tipicidade. Revista Interesse Público. n. 11, ano 3,
set./jul. 2011).
316
Eis o dispositivo: “Art. 37, §6º: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito
privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa”.
ART. 28 137

responsabilização anti-isonômica, na medida em que a maior parte


dos estatutos funcionais sempre exigiu a perquirição do elemento
subjetivo, para fins de responsabilização pessoal de seus agentes (a
exemplo do disposto no art. 143, I, do CPC 2015, que dispõe sobre a
responsabilização dos magistrados e do art. 122, §1º, da Lei nº 8.112/1990,
que dispõe sobre a responsabilização do servidor federal).
Assim é que tal dispositivo terá o condão de gerar os relevantes
incentivos de: (i) contribuir para que o administrador melhor fundamente
o seu agir, por intermédio de uma adequada processualização, de sorte
a reduzir os riscos de que suas decisões sejam inquinadas pela pecha
dos “atos dolosos” ou dos atos praticados lastreados em um “erro
grosseiro”; e (ii) inverterá e ampliará o ônus de fundamentação para o
controlador, que passará a ter de demostrar, por intermédio de provas
concretas, que o ato praticado pelo agente público restou maculado
pela intenção de malferir a probidade administrativa.
Já se disse que a exigência de demonstração do elemento subjetivo
esvaziaria o controle. A crítica não procede. Primeiro, porque esta
atividade é, cotidianamente, realizada em comissão de sindicância
ou em processos administrativos. A CGU tem larga experiência em
assim proceder para exonerar ou punir servidores. Não é dificuldade
demasiada indicar o elemento subjetivo. O que não se pode admitir
é o argumento de que o controlador não pode ser instado a indicar o
dolo ou o erro grosseiro do gestor público e este tenha por dever fazer
prova negativa de conduta ímproba.
A conduta dolosa é aquela na qual o agente tem o desiderato de
violar a probidade administrativa, seja por ações (recebendo propinas,
por exemplo), seja por omissões (por exemplo, prevaricando em suas
funções). O “erro grosseiro”, por sua vez, terá lugar quando o agente
público incorrer em negligência, imprudência ou imperícia inescusáveis
no exercício de seu mister (por exemplo, quando expedir um ato
administrativo de cassação de uma licença, com base numa legislação
revogada317). Não se trata de violar a probidade, por divergência de
interpretações com o seu controlador, mas de atuar com menoscabo e
com desídia para com a função pública.
Os vetos apostos aos parágrafos dos dispositivos em comento, a
nosso ver, estão embasados em fundamentos jurídicos insubsistentes.

317
O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, ao interpretar o dispositivo, editou a Súmula
nº 10, vazada nos seguintes quadrantes: “O artigo 10 da Lei 8.429/1992 foi alterado pela Lei
13.655/2018, não mais sendo admitida a caracterização de ato de improbidade administrativa
que cause lesão ao erário na modalidade culposa”.
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138 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

São fruto de um de “voluntarismo desregulatório”, para nos valermos


da falha da regulação a que nos referimos no início dos presentes
comentários. Premido pela pressão popular para que o governo realize
investidas contra a corrupção, foram apostos vetos, por intermédio de
argumentos genéricos e abstratos – como os que eram autorizados (e
rotineiramente utilizados) até a edição da Lei nº 13.655/2018. Mas não
só eles não produzirão efeitos jurídicos, na medida em que a supressão
de tais prescrições não terá o condão de revogar entendimentos
jurisprudenciais consolidados ou as normas já editadas.
O veto aposto ao §1º tenta repristinar a responsabilização do
agente público amparado por manifestações técnicas decorrentes do
exercício regular da advocacia pública. A ausência de tal prescrição
não tem o condão de militar em desfavor da: (i) inviolabilidade das
manifestações dos advogados públicos, que é garantida, seja pelo
artigo 133 da CRFB, seja pelo disposto no artigo 2º, §3º, da Lei nº
8.906/1994, que institui o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil;
e (ii) do entendimento do STF, acima referido, de acordo com o qual a
responsabilização do advogado público só poderá ocorrer quando ele
atuar com dolo ou erro grosseiro (por exemplo, no MS nº 24.631/DF).
Os vetos apostos aos §§2º e 3º do artigo em comento, do mesmo
modo, não terão o condão de interditar que os agentes públicos, na
hipótese em que forem responsabilizados pelo exercício regular de sua
competência, tenham em seu favor franqueados o apoio e o custeio de
sua defesa técnica. Trata-se de possibilidade que tem arrimo na Teoria
do Órgão (amplamente adotada pela doutrina pátria), de acordo com a
qual toda ação do agente público deve ser imputada à pessoa jurídica
à qual ele esteja vinculado. E que, por tal razão, em âmbito federal, tem
previsão no art. 22 da Lei nº 9.028/1995, que autoriza a Advocacia-Geral
da União a representar judicialmente agentes públicos, quanto a atos
praticados no exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou
regulamentares, no interesse público. Nessas hipóteses, a primazia será,
por certo, da Advocacia de Estado, que, ao defender a prática de atos
regulares praticados por seus servidores, estará a defender, na ponta, a
validade dos atos administrativos estatais. O custeio de sua defesa pelas
entidades públicas se daria, apenas, na hipótese de o processo sancio-
nador necessitar de uma expertise técnica específica – o que, de resto,
já é autorizado pelo caput do art. 25 da Lei nº 8.666/1993. Tudo isso a ser
devidamente disciplinado por cada entidade administrativa. Enfim, o
artigo 28 da Nova LINDB revitaliza no nosso sistema a expressa respon-
sabilidade subjetiva do gestor. Não tolhe a coibição dos comportamentos
ímprobos, desonestos. Mas presta a devida deferência ao servidor honesto.
Art. 29. Em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por
autoridade administrativa, salvo os de mera organização interna, poderá
ser precedida de consulta pública para manifestação de interessados,
preferencialmente por meio eletrônico, a qual será considerada na decisão.
Caput acrescentado pela Lei nº 13.655, de 25.04.2018.

Como sabemos, no contexto oitocentista, a Administração Pública


exercia o seu mister por meio de atos administrativos unilaterais,
imperativos, sob a observância cega aos princípios da legalidade
administrativa e da supremacia do interesse público. Assim, só se
concebia a atuação da Administração Pública por intermédio de atos
unilaterais, praticados por agentes dotados de competência, que exerciam
o poder extroverso em estrito cumprimento de um dever legal – o qual
só seria controlável no que toca aos seus aspectos formais, com base num
viés retrospectivo (backward-looking). O particular era mero coadjuvante
da produção de um ato que, malgrado lhe afetasse, se consumaria no
âmbito interno da burocracia.
Nesse contexto, não era relevante o caminho percorrido pela
Administração Pública para produzir a sua decisão. No entanto, após o
segundo pós-guerra e com a consagração dos direitos fundamentais nas
Constituições democráticas, o indivíduo passa ao centro do ordenamento
jurídico, alteração axiológica que propiciou relevantes mudanças na
interpretação do direito administrativo.318 Essa tendência importou na
consagração do vetor da Consensualidade, há muito observada por
Diogo de Figueiredo Moreira Neto,319 para quem “o antagonismo já
propiciou, durante boa parte da história, o progresso da humanidade,
mas, por outro lado, fomentou o acontecimento de guerras – duas
quentes e uma fria”. E conclui, em passagem lapidar, que, por essa
razão, “a coordenação, por possibilitar uma convergência de expressões
do poder, aumenta o grau de confiança do Administrado no Estado;
daí o surgimento do princípio do Consenso, que se traduz no primado
da concertação sobre a imposição”.

318
Como retratado em MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novas tendências da democracia:
consenso e direito público na virada do século: o caso brasileiro. Revista Brasileira de Direito
Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 1, n. 3, out./dez. 2003. dez. 2015.
319
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. O direito administrativo do século XXI: um
instrumento de realização da democracia substantiva. A&C – Revista de Direito Administrativo
& Constitucional, Belo Horizonte, ano 11, n. 45, jul./set. 2011. Disponível em: http://bid.
editoraforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=74838. Acesso em: 15 dez. 2015.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
140 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

Sai, então, do centro do direito administrativo o “ato adminis-


trativo”, dando lugar ao “processo administrativo”, na qualidade
de um iter procedimental participativo que tem por fim produzir
uma decisão administrativa que respeite os direitos fundamentais do
administrado; surge, pois, a doutrina da “processualização da atividade
administrativa”,320 segundo a qual o procedimento passa a ostentar
posição de centralidade no desenvolvimento da atividade administrativa
e, portanto, no trato da Administração com os administrados.321
Em decorrência de sua nova dimensão ontológica e cognitiva,
esse instituto passa a ser o local adequado, no qual serão ponderados
os múltiplos interesses públicos.322 Essa legitimação pelo procedimento

320
Como ressaltado por Vitor Rhein Schirato: “Todavia, conforme advertido acima,
discricionariedade não mais é vista como liberdade absoluta do administrador público.
Progressivamente, chega-se à concepção de que discricionariedade é limitada e encontra
no Direito claras contenções. Tais contenções advêm (i) de uma alteração da concepção de
legalidade, que passa a prever uma vinculação da Administração Pública ao Direito e não
somente à norma criadora da competência, e (ii) da necessidade de processualização das
decisões administrativas, que deixam de existir isoladamente e passam a existir insertas
em um processo administrativo, fazendo com que a Administração Pública, por meio de
atos administrativos inter-relacionados venha a comprovar o atendimento à finalidade
da norma” (SCHIRATO, Vitor Rhein. Discricionariedade e poder sancionador: uma breve
análise da proposta de regulamento da ANATEL. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP,
Belo Horizonte, ano 6, n. 23, out./dez. 2008. Disponível em: http://bid.editoraforum.com.
br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=56090. Acesso em: 15 dez. 2015).
321
Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da Silva sintetiza a evolução: “O descurar do procedimento
administrativo tinha sido, até então, a consequência lógica necessária da clássica perspectiva
actocêntrica. Assim, por um lado, a dogmática tradicional assentava na atenção exclusiva,
ou predominante, pelo que se pode chamar a perspectiva jurisdicional da Administração
Pública, ou seja, pelos aspectos relevantes para o exame realizado pelos juízes. E, uma vez que
o objecto da decisão é o acto final, só este era realçado (CASSESE). Daí que o procedimento,
segundo a doutrina clássica, ou não era considerado de todo, ou era considerado apenas
para explicar a decisão final da Administração, enquanto simples instrumento ao serviço do
acto administrativo e não de uma forma autônoma. Diferentemente, agora, de acordo com
um importante sector da doutrina italiana, o procedimento deve passar a ser visto como a
alternativa dogmática ao acto administrativo. Está-se aqui, como escreve NIGRO, perante
uma paradoxal inversão de posições. O procedimento – nascido ao serviço do acto para
explicar o seu nascimento e exaltar o seu domínio, através da distinção entre acto recorrível
(‘provvedimento’) e actos instrumentais – destruiu praticamente o acto, reduzindo-o (no dizer
de SCHMITT GLAESER, no comentário da lei alemã sobre o procedimento administrativo)
a um mero resumo dos elementos pré-formados no decurso do procedimento” (SILVA,
Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da. Em busca do acto administrativo perdido. Coimbra:
Almedina, 1996, p. 302-303).
322
De acordo com Diogo de Figueiredo Moreira Neto, “o interesse público, legalmente definido
como o que está posto sob a responsabilidade do Estado e tido como finalidade de sua ação,
não é outro senão, em síntese, o interesse geral da sociedade, ou, em se preferindo, o bem
comum, como acepção metajurídica inspiradora da ação política, que o Direito definirá
discriminadamente: para cada sociedade e para cada tempo. A positivação deste conceito,
embora de inegáveis efeitos práticos para a definição da legalidade de seu atendimento,
não afasta as dificuldades conceptuais trazidas pelo pluralismo, próprio das sociedades
democráticas contemporâneas, que passa a exigir a consideração de múltiplos e diferentes
ART. 29 141

confere legalidade à decisão administrativa, que passará a ser permeada


pela participação dos agentes interessados. Nas palavras de Vasco
Manuel Pascoal Dias Pereira da Silva,323 “a participação é não apenas
consubstanciada no instituto do contraditório, mas destinada à ponde-
ração de interesses, sendo o seu escopo principal a composição material
dos interesses”. No mesmo sentido, Diogo de Figueiredo Moreira Neto324
leciona que “nessas condições, não se deve estranhar que, cada vez mais,
a sociedade civil, por seus membros ou por suas entidades organizadas,
até especialmente para defender esses interesses públicos, mas não
mais necessariamente estatais, se proponha a colaborar no processo
decisório administrativo”. Tal legitimidade decorre do surgimento do
Estado Pluriclasse,325 no qual se cria um espaço deliberativo no qual
são ponderados diversos interesses antagônicos, porém harmonizáveis,
por intermédio de um devido processo participativo.326
Daí poder-se afirmar que o procedimento administrativo não se
resume mais a uma justaposição de atos incomunicáveis e heterogêneos.
Pelo contrário, é verdadeiro encadeamento coordenado que tem por
vista a consecução de determinado objeto. Nesse contexto, a finalidade
que se busca por intermédio do processo administrativo é traduzida,
ao cabo, em um ato administrativo final, que, por arquitetura lógica e
inequívoca, só se revela perfeitamente concebido quando atendidos,
ao longo do processo, todos os requisitos e elementos necessários à sua
escorreita formação.327

interesses grupais, setoriais e regionais na conformação dessa síntese que o Estado deve
satisfazer tendo em vista a legitimidade de seu atendimento, tornando obsoleto, em
consequência o antigo conceito, ainda rousseauniano, de interesses gerais” (MOREIRA
NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2014, p. 10).
323
SILVA, Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da. Em busca do acto administrativo perdido.
Coimbra: Almedina, 1996.
324
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo. Rio de Janeiro:
Renovar, 2000, p. 217-218.
325
Ver JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras. São Paulo: Dialética, 2002, p.
17-25.
326
A transmudação de um modelo de Estado unitário para aquele que se proponha policêntrico,
em que diversos atores sociais são partícipes na formação das decisões que influirão na
sociedade é destaque nas palavras de Sérgio Guerra: “Essa mudança, segundo Jacques
Chevalier, é sensível a partir do início da década de 80, assistindo-se a um movimento de
desintegração, que se traduz pela diversificação crescente das estruturas administrativas.
A ordem burocrática, fundada sobre a hierarquização, é desestabilizada pela proliferação
de estruturas de um novo tipo, colocadas fora do aparelho de gestão clássico e escapando
ao poder de hierarquia (...)” GUERRA, Sérgio. Agências reguladoras: da organização
administrativa piramidal à governança em rede. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 107.
327
Eduardo García de Enterría e Tomás-Ramón Fernández conceituam: “El procedimiento no
se resume, pues, en un acto de naturaleza compleja – la resolución –, en el que vendrían a
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
142 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

Essa processualização dos interesses em debate tem lugar porque


os direitos fundamentais dos administrados são alçados a parâmetros
de formação dos atos administrativos, também como uma forma de
aplicação do já citado princípio da consensualidade administrativa. Para
além disso, fato é que tal a processualização da atividade administrativa
produz diversas externalidades positivas, entre as quais, como muito
bem diagnosticado por André Cyrino,328 por intermédio de um rito
processualizado, se confere maior legitimidade aos agentes públicos,
de modo que o administrado poderá, ao menos, regular como a
Administração Pública levará a efeito a sua decisão (ritos, procedimentos,
estudos avaliações, participações, justificações, etc.).
Nos Estados Unidos, tal vertente da processualidade veio a ser
consagrada pela doutrina hard look,329 de acordo com a qual se predica

fundirse, perdiendo su propia identidad, todos los anteriores a él, ni tampoco consiste en
un mero agregado de actos heterogéneos por su origen y por su contenido, carentes de toda
relación estructural entre sí. Se trata, más bien, de una cadena, cuyos distintos eslabones
aparecen articulados a través de un vínculo común, sin merma de su individualidad
propia, en orden a un fin único a cuya consecución coadyuvan” (ENTERRÍA, Eduardo
García de; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de derecho administrativo. 7. ed. Madrid:
Civitas, 2000, p. 443).
328
CYRINO, André. Delegações legislativas, regulamentos e administração pública. Belo Horizonte:
Fórum, 2018, p. 242.
329
Acerca do princípio do hard look, Moncada disserta: “Este princípio, de criação jurisprudencial,
aplica-se ao procedimento regulamentar informal e o seu alcance prático tem sido o de
potenciar a sua transformação num procedimento formal ou quase-formal, pois que o
controlo judicial só é viável se os dados, cuja relevância na decisão normativa final se
pretende assegurar, constarem do ‘dossier’ administrativo, ‘on the record’ portanto. Seu
pressuposto é o prévio dever administrativo de elaboração de um ‘record’ tendencialmente
exaustivo e completo, para além dos casos em que a lei expressamente o prevê, assim se
convertendo o procedimento informal ou seja, o ‘notice-and-comment rulemaking’ num
procedimento formal ‘on the record’, possibilitando este um amplo controlo judicial.
A aplicação do princípio do ‘hard look’ alterou substancialmente os termos reais do
procedimento informal e demonstra o empenho dos juízes no reforço dos mecanismos da
democracia directa, em prol da melhoria da qualidade das normas, do acréscimo da sua
legitimação e da criação das condições óptimas para a respectiva aplicabilidade e aceitação,
de algum modo reconciliando a burocracia com os cidadãos. O princípio em causa tem-se
revelado um poderoso meio de limitação da liberdade discricionária e interpretativa de
que a lei dota as ‘agencies’. A obrigação de decidir de acordo com o ‘input’ fornecido, o
constante ‘record’, diminui a legitimidade dos pontos de vista autónomos da Administração.
A noção de interesse público aproxima-se assim de um somatório de interesses privados,
que a Administração deve harmonizar, em vez de ser vista como um critério unilateral
da Administração. Foi o desejo dos Tribunais de controlar as normas administrativas que
levou a este resultado, tão de acordo aliás com as tradições jurídicas estadunidenses. A
conformidade com o direito, ou seja, a ‘rule of law’ resulta aqui da obrigatoriedade do peso
dos interesses privados, devidamente registrados e organizados, na decisão administrativa
final, reduzindo ao mínimo a sua autonomia. Poderá, pois dizer-se que a participação do
público, tendo claras implicações processuais, tem-nas também substanciais, pois que o
resultado material respectivo (o ‘record’) ao ser obrigatoriamente levado em conta, limita
ART. 29 143

que a entidade administrativa, com função normativa, demostre a


relação entre as razões que norteiam a edição da proposta de normativo
e as evidências relevantes para a análise do problema que ele terá o
desiderato resolver (consolidada em Ethyl Corp. v. EPA, 541 F.2d.
[D.C. Cir. 1976]). Naquele país, o devido processo legal se presta,
justamente, a compatibilizar o exercício da função normativa estatal
com os interesses dos administrados. Daí por que a Suprema Corte
construiu diversos precedentes, por intermédio dos quais consagrou o
dever de manifestação (hearing) dos agentes que teriam os seus direitos
afetados pelo exercício da regulação. Nesse quadrante, digno de nota
é o precedente Mathews v. Eldridge, 424 U.S. 319 (1976), por meio do
qual aquela corte consagrou o entendimento de que a extinção de um
direito de um particular só poderá ser levada a efeito após a sua oitiva.330
Note-se que, para aquela Corte, uma das vertentes do devido
processo normativo estadunidense é, justamente, a aferição de quanto
os administrados foram privados de seus direitos. Nesse sentido, Caio
Tácito331 afirma que “a Jurisprudência da Suprema Corte norte-americana
construiu, para a contenção de abusos desta natureza, o requisito do due
process of law, o devido processo legal, como essência de legalidade dos
comandos da autoridade”. Em prosseguimento, conclui que “aplicado,
originalmente, como garantia processual, o conceito se ampliou para
alcançar, pelo chamado substantive due process, o remédio contra as
restrições de direitos e liberdades na via administrativa e legislativa”.
No âmbito do exercício da regulação nos EUA, esse direito à
participação dos agentes regulados afetado pelos efeitos nas normas
regulatórias é decorrente, sobretudo, da aplicação do APA – Adminis-
trative Procedure Act, de 1946. Naquele diploma, são previstas
três espécies normativas, a saber: legislative rules (leis que vinculam
obrigações), interpretive rules (leis que veiculam interpretações) e general
statements of policy e procedural rules (leis procedimentais), cada qual com
um rito normativo aplicável. E qual seria a razão da obrigatoriedade
de um procedimento participativo prévio à edição dessas regras? O
impacto substancial – substantial impact – desses atos normativos no

a margem de liberdade administrativa. Assim se sedimenta a ‘rule of law’” (MONCADA,


Luís S. Cabral de. Estudos de direito público. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 127-134).
330
FREITAS, Rafael Veras de. Expropriações Regulatórias. Belo Horizonte: Fórum, 2016.
331
TÁCITO, Caio. O desvio de poder no controle dos atos administrativos, legislativos e
jurisdicionais: Temas de direito público (estudo e pareceres). Rio de Janeiro: Renovar, 1997,
p. 193. v. 1.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
144 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

setor regulado.332 Essa experiência estadunidense vem servindo de norte


para a interpretação do direito de participação no ordenamento jurídico
brasileiro. Nesse sentido, Rodrigo Pagani de Souza,333 em estudo acerca
do devido processo legal norte-americano, assevera que “o atual estágio
da evolução do direito norte-americano nos sugere que a obrigação de
‘levar em conta’ os resultados de uma audiência ou consulta pública é
muito mais uma obrigação de resultados do que de meios”.
A participação dos administrados nas atividades administrativas
não é uma peculiaridade norte-americana. Verifica-se a consagração
expressa do “princípio da participação administrativa”, nas constituições
espanhola (arts. 9º.2 e 105)334 portuguesa (art. 267, I)335 e italiana (art.
3º).336 Da mesma forma, o tratado que estabelece uma Constituição
para a União Europeia, ao lado da democracia representativa, prevê,
expressamente, o objetivo de efetivação do princípio da democracia
participativa (art. I-47).337

332
GELLHORN, Ernest; LEVIN, Ronald M. Administrative law and process in a nutshell. 3. ed.
St. Paul; Minnesota: West Publishing, 1990, p. 309-52.
333
SOUZA, Rodrigo Pagani de. Participação pública nos processos decisórios das agências
reguladoras: reflexões sobre o direito brasileiro a partir da experiência norte-americana.
Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 2, n. 16, jun. 2002. Disponível em: http://
bid.editoraforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=2010. Acesso em: 15 dez. 2015.
334
Art. 9º.2: “Corresponde a los poderes públicos promover las condiciones para que la libertad
y la igualdad del individuo y de los grupos en que se integra sean reales y efectivas; remover
los obstáculos que impidan o dificulten su plenitud y facilitar la participación de todos los
ciudadanos en la vida política, económica, cultural y social”; art. 105: “La ley regulará: a) La
audiencia de los ciudadanos, directamente o a través de las organizaciones y asociaciones
reconocidas por la ley, en el procedimiento de elaboración de las disposiciones administrativas
que les afecten. b) El acceso de los ciudadanos a los archivos y registros administrativos,
salvo en lo que afecte a la seguridad y defensa del Estado, la averiguación de los delitos y la
intimidad de las personas. c) El procedimiento a través del cual deben producirse los actos
administrativos, garantizando, cuando proceda, la audiencia del interesado” (Disponível
em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 14 nov. 2015).
335
Art. 267, I: “A Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a
aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua
gestão efectiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de
moradores e outras formas de representação democrática” (Disponível em: www.planalto.
gov.br. Acesso em: 5 nov. 2015).
336
Art. 3º: “È compito della Repubblica rimuovere gli ostacoli di ordine economico e sociale,
che, limitando di fatto la libertà e l’eguaglianza dei cittadini, impediscono il pieno sviluppo
della persona umana e l’effettiva partecipazione di tutti i lavoratori all’organizzazione
politica, economica e sociale del Paese” (Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em:
5 nov. 2015).
337
Art. I-47: “Princípio da democracia participativa 1. As instituições, recorrendo aos meios
adequados, dão aos cidadãos e às associações representativas a possibilidade de expressarem
e partilharem publicamente os seus pontos de vista sobre todos os domínios de acção da
União. 2. As instituições estabelecem um diálogo aberto, transparente e regular com as
associações representativas e com a sociedade civil. 3. A fim de assegurar a coerência e
a transparência das acções da União, a Comissão procede a amplas consultas às partes
ART. 29 145

Com base nesse racional, a prescrição do artigo 5º, LV, da CRFB


espraia seus efeitos para além da garantia ao devido processo legal,
qualificado pelo exercício do contraditório e da ampla defesa. De
rigor, o dispositivo constitucional obriga que todo e qualquer ato
administrativo (inclusive os de efeitos normativos) seja praticado num
ambiente permeado pela processualidade administrativa.338 Do mesmo
modo, o dever de abertura da formação da decisão administrativa aos
particulares tem por fundamento o seu art. 1º, que traz a cláusula do
Estado Democrático de Direito, e no seu art. 37, §3º, com redação dada
pela Emenda Constitucional nº 19/1998, que prevê a participação do
usuário na Administração Pública.
Assim é que, como já se teve a oportunidade de asseverar, por
intermédio desse racional, tem lugar a superação do ato administrativo
autista.339 Nesse quadrante, a necessidade de a Administração Pública
editar atos administrativos sob a diretriz da processualidade resultou
em três consequências a confrontar o ato administrativo autista: (i)
o percurso de edição do ato administrativo torna-se permeável aos
interesses dos administrados potencialmente colhidos por seus efeitos;340
(ii) o agir administrativo não poderá ser referenciado apenas nas balizas
editadas ex ante (fundamento legal), tornando-se necessária também
a consideração de um olhar prospectivo (forward-looking), mediante a
ponderação de impactos, comparação de alternativas, fundamentação

interessadas. 4. Um milhão, pelo menos, de cidadãos da União, nacionais de um número


significativo de Estados-Membros, pode tomar a iniciativa de convidar a Comissão a,
no âmbito das suas atribuições, apresentar uma proposta adequada em matérias sobre
as quais esses cidadãos considerem necessário um acto jurídico da União para aplicar a
Constituição. As normas processuais e as condições para a apresentação de tal iniciativa
pelos cidadãos, incluindo o número mínimo de Estados-Membros de que aqueles devem
provir, são estabelecidas por lei europeia” (Disponível em: http://europa.eu.int/eur-lex/lex/
pt/treaties/index.htm. Acesso em: 5 nov. 2015).
338
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. A superação do ato administrativo autista. In:
MEDAUAR, Odete; SCHIRATO, Vitor Rhein. Os caminhos do ato administrativo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2011. p. 90-113.
339
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Ibidem.
340
No mesmo sentido, Fabrício Motta: “A processualização do ato administrativo é outra
tendência claramente identificada. O controle do ato passa, assim, a acontecer antes de
sua edição, durante o procedimento de sua formação, através de audiências e consultas
públicas. É necessário ressaltar que o escopo dessa tendência é horizontalizar a relação
entre Administração e administrado, como forma de efetivação da democracia, razão pela
qual torna-se condenável a atribuição de privilégios demasiados ao Estado nesse processo”
(MOTTA, Fabrício. A origem e a significação do ato administrativo no Estado de Direito.
Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 2, n. 12, fev. 2002. Disponível em: http://
bid.editoraforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=1363. Acesso em: 15 dez. 2015).
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
146 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

de escolhas; e (iii) terá lugar a ampliação do controle da Administração


Pública, por meio da redução da discricionariedade administrativa.
Indo em reforço a este momento, que tem por base a CRFB, é
bem-vindo o art. 29 da Lei nº 13.655/2018 (“Lei da Segurança para a
Inovação Pública”). Cuida-se de prescrição que institui o dever-poder
de que os processos normativos sejam permeáveis pelos interesses dos
administrados que serão colhidos por seus efeitos. Mais que isso, confere
uma racionalidade à função normativa da administração, de modo que
ela não seja referenciada apenas por balizas ex ante (fundamento legal),
mas por um olhar prospectivo (foward-looking), mediante o qual serão
aferidos os impactos, equilibrados interesses e comparadas alternativas.341
Não se trata de prescrição nova. O ordenamento jurídico
está permeado de dispositivos que exigem a motivação do atuar
administrativo. A Lei nº 9.794/1999 (Lei de Processo Administrativo
Federal) – que não distingue os atos administrativos de natureza concreta
e os de natureza normativa – contém um racional predicador de uma
motivação qualificada das manifestações de vontade administrativa
(art. 2º, VII, VIII, 50, I e II). Ademais disso, o referido normativo impõe
que a formação do ato normativo seja permeada pela manifestação dos
interessados (art. 3º, III).342 Cuida-se de exigências de processualização
que, no ordenamento jurídico, se espraiam, inclusive, para propostas
de normativos que consubstanciam a função de polícia administrativa
(art. 78, §1º, do Código Tributário Nacional – CTN).343

341
No Direito Brasileiro, V. PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atividade normativa da administração
pública. Tese de doutorado defendida na Faculdade de Direito da USP em 2014.
342
Eis os dispositivos que, juntos, fundamentam esse dever de motivar atos administrativos
normativos: “Art. 2º. (...). Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados,
entre outros, os critérios de: (...) VII – indicação dos pressupostos de fato e de direito que
determinarem a decisão; VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos
direitos dos administrados; Art. 3º O administrado tem os seguintes direitos perante a
Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados: (...) III – formular alegações
e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo
órgão competente; Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação
dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I – neguem, limitem ou afetem direitos ou
interesses; II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções”.
343
No âmbito da regulação, essa tendência é incorporada – nem poderia ser diferente – nas
leis de criação das agências reguladoras. Na lei de criação da Agência Nacional de Energia
Elétrica (ANEEL), previu-se a obrigatoriedade de realização de audiência pública prévia para
os processos decisórios que afetarem os direitos dos agentes econômicos do setor elétrico ou
dos consumidores (o art. 4º, §3º, da Lei nº 9.427/96); na lei de criação da Agência Nacional
de Telecomunicações (ANATEL), o direito dos usuários de serviços de telecomunicações
de receberem respostas às suas reclamações pela prestadora do serviço e de peticionarem
contra a prestadora do serviço perante o órgão regulador e os organismos de defesa do
consumidor, bem como a consulta pública prévia para análise da minuta do instrumento
convocatório nas licitações dos serviços de telecomunicações seria outro exemplo (arts. 3º, X
ART. 29 147

É que, como bem apontado, pioneiramente, por Carlos Ari


Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara344 o devido processo legal “também
se aplica às decisões administrativas de caráter normativo. Isto é,
também é necessário observar o devido processo legal quando se vai
editar regulamentos, resoluções, circulares, portarias ou qualquer outra
espécie de ato administrativo geral e abstrato, que afete direitos dos
particulares”. E concluem, com grande propriedade, afirmando que
“não seria sustentável defender que a Administração se sujeitasse ao
princípio do devido processo legal apenas quando proferisse decisões
individuais e concretas, estando imune à sua observância quando
tomasse decisões de caráter geral (atos normativos)”.
Claro que o dispositivo em comento não se aplica, indiscrimina-
damente, a todos os atos normativos da Administração. A racionalidade
decisória exigida pela Lei nº 13.655/2018 interditaria tal interpretação.
Temos que tal possibilidade de permeabilidade de interesses dos
interessados só deverá ter lugar em normativos que colidam com a esfera
de direitos dos administrados (a exemplo de um normativo que interdite
a exploração de uma substância que é o insumo principal de uma
indústria). Daí que tal faculdade não incidirá no procedimento normativo
de atos intestinos, a exemplo de atos de organização administrativa.345

e XI; 89, II, da Lei nº 9.472/97); na lei de criação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural
e Biocombustíveis (ANP), exigiu-se a realização de audiências públicas para iniciativas
de projetos de lei ou de alteração de normas administrativas que impliquem afetação
de direito dos agentes econômicos ou de consumidores e usuários de bens e serviços da
indústria do petróleo (art. 19 da Lei nº 9.478/97). Mais recentemente, o Decreto nº 8.243, de
23.5.2014, instituiu a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional
de Participação Social (SNPS). O referido regulamento, além de conceituar os institutos
da audiência pública e da consulta pública, apresenta como uma de suas principais
diretrizes a ampliação dos mecanismos de controle social. Marcos Juruena Villela Souto,
expressamente, vincula o procedimento regulatório ao devido processo legal: “O direito de
participação é, assim, instrumento de atendimento dos princípios republicano, democrático,
do devido processo legal, da eficiência, da legitimidade e da publicidade. [...] Do princípio
do devido processo legal, porque a decisão regulatória, ainda que de caráter normativo,
implica em escolhas que restringem direitos, devendo ser assegurada a sua ampla defesa
no procedimento de ponderação” (SOUTO, Marcos Juruena Villela. Audiência pública e
regulação. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 1, n. 4, out./
dez. 2003. Disponível em: http://bid.editoraforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=12751.
Acesso em: 15 dez. 2015).
344
SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. O dever de motivação na edição de
atos normativos pela Administração Pública. A&C – Revista de Direito Administrativo &
Constitucional, Belo Horizonte, ano 11, n. 45, p. 55-73, jul./set. 2011.
345
No mesmo sentido, Carlo Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara lecionam que: “Excluem-
se desse rol, portanto, os atos regulamentares de caráter interno, como são, por exemplo, os
de organização administrativa e os que aprovam normas de licitação. Outra categoria em
que, por ausência de terceiros titulares de direitos atingidos, não há obrigação de apresentar
motivação de conteúdo, envolvem os atos que instituem um marco regulatório original
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
148 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

O dispositivo comentado prevê que tal participação seja levada a efeito


por intermédio de uma consulta pública.346 Diferentemente da audiência
pública, na qual a participação dos interessados ocorre oralmente, na
consulta pública, os administrados se manifestam por meio de peças
formais, que serão parte integrante de um processo administrativo.347
Mas claro que esse mecanismo só será efetivo se os administrados
tiverem condições efetivas de influenciar na formação da decisão
da Administração Pública. Daí por que a consulta pública deve ser
modelada, de sorte a reduzir eventuais assimetrias de informações
existentes entre o Poder Público e os administrados. Assim é que,
ainda que a manifestação dos administrados não vincule a decisão do
poder público, este terá o dever de se manifestar acerca dos termos das
contribuições dos administrados (sob pena de se gerar o conhecido
efeito da fadiga das consultas públicas348). Razão pela qual a parte final

em setores nos quais ainda não sejam encontrados interessados. A regulação original de
um novo serviço público e a disciplina regulamentar sobre o uso de um bem público até
então inacessível ao uso privativo de particulares constituem alguns exemplos de situações
desse gênero” (SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. O dever de motivação
na edição de atos normativos pela Administração Pública. op. cit.).
346
OCDE. Cidadãos como parceiros: informação, consulta e participação pública na formulação
de políticas. Nota de Política nº 10. 2001, p. 2. FREITAS, Rafael Véras de. A Análise de Impacto
Regulatório (AIR) no setor de energia elétrica. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP,
Belo Horizonte, ano 12, n. 46, p. 177-200, jul./set. 2014.
347
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo
econômico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 471. De acordo com o autor, essa característica
diferencia a consulta pública da chamada audiência pública, em que a participação popular
se dá fundamentalmente através de debates orais em sessão previamente designada para
tal fim.
348
É necessário, entretanto, alertar para o fato de que o excesso de consultas públicas tem
gerado, em alguns países, o que vem sendo tratado nos textos de Direito Comparado como
fadiga da consulta. De acordo com Malyshev, citado por Salgado e Borges, no Canadá e no
Reino Unido, as amplas consultas realizadas resultaram uma fadiga por parte dos grupos de
interesse que se sentiram sobrecarregados pelo extenso número de matérias sobre as quais
têm de fornecer informações. Pode-se dizer que a participação dos interessados nesses locais
ultrapassou o ponto de excelência, gerando um efeito inverso ao esperado, de desestímulo
à participação e uma redução da qualidade das informações fornecidas. (SALGADO, Lucia
Helena; BORGES, Eduardo de Pinho Bizzo. Análise de impacto regulatório: uma abordagem
exploratória. 2010, p. 21). É de se trazer à baila, recente estudo realizado pelo IPEA, o
qual aponta uma série de constatações empíricas quanto a determinadas ineficiências
apresentadas pelos mecanismos de participação e consensualidade, tais como as audiências
públicas e que, de certa forma, foram considerados para fins de elaboração do anteprojeto
de lei em comento. (Audiências públicas no âmbito do governo federal: análise preliminar
e bases para avaliação. Disponível em http://www.ipea.gov.br/participacao/images/pdfs/
relatorio_audiencias_publicas.pdf Acessado em: 10 dez. 2014). Egon Bockmann Moreira,
contudo, ao analisar os dados de participação na produção normativa da Anatel, pondera
que: “Os dados obtidos por amostragem nas agências brasileiras são representativos de um
fenômeno mundial: o custo da regulação e a respectiva participação. A procedimentalização
das decisões normativas confere transparência à ação das agências, mas tem como resultado
ART. 29 149

do dispositivo obriga a que as contribuições sejam “consideradas na


decisão”, o que amplia o espectro do controle dos atos normativos da
Administração Pública para além dos seus aspectos formais.349
É dizer, tal dispositivo possibilitará à função normativa da
administração seja imposto o controle dos motivos incompletos (que
interditam a seleção das evidências de fato e de direito durante o
processo normativo) e dos motivos incorretos (que impedem a adequada
avaliação de todas as variáveis que justificam a normatização). Tal não
importa dizer que, a partir da vigência da art. 29 da Lei nº 13.655/2018,
seja autorizado que o controlador se imiscua na avaliação das variáveis
que foram analisadas no âmbito do processo normativo. Na verdade, o
espectro de controle deverá ficar circunscrito à aferição da existência, da
motivação e da congruência das variáveis que conferiram racionalidade
ao processo normativo. Dito em outros termos, assim como já ampla-
mente consagrado a propósito do tema do controle dos atos regulatórios,
que a ausência da participação dos interessados se configura como
uma causa invalidadora do ato normativo.350 Nesse sentido, Alexandre

não uma participação popular legitimadora, mas a institucionalização da ‘teoria da


captura’ dos reguladores. Ou seja: quem participa ativamente da elaboração normativa de
regulação econômica são as empresas dos respectivos setores, que aportam investimentos
nessa atividade a fim de conquistar proveitos. As empresas têm um custo relativo à sua
interação e ao convencimento dos reguladores, visando a que as normas a ser emanadas
as beneficiem diretamente. É um custo despendido na obtenção da legislação (arcado
posteriormente pelos usuários e consumidores)” (MOREIRA, Egon Bockmann. Agências
reguladoras independentes, déficit democrático e a “elaboração processual de normas.
Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 1, n. 2, p. 221-255, abr./
jun. 2003. Disponível em: http://bid.editoraforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=12726.
Acesso em: 15 dez. 2015).
349
Nesse sentido, já há precedentes judiciais determinando que a consulta pública não
munida de todas as informações necessárias não é consulta pública. Vide: TRF4 APELREEX
2001.71.01.001497-1/RS, 4º Turma, 19.10.2009 e TRF1 MAS 200034000254715, 6º Turma,
04.06.2007.
350
Marcos Juruena Villela Souto: “que três teorias, então, buscaram fundamentar essa função, a
saber, a teoria da transmissão democrática (‘transmission belt model’), teoria dos burocratas
técnicos (‘expertise model’), teoria do procedimento (‘procedural model’). A primeira aceita
tal delegação às agências pelo fato de ser o legislador, legitimado constitucionalmente,
que cria o ente e lhe transfere balizas de atuação. A segunda teoria justifica a transferência
por estarem estas agências formadas por técnicos especializados em matérias as quais o
Congresso não teria condições de regular. Já a teoria do procedimento legitima a atuação
das agências por garantir aos interessados a participação no seu processo de tomada de
decisões. Esta parece ser a que mais se ajusta à teoria da Democracia [...] a ausência de
manifestações e da viabilização do direito de participação podem levar ao desfazimento
da norma pelo exercício do controle jurisdicional” (SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito
Administrativo regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 233-235).
DARDANI,
Marina Centurion. A participação do administrado como limite à discricionariedade
das agências reguladoras. Revista Brasileira de Infraestrutura – RBINF, Belo Horizonte, ano
3, n. 5, p. 155-192, jan./jun. 2014.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
150 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

Santos de Aragão351 já lecionava que “estas exigências procedimentais,


longe de serem meras formalidades, constituem requisito de validade
dos atos e normas a serem editadas”.
Um exemplo ilustra do que se trata. Cogite-se de uma proposta
de normativo municipal, que tenha por objeto disciplinar a prestação
do serviço municipal de transporte coletivo de passageiros. Trata-se,
pois, de proposta que poderá produzir impactos nos interesses de
concessionários, usuários, entidades ambientais, entre outros agentes.
Nessa hipótese, terá de ser publicada Consulta Pública, por intermédio
da qual sejam apresentados a propostas de normativos, bem como
os eventuais estudos técnicos que lhe dão substrato. Caso, porém, o
Poder Público municipal não lance mão de tal expediente, qualquer das
partes que venha a sofrer os impactos desse normativo poderá pleitear,
perante o Poder Judiciário, a decretação da nulidade do referido ato
normativo, por violação ao devido processo normativo, previsto no
art. 29 da Lei nº 13.655/2018.
Ademais disso, não se pode olvidar da possibilidade de “captura”
da Administração Pública por interesses setoriais, em detrimento das
demais categorias de interesses existentes na sociedade, inclusive do
próprio interesse público. Cass Sunstein aponta como uma das principais
falhas na elaboração das normas administrativas352 a teoria da captura,
que tem em George J. Stigler353 um de seus principais expoentes. Essa
influência pode ser realizada por empresas do setor privado, que têm por
objetivo privilegiar seus próprios interesses econômicos, por exemplo,
pela expedição de normas que as favoreçam, ou que prejudiquem seus
concorrentes.354 Tais vicissitudes decorrem, ao menos, da configuração
dos fenômenos da Overintrusion e underprotection.

351
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do Direito Administrativo
Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 440.
352
Como desenvolvido em RIBEIRO, Leonardo Coelho. O direito administrativo como caixa de
ferramentas: a formulação e a avaliação da ação pública entre instrumentalismo, instituições
e incentivos. 2015. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
353
STIGLER, George J. The theory of economic regulation. In: STIGLER, George J. (Org.). The
citizen and the State: essays on regulation. Chicago; London: The University of Chicago
Press, 1971, p. 114.
354
Nesse sentido, Marçal Justen Filho assevera que: “A doutrina cunhou a expressão ‘captura’
para indicar a situação em que a agência se transforma em via de proteção e benefício para
setores empresarias regulados. A captura configura quando a agência perde a condição de
autoridade comprometida com a realização do interesse coletivo e passa a produzir atos
destinados a legitimar a realização dos interesses egoísticos de um, alguns ou todos os
segmentos empresariais regulados. A captura da agência se configura, então, como mais
uma faceta do fenômeno de distorção de finalidades dos setores burocráticos estatais”
ART. 29 151

Tal se dá por que o indivíduo, isoladamente, em regra, não dispõe


dos ferramentais servientes a participar dos processos normativos da
Administração Pública, seja pela ausência de recursos para tal, seja pelos
incentivos que têm para tutelar os seus próprios interesses. Ao passo
que, de outro bordo, os grupos empresariais organizados (a exemplo
de associações comerciais, sindicatos, entre outros) preparam seus
recursos para a tutela dos seus interesses coletivos.355 Disso decorre
a prevalência dos interesses participativos mais organizados; um
verdadeiro “sequestro” dos interesses da Administração pública em
detrimento dos interesses individuais e do próprio interesse público.356
Outro risco não desprezível é o denominado “efeito conservador da
participação”. De acordo com esse racional, os cidadãos do presente
podem dificultar os projetos de transformação para o futuro, na medida
em que não serão beneficiados pelas obras e projetos concebidos para
produzir efeitos no longo prazo, opondo resistência em arcar com os
encargos daí decorrentes.357
Para harmonizar tais interesses, temos que a eficácia de tal
instrumento predicará de ser utilizado no âmbito de um procedimento
de Análise de Impacto Regulatório (AIR).358 Explicamos. A análise de
impacto regulatório, sabemos, é um procedimento de avaliação da
qualidade de propostas regulatórias, no qual são apresentados, ex ante
e mediante a utilização de dados empíricos,359 os problemas a serem

(JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética,
2002, p. 97).
355
Ao analisar os normativos internos sobre participação da ANEEL, da ANTT, da ANTAQ,
da ANATEL, Letícia Oliveira Lins de Alencar concluiu que “Uma segunda constatação é
a de que, via de regra, os normativos analisados não garantem a real representatividade
de todos os potenciais interessados nos processos decisórios voltados à produção de atos
normativos. Tal situação pode acabar fazendo com que a Agência “deixe de considerar
todos os interesses públicos pertinentes à matéria regulada, para apenas considerar os
interesses de seus interlocutores”, que se fizerem representar durante a fase de participação
popular” (ALENCAR, Letícia Oliveira Lins de. Participação popular na elaboração de atos
normativos por agências reguladoras federais: uma análise da experiência acumulada nos
últimos 20 anos. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 16, n.
192, p. 42-59, dez. 2017).
356
BAPTISTA, Patrícia. Transformações do direito administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2018, p. 118.
357
OLIVEIRA, Farlei Martins de. Controle de legitimidade das políticas públicas: limites e
possibilidades. Revista de Direito Administrativo – RDA. Belo Horizonte, ano 2008, n. 247,
jan./abr. 2008.
358
KLEIN, Aline; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella
(Coord.). Tratado de direito administrativo: funções administrativas do Estado. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2014. v. 4, p. 629.
359
ALBUQUERQUE, Kélvia Frota de. A retomada da reforma/melhora regulatória no Brasil:
um passo fundamental para o crescimento econômico sustentado, 2006, p. 25. Disponível
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
152 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

enfrentados pela futura regulação; as opções disponíveis à adoção de


determinada medida regulatória; e as consequências da regulação.360 Não
se trata de instrumento que visa a substituir a decisão do regulador,361
mas de um procedimento que tem por objetivo informar o seu processo.362
Nessa qualidade, tal instrumento produz os seguintes efeitos
positivos: (i) reduz o número de exigências regulatórias repetidas;
(ii) gera previsibilidade das futuras regulações; e (iii) contribui para
a avaliação da necessidade da própria intervenção regulatória;363 daí
poder-se afirmar que a AIR confere racionalidade ao processo de tomada
de decisão do regulador.364 Com esse propósito, são analisados os custos
e benefícios do exercício da regulação, por meio do preenchimento de
um relatório analítico – na forma de uma lista de verificação (checklist) –,
que visa a orientar o exercício da regulação.365

em: http://www.seae.fazenda.gov.br/central-de-documentos/documentos-de-trabalho/
documentos-de-trabalho-2006/DT_35.pdf. Acesso em: 16 out. 2015.
360
No mesmo sentido, confira-se Rafael Carvalho Rezende Oliveira: “A necessidade de
implementação da governança regulatória no direito comparado, com a diminuição das
assimetrias informacionais e racionalização da atividade estatal, abriu caminho para a
institucionalização da chamada Análise de Impacto Regulatório (AIR). [...] A AIR representa
um procedimento de auxílio na tomada de decisões regulatórias que expõe os riscos, os
benefícios e as consequências das políticas regulatórias que podem ser adotadas para
atendimento de interesses protegidos constitucionalmente” (OLIVEIRA, Rafael Carvalho
Rezende. Governança e análise de impacto regulatório. Revista de Direito Público da Economia –
RDPE, Belo Horizonte, ano 9, n. 36, p. 173-203, out./dez. 2011. Disponível em: http://www.
bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=75973. Acesso em: 1 jul. 2013).
361
SALGADO, Lucia Helena; HOLPERIN, Michelle Moretzsonh. Análise de impacto: ferramenta
e processo de aperfeiçoamento da regulação.
362
ALBUQUERQUE, Kélvia Frota de. A retomada da reforma/melhora regulatória no Brasil:
um passo fundamental para o crescimento econômico sustentado, 2006, p. 26. Disponível
em: http://www.seae.fazenda.gov.br/central-de-documentos/documentos-de-trabalho/
documentos-de-trabalho-2006/DT_35.pdf. Acesso em: 16 out. 2015.
363
Segundo Alketa Peci, “a análise de impacto regulatório é amplamente adota em âmbito
internacional, especialmente em países membros da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico. Percebe-se também que há uma tendência crescente da
adoção da AIR por outros países ao redor do mundo” (PECI, Alketa. Avaliação do impacto
regulatório, experiências internacionais e potencialidades de adoção em contextos nacionais:
o caso brasileiro. In: CONGRESO INTERNACIONAL DEL CLAD SOBRE LA REFORMA
DEL ESTADO Y DE LA ADMINISTRACIÓN PÚBLICA, XIV, 2009, Salvador. Painel...
Salvador, 2009, p. 1).
364
SALGADO, Lucia Helena; BORGES, Eduardo de Pinho Bizzo. Análise de impacto regulatório:
uma abordagem exploratória. Texto para discussão, Brasília, n. 1463, jan. 2010. Disponível
em: http://www.agersa.es.gov.br/arquivos/relatorios/Analise%20de%20Impacto%20
Regulatorio%20uma%20Abordagem%20Exploratoria.pdf. Acesso em: 10 ago. 2015.
365
Já tivemos a oportunidade de conceituar esse instrumento, como: “Nesse passo, é possível,
considerando o até aqui exposto, propor o seguinte conceito de AIR: trata-se de procedimento
administrativo participativo – que será aberto às contribuições do setor regulado –, que,
por meio de análises consequencialistas de dados empíricos – os quais serão utilizados
para a aferição dos efeitos endógenos e exógenos de determinada regulação –, visa a
ART. 29 153

No Brasil, ainda há muito a se fazer acerca da avaliação da


qualidade da regulação. Essa diretriz só recentemente entrou para a
agenda de debates públicos, estando ainda restrita a iniciativas esparsas
governamentais.366 Nada obstante, temos que a “Consulta” de que
trata do art. 29, ao ser regulamentada pelas entidades administrativas,
deverá ser acompanhada da inserção do instrumento da Análise de
Impacto Regulatório, com o desiderato sopesar não só os impactos das
proposições normativas, como os riscos da “captura”.
Ainda uma nota de lege ferenda nos parece relevante. É que tal
Consulta poderá servir para que a Administração se sirva da contribuição
dos administrados para que seja editado normativo com o desiderato
de rever o “estoque regulatório” (regulatory lookback367). Trata-se de
expediente que teve lugar, por exemplo, nos Estados Unidos, por
exemplo, no período em que Cass Sunstein368 assumiu a administração
do Gabinete de Informações e Assuntos Regulatórios (Office of Infor-
mation and Regulatory Affairs – OIRA), tomou lugar uma grande ação
retrospectiva para rever esse estoque regulatório. O resultado é que, de
580 propostas possíveis de reforma, em torno de 100 já foram realizadas,
gerando uma economia estimada de US$10 bilhões entre 2012 e 2017,
por meio da eliminação de grande burocracia desnecessária. O mesmo
se passou no México, país com realidade bastante distinta daquele,
onde tem sido adotado um programa de “guilhotina regulatória”.
Estima-se que o programa tenha liberado cerca de 1,2% do produto
interno bruto do México no ano de 2009.369 No Brasil, o tema ganhou
destaque, quando a ANVISA abriu consulta interna para identificação

conferir racionalidade aos ‘motivos’ dos atos administrativos produzidos pelo regulador.
Trata-se de procedimento administrativo, pois se configura como uma sucessão encadeada
de atos – audiências públicas, consultas públicas e análises técnicas – para a obtenção de
um ato administrativo; participativo, porque, para seu aperfeiçoamento, necessita da
participação do setor regulado afetado pela proposta regulatória; consequencialista, porque
impõe ao regulador a avaliação dos impactos econômicos e sociais de suas decisões; confere
racionalidade aos ‘motivos’ dos atos administrativos, porquanto confere substratos fáticos
e jurídicos para edição do ato regulatório” (FREITAS, Rafael Véras de. A análise de impacto
regulatório (AIR) no setor de energia elétrica. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP,
Belo Horizonte, ano 12, n. 46, p. 177-200, jul./set. 2014).
366
Entre essas iniciativas cabe mencionar o PRO-REG (Programa de Fortalecimento da
Capacidade Institucional para Gestão em Regulação), instituído pelo Decreto nº 6.062, de
16.3.2007.
367
RIBEIRO, Leonardo Coelho. O direito administrativo como caixa de ferramentas. São Paulo:
Malheiros, 2016
368
SUNSTEIN, Cass. The regulatory lookback. Boston University Law Review, v. 94, p. 579-602,
2014
369
Beneficios del Programa de Mejora regulatória 2011-2012 (2012).
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
154 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

de atos normativos obsoletos ou desnecessários.370 Cuida-se, pois, das


melhores práticas que vêm sendo adotadas no exercício da função
normativa regulatória que deverá ser espraiada para que toda função
normativa da Administração, de modo a que a Consulta Pública de que
trata o presente artigo possa ser dotada de maior eficácia.
Ainda a propósito do referido dispositivo, é de se destacar que
ele prescreve que tais atos normativos “poderão” ser precedidos de
consultas públicas. Tal faculdade resultou da alteração, pelo Congresso
Nacional, do texto original do dispositivo, o qual previa que “em
qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade
administrativa, salvo os de mera organização interna, será precedida
de consulta pública para manifestações escritas de interessados, a qual
será considerada na decisão”. Malgrado tal alteração, temos que deverá
ser mantida a interpretação de que se trata de um poder-dever.371 Isso
porque, como bem ressaltado por Vera Monteiro372: (i) só faria sentido
haver uma exceção se houvesse um dever, de modo que a ressalva feita
aos atos “de mera organização interna” fortalece o dever de realização
de consulta pública prévia relativamente aos atos administrativos
normativos; e (ii) a LINDB trouxe uma única regra de transição,
prevista no seu art. 2º, segundo a qual a vigência do art. 29 só se dará
após decorridos 6 meses de sua publicação (realizada em 25 de abril de
2018). Nesse sentido, só seria possível para a postergação da vigência
do art. 29: se a realização de consulta pública para a publicação de atos
normativos fosse obrigatória.373

370
RIBEIRO, Leonardo Coelho. Déficit público e revisão do estoque regulatório. Disponível
em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/deficit-publico-e-revisao-do-estoque-
regulatorio-17112015.
371
Com a lógica adotada pelo art. 42 da Lei nº 9.472/1997, de acordo com o qual “Art. 42. As
minutas de atos normativos serão submetidas à consulta pública, formalizada por publicação
no Diário Oficial da União, devendo as críticas e sugestões merecer exame e permanecer à
disposição do público na Biblioteca”.
372
MONTEIRO, Vera. Regime Jurídico da Consulta Pública, Revista de Direito Administrativo –
RDA. Edição especial. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Rio de Janeiro,
Editora FGV, 2018.
373
Afora que, como bem destacado por Alexandre Santos de Aragão “Entendemos que
mesmo nos casos em que a realização de audiências ou consultas públicas não tiver sido
cogentemente estabelecida, sendo, portanto, discricionárias, se algum agente econômico
ou entidade interessada requerer a sua realização, a recusa da Administração deverá ser
satisfatoriamente motivada face aos princípios e valores constitucionais que privilegiam a
participação dos interessados nas decisões administrativas (art. 1º, caput e inciso I; art. 5º,
XXXIII e XXXIV; 37, caput e §3º; e 175, III, Constituição Federal)” (ARAGÃO, Alexandre
Santos de. Agências reguladoras e a evolução do Direito Administrativo Econômico. Rio de Janeiro:
Forense, 2002, p. 440).
ART. 29 155

§1º A convocação conterá a minuta do ato normativo e fixará o prazo e


demais condições da consulta pública, observadas as normas legais e
regulamentares específicas, se houver.
Parágrafo acrescentado pela Lei nº 13.655, de 25.04.2018.

O §1º do dispositivo comentado prescreve que “a convocação


conterá a minuta do ato normativo e fixará o prazo e demais condições
da consulta pública, observadas as normas legais e regulamentares
específicas, se houver”. O referido parágrafo estabelece os aspectos
formais gerais do devido processo normativo previsto no caput. Ele
prescreve, em sua parte inicial, que a convocação para a participação
da consulta conterá a “minuta do ato normativo”.
Claro que essa previsão deverá ser interpretada de forma ampla,
de modo que sejam fornecidos tantos quantos forem os documentos
necessários para que a participação seja efetiva (a exemplo de estudos
técnicos, pareceres, entre outros). No que toca à “fixação dos prazos”,
temos que, para além dos prazos fixados para a apresentação das
contribuições dos administrados, o referido ato terá de fixar um prazo
para que a Administração se manifeste sobre elas. Por mim, o legislador
andou bem, ao remeter a matéria às “normas legais regulamentares
específicas”. Assim é que cada entidade administrativa, de acordo
com as suas especificidades, deverá disciplinar os quadrantes de tal
expediente (o que respeita a autonomia de cada qual, e, na ponta, a
autonomia administrativa de cada entidade federada – art. 18 da CRFB).
Em resumo, temos que o art. 29 da LINDB, além de estar em
plena consonância com o ordenamento jurídico pátrio, criará incentivos
para o advento de uma função normativa da administração responsiva
e norteada por viesses prospectivos e consequencialistas.
PÁGINA EM BRANCO

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Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança
jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos,
súmulas administrativas e respostas a consultas.
Caput acrescentado pela Lei nº 13.655, de 25.04.2018.

A afirmação de que a incorporação de institutos de origem


anglo-saxã permeados pelo sistema374 da common law ao Direito Adminis-
trativo brasileiro estaria desvirtuando no seu caráter romanístico (mais
atrelado ao domínio das leis) não é verdadeira, por uma incompreensão
de origem. Isso por que temos de fugir à tendência de divisar os dois
sistemas, a partir da explicação pela qual o direito de base romanística
seria aquele cuja fonte predominante se consubstancia na lei, ao passo que
o sistema da common law teria por base o modelo de precedentes. Embora
não seja incorreto dizê-lo, essa pressuposição incorre no equívoco de
ser demasiado simplificadora. É que, na França, por exemplo, que tem
um ordenamento jurídico de base romanística, a gênese do direito
administrativo remonta a um precedente, qual seja, o arrêt Blanco
(1863).375 Nos Estados Unidos, por sua vez, que têm um ordenamento

374
Bernardo Sordi, professor de Direito Administrativo da Universidade de Florença, ensina
que a construção de cada sistema e, por conseguinte, dos respectivos direitos administrativos
é preponderantemente uma construção histórica ditada pelas vicissitudes culturais e
políticas de cada país, em detrimento de uma produção teórica propriamente dita. Afirma
o autor italiano: “As trajetórias específicas para o droit administratif, Verwaltungsrecht,
ou administrative law devem ser entendidas à luz dos vários processos de formação dos
Estados e a partir das diferentes histórias constitucionais de cada país. No entanto, nenhum
processo de construção do Estado se traduz mecanicamente em um sistema especial de direito
administrativo” SORDI, Bernardo. Révolution, Rechtsstaat and the rule of law: historical
reflections in the emergence of administrative law in Europe. In: ROSE-ACKERMAN, Susan;
LINDSETH, Peter (Coord.). Comparative administrative law. Cheltenton, VK; Nothompton,
MA: Elson, 2010. p. 23-36.
375
“En referencia a la influencia del arrêt Blanco sobre la sistemática del Derecho administrativo
francés no puede esconderse su papel fundamental en la teorización de la autonomía y
la especialidad del droit administratif. Inspirándose en las afirmaciones (contenidas en el
arrêt Blanco) antes citadas, conforme a las cuales, en ausencia de texto legal específico, la
responsabilidad de la Administración ‘ne peut être réglée par les principes qui sont établis
dans le code civil pour les rapports de particulier à particulier... elle a ses règles speciales’,
la doctrina ha encontrado en este arrêt el fundamento de la autonomía y la especialidad del
Derecho administrativo respecto del Derecho civil25. En este arrêt se afirmaba, en efecto,
que, en ausencia de reglas enunciadas por el legislador, el juez era ‘libre de individualizar’
la regla de Derechoadministrativo aplicable, basándose en las exigencias de la realidad
administrativa. En poco tiempo, con el arrêt Blanco se pusieron las bases de un Derecho
administrativo que no sólo puede tener un contenido nuevo y distinto del previsto en el Code
civil, sino que puede ser forjado y aplicado por el mismo juez administrativo. Se legitimó
así el recurso a un droit non écrit, es decir, a un Derecho no creado por las autoridades
constitucionalmente legitimadas para crear Derecho.” MASUCCI, Alfonso. Formación y
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
158 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

pautado pelas diretrizes da common law, há uma exauriente normatização


de suas agências, por intermédio do Administrative Procedure Act.376
Na verdade, o direito administrativo brasileiro é um benfazejo
fruto de sincretismo entre os dois sistemas.377 No sistema de base
romanística (composto primordialmente pelos direitos francês, alemão,
italiano, espanhol, português, latino-americano e de países da África),
legou o conceito de serviço público (atrelado ao vetusto regime da
publicatio), o conceito de ato administrativo (permeado por um regime-
administrativo que lhe confere exorbitância, destacadamente no exercício
do poder extroverso) e os quadrantes da responsabilidade civil do Estado.
Já do sistema da common law (que enfeixa os direitos inglês,
norte-americano – com exceção de alguns estados –, australiano,
neozelandês, canadense – com exceção da província de Quebec), legou
a unidade de jurisdição, o controle dos atos da Administração Pública
pelo Poder Judiciário, a aplicação do princípio da proporcionalidade
(decorrente do devido processo legal substantivo 378), a função regulatória
estatal,379 e, para o que aqui importa, algum grau de vinculação à
jurisprudência, na qualidade de uma fonte do direito.380

evolución del derecho administrativo en Francia y Alemania. Revista de Administración


Pública, Madri, p. 9-10, jan./abr. 2011.
376
Nessa linha vai a ponderação de Eduardo García de Enterría: “[o] êxito do sistema contencioso
administrativo ocorrido na França proporcionará a sua recepção pelos países europeus
e, mais tarde, pela maioria dos países latino-americanos. Apenas os países anglo-saxões
mantiveram suas particularidades, embora tenham sofrido, igualmente, influência, no século
XX, das técnicas da justiça administrativa geral, à margem dos vetustos e casuísticos writs do
common law, pouco adaptados à matéria administrativa. Nos Estados Unidos, isto ocorrerá
em 1947, com o Administrative Procedure Act, que, em suas sucessivas redações, formula
um tipo de ‘teoria geral’ dos atos administrativos e de seus limites legais”. ENTERRÍA,
Eduardo García de. As transformações da justiça administrativa: da sindicabilidade restrita
à plenitude jurisdicional: uma mudança de paradigma? Tradução de Fábio Medina Osório.
Belo Horizonte, Fórum, 2010, p. 39-40.
377
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. O direito administrativo no sistema de base
romanística e de common law, Brazilian administrative law: under the influence of common law
and civil law. Revista de Direito Administrativo – RDA, Rio de Janeiro, n. 268, 2015.
378
DALLARI, Adilson; FERRAZ, Sérgio. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001,
p. 63.
379
De fato, a teoria do Direito Administrativo Regulatório e, mais recentemente, as agências
reguladoras, do mesmo modo, bebem dessa mesma origem. Em relação à regulação dos
serviços públicos, não é herança recente. A literatura dos anos de 1930 foi marcada pelo
célebre debate sobre regulação de tarifas públicas que opunha, em São Paulo, Meirelles
Teixeira e Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, de um lado, e Ruy Barbosa e Lair Tostes,
de outro. Discutia-se a fundamentação para a regulação das tarifas, com base no direito
americano (Ver TEIXEIRA, J. H. Meirelles. Os serviços públicos de eletricidade e a autonomia
local. São Paulo: s.n., 1950, p. 47 e ss). O mapeamento deste debate foi também traçado por
Vitor Rhein Schirato na obra Livre iniciativa nos serviços públicos. Belo Horizonte: Fórum, 2012,
p. 52 e ss. Essa mesma influência se observa a partir das concepções de Francisco Campos
ART. 30 159

A propósito desse último legado, como bem observado pela


professora Maria Sylvia Zanella de Pietro,381 vários exemplos de criação
jurisprudencial de institutos consagrados no Direito Administrativo
brasileiro, alguns temporariamente e outros em caráter duradouro, até
os dias atuais; alguns foram aplicados como institutos não previstos no
direito positivo e, outros, contrariamente à letra da lei: ampliação do
instituto do habeas corpus para proteção de outros direitos individuais
que não a proteção da liberdade de locomoção; criação do instituto da
desapropriação indireta; ao arrepio do artigo 547 do Código Civil, que
exigia indenização prévia e o requisito de decreto explícito; aplicação
do contrato de concessão de uso, e não de contratos.
Nada obstante, o direito brasileiro, malgrado tenha legado a
sistemática da jurisdição una, não adotou, predominantemente, a lógica
do stare decisis, por intermédio da qual se confere força obrigatória aos
precedentes (judiciais e administrativos). De fato, ao legar o princípio
da legalidade do Direito Francês, elevou à lei, editada pelo parlamento,
a fonte primeira do direito, e não as decisões judiciais. Um “paradoxo”,
por assim dizer, nessa transposição, na medida em que, considerando a
dualidade de jurisdição prevista na França, ser caudatário do princípio
da legalidade naquele país era, justamente, prestar deferência às decisões
do Conselho de Estado.
Mas fato é que, na ultima década, o legislador brasileiro passou a
incorporar normativos que atribuíram efeitos aos precedentes judiciais,
notadamente após a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004
(por intermédio da qual foi criado o instituto da súmula vinculante). E
mais recentemente, com a edição do Código de Processo Civil de 2015.
No referido código, por exemplo, em seu art. 927, previu-se a força
vinculante a uma série de decisões.382

sobre reversão de bens e sobre término de contratos de concessão (CAMPOS, Francisco.


Direito administrativo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1943, p. 88 e ss.)
380
TÁCITO, Caio. Presença norte-americana no direito administrativo brasileiro, op. cit.
381
PIETRO, Maria Sylvia de. 500 anos de direito administrativo brasileiro. Cadernos de Direito e
Cidadania II, Instituto de Estudos de Direito e Cidadania, São Paulo, Artchip, 2000, p. 39-69.
382
É que, como bem exposto por Gilmar Ferreira Mendes “Proferida a declaração de
constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei objeto da ação declaratória, ficam os
tribunais e órgãos do Poder Executivo obrigados a guardar-lhe plena obediência. Tal como
acentuado, o caráter transcendente do efeito vinculante impõe que sejam considerados
não apenas o conteúdo da parte dispositiva da decisão, mas também a norma abstrata
que dela se extrai, isto é, a proposição de que determinado tipo de situação, conduta ou
regulação – e não apenas aquela objeto do pronunciamento jurisdicional – é constitucional
ou inconstitucional e deve, por isso, ser preservado ou eliminado. É certo, pois, que a não-
observância da decisão caracteriza grave violação de dever funcional, seja por parte das
autoridades administrativas, seja por parte do magistrado” (MENDES, Gilmar Ferreira;
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
160 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

É, nesse quadrante, que passa a vigorar o art. 30 da Lei nº 13.655/


2018 (Lei da Segurança para a Inovação Pública), de acordo com o qual
“as autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança
jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos,
súmulas administrativas e respostas a consultas”.
O referido dispositivo teve o desiderato de realizar o trespasse
da stare decisis às decisões administrativas – racional que remonta ao
precedente London Tramways v. London County Council, de 1898, no
qual se consagrou, pela primeira vez, a vinculação da House of Lords
às suas próprias decisões. De acordo com tal teoria, terá o julgador
de, preliminarmente, definir o holding, assim considerado como a
norma, a ser extraída do caso concreto, que deverá vincular as futuras
decisões. Sua identificação passa pela identificação dos fatos (material
facts) e dos fundamentos necessários à constituição do precedente
(racionale), excluindo-se, porém, o obiter dictum, que são as considerações
marginais ao julgado paradigma, que não terão efeitos vinculantes.383
Por intermédio dessa sistemática, para além de se preservar a isonomia
no tratamento dos administrados (treat like cases alike), pretende-conferir
observância às decisões proferidas (backward-looking), bem como
constituir os futuros precedentes (fooward-looking).384
Para levar a efeito a interpretação correta de tal dispositivo, temos
que é de se identificar o que são “precedentes”, para os seus propósitos.
Pois bem. Nesse quadrante, temos que o racional da formação de um
precedente é o de resolver casos difíceis (hard cases). É que os casos
simples, predicadores, tão somente, de sua resolução, por intermédio

COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional.
Brasília: Saraiva, 2007, p. 1.223)
383
Patrícia Perrone Mello, em trabalho específico sobre o tema, bem retrata esta esse
procedimento: “O manejo dos precedentes nos países do common law é regido pela stare
decisis, política que exige que as cortes sigam as decisões estabelecidas pelos tribunais que
lhes são hierarquicamente superiores. De acordo com tal sistema, a parte, ao buscar um
julgado aplicável à ação a ser decidida, precisa, primeiramente, identificar os fatos relevantes
do caso concreto e, então, a questão legal que será decidida pela Corte em sua apreciação.
Em seguida, buscará um precedente que trate das mesmas questões de direito e no qual
se constate, ainda, que a discussão sobre elas se baseou essencialmente em uma situação
de fato semelhante, hipótese em que estará justificada a aplicação da solução anterior à
demanda em exame. Este raciocínio analógico, por sua vez, apóia-se em alguns conceitos
essenciais – os conceitos de holding, rationale e obiter dictum” (MELLO, Patrícia Perrone
Campos. Operando com súmulas e precedentes vinculantes. In: BARROSO, Luís Roberto
(Org.). A reconstrução democrática do Direito Público no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, p. 671).
384
No Direito Brasileiro, V. OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende de. Precedentes no Direito
Administrativo. Rio de Janeiro: Gen, 2018. Sobre o tema, confira-se COLE, CHARLES D.
Stare decisis na cultura jurídica dos Estados Unidos. O sistema de precedente vinculante
do Common Law. Revista dos Tribunais, n. 758, 1998.
ART. 30 161

da subsunção, prescindem da formação de precedentes. Explicamos.


O art. 121 do Código Penal tipifica o crime homicídio, pela expressão
“matar alguém”. Dúvidas não há de que, caso determinado agente retire
a vida de outrem estará incurso nas penas de tal dispositivo. Razão pela
qual, sob tal viés, não é necessária a formação de um precedente sobre
o conceito de “homicídio”.
Mais que isso, a formação do precedente é extraída da interpre-
tação de uma situação casuísta, da realidade.385 Cuida-se da consagração
normativa do viés pragmático que deve nortear a interpretação de todos
os dispositivos incluídos pela Lei nº 13.655/2018. É dizer, enquanto o texto
da lei, de rigor, veicula comandos genéricos e abstratos, o precedente é
concreto, devendo se imiscuir nas especificidades da situação ocorrida na
realidade. Disso decorre a força normativa e vinculante da interpretação
jurídica (enactment force).386 Daí que a necessidade de estabilização das
relações jurídicas vem atribuindo aos tribunais, cada vez mais, o papel
de criadores do direito, valorizando o manejo dos precedentes. Em
outras palavras, cada situação é confrontada com casos previamente
decididos, de modo a verificar se são abordadas as mesmas questões
fáticas e de direito.
Em síntese, toda essa tendência de vinculação aos precedentes
judiciais tem como principal finalidade, em primeiro lugar, a preservação
da segurança das relações jurídicas e, em segundo lugar, o atendimento
do princípio da isonomia, tendo em vista que situações semelhantes
não podem ser decididas de forma diferente.387

385
Nesse sentido, Juraci Mourão Lopes Filho Fayga Silveira Bedê: “No entanto, ainda que em
menor medida, as autoridades administrativas, em diversas situações, tanto em processo
quanto em procedimento administrativo, também são capazes de realizar essa mediação
entre Direito e realidade na formulação de respostas institucionais a um caso concreto, seja na
tomada de decisões ou na expedição de pareceres e respostas a consultas. Seus atos também
dão ensejo a um ganho hermenêutico, de modo a gerar uma justa expectativa de que sejam
seguidos em casos futuros, pois, afinal, passam a integrar o sistema jurídico, não podendo
ser relegados à simplória categoria de atos concretos sem qualquer repercussão maior”
(LOPES FILHO, Juraci Mourão; BEDÊ, Fayga Silveira. A força vinculante dos precedentes
administrativos e o seu contributo hermenêutico para o Direito. A&C – Revista de Direito
Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 16, n. 66, p. 239-265, out./dez. 2016).
386
WORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002, p. 177.
387
Nesse sentido, Marcus Vinícius Barreto Serra Júnior: “É preciso assegurar a discricionariedade
do magistrado para interpretar as normas e aplicá-las ao caso concreto, mas essa liberdade não
pode ser tomada como absoluta, de tal maneira que se consagre o fenômeno da jurisprudência
lotérica, afrontando a segurança jurídica, bem como a própria legitimidade do exercício do
poder jurisdicional. (…) Eliminando os termos vagos e dúbios do direito legislado, o Poder
Judiciário, ao criar o precedente judicial, estará conferindo maior estabilidade e segurança
à decisão, evitando interpretações conflitantes. Com base em uma releitura do princípio
constitucional da segurança jurídica, nota-se que a aplicação da teoria dos precedentes à
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
162 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

É que, como já tivemos a oportunidade de asseverar ao comen-


tarmos os arts. 23 e 24 da Lei nº 13.655/2018, a interpretação administrativa
produz efeitos normativos. Nesse quadrante, os “regulamentos”,
as “súmulas” e as “respostas a consultas”, referidos pelo art. 30, se
configuram como interpretações plasmadas, por intermédio de atos
administrativos. Nessa qualidade, devem deferência à segurança
jurídica.388 Razão pela qual o dispositivo recomenda que a Administração
Pública materialize as suas interpretações em atos públicos (dotados
de eficácia geral); visa a atender, pois, à vertente da previsibilidade
da segurança jurídica. No mesmo sentido, Egon Bockmann Moreira e
Paula Pessoa Ferreira389 lecionam que “essa determinação legal possui
dois desdobramentos: por um lado, os órgãos e entidades que decidam
casos de Direito Público precisam desenvolver os melhores esforços para
criar e consolidar os próprios precedentes” e, de outro “as decisões que
tratem de temas de Direito Público e assumam a condição de precedentes
necessitam de ser aplicadas em casos futuros”.390

realidade brasileira, tornando vinculantes as decisões das Cortes Superiores, especialmente


o STF e o STJ, passa a ser uma necessidade” (SERRA Júnior, Marcus Vinícius Barreto. A
vinculação do precedente judicial e a segurança jurídica. RIL, Brasília, a. 54, n. 214, p. 131-
152, abr./jun. 2017).
388
Daniel Wunder Hachem bem resume o ponto: “Outro princípio constitucional albergado no
rol de direitos fundamentais da Constituição de 1988 que impõe ao Poder Público a obrigação
de respeitar a sua racionalidade manifestada em decisões administrativas anteriores é o
da segurança jurídica. Consistirá ofensa ao sobredito princípio o fato de a Administração
decidir casos que lhe são submetidos de determinada maneira, benéfica a um direito dos
particulares, e então, subitamente, deliberar por rejeitar a satisfação desse mesmo direito,
postulado por um titular imerso no mesmo quadro fático. Esse tipo de comportamento
abala a perspectiva da certeza do cidadão a respeito do proceder habitual da Administração
Pública, traindo a sua legítima confiança baseada nas condutas administrativas precedentes
e favoráveis à tutela do direito reivindicado” (HACHEM, Daniel Wunder. Vinculação da
Administração Pública aos precedentes administrativos e judiciais: mecanismo de tutela
igualitária dos direitos sociais. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional,
Belo Horizonte, ano 15, n. 59, p. 63-91, jan./mar. 2015). No mesmo sentido, PORTES, Maira.
Instrumentos para revogação de precedentes no sistema de common law. In: MARINONI,
Luiz Guilherme (Coord.). A força dos precedentes: estudos dos cursos de mestrado e doutorado
em direito processual civil da UFPR. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 183-208. SCHAUER,
Frederick. Precedente. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie et al. (Coord.). Coleção grandes temas do
novo CPC: precedentes. Salvador: Juspodivm, 2016. v. 3, p. 49-86
389
MOREIRA, Egon. Bockmann Moreira, FERREIRA, Paula Pessoa. O dever público de
incrementar a segurança jurídica. Revista de Direito Administrativo – RDA. Edição especial.
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2018, p.
262.
390
Com base em tal dispositivo, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes –
DNIT vem editando súmulas relacionadas à exploração de infraestruturas. Assim, por
exemplo, foi editada a Súmula nº 4, de 16 de julho de 2018, que se encontra vazada
nos seguintes quadrantes: “O DIRETOR-GERAL INTERINO DO DEPARTAMENTO
NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES – DNIT, no uso das atribuições
que lhe conferem o art. 178 do Regimento Interno aprovado pela Resolução/CA nº 26, de
ART. 30 163

Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão


caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam,
até ulterior revisão.

Tais instrumentos, a teor do parágrafo único do art. 30, “terão


caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam,
até ulterior revisão”. Tal importa dizer que, de acordo com os novos
quadrantes trazidos pelo dispositivo em comento, a aplicação da vincu-
lação aos precedentes administrativos será predicadora da existência
de identidade subjetiva. É dizer, que a interpretação materializada por
intermédio da norma veiculada pelo ato administrativo paradigma (seja
uma súmula, uma decisão, uma normatização, ou um parecer jurídico)
seja construída e aplicada no âmbito da mesma entidade administrativa
(a exemplo de uma súmula que terá o condão de vincular a autarquia
que a expediu). O racional trazido pelo novo diploma, também, predica
a existência de uma identidade objetiva entre o provimento atual e o
paradigma, ou, mais tecnicamente, ao holding.
Temos que, por se tratar de uma vinculação entre as normas que
se extraem de atos administrativos, essa norma vinculante (holding)
deverá ser extraída do seu motivo e do seu objeto. O motivo do ato
administrativo, como é de conhecimento convencional, é composto pelos
fatos e pelos fundamentos jurídicos que determinam a sua produção.
O objeto, por sua vez, é a criação, modificação ou extinção de direito
por ele produzida – o qual costuma se divisado em vinculado ou
discricionário. Assim é que o holding do precedente administrativo será
formado pela norma que será extraída da congruência entre o motivo
e o objeto do administrativo.
Um exemplo ilustra o quanto exposto. Cogite-se a hipótese em que
um agente tenha sido apenado por uma agência reguladora, em razão

05/05/2016, publicada no DOU de 12/05/2016, considerando ainda o disposto no Decreto-Lei


nº 4.657, de 4 set. 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), por meio da
Lei nº 13.655, de 2018, com o acréscimo do art. 30, que prevê que as autoridades públicas
devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por
meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas; e adotando como
fundamento o Processo Administrativo nº 50600.005575/2018-65; resolve:
Aprovar a SÚMULA nº 04/DNIT: É VEDADA A UTILIZAÇÃO DOS MESMOS ATESTADOS
(TÉCNICO PROFISSIONAL/OPERACIONAL) DE FORMA INTEGRAL DECORRENTES
DE ATUAÇÃO EM CONSÓRCIO, DEVERÁ SER COMPROVADO A PARTE DA EXECU-
ÇÃO RELACIONADA AO OBJETO DO CONTRATO. NA FALTA DE COMPROVAÇÃO,
UTILIZAR A REGRA DE PROPORCIONALIDADE RELACIONADA A PARTICIPAÇÃO
FINANCEIRA NO CONSÓRCIO”.
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
164 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

de não ter revertido 75% das receitas acessórias à modicidade tarifária.


E que, após o devido processo sancionador, a responsabilidade dela
tenha sido excluída, por ter sido considerado que o valor do referido
repasse era abusivo, e, na ponta, militaria em desfavor da exploração
dessas atividades. Dessa forma, outra concessionária que esteja com
um processo administrativo instaurado em face de si, com o mesmo
objeto, poderá, com fulcro no disposto que ora se comenta, pleitear a
extensão do holding desse precedente para o seu processo.
Assim é que, para que trespasse do holding seja interditado, a
agência reguladora terá de proferir uma decisão fundamentada, por
intermédio da qual demostre que há diferenças substanciais entre
o precedente e a demanda atual, a justificar a prolação de decisão
diversa (distinguising); ou a necessidade de superação do precedente
(overruling), seja por razões jurídicas, seja por razões econômicas, seja
pela cambialidade da situação de fato. O que, de resto, já encontraria
fundamento no disposto no art. 50, VII, da Lei nº 9.784/1999, de acordo
com o qual se prescreve o dever de motivação das decisões que “deixem
de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de
pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais”.
Não se desconhece que a aplicação da Teoria dos Precedentes
Administrativos já teria aplicabilidade ao ordenamento jurídico brasi-
leiro, em razão do disposto no art. 15 c/c art. 927, I a V, do CPC/2015. Nada
obstante, alçar tal sistemática à qualidade de uma norma interpretativa
é, por assim dizer, “levar os precedentes administrativos a sério”.
CONCLUSÕES A TÍTULO DE SÍNTESE

A segurança jurídica não é um valor abstrato. Não decorre de


ensinamentos doutrinários. Mas de uma necessidade concreta de estabi-
lizar as relações jurídicas. Na verdade, é da essência do direito estabilizar
relações jurídicas, prever seus efeitos e equalizar suas consequências.
Assim é que, se de tal racional já são caudatárias as relações privadas,
com muito mais razão devem deferência a tal valor as relações travadas
entre o Poder Público e os administrados. É que não se coaduna mais
com as constituições democráticas que o administrado ocupe uma
posição subalterna em face do Estado – o que restou reforçado pelo
próprio advento do Estado Social, com o estabelecimento de um plexo
de deveres prestacionais para o Poder Público. Segue daí a necessidade
de se estabelecerem relações consensuadas, estáveis e que proscrevam
práticas oportunistas.
Mas de nada vale tentar defender a segurança jurídica apenas
quando ela está em consonância com os nossos próprios interesses. Ela
não tolera uma cisão entre o discurso e a prática. Independentemente
de a quem favoreça, não há que se falar em segurança jurídica sem que
se mantenham as “regras do jogo”. Para isso que foi editada a Lei nº
13.655/2018. Por intermédio dos dispositivos acrescentados à LINDB,
procurou-se consagrar não a “segurança jurídica da conveniência”, mas
a segurança jurídica em concreto. Para tanto, buscou-se racionalizar as
decisões nas esferas administrativa, controladora e judicial.
A partir de tal racional, consagrou-se o dever da observância de
um iter procedimental que respeite a segurança jurídica nos seus vetores
da estabilidade, da previsibilidade e da proporcionalidade. A inclusão
do art. 20 teve por objetivo conferir estabilidade e previsibilidade para
decisões que vinham sendo tomadas, com base em valores abstratos e
prescrições abertas. Nada que gere mais insegurança jurídica do que uma
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
166 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

decisão que, infensa de controles, suprima direitos ou constitua relações


jurídicas sem lançar mão dos fatos e do direito posto. A imprevisibilidade,
por certo, gera arbitrariedade. Daí a instituição de um devido processo
regulador para as decisões tomadas com base em conceitos vagos, no
qual seja explicitada, para além de suas consequências, a forma mais
proporcional de equalizar os seus resultados.
O art. 21 confere um racional consequencialista aos processos
invalidadores. Interdita, pois, a prolação de decisões invalidadoras
inconsequentes, ou inexequíveis. É que viola, pois, os vetores da previ-
sibilidade e da proporcionalidade proferir decisões que não indiquem,
de modo expresso, suas consequências jurídicas e administrativas.
Para além disso, se impôs um racional decisório convalidador para os
processos que decretem a invalidade de atos administrativos, mediante
o qual sejam equalizados os interesses gerais, de sorte que não sejam
impostos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso,
sejam anormais e excessivos para determinado agente.
O art. 22 traz quadrantes de realidade e de temporalidade para
o juízo da validade dos atos praticados pelo gestor público. Impõe
um viés de empatia do controlador para o gestor. De modo que, ao
apreciar a sua conduta, ele se substitua ao gestor público, para o fim de
considerar as dificuldades reais e as exigências das políticas públicas
com base nas quais ele se pautou para proferir a sua decisão. Além
disso, o referido dispositivo consagra a proporcionalidade na aplicação
das penalidades. Mais que isso, impõe que o processo administrativo
sancionador seja pautado pela instrumentalidade das sanções, no qual
sejam equilibrados os interesses enredados em concreto e prospectados
os seus efeitos sistêmicos. Por fim, ele tem por objetivo minorar os
efeitos do bis in idem, proscrevendo que o agente apenado, em razão
da independência das instâncias, sofra os efeitos (econômico-jurídico)
de sanções decorrentes do mesmo fato.
O art. 23 consagra os vetores da previsibilidade e da proporcio-
nalidade da segurança jurídica, pois que tem por desiderato equalizar
os efeitos das mudanças de interpretação que imponham novos
condicionamentos de direitos. Considera que a interpretação jurídica,
quando proferida por entidades públicas, tem força normativa. Razão
pela qual impõe o estabelecimento de um regime de transição entre a
interpretação superada e a nova interpretação. É dizer, que tal regime de
transição permita a gradual adaptação do administrado ao condiciona-
mento imposto pela nova interpretação das entidades públicas. Mais que
isso, na linha de atender a vertente da proporcionalidade da segurança
CONCLUSÕES A TÍTULO DE SÍNTESE 167

jurídica, prescreve que tal regime deve equalizar o cumprimento do


condicionamento, sem prejuízo dos interesses gerais.
O art. 24, considerando o mesmo racional da força normativa
das interpretações, impõe que os seus efeitos se submetam à garantia
da irretroatividade, prevista no art. 5º, inciso XXXV, da CRFB. Ora, se a
lei, editada pelo parlamento, se submete ao limite irretroatividade, com
muito mais razão as interpretações das entidades públicas lhe devem
deferência. Mas não é só, o referido dispositivo impõe que tal irretroati-
vidade sirva para interditar que atos que já tenham completado os seus
efeitos sejam declarados inválidos com lastro na nova interpretação. E,
para equalizar tal garantia, impõe que tal irretroatividade incida, tão
somente, em interpretações consolidadas, as quais podem ser veiculadas
em ato normativo ou jurisprudência judicial ou administrativa com
eficácia erga omnes e vinculante.
O art. 26 tem o racional de garantir ao vetor da segurança
jurídica estabilidade, por intermédio do consenso. Serve, pois, de um
permissivo genérico para a celebração de compromissos negociados pela
Administração Pública – especificamente, para a celebração de acordos
substitutivos, de integração e de complementação. Demais disso, ele
confere publicidade aos atos negociados (os tornando permeáveis pelos
interesses da sociedade), bem como estabilidade, pois que seus termos
serão avalizados pelos órgãos jurídicos das entidades públicas. Mas,
por lado outro, estabelece limites para tal ajuste negocial, interditando
a celebração de acordos liberatórios que sejam incompatíveis com os
interesses gerais.
O art. 27 visa a tutelar o vetor da proporcionalidade da segurança
jurídica. Segue daí por que proscreve o abuso do direito de processar.
Na verdade, estabelece as consequências do exercício abusivo desse
direito. Cuida-se de possibilitar o estabelecimento de uma compensação
endoprocessual, para o agente que angariar benefícios indevidos ou
sofrer prejuízos anormais resultantes das atividades do processo. De
outro lado, garante o atendimento dos vetores da estabilidade e da
previsibilidade da segurança jurídica, pois prescreve que a imposição de
tal compensação de forma motivada, bem como que o seu procedimento
seja negociado.
O art. 28 tem por objeto garantir os vetores da previsibilidade e
da proporcionalidade da segurança jurídica. Confere, pois, quadrantes
garantidores ao administrador honesto e responsável. Protege, da
mesma forma, os agentes públicos que expedem opiniões técnicas.
Livra, pois, os agentes públicos da inércia aflitiva. Ao fim e ao cabo,
abole do sistema jurídico o “crime de hermenêutica”, pois que predica
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, RAFAEL VÉRAS DE FREITAS
168 COMENTÁRIOS À LEI Nº 13.655/2018 (LEI DA SEGURANÇA PARA A INOVAÇÃO PÚBLICA)

que, para efeito de penalização do agente público, seja comprovado o


seu elemento subjetivo (o dolo ou a culpa grave).
O art. 29 consagra o viés da previsibilidade da segurança jurídica,
pois que impõe que o exercício normativo da Administração Pública
seja permeado pelos interesses dos administrados. À medida que o
administrado participa da formação da vontade normativa do poder
público e que as suas contribuições são consideradas na decisão final,
tal função passa a ter maior previsibilidade. Disso decorre a maior
eficácia de tal normatização, seja por que foi construída mediante uma
decisão concertada, seja por que, em razão desse concerto de vontades,
os administrados lhe prestarão maior deferência.
O art. 30, por fim, impõe um dever para que o poder público
confira previsibilidade e estabilidade às suas interpretações, pela edição
de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.
Cuida-se de mais um dispositivo que caminha na firme trilha de
incorporar a stare decisis ao ordenamento jurídico brasileiro. O racional
dos precedentes é, de um lado, garantir a previsibilidade a propósito
dos entendimentos administrativos, e, de outro, não tratar situações
iguais de forma distinta – o que afrontaria a isonomia. Nesse quadrante,
a vinculação do precedente predica uma vinculação subjetiva (no
âmbito, pois, da mesma entidade administrativa) e objetiva (desde
que tenham os mesmos fundamentos fáticos e jurídicos). Daí que o
racional é estabilizar a vigência da norma extraída do precedente até
sua ulterior revogação.
Enfim, eis o conteúdo da nova LINDB. A antiga Lei de Introdução
ao Código Civil se inseriu na prática diária do operador do Direito a
ponto de nem mais ser citada, embora balizando cotidianamente a sua
atividade hermenêutica. A nova LINDB tardará um tanto a se decalcar na
cultura jurídica. Até lá serão necessários quatro movimentos sucessivos.
O primeiro, já em curso, é vencer a resistência e o preconceito gerados
pelo debate precedente à sanção da lei, que procurou – sem sucesso –
obstar extemporaneamente sua edição com argumentos da terrorem que
hoje parecem até um tanto ridículos. O segundo momento costumamos
chamar de “catequese da nova lei”, que corresponde a difundir entre os
aplicadores os novos preceitos, sua potência e importância. Ninguém
precisou avisar o intérprete da edição de um novo CPC ou de um novo
Código Civil, pois são leis estruturantes do sistema e que substituíram
as anteriores, derrogadas. Mas as LINDB é uma lei que inaugurou um
novo standard de interpretação das normas de direito público e por
isso tem de vencer a tendência inercial do aplicador do Direito (que,
principalmente no direito administrativo, muitas vezes segue citando,
CONCLUSÕES A TÍTULO DE SÍNTESE 169

passados trinta anos, a doutrina escrita anteriormente à Constituição


vigente) de congelar o direito dos tempos em que estudara, projetando
para o futuro normas e vetores interpretativos do passado. Até lá serão
necessários muitos embargos de declaração, muitos alertas, contribuições
doutrinárias e provocações institucionais, vencendo inclusive as forças
que tentam esvaziar a importância da nova lei, esterilizando seu potencial
transformador. O terceiro momento, que necessariamente tomará as
próximas décadas, será o de consolidação dos conceitos e da construção
de uma “jurisprudência integrativa” que fixe o conteúdo dos conceitos
presentes nos dispositivos normativos e regule os procedimentos de
aplicação da nova lei. Por fim, um quarto e último momento terá lugar
quando, já introjetados na cultura jurídica e na prática hermenêutica os
dispositivos da nova LINDB, já sejam aplicados automaticamente. Será,
então, o tempo de se voltar à prancheta para verificar o que resultou
faltante e o que se mostrou excessivo, talvez então para propor um
novo ciclo normativo.
No momento em que escrevemos, podemos dizer em relação à
nova LINDB termos uma certeza e uma incerteza. É certo que o direito
público após a Lei nº 13.655/18 não é mais o mesmo. Porém não nos
é possível, hoje, sequer dimensionar todo o potencial transformador
que seus dispositivos terão nos próximos anos. Afinal, como se sabe,
no direito posto a vontade (ou a expectativa) do legislador contam
muito pouco.
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Esta obra foi composta em fonte Palatino Linotype, corpo 10


e impressa em papel Offset 75g (miolo) e Supremo 250g (capa)
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