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CAROLINA MARIA DE JESUS

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Carolina Maria de
Jesus
Carolina Maria de Jesus é uma das mais
importantes escritoras negras da literatura
brasileira. Sua obra tem relevância não só
literária, mas também política.

Foto de Carolina Maria de Jesus

Carolina Maria de Jesus foi uma


escritora mineira nascida em 14 de
março de 1914. Apesar de ter apenas
dois anos de estudo formal, tornou-se
escritora e ficou nacionalmente
conhecida em 1960, com a publicação
de seu livro Quarto de despejo: diário
de uma favelada, no qual relatou o seu
dia a dia na favela do Canindé, na
cidade de São Paulo. Morreu em 13
de fevereiro de 1977. Hoje é
considerada uma das mais
importantes escritoras negras da
literatura brasileira.

O seu livro Quarto de despejo traz as


memórias de uma mulher negra e
favelada (como diz o subtítulo) que via
a escrita como forma de sair da
invisibilidade social em que se
encontrava. Com seus diários, suas
memórias registradas por meio da
escrita, Carolina Maria de Jesus deu
sentido à sua própria história e hoje é
figura essencial na literatura brasileira.

Leia também: A representação do negro


na literatura brasileira

Biografia
A escritora Carolina Maria de Jesus
nasceu na cidade de Sacramento,
em Minas Gerais, no dia 14 de
março de 1914. Filha de uma família
pobre, teve uma educação formal de
apenas dois anos. De 1923 a 1929, a
família de lavradores migrou para
Lajeado (MG), Franca (SP), Conquista
(MG), até voltar definitivamente para
Sacramento. Nessa cidade, a escritora
e sua mãe ficaram presas durante
alguns dias. Como Carolina sabia ler,
as autoridades concluíram que ela lia
para fazer feitiçaria.

A escritora Carolina Maria de Jesus,


em 1960. [1]

Em 1937, Carolina Maria de Jesus


mudou-se para a cidade de São Paulo,
onde trabalhou como empregada
doméstica. Em 1948, foi viver na
favela do Canindé, onde nasceram
seus três filhos. Enquanto viveu ali,
sua forma de subsistência era catar
papéis e outros materiais para reciclar.

Em meio a toda essa difícil realidade,


havia os livros. Carolina Maria de
Jesus era apaixonada pela leitura. A
escrita literária, portanto, foi uma
consequência. Assim, em 1950,
publicou um poema em homenagem a
Getúlio Vargas, no jornal O Defensor. Em
1958, o jornalista Audálio Dantas
(1929-2018) conheceu a autora e
descobriu que ela possuía diversos
cadernos (diários) em que dava seu
testemunho sobre a realidade da
favela.

Foi ele quem ajudou a escritora a


publicar seu primeiro livro — Quarto de
despejo: diário de uma favelada.
Assim, em 1960, o livro foi publicado e
transformou-se em um sucesso de
vendas. Nesse mesmo ano, a autora
recebeu homenagens da Academia
Paulista de Letras e da Academia de
Letras da Faculdade de Direito de São
Paulo, além de receber um título
honorífico da Orden Caballero del
Tornillo, na Argentina, em 1961.

Carolina Maria de Jesus


autografando seu livro Quarto de
despejo, em 1960. [1]

Depois do sucesso do seu livro,


Carolina Maria de Jesus mudou-se da
favela do Canindé, gravou um disco
com composições próprias e
continuou a escrever. Porém, suas
próximas obras não obtiveram o
mesmo êxito da primeira. Em 1977, no
dia 13 de fevereiro, Carolina Maria de
Jesus morreu em Parelheiros, distrito
da cidade de São Paulo.

Leia também: Literatura negra - a


produção literária cujo sujeito da escrita é o
próprio negro

Principais obras
A obra de Carolina Maria de Jesus é
marcadamente memorialística, uma
literatura de testemunho, em que a
autora expõe a realidade em que vive e
reflete sobre ela. Nessa perspectiva,
seus principais livros são:

Quarto de despejo (1960);


Casa de alvenaria (1961);
Diário de Bitita (1986);
Meu estranho diário (1996).

O livro que fez mais sucesso foi Quarto


de despejo, mas isso não se repetiu.
Os livros seguintes não
despertaram o interesse nem da
crítica nem da imprensa brasileira. A
autora começou a cair no
esquecimento. Mas no ano anterior à
sua morte, ocorrida em 1977, seu
primeiro livro foi relançado pela editora
Ediouro. Em 1986, quase dez anos
depois de seu falecimento, sua obra
póstuma, Diário de Bitita, foi publicada
no Brasil. No entanto, esse livro já
tinha sido publicado, no ano de 1982,
em Paris, com o título: Journal de
Bitita.

Capa do livro Diário de Bitita, de


Carolina Maria de Jesus, publicado
pela editora SESI-SP. [2]

Foi em 1994 que o livro Cinderela


negra: a saga de Carolina Maria de
Jesus, de José Carlos Sebe Bom Meihy
e Robert M. Levine, foi publicado e
gerou um novo interesse pela
escritora. No ano seguinte, os mesmos
autores lançaram, nos Estados Unidos,
o livro The life and death of Carolina
Maria de Jesus. Além disso, eles
organizaram os livros Meu estranho
diário e Antologia pessoal, compostos
por textos deixados pela autora e
publicados em 1996.

O livro Quarto de despejo é a obra-


prima de Carolina Maria de Jesus.
Foi traduzido para vários idiomas.
Atualmente, cerca de 40 países
conhecem essa obra. Após a morte da
autora, esse livro continuou a ser
editado, Carolina Maria de Jesus virou
nome de rua e de biblioteca, teve livros
produzidos sobre ela e muitas
dissertações e teses acadêmicas
foram escritas, principalmente sobre a
sua primeira obra. A autora, portanto,
conquistou lugar de destaque na
literatura e na história nacional.

Segundo Fernanda Rodrigues de


Miranda, mestre em Letras: “Carolina
Maria de Jesus é precursora da
Literatura Periférica no sentido de que
ela é a primeira autora brasileira de
fôlego a constituir a tessitura de sua
palavra a partir das experiências no
espaço da favela, isto é, sua narrativa
traz o cotidiano periférico não
somente como tema, mas como
maneira de olhar a si e a cidade. Por
isso, seu olhar torna-se cada vez mais
crítico diante do cenário de ilusões que
São Paulo projetava com sua falsa
imagem de lugar com oportunidades
para todos”.

Veja também: Mulheres e a poesia


brasileira

Quarto de despejo: diário de


uma favelada

Capa do livro Quarto de despejo, de


Carolina Maria de Jesus, publicado
pela editora Ática. [3]

O livro Quarto de despejo, de Carolina


Maria de Jesus, é um diário da autora
escrito no período de 1955 a 1960.
Nele, a primeira coisa que chama a
atenção é a linguagem, mais próxima
do coloquial, sem a preocupação com
regras gramaticais, o que faz a obra
mais verdadeira, mais próxima do real.

Carolina Maria de Jesus gostava muito


de ler. Isso fez diferença em sua vida,
já que se transformou em uma
escritora conhecida mundialmente
e, por meio da escrita, pôde sair do
contexto da favela. Para ela, a leitura
era algo necessário e, apesar da
miséria em que vivia, sempre
encontrava uma forma de prosseguir
com esse hábito: “Peguei uma revista
e sentei no capim, recebendo os raio
solar para aquecer-me. Li um conto.
Quando iniciei outro surgiu os filhos
pedindo pão”.

Seu retrato da favela do Canindé é


cru, direto, sem retoques: “Durante
o dia, os jovens de 15 e 18 anos
sentam na grama e falam de roubo. E
já tentaram assaltar o emporio do
senhor Raymundo Guello. E um ficou
carimbado com uma bala. O assalto
teve inicio as 4 horas. Quando o dia
clareou as crianças catava dinheiro na
rua e no capinzal. Teve criança que
catou vinte cruzeiros em moeda. E
sorria exibindo o dinheiro. Mas o juiz
foi severo. Castigou impiedosamente”.

A autora é a voz da favela e realiza a


função de mostrar essa realidade, em
seu diário, como a violência contra a
mulher e a situação das crianças nesse
ambiente: “A Silvia e o esposo já
iniciaram o espetaculo ao ar livre. Ele
está lhe espancando. E eu estou
revoltada com o que as crianças
presenciam. Ouvem palavras de baixo
calão. Oh! se eu pudesse mudar daqui
para um nucleo mais decente”.

O seu diário também é um


instrumento de resistência e
justiça, a autora acredita no poder da
palavra escrita, no poder da literatura.
Em uma ocasião, Carolina Maria de
Jesus vai a um açougue, onde a caixa
se nega a vender qualquer coisa para
ela. Mais tarde, a autora escreve:
“Voltei para a favela furiosa. Então o
dinheiro do favelado não tem valor?
Pensei: hoje eu vou escrever e vou
chingar a caixa desgraçada do
Açougue Bom Jardim”. E cumpre sua
promessa: “Ordinaria!”.

Além disso, ela tem consciência de


que sua escrita pode mudar a sua
vida: “É que eu estou escrevendo um
livro, para vendê-lo. Viso com esse
dinheiro comprar um terreno para eu
sair da favela. Não tenho tempo para ir
na casa de ninguem”. No entanto, não
era compreendida por seus vizinhos:
“O José Carlos ouviu a Florenciana
dizer que eu pareço louca. Que
escrevo e não ganho nada”. Ou ainda:
“Um sapateiro perguntou-me se o meu
livro é comunista. Respondi que é
realista. Ele disse-me que não é
aconselhavel escrever a realidade”.

Outro fato interessante da vida da


autora é a sua opção de não se casar, o
que mostra uma mulher independente
e forte para a sua época: “Eu enfrento
qualquer especie de trabalho para
mantê-los [os filhos]. E elas, tem que
mendigar e ainda apanhar. Parece
tambor. A noite enquanto elas pede
socorro eu tranquilamente no meu
barracão ouço valsas vienenses. [...].
Não invejo as mulheres casadas da
favela que levam vida de escravas
indianas”.

Essa sua independência manifesta-se


também neste trecho: “O senhor
Manuel apareceu dizendo que quer
casar-se comigo. Mas eu não quero
porque já estou na maturidade. E
depois, um homem não há de gostar
de uma mulher que não pode passar
sem ler. E que levanta para escrever. E
que deita com lapis e papel debaixo
do travesseiro. Por isso é que eu
prefiro viver só para o meu ideal”.

Por ser uma mulher de


personalidade forte, Carolina Maria
de Jesus, no contexto da obra, não é
muito apreciada pelas outras mulheres
da favela. Mas a escrita (além da
leitura) é a forma que a autora
encontra para suportar os problemas
de sua realidade: “Aqui, todas
impricam comigo. Dizem que falo
muito bem. Que sei atrair os homens.
Quando fico nervosa não gosto de
discutir. Prefiro escrever. Todos os
dias eu escrevo. Sento no quintal e
escrevo”.

É recorrente na obra a menção à


leitura e o quanto ela é importante na
vida da escritora: “Passei o resto da
tarde escrevendo. As quatro e meia o
senhor Heitor ligou a luz. Dei banho
nas crianças e preparei para sair. Fui
catar papel, mas estava indisposta.
Vim embora porque o frio era demais.
Quando cheguei em casa era 22,30.
Liguei o radio. Tomei banho. Esquentei
comida. Li um pouco. Não sei dormir
sem ler. Gosto de manusear um livro. O
livro é a melhor invenção do homem”.

Outro elemento que se repete no diário


é a menção à fome: “Fui na feira da
Rua Carlos de Campos, catar qualquer
coisa. Ganhei bastante verdura. Mas
ficou sem efeito, porque eu não tenho
gordura. Os meninos estão nervosos
por não ter o que comer”. E ainda, no
dia do aniversário da assinatura da Lei
Áurea, Carolina Maria de Jesus
escreveu: “E assim no dia 13 de maio
de 1958 eu lutava contra a escravatura
atual — a fome!”.

Aliás, Audálio Dantas, o jornalista que


apresentou Carolina Maria de Jesus ao
mundo, fez a seguinte declaração
sobre isso: “A fome aparece no texto
com uma frequência irritante.
Personagem trágica, inarredável. Tão
grande e tão marcante que adquire cor
na narrativa tragicamente poética de
Carolina”.

E, por vivenciar a fome, a autora


demonstra a consciência da
desigualdade social quando critica o
governo da época: “O que o senhor
Juscelino [Kubitschek] tem de
aproveitavel é a voz. Parece um sabiá e
a sua voz é agradavel aos ouvidos. E
agora, o sabiá está residindo na gaiola
de ouro que é o Catete. Cuidado sabiá,
para não perder esta gaiola, porque os
gatos quando estão com fome
contempla as aves nas gaiolas. E os
favelados são os gatos. Tem fome”.

Então, responsabiliza o governo


pela pobreza: “Quando Jesus disse
para as mulheres de Jerusalem: —
‘Não chores por mim. Chorae por vós’
— suas palavras profetisava o governo
do Senhor Juscelino. Penado de
agruras para o povo brasileiro. Penado
que o pobre há de comer o que
encontrar no lixo ou então dormir com
fome”.

Não só o presidente do Brasil é alvo de


suas críticas, como podemos perceber
a seguir: “Os politicos só aparecem
aqui nas epocas eleitoraes. O senhor
Cantidio Sampaio quando era vereador
em 1953 passava os domingos aqui na
favela. Ele era tão agradavel. Tomava
nosso café, bebia nas nossas xicaras.
Ele nos dirigia as suas frases de viludo.
Brincava com nossas crianças. Deixou
boas impressões por aqui e quando
candidatou-se a deputado venceu.
Mas na Camara dos Deputados não
criou um progeto para beneficiar o
favelado. Não nos visitou mais”.

Além de sua consciência como


mulher e favelada, ela também está
atenta aos preconceitos e discriminação
racial: “Eu estava pagando o sapateiro
e conversando com um preto que
estava lendo um jornal. Ele estava
revoltado com um guarda civil que
espancou um preto e amarrou numa
arvore. O guarda civil é branco. E há
certos brancos que transforma preto
em bode expiatorio. Quem sabe se
guarda civil ignora que já foi extinta a
escravidão e ainda estamos no regime
da chibata?”.

Quando vai buscar papéis oferecidos


por uma senhora, moradora de um
prédio, ao subir o elevador, descalça,
no sexto andar, “o senhor que
penetrou no elevador olhou-me com
repugnancia. Já estou familiarisada
com estes olhares. Não entristeço”. Em
seguida, o homem bem-vestido quer
saber o que ela está fazendo no
elevador. Ela se explica e pergunta se
ele é médico ou deputado, ele
responde que é senador.

Por fim, Carolina Maria de Jesus


justifica o título de seu livro: “a
Policia ainda não prendeu o
Promessinha. O bandido insensato
porque a sua idade não lhe permite
conhecer as regras do bom viver.
Promessinha é da favela da Vila
Prudente. Ele comprova o que eu digo:
que as favelas não formam carater. A
favela é o quarto de despejo”. E ainda:
“Eu classifico São Paulo assim: o
Palacio, é a sala de visita. A Prefeitura
é a sala de jantar e a cidade é o jardim.
E a favela é o quintal onde jogam os
lixos”.

O livro Quarto de despejo é marcado,


como ficou claro, por uma visão

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