Como se definiu o modelo profissional, no quadro das teorias funcionalistas que estão
na origem da Sociologia das Profissões? Como se enquadram as profissões de saúde no
contexto da análise sociológica das profissões? A partir da década de 1930, especificamente nos Estados Unidos da América e no Reino Unido, a sociologia começa a analisar e investigar os processos sociais relacionados com as profissões, designada atualmente por “sociologia das profissões”. O interesse por estas questões está presente na obra dos clássicos da sociologia, em particular em Durkheim, porém a fase inicial do desenvolvimento da sociologia das profissões é constituída por um conjunto de autores funcionalistas que identificaram o tipo das profissões, com base em atribuições às profissões, em oposição aos outros grupos de ocupação. As teorias sociológicas funcionalistas, centradas principalmente nas funcionalidades das ações sociais, desenvolveram a sua análise no campo das profissões em torno da busca por um modelo que identificasse o tipo das profissões e definisse os critérios onde repousa a sua legitimidade social. Entre os principais atributos do modelo profissional, identificados pelos autores funcionalistas, existe um sistema de teoria de uma ideologia de monopólio sobre um determinado campo de trabalho. A existência de um sistema de teoria supõe a presença de um saber analítico que articula o saber prático e o saber teórico; refere-se à formação superior apoiada por uma base teórica onde assenta a cultura profissional; ideologia de um conjunto de valores profissionais, transmitidos nos processos de socialização escolares e profissionais; o monopólio sobre um determinado campo de trabalho diz respeito ao domínio sobre uma área de atividade. A dificuldade de estabelecer fronteiras entre as profissões e as ocupações levou diversos autores a questionar por quê não podem ser analisados de forma igual. A partir de outro ponto de vista, a dificuldade está associada às categorias entre as profissões e as ocupações, que foram designadas por “semiprofissões” cujo conhecimento e autoridade estão subordinados a outros campos científicos. Do conjunto de profissões que se encaixam no tipo traçado pelos funcionalistas, a medicina é uma referência, desde os contributos dos primeiros autores funcionalistas, em particular Parsons, a medicina é habitualmente considerada o protótipo das profissões qualificadas. Neste contexto, existe uma relação estreita entre à sociologia das profissões e a sociologia da saúde, constituindo os grupos profissionais do campo da saúde um objeto privilegiado pelas duas áreas de especialização temática. Os contributos da análise empírica sobre os grupos profissionais do setor da saúde têm um peso na produção teórica sobre os grupos profissionais, que serve de referência para a teoria de Parsons e Elliott Freidson que, em ambos os casos, estudam a profissão médica, embora de forma distinta, pois Parsons foca nas funções sociais exercidas pela medicina e seu contributo para a estabilidade do sistema social e Fiedson critica os poderes profissionais da medicina.
Em que bases assenta o poder profissional? De que modo se expressam as
relações de poder no contexto da saúde? Os atributos do modelo profissional funcionalista estão relacionados com dois eixos analíticos centrais da sociologia das profissões, um desses eixos assenta no saber/conhecimento e o outro no poder das profissões. A relação entre estas duas dimensões tem constituído um objeto de estudo recorrente nessa análise, em diferentes países, acerca dos processos e a forma como o saber se constitui no principal recurso do poder profissional. A posição de cada grupo profissional não depende apenas dos seus saberes específicos, mas depende também de outros recursos do sistema de profissões e suas relações de poder. O conceito de fechamento social, que tem origem em Max Weber e foi particularmente desenvolvido por Freidson, pode ser definido como um conjunto de processos pelos quais os grupos ou coletivos sociais tendem a regular a seu favor as condições do mercado perante a competição atual de pretendentes, restringindo o acesso a recursos e oportunidades a um pequeno número de eleitos. De certo modo, a história das profissões está ligada à do Estado moderno. O seu desenvolvimento é produto da evolução da divisão do trabalho e das relações entre o Estado e a sociedade. O Estado e as profissões são interdependentes e os monopólios profissionais são fenômenos político. A análise dessa relação constitui um dos objetos da sociologia das profissões. As formas de regulação das atividades profissionais por parte do Estado obedecem a diferentes modelos, à regulação pelo mercado que envolve clientes, consumidores e empregadores ou à auto-regulação feita pelas associações profissionais, por delegação do Estado. De uma forma geral, a análise sociológica tem salientado que o traço estrutural dominante da divisão social do trabalho no contexto da saúde é configurado pela dominância médica que assegura a esta profissão o controle sobre este campo de atividade. A dominância médica é legitimada pela centralidade das tarefas desempenhadas pelos médicos e na noção de ato médico que cria a legitimação do seu monopólio sob a área da saúde, ao estabelecer o pressuposto segundo o qual os atos médicos executados por não médicos, só o podem ser sob o controle e a responsabilidade de uma autoridade médica. A dominância médica também se verifica relativamente ao universo variado das medicinas complementares em que se incluem a acupuntura, fitoterapia, homeopatia, medicina tradicional chinesa, neuropatia, osteopatia e quiropraxia. Ao longo do tempo, as associações médicas desenvolveram estratégias para limitar ou excluir a atividade das medicinas complementares, sob o argumento da falta de credibilidade científica dessas práticas. Registra-se uma expansão significativa das terapias não convencionais, como resultado da crescente diversificação dos espaços onde múltiplos conhecimentos terapêuticos, terapias, artefatos, símbolos, práticas e pessoas podem interagir conjuntamente de modos variáveis.
De que modo as transformações sociais podem ameaçar a dominância médica?
A análise sociológica tem-se debruçado sobre o impacto das transformações sociais
sobre as profissões qualificadas com posições de poder na sociedade e também sobre as ocupações envolvidas em processos de profissionalização. Entre essas transformações, salientam-se o processo de terciarização da atividade económica e a recomposição das classes sociais. No debate acerca dos efeitos destas transformações sociais nos grupod profissionais, uma das questões principais tem-se centrado na análise das tendências atuais e futuras. Segundo diversos autores a tendência prevalecente é para a manutenção do poder e da posição das profissões dominantes na sociedade, segundo outros verifica- se, pelo contrário, uma tendência para o declínio da autonomia e da dominância de determinadas profissões, em que se incluem os médicos. Este declínio poderia eventualmente conduzir a processos de desprofissionalização, ou seja, à perda pelas ocupações profissionais das suas qualidades únicas, particularmente do seu monopólio do conhecimento. Nesta segunda perspectiva, o poder profissional estaria ameaçado por diferentes fatores, como a crescente especialização e divisão do trabalho. Um dos aspetos mais enfatizados relaciona-se com a ameaça à exclusividade e ao monopólio profissional legitimados pelo conhecimento, como a produção de diagnósticos. Diferentes autores têm defendido que falta comprovação empírica às teses da desprofissionalização e do declínio das profissões, uma vez que estas mantêm o poder profissional expresso pela autonomia e pelo domínio sobre um determinado campo de trabalho, até porque as mudanças ocorridas nas organizações. As sociedades contemporâneas têm obrigado as profissões a adaptar-se, modernizar-se e reatualizar as formas específicas de regulação, cada vez mais complexas e seletivas. Conclui-se que a tendência de reconversão das modalidades de saber e poder profissional da medicina, no contexto de transformação política e jurídica dos hospitais a partir da empresarialização, a posição da medicina tem-se mantido reforçada. Na mesma ordem de ideias, vários autores têm defendido igualmente que com as transformações sociais em causa da emergência de novas formas de poder profissional e da hierarquização interna das profissões, a acentuar as assimetrias existentes no seu interior. De fato, os grupos profissionais congregam diversidade e heterogeneidade internas observáveis a vários níveis (áreas de atividade, condições de trabalho, concepções sobre a profissão, inserção nos contextos de trabalho, etc.), incluindo a hierarquia interna e as elites profissionais. A segmentação interna também está presente na enfermagem e nos grupos profissionais das tecnologias da saúde (em função das diferentes áreas de atividade, do local em que é exercida a atividade profissional, do contato com a tecnologia de ponta, etc.). O reconhecimento da diversidade dos grupos profissionais é central na análise das identidades profissionais que, a exemplo das outras identidades sociais (organizacionais, territoriais, políticas, etc.), se definem pelo fato dos atributos e das afinidades comuns a um grupo se sobreporem às diferenças observáveis no seu interior. Todavia, também é empiricamente verificável que a construção social das identidades profissionais incorpora simultaneamente a unidade e a diversidade gerada a partir da própria diferenciação interna inerente à heterogeneidade dos grupos profissionais