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DOI: http://dx.doi.org/10.

1590/1982-4017-210309-11320
Recebido em: 24/06/2020 | Aprovado em: 02/04/2021

ARQUITETURA DO PROCESSAMENTO COGNITIVO:


EFEITO RACIONAL E EFEITO EMOCIONAL

Cognitive Processing Architecture: Arquitectura del procesamiento cognitivo:


Rational Effect and Emotional Effect efecto racional y efecto emocional

Sebastião Lourenço dos Santos*


Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG),
Departamento de Estudos da Linguagem, Ponta Grossa, PR, Brasil
Elena Godoy**
Universidade Federal do Paraná (UFPR),
Programa de Pós-graduação de Letras, Curitiba, PR, Brasil

Resumo: O estudo do efeito da razão e das emoções na interpretação humana em uma perspectiva
pragmática se justifica pelo fato de que no âmbito das ciências cognitivas as investigações que envolvem o
uso da linguagem associada às emoções ainda são tímidas. Tomando como referência a teoria da relevância
(SPERBER; WILSON, 2001), as neurociências cognitivas (GAZZANIGA; IVRY; MAGNUM, 2006;
DAMÁSIO, 1994, 2004) e a psicologia cognitiva (LEDOUX, 1996; STERNBERG, 2010), o objetivo
deste estudo é advogar em favor de uma arquitetura mental que congrega razão e emoções. A partir da
modelação da interpretação de um enunciado noticiando a frustração de uma expectativa, argumenta-se
que, em um ato comunicativo, o desejo – ao fazer uma ponte entre a razão, que opera a partir da valoração
das representações contextuais, e as emoções, que atribuem níveis afetivos às representações mentais – é o
gatilho para a atribuição de relevância.
Palavras-chave: Emoção. Razão. Relevância. Interpretação.

Abstract: The study regarding the effect of reason and emotions effect on human interpretation, through a
pragmatic perspective, justifies itself over the fact, in the cognitive sciences, the investigations involving
language use associated to emotions are still quite incipient. Taking as reference the Relevance Theory
(SPERBER; WILSON, 2001), the cognitive neurosciences (GAZZANIGA; IVRY; MAGNUM, 2006 and
DAMÁSIO, 1994, 2004) and the cognitive psychology (LEDOUX, 1996 and STERNBERG, 2010), the
objective of this study is to advocate in favor of a mental architecture that forgathers reason and emotions
in the interpretation. Based on the modeling of the interpretation of an utterance that reports the frustration
of an expectation, we argue that, in a communicative act, the desire is a trigger for the attribution of
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relevance when serving as a link between reason, which operates from the valuation of contextual
representations, and emotions, which attribute affective levels to mental representations.
Keywords: Emotion. Reason. Relevance. Interpretation.
Página

*
Docente da Universidade Estadual de Ponta Grossa. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5340-3362. E-
mail: lorecutp@hotmail.com.
**
Docente da Universidade Federal do Paraná. ORCID: https:// http://orcid.org/0000-0003-1881-6932. E-
mail: elena.godoi@gmail.com.

SANTOS, Sebastião Lourenço dos; GODOY, Elena. Arquitetura do processamento cognitivo: efeito racional e
efeito emocional. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, SC, v. 21, n. 3, p. 435-454, set./dez. 2021.
Resumen: El estudio del efecto de la razón y de las emociones en la interpretación humana por intermedio
de la pragmática se justifica porque, en el ámbito de las ciencias cognitivas, las investigaciones que
involucran el uso del lenguaje consignada a las emociones son aún bastante tímidas. Tomándose como
referencia la Teoría de la Pertinencia (SPERBER; WILSON, 2001), las neurociencias cognitivas
(GAZZANIGA; IVRY; MAGNUM, 2006 y DAMÁSIO, 1994, 2004) y la psicología cognitiva (LEDOUX,
1996 y STERNBERG, 2010), el objetivo de este estudio es abogar en favor de una arquitectura mental
que congrega razón y emociones en la interpretación. Partiendo del modelado de la interpretación de un
enunciado que reporta la frustración de una expectativa, argumentamos que, en un acto comunicativo, el
deseo – al hacer un puente entre la razón, que opera desde la valoración de las representaciones
contextuales, y las emociones, que atribuyen niveles afectivos a las representaciones mentales – es el
detonante para la atribución de relevancia.
Palabras-clave: Emoción. Razón. Pertinencia. Interpretación.

1 INTRODUÇÃO

O atleta paraolímpico brasileiro Thiago Paulino, recordista mundial do arremesso


de peso classe F57 (cadeirantes com sequelas de poliomielite, lesões medulares ou
amputações), conquistou a medalha de ouro nos Jogos Paraolímpicos de Tóquio, no dia
3 de setembro de 2021. Dos seis arremessos que os atletas podem executar, o primeiro
lançamento de Thiago atingiu 14,77 metros, o segundo cravou 15 metros e o terceiro
chegou a 15,10 metros. Thiago queimou o quarto e quinto arremessos e abriu mão do
sexto arremesso, decisão que lhe custou caro. Seus dois oponentes, o brasileiro Marco
Aurélio Borges e o chinês Guoshan Wu, atingiram a marca de 14,85 metros e 15 metros,
respectivamente.
Os atletas da classe F57 competem sentados e devem manter os glúteos em uma
espécie de plataforma plana. O Comitê Olímpico Chinês protestou durante a competição,
alegando que o atleta brasileiro havia levantado os glúteos ao executar os dois arremessos
que ultrapassaram os 15 metros. Os juízes da prova, contudo, analisaram os vídeos e
concluíram que Thiago havia feito os arremessos corretamente. Thiago saiu o Estádio
Nacional de Tóquio campeão da modalidade F57.
Na manhã de sábado, porém, quando estava a caminho do pódio para a premiação,
Thiago foi avisado pelo Comitê Brasileiro que os chineses haviam apelado ao Comitê
Paralímpico Internacional, que, sem maiores explicações, anulou seus dois melhores
arremessos. Resultado: o chinês levou a medalha de ouro, Marco Aurélio Borges ficou
com a medalha de prata e Thiago com a medalha de bronze.
Magoado e extremamente indignado, Thiago lamentou: “Eu estava indo para a
premiação, achando que eu ia ouvir o hino, mais uma vez, eu ia pegar a minha medalha
de ouro, e acabei descobrindo que eu era bronze”. No pódio, Thiago protestou fazendo
sinal de negativo com a mão. “Eu me senti prejudicado, injustiçado, foi o modo que eu
demonstrei que não aceitaria aquela medalha, porque eu sabia que eu tinha sido medalha
de ouro e essa medalha foi retirada de mim de uma forma muito cruel”, disse Thiago.
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Ao projetarmos um recorte temporal para o instante em que Thiago foi informado


pela comissão brasileira da perda da medalha de ouro, nos deparamos com algumas
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questões cognitivo-inferenciais sobre o processamento mental do atleta. Devem ser


analisadas à luz pragmática cognitiva questões como (a) o que disse a pessoa do comitê

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efeito emocional. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, SC, v. 21, n. 3, p. 435-454, set./dez. 2021.
brasileiro a Thiago sobre a perda da medalha de ouro; (b) quais estruturas cognitivas do
atleta foram ativadas pelo enunciado desse falante; (c) que tipo de efeitos esse suposto
enunciado provocou; (d) que estruturas foram acionadas, racionais, emocionais ou ambas.
É sobre essas e outras questões que trataremos no presente artigo.
O interesse pela influência das emoções na linguagem humana remonta a Grécia
antiga. Ao longo da história, no entanto, a dicotomia corpo/mente mostrou-se bastante
aguda, principalmente na Filosofia com Espinosa, Santo Agostinho, Kant e Descartes,
para quem as emoções seriam sinal de distúrbio e uma mente sadia seria aquela que
estivesse livre das paixões. Esse modelo dicotômico de pensamento, alcunhado de “razão
nobre” por Damásio (1994), fez com que filósofos, durante séculos, e linguistas,
posteriormente, praticamente banissem as emoções dos estudos da linguagem1.
A teoria da relevância, modelo proposto por Sperber e Wilson (2001) para a
comunicação humana, segue a tradição racionalista da razão nobre e postula que a
cognição é orientada para os estímulos que são potencialmente mais relevantes na
interação conversacional, processando-os de maneira mais produtiva, ou seja,
minimizando esforços (custos) e maximizando efeitos (benefícios). Essa relação entre
esforço e efeito é chave para o conceito de relevância: quanto maior o benefício cognitivo
e menor o custo de processamento de um enunciado, maior é sua relevância. Os autores
presumem que um input informativo é otimamente relevante se e somente se atender a
duas cláusulas procedurais: a) ser relevante o suficiente para merecer o esforço de
processamento do ouvinte; b) ser o mais relevante compatível com as habilidades e
preferências do falante.
O modelo cognitivo-racionalista de Sperber e Wilson (2001) se aplica sem
restrições à descrição do processamento cognitivo de informações, mas não dá conta dos
casos em que certos enunciados parecem ter maiores benefícios emocionais que
informativos. É o caso, por exemplo, do clichê afetivo “Eu te amo” repetido inúmeras
vezes entre namorados e casais. Costa (2005) classifica este exemplo como “irrelevâncias
da relevância”, uma vez que a informação é a mesma nas suas diversas ocorrências, isto
é, não há benefícios informativos nessas interações2.
Segundo Carston e Wilson (2019), estudos de enunciados como o analisado por
Costa são negligenciados pelos estudos pragmáticos, uma vez que privilegiam, na maioria
das vezes, casos de indeterminância, indiretividade, ironia ou vagueza. O estudo de
Carston e Wilson segue a direção do que Moeschler (2009) e Blakemore (2011) chamam
conteúdos descritivamente inefáveis ou, mais especificamente, efeitos não proposicionais
– conteúdos que não podem ser nem inferidos como significados ou proposições
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representacionais, nem parafraseados. Sperber e Wilson (2001) classificam esses efeitos


não proposicionais como implicaturas fracamente comunicadas.
A partir da perspectiva cognitivista de que o processamento da linguagem verbal
Página

aciona em conjunto razão e emoção, nosso objetivo neste estudo é advogar em favor de

1
Podemos mencionar os estudos de William James (1884), Carl Lange (1922), Walter Cannon (1927),
Phillip Bard (1928), Jamez Papez (1937), Stanley Schachter e Jerome Singer (1962), entre outros.
2
Costa (2005) problematiza sete casos de incompatibilidade da relevância. Rauen (2008) produz hipóteses
alternativas para todos esses casos.

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efeito emocional. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, SC, v. 21, n. 3, p. 435-454, set./dez. 2021.
uma arquitetura da interpretação humana que permite descrever como a relevância opera
no processamento de efeitos informativos e emotivos. A descrição proposta segue os
preceitos da teoria da relevância (SPERBER; WILSON, 2001), das neurociências
cognitivas (GAZZANIGA; IVRY; MAGNUM, 2006; DAMÁSIO, 1994, 2004) e da
psicologia cognitiva (LEDOUX, 1996; STERNBERG, 2010).
Do ponto de vista textual, estruturamos o estudo em três segmentos dedicados (a) a
uma revisão teórica sobre o tratamento das emoções na perspectiva da pragmática
cognitiva, (b) a uma reflexão sobre a interação entre emoções e sentimentos na
interpretação humana, e (c) a uma descrição de como a relevância opera sobre os efeitos
racional e emocional. Para dar conta dessa demanda, analisamos o processamento de um
enunciado hipotético sobre a informação da perda da medalha de ouro ao atleta
paraolímpico Thiago Paulino.

2 TEORIZANDO AS EMOÇÕES

Os recentes estudos pragmáticos, pareados com descobertas das neurociências


cognitivas e da psicologia cognitiva, possibilitaram vários insights novos aos estudos da
linguagem e inspiraram inúmeros ensaios sobre o efeito das emoções na interpretação de
enunciados. A crescente literatura pragmática sobre o significado afetivo e sobre os
chamados efeitos não proposicionais sugere que a interpretação se ancora em duas
instâncias mentais responsáveis por efeitos informativos e emotivos.
A presunção dessas instâncias de processamento interpretativo flerta com a
abordagem de Cosmides e Tooby (2008) de que a mente humana evoluiu em resposta a
problemas adaptativos enfrentados por nossos ancestrais e gerou uma arquitetura neural
própria da espécie (MERCIER; SPERBER, 2017). Tais considerações, alinhadas aos
princípios da teoria da relevância, nos encorajaram a propor um quadro sinótico dos
efeitos informativo e emotivo no processamento de enunciados. A partir desse quadro
sinótico de arquitetura de efeitos, tentaremos demonstrar os seguintes passos do processo
interpretativo: (a) a seleção de um input linguístico para o sistema cognitivo, (b) o início
do processo interpretativo, (c) o gatilho de relevância para o enunciado, (d) a origem dos
efeitos informativo e emotivo, (e) o que eles são, (f) quais estruturas mentais são
responsáveis por eles e (g) como tais estruturas se conectam mentalmente.
Atualmente não há na literatura pragmática uma abordagem teórica das emoções
que dê conta da descrição linguística, cognitiva e orgânico-funcional do processo de
interpretação de enunciados. Os poucos estudos que se dispõem a teorizar as emoções
numa perspectiva pragmática ficam aquém daquilo que se propõem. O estudo de Schnall
(2005), por exemplo, não pode ser considerado uma teoria pragmática das emoções, pois
suscita apenas que as experiências emocionais podem ser descritas por diferentes
palavras, e é o contexto social quem define o uso de uma ou outra forma expressiva. O
estudo de Scarantino (2017), por sua vez, adapta a teoria dos atos de fala, especialmente
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a taxionomia de Searle (1969/1981), para explicar os atos emocionais pragmaticamente.


No entanto, a proposta mostra-se incompleta por não apresentar os requisitos teóricos que
a descrição da comunicação humana e seus efeitos exige, requisitos esses que ultrapassam
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o escopo dos atos de fala.

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efeito emocional. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, SC, v. 21, n. 3, p. 435-454, set./dez. 2021.
Na tentativa de trazer as emoções para o centro das discussões pragmáticas, estudo
do linguista Tim Wharton, juntamente com o pesquisador do Centro Suíço de Ciências
Afetivas3 David Sander, em parceria com os cientistas afetivos Daniel Dukes e Steve
Oswald e o filósofo Constant Bonard, traça o objetivo arrojado de “corrigir” o que eles
percebem ser um “desequilíbrio nas teorias de interpretação de enunciados”4
(WHARTON et al, 2021, p. 259).
A proposta de Wharton et al (2021) reúne o conceito de relevância desenvolvido
pela teoria da relevância com o conceito de relevância desenvolvido pelas ciências
afetivas. Eles ressaltam que o conceito de relevância em teoria da relevância é um
construto derivado do balanço ótimo de efeitos e esforços cognitivos, enquanto o conceito
de relevância “nas ciências afetivas é a relevância de um estímulo particular para os
objetivos da pessoa em quem a emoção está sendo eliciada, os estímulos sendo
obstrutivos ou conducentes a esses objetivos” 5 (p. 265). Para os pesquisadores, objetivo
é “um termo guarda-chuva que abrange preocupações, anseios, planos, ideais, o que é
desejado, necessário ou é o objeto de qualquer outro estado mental motivador”6 (p. 265).
Assim, eles argumentam que as ciências afetivas, ao defenderem a ideia de que um
objeto/situação é relevante se aumentar a probabilidade de satisfação ou insatisfação do
indivíduo, e a pragmática orientada pela relevância, ao defender que o processamento se
pauta numa relação custo/benefício cognitivo informativo, “podem, muito bem, estar
envolvidas no estudo dos mesmos fenômenos, mas simplesmente de perspectivas
diferentes”7 (p. 265).
Destarte, visto que as neurociências cognitivas e a psicologia cognitiva fornecem
um arcabouço científico sobre como as emoções influenciam a comunicação humana,
para demonstrar que o efeito informativo está numa relação de contraparte emotiva de
significação, norteamos nosso estudo partindo da hipótese de que, em um ato
comunicativo, o desejo – ao fazer uma ponte entre a razão, que opera a partir da valoração
das representações contextuais, e as emoções, que atribuem níveis afetivos às
representações mentais – é o gatilho da relevância do enunciado.
Cosmides e Tooby (2008) descrevem as emoções como um programa cognitivo
superordenado, cuja função é regular ou mobilizar subprogramas cognitivos responsáveis
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pela percepção, atenção, escolha de metas, coleta de informações, mudanças fisiológicas


e especialização em certos tipos de inferências. Essa visão programática entre camadas
sensíveis à recepção e a representação inferencial, nos permite afirmar que, de acordo
Página

com Gazzaniga, Ivry e Magnum (2006), emoções e cognição racional, embora executem
atividades independentes, são interdependentes.

3
O Centro Suíço de Ciências Afetivas de Genebra, fundado em 2003, é dirigido pelo professor David
Sander e possui projetos focados em avaliação cognitiva, expressão, regulação social e jurídica, normas
e valores e emoções estéticas. O Centro pesquisa emoções nas áreas da neurociência cognitiva,
psicologia, linguística, filosofia, economia, arqueologia e computação afetiva.
4
No original: “imbalance in theories of utterance interpretation”.
5
No original: “in the affective sciences is the relevance of a particular stimulus to the goals of the person
in whom the emotion is being elicited, the stimuli being either obstructive or conducive to these goals”.
6
No original: “an umbrella term encompassing concerns, urges, plans, ideals, what is desired, needed, or
is the object of any other motivating mental state”.
7
No original: “may well be involved in studying the same phenomena, but simply from different
perspectives”.

SANTOS, Sebastião Lourenço dos; GODOY, Elena. Arquitetura do processamento cognitivo: efeito racional e
efeito emocional. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, SC, v. 21, n. 3, p. 435-454, set./dez. 2021.
A partir da perspectiva naturalista-evolutiva de que a emoção é uma reação mental
adaptativa a uma mudança situacional (COSMIDES; TOOBY, 2008), constituindo
inicialmente o sistema de defesa do indivíduo (LEDOUX, 1996), convencionamos neste
estudo que os sentimentos, enquanto experiências das emoções, constituem estados
afetivos que formam a ‘memória emotiva’ do indivíduo. Sendo assim, vale perguntar que
estados emocionais foram ativados no instante em que Thiago Paulino recebeu a
informação da perda da medalha.
Damásio (1994) defende a ideia de que em processos de tomada de decisão os
milênios de evolução formataram a mente humana para, mesmo inconscientemente (DI
BIASE et al, 2005; HILL, 2011), “desejar” sempre o bem-estar. De acordo com Araújo
(2018), na psicologia/psicanálise, o desejo é um impulso complexo que nasce das
experiências de satisfação, que são memorizadas como imagens das percepções e
representações sensoriais. Segundo a autora, o desejo é o movimento psíquico-cognitivo
emergente da necessidade da retomada da imagem mnêmica, isto é, da necessidade do
reestabelecimento da primeira satisfação vivenciada. Um exemplo entre humanos é o
registro mnêmico da primeira vez que o bebê mama, criando, assim, a relação
desejo/necessidade e vice-versa. Carter et al (2012), por sua vez, ressaltam que o desejo
se constitui por dois componentes distintos: querer e gostar. Enquanto gostar se liga à
obtenção de prazer, querer está associado à busca real pelas coisas da vida8.
O filósofo holandês Baruch de Espinosa descreve o desejo como um esforço inato
que nutre o homem de uma força interna que tende a opor-se a tudo que ameaça sua
existência. Afinal, escreve o filósofo, “[...] o desejo (Cupiditas) é a própria essência
humana, enquanto esta é concebida como determinada a fazer algo por uma afecção
qualquer nela verificada” (ESPINOSA, 1997, p. 323). Espinosa chama de conatus o
esforço de preservação humana. Na proposição XXVI, da Ética, o filósofo escreve: “Tudo
aquilo por que nos esforçamos pela Razão não é outra coisa que conhecer; e a alma, na
medida em que usa da Razão, não julga que nenhuma outra coisa lhe seja útil, senão
aquela que conduz ao conhecimento” (1997, p. 360). De acordo com Silva (2011), o
conatus é o desejo que impulsiona a cognição humana ao aperfeiçoamento epistêmico.
Partindo da premissa de que o desejo é a força que orienta tudo aquilo que queremos
usufruir ou possuir (CHAUÍ, 2011), as ponderações de Espinosa (1997) e de Carter et al
(2012) sugerem que a interpretação humana imbrica dois níveis de desejos: o desejo
racional, com vistas ao conhecimento, e o desejo emocional, com vistas ao bem-estar.
Nos próximos parágrafos, teceremos argumentos em favor de uma arquitetura do
processamento que permite explicar como o desejo dispara a relevância para os efeitos
informativo e emocional na interpretação de enunciados.

3 ARQUITETURA DO EFEITO
440

Estudos recentes apontam novas direções de pesquisa no domínio do significado e


dos efeitos emotivos e, em consequência, surgem novas propostas sobre as possibilidades
Página

de tratá-los (MOESCHLER, 2009; BLAKEMORE, 2011; SPERBER; WILSON, 2015;


WHARTON; STREY, 2017; WILSON; CARSTON, 2019; SAUSSURE; WHARTON,

8
Essa perspectiva sugere que o desejo perfaz uma interface ente o componente psíquico e o somático.

SANTOS, Sebastião Lourenço dos; GODOY, Elena. Arquitetura do processamento cognitivo: efeito racional e
efeito emocional. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, SC, v. 21, n. 3, p. 435-454, set./dez. 2021.
2020; WHARTON et al, 2021, entre outros). Tais estudos apontam para os chamados
conteúdos inefáveis ou não proposicionais, ou seja, que não envolvem relevância
informativa, no sentido de derivação de efeitos cognitivos, mas relevância emocional.
Com a finalidade de descrever o processamento dos efeitos informativo e emotivo,
esquematizamos na figura 1, a seguir, o que hipotetizamos ser a arquitetura do
processamento cognitivo na interpretação de enunciados. Embora o esquema possibilite
uma visualização ampla dos processos de interpretação, esta proposta não esgota a
discussão sobre a natureza da relevância e dos efeitos cognitivos na interpretação.

Figura 1 – Arquitetura do processamento do efeito informativo e emotivo


Fonte: Autores.

Antes de entrarmos na descrição da figura 1, chamamos a atenção para algumas


convenções adotadas no esquema:
a) a disposição em blocos é mera exposição didática, posto que, organicamente, a
cognição humana imbrica uma complexa rede de conexões do sistema nervoso central;
441

b) algumas conexões se ligam à borda dos blocos enquanto outras se conectam


internamente a eles, de tal modo que, no primeiro caso, a conexão é processual (geral) e,
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no segundo, a conexão é sistêmica (restrita);

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c) a conexão pontilhada bidirecional entre a ‘memória enciclopédica’ e a ‘memória
emotiva’ e a que une a ‘memória afetiva’ à estrutura ‘lembranças’ representa
operacionalidade mútua (simbiose) entre estruturas (a mesma convenção operacional vale
para as setas bidirecionais contínuas de outras estruturas), de tal modo que, no primeiro
caso, dizemos que a conexão é em processo, porque opera sobre o curso da interpretação
e, no segundo caso, dizemos que a conexão é sistêmica, porque as estruturas são ativadas
apenas quando uma excita a outra;
d) ‘beleléu’ é, alegoricamente, a instância mental para onde, presumivelmente, a
cognição envia as formas lógicas dos inputs não selecionados no processamento – as
informações descartadas para o ‘beleléu’ são excluídas do raciocínio dedutivo, isto é, não
podem ser novamente trazidas para o processamento.
e) as estruturas ‘lembranças’ e ‘evocações’ são, em princípio, atividades internas à
mente, ou seja, independem dos inputs de entrada. Enquanto as ‘lembranças’ trazem as
imagens mentais das experiências epistêmicas e emotivas para o pensamento, as
‘evocações’ constituem os próprios pensamentos do indivíduo, isto é, são atividades
mentais que promovem planejamentos, projeções e ações sobre o presente e o futuro. É o
caso, dentre tantos, dos pensamentos que se formam quando o indivíduo está dirigindo
sozinho em uma autoestrada, almoçando em um restaurante ou perseguindo o sono na
cama.
Nos itens 3.1 e 3.2, a seguir, descrevemos o processamento dos efeitos informativo
e emotivo positivos na interpretação de enunciados.

3.1 EFEITO INFORMATIVO

Para que a explanação do esquema da figura 1 seja objetiva aos propósitos deste
estudo, retomemos o caso do atleta paraolímpico Thiago Paulino. Embora não tenhamos
acesso ao instante em que o atleta foi informado sobre a perda da medalha de ouro,
podemos construir um contexto discursivo hipotético no qual teria ocorrido o seguinte
enunciado proferido pelo representante do Comitê Paralímpico Brasileiro:

(1) Thiago, os chineses entraram com recurso, e os juízes deram causa a eles. Você é bronze.

O enunciado (1) pode ser caracterizado como um enunciado elicitativo, porque,


além de informativo, gera processos mentais de elicitação, ou seja, gera reações
emocionais (WHARTON et al, 2021). Embora a maioria das pesquisas sobre emoções
foque a elicitação como um procedimento deliberado (intencional), o enunciado
elicitativo (1) não tem essa pretensão deliberada, isto é, a intenção do falante é antes
informar do que produzir emoções. Como o foco do nosso trabalho se centra nos
processos de interpretação desse enunciado, ficam fora do seu escopo os processos de
442

produção de enunciados elicitativos (embora o esquema da figura 1 possibilite a descrição


desse procedimento mental).
Página

Sob a ótica proposta na figura 1, o processamento cognitivo de interpretação do


enunciado (1) ocorreu da seguinte maneira. A sequência sonora do input linguístico, ao

SANTOS, Sebastião Lourenço dos; GODOY, Elena. Arquitetura do processamento cognitivo: efeito racional e
efeito emocional. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, SC, v. 21, n. 3, p. 435-454, set./dez. 2021.
entrar na mente do atleta, chega à sua ‘atenção seletiva’, estrutura mental que tem a
propriedade de selecionar inconscientemente as informações relevantes e ignorar as
informações irrelevantes (KIHLSTROM, 1987).9
Mas, como a ‘atenção seletiva’ distingue o que é relevante do que é irrelevante?
Nossa proposta é a de que ela é estimulada pela estrutura ‘interesse’. O interesse é o estado
mental que, psicocognitivamente, torna as informações que chegam às percepções
sensoriais mais nítidas e intensas ao indivíduo. Nesse estágio, a ostensão do falante
desempenha um papel preponderante.
Após ser selecionada pela ‘atenção seletiva’ a sequência sonora chega à estrutura
‘integração sensorial’, que codifica o input em uma linguagem mental, nomeada de forma
lógica por Sperber e Wilson (2001) e Ledoux (1996). A cognição envia a forma lógica à
‘memória de curta duração’, estrutura que integra em tempo real as informações novas
com as representações dos conceitos armazenados na ‘memória enciclopédica’
(IZQUIERDO, 2011). Como isso ocorre? Vimos nos parágrafos anteriores que o desejo se
compõe de duas propriedades cognitivas: querer e gostar. O enunciado, sendo novo ao
ouvinte, ainda não gerou um efeito aprazível/não aprazível, isto é, o ouvinte não pode
“gostar” ou “não gostar” de algo que ainda não representou mentalmente. Mas, o ouvinte
pode “querer” conhecer a informação do enunciado. Sendo assim, por tratar-se de
informação nova, a cognição excita a estrutura ‘desejo’, a qual dispara na estrutura
‘interesse’ o gatilho “quero conhecer” o conteúdo do enunciado.
Essa hipótese nos leva a conferir que, embora a forma lógica do enunciado chegue
às ‘estruturas límbicas’ concomitantemente à ‘memória enciclopédica’, o processamento
emocional, salvaguardado o caso das emoções emergenciais, só tem lugar depois que a
cognição atribuir um efeito à informação, isto é, após a cognição alocar o conteúdo
informativo do enunciado em uma representação de mundo para o ouvinte10. Como
veremos, só após esse procedimento é que tem lugar o “gostar” disparado pela estrutura
‘desejo’.
Da ‘memória de curta duração’ a forma lógica é orientada para três estruturas
simultaneamente: ‘memória enciclopédica’, ‘estruturas límbicas’ e ‘beleléu’.
Descreveremos primeiramente o procedimento que delineia a interpretação informativa
e, na sequência, descreveremos o movimento das ‘estruturas límbicas’.
Na ‘memória enciclopédica’, a forma lógica é submetida à verificação da
possibilidade de já se encontrar nesta memória alguma referência informativa sobre o
input. Se já houver ali uma representação conceitual do input, a cognição cessa o
443

processamento, afinal, quem se interessaria por um conhecimento já disponível? Não


havendo na ‘memória enciclopédica’ nenhuma representação conceitual correspondente
Página

à informação nova, a forma lógica é enviada à estrutura ‘interesse’ que, engatilhada pelo
‘desejo’, dispara o ‘interesse’ pela informação. Para a psicologia, o ‘interesse’ é a

9
Segundo Kihlstrom (1987), a mente efetua operações complexas cujo resultado pode se transformar em
conteúdo consciente, embora não tenhamos acesso consciente a tais operações e conteúdos.
10
Note-se que a forma lógica do enunciado chega primeiramente às estruturas límbicas e só depois de
passar pela memória enciclopédica e pela estrutura interesse é que chega à memória operacional. Isso
significa que, de acordo com Ledoux (1996), as emoções são engatilhadas, mas não acionadas, antes do
processamento inferencial.

SANTOS, Sebastião Lourenço dos; GODOY, Elena. Arquitetura do processamento cognitivo: efeito racional e
efeito emocional. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, SC, v. 21, n. 3, p. 435-454, set./dez. 2021.
propriedade cognitiva de busca da satisfação de uma necessidade momentânea (NASSIF,
2008). A forma lógica, despertando o ‘interesse’ do ouvinte, estimula a estrutura
‘expectativa de relevância’, estrutura responsável por tornar manifesta ao ouvinte, em
maior ou menor grau, a informação contida na forma lógica. Se estivermos corretos, em
conformidade com a teoria da relevância, este é o estágio do processamento mental no
qual, presumivelmente, tem lugar a cláusula “a” da relevância (um enunciado é relevante
o suficiente para merecer esforço de processamento do ouvinte), cláusula essa que é
construída sobre as crenças intrínsecas do ouvinte (SPERBER, 1997)11.
Destarte, é bastante plausível a ideia de que, cognitivamente, a ‘expectativa de
relevância’ seja uma propriedade imanente da estrutura ‘interesse’, isto é, a estrutura
‘interesse’ contenha a ‘expectativa de relevância’. Em tal hipótese, como o ‘desejo’ é a
propriedade que estimula o ‘interesse’, é de se presumir que caso o ‘desejo’ não desperte
o ‘interesse’ em satisfazer uma necessidade momentânea ao ouvinte, a cognição não
gerará ‘expectativa de relevância’ à forma lógica, o que acarretará a sua não
manifestabilidade. A forma lógica não manifesta ao ouvinte não pode ser submetida ao
processamento inferencial. Segue-se disso que a forma lógica não desejada, não
interessante, não relevante e não manifesta ao ouvinte será descartada ao ‘beleléu’ via
‘memória de curta duração’. Estas ponderações sugerem que o processamento
interpretativo tem origem no ‘desejo’ e em função disso, como veremos adiante, é
defensável a ideia de que o ‘desejo’ é o gatilho psicocognitivo que dispara a ‘relevância’
do processamento de interpretação humano.
A forma lógica de interesse do ouvinte é, por sua vez, submetida ao crivo da
‘memória operacional’, estrutura que processa todas as informações contextuais oriundas
dos estímulos sensoriais ativados no instante da enunciação e as representações
conceituais já armazenadas na ‘memória enciclopédica’, de modo que o produto dessas
operações inferenciais é um misto da informação nova com as representações
enciclopédicas. Dizemos que esse produto é a ‘imagem mental’ do enunciado (BASTOS,
1991). Metaforicamente, chamamos essa imagem mental de holograma semântico H.
De acordo com Penz (2019), o holograma semântico é a imagem virtual, a figura, a
representação que a cognição cria para o conteúdo do enunciado12. Em outras palavras: o
holograma semântico é a projeção da “forma do conteúdo” do enunciado no mundo
mental do ouvinte (ou em um mundo provável/possível a ele), e a representação imagética
desse holograma corresponde ao que tradicionalmente se conhece por proposição.13 No
entanto, essa imagem proposicional somente se constituirá como tal se, neste ponto do
processamento, o holograma “encaixar-se” no mundo do ouvinte (ou em um mundo
444

provável/possível para ele), isto é, se ela “fizer/tiver sentido” para o ouvinte. Se assim
for, a cognição envia o holograma à ‘vigilância epistêmica’.
Página

Para Sperber et al. (2010), a ‘vigilância epistêmica’ é um raciocínio avaliativo que


a cognição faz sobre o quão confiável é a pessoa com a qual interagimos. Dizemos, então,

11
Para Sperber (1997) a crença intrínseca é um propósito de acreditação baseado na percepção sensorial.
12
Para Sternberg (2010) a imagem mental pode envolver representações de qualquer das modalidades
sensoriais, como audição, olfato ou paladar.
13
Este conceito será crucial para a descrição da natureza do efeito informativo e emotivo. Note-se que este
é do domínio semântico da interpretação.

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efeito emocional. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, SC, v. 21, n. 3, p. 435-454, set./dez. 2021.
que a ‘vigilância epistêmica’ é a guardiã da verdade do enunciado, isto é, ela verifica, de
acordo com as crenças intuitivas e reflexivas, se o holograma H tem/faz sentido no (ou
em um) mundo do ouvinte. Caso o holograma não tenha sentido, não corresponda à
verdade e não seja do interesse do ouvinte, a cognição suspende a atividade da ‘memória
operacional’, e o processamento interpretativo cessa.
Por outro lado, caso o holograma corresponda a uma imagem mesmo que vaga e
nebulosa, mas seja do interesse do ouvinte, a ‘vigilância epistêmica’ lhe atribui uma
verdade fraca, o que vai implicar uma relevância igualmente fraca. Nesses casos, a
‘vigilância epistêmica’ reenvia a imagem vaga à ‘memória operacional’ para que a
imagem seja novamente submetida a inferências e, nesse processo, seja fortalecida pelas
representações conceituais já estabelecidas na ‘memória enciclopédica’ e adquira um
formato mental que atenda às expectativas de relevância informativa. Trata-se de um
procedimento importante, porque incide sobre os custos operacionais do processamento.
A imagem fortalecida inferencialmente e filtrada pela ‘vigilância epistêmica’ é
enviada à estrutura ‘relevância’. Para Sperber e Wilson (2001), a relevância é uma
propriedade cognitiva mediada pelo esforço da ‘memória operacional’ na geração da
imagem/holograma e a tomada de consciência do efeito dessa imagem. Os autores
explicam que, embora o esforço expresse um processamento não representacional, a
relevância pode ser uma propriedade de juízo representacional, isto é,

[...] a relevância é uma propriedade que não necessita estar representada, quanto mais
computada, para ser conseguida. Quando está representada, está representada em termos de
juízos comparativos de juízos mais ou menos absolutos (p. ex. “não relevante”, “fracamente
relevante”, “muito relevante”) [...]. (SPERBER; WILSON, 2001, p. 207).

Como o enunciado (1) é uma novidade ao atleta, ocorre na estrutura ‘relevância’ a


saturação do desejo “querer”, isto é, o desejo pelo conhecimento da informação atinge o
juízo “muito relevante”. Esta presunção nos leva a apostarmos na ideia de que este é o
estágio mental no qual, para a teoria da relevância, ocorre a “otimização” da relevância
informativa, isto é, são cognitivamente satisfeitas as ‘expectativas de relevância’
disparadas no início do processo. Se assim for, podemos afirmar que o desejo intelectual
é um querer humano que orienta a cognição à otimização da relevância informativa.
Como o desejo intelectual comanda a estrutura ‘interesse’, e essa estrutura mantém
estreita relação com a estrutura ‘relevância’, quanto mais o ouvinte deseja acessar a
informação, mais relevante ela se torna e vice-versa. Essa dinâmica cognitiva nos afiança
a afirmar que o ‘desejo’ é o gatilho da ‘relevância’ da interpretação humana.
Segue-se disso que o holograma potencializado à relevância ótima é enviado à
estrutura ‘efeito’, onde será enriquecido pelas crenças reflexivas do ouvinte (SPERBER,
1997)14, tais como conhecimentos, experiências, vivências, ambições, intenções e
445

atitudes, elementos contextuais que incidem sobre o significado para o ouvinte. A esse
efeito Sperber e Wilson (2001) chamam de efeito positivo. Wharton et al. (2021), no
entanto, ressaltam que os efeitos cognitivos positivos descritos pelos autores são, na
Página

realidade, efeitos epistêmicos positivos, ou seja, efeitos que são positivos em relação ao
objetivo de melhorar o conhecimento do indivíduo em quantidade e/ou em qualidade.

14
Para Sperber (1997) a crença reflexiva é uma atitude proposicional reflexiva derivada de uma inferência
sobre uma representação conceitual.

SANTOS, Sebastião Lourenço dos; GODOY, Elena. Arquitetura do processamento cognitivo: efeito racional e
efeito emocional. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, SC, v. 21, n. 3, p. 435-454, set./dez. 2021.
Nesse processo, inferimos que a relevância ótima só é atingida quando o ouvinte
atribui um efeito epistêmico “na medida certa” ao enunciado. Esta presunção, no entanto,
tem um precedente cognitivo: a quantidade “certa” de efeito que o ouvinte atribui à
interpretação é determinada por sua capacidade cognitivo-inferencial e por suas
representações conceituais intrínsecas. Cognitivamente, o efeito epistêmico diz respeito
à atividade mental que valida a verdade (provável ou possível) da imagem do enunciado
em um estado de mundo para o ouvinte. Isto significa que a relevância ótima e o efeito
epistêmico são as duas propriedades cognitivas basilares da interpretação informativa.
Para melhor esclarecer essa ideia, ilustramos no gráfico 1 o movimento cognitivo
do efeito epistêmico resultante da otimização da relevância informativa na interpretação
do enunciado (1).

Gráfico 1 – Modalização do efeito epistêmico


Fonte: Adaptado de Santos e Godoy (2020, p. 52)

Uma vez saturado o efeito epistêmico (atingida a relevância ótima) no nível da


consciência, o holograma H tem uma implicação contextual para o ouvinte – uma
experiência mental. A tomada de consciência da imagem-holograma é o que nós
chamamos ‘significado’ (representado por H1 na figura 1). Destacamos que este estágio
é do domínio da pragmática, posto que a evolução de H para H1 corresponde ao
enriquecimento contextual atribuído pelo efeito ao holograma. Aqui, deve ficar claro que,
de acordo com Kihlstrom (1987), o ‘significado’ para o ouvinte corresponde ao estado
consciente do conteúdo proposicional do enunciado, enquanto o ouvinte não tem
consciência das operações cognitivas do processamento interpretativo em si.
Perfazendo o percurso interpretativo, o holograma H1 de “Os chineses entraram
com recurso e os juízes deram causa a eles. Você é bronze” segue à ‘memória
enciclopédica’, onde se fixa no formato de nova representação conceitual, isto é, o ouvinte
adquire um conhecimento novo. Uma vez atingido esse estágio, a estrutura ‘interesse’ age
sobre a ‘memória operacional’ para que cesse o processamento inferencial.
Cognitivamente, é como se a mente do ouvinte reagisse à informação nova e dissesse:
“Entendi o enunciado e acredito na verdade da informação”. A aceitação ou não da
informação pelo ouvinte é um processo que descreveremos no próximo tópico.
446

Chamamos a atenção, no entanto, para o fato de que se a ‘vigilância epistêmica’


não detectar a falsidade de uma informação, a cognição irá validar o efeito como
Página

verdadeiro e o significado será armazenado na ‘memória enciclopédica’ como


conhecimento novo. Assim se configura a mentira. Contudo, a mentira só se constitui

SANTOS, Sebastião Lourenço dos; GODOY, Elena. Arquitetura do processamento cognitivo: efeito racional e
efeito emocional. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, SC, v. 21, n. 3, p. 435-454, set./dez. 2021.
como tal quando a imagem-holograma H corresponde à (falsa) verdade para alguém. A
verdade-mentira só será refutada quando uma nova informação imponha um significado
que contradiga a representação mentirosa armazenada na ‘memória enciclopédica’. Se
isso não ocorrer, a verdade mentirosa guiará a vida social, epistêmica e afetiva do
indivíduo.

3.2 EFEITO EMOTIVO

Não é surpresa para os cognitivistas afetivos, e nem mesmo para os racionalistas da


razão nobre, embora eles a ignorem, que o enunciado “Os chineses entraram com recurso
e os juízes deram causa a eles. Você é bronze” tenha provocado em Thiago, além do efeito
informativo, como acabamos de descrever, algum efeito emotivo. Afinal, a relevância da
informação é tão contundente que é impossível o atleta ficar afetivamente apático à
notícia.
Para Damásio (1994, p. 277):

Conhecer a relevância das emoções nos processos de raciocínio não significa que a razão seja
menos importante do que as emoções, que deva ser relegada para segundo plano ou deva ser
menos cultivada. Pelo contrário, ao verificarmos a função alargada das emoções, é possível
realçar seus efeitos positivos e reduzir seu potencial negativo. Em particular, sem diminuir o
valor da orientação das emoções normais, é natural que se queira proteger a razão da fraqueza
que as emoções anormais ou a manipulação podem provocar no processo de planeamento e
decisão.

As palavras de Damásio são compatíveis com nosso recente estudo no qual


propusemos que intercâmbios conversacionais geram reações de bem-estar e/ou de mal-
estar, níveis psicocognitivos que formatam a interpretação afetiva humana (SANTOS;
GODOY, 2020). Nesse estudo, explicitamos que o bem-estar gera a emoção básica
alegria, que conduz o efeito afetivo aos estados contentamento, satisfação, amor e
felicidade, estados esses que formam os sentimentos positivos humanos. Já o mal-estar
se manifesta em quatro emoções básicas: tristeza, raiva, medo e nojo. A tristeza provoca
os sentimentos negativos decepção, insatisfação, vergonha e frustração; a raiva conduz
aos sentimentos irritação, fúria, aborrecimento e ódio; o medo dispara a ameaça,
ansiedade, intimidação, ciúme e inveja; e o nojo gera repugnância, asco e náusea.
No caso em discussão, é defensável a ideia de que a interpretação do atleta não
dispara a pré-emoção bem-estar, o que extingue a possibilidade de a emoção alegria ter
447

sido ativada, bem como os sentimentos categorizados pelo contentamento, satisfação,


amor e felicidade. Parece também não ser o caso de a interpretação ativar as emoções
básicas medo e nojo, o que descarta a possibilidade de serem ativados os sentimentos
Página

categorizados por essas emoções. Não podemos ignorar, porém, a ideia de que o
enunciado (1) tenha disparado as emoções básicas tristeza e raiva em Thiago.15 Segundo

15
Pesquisas recentes apontam que não há um cérebro emocional separado do resto do cérebro, mas uma
rede complexa de sistemas neurais subjacentes a comportamentos emocionais específicos. Destarte, o

SANTOS, Sebastião Lourenço dos; GODOY, Elena. Arquitetura do processamento cognitivo: efeito racional e
efeito emocional. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, SC, v. 21, n. 3, p. 435-454, set./dez. 2021.
Russell (1991), este despertar emotivo é categorizado nos sentimentos
decepção/insatisfação pelas emoções cognitivas primárias e em aborrecimento/ódio pelas
emoções cognitivas secundárias.
Acompanhemos na figura 1 a descrição da influência da emoção tristeza na
interpretação do atleta.
Vimos nas páginas anteriores que a forma lógica oriunda da ‘memória de curta
duração’ é concomitante à ‘memória enciclopédica’ e às ‘estruturas límbicas’. De acordo
com Ledoux (1996), a forma lógica percorre dois trajetos distintos quando chega às
estruturas límbicas: um principal, via córtex sensorial e deste à amígdala, e outro
secundário, de onde segue do tálamo sensorial diretamente à amígdala16.
As ‘estruturas límbicas’ ativam a estrutura ‘desejo’, estrutura mental que vai
disparar a contraparte emocional “gostar/não gostar” do desejo epistêmico ‘querer’ para
a forma lógica. Psicologicamente, o desejo emocional é um impulso que impele o ser
humano à busca pela satisfação e pelo prazer e inibe a insatisfação e o desprazer.
Cognitivamente, o desejo emocional é uma atividade que comanda a valoração afetiva da
interpretação humana, valoração essa que vai culminar na maximização positiva ou
negativa da relevância do enunciado. É o que nós chamamos de relevância emotiva (RE)
em Santos e Godoy (2020).

Figura 2 – Relevância afetiva e relevância pragmática


448

Fonte: Wharton et al. (2021, p. 266).


Página

efeito emotivo na interpretação de enunciados não corresponde à ativação de uma única estrutural
mental, mas é resultado do processamento dessa rede complexa de estruturas.
16
Destacamos que este último trajeto é ativado somente em condições emocionais emergenciais, tais como
perigo/ameaça. Goleman (1996) nomeou a ativação das estruturas emocionais emergenciais de ‘o
sequestro da amígdala’ ou ‘sequestro emocional’.

SANTOS, Sebastião Lourenço dos; GODOY, Elena. Arquitetura do processamento cognitivo: efeito racional e
efeito emocional. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, SC, v. 21, n. 3, p. 435-454, set./dez. 2021.
Wharton et al. (2021) pressupõem que a relevância emotiva e a relevância
informativa são subtipos de um tipo mais geral de relevância17: a relevância do
objetivo/meta18. Segundo Wharton et al (2021, p. 265), quando se trata de metas, a
relevância afetiva “se refere a qualquer tipo de objetivo que pode levar a uma reação
emocional (com emoções diferentes tipicamente ligadas a objetivos diferentes) de
objetivo básico”19. Os autores esquematizam as duas relevâncias conforme a figura 2.
A intersecção das duas relevâncias forma a zona de convergência, à qual os autores
nomeiam de relevância das emoções epistêmicas. As emoções epistêmicas constituem
fenômenos ou reações emocionais que presumivelmente instanciam relevância afetiva,
bem como se referem ao objetivo de adquirir conhecimento. Segundo os autores, a
relevância afetiva maximiza os efeitos cognitivos relevantes e minimiza os esforços de
processamento em certos episódios afetivos, como sentimentos afetivos. Isso sugere que
a consolidação do efeito epistêmico não precisa constituir uma limitação rígida de
exclusão de qualquer outro tipo de efeito na investigação pragmática.
De acordo com Wharton et al. (2021, p. 266):

É verdade que a teoria da relevância tem se concentrado em processos que envolvem a


compreensão de conteúdos proposicionais comunicados ostensivamente, mas isso pode ser
considerado uma contingência histórica, uma consequência do fato de a teoria da relevância
ter se originado da pesquisa linguística. Se considerarmos mais uma vez uma emoção
epistêmica como o interesse, vemos que as duas noções de relevância parecem se aplicar.20

Destarte, no caso do enunciado (1), a relevância emotiva, em conjunto com a


relevância informativa, dispara o efeito emotivo para o atleta, efeito que será maximizado
negativamente, de acordo com a valência e o potencial psicológico correlatos à categoria
“tristeza” da ‘memória emotiva’.21 Segundo Saussure e Wharton (2020), o atleta
449

experimenta uma sensação de “desprazer” nesse estágio. O conteúdo dessa excitação será
armazenado na ‘memória emotiva’ como a experiência/vivência do efeito emotivo do
Página

enunciado (GAZZANIGA; IVRY; MAGNUM, 2006).22 Psicocognitivamente, é como se


a mente do atleta dissesse: “Estou insatisfeita com o conteúdo do enunciado”.

17
Wharton et al (2021) chama a relevância informativa de relevância pragmática e a relevância emotiva,
de relevância afetiva.
18
De acordo com Rauen (2014), objetivo e meta são propriedades imanentes da cognição para a resolução
de um conflito/problema.
19
No original: “relates to any kind of goal that may lead to an emotional reaction (with different emotions
typically linked to different goals) e from basic goals”.
20
No original: “It is true that relevance theory has focused on processes that involve the comprehension of
ostensively communicated propositional contents, but this may be considered a historical contingency,
a consequence of the fact that relevance theory originated from research in linguistics. If we consider
once again an epistemic emotion such as interest, we see that the two notions of relevance seem to
apply.”
21
De acordo com Esperidião-Antonio et al (2008), o que determina a categorização das emoções é o tipo
de excitação neuroquímica demandada pelas estruturas límbicas, grosso modo, serotonina para a
felicidade, adrenalina para o medo, dopamina para o prazer e o nojo, endorfina para a euforia, ácido
gama-aminobutírico para a calma, ocitocina para a empatia e cortisol para a raiva.
22
Bastos (1991) cogita a hipótese de uma imagem emocional. Segundo o autor, a imagem emocional pode
ser tratada como uma manifestação cerebral estruturada na forma de conceitos, capaz de controlar
padrões somato-viscerais específicos.

SANTOS, Sebastião Lourenço dos; GODOY, Elena. Arquitetura do processamento cognitivo: efeito racional e
efeito emocional. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, SC, v. 21, n. 3, p. 435-454, set./dez. 2021.
Segue-se daí que, de acordo com Newman e Zink (2013), o efeito emocional
maximizado potencializa as reações neuroquímicas nas ‘estruturas límbicas’, aumentando
o grau de saturação dessas reações e, em consequência, o tempo de dissipação químico-
neuronal. Por isso afirmamos que o efeito emotivo é flutuante e, sendo assim, perdura até
a dissipação total das reações neuroquímicas. De acordo com Esperidião-Antonio et al
(2008), a tendência natural é que a dissipação ocorra em poucos segundos nas emoções
básicas; para os sentimentos, contudo, a dissipação pode perdurar de minutos a dias,
meses ou anos.
Ilustramos no gráfico 2 como se configura a relação relevância emotiva (RE) para
o efeito emotivo do enunciado “Os chineses entraram com recurso e os juízes deram causa
a eles. Você é bronze”.

Gráfico 2 – Maximização da relevância emotiva para o efeito emotivo negativo


Fonte: Os autores.

De acordo com Victória e Soares (2017), quando há concordância entre o conteúdo


emocional da informação a ser tratada e o estado emocional do ouvinte, há o
fortalecimento da representação emocional e informativa nas respectivas memórias, de
modo a melhorar e agilizar o acesso às representações quando estas venham a ser
requeridas em um novo processamento. Como há uma correlação representacional entre
a ‘memória enciclopédica’ e a ‘memória emotiva’ (ver figura 1), cada vez que um input
sensorial sobre o fato ativar a ‘memória enciclopédica’ do atleta, seja por intermédio de
um estímulo externo, seja por estímulos internos (evocações, lembranças, vontades,
necessidades etc.), haverá a excitação do sentimento “tristeza” em sua ‘memória
emotiva’.
Além da tristeza, em um segundo momento, a cognição do atleta pode também
disparar a emoção raiva, que, permeada pelas representações conceituais da ‘memória
enciclopédica’ e amplificada pelas crenças, valores e experiências, será moldada como
sentimento irritação23. Hülsoff (2000, p. 13) destaca que “a irritação é uma reação hostil
450

a determinado estímulo. Ainda que o primeiro impulso dure apenas alguns segundos, o
estado pode perdurar mais tempo e ser reavivado a qualquer momento”. Por raiva, o autor
Página

define uma emoção mais densa e explosiva na qual a irritação dispara uma reação
imediata de dissipação de uma energia represada. “Quando raiva e irritação se voltam

23
Para Saussure e Wharton (2020) o sentimento é o estado mental de sentir a emoção (sentir medo, sentir
raiva, sentir nojo, alegria, tristeza).

SANTOS, Sebastião Lourenço dos; GODOY, Elena. Arquitetura do processamento cognitivo: efeito racional e
efeito emocional. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, SC, v. 21, n. 3, p. 435-454, set./dez. 2021.
para um determinado alvo por um período de tempo maior, falamos em ódio”,
complementa (2000, p. 13). A raiva pode, em casos extremos, evoluir para estados
emocionais que culminam em acessos de fúria (MALINVERINI, 2000). Embora não seja
o caso, de acordo com Hülsoff (2000), a irritação também pode transformar-se em desejo
de vingança, quando é provocada por uma ofensa.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Defendemos neste artigo a hipótese de que o ‘desejo’ é o gatilho do processo


inferencial e, em consequência, influencia quantitativa e qualitativamente a interpretação
humana. Essa hipótese se apoia na ideia de que a interpretação afetiva auxilia a cognição
a restringir ou aumentar a construção do contexto, fortalecendo-o ou enfraquecendo-o
com material emocional, de modo a tornar os fundamentos informativos, proposicionais,
da ‘memória enciclopédica’ mais salientes, mais acessíveis e mais sensíveis a novos
inputs.
Segue disso que, de acordo com Zuo (2018), quando a informação vem
acompanhada de emoção, sua representação conceitual é mais forte. O aceite dessa
hipótese refuta a ideia da contaminação da relevância informativa pela relevância afetiva,
posto que, como vimos, no caso do processamento de interpretação de uma informação
nova, o desejo pelo conhecimento informativo sempre vai prevalecer inicialmente sobre
o emotivo24. Isso sugere que razão e emoções, tantas vezes tomadas como antagônicas,
trabalham cognitivamente juntas nas estratégias interpretativas.
Nesse sentido, as emoções funcionam como agentes pragmáticos para o efeito
cognitivo, posto que elas impulsionam a cognição na busca por relevância, facilitando a
identificação e a seleção do que vale a pena ser processado (WILUTZKY, 2015). Em
outras palavras, as emoções e sentimentos funcionam como parte essencial da busca por
relevância informativa, isto é, auxiliam a cognição no processo de decisão e raciocínio,
filtrando drasticamente as hipóteses e os cenários futuros e tornando (mais) manifesto
aquilo que é (mais) relevante à interpretação. De acordo com Greenspan (2002), as
emoções funcionam como causas habilitadoras da tomada de decisão racional na medida
em que direcionam a ‘atenção seletiva’ para certos objetos do pensamento e distanciam-
na de outros. As emoções servem para limitar o conjunto de opções práticas salientes para
um conjunto gerenciável, adequado para uma rápida tomada de decisão. A emoção medo,
por exemplo, equipa a ‘atenção seletiva’ com um conjunto totalmente novo de metas e
prioriza os processos inferenciais radicais, tornando o indivíduo muito mais alerta.
Destarte, destacamos que um dos méritos deste estudo é harmonizar-se com os
fundamentos da teoria da relevância, uma vez que ficam preservados os conceitos de
451

“relevância” e de “efeito” oriundos do processamento inferencial. Isto é, declina-se a ideia


de que o efeito emotivo se interpõe incondicionalmente em todas as situações de
interpretação, trivializando o efeito informativo. Dessa forma, esta abordagem mostra-se
Página

promissora para os estudos pragmáticos, visto que a relação “informatividade versus

24
Com salvaguardas às emoções emergenciais.

SANTOS, Sebastião Lourenço dos; GODOY, Elena. Arquitetura do processamento cognitivo: efeito racional e
efeito emocional. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, SC, v. 21, n. 3, p. 435-454, set./dez. 2021.
emotividade” é ainda um caminho a trilhar. Estudos adicionais precisarão articular com
mais detalhes como a afetividade responde aos princípios gerais de produção e de
interpretação de enunciados elicitativos. Afinal, sentimentos e emoções podem funcionar
como atratores da atenção ou podem acelerar o processo cognitivo aperfeiçoando a noção
de que a mente humana é orientada para a relevância.

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