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Resumo
O Mercado Comum do Sul, bloco econômico tendente a criar um mercado comum
latino-americano, enfrenta, desde sua origem, os mais diversos desafios para o alcance de sua
integração pretendida. O presente artigo investiga as dimensões de tais desafios, sendo elas:
cultural, sócio-política, econômica e jurídico-política, visando compreender os caminhos
disponíveis para que se superem os impedimentos da integração regional através do bloco.
Para tal fim, utilizamos os métodos de revisão bibliográfica, análise qualitativa das fontes
consultadas, pesquisa documental e uma abordagem hipotético-dedutiva. Identificou-se, no
âmbito cultural, que a falta de contato diplomático cultural entre os seus países membros (e a
América Latina como um todo) e a dificuldade de cada país em exercer uma reflexão que
situe sua singularidade cultural em um contexto mimético explicam a falta de avanço do
bloco nessa seara; já no âmbito político-social, identificou-se a atuação de grupos de pressão
e o descaso governamental como maiores embargadores da cooperação e concretização do
livre comércio entre si e para a tão idealizada junção econômico-social; por fim, no âmbito
jurídico-político e econômico, identificou-se como a dificuldade dos países latino-americanos
em ceder parte de sua soberania em prol de um objetivo comunitário sempre surge como um
impeditivo ao regionalismo, conclusão amparada pelas tentativas infrutíferas de integração
experimentadas na região no último século.
Palavras-chave: Mercosul. Integração Regional. América Latina.
Abstract
The Southern Common Market, a trade bloc designed at creating a Latin American common
market, has faced, since its creation, the most diverse challenges to reach its intended
integration. This article investigates the dimensions of such challenges, namely: cultural,
socio-political, economic and legal-political, aiming to understand the paths available to
overcome the impediments to regional integration across the bloc. For this purpose,
literature review methods, qualitative analysis of the consulted sources, document research
and a hypothetical-deductive approach were used. It was identified, in the cultural sphere,
that the lack of cultural diplomatic contact between its member countries (and Latin America
1
Graduanda em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge), Salvador/BA.
Estagiário no Observatório Internacional do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Relações Internacionais,
Salvador/BA. E-mail: gessylimabr@gmail.com.
2
Graduando em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge), Salvador/BA.
Estagiário no Observatório Internacional do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Relações Internacionais,
Salvador/BA. E-mail: henriquerosa212@gmail.com.
3
Graduando em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge), Salvador/BA.
Estagiário no Observatório Internacional do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Relações Internacionais,
Salvador/BA. E-mail: rafaelvspt@gmail.com.
as a whole) and the difficulty of each country in exercising a reflection that situates its
cultural uniqueness in a mimetic context explain the lack of advance of the bloc in this area;
in the political and social sphere, it was identified that the action of pressure groups and
government neglect were the greatest embargoes on cooperation and implementation of free
trade among themselves and for the so idealized economic-social junction; finally, in the
legal-political and economic sphere, the difficulty of Latin American countries in ceding part
of their sovereignty in favor of a community objective was identified as an impediment to
regionalism, a conclusion supported by previous unsuccessful attempts at integration in the
region in the last century.
Keywords: Mercosul. Regional Integration. Latin America.
Introdução
4
Disponível em: <https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_04.10.2017/art_4_.asp>. Acesso
em: 20 de set. de 2021.
5
Girard (2009).
6
Exemplos: MENDOZA-ÁLVAREZ(2016) e ROCHA (2017).
As origens culturais da América Latina e os seus reflexos no Mercosul
Para uma compreensão do elemento cultural na América Latina e do seu papel nos
anseios de integração regional é fundamental dispor-se de uma perspectiva relacional que
olha para o conflito entre a herança cultural das populações nativas e das elites colonizadoras.
É nessa interação que reside a principal dinâmica cultural da região, tornando crucial que se
faça uma investigação histórica desse contato para que se possa pensar em estratégias de
aprimoramento da diplomacia entre os países latino-americanos no âmbito da cultura.
Para tanto, faz-se necessário, antes de tudo, dispor-se de uma noção de América
Latina relevante para o Mercosul. Composto atualmente pela Argentina, Brasil, Paraguai e
Uruguai, tendo ainda a Venezuela suspensa e a Bolívia em processo de adesão, o Mercado
Comum do Sul congrega apenas uma pequena quantidade de Estados em comparação com a
quantidade total de Estados que fazem parte da região compreendida como América Latina.
Existem duas formas principais de contabilizar os países pertencentes ao que se
entende por América Latina7: a primeira maneira, aderindo à uma noção mínima de América
Latina como todos os territórios ao sul dos EUA, se teria 34 países compondo a região; já a
segunda forma corresponderia a uma noção cultural que demarca como América Latina
aqueles países cuja colonização foi predominantemente espanhola e/ou portuguesa,
consistindo na Ibero-América e os seus 30 países, com Guiana Francesa, Suriname e Belize
excluídos desta contagem, além do Haiti que, apesar de sua comparativa independência
precoce em 1804, não se encaixa nessa noção.
Para fins de uma compreensão dos elementos culturais que dificultam a integração
regional, utilizar-se-á a segunda definição, ainda que se deva fazer uma ressalva quanto ao
importante papel que o Haiti tem na compreensão das Américas como um todo. A partir de
tal noção de América Latina, faz-se a seguinte pergunta: quais as diferenças culturais entre os
países da região que impactam na integração latino-americana? Para proceder em responder
tal pergunta, é preciso trazer à tona duas noções: a de desejo mimético e a de culturas não
hegemônicas.
A noção de desejo mimético surge no contexto da obra do antropólogo francês René
Girard, que se debruçou sobre o tema durante toda sua vida acadêmica, desenvolvendo uma
série de livros e artigos que partem de um pressuposto fundamental: o desejo humano é
essencialmente imitativo. Para Girard, os seres humanos são fundamentalmente guiados por
seus desejos - ideais, valores e objetivos - e tais desejos não são pré-determinados
biologicamente:
Para surgirem, os desejos devem ser moldados e o processo no qual essa moldagem se
dá é fruto do caráter mimético - isto é, imitativo - dos seres humanos. A teoria mimética de
Girard é triangular, na medida em que conceitua um discípulo, um modelo e o objeto
desejado. O discípulo orienta o seu desejo imitando o desejo do modelo. Quando a imitação
7
Cf. (Zanatta, 2017).
do discípulo é perfeita, o discípulo gradualmente se transforma em um rival do modelo, na
medida em que eles se tornam mais ou menos igualmente aptos para obter o objeto que
desejam.
Com o conceito de desejo mimético em mãos, passa-se para a noção de culturas não
hegemônicas, que surge no contexto da obra de João Cezar de Castro Rocha intitulada
“Culturas Shakespearianas - Teoria mimética e os desafios da mímesis em circunstâncias não
hegemônicas”, que faz uso da tese do desejo mimético para compreender as dificuldades
intrínsecas de culturas que surgem num contexto onde estão à mercê de um outro centro
cultural – o hegemônico.
Segundo Rocha (2017, p. 34), “culturas shakespearianas vivenciam no plano coletivo
o móvel mimético do desejo: elas necessitam de um modelo para finalmente olhar seu próprio
rosto”. Deste modo, uma cultura não hegemônica é aquela que define a si mesma no plano
coletivo a partir da centralidade de um outro. Tal tipo de cultura possui uma dificuldade
fundamental em sua existência, pois os seus anseios enquanto nação/povo estão
irremediavelmente ligados ao fato de que o seu desenvolvimento sempre teve, em diferentes
graus, a participação exógena da cultura hegemônica.
Isso é fruto de uma constatação derivada do supracitado desejo mimético: só se é
capaz de formar e definir uma personalidade e se ter uma ideia mais exata do que se é em um
contexto social que permite contrastes - e isso ocorre a partir do olhar do Outro, isto é, a
partir do que se escuta sobre si mesmo dito por outrem.
Assim, a América Latina, propriamente adequada para figurar nessa analogia em
virtude do seu passado de colonização com a irremediável presença do Outro (nesse caso, o
colonizador hegemônico), possui uma dificuldade que é característica dessa situação, na
medida em que a herança dos colonizadores permeia o desejo de obter autonomia nacional de
facto.
Como, então, vislumbrar uma aproximação cultural na região se cada um dos países
tem na sua história de colonização um elemento próprio que o faz estar num contínuo estado
de cultivo de uma identidade que seja dissociada daquela herdada pelo seu colonizador? A
resposta passa por, inicialmente, aceitar a realidade do desejo mimético e filtrar essa herança
de forma produtiva, tornando mais complexo e sofisticado o contexto cultural do país – seja
ele qual for.
Com isso em mente, é possível desviar a atenção de buscas infrutíferas por um
afastamento do passado cultural e exercer um processo de compreensão desse passado que
visa sempre aprimorar aquilo que constitui a base cultural fundante da sociedade. É essencial
nesse processo não negligenciar o papel das culturas nativas na formação nacional,
capturando o histórico de interação entre os colonizadores e os nativos e promovendo não
uma autonomia cega que nega a realidade do desejo mimético, mas uma autonomia
complexa, capaz de tornar a hibridez cultural num trunfo que destaca as culturas não
hegemônicas no mundo, tornando-as mais interessantes que as hegemônicas na medida em
que possuem esse desafio existencial em seu âmago.
Não nos enganemos, pois, como salienta Santiago (2000, p. 11), a “vitória do branco
no Novo Mundo se deve menos a razões de caráter cultural do que ao uso arbitrário da
violência e à imposição brutal de uma ideologia”; porém, ainda que a realidade colonial na
América Latina seja uma investigação de um passado violento, essa mesma realidade
apresenta, na forma de uma asserção angustiante, o fato de que marcas culturais foram
deixadas, impregnadas e não há outra opção senão encará-las e construir um futuro, tanto
nacional quanto regional, a partir delas.
A partir dessas considerações, procede-se em investigar o caso específico do
Mercosul como paradigma de integração regional na América Latina, ainda que idealmente
destinado a apenas integrar a porção sul das Américas – e, portanto, apenas parte da América
Latina. Como usar a ideia de cultura não hegemônica para compreender as dificuldades de
integração nesse bloco? Como as diferenças culturais explicam o pouco avanço da instituição
em sua busca por uma aproximação maior entre os países-membros? A seguir, busca-se
responder essas duas perguntas para, posteriormente, investigar exemplos concretos de
políticas no âmbito do bloco, finalizando com um exercício comparativo com a União
Europeia a fim de se elucidar discrepâncias que possam explicar o estado de inércia
institucional no qual o bloco se encontra.
A ideia de cultura não hegemônica aparece, então, como elemento para que se faça
um movimento duplo de reflexão cultural na região da América Latina: de um lado, a
aceitação de que os países colonizados tem em sua cultura elementos imitativos que foram
herdados dos seus colonizadores; de outro, a percepção de que esse aceite não constitui razão
para que se perda a potência ativa de promover uma identidade nacional – pelo contrário,
justifica essa busca e aproxima o destino das nações da América Latina, todas navegando em
conjunto no mar de possibilidades culturais que surge após essa constatação.
Diante disso, um dos primeiros passos para uma aproximação cultural robusta o
suficiente para poder pavimentar o caminho para uma integração regional sólida através do
Mercosul é a confecção de mecanismos diplomáticos capaz de reiterar nos países membros
do bloco a história da América Latina e a peculiaridade de cada um dos povos dentro dessa
história. Assim, pode-se fomentar tanto uma identidade nacional clara e que compreende o
contexto não hegemônico em que floresceu, se enxergando, assim, como membro de uma
comunidade: a América Latina.
No entanto, o contexto em que a criação do Mercosul ocorre evidencia uma estrutura
neoliberal que contém elementos exógenos advindos das culturas hegemônicas que outrora
colonizaram a região: a assinatura do Tratado de Assunção por parte de Argentina, Brasil,
Paraguai e Uruguai em 1991 se deu por meio de uma orientação estritamente econômica,
mediada pelos ditames do Consenso de Washington impostos pelos países do Norte global.
Não é à toa que Soares (2008) constata que “[o]s resultados da atuação da Reunião dos
Ministros da Cultura do Mercosul revelam a ausência uma diplomacia cultural dos países e
do Bloco, cujas prioridades são as de natureza comercial”. Pode-se dizer, portanto, que o
Mercosul possui uma origem que efetivamente deturpou os intuitos mais audaciosos do
bloco, reduzindo-o a instrumento multilateral de implementação da agenda neoliberal
solicitada pelos países desenvolvidos.
O Mercosul é, assim, um bloco econômico fragmentado que tem duas razões que
explicam a falta de avanço do bloco em sua busca por uma aproximação cultural mais
significativa: a falta de contato diplomático cultural entre os seus países membros (e a
América Latina como um todo) e a dificuldade de cada país em exercer uma reflexão que
situe sua singularidade cultural em um contexto mimético. Só um reconhecimento reflexivo
das conexões históricas entre mundos marcados por impérios europeus, pela escravidão, por
um intricado processo de experiências de fronteira e de migrações sucessivas pode permitir
que as diferenças culturais na América Latina deixem de ser entrave e passem a ser,
efetivamente, razões para uma união dos povos da região.
As próximas seções se debruçarão em aspectos políticos e econômicos que
evidenciam ainda mais essas dificuldades de integração regional via Mercosul, servindo de
conteúdo para a formação de um panorama explanatório capaz de servir como base para uma
posterior tentativa de corrigir a atual situação de inércia do bloco.
As políticas públicas e o Mercosul: Um sonho impossível?
Embora tenha sido proposto em 2015 pela Organização das Nações Unidas (ONU)
que seus países membros - dentre os quais, estão os integrantes do Mercosul – assumissem
uma nova agenda8 de desenvolvimento sustentável para os próximos 15 anos, percebe-se que,
na atual realidade em que o mundo se encontra, não há o cumprimento dessa garantia,
principalmente no que diz respeito às políticas públicas e sociais.
Porém, mesmo com tantos mecanismos de apoio e financiamento, por que a redução
da curva de desigualdades sociais e o crescimento de ações públicas é cada vez menor? Qual
seria o melhor caminho para se adquirir a sonhada integração do Mercosul? A explicação
pode ser atribuída aos já mencionados grupos de pressão, que visam manter seus privilégios,
atrapalhando melhorias institucionais. Não é possível implementar políticas públicas quando
seus regentes e governantes não são apoiadores fiéis delas, como é o caso quando analisamos
os presidentes e governadores dos Estados membros do Mercosul:
8
A Agenda 2030, criada com o intuito de garantir os direitos humanos, mitigar a pobreza, combater a
desigualdade e a injustiça, agir contra as mudanças climáticas, bem como enfrentar outros dos maiores desafios
dos tempos atuais.
9
Segundo Bobbio (1998), entende-se por pressão a atividade de um conjunto de indivíduos que, unidos por
motivações comuns, buscam, através do uso de sanções ou da ameaça de uso delas, influenciar sobre decisões
que são tomadas pelo poder político, seja a fim de mudar a distribuição prevalente de bens, serviços, honras e
oportunidades, seja a fim de conservá-la frente às ameaças de intervenção de outros grupos ou do próprio poder
político.
10
Mediante a Decisão N° 37/15, na XLIX Reunião Ordinária do Conselho do Mercado Comum (CMC)
realizada em Assunção, em 20 de dezembro de 2015.
conseguiu tirá-las do papel e chegou a reduzir algumas coberturas. (Brant, Danielle.
Resende, Thiago. 2020. Folha UOL.)
Também pode ser considerado um elemento responsável por essa estagnação o fato de
o Mercosul ser mais focado no objetivo de integração econômica do que nos aspectos de
integração social. Tal integração precisa ser vista para além do viés econômico, atingindo
também o âmbito social, cultural e político. Uma vez que as sociedades estão em constante
transformação, o processo de integração social nunca acaba efetivamente.
Quando falamos de integração regional aliada às políticas públicas, precisamos
analisar todo o conceito e as vertentes que impossibilitam essa integração proposta em 26 de
março de 1991 a partir do Tratado de Assunção. A expansão do capitalismo e a hegemonia do
pensamento neoliberal11 são dois dos fatores que necessitam de um enfoque maior neste
momento.
Como pode ser cogitada uma integração real dos blocos quando o viés mais
importante para os governos, que é o econômico, não pôde ser alcançado? Afinal, os
países-membros do Mercosul não souberam avançar em uma visão regional unificada que
tratasse de aspectos fundamentais de gestão e organização complementares em custos,
financiamento e política de investimentos como única forma eficaz de eliminar as
desigualdades até hoje existentes, aspectos estes que vão de encontro com qualquer projeto
que vise uma integração eficaz e real. Infelizmente, hoje o estado neoliberal nos governos do
Brasil e do Paraguai mantém esse propósito apenas no papel e na esperança de ser alcançado
em um futuro, restando apenas saber se este será próximo ou muito distante.
A globalização se tornou a melhor ferramenta para a disseminação do ideal neoliberal
para a sua propagação em escala global, se expandindo ao redor do mundo. A globalização é
vista como um processo hodierno fundamentado nas novas formas de tecnologia, na rapidez
da divulgação de informações, estilo de vida, padrões e ideologias.
Acabando por romper grande parte das barreiras dos territórios, determinando, pelo
menos de início, padrões mundiais de consumo e de ideias. Esse processo tende a
desestruturar, ou a mitigar, em muitos casos, os padrões locais, no sentido de uma certa
uniformidade e uma estruturação.
Para colocar em prática a implementação de políticas públicas é necessário enfrentar o
desafio de transformar intenções gerais em ações e resultados. Políticas públicas são ações e
programas desenvolvidos pelo Estado para garantir e colocar em prática direitos que são
previstos na Constituição Federal e em outras leis. São medidas e programas criados pelos
governos dedicados a garantir o bem estar da população.
Alcançar os objetivos de política pública afeta diversas jurisdições ou são afetados por
elas (O’Toole Jr., 1996). Isso significa que o processo de implementação de políticas públicas
tende a abranger atores de diferentes níveis governamentais e organizações de interesses
distintos, implementando programas interorganizacionais para o alcance de ações
governamentais específicas, sendo que sua estrutura e suas formas de interação influenciam
11
Doutrina socioeconômica que retoma os antigos ideais do liberalismo clássico ao preconizar a mínima
intervenção do Estado na economia.
em seu desempenho. Além das diversas organizações que compõem a estrutura do governo
federal, os mencionados arranjos para implementação de políticas públicas devem ter a
participação de órgãos dos entes federados, assim como organizações privadas e do terceiro
setor. A inclusão dessas organizações constituem tendências atuais, no sentido de obter o
melhor dos setores e promover ações complementares para resolver problemas públicos, ou
melhor, para maximizar o bem-estar da sociedade. O Mercosul não contava com mecanismo
algum de participação social que visasse um acordo entre os Estados em um âmbito social em
1991, quando foi criado. Entretanto, no ano de 94 foi assinado o Protocolo Adicional de Ouro
Preto, onde foram implementados os espaços institucionais que flexibilizaram a participação
exclusiva do Poder Executivo nas discussões do Mercosul.
Desta forma, os atores decisórios do Mercosul precisam definir mais claramente seus
projetos de integração e de cooperação, a implementação de medidas que contribuam para a
concretização do livre comércio entre si e para a sua integração com o mundo. Além disso, é
necessário identificar quais as áreas que devem ser priorizadas, em que esforços coordenados
dos países seriam mais eficientes na conquista de anseios divididos pelas sociedades. O
futuro do Mercosul depende de crescimento, competitividade e de maior integração regional.
12
Entidades sindicais e as associações empresariais.
13
É o órgão executivo, que toma as providências necessárias ao cumprimento das decisões adotadas pelo
Conselho de Mercado Comum e fixa programas de trabalho que assegurem avanços para o estabelecimento do
Mercado Comum. É integrado por quatro membros por país, entre os quais devem constar obrigatoriamente
representantes dos Ministérios das Relações Exteriores, dos Ministérios de Economia ou equivalentes e dos
Bancos Centrais.
Para além de um alinhamento das políticas macroeconômicas ou redução multilateral
de tarifas, a integração econômica é, antes de qualquer coisa, um processo de construção de
instituições, algo visível nos projetos integracionistas exitosos, sendo o maior exemplo,
notoriamente, a União Europeia. Esse bloco, hoje o mais próximo de se tornar uma União
econômica e monetária completa (por vezes referenciada como a última etapa de integração
econômica), e seus antecedentes, fomentaram desde o princípio a criação de um quadro
institucional único, com tribunais, conselhos deliberativos, bancos e até mesmo câmaras
legislativas, sendo todas essas instituições de natureza supranacional, algo jamais visto no
contexto latino-americano. Por mais que, desde 2002, no âmbito do Mercosul, houvera um
esforço na criação de um quadro institucional semelhante ao modelo europeu, substituindo,
em parte, as instituições anteriormente estabelecidas, de caráter provisório (algo que pode se
explicar pelo avanço na integração) - a título exemplificativo, com a edificação do Tribunal
Permanente de Revisão (2004), a constituição do Parlamento do Mercosul (2006), e a entrada
em vigor do Banco do Sul (2012) - a natureza intergovernamental do bloco surge como um
grande limitador para a atuação desses organismos.
Isso se explica pois, sendo a integração regional necessariamente um projeto
dissolvedor de soberanias, em que os países derrogam o interesse nacional absoluto na
determinação de suas políticas públicas, substituindo-as por políticas comunitárias,
desnacionalizadas (ainda que exista uma expectativa de maior ganho relativo), o instituto da
intergovernabilidade14 segue em disposição contrária, ditando que as decisões do bloco
dar-se-ão por consensualismo de seus Estados-parte, o que per se não é negativo. Entretanto,
investigando as tentativas anteriores de consolidação de um regionalismo latino-americano,
nota-se como essa aversão a formação de instituições supranacionais (com a concessão de
parte da soberania, por parte dos Estados proponentes) é um fator recorrente, quando não
decisivo, para o fracassos desses projetos.
Ainda, cabe esclarecer que a mera adoção de um processo de integração com
institutos supranacionais não garante necessariamente o sucesso de um acordo regional de
integração. Como bem sumarizado pelo prof. Paulo Roberto de Almeida (2013, p.36), “não é
recomendável, em todo caso, engajar um processo de integração apenas como imitação de
modelos mais avançados ou aparentemente mais bem-sucedidos”. A discussão levantada
aqui, de cunho hipotético-dedutivo, investiga qual a forma mais apropriada de se cumprir
essa integração apetecida pelos signatários do Tratado de Assunção, que explicitamente
marca o início e define metas da constituição de um mercado comum. Tomemos como
exemplo de tentativas frustradas de integração, a extinta Associação Latino-Americana de
Livre Comércio - ALALC (1960) e o Grupo Andino (1969).
Inspirados pelo sucesso da Comunidade Europeia de Carvão e Aço-CECA, e sua
sucessora, a Comunidade Econômica Europeia-CEE, os países sul-americanos e o México
organizam, por meio do primeiro Tratado de Montevidéu (1960), a ALALC, com objetivo de
formar um mercado de comum regional latino-americano, mas, enfim, mal consegue formar
uma área de preferência tarifária. Embora parte de um contexto histórico e político totalmente
díspar da atualidade, ou mesmo das últimas três décadas, um dos motivos do fracasso é,
exatamente, a dificuldade em se estabelecer políticas comunitárias, especialmente na esfera
comercial, como ensina Florêncio e Araújo e o já citado Paulo Roberto de Almeida:
14
Corporificado, pelo Mercosul, nos art. 2º e art. 40-42, do que se convencionou chamar de Protocolo de Ouro
Preto (1994).
dispostos a engajar-se na abertura comercial no contexto da ALALC até um certo
ponto [...]. Todos os países queriam abrir o mercado dos demais para os seus
produtos, mas nenhum queria abrir o seu próprio mercado. Essa foi a principal
causa da estagnação da ALALC. (FLORÊNCIO e ARAÚJO, 1996, p. 35).
O Grupo Andino (hoje denominado Comunidade Andina de Nações), por sua vez,
surge com o descontentamento dos países da região andina com o insucesso da ALALC -
que, segundo os Estados-fundadores do novo bloco, favoreciam os países “comercialistas”,
quais sejam, Argentina, Brasil e México -, reconhecendo a necessidade de avanços
institucionalizantes, com institutos supranacionais, com um Parlamento e um Tribunal de
Justiça permanente, além de um órgão comum executivo, nos moldes da Comissão Executiva
da CEE, seguindo o exemplo europeu. Formou-se a partir do Tratado de Cartagena (1969),
com a pretensão de se tornar uma união aduaneira, objetivo que viria a ser concretizado
somente 26 anos depois. Vigorando até a atualidade, o Grupo Andino não é em si um
fracasso, mas pode sim ser utilizado como exemplo de uma tentativa frustrada de integração.
Ora, após o entusiasmo inicial, com a edição do Tratado idealista que inaugura o bloco, este
ficou “adormecido” por 21 anos, retornando à atividade no começo da década de 90. As
instituições supranacionais citadas são criadas em 1979, e sua primeira zona de
livre-comércio entra em funcionamento somente em 1993, 24 anos depois que o acordo de
integração regional foi firmado. O motivo dessa lenta evolução? Os impasses na definição
das tarifas internas, bem como a liberalização tarifária, de modo geral5. Mesmo após ter sido
aprovada uma taxa externa comum mínima, os Estados-parte do bloco repetiam os erros que
condenaram quando na ALALC, havendo até, em um momento, a acusação por parte da
Bolívia e Equador que a estrutura do bloco favorecia a Venezuela e o Peru, os
Estados-membro mais desenvolvidos até então, semelhante ao que fora relatado
anteriormente, no âmbito do primeiro Tratado de Montevidéu (1960).
Passados tais exemplos, cumpre retornar ao debate quanto ao modelo de integração
adotado, definido pela dicotomia “natureza supranacional x caráter intergovernamental”.
O primeiro conceito nasce concomitantemente a criação da Comunidade do Carvão e
do Aço, pelo Tratado de Paris (1951), uma das organizações que precedem o que viria ser a
União Europeia, sendo utilizado para descrever a jurisdição comum que seria adotada pelos
Estados-membro do acordo, com a cessão ou delegação de partes de suas respectivas
soberanias, em prol do estabelecimento de um direito comunitário. A partir do momento em
que é feita essa transferência, a organização favorecida passa a ser autônoma, e suas
declarações, resoluções e dispositivos passam a ter caráter cogente, produzindo efeitos, sob
os países “cessionários”, quer estes adiram essas decisões, ou não. Em um acordo de
integração econômica, está claro que as ações desse órgão hipotético supranacional visariam
promover o regionalismo.
Já o segundo conceito, conforme apresentado anteriormente, foi o instituto
selecionado no momento de formação do bloco, e assim permanece. No Mercosul, todas as
decisões do bloco são baseadas em consensualismo, e um possível esforço para alteração de
tal natureza não seria possível, no momento, dado que a situação não é vetada pelos textos
constitucionais do Brasil e do Uruguai, que parecem pouco receptivos a essa hipótese de
supranacionalidade. Não há como se falar em falta de eficácia das resoluções aprovadas pelos
órgãos do Mercosul, pois inexiste uma vinculação direta entre estas e os Estados.
Colocando esses textos nacionais em perspectiva, enquanto a Constituição da
República do Paraguai e a Constituição da Nação Argentina admitem a celebração de tratados
que deleguem jurisdição e competência à um órgão supranacional/supra estatal, desde que em
condição de igualdade com os outros Estados que se propõem a delegar sua soberania, a
Constituição da República Federativa do Brasil e a Constituição da República Oriental do
Uruguai são incisivas ao afirmar que somente seus respectivos Estados têm competência para
legislar dentro do território nacional, sem qualquer menção ou possibilidade de admissão de
um órgão supranacional.
Com essa hipervalorização dos interesses de Estado ante os interesses de
regionalização do bloco, sempre haverá esse entrave jurídico-político no caminho de uma
integração efetiva, seja ela na ordem social, cultural, ou mesmo econômica. Exemplos claros
disso podem ser observados na primeira década de existência da organização, em que sempre
que um acordo comercial era ajustado internamente, a Argentina recuaria nos compromissos
gerais de liberalização, sendo o Estado-parte do Mercosul que mais abusa das cláusulas de
habilitação, ainda que tenha a segunda maior economia da região, o que a garantiria um papel
de vantagem, não sendo necessária uma argumentação com base no princípio da nação mais
favorecida, e alegações quanto ao “desalinhamento” nos acordos multilaterais firmados.
Assim, compreende-se o papel das políticas de governo, bem como as barreiras
jurídicas existentes para o cumprimento do objetivo regionalista a que os Estados-parte do
Mercosul se comprometeram a prospectar com o Tratado de Assunção, com algumas
considerações sobre outras experiências de integração latino-americanas.
Considerações finais
ALMEIDA, Paulo Roberto de. Integração Regional: Uma Introdução. São Paulo: Saraiva,
2013.
FLORÊNCIO, Lima; ARAÚJO, Ernesto Henrique Fraga. Mercosul Hoje. São Paulo: Editora
Alfa Omega, 1996.
KIRWAN, Michael. Discovering Girard. Londres: Darton, Longman And Todd Ltd, 2004.
SANTIAGO, Silviano. Uma literatura nos trópicos. Rio de Janeiro: Cepe Editora, 2000.
ZANATTA, Loris. Uma Breve História da América Latina. São Paulo: Cultrix, 2017.