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Desafios para integração do processo de projeto na construção de edifícios

Conference Paper · November 2001

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Márcio Minto Fabricio Silvio Melhado


University of São Paulo Université du Québec
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DESAFIOS PARA INTEGRAÇÃO DO PROCESSO DE PROJETO NA
CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS

Márcio M. FABRICIO
Professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da EESC/USP e doutorando pela EPUSP.
Correio Eletrônico: marcio@sc.usp.br

Silvio B. MELHADO
Professor do Departamento de Engenharia de Construção Civil da EPUSP.
Correio eletrônico: silvio.melhado@poli.usp.br

RESUMO
O presente trabalho busca identificar as interfaces existentes no desenvolvimento de novos
empreendimentos de edifícios, discutir os desafios de integração destas interfaces e apresentar a
“engenharia simultânea” como um modelo referencial para organização do processo de projeto na
construção.

1. INTRODUÇÃO
Com a crescente complexidade dos empreendimentos e com o progresso tecnológico o
desenvolvimento de produto na construção envolve cada vez mais interesses e conhecimentos
especializados, implicando na mobilização de diferentes profissionais para tratar em profundidade
os múltiplos problemas colocados no projeto.

Neste contexto o modelo adotado e a capacidade de integração entre os diferentes projetistas e


agentes são fundamentais para a qualidade do projeto e para o desempenho do empreendimento.

O paradigma atual que norteia o processo de projeto no setor é caracterizado pela integração
contratual dos agentes envolvidos (Cardoso et. al., 1998), pela especialização dos projetistas e
pelo fluxo seqüencial de projetos (Fabricio et. al. 1999).

PROGRAMA CONCEPÇÃO DESENVOLVIMENTO DETALHAMENTO


PROMOÇÃO

ARQUITETURA

ESTRUTURAS

SISTEMAS PREDIAIS

PROJET. P/ PRODUÇÃO*

* Quando há Proj. Legal Virtual equipe de projeto em um


momento particular
Lançamento

Fluxo do processo
de projeto
atuação intensa
atuação difusa

Figura 1. Esquema genérico de um processo seqüencial de desenvolvimento do projeto de


edifícios – participação dos agentes.
Por outro lado, o processo de projeto do setor é, ainda, abordado de forma restrita aos projetistas
de produto embora, uma análise mais cuidadosa revele que decisões e concepções de caráter
projetual são desenvolvidas a montante, na programação do empreendimento e, a jusante, nos
projetos para produção do edifício e, muitas vezes, na própria obra.

Desta forma, o desenvolvimento de novos produtos na construção configura-se de forma


fragmentada entre programa – projeto – produção com diferentes equipes reapossáveis por cada
uma destas três áreas. Além disso, a mobilização dos profissionais destas equipes ocorre de
forma seqüencial de acordo com a fase de desenvolvimento do produto, configurando equipes de
projeto temporárias e variáveis ao longo do empreendimento.

Este modelo de projeto, conforme ressalta Melhado (1997), é consagrado não só nas práticas
mas, também, nos vários textos institucionais e nas normas técnicas vigentes que se limitam à
abordagem dos projetos do produto e hierarquizam as disciplinas de projeto, colocando o projeto
arquitetônico como o responsável pelas indicações a serem seguidas pelas disciplinas de
estruturas, instalações, etc.

Esta orientação cartesiana e seqüencial do processo projeto tem evidentes limitações na


promoção da integração entre os agentes e na geração de soluções técnicas coordenadas no
desenvolvimento dos empreendimentos.

Como destaca o engenheiro Fábio Pimenta da empresa Projetar Arquitetura apud. Mesquita
(1999), a falta de uma coordenação natural e efetiva entre os vários projetos leva ao surgimento
de profissionais especializados em compatibilizar projetos, criando, quase, uma nova e “artificial”
especialidade de projeto.

Para Koskela et. al. (1997), o gerenciamento de projetos e dos serviços de engenharia é uma das
áreas mais negligenciadas nos empreendimentos de construção, levando à substituição do
planejamento e do controle pelo “caos” e pela improvisação no processo.

Outro problema constante na gestão do processo de projeto dos empreendimentos está


relacionado com as deficiências nas informações, incluindo a tomada de decisões baseadas em
suposições por falta de dados consistentes ou porque estes dados não foram divulgados à
totalidade da equipe de projeto (Baldwin et al, 1999).

Enfrentando problemas análogos de complexificação dos produtos e desintegração profissional e


geográfica do processo de projeto, alguns setores produtivos de ponta como a indústria
aeroespacial, militar, automobilística, microeletrônica, etc. vêm desenvolvendo um novo modelo
para a gestão do processo de projeto, de forma a ampliar a integração entre os diversos
projetistas e agentes envolvidos e agilizar o processo inovação tecnológica, diminuindo o tempo
de lançamento novos produtos.

Estes novo modelo de desenvolvimento de produto tem sido denominado Engenharia Simultânea
(ES) e consiste em “[...] conceber de forma sistemática, integrada e simultânea os produtos e os
processos a eles ligados. É um método que permite aos desenvolvedores de produtos a
considerar todos os elementos do ciclo de vida do projeto, da concepção à disposição aos
usuários, e compreende a qualidade, os custos, a programação e a satisfação das necessidades e
requerimentos dos usuários.” Navarre apud. Jouini & Midler (1996).

De maneira sintética a Engenharia Simultânea, enquanto paradigma de gestão de projeto, está baseada em
três premissas: diferentes atividades de projeto realizadas em paralelo (simultaneamente); ênfase na
integração entre os agentes envolvidos desde o início do processo; e, concepção orientada ao ciclo de vida
do produto (Fabricio & Melhado, 2000).
2. AS INTERFACES DO PROCESSO DE PROJETO DE EDIFÍCIOS
Tendo em vista a integração do processo de projeto de edifícios com base nas premissas da
engenharia simultânea é necessário identificar as principais interfaces deste processo e discutir a
pertinência de sua integração concorrente e as medidas necessárias para alcançar tal objetivo.

Para Jouini & Midler (2000), a concepção de um empreendimento de construção agrupa três
problemas interligados: a concepção do negócio - expressa na formulação do programa de
necessidades; o projeto do produto edifício - traduzidas nos projetos de arquitetura e de
engenharia (fundações, estruturas, instalações elétricas e hidráulicas, etc.); e uma terceira fase
em que se projeta a execução das obras.

Com base nesse raciocínio Melhado (1999) propõem que a aplicação da ES na construção passe
pelo estabelecimento de uma cooperação mais estreita entre os agentes do projeto, envolvendo
três interfaces principais de colaboração no projeto; a estas interfaces acrescentamos a
retroalimentação das fases de execução (i4 – interface com a obra) e de uso (i1 – interface com o
cliente), conforme mostra a figura 2.

A interface um (i1) deve garantir a orientação do projeto às necessidades dos clientes/ usuários,
tendo início com a investigação das demandas do mercado / população que se deseja atender e
completando-se com a análise do desempenho do edifício visando subsidiar novos projetos.

A interface programa-projeto (i2), visa estabelecer uma colaboração entre a concepção do


negócio e a especificação das necessidades com a criação e investigação projetual do produto;
conforme salientam Jouini & Mildler (1996): “A definição das necessidades às quais deve
responder o novo produto não é um dado de partida, mas uma construção que constitui um dos
aspectos críticos do empreendimento e que se desenvolve dialeticamente com a pesquisa das
respostas possíveis.”

Concepção e projeto do empreendimento


Preparação
Estudos de

CLIENTE USUÁRIO
arquitetura EXECUÇÃO
i1
Necessidades

PROJETO
i2

Desempenho
PROGRAMA DO i4 PROJETO P/
PRODUÇÃO
PRODUTO

i3 engenharia

i5
i1

i1: interface mercado – projeto - uso (interface com o cliente);


i2: interface programa - projeto;
i3: interface entre os projetos do produto;
i4: interface projeto do produto – produção (projeto para produção);
i5: retroalimentação execução – projeto.

Figura 2. Interfaces do processo de desenvolvimento de produto na construção de edifícios

A interface entre os projetistas de especialidades (i3) é clássica e se relaciona com a busca de


uma efetiva coordenação na atuação dos projetistas e no desenvolvimento em paralelo de
diferentes disciplinas de projeto.

A interface i4 está relacionada à construtibilidade dos projetos e à elaboração de projetos para


produção que resolvam antecipadamente, e de forma coerente com as especificações do produto,
os métodos construtivos dos subsistemas da obra.
A interface i5 representa a necessidade de acompanhamento da obra e elaboração do “as built”
de forma a garantir a retroalimentação de futuros projetos.

3. A APLICAÇÃO DA ENGENHARIA SIMULTÂNEA NA CONSTRUÇÃO


A aplicabilidade da ES na construção de edifícios e as adaptações necessárias para o setor têm
sido tratadas em uma série de eventos internacionais como o CEC’1997 e o CEC’1999 e conta
atualmente com um grupo de trabalho (TG33 – Concurrent Engineering in Construction) do CIB
(International Council for Research and Innovation in Building and Construction), no qual se
destaca a participação de autores ingleses e americanos.

Na França o grupo de estudos GEMAP (Groupe de Réflexion sur le Management de Projet) e


alguns autores têm estudado o assunto e publicado alguns trabalhos importantes sobre o
emprego da Engenharia Simultânea na construção de edifícios (são exemplos: Jouini & Midler,
1996; Tahon, 1997, Jouini & Midler, 2000).

No Brasil, o estudo da Engenharia Simultânea aplicada ao projeto de edifícios é mais recente e


ainda são poucos os trabalhos publicados (Fabricio & Melhado, 1998; Fabricio, Baía, Melhado,
1999; Melhado, 1999; Fabricio & Melhado, 2000).

Com base nestes trabalhos podem-se identificar três vertentes integradas de transformação
necessárias para viabilizar a integração “simultânea” das etapas do processo de desenvolvimento
e projeto de edifícios.

A primeira delas se relaciona a necessidade de transformações na organização das atividades de


projeto de forma a permitir a coordenação precoce e o desenvolvimento em paralelo das diferentes
especialidades de projeto e desenvolvimento de produto (figura 3).

INFORMAÇÕES “BRIEFING” - CONCEPÇÃO DESENVOLVIMENTO DETALHAMENTO


PROMOTOR

PROGRAMA DE
INFORMAÇÕES NECESSID. PROJETO
BÁSICAS LEGAL
ARQUITETURA

PROJETO
ESTUDO ANTEPROJ. EXECUTIVO
PRELIMINAR ARQUITETURA ARQUITETURA
ESTRUTURAS

CONSULTA ANTEPROJ. PROJETO


SOBRE ESTRUTURA EXECUTIVO DE
ESTRUTURAS E
ESTRUTURA FUNDAÇÕES
FUNDAÇÕES
SIST. PREDIAIS

CONSULTA PROJETO
SOBRE ANTEPROJETO EXECUTIVO DE
SISTEMAS DE SISTEMAS SISTEMAS
PREDIAIS PREDIAIS PREDIAIS
COORDENAÇÃO

COORDENAÇÃO

COORDENAÇÃO
PRODUÇÃO

CONSULTA
ANÁLISE DAS PROJETOS
PROJ. P/

SOBRE
OBRA

SELEÇÃO DA INTERFACES PRODUÇÃO


TECNOLOGIA COM A
CONSTRUTIVA PRODUÇÃO

Figura 3. Modelo genérico para organização do processo de projeto de forma integrada e


simultânea (Fabricio; Baía; Melhado; 1999a).
Para viabilizar esta cooperação uma segunda vertente de transformações culturais é necessária
para criar condições de superação das limitações contratuais e instituir uma nova disposição de
cooperação técnica entre os projetistas, construtores e promotores.

Por fim, a última vertente se relaciona à apropriação das novas tecnologias de informática e
telecomunicações como ferramentas que facilitam a comunicação virtual a distância e permitam
um novo ambiente cognitivo para o processo de projeto.

4. CONCLUSÕES
O desenvolvimento de empreendimentos de edifícios é uma atividade ampla que envolve a
compreensão das necessidades dos clientes, o desenvolvimento dos projetos de produto
(arquitetura, estrutura, instalações, etc.) e da produção, configurando pelo menos cinco grandes
interfaces de projeto.
De fato, a complexidade das questões envolvidas nos empreendimentos contemporâneos impõe a
mobilização de diferentes profissionais especializados e impõem a necessidade de coordenação
dos agentes, de suas formações e interesses de forma a otimizar globalmente o projeto.
No paradigma de projetos vigente as interfaces são medias por contratos e organizadas de forma
seqüencial, gerando resultados pobres de coordenação e quanto a qualidade técnica do projeto.
Uma série de desenvolvimentos teóricos e experimentais recentes, desenvolvidos por Melhado
(1994), Novaes (1996), Tzortzopoulos (1999), etc., propuseram metodologias de coordenação de
projetos envolvendo os projetos de produto e ampliaram a discussão de forma a considerar a
integração entre projeto e produção através dos projetos para produção.
Dando continuidade e estes desenvolvimentos o desafio atual é expedir o processo de projeto de
forma a considerar a totalidade das questões envolvidas no ciclo de vida dos empreendimentos de
construção (do negócio imobiliário ao desempenho de uso) e buscar modelos mais eficientes de
organização do processo de projeto.
Como referencial para um novo modelo de organização do processo de desenvolvimento e projeto
de novos empreendimentos de edifícios as premissa da “engenharia simultânea” podem ser
adaptadas as necessidades do setor de forma a garantir uma maior integração entre os agentes e
as interfaces do projeto.

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