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ES

E COMO SUPERÁ-LAS

10 anos

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As 25 crises do homem
(e como superá-las)

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As 25 crises do homem
(e como superá-las)

Editor/Organizador:
Luciano Andolini

Autores:
Guilherme Valadares
Luciano Andolini
Frederico Mattos
Alberto Brandão
Eduardo Amuri
Danilo Gonçalves
Débora Navarro
Rodrigo Cambiaghi

Capa/Projeto Gráfico:
Mariana Cavalcante

São Paulo
2017

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Índice

06 Prefácio
11 Introdução
16 O que é uma crise?
19 Como paro de surtar?
25 Fui traído
32 Traí minha parceira e me sinto culpado
37 Perdi meu emprego e não consigo achar outro
46 Odeio meu trabalho (como mudar de carreira
ou lidar com um trabalho ruim)
55 Não sei controlar minhas finanças
71 Não consigo parar de procrastinar
81 Não consigo me dedicar a nada
87 Estou ficando velho (crise de meia-idade)
93 Sou virgem

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Índice

103 Não tenho mais ereções (estou ficando brocha)


111 Tenho ejaculação precoce
117 Tenho medo de dar em cima de alguém
123 Não sei fazer minha namorada gozar (ou: sou
ruim de cama)
129 Sou tímido
136 Não tenho amigos
146 Tenho pinto pequeno
151 Sou feio
161 Será que sou gay?
165 Não sou hétero e sofro preconceito
170 Não consigo largar o vício (álcool, pornogra-
fia, games)
179 Vou ter um filho não-planejado (gravidez
inesperada)
191 Me divorciei
199 Não consigo esquecer minha (ou meu) ex
206 Meus pais morreram (luto por pessoas queri das)
224 Estou insatisfeito com meu corpo
230 Nada disso funcionou. E agora?

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Prefácio

Quase todos os dias eu e os demais editores do


PdH recebemos emails com pedidos de ajuda.
Esses pedidos não chegam com grandes cerimônias.
São diretos, íntimos, buscam solução rápida para os
mais diversos problemas. Traições, filhos não plane-
jados, falências, doenças súbitas, luto, desejos e me-
dos reprimidos, sonhos.
São a mensagem que um amigo enviaria no meio
da madrugada, em um surto de sinceridade.
E-mails nos perguntando como entrar na maço-
naria ou se tornar um garoto de programa (não, não
é brincadeira). Outros nos questionando sobre como
ajudar a esposa que enfrenta uma séria depressão. As-
pirantes a empreendedores em busca de rotas para seus
negócios. E até mesmo emails como o de uma mãe que

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Prefácio

acompanha nosso trabalho e gostaria de ajudar o fi-


lho, cujo pai faleceu, a fazer sua primeira barba.
É comum respondermos esses pedidos. Apesar
de ser impossível dar conta de todos, com freqüên-
cia paro alguma tarefa importante para garantir que
uma pessoa com a qual provavelmente nunca vou me
encontrar não fique sem resposta.
Cada vez que faço isso me recordo do espírito
que deu origem ao PapodeHomem, lembro que já fui
e posso voltar a ser a pessoa teclando na madrugada
procurando respostas.
Crises não perdem permissão para entrar, elas
arrombam a porta.
Lá atrás, antes mesmo do nome “PapodeHo-
mem” existir, havia só um bando de sujeitos perdi-
dos trocando relatos pelo Yahoo Groups. Esse grupo
cresceu, virou um fórum, tudo mantido por doações.
Com centenas de homens de todo o Brasil, de diver-
sas idades e origens.
Unidos por estarem sozinhos.
Todos queriam pertencer, encontrar luz para os
sentimentos de inadequação e problemas que tinham
vergonha de expor até mesmo para amigos próximos.
Ser homem não é nada fácil, ainda que tenha seus
muitos privilégios. Muitas de nossas dores e dificul-
dades ficam escondidas pelo teimoso hábito de nos
manter em silêncio.
O PdH nasceu desse lugar, de homens dispostos
a quebrar o silêncio.

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Prefácio

Veio ao mundo pelas dores desses homens, como


um espaço de acolhimento, escuta e aprendizado cole-
tivo. Não surgiu para ser um império de negócios, essa
não é nossa vocação. É um projeto que flui e se trans-
forma, assim como as pessoas que o mantém vivo.
Hoje, mais de dez anos depois, seguimos fazen-
do a mesma coisa — ainda que bem mais maduros.
Escutando, aprendendo e conectando histórias e sa-
beres para ajudar as pessoas a viver melhor.
O conteúdo desse livro transborda de nossa experi-
ência nas trincheiras, junta muito do melhor produ-
zido por nossa rede ao longo dos anos.
É um estupendo trabalho de organização e edi-
ção de Luciano Andolini, editor, músico e veterano da
casa. Carrega o afeto de incontáveis autores e autoras
voluntários. E também vem com camadas de esforço
de várias outras pessoas do time. Rodrigo cuidando
da estrutura de divulgação, Bia das finanças, Mariana
do design. Há muito carinho e trabalho duro envolvi-
do para entregar algo em cuja qualidade acreditamos.
Por isso, espero que nosso esforço o alcance em
boa hora.
Tenho certeza que você atravessa um momento
difícil e talvez esteja lendo esse prefácio com impa-
ciência. É provável que lide agora com uma ou mais
crises dentre as vinte e cinco que listamos.
Entretanto, acredito que crises são momentos
preciosos e raros.
Quando estamos na lona, nos permitimos soltar

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Prefácio

certezas e teorias desnecessárias que carregamos por


toda uma vida. Ao escutar que alguém está mal, uma
parte de mim se alegra e logo fica disponível para a
pessoa. Sei que ali há mais espaço de escuta, vontade
de superar a dor. E sei que também há confusão, an-
siedade, até mesmo desespero.
Ou seja, um maravilhoso e arriscado oceano de
possibilidades.
Pra isso estamos aqui. Queremos ajudar você a mi-
nimizar os danos e evitar decisões ruins, que aprofun-
dem ainda mais seus obstáculos ou o joguem em pro-
fundos poços escuros. E temos a intenção de fazer com
que possa não só atravessar a crise com rapidez, mas
que, principalmente, saia do outro lado mais sábio, ma-
duro, leve, estável, lúcido, sem se levar tanto a sério.
Aspiramos que você possa cultivar autonomia
emocional. Pois é inevitável que outras crises sur-
jam, é mera questão de tempo até o próximo tsunami
aparecer. E tudo bem, a vida é assim.
Esse livro não é uma bala de prata capaz de re-
solver seus problemas em alguns minutos de leitu-
ra. E nem de longe deve ser encarado como tal. É
um parceiro em uma caminhada que necessita de sua
presença. Um conjunto de atalhos acumulados cole-
tivamente por pessoas que atravessaram cada uma
dessas crises várias vezes.
Mas no final das contas, são as suas escolhas,
ações, força de vontade, resiliência, capacidade de se
acolher e se colocar vulnerável, assim como sua pa-

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Prefácio

ciência, é que vão fazer a diferença.


Como um professor no qual confio bastante costu-
ma dizer, “para ir rápido, ande devagar”. E para ir mais
longe, vá acompanhado.
Vamos juntos?

Um fraterno abraço.

Guilherme Valadares

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Introdução

Podemos dizer que fábulas, contos e sagas, de


um modo geral, são as histórias das crises humanas.
É só olhar: qualquer boa narrativa envolve um
personagem central (ou herói) e a sucessão de even-
tos que o conduzem a uma crise e a consequente su-
peração dela ou não.
Por mais que esses acontecimentos muitas vezes
sejam coloridos por efeitos especiais, ambientações
e universos fantásticos ou escalas cósmicas de poder,
aquelas histórias que ressoam em nós costumam ter
base em dramas bem comuns. Seja em Star Wars, Se-
nhor dos Anéis, De Volta para o Futuro, Harry Potter,
Homem Aranha ou Guardiões da Galáxia, há inúme-
ras alegorias para esses acontecimentos que vão nos
desestabilizando e nos fazem suar a camisa e derra-

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Introdução

mar lágrimas, dia após dia.


Para tomar um exemplo de identificação bem co-
mum entre os homens, não é o Rocky Balboa que é
especial em si mesmo. Nós nos vemos no Rocky por
que, se removermos o nome do personagem, há tanto
ali de nós que, ao chegarmos ao fim do filme, gostarí-
amos que a nossa própria história terminasse daque-
le jeito, com o reconhecimento depois de uma luta
difícil que não necessariamente terminou em vitória.
Mas sabemos que não é bem assim. Nem sem-
pre as pessoas estão dispostas a nos afagar depois de
uma derrota.
Essa é apenas uma de muitas narrativas possíveis
que vão sendo introjetadas na nossa mente e acabam
não ganhando fruição. Terminamos com uma histó-
ria mal contada, um desfecho que não se encaixa ao
que esperávamos da realidade. Então, sofremos.
A Saga do Herói (explicada no livro O Poder do
Mito, de Joseph Campbell), é utilizada quase como
um framework em Hollywood nos dias de hoje e é
bastante criticada por ser um modelo narrativo base-
ado nos mitos que foram forjados pelos homens, para
contar as histórias dos homens de diversas tradições
e povos.
Aqui, porém, esse foco no masculino acaba sen-
do útil. Ao observar as histórias contadas pela hu-
manidade, podemos concluir que não há nada de es-
pecial no nosso drama em particular. Essas histórias
são contadas e nos emocionam repetidamente por-

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Introdução

que esses dramas não mudam em essência, apenas


em forma.
De uma certa maneira, quando escrevemos no
PapodeHomem sobre os diferentes dramas e alegrias
dos homens, ao longo desses dez anos, pudemos iden-
tificar semelhanças e particularidades nas trajetó-
rias, dúvidas e crises de milhões de pessoas. Quando
percebemos, estávamos respondendo quase todos os
dias os mesmos emails sobre traição, derrotas emo-
cionais e dúvidas sobre como melhorar (ou evitar que
piorem) diversos aspectos da vida.
Então, se tanta gente passa pelas mesmas situ-
ações e se já nos repetimos tanto, talvez pudéssemos
tentar algo além.
Esse livro que agora você está lendo é a forma que
encontramos de condensar a informação acumulada
depois de mais de 7600 textos, inúmeras respostas a
emails e discussões na caixa de comentários do site.
É a nata de tudo o que já fizemos.
Óbvio que não dá pra cobrir tudo o que uma pes-
soa passa ao longo da vida em pouco mais de 200 pá-
ginas, mas dá pra pegar algumas das dúvidas e crises
mais comuns e organizar de uma forma que pode ser
útil ao maior número de pessoas possível.
Esse livro é a forma que encontramos de facilitar
com que você possa ajudar a si mesmo, mas também
passar adiante o que descobriu e experimentou.
Selecionamos alguns dos melhores artigos do site,
os adaptamos e editamos onde achamos necessário.

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Introdução

Além disso, escrevemos alguns artigos do zero, quan-


do achamos que faltava material que cobrisse aquele
problema de forma efetiva. Assim, tentamos abranger
as mais diferentes áreas da vida de um homem.
O livro, portanto, é uma coletânea com diferentes
vozes, com relatos de pessoas que passaram por essas
situações e resolveram compartilhar o caminho que
encontraram para sair dali.
A ideia, de um modo geral, é tranquilizar quando
cabe e oferecer caminhos, ampliar a visão.
Sabemos, claro, que há diferentes escalas para
os diferentes problemas. Sabemos que as experiên-
cias aqui narradas podem não servir para o seu caso
específico. Também temos noção de que há situações
nas quais um livro não vai ser o suficiente. Portanto,
não entenda essa publicação como uma bala de pra-
ta capaz de fazer você superar qualquer adversidade
em todas as intensidades e peculiaridades. Contamos
com seu senso crítico e com a sua capacidade de se
inspirar nas ideias propostas para encontrar seu ca-
minho e desenvolver soluções próprias.
Além disso, é essencial ter em mente que às vezes
(a maioria, se permite a sinceridade), você vai preci-
sar de família, amigos, médicos, psicólogos, psiquia-
tras. E tudo bem.
Aliás, encorajamos que você tenha um parceiro de
transformação nessa trajetória para sair da sua crise
pessoal. Na nossa experiência, é muito mais fácil lidar
com crises se há uma rede de apoio ampla e forte.

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Introdução

Uma das melhores formas de aproveitar esse livro


é escolhendo um parceiro e testar, trocar insights, che-
car um com o outro os avanços, com abertura e hones-
tidade. Se tiver alguém que tope o desafio, não hesite.
Enquanto isso, no que puder contar conosco, es-
tamos aqui.

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O que é uma crise?

Os mitos heróicos dos quais tanto ouvimos fa-


lar, seja em filmes, histórias em quadrinhos, vide-
ogames, costumam ter como protagonistas homens
fortes, destemidos, que enfrentam e vencem seus de-
safios com bravura.
Quando crianças, brincamos de ser esses perso-
nagens. Quando adultos, é isso que devemos nos tor-
nar. Ou, pelo menos, assim pensamos.
Não é fácil confrontar essa expectativa com a re-
alidade. O mundo é uma máquina que parece ter sido
feita para testar a nossa força. Que outra alternativa nos
resta nessa batalha a não ser controlar, domar, vencer?
Não saber a resposta tem um custo alto.
Os motivos variam de indivíduo pra indivíduo.
Pode ser que você tenha comprado algo que não vai

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O que é uma crise?

conseguir pagar. Talvez você tenha perdido o empre-


go. Quem sabe, você foi traído? Não tem amigos? Tra-
balha demais? Está brocha? Se sente feio?
Sua vida pode estar perfeita e, de repente, nada
mais está no lugar. E, por mais que o motivo de uma
pessoa possa parecer tosco para perder a cabeça, pra-
ticamente qualquer coisa pode virar o gatilho para
uma crise. Tudo vai depender de causas e condições
feitas sob medida para você.
Não há uma só pessoa na Terra que nunca tenha
provado do amargo sabor de perder o chão, não sa-
ber mais o que está acontecendo e se desconectar da
sua própria estabilidade.
Não é como se essa possibilidade fosse uma ca-
racterística intrínseca aos homens, mas as crises têm
um efeito especial neles. No caso, em nós.
Somos campeões em contar nossas histórias com
ares heróicos. Lutamos contra o câncer. Vencemos di-
ficuldades. Superamos desafios. Sequer temos outra
maneira de narrar o que vivemos. O mito do herói é
praticamente a única leitura que conseguimos fazer
da realidade. Por isso, nos agarramos com todas as
forças a essa identidade. O Vencedor. Basta ver o
que se diz sem titubear nas rodinhas de conversa.
“Homem é competitivo”; “Homem não foge de bri-
ga”; “Homem não abaixa a cabeça”.
Mesmo aqueles que se consideram perdedores
natos não fogem do eixo. Suas narrativas só existem
relativas a alguém que venceu. Ou, melhor dizendo,

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O que é uma crise?

dentro de um jogo.
Podemos dizer que é uma grande brincadeira de
sustentar pratos. O prato profissional, o do amor, o
das amizades, o da família, o do carro próprio, da
casa… você mesmo pode nomear.
E, se quer saber qual pode ser a sua crise de ama-
nhã, basta listar o que te deixa orgulhoso, feliz e sor-
ridente agora.
Vamos entrar em crise na mesma medida à qual
nos apegamos aos elementos que compõem nossa
identidade hoje.
Quanto mais alimentamos expectativas, certe-
zas, planos infalíveis, mais vamos nos confrontar com
a realidade. A esperança cega e desmedida é a faísca
que nos leva ao sofrimento diante do movimento dos
fatores externos.
Sofrimento é uma palavra até um tanto abstrata,
mas quando uma questão se transforma em crise, ela
vira prioridade em um nível que nos faz perder com-
pletamente a noção de espaço. Uma atenção brutal a
um determinado aspecto do presente. Dor.
Nos tornamos uma coisa muito parecida com um
rato em um lugar no qual não consegue encontrar a
saída. Aceleramos, focamos intensamente na tarefa
de tentar encontrar a saída. Com isso, passamos por
cima de quem e do que for. Transformamos amigos
em inimigos, gritamos, nos debatemos.
Se há algo que conhecemos bem, é essa sensação.
Todo mundo tem uma história dessas pra contar.

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Como paro de surtar?

Uma das características fundamentais das crises


é a perda da “visão”. Não vemos quem está ao nosso
redor, nem o que está ao nosso alcance e que poderia
perfeitamente ser usado como escada para a tal saída
que tanto procuramos. Por isso, não é raro que a solu-
ção prática para um determinado problema seja muito
evidente para quem olha de fora, mas esteja totalmen-
te fora do radar de quem está no meio do surto.
Pode não parecer, mas quando uma crise se ins-
taura há um momento de grande riqueza. Significa
que os meios utilizados por aquela pessoa para sus-
tentar uma determinada identidade pararam de fun-
cionar. Um castelo caiu.
De repente, seja qual for o aspecto que veio à fa-
lência dá lugar a espaço, uma tela em branco.

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Como paro de surtar?

Você pode usar essa experiência e a abertura que sur-


ge com ela, para se fundamentar em bases muito mais
amplas, lúcidas, para além da necessidade de susten-
tar pratos.
Claro, é essencial saber equilibrar os pratos cer-
tos de maneira eficaz, até para poder transitar mais
calmamente pelo mundo. É importante, sim, saber
como se relacionar, como trabalhar bem, como fazer
amigos, como gerenciar seu dinheiro.
Mas você nunca vai conseguir controlar tudo.
Nem mesmo vai chegar perto.
Por isso, é essencial estar aberto aos imprevistos.
Você pode se perguntar: “mas vocês não ensinam a
superar as crises do homem”?
Sim, esse livro é sobre isso. São 25 capítulos com
dicas práticas para ajudar homens a lidar com crises
pontuais.
Mas resolver é só uma das formas de se lidar
com uma crise. Não necessariamente a melhor. Cer-
tamente a menos duradoura.
Para que o resolver tenha uma base sólida, é im-
portante que venha acompanhado de mais três passos
preliminares e, ao mesmo tempo, paralelos. Ou seja,
você começa por aqui e segue com elas paralelamen-
te a qualquer problema que precise sanar.

1) Prática de estabilidade:
Você não vai a lugar nenhum se estiver se deba-
tendo. No meio do surto, é muito provável que tudo

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Como paro de surtar?

o que fizer só piore sua situação. Portanto, antes de


qualquer coisa, é essencial parar, respirar fundo, ten-
tar recobrar um mínimo de lucidez e, então, partir
para a sua lista de tarefas.
Para cultivar estabilidade, existe uma prática
reconhecida, a shamata. Um tipo de meditação que
pode ser feita em silêncio e dá para cultivar como um
hábito diário.
A instrução resumida grosseiramente seria:
- Sente em uma postura ereta, porém confortável;
- Coloque um despertador para 15 minutos;
- Fique em silêncio e foque na respiração. Vá re-
laxando os músculos das pernas, dos braços e da face.
- Não tente não pensar. É normal que você se dis-
traia. Quando isso acontecer, apenas volte à instrução.
- Quando o relógio tocar, finalize a prática e
levante-se lentamente.
Recomendamos que veja a instrução mais deta-
lhada conforme é ensinada nesse vídeo com o Lama
Padma Samten. Aqui ele guia uma prática de medita-
ção que você pode usar para começar.
Como leitura, para aprofundar, recomendamos A re-
volução da atenção, de Alan Wallace. É um livro com
uma abordagem secular, para quem eventualmente
possa ter aversão às formas religiosas da prática.

2) Prática de sabedoria:
Não à toa nos fascinamos com as crianças. Não é
que elas tenham alguma sabedoria especial, longe dis-

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Como paro de surtar?

so. Elas são tão ou até mais autocentradas e ignoran-


tes do que nós. Porém, elas estão em uma posição na
qual elas se permitem muito mais facilmente investi-
gar. Elas costumam ser curiosas, vivas, cheias de ener-
gia. Não raro elas fazem perguntas que nos deixam de
cabelo em pé.
Nós, adultos, perdemos muito dessa curiosidade.
Tomamos por certas as respostas de perguntas que
estamos longe de realmente conhecer. Quem somos?
Onde estamos? O que realmente está acontecendo?
Não conhecemos nossas emoções, não sabemos
como nos identificamos, como nos apegamos, enfim,
como nos aprisionamos. Por que algo que nos faz tão
felizes hoje pode nos fazer sofrer tanto amanhã? Não
sabemos.
Podemos começar a olhar e obter algumas dessas
respostas. Podemos começar a entender como funcio-
nam as coisas, mas também como nós mesmos fun-
cionamos. Assim, podemos brincar mais, realmente
nos envolver com os fenômenos.
Para aprofundar, recomendamos esse livro: Nada de
especial, de Charlotte Joko Beck.

3) Prática de compaixão
Quando você entra em uma crise e, posterior-
mente, consegue sair dela, o maior presente que você
obtém não é o de, enfim, ter se livrado de um pro-
blemão mas, sim, que agora você tem meios práticos
para ajudar outras pessoas.

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Como paro de surtar?

Sempre que olha uma pessoa e se pergunta “como


posso ajudar?”, isso já é a compaixão dentro de você.
No exato momento em que se faz essa pergunta, seu
sofrimento já cessa um pouco.
Sair das crises envolve uma medida de ajudar
as outras pessoas. Quanto mais você se prepara e se
fortalece com essa motivação, mais forte você se tor-
na em relação aos seus próprios sofrimentos.
Porém, há formas cada vez mais eficientes de exer-
cer essa ajuda. Não é preciso que você sofra todos os
sofrimentos, um por um, até conseguir estender a sua
mão.
Aqui entram os cultivos de todas as qualidades
que nos tornam efetivamente capazes de ajudar. Em-
patia, amor, generosidade, alegria, equanimidade, lu-
cidez, estabilidade, acolhimento, relaxamento… a lista
vai longe.
Para aprofundar, recomendamos o livro Um co-
ração aberto, de Sua Santidade o Dalai Lama.

***
Como já falamos, esses três processos nunca ces-
sam. Você continua com eles, independente de qual
problema esteja enfrentando nesse momento e mes-
mo depois que ele estiver resolvido.
Também é essencial manter em mente que uma
rede ampla, repleta de relações de confiança, torna
tudo mais fácil. Essas parcerias fazem com que a sen-
sação de remar pela vida seja bem mais leve. Portanto,

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Como paro de surtar?

vale aprender a nutrir essas relações e torná-las parte


da sua vida como um todo.
Agora, sim, com as bases fundamentadas, vamos
começar a atacar de forma direta e prática as crises
do homem.

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Fui traído
Por Luciano Andolini

Pra algumas pessoas, é quando você se sente atra-


ído por alguém. Pra outras, ver pornô ou foto de cele-
bridade que desperte tesão ja é traição. Há quem não
se importe se o parceiro ou parceira beije outra pes-
soa. Há quem não se importe se houver sexo, desde
que não haja afeto. Enfim, a linha que define a trai-
ção não é muito clara. Vai variar conforme a pessoa,
a época, o país…
Mas uma coisa podemos considerar fato. Existe
um sentimento de traição, com o qual é bastante di-
fícil de se lidar.
Quando você percebe que a pessoa com quem
construiu uma relação cruza essa barreira, o peito
aperta, a boca seca, as pupilas dilatam, falta o ar, mil
memórias vêm à cabeça, você sente que perdeu tem-

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Fui traído

po, que foi enganado. A dor costuma ser grande.

Cuidado com a primeira reação


Em situações de grande intensidade, é comum
que homens apelem para uma emoção: a raiva.
Sem querer soar óbvio, mas já soando, a raiva,
em momentos críticos como esse é o pior inimigo pos-
sível. É difícil não sentir isso, afinal, aconteceu algo
que você considera uma grande violação da sua con-
fiança. Porém, agir a partir dessa revolução interna
inicial pode ser uma péssima decisão.
Muita gente cai nos padrões usuais de ressen-
timento, histeria e vingança, que só pioram o que já
não é simples.
Muito cuidado, em especial, com a ideia de se vin-
gar. Expor a infidelidade aos amigos, colocar vídeos
íntimos na internet (revenge porn), partir pra violên-
cia física, retribuir na mesma moeda. Nenhuma des-
sas atitudes é louvável e algumas são crime, passível
de processo. Você pode virar caso de polícia se des-
controlar-se ao ponto de cometer algum desses atos.
Além disso, é comum que a pessoa traída poste-
riormente se arrependa de ter explodido, machucan-
do ainda mais a relação.
Quando a raiva chega ao nível do incontrolável,
se sobrar apenas um resquício de lucidez, pode ser
melhor o distanciamento. Pedir um dia ou dois antes
de retomar uma eventual conversa para entender o
acontecido.

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Fui traído

Não é culpa sua


Passado o baque inicial, é comum cair num pa-
drão de investigação, de tentar entender os por quês.
O passo seguinte talvez seja olhar pra si mesmo, sen-
tir-se mal, inadequado, incapaz e, em seguida, culpa-
do pelo que ocorreu.
Não é como se houvesse algo que pudesse ser fei-
to pra impedir. Duas pessoas se atraíram e quiseram
flertar, beijar, transar, etc.
Nem com a maior vigilância, com câmeras, com
o melhor relacionamento do mundo, nem que fosse
mesmo possível suprir todas as necessidades de al-
guém, nada poderia impedir.
Não há como controlar o curso do desejo de uma
outra pessoa.

Isso não significa que a pessoa não te ame


Como pode uma pessoa amar a outra e trair? Sim,
é possível.
Você pode ter uma relação exemplar e, ainda as-
sim, sentir desejo e afeto por outras pessoas. Há inú-
meros modelos possíveis de relacionamento que en-
volvem ou não terceiros, nos quais as partes se sentem
bem assim. Pode ser particularmente difícil de en-
tender quando tudo o que você aprendeu na vida foi
o modelo monogâmico padrão, mas fidelidade não é
indicativo nem prova de amor.
A traição é um evento muito mais comum do que
se pensa. Uma pesquisa informal (ou seja, sem rigor

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Fui traído

científico, feita pela internet) realizada pelo instituto


Tendencias Digitales e divulgada pelo O Globo, mos-
tra que 70,6% dos homens brasileiros afirmam já ter
traído em algum momento da vida. Entre as mulhe-
res, o número é de 56,4%.
Ou seja, muitas pessoas traem e voltam para os
seus casamentos, beijam seus filhos e esposa ou ma-
rido no final da noite e dormem. Será que dá pra afir-
mar que essa quantidade enorme de gente deixou de
amar seus parceiros no momento em que traíram?
No que diz respeito aos motivos, mil outras ne-
cessidades (que não são obrigação do parceiro em su-
prir) acabam aparecendo na frente da relação. Não,
não estou falando de falhas de caráter (que, se for
olhar por essa ótica, todos temos, já que ninguém
passa a vida incólume de tomar atitudes das quais
se arrependa depois), mas de crises de autoestima,
inseguranças, tédio e até vontades justas, completa-
mente normais, como a de sentir conexão humana.
Duvida? Segundo o livro “The Truth About Che-
ating” (a verdade sobre a traição), citado nessa maté-
ria da revista Exame, 92% dos homens entrevistados
que traem, não o fazem por que querem sexo, mas
por que se sentem distantes das suas esposas e des-
valorizados em casa.
O amor não é linear e vem misturado com toda a
bagunça interna das pessoas. No que diz respeito às
relações, lógica, razão e lucidez são moedas raras.

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Fui traído

Pode ser que a relação não acabe


Por mais que você peça um tempo pra colocar as
ideias no lugar, vai chegar o momento de conversar e
entender o que houve.
Pode ser que a emoção fale muito alto e a conver-
sa se transforme em uma briga, com trocas de ofen-
sas e barraco. Portanto, é útil respirar fundo, evitar
agressões desnecessárias e criar um clima favorável
ao mínimo de diálogo.
Quando chega essa ocasião, é importante colo-
car todas as cartas na mesa, abrir os problemas da
relação, tentar entender a dinâmica do casal, se há
questões não ditas relevantes.
Ainda que haja um imperativo, um discurso po-
pular que diz que homem não deve levar desaforo pra
casa e “jamais tem que aceitar ser corno”, um pouco
de lucidez cai bem aqui. Como já falamos, as coisas
não são preto no branco.
É perfeitamente possível, inclusive, que a relação
saia melhor de uma situação assim. Principalmen-
te se essa experiência for usada como escada para o
crescimento mútuo e não como motivo para ampliar
ainda mais o controle e o medo de se machucar.

Pode ser que, sim, acabe


Às vezes, a traição é mesmo um sinal de que já
não é interessante continuar a relação.
Certas questões são muito difíceis de serem cor-
rigidas. Nós não somos máquinas cujas aflições po-

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Fui traído

dem ser deletadas com o apertar de um botão. Não


é sempre, mas de fato algumas vezes a traição é um
sintoma de distanciamento, de que a conexão já não
flui, que não há alegria.
E também não há nada de errado com isso.
Há marcas que são fortes demais pra algumas
pessoas. Cada um lida com suas dores da sua forma e
no seu tempo.

Dói, mas passa


Um estudo liderado por Jaime Confer, da Uni-
versidade do Texas em Austin, aponta que a chance
de um homem perdoar uma traição da namorada é de
22% se for com outro homem. Porém, esse percentual
aumenta para 50% se a traição for com uma mulher.
Ou seja, para um homem, a traição sobe em ter-
mos de “humilhação” se envolver um outro homem,
tornando mais difícil o perdão.
Isso se justifica facilmente se olharmos para a nos-
sa cultura, que incute nos homens a competitividade
e a posse sobre a mulher. Quando envolve um outro
cara, não é apenas uma traição, mas uma derrota.
Como se já não fosse ruim o bastante, há ainda uma
sensação de humilhação pública, um receio de se ver ex-
posto em uma falha em seu (suposto) papel de homem,
de satisfazer e dominar plenamente uma mulher.
Uma grande parte da dor envolve esses senti-
mentos de vergonha, culpa e posse. Às vezes, mais do
que a traição em si.

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Fui traído

Agora, esse sofrimento pode parecer terrível. Mas


milhares de pessoas já passaram por isso e sobrevi-
veram. Suas vidas seguiram, seja dentro da mesma
relação, com todas as dificuldades que isso pode im-
plicar, seja separando (o que também não é fácil).
É verdade que a gente vê exemplos todos os dias
de pessoas encarando a traição como um evento de-
vastador, insuperável. A internet, as novelas, filmes e
livros, se alimentam de situações de histeria ao redor
disso, mas esse drama todo não funciona bem quan-
do estamos falando da vida real. Afinal, aqui, você
tem que limpar a sujeira que você faz depois que as
brigas acabam.

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Traí minha parceira
ou parceiro
(e me sinto culpado)
Por Frederico Mattos

A traição é tão polêmica, mas tão frequente e co-


mum. É bem comum olharmos pra situação tomando
as dores de quem achamos ser a vítima, mas como
tudo na vida, a questão é bem mais complexa e mul-
tifacetada do que o maniqueísmo do nosso julgamen-
to costuma pintar.
No que se refere aos desejos sexuais, podemos
dividir as pessoas em dois tipos: as que alimentam os
desejos de forma inadiável e as que treinam o adia-
mento dos desejos.
Ambos precisam lidar com uma consequência
positiva e negativa, afinal, vivemos num mundo am-
bíguo que estimula os desejos, mas ao mesmo tempo
condena sua plena realização.
Na arte de gerenciar os próprios apetites, seja

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Traí minha parceira ou parceiro

com ou sem adiamento, existem manobras saudáveis


ou doentias.
No caso saudável, ocorre uma capacidade de se
saciar sem exageros. O apreço pela qualidade é sufi-
ciente para reciclar a vontade.
Já no lado doentio de quem opta pelo adiamento,
há uma castração moral que abafa, aniquila, frustra
e adoece o sujeito. Não raro os moralistas represen-
tam esse segundo grupo, que precisa de regras muito
duras – sobre si e os outros – para garantir que im-
pulsos indomáveis fiquem bem presos na gaiola.
No outro time, dos que não se contém, existe
quem é saudável e filosoficamente sente que a libe-
ração dos desejos é um ato de abertura pessoal, por-
tanto, busca a saciabilidade sexual na diversidade de
parceiros. Eles se contrapõem a uma cultura que se
opõe radicalmente à não-monogamia, mas depois,
quando encontram os seus pares ideológicos, tendem
a ficar satisfeitos, ainda que lamentando não existir
mais gente no mesmo barco.
Há, finalmente, aqueles que buscam a realiza-
ção de seus desejos como expressão de um mal-estar
interno e, na cama, como em outras esferas da vida,
seguem como crianças insaciáveis, incapazes de se
restringir por pura inconsciência do que desejam de
fato. É como se o sexo fosse sua salvação, já que outros
prazeres humanos estariam amordaçados por certa
covardia. Por isso, buscam a realização compulsória
de suas vontades quase como se fossem domestica-

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Traí minha parceira ou parceiro

dos pelos seus desejos e não o contrário. Acreditam


que isso é uma escolha mas, na verdade, já não sen-
tem liberdade diante de si mesmas.

Trair é uma questão de caráter?


Na questão da fidelidade, o que ocorre é um acor-
do – nem sempre claro – de exclusividade sexual e/
ou amorosa, restringindo os impulsos emocionais e
sexuais que poderiam culminar numa traição. O gran-
de impasse é que nos relacionamentos não há clareza
sobre os motivos pelos quais a fidelidade é exigida e
também não é claro o tipo de manobra a ser feita para
administrar a frustração de certos desejos.
Então, não sei se eu poderia afirmar que trair
está ligado à falta de caráter. Essa firmeza moral tem
um elemento de escolha consciente mas, no caso des-
se último grupo, dos compulsivos (que a nossa cultu-
ra entende como natural no homem), a sensação de
escolha é superficial. De resto, o que rege são forças
obscuras.
A compulsividade por sexo, doce, pular de pá-
ra-quedas, falar sem pensar, ou qualquer outra coisa
do gênero, em muitos casos, pode ser simplesmente
resultado de uma vida mal-sucedida que se anestesia
em qualquer tipo de satisfação imediata. A compulsão
está sempre na incapacidade efetiva para a recusa. O
sujeito pode até querer não querer, mas na verdade
não está habilitado para conter a si mesmo. Ou seja,
precisa de treino emocional.

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Traí minha parceira ou parceiro

Dificuldade em sacrificar os desejos


O ponto é que quando você se dispõe a namorar
alguém que consegue adiar os seus desejos, escolhe
ter pleno controle sobre como canalizá-los. Acordos
são acordos. Há sempre uma privação mútua, um pre-
ço a ser pago e uma dose de angústia própria da con-
vivência humana. Há quem queira pagar e há quem
não queira.
A felicidade não parece ter a ver com conquistar
tudo e realizar todos os seus desejos, mas sim com
conseguir escolher, entre aqueles que estão disponí-
veis, quais tem mais profundidade e servem ao pro-
pósito de gerar bases mais sólidas.
Vivemos uma geração que vê na privação pessoal uma
ofensa ou um fracasso. Você promete algo que sabe
de antemão que não vai entregar e, mesmo assim, se-
gue forçando a barra.
A escolha de se relacionar com mais de uma pes-
soa sabendo que há um acordo, pode estar relaciona-
da a algum imperativo que você não se dispõe a en-
carar de verdade. Porém, a escolha de namorar uma
mulher que está em desacordo com sua postura e de
sacrificar o benefício da monogamia – sendo que você
não pode ou não quer oferecer isso – é sua.
A rotina sexual costuma ser uma desculpa para
quem não quer se descobrir e desvendar a imensidão
do relacionamento e do sexo. De modo geral, somos
preguiçosos e não queremos nos colocar de formas di-
ferentes para variar nosso movimento interno. Espera-

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Traí minha parceira ou parceiro

mos que um novo objeto de consumo nos faça olhar a


vida de um jeito diferente. Isso pode até ser considera-
da uma pobreza de perspectiva.
Portanto, da perspectiva de quem trai, existe me-
nos um problema moral em si, mas um desajuste de
motivações. Você não é obrigado a se relacionar com
uma pessoa só e ela não é obrigada a se relacionar
com um homem que deseja isso. Então, se a posição
de ambos é definitiva, o que talvez tenha de ser sa-
crificado é o relacionamento em benefício do desejo
individual.

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Perdi o emprego e
não consigo achar outro
Por Luciano Andolini

Você liga a televisão em um jornal e lá estão as no-


tícias nada animadoras, contando como o desemprego
se agrava e vai impactando a vida de cada vez mais pes-
soas. A palavra que não pára de se repetir é: crise.
Em momentos de crescimento econômico já não
é muito fácil conseguir emprego, mas em fases de con-
tração econômica como a que vivemos, o terror do
desemprego só se agrava.

Lidando com o baque


Perder o emprego nesse contexto é um evento
digno de preocupação.
Quando isso acontece, a pressão interna já é alta
e ainda é comum as pessoas fazerem perguntas que
aumentam o seu constrangimento como “ué, não está

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Perdi o emprego e não consigo achar outro

trabalhando?”, ou afirmações desdenhosas como “ah,


mas tem vaga em todo lugar, você não trabalha por-
que não quer.”
Mas, apesar do nível de estresse gerado pela si-
tuação e pelas cobranças das pessoas ao redor, essa
pode ser uma oportunidade que se abre.
Claro, sua urgência em relação ao problema vai
depender de inúmeros fatores, principalmente do seu
conforto financeiro e de eventuais direitos trabalhis-
tas que possam ou não estar amparando você. Ainda
assim, é importante tentar não ceder ao desespero e
aproveitar para olhar para si mesmo como pessoa e
profissional para compreender o ponto no qual se está
em relação à carreira, objetivos, qualificações e, claro,
aspirações maiores para o futuro e vida pessoal.
Uma ruptura como essa pode abrir a possibili-
dade de uma guinada almejada há muito tempo, uma
mudança de carreira, uma pausa para estudo, para se
abrir a novas oportunidades.
O processo de encontrar um novo emprego pode
partir dessa autoavaliação. Quanto mais honesta e
profunda ela for, mais provável que o resultado seja
uma mudança positiva, seja ela na forma da compre-
ensão dos erros e acertos cometidos até ali, seja pela
construção de uma rota totalmente nova.

Faça o feijão com arroz bem feito


Quando bate a necessidade, o que mais ouvimos
por aí é que você precisa ter um bom currículo, pre-

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Perdi o emprego e não consigo achar outro

encher da maneira correta, assegurar-se de que está


atualizado e é apropriado à vaga que procura. Falam
também bastante sobre como proceder quando você
passa da primeira etapa e se destaca na pilha de cur-
rículos e é chamado para uma entrevista.
De fato, é difícil resumir em um artigo tudo o
que é preciso para chegar àquele currículo de encher
os olhos e para ter aquela postura na medida. Mas al-
guns esforços básicos precisam mesmo ser cobertos,
não tem muito jeito.
Assim, antes de partir para o pulo do gato na
hora de achar um emprego, é essencial ter o feijão
com arroz bem feito.
Separei aqui uma lista de links que cobrem o bá-
sico de como preparar currículo e portar-se em entre-
vistas para você estar pronto.
- Como preparar currículo para primeiro emprego
(G1)
- Como se recolocar no mercado (G1)
- Modelos de currículo indicados pelo Catho
- O blog Modelo e Sucesso do Catho (é uma boa
fonte de informação)
- 13 dicas para mandar bem na entrevista de em-
prego (do Vagas.com.br)

Os grandes sites de emprego são interes-


santes, mas provavelmente sua vaga não vai
vir de lá
Não é como se não valesse a pena se candidatar

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Perdi o emprego e não consigo achar outro

por meio de anúncios em sites de emprego. Pode ser,


sim, que apareça uma vaga adequada, mas as chances
são baixas. São poucas vagas para um número exorbi-
tante de candidatos.
Pense que, ao se candidatar por essas platafor-
mas, você faz um contato frio e entra em uma pilha
enorme de currículos que fica sujeita a alguém bater
o olho e achar que as suas credenciais são interessan-
tes. Em um dia ruim, o avaliador pode simplesmente
não dar a mínima pra um monte de gente perfeita-
mente capaz. Esse método tende a favorecer pessoas
muito bem qualificadas. Se não é o seu caso, talvez
valha a pena pensar em outras estratégias.
Se quiser tentar, pode compensar investir em um
perfil premium em um site como o Linkedin. O desta-
que extra e os recursos disponíveis na plataforma são
úteis (como, por exemplo, saber quem visitou seu per-
fil). Um truque é atualizar diariamente seu perfil no
Linkedin, assim, você vai pra timeline das pessoas e
aumenta sua relevância, ganhando mais visibilidade.
Grupos de Facebook focados em áreas e cidades
também podem ser úteis. Uma busca com a sua área
em mente tende a dar bons frutos.
Outra ideia pode ser a de procurar em sites me-
nores, focados em determinados nichos e cidades. Por
exemplo, se você for de Londrina e da área de publici-
dade ou TI, uma alternativa seria o Jobs Londrina.
Vou deixar aqui uma lista com os principais si-
tes de emprego se você quiser tentar a sorte.

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Perdi o emprego e não consigo achar outro

- Linkedin
- Catho
- Infojobs
- SINE (Esse tem uma abrangência enorme de
vagas em todas as áreas)
- Empregos.com.br
- Vagas.com.br
- Indeed.com.br
- Trovit Brasil
- CIEE (Ajuda estudantes a procurar estágio ou
primeiro emprego)

Exemplos de sites de emprego especializados:


- Manager (Administração, indústria, comércio)
- Jurídico Vagas (para estudantes, bacharéis em
direito e advogados)
- CVEngenharia (para a área de engenharia)
- Carreira Fashion (moda)

Não atire pra todo lado, mas nunca recu-


se uma entrevista
Um erro comum é a pessoa começar a se candida-
tar a tudo quanto é vaga, no desespero pra conseguir
qualquer coisa. A menos que a situação esteja realmente
muito ruim e seja o único jeito, é bom manter-se focado
no caminho que você pretende trilhar profissionalmen-
te (claro, de forma sensata, pesando a sua urgência).
Porém, caso chamem para alguma entrevista, é
importante ir. Mesmo que não seja contratado, cada

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Perdi o emprego e não consigo achar outro

entrevista é uma oportunidade de conhecer mais pes-


soas, fazer parte do círculo daquela empresa ou en-
trar no radar daquele grupo de recrutadores.
É comum que recrutadores façam entrevistas que
não contratam imediatamente, mas que depois aca-
bam recompensando, pois eles ficam com você em
mente para vagas que podem até ser mais adequadas
ao seu perfil. Além disso, eventualmente a pessoa que
foi contratada no seu lugar pode se demitir e, abrin-
do a vacância, dependendo da sua performance, você
pode ser o próximo da fila. Nunca se sabe.
Sem contar que ser chamado para entrevistas é
um ótimo sinal. Quando isso acontece, já é bastante
positivo e, além de ajudar com a prática, pode me-
lhorar seu psicológico nesse momento sensível.

Sua rede de contatos vale ouro


Muitas vagas de emprego não vão para os sites
como o Catho ou Vagas.com.br. É comum que boas
contratações aconteçam por outra via: a indicação.
E faz sentido.
Pense com a cabeça de um contratante. O que é
melhor?
1) Encarar uma pilha de currículos de pessoas
que você não faz a ideia de quem são e perder horas
fazendo entrevistas, correndo o risco da pessoa ape-
nas ser muito boa em dizer o que você quer ouvir ou;
2) Receber boas indicações de pessoas agradá-
veis e que trabalham bem, já referenciadas pela ex-

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Perdi o emprego e não consigo achar outro

periência de alguém em quem confia?


Pensa, se nós já levamos tão a sério os reviews
de produtos, restaurantes e hotéis, imagina quando
vamos investir tempo e dinheiro contratando uma
pessoa? É bastante razoável pensar que se você tem
um amigo que teve uma boa experiência profissional
com alguém, vai ouvir a opinião dele e ver o candida-
to com bons olhos de antemão.
Então, é interessante comentar com as pessoas
ao seu redor que você está desempregado e procura
uma vaga nova. Essas pessoas acabam se tornando
seus olhos pelo mundo. Elas procuram, torcem por
você e, quando acham justo, fazem a ponte. Essas in-
dicações valem ouro.
Quando o desemprego bate à sua porta, esse é
o momento de encontrar amigos e antigos parceiros
profissionais para bater um papo.
Vale conversar com pessoas que tenham empre-
sas, gente que trabalhe na mesma área que você gos-
taria de entrar, veja quem está trabalhando em novos
lugares, quem está há muito tempo na mesma empre-
sa, funcionários públicos. Esses diferentes perfis po-
dem mostrar caminhos, oferecer alternativas e con-
selhos que você talvez não tenha considerado.
E, se a sua sorte estiver alta, pode ser até que
saia uma contratação de uma dessas conversas.

Pode ser a sua chance de empreender


Uma das alternativas para quem está desempre-

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Perdi o emprego e não consigo achar outro

gado é simplesmente não procurar emprego.


Ao invés disso, talvez seja interessante pensar
em empreender.
Hoje, a burocracia para abrir uma empresa está
bem menor e há modelos de negócio que podem ser
iniciados com pouco investimento.
O Sebrae oferece o Empretec, uma metodologia
desenvolvida pela ONU voltada para o desenvolvi-
mento de comportamento empreendedor, para aju-
dar as pessoas a identificarem novas oportunidades
de negócio. Esse sistema é aplicado em 34 países com
o objetivo de ajudar a desenvolver o mercado e criar
emprego e renda nesses lugares.
Caso você não possa fazer o curso presencial, o
Sebrae também oferece uma plataforma de ensino à
distância, com cursos online gratuitos. Há diversas
alternativas para você aprender a abrir seu negócio
sem sair de casa. Há, inclusive, material voltado para
montar negócios simples e de baixo investimento para
você começar o mais rápido possível como, por exem-
plo, o Aprender a Empreender e o portal de ideias,
com guias para abrir bares, fornecedoras de marmi-
tas, minimercados ou lojas online.

Seguir como autônomo


Ainda na linha de não procurar emprego, também
é possível oferecer seus serviços como autônomo.
Há sites nos quais você pode divulgar seus ser-
viços e entrar em contato com contratantes na sua

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Perdi o emprego e não consigo achar outro

região ou também para atuar remotamente.


É mais comum conseguir trabalhos como free-
lancer pela internet para quem é da área de comuni-
cação ou TI, mas existe a possibilidade de oferecer
outros serviços também via sites como o GetNinjas,
que tem um espectro bem amplo de áreas.
O Workana é outro site que divulga perfis de fre-
elancers, porém, voltado para profissionais de comu-
nicação, marketing, TI e design.
Para além dessas plataformas, assim como nas
vagas tradicionais, o contato direto e grupos de Face-
book mais focados na sua área de atuação costumam
ser mais efetivos.

***
A perda de um emprego costuma vir carregada
de sentimentos de frustração, medo de não conseguir
outro tão cedo, enfrentar a falência financeira e co-
branças de familiares.
Quando você está em uma empresa ou carreira
por dez ou quinze anos, por exemplo, pode ser ain-
da mais desesperador ter de se adaptar a um mundo
novo que se abre à sua frente.
Mas, ainda que as circunstâncias não caminhem
para aquilo que se planejou para si próprio, é inte-
ressante perceber que a melhor solução é aquela que
funciona, independente da idealizações e julgamen-
tos de valor que se alimenta sobre a vida profissional.

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Odeio meu trabalho
(como mudar de carreira ou
lidar com um trabalho ruim)
Por Alberto Brandão

Conheço poucas pessoas realmente satisfeitas –


ou não-frustradas – com um modelo de vida marcado
por uma dedicação quase incondicional ao trabalho.
Acordar às 6 da manhã, pegar um meio de trans-
porte muitas vezes desconfortável, voltar para casa por
volta das 8 horas da noite e ainda enfrentar uma série
de responsabilidades domésticas quando, finalmente,
poderá dormir para enfrentar o replay no dia seguinte.
Óbvias variações dessa rotina semanal exaustiva
existem, mas a sensação de esgotamento é presente
em praticamente todos que fazem parte do modelo
tradicional de trabalho.
Em raras ocasiões conheci alguém – que se diz
– orgulhoso de uma rotina assim, e na maioria das
vezes me revelaram em momentos mais íntimos que

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Odeio meu trabalho

se posicionam dessa forma porque soa bem aos olhos


alheio, transmite a impressão que todos os outros são
preguiçosos e você é automaticamente enquadrado
como parte de uma classe superior.
Somos inseridos no mercado muito cedo e rece-
bemos pouca ou nenhuma instrução de como todo me-
canismo funciona. Muitas vezes, o que nos é dito vem
de um ponto de vista de escassez, de medo ou sim-
plesmente não condiz com a nossa realidade. Assim,
congelamos o mundo em uma noção equivocada e fo-
camos apenas em ganhar o sustento e não dar motivos
para ser demitido.
A parte triste de tudo isso é que pensamos bem
pouco sobre o que o trabalho representa e como po-
demos assumir uma relação entre trabalhador e em-
presa de maior qualidade.
Se você for minimamente como eu, não quer
ter seu dia inteiro preenchido com tarefas sem fim e
também não quer sentir que seu tempo está passan-
do em branco.
É um verdadeiro dilema perceber que estamos
estressados e perdendo nossas vidas para um traba-
lho que não nos diz muita coisa, mas quando chega-
mos em casa precisamos lidar com pilhas de boletos
para pagar.
É fácil, também, buscar soluções mágicas para
resolver o problema e nos deixar levar por uma ilu-
são onde fazemos só o que gostamos e os conflitos
deixaram de existir.

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Odeio meu trabalho

Como podemos resolver um dilema tão essencial


para a sociedade moderna como esse? Existe uma for-
ma de sentir de que estamos vivendo plenamente e,
ao mesmo tempo, não sofrer com as contas que vão
chegando?

Questione o modelo
Quando vamos arrumar nosso guarda roupa, o
primeiro passo é tirar tudo lá de dentro e jogar em
cima da cama.
Depois, você forma uma verdadeira bagunça
onde não existe um processo claro de organização e,
a partir disso, começa a definir uma ordem mais cla-
ra para as coisas.
Realizar mudanças substanciais em nossa vida não
é muito diferente e, normalmente, evitamos mudar por-
que nos obriga a lidar com a dor, bagunçar tudo que re-
conhecemos como concreto e desafiar nossas verdades.
Se você não está satisfeito com o modelo de traba-
lho que leva, passe algum tempo questionando como
chegou aonde está e o que pode estar errado.
Algumas perguntas que podemos nos fazer são:
- O que realmente me deixa insatisfeito no meu
trabalho?
- Se pudesse mudar algo, o que seria?
- Não gosto da minha área de trabalho ou da for-
ma que a empresa funciona?
- Existem pessoas que trabalham como eu gosta-
ria? O que elas fazem?

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Odeio meu trabalho

- Se eu não estivesse fazendo o que faço, onde


estaria?
- Qual a ação mais simples que eu posso fazer
para melhorar o cenário (Cursos? Treinamentos?)
É claro que as perguntas acima são apenas al-
guns exemplos de como podemos colocar nosso pro-
blema no raio x e investigar o que não está encai-
xando. Cada situação vai ter suas particularidades e
outras perguntas melhores vão se fazer necessárias.
Mais do que seguir esse (ou qualquer outro) ro-
teiro, o importante aqui é questionar e buscar com-
parativos, simplesmente para entender que chegamos
onde estamos por algum motivo, mas isso não signi-
fica que devemos ficar lá para sempre.

Encontre significado
Um dos mais comuns dilemas da juventude é a
ideia de fazer o que gosta. Ou executar um trabalho
que tenha algum significado especial.
Não é segredo que quando gostamos muito do que
fazemos ou encontramos algum significado maior na
atividade, desempenhamos tal atividade com maior
alegria e, claro, qualidade.
O problema é que este é um luxo que poucos po-
dem se dar. Nem sempre dá pra largar tudo e traba-
lhar no emprego dos sonhos.
Uma possível saída para quem não tem tanta es-
colha é desenvolver um significado extra para o tra-
balho, algo que ajude a ver o que faz todos os dias

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Odeio meu trabalho

com outros olhos.


Existe um provérbio grego que diz “Como fazer
um homem valorizar seu cavalo?”, “tirando o cavalo
dele.” Pense um pouco: se você não tivesse o trabalho
que tem, como seria sua vida?
Pense nas pessoas que conhece nele e tudo o que
você construiu com o que recebe neste emprego. Isso
não é importante?
Seu trabalho é facilitador de outros sonhos e re-
solve vários problemas que são essenciais. Uma vez
supridas, tendemos a dar menos importância às nos-
sas necessidades básicas, mas deixar de tê-las garan-
tidas é um sofrimento e tanto, com potencial de pre-
judicar muitas outras áreas da vida em uma espécie
de efeito dominó. Não à toa, o desemprego é visto
como uma questão das mais urgentes.
Da mesma forma que é possível olhar para cima
e pensar em algo ideal para você, pode ser interessan-
te olhar para baixo e ver que existe um cenário muitas
vezes bem pior, no qual você não gostaria de estar.

Antes de mudar, por que não tentar re-


solver?
Qualquer ambiente de trabalho possui proble-
mas. Identificar o que existe de errado no local onde
estamos é natural e tudo o que incomoda tende a se
destacar aos nossos olhos. A nossa reação é automá-
tica, preferimos fugir do que causa desconforto, ao
invés de solucionar os problemas que existem.

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Odeio meu trabalho

Como humanos, somos ansiosos por procurar


regras e segui-las, mesmo que muitas vezes essas re-
gras sequer existam. Muito do que nos incomoda no
trabalho não está definido a ferro e fogo, ou seja, é
possível mudar.
É interessante manter essa perspectiva em vis-
ta, saber que podemos resolver inúmeros problemas
sem precisar romper logo de cara e modificar toda
nossa vida por isso.
Para o nosso próprio bem estar (e dos outros,
claro), é importante assumir a responsabilidade de
sugerir ideias e modificar processos, mesmo que mui-
tas vezes não seja tão simples assim passar pela re-
sistência que pode se apresentar.
Criar uma lista de todos os pontos que podem
ser modificados para melhorar o seu bem estar den-
tro da empresa e listar um plano de ação para cada
um desses itens para discutir com as partes envol-
vidas pode tirar um enorme peso das costas, sim-
plificando e transformando o ambiente em um local
mais favorável.

Tenha um projeto pessoal


Se existe algo que faz parte constante da minha
vida são meus projetos paralelos.
Tenho dezenas de pequenas coisas que, mesmo
quando meu emprego não entrega a satisfação espe-
rada, consigo olhar para tudo o que estou produzin-
do e extrair realização.

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Odeio meu trabalho

A ideia de ter satisfação pessoal com nosso tra-


balho formal é relativamente recente, e mesmo que
eu ache importante, existem outras formas de sentir-
-se realizado quando o emprego não consegue pro-
porcionar.
Lembre que muitas das vezes o trabalho dos nos-
sos sonhos precisa ser construído aos poucos.

Entenda o que você quer


Um outro problema quando falamos de trabalho
é definir o que realmente importa.
É muito fácil observar os atrativos que empre-
gos podem oferecer e não saber exatamente qual a
sua prioridade.
Algumas pessoas preferem segurança e estabili-
dade, outras não veem significado nisso. Eu prefiro
ambientes mais relaxados e uma flexibilidade maior.
Para mim, um salário alto não paga o estresse.
É claro, existem também os gostam de dinheiro,
possuem ambições mais altas e querem levantar uma
boa quantia para melhorar a qualidade de vida.
É importante entender que não precisa existir
julgamento de valores sobre nenhuma dessas prio-
ridades. Cada um sabe onde seu calo aperta. O im-
portante é entender que dificilmente encontraremos
todos os elementos positivos num mesmo lugar. Por
isso, entenda muito bem o que precisa e siga seu ca-
minho até sua prioridade mudar.

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Odeio meu trabalho

O modelo dos seus sonhos não é perfeito


Somos excelentes em romantizar cenários fu-
turos, esquecendo de adicionar a eles todos os pro-
blemas que estarão incluídos quando a fantasia se
tornar realidade.
Eu, por exemplo, sempre sonhei em trabalhar
de casa, ter meu escritório e fazer tudo do meu jeito,
sem preocupações. Passei uns bons anos trabalhan-
do assim, até quase enlouquecer e entender que meu
lugar de produzir é junto com outras pessoas.
Portanto, quando começar a sentir que em outra
situação todos os problemas estarão resolvidos, res-
pire um pouco e faça uma pesquisa. Procure os deta-
lhes sobre a profissão e os problemas que elas têm.
Converse também com gente que já está no lugar que
gostaria de estar, descubra sobre os pontos negativos
que você ainda não conhece, talvez isso ajude a acal-
mar um pouco as coisas.
Sempre que estamos desconfortáveis tentamos
buscar saídas fáceis e imaginamos universos que não
condizem diretamente com os fatos.

***

Trabalho ocupa uma fatia enorme do nosso tem-


po e é normal sentir frustração frequente com tudo
o que se torna tão grande da nossa vida. No entanto,
às vezes precisamos olhar com um pouco menos de
emoção e assumir uma posição mais prática.

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Odeio meu trabalho

Não estou sugerindo que desista de seus objetivos


e abandone o que sonha, mas pode ser interessante
relaxar e perceber que a estrada ideal é construída
aos poucos e, enquanto isso, é bom agir de forma um
pouco mais objetiva.

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Não sei controlar
minhas finanças
Por Eduardo Amuri

Não é de se estranhar que muita gente ache o


assunto educação financeira meio chato. Por vezes,
acho que é mais culpa da abordagem do que do assun-
to em si: “anote todos os seus gastos”, “economize no
cafezinho”, “poupe 20% do seu salário”. A intenção,
na maioria dos casos, é das melhores, mas a verdade
é que ainda nos falta jeito para tornar o tema mais
atraente, mais conectado com todos as outras áreas
da vida.
Numa tentativa de tornar as coisas mais interes-
santes, sempre que trabalho com um grupo, experimen-
to propor que a turma atue em cima de uma situação
real. Levo, para a sala de aula, a história de um cliente
de consultoria financeira, cujo processo já foi finaliza-
do, e peço que a turma palpite, sem medo de errar.

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Não sei controlar minhas finanças

A proposta de hoje é exatamente essa, mas ao


invés de trabalhar com um caso real, que talvez não
tivesse relação com a maioria de nós, trabalharemos
com um personagem criado a partir das respostas
que obtivemos em uma pesquisa que fizemos para o
PapodeHomem.
Tomei a liberdade de complementar a persona-
lidade (e os dilemas) do nosso personagem, de modo
que ele enfrente questões parecidas com as quais ob-
servei no meu dia a dia como consultor financeiro.

Sem mais delongas, conheça o Francisco


Francisco tem 31 anos e mora em São Paulo, ca-
pital. Recém-saído de um relacionamento longo, ago-
ra está solteiro e divide apartamento com um amigo
em um prédio antigo, porém confortável, perto da
importadora onde trabalha como analista desde que
saiu da faculdade já há alguns anos.
Ele buscou uma consultoria financeira porque
sente que nos últimos anos não conseguiu tirar do pa-
pel os planos que traçou. Ganha R$ 4500 líquidos por
mês, mais benefícios. Quando perguntei sobre os pla-
nos, me respondeu que “não é nada demais, é só enca-
minhar as coisas mesmo”. Tem uma reserva financeira
pequena, que estica e encolhe, dependendo da época
do ano. Possui três contas bancárias: uma universi-
tária, uma que abriu por conta do estágio e outra que
precisou criar quando entrou na empresa atual.
Não é um cara de grandes luxos. “Por mês acho

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Não sei controlar minhas finanças

que vão uns R$ 200 de roupa, que eu geralmente par-


celo no cartão. Aí tem o mercado, a grana do final de
semana, uma ou outra viagem o que, aliás, é algo que
eu gostaria de fazer mais vezes...”.
Perguntei quanto ele acha que custaria a viagem
que ele mais gostaria de fazer e ele contou que nunca
havia parado para fazer a conta de verdade, mas que
se debruçaria nisso quando recebesse o décimo-ter-
ceiro. Ele também me disse que quitou recentemente
o carro zero que comprou.
“Foram doloridas 36 prestações que pareciam
não acabar nunca. Agora não tenho grandes gastos,
é mais os R$ 300 de gasolina mesmo. Isso porque no
final de semana utilizo táxi, Uber ou Cabify.”
Divide o apartamento com um amigo mas, mes-
mo gostando da convivência, sente que está na hora
de morar sozinho e diz que: “inclusive, essa é uma
das motivações para que eu me organize.” Paga R$
1500 por mês, o que inclui tudo. O Chico – já estamos
ganhando intimidade – não sabe muito bem quanto
paga por cada coisa (aluguel, condomínio, internet,
luz…), só faz a transferência todo mês e seu colega
cuida do resto.
Antes de mim, ele conversava muito pouco sobre
dinheiro. Esse não é um assunto trivial nos círculos
em que frequenta. Às vezes alguém solta um comen-
tário, do tipo “cacete, tô muito ferrado de grana esse
mês”, aí os outros balançam a cabeça, dizem “tá di-
fícil mesmo” e a vida segue. O assunto é tão velado

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Não sei controlar minhas finanças

que ele preferiu não contar para ninguém que havia


procurado uma consultoria financeira.

Partimos de onde?
Logo no nosso primeiro encontro Chico chegou
com uma planilha. Ela foi feita pelo primo há muitos
anos e estava incompleta, desatualizada e em vias de
ser enviada para a terra dos planejamentos esquecidos
– lugar tristonho e melancólico, para onde vão todas
as planilhas e aplicativos de controle de despesas que
não receberam amor. Estava animadíssimo, querendo
falar de todos os gastos e estranhou bastante quando
falei que não precisaríamos dela naquele dia.
Às vezes a gente pensa que o primeiro passo de
todo o planejamento é sair listando gastos e anotando
despesas, e essa é, na minha opinião, a razão pela qual
a terra dos planejamentos esquecidos recebe milhares
de novos habitantes todos os dias. Quando o planeja-
mento não tem um motivo relevante para existir, ele
não se sustenta. O ato de preencher uma planilha ou
um aplicativo, em si, é inútil. Se não houver um pro-
pósito para essa movimentação toda, ou seja, se o ob-
jetivo for apenas manter as coisas atualizadinhas, não
há ânimo que dê conta. Podemos até começar empol-
gados, movidos por uma fagulha, mas é fato que em
pouquíssimo tempo essa energia se esvai.
Quando contei isso ao Chico ele fez uma cara
de desespero. Me disse que já havia começado e pa-
rado algumas vezes, mas que achava que a culpa era

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Não sei controlar minhas finanças

da indisciplina e que por isso foi procurar (a minha)


ajuda. A indisciplina tem lá seu papel nessa pequena
bagunça, mas não é, nem de longe, a protagonista.
Quanto mais palpável mensurável e estrutura-
do for esse objetivo, melhor. “Acho que não tenho
nenhum objetivo para agora...”. Essa fala é bastante
comum e compreensível e, de acordo com minha par-
ca experiência de vida, não há problema algum nela.
Passamos períodos da vida sem grandes planos mes-
mo. De todo modo, o exercício é importante.
“Quais planos que, de uma forma ou de outra,
dependem de dinheiro, e você gostaria de realizar?”
Muitas vezes somos levados a pensar que é pre-
ciso algo grandioso e, de preferência, altruísta, mas
a verdade é que pode, sim, ser algo menor, munda-
no, prático, desde que seja genuinamente importan-
te. Não precisa ser um projeto social, uma grande
mudança de carreira ou a casa própria com banheira.
Chico comentou “Ah, tem essas viagens aí, né?”.
É uma boa tentativa, mas dessa forma não serve, e
não é porque esse plano não é audacioso o suficiente,
é só porque está vago, solto, impreciso. Com um pou-
co de pesquisa e exercício, chegamos a algo melhor:
“Quero conseguir viajar todos os anos. Daqui 9
meses quero fazer uma viagem de 15 dias para Bue-
nos Aires, a viagem custará R$ 4500, já que a pas-
sagem custa por volta de R$ 1200 e eu devo gastar
em torno de R$ 250 por dia, entre alimentação, la-
zer e hospedagem.”

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Não sei controlar minhas finanças

Enquanto falávamos da viagem, Chico abriu o


mapa da Argentina, viu outras cidades que gostaria
de visitar, deu uma olhada rápida em blogs especia-
lizados e a coisa toda ganhou um pouco mais de bri-
lho.
Com ele animado por conta dos planos argenti-
nos, podemos começar a pensar em termos práticos.
Eu geralmente organizo o processo em três etapas:
estruturação, fotografia e quadrantes. Comentarei
cada um deles de maneira breve.

A logística importa
A estruturação consiste, basicamente, em organi-
zar a logística financeira básica da vida. Para a maio-
ria dos brasileiros razoavelmente inseridos no sistema,
isso está ligado ao banco e às demais instituições fi-
nanceiras. Salvo casos muito, muito específicos, é per-
feitamente viável com uma conta corrente e um cartão
de crédito. Um e um. Só. Não mais do que isso.
Fui bem categórico com o Chico e ele emendou
uma desculpa atrás da outra:
1. “Ah, mas a minha conta universitária não
tem taxa.”
2. “Ah, mas é bom ter pro caso de uma emer-
gência.”
3. “Ah, mas esse cartão de crédito tem anuida-
de muito baixa.”
4. “Ah, mas é que não dá pra confiar em um
banco só.”

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Não sei controlar minhas finanças

Antes de responder a cada uma das justificativas,


vale ressaltar a base: nossa energia é ridiculamente
limitada. A parcela que dedicamos a gestão financei-
ra, então, é mais limitada ainda. Cada novo agente
que colocamos no jogo consome nossos recursos (fi-
nanceiros e emocionais). Já que a disposição para li-
dar com as finanças é tão escassa, por que desperdi-
çar com coisas que agregam tão pouco?
Sobre a justificativa 1 e 3, não é só a questão fi-
nanceira que está em jogo por aqui, certo? E outra, a
conta e o cartão são gratuitos hoje, mas ninguém ga-
rante que seguirão assim para sempre.
Chico comentou, orgulhoso, que ano passado re-
solveram cobrar a anuidade desse cartão, que ele li-
gou para reclamar e que estornaram o valor. Pergun-
tei quanto tempo ele ficou no telefone e ele disse “não
muito, uma hora e meia, no máximo.”
Uma hora e meia! Uma hora e meia de sono. Uma
hora e meia de bar. Uma hora e meia de seriado no
Netflix. Uma hora e meia de academia. Uma hora e
meia de papo. Não é difícil pensar em empregos me-
lhores para essa uma hora e meia de vida.
Sobre a 2 e a 4, eu entendo. Juro que entendo, mas
não é boa coisa pautar nossa estrutura com base em
um cenário de exceção. Tenha dois cartões de débito do
mesmo banco, se você quiser. Escolha o banco que você
se sentir mais confortável. Mas mantenha as coisas en-
xutas e aceite o risco: um cartão de crédito, uma conta
corrente. Em um período de estresse e descontrole, vai

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Não sei controlar minhas finanças

ser ótimo ter que estancar um vazamento só.


Chico levou pouco mais de uma semana para ajei-
tar as questões todas, mas deu certo, e ele aproveitou
para negociar ainda mais a anuidade do cartão de
crédito eleito, com o argumento de que haviam lhe
oferecido uma série de opções com anuidade zero.
Dito isso, vamos ao próximo ponto.

Uma foto, pra entender o que está rolando


Pedi que Chico pegasse uma folha de papel, uma
caneta e comecei minha ladainha:
“Finja que, durante os próximos 30 dias, todos
os bancos ficarão fechados, que todas as maquininhas
de cartão estão fechadas e que você não poderá pedir
dinheiro para ninguém; você precisa fazer um saque
hoje, que deve bancar seu próximo mês inteiro, as con-
tas fixas, as contas variáveis, tudo… anota no canto
desse papel qual deveria ser o valor desse saque.”
O diálogo a seguir aconteceu (hipoteticamente,
amigos, não esqueçam do teatro) com o Chico, e acon-
tece com bastante frequência, na vida real:
Chico: Vou pegar minha planilha pra consultar…
Eu: Não, Chico, é só um chute, sem consultar a
planilha.
Chico: Mas eu não faço a mínima ideia…
Eu: Tudo bem, é por isso que é um chute.
Chico: Vou errar, eu acho...
Eu: Tudo bem.
Chico: Não sei nem por onde começar…

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Não sei controlar minhas finanças

Eu: Está tudo bem...


Chico chutou R$ 4000. Perguntei se sobravam
R$ 500 na maioria dos meses e ele me olhou com cara
de dúvida. Comentei que, se o chute era R$ 4000 e o
salário líquido era R$ 4500, deveria sobrar mais ou
menos R$ 500 todos os meses. Ele riu e disse que se
sobrasse R$ 500 todos os meses ele não estaria ali
falando comigo.
É bem legal perceber pra onde nossa mente vai
quando precisamos dar o tal chute. Existem várias
rotas possíveis. Tem gente que pensa no salário todo,
tem gente que tenta elencar os gastos bem rapidamen-
te e faz a soma, tem gente que chuta um valor qual-
quer, sem nenhuma preocupação. Tem quem adote
uma estratégia mais conservadora, e chuta pra cima,
e tem quem tem medo de olhar pra essa questão, e
chuta pra baixo. Todos são igualmente válidos, é só
um começo de exercício.
Pedi ao Chico que tentasse testar esse chute, co-
meçando pelos gastos fixos. Ele achou bem fácil, che-
gamos nisso aqui:
- Casa: R$ 1500
- Academia: R$ 80
- Plano dental: R$ 20
- Celular: R$ 170
Somamos e chegamos em R$ 1770. Ele soltou um
“meu deus, sou rico”. A parte fixa é sempre fácil. Per-
guntei pra onde ia o resto do dinheiro e ele disse que
não fazia ideia. Até me escapou um riso porque isso

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Não sei controlar minhas finanças

é muito, muito normal. Foi quando pedi para que ele


estimasse os gastos variáveis e ele travou.
Estimar um mês de gasto variável é sempre mui-
to difícil. É muito tempo, acontece muita coisa, são
muitos pequenos eventos. É sempre vantagem esti-
mar por semana e, mais do que isso, estimar por pe-
quenas categorias: Chegamos em algo assim (lembre-
-se que, por enquanto, é semanal):
- Mercado: R$ 120
- Final de semana: R$ 220
- Jantar semana: R$ 80
- Gasolina: R$ 80
- Café e lanche: R$ 50
- Uber: R$ 80
Resumindo, são R$ 550/semana, logo, R$ 2200/
mês.
“Ah, meu deus, é esse o problema, então.
Soma esses R$ 2200 com os R$ 1800 e já dá
R$ 4000…
E eu nem coloquei as outras coisas...
E eu nem tenho certeza sobre esse Uber, não faço
ideia de quanto vem.”
A ideia desse exercício é essa. É ter uma base de
quanto custa um mês padrão, sem estripulias, sem
os gastos extras, sem os imprevistos. Geralmente en-
cerro esse encontro passando uma “tarefa de casa”:
refinar essa fotografia. É muito comum esquecermos
alguns itens, e a ideia é tratar o planejamento como
algo iterativo, a ser melhorado pouco a pouco.

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Não sei controlar minhas finanças

Ingrediente mágico: previsibilidade


É comum dizermos por aí que “o dinheiro é uma
angústia”. Vale a pena aprofundar um pouquinho essa
afirmação. Pelo que percebo, uma das principais cau-
sas dessa angústia não é bem a falta ou a sobra, nem
a burocracia, é a falta de previsibilidade.
Por vezes cruzo com algum cliente cuja situação
é bem complicada, e escuto algo como “Que coisa ma-
luca, né? Minha situação financeira atual é igual a mi-
nha situação financeira da semana passada, mas parece
que estou mais tranquilo.” Não é nenhuma bruxaria.
Adoramos nos sentir no controle – mesmo que esse
controle seja bem relativo. Nós somos levados a acre-
ditar que gerir bem o dinheiro é anotar cada gastinho,
e isso torna tudo bem difícil. Propus para o Chico um
exercício mais simples, de previsão mesmo.
Era quinta-feira e nos encontraríamos novamen-
te na quinta da outra semana. Perguntei quanto di-
nheiro ele tinha na conta bancária hoje, e quanto di-
nheiro ele teria na quinta-feira da semana que vem.
Ele achou o desafio muito absurdo, porque muitas
coisas poderiam acontecer nesse intervalo de tempo,
mas eu insisti (imaginar isso tudo está sendo bem di-
vertido pra mim).
Resolvemos fazer o exercício em partes. Primei-
ro, claro, pegamos o saldo atual (jogo rápido, no pró-
prio internet banking). Em seguida, listamos quais
os gastos fixos que aconteceriam dali até a semana
que vem. Em seguida, concentramos os variáveis em

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Não sei controlar minhas finanças

uma linha só. Aqui está o grande lance. Concentrar


os gastos variáveis em um lugar só torna tudo muito
mais claro. Chegamos em algo assim:
04/05: R$ 2350 (saldo atual)
- R$ 1500 (aluguel)
- R$ 79 (academia)
- R$ 550 (variável da semana)
11/05: R$ 221 (saldo projetado)
Esse é um exemplo de planejamento financeiro
para uma semana. Testamos por uma semana e a coi-
sa se perdeu (a vida não é fácil, amigos). Surgiu um
gasto inesperado (um presente) e o Chico largou mão
das contas. Refizemos o planejamento para a semana
seguinte, dessa vez com outra estratégia.
Reduzimos o variável para R$ 500 (porque so-
brou na primeira semana, ou seja, estava superes-
timado), acordamos que esses imprevistos (como o
presente) não entrariam nos gastos variáveis e, para
poupá-lo da obrigação de acompanhar o extrato, ele
sacou os tais R$ 500. Todos os gastos variáveis (mer-
cado, final de semana, gasolina, etc) seriam pagos em
dinheiro de papel.
Conseguimos acertar as previsões, semana por
semana.
Amarrando as pontas
Agora que nós simplificamos a estrutura, fize-
mos a fotografia e começamos a brincar com as pre-
visões de uma semana, o próximo papo é estender as
previsões. É o que chamo de quadrante.

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Não sei controlar minhas finanças

Na prática é muito simples: uma folha sulfite dividida


em quatro. Cada quadrante representa uma semana.
Chegamos nisso:

O retângulo no início de cada quadrante é o saldo


inicial. O retângulo no fim de cada semana é o saldo
projetado. Chico deu uma resmungada nessa hora,
perguntando se ele precisaria ficar fazendo isso to-
dos os dias. Eis então a minha promessa:
“Com a fotografia e os quadrantes feitos, tudo
o que você precisa é de 15 minutos por semana, não
mais do que isso, para manter tudo em ordem e ga-
nhar esse alento de saber que, de maneira relativa,
você tem as rédeas nas mãos.”

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Não sei controlar minhas finanças

Tá, mas e aí?


Chico ficou bem feliz com os quadrantes, a ideia
de ter mais controle do que estava acontecendo agra-
dou, mas ficou decepcionado quando percebeu que os
números estavam bem justos e ele nem havia coloca-
do a fatura do cartão de crédito na jogada (aliás, nes-
te primeiro momento, a fatura do cartão entra como
uma linha única no quadrante respectivo).
“Mas eu vou parar de usar o cartão de crédito
pra sempre?”
Respondi que ele não iria, mas que, por enquan-
to, até que ele ficasse bem malandro e hábil no pla-
nejamento, o crédito ficaria de lado. O cartão acaba
trazendo pra vida financeira uma camada de comple-
xidade que, na minha visão, é dispensável. Passamos
a trabalhar com nosso eu do futuro, e isso é sempre
complicado. Além disso, perdemos a noção de finitu-
de do dinheiro, já que os limites do cartão são bem,
bem generosos.
É nessa hora (e só nessa hora) que pensamos
nas mudanças necessárias para que o planejamento
fique condizente com nossos objetivos. Não é muito
eficiente sair mudando tudo logo de início, por mais
que a tentação seja grande – especialmente quando
fazemos a fotografia e percebemos que estamos gas-
tando bem mais do que deveríamos. É importante que
tudo aconteça de forma gradual, para que tenhamos
tempo de pensar e decidir o que é relevante e impacta
de maneira significativa na nossa qualidade de vida, e

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Não sei controlar minhas finanças

o que está lá por um acaso, porque fez sentido algum


dia, ou porque a gente colocou e esqueceu de tirar.
Sugeri ao Chico que buscasse transformar alguns
gastos variáveis em fixos, como a gasolina, por exem-
plo. Não faz sentido colocar de pouco em pouco (a não
ser que a conta esteja no vermelho, é claro). É melhor
termos dois lançamentos fixos, um por quinzena, cha-
mado “Tanque de gasolina” do que nos preocuparmos
em contemplar esse gasto no nosso variável.
Testamos também uma redução do variável. Aqui
relato minha experiência: a gente mal nota uma redu-
ção de 10% no valor dos gastos variáveis. Passa meio
que batido, já que esses gastos contemplam uma sé-
rie de categorias.
No caso do Chico, reduzimos o variável semanal
para R$450 e a coisa funcionou bem. Essa redução se-
manal de R$ 50 gerou uma economia de R$ 200, que
virou um gasto fixo: poupança-viagem. Com essa peque-
na mudança, em 9 meses – prazo que ele mesmo havia
se dado para fazer a viagem de Buenos Aires acontecer
– Chico levantou R$ 1800. Quase metade do total.
Trocamos a academia pelo parque também. Não
porque o Chico se tornou um mão de vaca convicto,
mas porque, sejamos francos, ele detestava aquele ne-
gócio. Entre ter a obrigação de ir a academia, mas ir
de vez em quando, e ter a obrigação de ir ao parque, e
ir só de vez em quando, ele acabou pegando a segunda
opção, que pelo menos é ensolarada e de graça. Essa
mudança, pequeninha, em 9 meses, gerou uma econo-

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Não sei controlar minhas finanças

mia de R$ 720, que foram saborosamente convertidas


em carne e vinho na capital argentina. E numa expe-
riência foda. Aliás, você já foi pra Buenos Aires?

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Não consigo parar
de procrastinar
Por Alberto Brandão

Por muito tempo acreditei que era um robô. Não


sei bem por quê. Faltava empatia, emoção e suavidade.
Eu não conversava numa voz robótica como o
C-3PO. Mas, por algum motivo, esperava que minhas
metas fossem a única coisa influenciando minhas de-
cisões e que eu deveria buscá-las como quem executa
um código de computador. A única coisa me separan-
do de algo grandioso era o conjunto certo de metas.
Infelizmente, eu sou humano, e não é assim que hu-
manos funcionam.
O que está errado comigo? Eu pensei. Por que
estou constantemente agindo contra meus próprios
interesses? A resposta se esconde nos genes que her-
dei do meu ancestral, Bob.

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Não consigo parar de procastinar

Introdução à preguiça
Bob era preguiçoso. Você não saberia isso ape-
nas observando. Ele caçava, plantava, pescava, fugia
e matava quase diariamente. Mas fazia isso por uma
necessidade imediata. Ele adoraria ficar sentado o
dia inteiro se isso não o levasse à morte certa. Neces-
sidade o fez agir. Não é porque uma criança com uma
arma na cabeça está seguindo ordens que isso signi-
fique que ela não é preguiçosa.
Mas o motivo que faz Bob preguiçoso é que ação
– toda ação – consome muita caloria. E uma vez que
a vida depende de manter um saldo positivo de ener-
gia armazenada em relação ao que se gasta, gastar
calorias com atividades não essenciais seria ridículo.
Nossos genes carregam a seguinte mensagem:
“Faça o suficiente para sobreviver, não mais
que isso.”
Não é a sobrevivência do mais forte, é a
sobrevivência do forte o suficiente.
Sim, vivemos em um mundo diferente agora. Não
existe necessidade de ser protecionista com nossos
movimentos. Mais calorias estão apenas a um Big-
Mac de distância.

O Aspecto Mental
Este instinto reverbera em todos os pontos da
nossa vida. Como sabemos, preguiça é algo que vai
além do movimento corporal. Somos mentalmen-
te preguiçosos também. O problema com atividades

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Não consigo parar de procastinar

mentais é que raramente enxergamos uma recompen-


sa imediata vinda delas.
À medida que o corpo evoluiu, criou mecanismos
para nos encorajar a levantar e correr quando uma
ameaça aparece. A habilidade de sentar e trabalhar
não representa para nós um benefício genético.
Nossa mente é mesquinha, nada boa em calcular va-
lor futuro.

Existe saída?
Felizmente, psicólogos passam tanto tempo es-
tudando nosso cérebro que aprendemos a burlar nos-
sos instintos para alcançar nossos objetivos.
Quando você estrutura suas metas de uma for-
ma que a mente vê como cruciais e imediatamente
valiosas (alinha seu cérebro para estar no estado de
controlá-las), você se torna capaz de direcionar sua
capacidade natural para conquistar qualquer tarefa
que tenha pela frente. Não importa quão enfadonho
isso pareça.
Vou mostrar minha técnica favorita para apro-
veitar toda essa capacidade: empregar dissonância
cognitiva para forçar seu comportamento a se alinhar
aos seus objetivos.

Dissonância cognitiva
Palavras chiques da psicologia assustam um pouco,
vamos simplificar. Dissonância cognitiva é a sensação
desconfortável de quando a versão da realidade dentro

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Não consigo parar de procastinar

da sua cabeça não combina com o mundo externo.


A reação mais comum quando sentimos isso é o
auto-engano. Mais confortável do que compreender
o problema e fazer algo quanto a ele, é mais confor-
tável nos convencer de que o problema não existe.
Mas, melhor que se afastar da realidade eliminan-
do a dissonância cognitiva, você vai aprender técnicas
para amplificar sua dose de realidade. Você vai escan-
carar essa diferença entre a realidade e sua mente.
Existem duas formas de conquistar isso:
- Pela afirmação da nossa identidade, nos enco-
rajando a agir em acordo com ela;
- Registrando nosso comportamento para tornar
mais evidente a distância entre o que acreditamos e
nossas ações.
Essencialmente, são dois lados da mesma moe-
da. O objetivo é nos forçar a enxergar a realidade da
forma mais plana possível, de forma que esse des-
conforto causado pela dissonância cognitiva consiga
fazer sua mágica.

Afirme sua identidade com comprometi-


mento
Você pode encorajar seu comportamento reafir-
mando desejos que estejam alinhados com ele.
Ou seja, buscando a lembrança de nossas crenças
mais abrangentes, tendemos a agir de acordo com elas.
Isso soa vago, então aqui vai a parte mais impor-
tante: coloque seus objetivos no papel.

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Não consigo parar de procastinar

Escrevendo nossos objetivos, não existe onde se


esconder. Se concluí-los, você vence. Caso contrário
sabe que falhou. Não permitir que o cérebro se sabote
é crucial para se manter motivado. Essa é uma práti-
ca que pode ser feita de forma privada, mas é infini-
tamente mais poderosa se tornar isso público.
Em 2011, eu resolvi entrar em um desafio.
Em uma tediosa tarde de feriado, tive a magnífica
ideia de postar no Facebook uma proposta inocente. A
cada “Curtir” que eu ganhasse naquele post, eu faria
10 flexões. Eu tinha acabado de chegar de um treino
de braço, não esperava mais de 30, no máximo 50 pes-
soas curtindo o post. Até que nosso amigo Guilherme
Valadares me provocou a ampliar o desafio na página
do PapodeHomem no Facebook. Isso acabou me em-
purrando para um recorde pessoal inimaginável.
Ao fim do prazo estipulado, a contagem dos “cur-
tir” somou 380.
Sim, tive que me comprometer a fazer 3800 fle-
xões. Óbvio, eu falhei. Mas nunca imaginei que che-
garia onde cheguei: consegui executar 2011 flexões.
Hoje tenho certeza: se não tivesse tornado a meta pú-
blica, me comprometendo de uma forma tão extrema,
eu provavelmente não teria chegado nem na metade
do que acabei fazendo.
Anunciar seus planos, metas e crenças para o
mundo funciona maravilhosamente para nos moti-
var a agir no sentido que queremos.
Em um estudo onde um grupo de pessoas de die-

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Não consigo parar de procastinar

ta fizeram seus planos públicos no Facebook, seu po-


liciamento com a dieta foi altíssimo. A hipótese é que
elas não podiam mais se enganar não escolhendo sua
comida cuidadosamente nos seus momentos de fra-
queza. O capetinha nos seus ombros, sussurrando,
“você nunca ligou para essa dieta mesmo”, foi cala-
do. Não segui-la seria como reconhecer sua fraqueza
e destruir sua identidade.

Medindo o buraco da realidade


“O que pode ser medido pode ser gerenciado” –
Peter Drucker
Registrar nossas ações é outra forma de revelar
o buraco entre nossa auto-percepção e a realidade.
Como discutimos acima, é fácil nos enganar com no-
ções vagas. Traduzir essas crenças em medições con-
cretas cria uma enorme mudança de comportamento
com quase nenhum esforço.
Constantemente mantemos ideias vagas como
“eu sou um homem trabalhador” ou “eu me alimen-
to de forma saudável” sem realmente examinar nos-
so comportamento e ver o que sustenta essas ideias.
Nos forçando a ver que os fatos alinham com nossa
percepção pode ser bem doloroso.
Continuando com os exemplos da dieta, existe
um estudo no qual pesquisadores utilizaram um gru-
po de voluntários para seguir diferentes planos de
dietas. O grupo que se saiu melhor não recebeu ins-
trução alguma. Ao invés disso, pediram que fotogra-

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Não consigo parar de procastinar

fassem toda refeição e besteira que consumissem.


A dissonância cognitiva entre a autopercepção
dos praticantes e a realidade do arquivo repleto de
fotos modelaram seu comportamento melhor do que
qualquer planejamento alimentar faria.
Então, como podemos observar esse comporta-
mento com uma perspectiva de produtividade? Me-
dindo nosso tempo.
Medir nosso tempo é um dos maiores amplifi-
cadores de produtividade que já experimentei. Como
Sebastian Marshall escreveu uma vez:
“Se você nunca se mediu, não sabe o tamanho
do poder que esse hábito tem. Eu não conseguiria
explicar isso adequadamente, você não acreditaria
em mim. Pensaria que estou exagerando.”
Admita, depois disso, você está pensando em dar uma
chance.

Princípios de medição de Tempo


Como o nome da atividade já diz, medir o tempo
se baseia basicamente em registrar o que faz com seu
tempo. Não existe muito mais o que fazer.
Se é escrever detalhadamente um diário todas as
noites, tudo bem. Se significa preencher uma planilha,
está bom também. O simples ato de detalhar seu com-
portamento vai forçar a examiná-lo e aprender com
isso. Essencialmente, todos os conselhos a seguir ser-
vem a dois propósitos: permitir que você registre as
informações mais úteis com o menor esforço possível.

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Não consigo parar de procastinar

Seguem quatro princípios de medição de tempo


que se mostraram bem sucedidos para mim e para
pessoas que tenho ajudado.
1. Foque nas coisas certas
Se você não se importa com sua dieta, não escre-
va o que fez para o café da manhã. Se não se impor-
ta com seu sono, não registre quantas horas dormiu.
Parece óbvio, mas o impulso de registrar tudo rapi-
damente se torna esmagador. Mantenha o foco nos
hábitos que você quer desenvolver e comportamen-
tos que quer continuar diariamente.
2. Comece pequeno e vá crescendo
Apesar do objetivo de medir seu tempo ser o de-
senvolvimento de hábitos melhores, medir o tempo por
si só é um hábito. E como todos outros, é importante
começar pequeno e ir aumentando com o tempo.
Por mais tentador que seja registrar tudo, não se
sufoque com 20 páginas complicadas para preencher
toda noite. Juro que, se sua planilha for como fa-
zer uma pequena monografia, você não dura
uma semana.
Torne isso o mais simples e fácil possível, para
virar algo automático na sua vida. Só assim, se você
ainda quiser, adicione mais variáveis.
3. Nunca pule um dia
O embalo é uma coisa mágica. Se perder um dia,
você se prejudica de duas maneiras. Primeiro, você
torna a justificativa mais fácil para as próximas ve-
zes. Segundo, você se sabota e torna o processo bem

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Não consigo parar de procastinar

menos eficiente, assim os benefícios começam a não


valer o custo.
O método utilizado por Jerry Seinfield para es-
crever comédia parte desses dois princípios. Não im-
porta se o que ele produz é bom ou ruim, curto ou
longo. Se ele escreve alguma coisa, ele consegue cor-
tar um dia do seu calendário.
Seinfield afirma que o embalo é a chave para não
sair da linha.
Siga esse conselho. Nunca pule um dia.
4. Torne as coisas fáceis
Da mesma forma que é importante manter o curto
registro do seu tempo, como mencionado acima, é bem
melhor se você preencher seu caderninho com respos-
tas de uma página, do que escrevendo uma monografia.
Tente manter o maior número de perguntas de
Sim/Não que for possível. Preencher com números é
bom também.
Faça tudo o mais direto e objetivo que conseguir.
Faça de forma tão simples que quando estiver muito
cansado e for pra cama, não queira deixar de fazer.

***

Práticas de comprometimento e medição de tem-


po são técnicas incríveis para promover a dissonância
cognitiva e alcançar suas atividades. Em todo caso,
elas são apenas peças do de um quebra-cabeça maior.
É importante sempre voltar aos hábitos quando falhar

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Não consigo parar de procastinar

e, vale frisar, em algum momento isso vai acontecer.


Além disso, não se prenda só ao que foi dito aqui.
Com a prática, você vai criar métodos que se encai-
xam cada vez melhor às particularidades da sua vida.

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Não consigo me
dedicar a nada
Por Luciano Andolini

Sempre olhei ao meu redor e via um mundo re-


pleto de pessoas empolgadas por um novo dia de tra-
balho, que sonhavam alto e atingiam objetivos como
se isso fosse a coisa mais prazerosa a se fazer.
Eu, por outro lado, não compartilhava da mes-
ma energia, pensava no futuro e sentia um certo pâ-
nico. Mesmo em tarefas simples como levantar da
cama, pensava apenas que esse era mais um dia com
outra exaustiva jornada de escola, faculdade, traba-
lho. O futuro também não me animava. Eu via filhos
para alimentar, aluguel, IPTU, IPVA… aquilo não
fazia sentido.
Às vezes, eu entrava em outro modo, embarca-
va na ideia de que agora faria tudo dar certo, criava
uma planilha, planejava tarefas e iniciava um pro-

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Não consigo me dedicar a nada

cesso de transformação só pra ver tudo parando na


semana ou mês seguinte.
Minha vida repetia esse ciclo continuamente. Eu
não conseguia me dedicar a nada. Às vezes eu achava
que tinha algum problema, depressão ou só era cro-
nicamente preguiçoso mesmo.
Apesar de tudo, eu queria ser diferente, só que
eu não conseguia, de jeito nenhum. Isso me desgas-
tava, em especial quando eu tentava assumir com-
promissos de estudo ou profissionais e não conse-
guia cumprí-los. Constantemente eu ouvia que era
irresponsável ou que não trabalhava direito – cla-
ro que esses comentários não ajudavam a me sentir
melhor.
Procurando material sobre produtividade, acabei
ouvindo muito falar sobre motivação, como os gran-
des empresários conseguiam se manter com a ener-
gia lá em cima e matar pilhas e mais pilhas de tarefas
de forma implacável. Eu não conseguia acreditar. Era
fantástico demais.
Em algum momento, no entanto, uma chave vi-
rou em mim, comecei a investigar e experimentar mui-
tos processos e formas de melhorar a produtividade e
acabei fazendo descobertas bem interessantes sobre
a forma como eu funciono (e, principalmente, o que
me faz não funcionar).
O que pretendo contar é o processo pelo qual
passei até chegar ao ponto no qual estou agora: final-
mente concluindo um EP, com três músicas acaba-

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Não consigo me dedicar a nada

dinhas e criando coragem pra lançar da forma como


tem de ser feito.

Eu queria tanto que ferrava tudo


Música é uma das coisas que mais gosto de fazer
na vida. Gosto de tocar com os amigos, de ter uma
troca gostosa com as pessoas que ouvem, de sentar a
bunda e me isolar do mundo por horas a fio, até ter
algo nas mãos. Curto cada parte do processo de for-
miga que é escrever uma música.
Mas, ao mesmo tempo, eu me considero alguém
que entende relativamente bem do assunto. Ou seja,
pra mim, não basta tocar, a coisa precisa ser séria.
Tem de ser muito bom, acima da média e, se possí-
vel, tão bem executado que não possa deixar dúvidas
sobre a qualidade final da coisa.
Não preciso ir longe pra mostrar que isso é in-
sustentável e uma armadilha em si. Não dá pra atin-
gir esse nível, principalmente sendo quem sou: um
músico de quarto, que faz o que faz nas horas livres.
Eu não sou profissional, não posso dedicar minha vida
inteira a isso, nunca tive estudo formal e, basicamen-
te, aprendi o que sei como autodidata. Perfeição é um
ideal totalmente fora do meu alcance. E aposto que,
de um modo geral, isso pode se aplicar a outras ati-
vidades criativas também.
Querer tanto ser bom, só me ferrou esse tempo
todo. Eu fui criando mecanismos cada vez mais sutis
de me autossabotar pra nunca realmente me colocar à

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Não consigo me dedicar a nada

prova. E a maior evidência que tenho disso é que já tem


mais de dez anos que faço música e só agora estou dan-
do esse passo: efetivamente colocar algo no mundo.
É clichê, mas aprendi a duras penas: você me-
lhora muito mais errando e mandando mal em públi-
co do que sendo o bonzão no segredo do seu quarto.
Vale pra música, vale pra vida.
Não perca dez anos até perceber isso.

O que sempre me faltou em tudo na vida:
disciplina e paciência
Eu me considero alguém que tem muita energia
no curto prazo. Costumo me empolgar e fazer certas
coisas com bastante ânimo, mas por outro lado, per-
co a empolgação fácil e desisto.
Então, quando pensava em fazer um disco, por
exemplo, eu tirava uma semana de férias e me colo-
cava a compor 24 horas por dia. No final, até poderia
ter alguma coisa escrita, mas garanto que a qualida-
de era bem duvidosa e o cansaço era enorme.
Extrapole isso pra tudo na minha vida e você pode
imaginar o problema. Sim, eu era/sou fogo de palha.
Logo, eu tenho uma lista enorme de projetos,
cursos e hábitos começados mas nunca concluídos,
além de uma vergonha imensa da quantidade de ba-
lela que já prometi por aí e nunca cumpri.
Foi preciso um certo processo (que ainda está em
andamento), pra eu começar a não depender desse es-
tirão de energia pra fazer o que planejo. E, se fosse

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Não consigo me dedicar a nada

pra elencar uma ideia que estava me consumindo e me


desviando do meu foco, essa ideia seria a de que você
tem que estar absolutamente empolgado e curtindo
qualquer processo no qual você esteja inserido.
Agora, que a maioria das tarefas do projeto do
meu EP estão atrás de mim, é fácil colocar isso numa
narrativa bonita (como esse texto) e fazer parecer mui-
to glorioso. O fato é que a maior parte do tempo o pro-
cesso foi tedioso e frustrante, em especial ao ter que
lidar com as milhões de limitações de ser um músico
solitário sem um monte das condições que poderiam
ser chamadas de “mundo ideal” da produção musical.
Diligência é essencial. Nada vai ser perfeito e
você vai ter que fazer o que der, do jeito que der. E
tudo bem, é melhor seguir em frente.

Faça pouco
Todo esse contexto foi pra poder chegar aqui.
A decisão que mais me fez andar com o projeto
foi a de que eu faria uma só coisa por dia, todos os
dias, de segunda a sexta.
Pras tarefas mais práticas, isso me fez sair do pa-
pel. Fiz principalmente meu site dessa forma. Num
dia eu comprei o domínio. No outro, fiz o plano de
hospedagem. No outro decidi qual o template, depois
escolhi uma fonte… e assim por diante. Claro, não vou
conseguir falar de todos os fatores subjetivos disso
nesse texto, mas o resultado foi bem empoderador.
Em duas semanas, o bicho estava lá.

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Não consigo me dedicar a nada

Outra abordagem que segui, quando cansei dessa


e o trabalho se tornou mais subjetivo e difícil, foi de tra-
balhar uma, no máximo duas horas por dia. Acabou o
tempo, parou, hora de descansar. Amanhã é outro dia.
Assim, eu avancei principalmente na parte de
produção, quando era o momento de lapidar as mú-
sicas, definir arranjos, ouvir opiniões, etc.
Essas duas abordagens também me foram mui-
to úteis em outros momentos e para outras atividades.
Comecei a frequentar a academia dessa forma, focando
em 15 minutos de esteira por dia. Fiz um exercício de 10
minutos de escrita por 30 dias. Quando pego um livro
pra ler (ou algo que preciso aprender), paro 10 minutos
antes de dormir por um determinado número de dias.
Acredito que o maior poder dessa forma de tra-
balhar é que assim você nunca está satisfeito. Você
sempre pensa no que poderia ter feito se tivesse mais
alguns minutos. O importante é parar e preservar essa
dissonância de não ter resolvido a questão, ela pro-
vavelmente vai te fazer continuar amanhã.
Você consegue muito mais trabalhando pouco de
forma disciplinada do que fazendo muito, seguindo o
calor do momento.

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Estou ficando velho
(crise de meia-idade)
Por Frederico Mattos

Outro dia ouvi no consultório, de um homem de


seus quarenta e quatro anos, uma percepção doloro-
sa. Ele disse que já sentia o peso do tempo e que, ho-
nestamente, não sabia o que esperar da sua vida.
É curioso como o mundo que vivemos construiu
um cronograma social para as pessoas até por volta
dos seus trinta e cinco anos, talvez um pouco mais.
Primeiro a diversão, depois os estudos, a carreira, fa-
mília, filhos e… morte. Entre os filhos e a morte até
entra um neto ou dois, talvez uma aposentadoria.
Mas em termos de script, quem se estabeleceu
profissional e amorosamente já não saberia muito
bem por onde transitar segundo o mapa existencial
que foi projetado no inconsciente coletivo.
Para os homens, a ressignificação dessa identida-

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Estou ficando velho

de de meia idade parece perturbar em especial a noção


de vitalidade, juventude e diversão própria do imaginá-
rio masculino. Se o homem não se preparou financei-
ramente e foi um perdulário compulsivo, se não cuidou
da saúde e concentrou toda o seu orgulho na quantida-
de de ereções então o cenário pode ser ainda mais pro-
blemático. Sem dinheiro, sexo e saúde ele costuma ficar
emocionalmente impotente.
Pensando nisso, enumerei algumas ideias que
podem ajudar os homens a tatear a sua própria ex-
periência nessa fase nebulosa da vida.

Seu corpo vai mudar


A ideia de virilidade falocentrada pode fragilizar a
autoestima de alguém que se vale da vitalidade para se
sentir bem. Para o homem, essa mudança proporciona-
da pelo envelhecimento e mudanças hormonais não vem
na forma de uma queda vertiginosa, mas é como se len-
tamente suas forças fossem tomando outros contornos.
Há quem fique apavorado com a possibilidade de
seguir para mais perto da morte. Porém, isso não tor-
na você menos importante ou impotente.
Seu corpo enfraquece, mas você ganha eficiência
na medida que não se desgasta com qualquer assunto
e não se expõe à excessos desnecessários, afinal, cada
respiração é valiosa daqui para frente.

Fim dos caminhos seguros


Agora todos os scripts que a sociedade podia

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Estou ficando velho

oferecer sobre status, poder, realização profissional,


relacionamento amoroso (ou a falta dele) e família
estão encerrados.
Na prática, seria o equivalente a dizer que você
zerou o jogo. Ninguém vai se atrever a perguntar se
você vai casar ou não, ter outro filho ou não.
Essa perspectiva sem perspectiva, ao contrário
do que possa parecer, é uma página em branco para
resgatar coisas que foram deixadas no meio do cami-
nho. Hobbies, sonhos, momentos que podem ser res-
gatados estão potencialmente mais disponíveis.
Agora, a trilha daqui para a frente é por sua con-
ta. Sem prestação de contas, sem ilusão de superpo-
deres, machezas e capacidade de provisionar o con-
forto do mundo. Todo o peso que carregava nas costas
pode ser redimensionado para a vida interior.

Você não será mais o centro


As pessoas vão lentamente se importando me-
nos com você, essa é a verdade.
A imagem do envelhecimento atinge o imaginário
do mundo ocidental de maneira perturbadora. Tudo o
que envelhece parece mais dispensável. Em muitas pes-
soas o que a velhice suscita é um afastamento antecipa-
tório para não ter que lidar com a perda derradeira.
Agora, o que vai cativar de verdade não é o que
você tem na conta bancária (ainda que isso possa inte-
ressar para muitos) e sim o tipo de personalidade que
desenvolveu. Daqui para frente quanto mais aberto

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Estou ficando velho

você estiver, mais receptivas as demais pessoas serão.

Profundidade
Muitas pessoas que seguem para a terceira idade
se queixam de terem relações frágeis. Em especial os
homens parecem ser lentamente colocados de escan-
teio. Mas pense na realidade dos fatos e no tipo de ho-
mens que conhecemos e envelheceram. Eles eram per-
sonalidade carismáticas ou se valiam da força? Eram
generosos ou compravam atenção com presentes?
As relações que você terá são as que construiu
com o tempo. Quanto mais superficiais, mais frágeis
serão os vínculos. Nessa etapa da vida, potência pes-
soal tem a ver com profundidade e não com força.

Sabedoria
Esperteza, força bruta, potencial de trabalho,
mão na massa normalmente são as ferramentas das
quais um homem se gaba.
Mas quando estas vão cedendo (mesmo para
quem queira apelar ao modelo de Abílio Diniz, utili-
zando-se do que existe de melhor e mais caro na me-
dicina), é melhor ter estratégia do que braços. É mais
inteligente ser um influenciador, para que os outros
ocupem o lugar que lhe pertencia.
Seu tempo precisa ser melhor gerido, assuntos,
pessoas e atividades que não contribuam muito para
o seu bem-estar global (e dos outros) começam a não
fazer sentido. Chegar nesses critérios é um exercício

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Estou ficando velho

diário de dizer não com elegância. Você não envelhe-


ce e descobre subitamente como fazer isso.
Para contratempos e adversidades já não é o jei-
tinho e agilidade que funcionam, a questão é entrar no
terreno dos sêniores, conselheiros, estrategistas, sábios
que podem intervir da posição de quem lentamente vai
adentrando um espaço de maturidade pessoal.

Fracasse com alegria


Quantas vezes, olhando para trás, você se percebeu
estabanado com seus problemas, falhou miseravelmen-
te e depois, com o tempo, olhou pra trás e riu daquilo?
Sua versão futura fará o mesmo com você sobre hoje,
então, antecipe-se. Ria de suas próprias seriedades.
Rir de si mesmo é um tipo de reenquadramento
muito saudável para ganhar perspectiva de nós mes-
mos. A rigidez, a vontade de provar o valor pessoal,
de ser admirado por suas conquistas pode transcen-
der para um lugar mais arejado. O quebra você ganha
mais fôlego, bom humor e um tipo de olhar simpático
para suas próprias dificuldades.

Legado
Existe um grupo de pessoas que participaram do
cenário global, chamado “The Elders”. Foi inspirado
por uma ideia de Richard Brenson (da Virgin) e do
cantor Peter Gabriel. Originalmente era composto por
Nelson Mandela, Jimmy Carter, Fernando Henrique
Cardoso e Desmond TuTu.

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Estou ficando velho

Todos na lista foram homens vitoriosos em suas


áreas de atuação e, agora, agem em questões delica-
das que as demais esferas públicas e privadas não tem
coragem de tocar, afinal, ainda dependem comercial
e ideologicamente da aprovação do grande público.
A ideia de que as pessoas mais velhas tem li-
cença poética para flatulência em público ganhou di-
mensões mais densas com esse grupo. Eles colocam
o dedo na ferida em questões como aborto, combate
a drogas, mutilação feminina em certas culturas, e
fazem isso porque podem.
Um homem, quando começa a atingir essas esfe-
ras suprassociais, pode lentamente se tornar alguém
engajado em questões que vão além de seus interesses
pessoais.
Alguns demoram a perceber que estamos sempre
passando o bastão para a geração seguinte, colocan-
do um tijolo no qual o outro parta dali para melhorar
o mundo como um todo.
Comece no seu quintal, entregue lentamente o
bastão e agora comece a construir um espaço de tro-
ca, reciprocidade, mas sem aquele peso de que os ou-
tros obedeçam. Entre no reino dos avôs de espírito.

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Sou virgem
Por Frederico Mattos

Passei um longo tempo me debatendo com minhas


virgindades. Até os 15 anos não tinha beijado nem la-
ranja ou água de torneira (métodos consagrados para
aprender mobilidade lingual) e, por pura compaixão,
uma amiga resolveu minha angústia. Mas ficou nisso.
Nem a iniciativa eu consegui tomar.
Depois, passei um novo período de seca de mais
ou menos 7 anos. Sim, meu caro, beijei de novo só
aos 22 anos, na faculdade, com minha primeira na-
morada – fase em que me descobri sexualmente, aos
trancos e barrancos.
A sensação de ser o último da fila e não ter nada
para trocar quando o assunto é sexo realmente é per-
turbadora.
Mas vale entender que a atividade sexual começa

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Sou virgem

muito antes de levar alguém para a cama e tem a ver


com a forma como você leva a vida, de um modo geral.
É nesse ponto que quero me apoiar.
Para quem se acha mestre no assunto, esse capí-
tulo pode parecer óbvio, entediante e didático.
Então, se esse for o seu caso, sugiro passar adian-
te ou recomendar para algum amigo que está vivendo
essa aflição.

Antes, um alerta: pornografia é uma coisa,


sexo é outra totalmente diferente
O que acontece nos Pornhubs da vida é o mesmo
que em qualquer filme ruim: um retrato caricato da
realidade.
Com isso, não quero dizer que não exista boque-
te, sexo anal, vaginal e nem que não se possa ter a in-
tensidade e a duração dos filmes, mas o contexto no
qual as coisas acontecem na realidade está longe do
que se vê nos pornôs.
De um modo geral, o que vemos é um reducionis-
mo, como se todo o ato sexual se resumisse ao clímax
da penetração e do orgasmo, ignorando ou tratando
como secundária toda a engrenagem do desejo, corpo
e mente.
Ali, na hora do vamo ver, se a sua noção sobre o
que é o sexo está pautada pela pornografia, as chan-
ces de frustração são grandes.
Então, a dica preliminar é: esqueça o que viu na
pornografia.

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Sou virgem

Para antes do sexo


É, de certa forma, compreensível que você tenha
receio, fique acuado, com a possibilidade de se apro-
ximar de alguém ou de visualizar alguém tendo inte-
resse sexual na sua figura.
Mas a menos que você contrate um(a) profissio-
nal, se quer transar, precisará gerar em alguém o de-
sejo de se relacionar com você.
Para que isso aconteça, é importante notar que
o sexo começa no tipo de vida que você leva. Todo o
seu “marketing” na hora da paquera vai partir disso.
O “poder pessoal” que gera a atração vem da vita-
lidade, do brilho, da energia que você manifesta. Claro,
o desejo sexual tem mil motivações e nuances, tanto
que acaba sendo difícil simplificar ao ponto de poder-
mos ter um texto curto sobre isso, mas entre outras
coisas, essa é uma das bases do que deixa uma pessoa
acesa por você.
Portanto, deixe qualquer palidez de lado, pegue
sua vida nas mãos e faça algo com ela. Comece bus-
cando atividades que deixem você feliz e façam correr
o sangue nas veias. Gosta de música? Matricule-se em
alguma aula de violão ou canto. Gosta de escrever?
Que tal um curso de escrita criativa? Que tal uma aula
de dança? Ou, talvez, tentar comprar uma bicicleta e
fazer umas trilhas no meio do mato. Considere sair
do seu lugar comum, desafie-se.
Não se deixe levar pela inércia. Quando a apa-
tia já está implantada, cada minuto é hora de virar a

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Sou virgem

chave e dar a partida na direção da mudança.


Em especial vale pensar, se você ainda mora
com seus pais, em morar sozinho ou dividir um lu-
gar com um amigo. Também vale uma mudança de
postura com as suas questões, se achar necessário.
Pare de esperar dos outros respostas mágicas, cui-
de dos seus próprios problemas, pague suas contas,
lave sua roupa, não deixe acumular louça suja, lite-
ral e metaforicamente.
Essa ousadia em tomar as rédeas da situação dei-
xa você disponível para encarar o desconhecido, pois
se tiver sempre acostumado a ficar no ninho, prote-
gido, jamais enfrentará situações inusitadas ou con-
trariedades.
As pessoas não são seres devoradores de homens
inseguros. Elas estão, como qualquer pessoa, buscando
sua própria felicidade e bem-estar. Ninguém é tão peri-
goso quanto parece e, como você, elas também se sen-
tem inseguras, entediadas em algumas situações, espe-
rando por algo diferente acontecer.
Todo mundo pode parecer muito sorridente e re-
alizado, mas saiba que o medo da rejeição, em geral,
é mútuo.

Sexo é enredo e contexto
Você tiraria a roupa diante de uma pessoa que
não confia, não se interessa ou sem ver sentido em
compartilhar tesão, fluido corporal e prazer? Faça
essa pergunta antes de ficar inconformado com a

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Sou virgem

seletividade dos outros em relação ao sexo. Se você


quer transar com alguém, a última coisa que deve
acontecer entre vocês é existir aquele clima de ele-
vador.
Isso quer dizer que o contexto em que uma aborda-
gem começa é fundamental para que, no fim, vocês
se divirtam juntos e tenham experiências enriquece-
doras para ambos.
Saber conversar com curiosidade, criando inte-
resse mútuo é uma arte que você vai ter de desenvol-
ver. Treine isso em contextos não-sexuais, se facili-
tar seu caminho. Tenha amigas (ou amigos) e perca
o medo de conversar com elas. Assim perceberá que
elas, para sorte da maior parte dos homens, são mais
amistosas e queridas do que uma mente mais inse-
gura pode pensar.
O interesse pelo sexo costuma surgir em decor-
rência de um bom clima emocional e, nesse campo, é
preciso equilibrar desejo e ternura, força e vulnera-
bilidade, ação e mistério. Só uma coisa ou outra não
facilita o encontro sexual. Você precisa ter a mínima
capacidade de perceber o clima presente.
Ficar preocupado só com o que você quer não vai
ajudar a detectar se as coisas estão fluindo ou não.
Isso também é treino. Comece reparando em contex-
tos não-sexuais como as pessoas se olham, conversam
e movimentam para identificar quando elas estão in-
teressadas, agitadas ou apáticas.

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Sou virgem

Nem tudo é mágica, há que se cuidar da


logística
Para que tudo isso aconteça é importante pensar
também em logística.
Na maior parte das vezes a primeira transa acon-
tece em qualquer buraco, do jeito que dá. Mas se ele
for fruto de um encontro bacana, você pode conside-
rar o contexto do antes, durante e depois.
Conheça lugares como parques, restaurantes e, se
quiser matar a curiosidade, vá a um motel, pague um
horário só para conhecer. A surpresa pode ser um
elemento estimulante para alguns, mas para outros
pode travar ainda mais.
Considerando a complexidade e ansiedade que
pode ocorrer em uma primeira vez, ter o máximo de
familiaridade com o ambiente pode ajudar.

Sexo é mental
A maior queixa de homens que broxam, têm eja-
culação precoce ou qualquer outra disfunção sexual, é
que perderam a percepção de que o sexo é essencial-
mente uma manifestação, uma concretização do que
acontece na mente. Ansiedade, tensão, preocupação e
distração criam um sexo fraco, sem foco, acelerado.
Se você tem pouco conhecimento de como sua
mente funciona, pode começar reparando no seu dia-
-a-dia, na forma com que se movimenta, come, con-
versa com os outros, trabalha e vive. Seu desempenho
nessas atividades é uma manifestação do estado da

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Sou virgem

sua mente. Se você come como um maluco acelerado,


conversa de forma truncada e confusa, se relaciona de
maneira aflita e egocentrada, seu sexo será ruim.
Ou seja, você dificilmente vai conseguir explorar a
riqueza de possibilidades disponíveis.
Se você é o tipo de pessoa que só faz aquilo que
gosta e vive enclausurado no seu mundinho imaginá-
rio, sem se relacionar com as outras pessoas e suas
diferenças, sua forma de transar será apenas ejacu-
latória, sem brilho. Você precisa estar disponível,
aberto e energizado. Não é se masturbando que você
desenvolverá isso, mas melhorando a qualidade de
sua mente.
Aqui tem um link com 13 dicas de textos para
explorar suas possibilidades.

Sexo é corpo relaxado e vivo


Apesar de envolver um jogo mental, seu corpo
está diretamente envolvido no sexo – e não é por cau-
sa do seu pinto, antes que pergunte.
Prepare-se para isso, cuide de sua alimentação,
durma com qualidade e faça algum exercício para
ter fôlego, força e ritmo. Na hora, lembre que pre-
cisará ter força nos braços, pernas e abdômen para
fazer os movimentos e sustentar posições, mesmo as
mais básicas. Sem nenhum preparo aeróbico, perde-
rá o fôlego na primeira chacoalhada e não consegui-
rá seguir em frente.
Para ficar pelado na frente de alguém é preciso

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Sou virgem

que goste do que vê, mesmo que não faça parte de


um ideal de beleza, pois isso também (não exclusiva-
mente) excita e alimenta fantasias.
O mais importante é entender que o seu desejo
é um poderoso mobilizador do corpo e, se não tem o
hábito de reparar como sua energia oscila, não sabe-
rá como lidar com ele.
A maior parte dos homens está tão focado no
pinto que se esquece que a conexão com a parceira
acontece na combinação entre o movimento sutil e
concreto. Na preocupação com a ereção, às vezes o
cara fica tão autocentrado, cheio de medo e reprimi-
do que não sente o fluxo da energia que sobe e desce
pelo corpo desde os olhos, mãos, boca, tórax, quadril,
pernas, pênis, nádegas. Repare como isso acontece de
forma truncada na masturbação simplesmente por-
que a trata como uma mera descarga de gozo.
Um bom experimento pode ser tirar meia hora
para se masturbar com calma, imaginando todo o en-
redo do sexo, desde a hora que conhece a garota, con-
versa com ela, brinca, se entrosa, se diverte, depois
levando ela para o local onde tudo acontecerá, a che-
gada, os beijos e carícias preliminares, a roupa sen-
do tirada (com força e/ou delicadamente), a penetra-
ção, o orgasmo, o carinho pós-sexo e aquela conversa
meio estranha e meio íntima.
Nessa masturbação completa, repare o que au-
menta e diminui a energia e o que desconcentra você.
Isso já são pistas de que se não consegue ficar meia

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Sou virgem

hora sem se distrair loucamente, talvez precise trei-


nar a estabilidade da sua mente.

Como desenvolver suas habilidades sexuais


Ao deixar que seus desejos sejam bem-vindos,
eles também conduzirão suas mãos, sua boca e todo o
resto na direção do outro corpo. Se tem tabus quan-
to à legitimidade do sexo, isso vai bloquear o livre
fluxo dessa sinergia e sua sensibilidade corporal fi-
cará comprometida por uma mentalidade castrada,
reprimida e medrosa de se soltar frente ao próprio
desejo.
A falta de “pegada” surge desse conflito externo.
O sexo é uma prática paradoxal, pois envolve ha-
bilidades mentais e físicas aparentemente contradi-
tórias. Ou seja, se você for uma pessoa metódica, ob-
sessiva, incapaz de aceitar contradições, tem maiores
chances de ficar bloqueado na hora H.
Se achar que só força resolve, perde o poder da
delicadeza, do toque afetuoso que desliza pelo corpo
da outra pessoa.
Se só consegue intensificar os estímulos, não sa-
berá a hora de relaxar e afrouxar o ritmo.
Enfim, se você não está familiarizado com essas
operações mentais no dia a dia, elas faltarão a você
na cama.

***

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Sou virgem

Tentei falar do modo mais básico das questões sutis


que podem surgir para quem está começando na cama.
Porém, há uma imensidão de aspectos para abordar.
Ainda assim, o sexo, apesar da aparente comple-
xidade, também é muito intuitivo e simples de viven-
ciar. Animais fazem isso sem muito córtex cerebral,
mas como somos humanos e interceptados pela nos-
sa mente, o sexo virou algo mais que uma ação pura-
mente biológica.
Em essência, sugiro desenvolver um coração sim-
ples e sonhos incríveis, sempre se dando uma segun-
da chance para cada tropeço. O desejo que acontece
no sexo começa antes de tudo pelo desejo pela vida.
Não esqueça que as pessoas fazem parte disso. Quan-
do você estiver suficientemente conectado a elas, em
algum momento, uma bela trepada acabará surgindo.

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Não tenho mais ereções
(estou ficando brocha)
Por Frederico Mattos

Falar de pinto é falar de tudo, menos pinto.


Dizem que os homens pensam com a cabeça de
baixo. Eu discordo, pois a cabeça de baixo tem uma
certa sabedoria que a cabeça de cima muitas vezes
não tem.
O pinto depende de uma fina sintonia com a men-
te do seu dono, já que não é um músculo como os ou-
tros, que reage pela força de uma vontade mecânica
consciente.
Ereção tem muito a ver com desejo, relaxamen-
to, criatividade, presença, paixão e, por que não di-
zer, humildade.
Sim, orgulho e presunção fazem o pau cair como
uma azeitona murcha, enquanto a humildade de um
homem o deixa duro como uma rocha.

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Não tenho mais ereções

Existem causas mais óbvias e outras menos evi-


dentes para a famosa broxada. A idade, níveis de es-
tresse, distúrbios hormonais, hábito de fumar, falta
de atividade física, etc, podem influenciar na quali-
dade da ereção. Portanto, é importante saber se não
há, além das emocionais, causas orgânicas para o dis-
túrbio erétil. Vou falar por ordem de profundidade,
da causa mais aparente até a mais inconsciente, que
pode ou não existir em conjunto com outras (orgâni-
cas ou psicológicas) em um mesmo caso.

Mau treino
A iniciação sexual da maior parte dos garotos
acontece com a masturbação e, nela, ele tenta firmar
sua fantasia pessoal.
Imagens fragmentadas de mulheres diversas vão
compondo sua mente frágil que, literalmente, trans-
forma mulheres inteiras em fragmentos de estímulos
mentais precários. Agora imagine um garoto acostu-
mado a desejar imagens mastigadas e sem vida em
suas jornadas onânicas se deparando com uma mu-
lher de verdade.
Aquele cara acostumado a se debater com revis-
tas e filminhos pornôs (que são uma amostra abso-
lutamente falsa da realidade sexual) se depara com
uma complexidade encantadora em forma de gente,
chamada mulher. Não há coração que resista.
Os anos de mau uso do seu pinto, acostumado
a masturbações fechadas no seu mundinho de ritmo

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Não tenho mais ereções

e “necessidades” particulares acabam minando con-


centração relaxada necessária para sustentar o pinto
em pé.

Medo da ejaculação precoce


Por decorrência de uma mentalidade instrumen-
tal, que vê a mulher como uma ferramenta para o seu
desejo e esquece de valorizar um mínimo de intera-
ção e afetividade, muitos homens avançam com muita
sede ao pote. Sede demais e não de uma forma boa.
Essa afobação misturada com ansiedade causa
uma sobrecarga de desejo que quase “obriga” o cor-
po a desaguar numa ejaculação precipitada e fora de
hora. Pelo fato de que só a sua mente estar ali, apres-
sada, autocentrada e preocupada com desempenho,
o seu corpo te boicota.
É como se o pinto dissesse:
(Leia com voz de pinto)
“Ei. Amigo. Olhe para a garota, cara. Pare de
imaginar e sinta a alegria, o toque, o cheiro e o gos-
to dela. Se você não sair da sua mente e se voltar ao
corpo, eu é que caio fora. Vacilão.”
Normalmente, a mente sucumbe nessa pressa de-
sorientada e, por medo de gozar rápido, o sujeito broxa.

Muita cobrança
A indústria do Viagra nunca foi tão próspera,
principalmente entre jovens temerosos de parecerem
menos vorazes do que o suposto ideal de homem ga-

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Não tenho mais ereções

ranhão propõe. Essa fantasia idealizada de si mesmo


é um tiro no próprio pé e cobra caro por tanta prepo-
tência. Ou pré-impotência?
No auge do egocentrismo de quem quer se au-
toafirmar por meio da sexualidade viril e de transas
intermináveis, a broxada é quase uma consequência
natural. Sob risco de parecer fraco, ele não pode fa-
lhar, e exatamente por essa pressão cria as condições
para a ansiedade e a falta de concentração se instala-
rem. Aí é que falha mesmo.
O homem que está centrado em si ainda não en-
tendeu que o sexo é uma interação entre duas pessoas
prontas para descobrir caminhos que não têm trilha
certa. É uma jornada em que cada um começa com
seu kit básico de sobrevivência, mas vai aprendendo
a improvisar movimentos criativos à medida que as
necessidades e oportunidades aparecem.
A mentalidade brasileira tem uma rachadura:
achamos que sexo é assunto instintivo e natural.
Além disso, padecemos de “coitocentrismo”: desco-
nhecemos que penetrar a parceira não é o aconte-
cimento principal, e o pinto não é a estrela exclu-
siva do show. A maior parte dos homens, e muitas
mulheres, também, colocam uma ênfase exagerada
no pinto duro e se esquecem que dedos, línguas e o
corpo como um todo são uma fonte inesgotável de
sexualidade.
Os casais com mais tempo de relacionamento
desenvolvem outras formas de interação sexual para

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Não tenho mais ereções

além do tesão imediato, já que o ponto de fervura é


mais demorado. Então não é qualquer calorzinho que
precipita o sexo, e sim interações mais sofisticadas –
que muitos homens simplesmente ignoram por achar
que bastaria um pinto duro.

Sobrecarga mental
De modo geral, nós homens somos educados de
forma exteriorizada e sem muito repertório emocio-
nal. Isso nos faz ter uma praticidade essencialmente
racional e pouco emocional/corporal. Se a excitação
e o sexo dependem de um corpo ativo e presente, não
basta um punhado de imaginações para que o corpo
reaja.
Na hora do sexo, se o homem não está fisica-
mente aterrado no seu corpo e tem a energia dividi-
da com preocupações, trabalho, desempenho na vida
e perda de potência social, a broxada é certeira. Se
ele está emocionalmente dividido com outra mulher
ou simplesmente se sente impotente para ativar o
desejo da parceira, sua presença é fraca.
Muitos homens ficam excessivamente preocu-
pados em agradar a mulher que se desconectam do
tesão que flui pelo seu corpo, não respiram, olham
para a mulher e se fecham na mente conturbada.
O desconhecimento do que ativa sua parceira
também prejudica nesse sentido, já que não enten-
deu que a sexualidade começa muito antes da cama e
termina muito depois.

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Não tenho mais ereções

Medo da homossexualidade
A sexualidade humana não é um caixote fechado.
Com graus mais ou menos evidentes, o espectro da
sexualidade varia entre muitos tons. Na maior parte
das vezes eles passam por um filtro da consciência,
que avalia o que parece mais adequado ou não mani-
festar, segundo os (pre)conceitos vigentes.
O afeto por pessoas do mesmo sexo, que viemos a
chamar de homoafetividade, está presente em maior
ou menor grau em qualquer pessoa, embora não ne-
cessariamente de forma sexual (você tem afeto pelo
seu pai ou seus amigos, não?).
Homens chamados heterossexuais, vez ou outra,
admitindo ou não, experimentam sentimentos homoa-
fetivos quando projetam em figuras públicas e celebri-
dades o macho-alfa que gostariam de ser. É uma experi-
ência ambígua e até perturbadora para alguns saber-se
fascinado pelo jogador do time favorito como quem ido-
latra apaixonadamente uma figura do mesmo sexo.
Os machões repudiarão esse tipo de ideia com ve-
emência alegando-se imunes a qualquer sentimento
afetivo por outro homem, distinguindo radicalmente
o amor do bróders do desejo sexual. Muitos daque-
les que mais têm necessidade de provar e reafirmar
algum tipo de “valor” estereotipadamente masculini-
zado podem estar escondendo de si desejos que con-
sideram (preconceituosamente) inaceitáveis, repro-
váveis e proibidos. Agem com uma contrafobia de si
mesmos em que renegam qualquer tipo de impulso

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Não tenho mais ereções

fora de seu controle ou visões pessoais limitadas.


Quem está se afogando é que implora por ar (e
fala de ar) o tempo todo; para quem está em paz com
sua respiração, o ar nem é um questionamento. Digo
o mesmo da sexualidade.
Essa nuvem que pode estar sobrevoando o in-
consciente dos que reafirmam sem parar sua mascu-
linidade (don juans e garanhões “convictos”) é um
tipo de sentimento obscuro até para seu portador,
que pode nunca vir à tona racionalmente, mas está ali
presente, se expressando no corpo flácido e “caçoan-
do” de sua virilidade quando ela tem que levantar o
mastro da bandeira e “provar” que é hétero-campeão.
Alguns recusam uma vida mais plena com a homos-
sexualidade camuflando-se em relacionamentos de
aparência e praticamente assexuados.

Medo do feminino
O receio da desaprovação feminina é um dos
medos mais comuns e mais negados pelos homens.
Quase toda nova mulher que surge na vida de um
homem remete inconscientemente às fantasias pri-
mitivas de todas as mulheres com quem ele já se
envolveu afetiva e sexualmente. Cada uma compôs
uma nota na sua música-tema emocional, e a primei-
ra nota feminina registrada no corpo de um homem
é de sua mãe (ou cuidadora).
Se essa relação foi marcada por ansiedade exa-
gerada, pressão para agradar, medo excessivo de per-

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Não tenho mais ereções

der o afeto e confusão emocional, a marca deixada no


psiquismo do homem é da mulher como uma figura
ameaçadora.
Imagino até que a tentativa vital do homem se
sobrepor às mulheres advenha desse ressentimen-
to primitivo de submissão ao seio materno. Essa voz
doce que embalou seu berço com amor tinha um tom
simultaneamente onipotente. Sua existência depen-
dia dela e toda a autoimagem que ele construiu de si
mesmo foi pautada por essa relação, que é reencena-
da a cada novo contato com as mulheres.
Qualquer mulher que esse homem julgue pode-
rosa (por ser mais bonita, interessante, inteligente,
rica ou sociável) quando adulto pode remeter a uma
imagem que evoca em suas fibras mais ocultas o mes-
mo amor/pânico do filho de corpo frágil, vulnerável
e rendido em relação à mãe. Não é uma surpresa que
muitos homens recuam diante de uma mulher cheia
de iniciativa e poder pessoal. É dessa condição primi-
tiva de jogos de poder marcadamente infantil que ele
precisa se libertar para se tornar um homem adulto e
que não vê sua mulher como uma competidora, mas
uma parceira de vida e de cama.

***

Não é com o pinto que o homem se debate e bro-


xa, mas com a autoimagem megalomaníaca que ali-
menta de si mesmo.

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Tenho ejaculação precoce
Por Frederico Mattos

“Hey! Está difícil lidar com o prazer. Eu fico agi-


tado, apreensivo, hiperestimulado. Pensamentos in-
controláveis invadem minha cabeça e não consigo
relaxar, quanto mais administrar o desejo.
Estou meio impressionado. Existem forças inter-
nas que me impedem de ficar em paz. Às vezes é medo
ou afobação. Acho que a parceira me intimida com
suas vontades e acabo me sentindo frágil, acuado.
Gozar é quase um alívio que tira dos meus ombros a
pressão gigante de ser uma fonte de prazer.
Confesso, me sinto uma criança no que se re-
fere a sexo. Ainda que eu tenha que ser incrível, no
fundo, eu me apresso, pois sinto uma força se perder
rapidamente dentro de mim. Dou um grito de prazer
antes de desfalecer, afinal, broxar seria humilhan-

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Tenho ejaculação precoce

te. Quando dou por mim, é isso que acontece: o gozo


seco que não chega nem mesmo a ser um orgasmo.
O efeito emocional é o mesmo de broxar.
Impotência diante do que deveria realizar e não
consegui.”
Essa pseudodescrição em primeira pessoa da eja-
culação precoce tem muitos assuntos embutidos.
No fundo, o desejo sexual, base de uma das maio-
res fixações e aflições masculinas, ainda é um grande
desconhecido. O motivo é simples, mas não exata-
mente óbvio.
A sexualidade masculina padrão é bastante esti-
mulada por projeções externas ao corpo. Por exem-
plo, se há uma garota bonita ao alcance dos olhos, eis
o que é preciso para o desejo surgir. Estímulos visu-
ais, auditivos, sensoriais. Esse é um dos motivos pe-
los quais a pornografia vem “socorrer” homens que
sofrem de dificuldades para fazer brotar e sustentar
tesão. Quanto mais hardcore a exposição ao sexo,
maior a garantia de excitação. Na vida real, claro, a
equação não fecha.

O confronto com a realidade


Em geral, é uma cadeia de eventos internos e ex-
ternos que cria as encruzilhadas nas quais a libido se
perde e deixa de fluir da mente para o corpo, para a
prática e para o parceiro (ou parceira).
É muito comum que homens se habituem a blo-
quear emoções. Não é de se estranhar que o desejo

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Tenho ejaculação precoce

também seja afetado e, de alguma forma, colocado


em um ponto inacessível.
O desejo treinado por fontes extrínsecas de gran-
de intensidade, como a pornografia, gera uma certa
dependência de um gatilho visual, pouco emocional e
sem corpo.
Na hora do sexo real, essa libido visualmente
condicionada perde potência. Ela não tem base in-
terna, carece de familiaridade. Quando o desejo sai
da esfera da fantasia e ganha corpo, passa a não mais
depender de fatores como peito, bunda, vagina, e sim
de equilíbrio emocional. Sem isso, o desejo se des-
controla e explode. Ejaculação precoce.
Pode parecer uma teoria complicada de entender,
mas não é raro que essa pressão aumente quando o ho-
mem realmente se importa com a parceira, em quem
projeta sua necessidade de performar com excelência.
Em parte, essa é a razão de muitos homens não
entrarem em relacionamentos sólidos. Fica difícil não
expor suas fragilidades afetivo-sexuais.
Aqui eu listo alguns dos obstáculos mais comuns
quando o assunto é ejaculação precoce.

Apatia afetiva
Se uma pessoa passa dias, semanas, meses e anos
ignorando suas próprias emoções, de que forma po-
deria ter o apoio delas na hora de transar?
Sexo e desejo, emoções e contradições, frustrações
e euforia não habitam zonas independentes na mente.

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Tenho ejaculação precoce

Elas estão todas misturadas. Alguém que se recusa a li-


dar com elas acaba pagando um preço alto quando está
na frente de uma pessoa e precisa compassar sua ansie-
dade. Uma mente despreparada vai sucumbir, apressar
o passo, tropeçar e até cair diante de um contratempo.
Para vencer esse obstáculo não há atalhos. É pre-
ciso desenvolver consciência do seu mundo interno,
sem negligenciar ou superestimar os sinais de alarme.
Observar os altos e baixos, como sua mente opera sob
pressão e também em momentos agradáveis.
Com isso, a afobação típica de quem está nu e cons-
trangido por desempenho tende a abaixar com o tempo.

Mente conclusiva-resolvedora
Homens são educados a resolver problemas, ain-
da que não resolvam muitos dos seus. Mas esse hábito
de certa forma dificulta que lidem com situações que
fogem do reducionismo. Não é fácil reduzir o sexo às
alternativas A e B.
O desejo é fluido, imprevisível, indomável. Quan-
to mais tentamos colocar sua trama sob controle, mais
ele vai descompassar. O tesão, acima de tudo, é ho-
nesto. Se há conexão, ele nos movimenta. Se há dis-
tração, ele nos pune com sua ausência.

Utilitarismo emocional
—Por que você vai transar com aquela garota?
—Por que? Pra meter, oras, muito gostosa, que-
ro gozar na cara dela.

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Tenho ejaculação precoce

Pode não parecer, mas essa objetificação tem um


preço. Sem ver a outra pessoa como uma pessoa, não
é possível lidar com a sua personalidade tranquila ou
agitada, perspicaz ou afetiva, intelectual ou passional.
Sexo, não é só o ato mecânico da penetração ou
das carícias. É uma relação de prazer na qual o equi-
líbrio entre instinto e racionalidade precisa estar
bem azeitado. Se o homem transa em virtude de sua
própria expectativa de performance, usando a garota
para provar a potência da sua masculinidade, então
a ejaculação precoce tem grandes chances de ser seu
prêmio final.

Falta de globalidade da interação


Habituados aos filmes pornôs, quase sempre me-
canizados, no melhor estilo britadeira, os homens se
condicionam a imaginar o sexo como uma sequência
oral-vaginal-anal-gozo-na-cara.
Com isso, parece não haver um compasso en-
tre mãos, pescoço, cheiro, abraço, carinho, trocas de
carícias e emoções genuínas. Se o sujeito passa anos
praticando pinto na boceta, na hora do sexo são esses
vícios emocionais que pularão no seu colo, apressan-
do o ritmo da ejaculação e criando afobação.
Em última instância, a ejaculação precoce é uma
antecipação do orgasmo masculino ruim antes da per-
da de potência. Impotência sexual e ejaculação pre-
coce são irmãs siamesas.

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Tenho ejaculação precoce

Fixação infantil
Se um homem adulto ainda está preso em dinâ-
micas emocionais infantis, como o exibicionismo, pas-
sividade ou transformação do desejo em tabu, então a
ejaculação precoce tem mais chances de ocorrer.
As crianças lidam com o próprio desejo com cons-
trangimento, culpa e afobação, afinal, ainda não pos-
suem uma cognição que as permita diferenciar bem
entre fantasia e realidade, tampouco, lidar com o con-
trole pleno de suas ações. A maturidade sexual per-
mite que duas pessoas adultas se relacionem, conec-
tem e gozem sem interdições da sociedade, só entre
elas, num acordo mútuo de troca.

***

A ejaculação precoce abre muitas portas para re-


flexão sobre como a sexualidade masculina ainda está
aprisionada na busca por performance e como essa
ansiedade torna os homens escravos da ereção.
É preciso ir além do sexo na vida, no corpo e na
mente, para que o próprio sexo possa ser realmente
uma relação e não apenas uma fábula.

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Tenho medo de dar
em cima de alguém
Por Luciano Andolini

Desde garoto, você chega nos churrascos de fa-


mília e sempre surge aquele tio bonachão perguntan-
do: “e as namorada?”
À medida que vai crescendo, suas tias ficam meio
preocupadas se passa de um certo ponto e você não
aparece com ninguém em casa.
Os amigos, esses que nunca perdoam, estão sem-
pre zoando, dizendo que você não pega ninguém.
Você resolve se distrair e, quando senta no sofá,
os homens de sucesso, na TV e nos filmes, sempre
andam acompanhados. E, quando não, estão pron-
tos, de peito estufado, sorriso no rosto e aquela frase
perfeita pra chamar a atenção das moças ao redor.
A mensagem (nem sempre sutil) é: vá. Conquis-
te. Cace. Traga a sua presa pra casa.

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Tenho medo de dar em cima de alguém

Não espera-se menos que isso de um homem:


que ele seja um predador.
Diante da demanda para que tenham esse espí-
rito de caçador, muitos homens travam. Pode ser ti-
midez, medo, pressão, ansiedade de performance…
A verdade é que a dinâmica de paquera não é natural
para todos.
Sim, há inúmeros scripts, dicas e instruções que
circulam por aí, ditando o que você supostamente de-
veria vestir, o cabelo e a barba que deveria usar, como
a sua voz supostamente precisaria ser, etc. Mas, ain-
da que essas dicas tenham sua efetividade até certo
ponto, elas não atacam o problema na raiz e, mais
do que os gurus de paquera do Youtube gostariam de
admitir, geram mais bonecos fake repetindo frases
e posturas forçadas do que resolvem a ansiedade de
quem tem essa aflição.

Você não é obrigado


Quando saímos pra nos divertir com os amigos,
não é raro que um clima alvoroçado pela presença de
pessoas bonitas ao redor aconteça.
Na escola, quando nossos primeiros interesses
afetivos aparecem, essa dinâmica entre os meninos
toma a forma de empurrões pra cima das meninas,
por exemplo. Na idade adulta, isso se dá por meio de
pressões sociais mais ou menos sutis. Seja pela com-
petição, quando você vê todos os seus amigos se dando
bem ou até pela zoeira quando você “não se dá bem”.

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Tenho medo de dar em cima de alguém

Às vezes, isso se torna uma pressão interna. De um


“seria ótimo”, isso vira um “eu preciso”, como se uma
questão de vida ou morte tivesse se estabelecido.
É estranho que isso precise ser dito, mas nin-
guém precisa pegar ninguém.
Tem gente que se sente muito confortável fazen-
do esse jogo da paquera, claro, que vestem seu melhor
sorriso e vão pra caça, como manda o figurino padrão.
Mas há outras pessoas que não têm a mesma fa-
cilidade e não querem ter. Há quem tenha pânico de
ir pra baladas ou de conversar com estranhos.
Há quem se sinta à vontade de dar o primeiro
passo e quem sue frio só de pensar.
Entre esses pólos há muitíssimas possibilidades. Você
não é obrigado a proceder de um determinado jeito
só por que seus amigos são assim.

A outra pessoa é igualzinha a você


Quando surge um interesse em alguém, é comum
que seja pela pessoa que achamos mais incrível no
recinto. Somos tomados por uma energia, não conse-
guimos desgrudar os olhos.
Porém, nem sempre isso converte em motivação
pra ir lá e conversar. Às vezes, somos simultanea-
mente tomados por uma sensação de inferioridade.
“Como pode, aquela pessoa tão incrível querer ficar
com alguém como eu?”
Esquecemos que aquele ambiente, seja uma ba-
lada, um bar ou encontro um a um, é tenso pra outras

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Tenho medo de dar em cima de alguém

pessoas também. Talvez, essa pessoa linda esteja tão


desconfortável e inadequada quanto você.
Mesmo que não seja o caso, essa pessoa também
tem inseguranças e receios, dúvidas e questões mal
resolvidas. Pense que, por mais que ela seja linda aos
seus olhos, ela pode não achar o mesmo de si própria.
Ela está ali, mas pode não estar fácil pra ela também.

Ninguém agrada a todos


Nada garante seu sucesso.
Sim, há aquelas pistas de linguagem corporal das
quais a gente tanto ouve falar e pode ser útil estar
atento a elas.
Mas não há como saber, de antemão se a con-
versa vai fluir, se vai haver encaixe, se vocês vão se
beijar e vai funcionar.
A pessoa pode simplesmente não gostar de você
pelos motivos mais banais imaginados. E tudo bem.

As pessoas veem nos outros qualidades


que a gente nem imagina
É comum nos considerarmos inferiores perto de
alguém que conseguiu conquistar nosso desejo. Até
faz algum sentido, afinal... aquela pessoa é maravi-
lhosa, não?
Porém, é importante lembrar que não cabe a você
decidir se a outra pessoa vai querer você ou não.
Os casais mais improváveis se formam todos os
dias. Há quem goste de pessoas altas, baixas, magras,

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Tenho medo de dar em cima de alguém

gordas, de óculos, de cabelo pintado de cores inco-


muns, com ou sem piercing, com ou sem tatuagem,
engraçadas, sérias… Literalmente, há gosto pra tudo.
Além disso, nunca se sabe se essa pessoa vai olhar
e apreciar um determinado traço seu que é justamen-
te a coisa pela qual você se diminui.
No que diz respeito aos mecanismos da atração,
as pessoas são imprevisíveis.

A atração surge pela arte de criar boas


experiências
Essa insegurança dificulta a principal razão pela
qual a atração acontece: nós nos projetamos em dire-
ção àquilo que nos faz sentir bem.
As prioridades de cada pessoa, com certeza, va-
riam. Há quem privilegie o dinheiro, a beleza, pres-
tígio entre certos grupos, bom humor…
Há quem goste de mais desenvoltura, há quem
se irrite com isso.
Por isso, saber como desenvolver uma boa con-
versa, sem endeusar nem demonizar a pessoa, aju-
dando-a a relaxar, a se divertir e aproveitar, já é um
caminho muito bem andado.
A regra de ouro é: oferecer uma boa experiência.
O que isso vai significar na prática vai depender
do seu poder de observação e da sua habilidade em
tornar isso real. Para ajudar com a questão prática,
recomendo o percurso Admirável Xaveco Novo, publi-
cado no PapodeHomem. Em especial, o artigo Como

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Tenho medo de dar em cima de alguém

Podemos Nos Comunicar e Paquerar Melhor, que tem


ótimas dicas para chegar de maneira mais efetiva sem
ser invasivo, considerando diversos ambientes: espa-
ço público, a balada, o trabalho e até mesmo o Tinder
(o que também vale pra outros apps do tipo).

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Não sei fazer minha
namorada gozar
(ou: sou ruim de cama)
Por Luciano Andolini

Se alguém me perguntasse, de sopetão, o que


mais tira o sono de homens, acho que eu apostaria
em “dúvidas sobre sua performance sexual”.
Recebemos muitos e-mails sobre esse tópico. Dú-
vidas sobre brochadas, ejaculação precoce, tamanho
do pênis, mas principalmente sobre como transar bem.
Eu poderia muito bem filosofar sobre a compe-
titividade masculina, o senso de posse, a fantasia de
ser tão bom na cama quanto um ator pornô, as manias
de grandeza, etc. Mas vou seguir por outro caminho.

Sexo não é tudo isso


É muito difícil ouvirmos conversas sinceras so-
bre sexo. Em geral, as pessoas se gabam, como se
fossem máquinas de sexo e sempre que elas vão pra

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Não sei fazer minha namorada gozar

cama, o resultado fosse uma trepada homérica.


Isso não poderia estar mais longe da verdade.
O quarto é onde a verdade mais aparece. As in-
seguranças com o corpo, com o parceiro, com a per-
formance encontram terreno fértil, afinal, é a hora da
verdade, de dizer a que veio. Ali, não há subterfúgio
possível. O desejo se manifesta ou não.
Vivemos uma cultura que foca e apregoa o sexo
como se ele fosse uma necessidade absoluta e que,
se você falhar, é menos humano, uma pessoa pior e
não está cumprindo seu propósito. Sobre o homem,
então, essa necessidade de ter a performance dos so-
nhos bate forte.
Mas o sexo real está longe de ser o que se vê nos
filmes pornô ou se ouve nas rodinhas de amigos no
boteco.
O sexo real é imperfeito, sujo, cheio de paradas,
com brochadas, risadas, sons estranhos. Mas ao mes-
mo tempo é delicioso, pois é uma das formas mais pro-
fundas de carinho e intimidade entre duas pessoas.
Ainda assim, transar está longe de ser esse gran-
de evento que as pessoas, a mídia e a publicidade fa-
zem parecer. Sexo é ótimo, mas é trivial. É importante
parar de romantizar o ato sexual, como se fosse algo
de outro mundo, uma grande prova que exige a nota
mais alta, caso contrário, vamos tratar cada transa
como um vestibular - e sabemos que vestibular é uma
das experiências mais traumáticas da vida.
Pode ser especialmente útil treinar-se para estar

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Não sei fazer minha namorada gozar

confortável, calmo, relaxado, diante do sexo. Estar


pronto para oferecer uma noite gostosa, como uma
companhia agradável, mais do que propriamente al-
guém ansioso por sexo britadeira.

Anorgasmia: o que faz uma mulher não


gozar
Transtornos de sexualidade afetam homens e
mulheres. Ainda que os homens tenham uma dificul-
dade já conhecida de procurar ajuda médica, existe
uma certa liberdade para se falar sobre o assunto.
Para a mulher, por outro lado, há uma longa ca-
deia histórica de processos de repressão. Fatores cul-
turais, religiosos, morais e de educação influenciam
a maneira como elas encaram o sexo até hoje. Para se
ter uma noção, ainda há lugares no mundo que prati-
cam a amputação do clitóris como uma forma de re-
primir o comportamento sexual de mulheres.
Segundo uma pesquisa realizada pela USP que
ouviu 3000 mulheres da faixa de 18 a 70 anos, 55,6%
das mulheres têm dificuldade de chegar ao orgasmo.
Essa dificuldade ou incapacidade de chegar ao
orgasmo é chamada de anorgasmia feminina e pode
ter diversas origens. Pode ser por tabus enraizados,
traumas de abusos, um hábito que se formou de fingir
orgasmo para agradar o parceiro, falta de consciência
corporal, inseguranças com a relação e consigo mesma,
falta de atração, uso de drogas, deficiência hormonal,
depressão, diabetes, disfunções glandulares, etc.

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Não sei fazer minha namorada gozar

Enfim, é difícil definir uma única causa para algo


que pode ser um efeito de diversos outros problemas.
Mas vamos tratar do assunto sob uma certa pers-
pectiva que pode ser útil.

O homem como parceiro


Como já falamos, vivemos uma cultura histéri-
ca quando o assunto é sexo. E, junto a isso, temos a
mania masculina por performance, o desejo em ser o
garanhão.
Muitas vezes, o homem se posiciona de tal forma
a buscar a validação para esse papel. Podemos dizer
(de forma caricata e grosseira) que ele quer ser reco-
nhecido como o garanhão que satisfaz qualquer mu-
lher. Mais pela conquista egocêntrica, autocentrada,
do que por querer que a sua parceira efetivamente
esteja satisfeita. O resultado, nessas situações, é que
nem ele atende aos seus padrões fantasiosos e nem
ela chega a aproveitar a transa, já que se torna só um
veículo pra alucinação dele.
Quando a sua parceira está em dificuldade para
sentir prazer e chegar ao orgasmo, não adianta focar
em performance. A sua persistência pode, na verdade,
piorar tudo.
É preciso sair um pouco da tentativa de vencer
mais esse joguinho e prestar atenção ao que ela sente.
Ouvir, abrir um espaço confortável. Não como profes-
sorzão sabe-tudo, mas como alguém que também quer,
tanto quanto ela, ter uma experiência sexual positiva.

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Não sei fazer minha namorada gozar

Pra isso, é importante não forçar, não tentar


algo que não está acontecendo. Mas ao contrário,
deixar surgir, fluir, ficar confortável com o não-te-
são do momento.
Assim como um homem fica mal ao perceber que
brochou ou que ejaculou precocemente, as mulheres
também se culpam por não gozarem ou não consegui-
rem transar. Então, forçar, insistir, apressar, são as pio-
res formas de interagir com uma situação assim.
Muito melhor é se posicionar como parceiro,
lado a lado.
É comum que dificuldades com o orgasmo não se
resolvam na cama. Pode ser que haja questões ocul-
tas da relação que nunca foram conversadas. Talvez
seja preciso procurar um psicólogo, ginecologista ou
médico para entender o que está acontecendo.
Mas independente do caminho escolhido, é es-
sencial se mostrar pronto para dar o tempo que for
necessário e ser um parceiro que não piore tudo mas
que, ao contrário, esteja disposto a ajudar.
Perder uma noite de sexo não é nada perto da
conexão que pode se formar quando duas pessoas se
unem para compreender o que as faz sentirem prazer.

Ok, mas eu quero dicas para transar melhor


Certo, não vamos decepcionar você.
Aqui tem uma lista com dicas práticas para me-
lhorar suas habilidades sexuais.
Boa sorte!

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Não sei fazer minha namorada gozar

- Fantasias sexuais: a foda começa na sua mente


- Manual da masturbação feminina
- Guia do sexo oral em meninas
- Guia ilustrado do sexo anal
- Guia do sexo virtual para homens

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Sou tímido
Por Frederico Mattos

Tentar se aproximar de uma mulher e travar, não


conseguir falar em público, não ser capaz sequer de
puxar uma conversa trivial, por medo de ser rejeita-
do ou, pior, ignorado...
Sei bem o que é ficar se debatendo nessa tortura
sem fim.
Sou um tímido em recuperação, limpo há 12 anos.
Falo dessa forma pois sinto a insistência desse vício
mental em retornar, dependendo do ambiente.
Vivemos numa época que parece condenar aqueles
vistos como parados ou pouco sociáveis em detrimento
daqueles de sorriso fácil, de postura altiva e de língua
afiada. Mas a coisa é menos preto no branco que isso.
Antes de qualquer coisa, vamos quebrar alguns
mitos.

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Sou tímido

Timidez não é introversão


Você pode ser uma pessoa tranquila, de hábitos
low profile e não ser nada tímido. Sociabilidade sig-
nifica estabelecer relacionamentos saudáveis, usan-
do critérios pessoais. Não é falar com todos e ter to-
neladas de amigos.
Existe uma confusão clássica entre os concei-
tos de introspecção e extroversão versus timidez e
sociabilidade.
Pra começar, uma pessoa nunca em só um dos
extremos. Há um espectro que vai de uma ponta a ou-
tra e tem mil combinações e intensidades possíveis
que vão compor a personalidade dela.
Por exemplo:
O predominantemente introvertido prioriza o
mundo das sensações, sentimentos e pensamentos
que se passam em sua mente. Quando reconhece es-
tímulos externos que aprecie, interage com tranqui-
lidade, ainda que prefira ficar mais calado e reserva-
do. Escolhe passar mais tempo consigo mesmo por
opção e não por medo das pessoas.
O predominantemente extrovertido adora ob-
servar a realidade concreta, palpável, experimental e
que atinge seus cinco sentidos. O introvertido teria a
sensibilidade necessária para compor uma música, já
o extrovertido teria mais facilidade para dançar essa
música. A apreensão rítmica e coordenação motora
são habilidades comuns no extrovertido.
Extroversão e introversão são modos de opera-

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Sou tímido

ção mental distintos, um centrado no mundo externo


e o outro no interno.
Já o tímido tem medo da desaprovação
social e da rejeição. Ele se vê aprisionado num
jogo de forças internas que o impedem de interagir e
se expressar com naturalidade, em especial nas situ-
ações nas quais não tenha controle.
O que convencionamos chamar de pessoa soci-
ável é essa que não tem ou não demonstra os mes-
mos receios e, por acaso, tem uma certa maestria em
suas interações.

Projeção de perfeição
Como já disse em outro texto, costumamos tra-
var ao nos vermos em situações que ameacem nosso
ego e as expectativas que temos de nós mesmos.
O tímido carrega um general interno que o im-
pede de agir, falar e arriscar, sob pena de ser puni-
do por uma dose maciça de culpa e vergonha. Ele se
debate com uma imagem interna de perfeição que só
passa na alfândega mental se tiver com todos os re-
quisitos em ordem.
É comum o tímido afirmar que fica observando,
estudando o ambiente antes de se abrir. Em resumo,
ele fica julgando as circunstâncias e pessoas e vendo
se elas são ameaçadoras ou confiáveis. Esse é um cri-
vo perigoso, pois por trás dessa aparente fragilidade
existe um controlador, julgando as pessoas o tempo
todo, por diferentes motivos. “Esse parece meio ma-

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Sou tímido

luco, não vou falar” e “essa deve ser brava, nem vou
arriscar” ou ainda “essa garota é muito linda, vai
me tratar como um lixo”.
Note a quantidade de julgamentos que podem
ou não ser coerentes com a realidade. Para o tímido,
seus julgamentos justificam e solidificam a ‘sua’ per-
cepção de realidade. Assim, ele segue calado.
Na bolha de realidade onde habita a timidez, as
pessoas são intimidadoras. Mas note que essa hostili-
dade percebida pode ser apenas uma projeção do medo.
Repare que, por exemplo, quando alguém relata algo
como “se vou chegar em uma pessoa por quem tenho
interesse sexual, tudo trava”. Quem trava? A mente
que anseia aprovação incondicional. É ela quem trava
sua habilidade de se comunicar.
A vergonha é a constatação (quase sempre ima-
ginária) de ter contrariado expectativas sociais, como
alguém que perde a honra/amor/consideração dian-
te de um grupo. É a falta de garantia que trava
você.

A timidez não é um traço de personalidade


“Já deixei de fazer muitas coisas por timidez.”
Cuidado com essa afirmação. A timidez não é um
traço de personalidade mas uma disfunção da sua flu-
ência emocional, quase como uma obsessividade por
perfeição associada com negatividade. Não é raro um
tímido dizer algo como “tenho pensamentos negati-
vos com certa frequência”.

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Sou tímido

Não assuma a timidez como um traço ine-


vitável de sua vida. Ela é só mais um jogo de forças
que se reforçam pela sua escolha diária. E, como todo
hábito, pode ser reajustada. Basta treinar o conforto
diante de sensações de quebra, falha, perda, enfim,
imprevisibilidades.
Já ouvi de muitos tímidos uma frase revelado-
ra: “fico com medo do que vão pensar de mim, não
gosto que fiquem me olhando”, ou seja, o centro da
argumentação é:
“Claro que vão olhar para mim e pensar algo
sobre isso.”
Mas será que somos tão importantes a ponto de
nossas opiniões ou gestos serem notados assim?
Choque de realidade: você não é o centro das aten-
ções, meu amigo.
Você não é uma autoridade suprema, incorrigí-
vel. Você tem total direito de falar bobagens, se me-
xer estranhamente ou perder o compasso do assunto.
Ninguém vai deixar de ser amado por conta disso. O
desejo secreto de ser querido e reconhecido, no entan-
to, pode fazer com que você se superestime e... trave.
Agora vamos seguir observando algumas falas
marcantes da pergunta desse artigo:

Quando timidez e arrogância andam lado


a lado
Ouço bastante os tímidos dizerem que são taxados
de arrogantes, antipáticos, antissociais e solitários. Para

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Sou tímido

os olhos dos outros é isso que aparenta, quem vai dizer


o contrário? O tímido não olha nos olhos, mal fala com
os outros quando evocado e foge de trocar impressões
e revelar a si mesmo a todos. As relações com o tímido
costumam ser unilaterais. Os outros se doam e ele só
observa, fechado no seu medo e hipersensibilidade.
Ele impõe mil barreiras para impedir que as pes-
soas o conheçam. A conclusão óbvia que os outros ti-
ram é que ele não quer ser conhecido de fato.
O arrogante não é aquele que pouco se importa
com a opinião dos outros? Você tem deixado as pes-
soas gostarem de você e ouvir o que elas realmente
tem a dizer sobre sua vida? Ou prefere ficar fechado
nesse casulo de autopiedade e falta de valor?
Ponha-se no lugar dos outros que trabalham para
conquistar sua confiança. É como se fosse uma escalada
que o tímido impõe para selecionar os demais. Quem
merece sobe no ranking, quem não merece cai. Pra quê?
Perceba um detalhe simples, os outros não podem
se responsabilizar por tornar o ambiente mais confor-
tável para você. Deixe de esperar figuras maternais e
afáveis a todo momento cercando seus passos.

Qual o método ou treino pra resolver isso?


Experimentação e concretude para sair da sua
caixola e interagir com a realidade.
Encontre pequenas ilhas de segurança e teste a
sociabilização, fale mais que o habitual, ouse novos
caminhos, gestos, ações e palavras já nos ambientes

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Sou tímido

controlados. Aprenda a lidar com rejeições banais


como ligações telefônicas ou recusas em redes sociais.
Depois, se quiser, progrida e saia numa balada, teste
tomadas de foras até criar uma casca emocional con-
tra negativas inofensivas – sim, são inofensivas.
Cumprimente mais as pessoas, mesmo aquelas
que não são tão íntimas e olhe no olho das pessoas
quando fala, mesmo que seja torturante. Sorria mais
vezes, pois nem deve reparar que sua cara costuma
ser sisuda e fechada.
Passe ridículo, tropece de propósito ou algo do
tipo. Note que isso não desfigura sua personalidade.
Quando você passa a brincar com as dinâmicas so-
ciais, aprende que não é preciso ser idolatrado por todos
e ser o centro das atenções para ter confiança e leveza.

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Não tenho amigos
Por Luciano Andolini

Na infância ou adolescência, é especialmente


raro e problemático você ficar isolado. A escola, como
ambiente social, praticamente obriga que você se re-
lacione com outras pessoas. Assim, acaba sendo na-
tural se envolver, criar histórias e fazer amizades com
as crianças que também estão ali.
Na idade adulta, uma boa parte de nós tende a
levar as mesmas relações com algumas novas adições.
Mas ter amigos não deixa de ser crucial.
Quando eles não estão presentes, ou se temos
dificuldades de criar novas relações, isso abre espaço
pra todo tipo de problemas, de uma apatia e desâni-
mo à depressão propriamente dita.
Eu, por exemplo, mudei de cidade em um certo
ponto da minha vida.

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Não tenho amigos

Mudar de cidade é o tipo de coisa que pode ser


o paraíso ou o inferno. Especialmente se a mudança
se dá de uma forma súbita e para um lugar distante.
Em geral, isso envolve também trocar de emprego,
deixar suas coisas para trás, ter de aprender a se lo-
comover em um território com outras regras e, claro,
se deparar com a necessidade de fazer novos amigos,
começar do zero.
Já acompanhei algumas histórias de pessoas que
conseguiram se estabelecer em todos os sentidos, ex-
ceto construir novas relações. E isso acaba gerando
comentários como “as pessoas lá são fechadas”, “é
todo mundo muito frio”. A gente meio que esquece
que logo ali as regras são outras. Os ritmos, sota-
ques, hábitos, referenciais e maneirismos – dos mais
escrachados aos mais sutis – exigem novas maneiras
de se portar e se inserir.
Não é raro justamente a etapa de conhecer pes-
soas e aprofundar o contato ser aquilo que trava, que
simplesmente acaba não acontecendo.
Eu passei por esse processo, me vi totalmente
desamparado da rede à qual eu estava habituado, sem
aquelas noites de sábado com os amigos em algum
dos botecos de sempre. Acredite ou não, faz bastante
falta. É uma sensação de desamparo bem pesada.
Tanto que pode parecer uma barreira intranspo-
nível, essa de voltar a ter um grupo de amigos.
No meio do caminho, pude aprender bastante so-
bre como funcionam esses processos. Pode demorar um

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Não tenho amigos

pouco, mas tem formas de se conseguir chegar lá, inde-


pendente dos motivos que fizeram você ficar isolado.

Repetição como base para se criar conexões


Relações de amizade são conexões muito pro-
fundas. Por vezes, conexões que demoraram longos e
importantes anos para se fortalecerem.
Certos amigos exercem funções que considera-
mos fundamentais. Sempre tem aquele que serve de
ponte e apoio para fazermos as coisas que gostamos,
aqueles companheiros, aquele que sabe ouvir, aquele
que tem sacadas brilhantes e criativas etc.
Esses papéis vão se fundamentando e sedimentan-
do com base nos diferentes encontros que acontecem ao
longo do tempo. Não é da noite pro dia que você passa a
entender que o Arnaldo é um cara tímido e prefere con-
vidar os amigos pra beber em casa a ir pra algum agito.
Ao mesmo tempo, aquele amigo que te estendeu a mão
nos momentos de dificuldade só pôde fazê-lo porque
havia uma relação de confiança antes. Vocês se encon-
traram inúmeras vezes, abriram o jogo em problemas,
comemoraram vitórias juntos. Isso provavelmente de-
mandou noites e mais noites no bar, almoços nos finais
de semana, cursos que fizeram juntos, etc.
A gente adora quando as coisas fluem de maneira
mágica e, subitamente, pinta uma conexão forte ime-
diata. Pode até ser que aconteça, mas colocar isso como
pré-requisito para uma amizade é dificultar o processo.
A verdade é que em geral não vai ser da noite

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Não tenho amigos

para o dia que alguém vai ter uma super relação de


amizade eterna com você. Portanto, não force, não
atrapalhe. Vá com calma, cumprimente, dê bom dia,
puxe uma conversa trivial ou outra, depois faça con-
vites quando achar que cabe, ofereça ajuda nas ne-
cessidades do outro e, assim, as coisas devem paula-
tinamente ir se construindo.

Procure círculos e pessoas com paixões


em comum
Normalmente a gente já faz isso. É o nosso im-
pulso habitual, tentarmos nos conectar com pessoas
que tenham gostos e paixões em comum. E há uma
razão para isso. Ter uma paixão em comum com al-
guém automaticamente abre muitas possibilidades
de conversa e atividades.
No meu caso, falar sobre tipos específicos de mú-
sica, tocar ou ver shows é garantia de longos papos.
O Eduardo Amuri me deu dois exemplos, um
dele próprio quando passou um tempo em Dublin e
de um amigo.
“No meu caso, o que ajudou foi o handball. É
uma paixão minha, eu naturalmente estou aberto e
feliz quando estou dentro da quadra. Quando o foco
daquele círculo é a paixão por algo, os laços de con-
fiança surgem muito mais facilmente.
Somos ruins com palavras e com racionaliza-
ções. Nada como trocar uns murros até que a empa-
tia surja.

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Não tenho amigos

Vi muita gente fazendo isso com música tam-


bém. Tive um amigo que levou um cavaquinho para
a Graphton Street, onde os artistas de rua costumam
se apresentar. Ele chegou perto de um maluco que
tava tocando violoncelo e, entre uma música e outra,
mandou um puta elogio sincero e humilde, dizendo
que ele não falava nada em inglês, mas que queria
dizer que era apaixonado por música também.
E ele passou por lá vários dias, sempre cum-
primentando. Até que tomou coragem e levou um
cavaquinho. No intervalo do show do cara do vio-
loncelo, ele pediu para mostrar uma música, e tocou
uma bem complexa, bem técnica. Mesmo os artistas
ao redor pararam para ouvir. Todos apaixonados
por música.”
A prática de esportes e outras atividades cole-
tivas também são ótimos caminhos. Não é raro que
academias de artes marciais e musculação tenham
churrascos de final de semana que podem ser uma
excelente maneira de se enturmar.

Faça o que você não faria


Entrar em contato com os outros é uma forma
de encontrar não só uma nova pessoa lá fora, mas
também dentro de si. Não só é um jeito de se deparar
com aquilo que permanece adormecido como é uma
excelente oportunidade de se construir de uma ma-
neira diferente.
A gente costuma ter o cacoete de se definir de uma

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Não tenho amigos

maneira e ignorar automaticamente tudo o que está


de fora desse escopo. O resultado são muitos pontos
de fechamento e a eliminação de ganchos os quais as
pessoas podem usar para chegar até nós.
Imagine que alguém o convida para ir a um lugar
que toca forró e você não dança. Se você diz não logo
de cara, perde a oportunidade de ouvir algo diferente,
de aprender a dançar, de se aproximar não só de quem
o convidou como das pessoas que estariam por lá.
O mesmo seria verdadeiro se você negasse um
convite para surfar, de lutar, de mergulhar no rio,
de meditar, de correr em algum parque, de fazer um
curso ou de visitar uma exposição de fotografia, sen-
do que você não entende nada desses assuntos.
Você também pode assumir uma posição ativa
e tomar a iniciativa de fazer essas coisas que nunca
faria. Ir ao cinema sozinho, participar de palestras,
shows, encontros. Muita coisa acontece quando a
gente não depende de ninguém para sair de casa.
Além disso, as pessoas costumam estar muito aber-
tas nessas ocasiões, especialmente se você se colo-
car em uma posição de aprendiz, perguntar e se in-
teressar.

Ouça, seja curioso


“Entrar no mundo do outro é se relacionar com o
que é oferecido utilizando os referenciais dele. Ouvir
entrando em domínios consensuais, se aproximan-
do, acolhendo. Sair de seus próprios preconceitos e

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Não tenho amigos

limites pré-estabelecidos, da mesma forma que uma


pessoa é, de certa forma, obrigada a fazer quando
visita um país com outra gastronomia. Não adianta
chegar querendo feijoada, você acaba sendo obriga-
do a comer o que tem.” –Ouvir além das palavras: o
que é e como fazer
Uma boa parte da noção de amizade vem da sen-
sação de estar próximo, de acompanhar, de ver de
perto. Então, se você percebe que alguém tem curio-
sidade, quer saber sobre você e surge a vontade de
compartilhar histórias, a conexão está feita.
Logo, é importante ser curioso, acompanhar e
entrar na vida dos outros, principalmente nos deta-
lhes mais banais. Como será que anda o processo de
mudança para o apartamento novo? Será que aquele
cara conseguiu terminar de fazer a mesa de pallets
que tinha começado? Ele terminou a pós? Está tudo
bem mesmo?
Cada pessoa está cheia de histórias para contar.
Todo mundo quer ser ouvido.

Ofereça
Se colocar em uma posição de escuta faz com que
você seja capaz de oferecer qualquer coisa que tenha
em mãos de uma forma muito mais eficaz.
Ouvindo, você pode começar a notar e natural-
mente trocar referências, sugerir livros, leituras, fil-
mes, músicas, programações. Você se torna também
os olhos daquela pessoa e enriquece o mundo dela.

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Não tenho amigos

Você também pode oferecer coisas mais palpá-


veis, como ajuda em tarefas do dia a dia, pode pre-
parar um jantar na sua casa, pode ensinar algo, as
possibilidades são infinitas. Quando cheguei em São
Paulo, uma das primeiras coisas que fiz foi ajudar
um amigo mixando o EP da banda dele. Também
emprestei equipamento, fui em algumas sessões de
captação, enfim, ajudei como pude. Hoje, volta e
meia estamos trocando ideias sobre gravação, equi-
pamento, shows etc.
Generosidade, disposição e cuidado quebram
bloqueios muito facilmente.

Abra-se
A melhor forma de conseguir fazer as pessoas se
abrirem e tornar a comunicação mais intensa e ver-
dadeira não é perguntar feito um inquisidor a respei-
to de tudo o que está se passando e sim você mesmo
se abrir, contar sobre o ponto no qual está, o que está
vendo, o que está fazendo, como está se sentindo.
Isso também abre a possibilidade de que as pes-
soas possam ser curiosas em relação a você, que elas
aprendam sobre o seu mundo e comecem a ver ma-
neiras de também beneficiá-lo. Abrir espaço, falar de
coração e dar condições para que o outro se conecte e
comece a vê-lo como alguém com história, com pre-
ocupações, com alegrias e que, assim como ela, tam-
bém está traçando um caminho. Essas também são
formas de generosidade.

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Não tenho amigos

Conecte as pessoas ao seu redor


Quer queira, reconheça ou não, você provavel-
mente está cercado de pessoas que têm habilidades
e interesses diversos. Se você é curioso e consegue
manter um interesse mínimo, é natural que depois
de algum tempo comece a lembrar de alguém que co-
nheceu e que poderia ajudar uma terceira pessoa que
está na sua frente.
Às vezes, pode ser apenas que você perceba os in-
teresses em comum e note que duas ou mais pessoas
com quem já encontrou poderiam ser grandes amigos.
Mais do que apenas pensar nas relações com vetores
apontando para si, você pode se tornar um hub, um fa-
cilitador, alguém que funciona como um anel, ao qual
vários elos se conectam e se encontram.
Dessa forma, é natural não apenas você mesmo
se ver cercado de pessoas, como também perceber a
sua rede se tornando cada vez mais poderosa, à me-
dida em que ela vai se relacionando e se ampliando.

***

Durante a vida adulta, é muito comum nos fe-


charmos em bolhas de isolamento. A gente ouve que
um determinado amigo tem opiniões políticas dife-
rentes, começa a achar que ele é um escroto e se dis-
tancia. Às vezes, nos irritamos por alguma besteira e
já nos afastamos. Até com as relações afetivas, certas
pessoas têm o impulso de já descartar a outra pessoa,

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pela menor contrariedade.
Esse pode parecer o caminho mais fácil pra não
se desgastar, mas as consequências a longo prazo
são severas.
Muito melhor é ampliar as redes, se abrir às di-
ferenças, convidar as pessoas para o seu círculo e se
manter vivo por meio de relações nutritivas.

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Tenho pinto pequeno
Por Frederico Mattos

A identidade masculina, quase sempre, se forma


ao redor do pinto. Desde pequeno, o homem se des-
cobre e se diferencia por meio dele.
O pênis grande é associado ao desejo, potência, vi-
gor, capacidade de realização. Quando você imagina um
homem maduro, completo, é possível que venha como
parte do pacote a imagem de alguém bem dotado.
Por outro lado, o pinto pequeno é visto em re-
presentações infantis, emasculantes, é ingrediente
pra comédia. Basta ver, muita gente tem vontade de
rir, diminuindo quem elas sabem que possui um falo
pequeno.
Mas pra além do peso simbólico individual, te-
mos uma sociedade construída ao redor disso. Nossa
cultura é falocêntrica, criando uma faca de dois gu-

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Tenho pinto pequeno

mes para o homem: ao mesmo tempo que parece em-


poderá-lo, o vulnerabiliza, pois há uma dimensão do
pênis que funciona na absoluta contramão da filoso-
fia de empenho ou força.
Chega a ser um paradoxo da cultura masculina
focada na performance. Quanto mais peso se coloca
sobre o pinto, mais acanhado e desfuncional ele fica.
Criadas na mesma sociedade, as mulheres incorpo-
ram esses valores em relação ao pinto, que é associa-
do ao desejo, à força, à capacidade de dar prazer. As-
sim, mesmo que muitas entendam que o pênis é um
ingrediente do sexo, não sua totalidade, elas sentem
uma rejeição quando percebem que o tamanho não é
proporcional à expectativa.
Sim, é verdade, muitas mulheres terão objeções
de ficar com um homem que não as preencha, seja
em comprimento ou largura. E é preciso respeitar
essa barreira.
Mas há também manobras compensatórias que
trazem para o sexo uma experiência global que vai
além da penetração pura e simples.
Pode parecer o consolo dos desafortunados, mas é
possível descobrir muito da sexualidade sem a pres-
são sobre o pinto.
Vale contar uma história. Certa vez atendi uma
senhora que queria a todo custo ajudar o marido re-
cém-operado de um câncer de próstata a redescobrir
o prazer sem o falo.
Foi uma jornada interessante. Eles tiveram que

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Tenho pinto pequeno

descobrir muitas coisas sobre transar. A primeira de-


las foi de que o pinto duro não era o único sinal corpo-
ral de desejo. A respiração, o olhar, a força ou ternura
também contavam. Eles descobriram que esfregar o
corpo um no outro poderia ser um jeito muito sabo-
roso de vivenciar o desejo.
Em última instância, perceberam que o ponto
definidor de uma boa transa era a alegria e a liberda-
de que imprimiam na dinâmica de casal e que se só
bastasse a mente deles num corpo frágil pelo tempo
isso poderia resultar em sexo sem corpo. Era na von-
tade de se possuírem sem amarras que o desejo pe-
gava fogo. O corpo era um acessório importante, mas
não inevitavelmente indispensável.
Na prática, você terá que descobrir sua força para
além do pênis, ajudar a parceira a não ter medo de
um pinto pequeno. Existem garotas que conseguirão
passar por cima disso e encarar outra proposta de
sexo para além da rola grande e carnuda. E outras
que acharão o desafio muito perturbador.
Mas a reação dos outros em relação a nós de-
pende muito da nossa própria reação. Se há uma se-
gurança interna, um conforto com a situação, a es-
tranheza que o outro possa sentir inicialmente acaba
dando lugar à confiança.
Vale frisar que altura e porte criam expectativas,
mesmo que involuntárias. Parece haver uma crença
popular que cria similaridades entre altura, tamanho
de pé, nariz e mão com o pinto, e isso pode pesar tan-

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Tenho pinto pequeno

to quanto a própria fantasia de que pintos pequenos


são desagradáveis.
Imagine que situação desafiadora que você es-
tabelece, sem querer, para a garota. Quando ela topa
fazer sexo com você, teoricamente, está consentindo
em ter menos prazer na fricção pênis-vagina, para
uma alegria maior sua do que dela.
Você seria capaz de fazer o mesmo por alguém?
Conseguiria ter relações sexuais onde só a outra pes-
soa estivesse se divertindo?
Não é verdade que apenas um pênis grande con-
segue dar prazer. Como já falamos, há outras vias
possíveis. Mas o desafio é brutal quando precisamos
conceder muito de nós pelo outro. Alguns conseguem
transformar a alegria do outro na sua própria, no
entanto, nem todos estão prontos para isso. Alguns
aprendem, outros não.
Claro, dá pra sonhar e idealizar a qualidade que
você não tem. Mas eu acredito na vida possível, em
fazer o melhor inclusive em cenários desfavoráveis.
Você está nadando contra a correnteza da fan-
tasia latino-brasileira do homem caliente e pintudo.
Não se engane, as pessoas têm menos prazer, frequ-
ência e boa performance do que alegam. É compro-
vado que elas mentem bastante sobre sexo.
Os mais exibidos, que se dizem insaciáveis e per-
formáticos, muitas vezes preferem apenas ter a vai-
dade da caçada atendida. Seu sexo é mera descar-
ga operacional do ego. E, mesmo com um pinto que

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Tenho pinto pequeno

preencha os pré-requisitos, essa pessoa tem grandes


chances de desagradar, de ser rejeitada, do mesmís-
simo jeito que qualquer outra.
Não adianta querer ser unanimidade. Óbvio, não
é agradável ser humilhado, mas como eu disse, o seu
jogo de cintura pode mudar percepções. Sua perso-
nalidade será forçada, para seu bem, a se sofisticar e
causar um impacto agradável que inicialmente com-
pensaria o desapontamento estético da garota até que
ela entre na dança. O sexo começará depois que am-
bos seguirem para além da penetração e, assim, vo-
cês poderão se divertir.
Muitas pessoas vivem felizes com seus parceiros
dos mais variados tamanhos. Encontre-a e descubra
uma forma particular de tornar algo pequeno em um
fator engrandecedor da relação.
No ápice da sua desenvoltura você poderá inte-
ragir com esse medo com mais leveza.
A alegria é um aliado, a firmeza cheia de desejo
também.

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Sou feio
Por Frederico Mattos

Na época do colégio, você tinha aquela impressão


latente de que as pessoas não queriam estar por per-
to. Você sai pra tomar uma cerveja, as pessoas vão se
arranjando em grupos, os interesses surgem, casais se
formam, mas isso é distante da sua realidade. Você ten-
ta um emprego melhor, mas as pessoas não parecem te
dar importância. Às vezes, até um simples bom dia não
parece ser retribuído com um sorriso sincero.
De repente, você olha pro lado e vê aquela pes-
soa cheia de brilho, sorriso amplo, olhos vivos, pos-
tura altiva. Quando ela anda, de um lado pro outro,
você enxerga as pessoas propondo parcerias, puxan-
do conversa, desejando-a. Totalmente diferente.
Então, surge a pergunta: será que eu sou feio?
Normalmente as respostas sobre esse assunto

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Sou feio

não tranquilizam a razão. O que vemos por aí é um


monte de frases prontas que tentam mascarar uma
questão terrível sobre a nossa cultura: odiamos o que
é desarranjado ou feio.
Todo o esforço que os movimentos sociais têm
feito para acolher a diversidade e incluir o que pare-
ce fora dos padrões de beleza, riqueza, status, raça
ou gênero é muito positivo.
O problema é que não conseguimos circular ape-
nas nos lugares em que as pessoas adotam essa filo-
sofia inclusiva.
Na dimensão filosófica, é muito desejável incluir
quem está acima do peso ou quem não tem o rosto
simétrico e proporcional, mas na vida prática existe
um resquício maciço de aversão cultural que atinge o
desejo até dos mais receptivos.
O que acontece na vida cotidiana é que as pes-
soas vão se adequando ou mascarando o fato de que
não desejam ou não se sentem tão desejadas quando
o assunto é beleza (ou a falta dela).

Beleza é relativa
A beleza extrema causa uma correnteza de emo-
ções contraditórias.
Ela chama atenção e, ao mesmo tempo, nos lem-
bra que é rara e poucas pessoas podem ter esses be-
los objetos para si.
A maioria das pessoas são do tipo dos não-boni-
tos e dos feios, ou seja, aqueles que foram excluídos

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Sou feio

do círculo de poder estético. Esses precisam, para do-


mar o sentimento de inferioridade, criar uma métrica
compensatória. Ou seja, entre os não-bonitos e feios,
as pessoas podem se ajeitar e encontrar truques esté-
ticos ou psicológicos para desviar das supostas falhas.
Existe um conceito conhecido como capital eróti-
co, que apregoa a boa aparência física como uma espé-
cie de recurso, atribuindo, inclusive, o sucesso à beleza.
O capital erótico é muito controverso porque
numa sociedade que elegeu o esforço pessoal como
parâmetro para o que se considera meritório, aca-
ba vendo pessoas que nasceram bonitas furarem essa
teia sem nenhum esforço.
“Como eu, que me esforço tanto para domar meu
intelecto, não sou tão recompensado como essa pes-
soa bonita que não faz esforço algum?”
No fundo, esse é o mal-estar coletivo. Padece-
mos de uma contradição essencial que recompensa a
beleza, apesar de condená-la moralmente.
Nesse espectro da beleza dos não-lindos, os feios
continuam excluídos, rejeitados como quasímodos da
pós-modernidade.
Quando Lizzie Velasquez, a mulher considerada
mais feia do mundo, fez sua palestra motivacional no
TED falando de como contornou sua feiúra congêni-
ta em função de uma anomalia genética, muitas pes-
soas aplaudiram o que ela disse. No entanto, ela fez
uma ressalva discreta (no minuto 12:05) sobre sua
vida amorosa inexistente.

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Sou feio

A beleza, portanto é relativa no universo dos não-bo-


nitos, já que é possível adaptar o seu olhar para en-
contrar outros parâmetros estéticos.
Quando o elogio se dirige a uma figura como Ge-
rard Depardieu, destacam: “o nariz dele tem um certo
charme”. A beleza relativa é o destaque de um traço
isolado de todo o resto que chama a atenção. A relati-
vidade é um escape mais ou menos desajeitado do re-
ferencial normativo. Mas entre as pessoas realmente
feias não há relatividade, até as mães, que veem be-
leza em tudo o que um filho faz, conseguem perceber
que o filho é feio.
Outro argumento que se utiliza é do gosto pesso-
al, afinal há quem não ache consenso na beleza qua-
se universal da Gisele Bündchen, Angelina Jolie ou
Johnny Depp. Mas o gosto pessoal não escapa à apre-
ciação de que existe beleza ali, ainda que não seja do
seu agrado.

O que importa é a beleza interior


Esse é o discurso mais utilizado para ajudar uma
pessoa feia a se conformar com sua condição estéti-
ca, mas ela já parte de um contrassenso cultural.
Não é difícil notar que vivemos numa cultura que
superestima a aparência e subestima a personalida-
de e as virtudes internas. Basta observar que até as
redes sociais têm foco no apelo visual que as pessoas
podem oferecer. Ganha mais like quem postar a foto
mais bonita.

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Sou feio

Ainda assim, existe uma espécie de olhar condes-


cendente, como se dissessem: “você é feio, mas pode
ser legal, bom, simpático e talvez ganhe um doce no
final. Talvez...”
A beleza interior não é nem mesmo tão recompen-
sada amorosamente. Uma pessoa honesta, agradável,
generosa não é necessariamente mais desejada do que
outra que é fugidia, instável, egocêntrica e imediatista.
Queremos o jogo ganho aqui e agora e, se possí-
vel, sem esforço. Tal qual o que observamos nas pes-
soas bonitas. Então, a beleza é bem vista mas causa-
dora de ressentimento, porque não é para todos.

***

Mesmo entendendo esses aspectos não é possí-


vel fugir tão facilmente do tipo de avaliação sangui-
nolenta em relação à feiura.
Parece que as mulheres são mais tolerantes com
a feiura dos homens. Já o inverso não acontece, os ho-
mens, sejam hétero ou homossexuais, são muito sele-
tivos e exigentes porque costumam ser doutrinados a
desejar corpos. Os homens podem até se encantar ou
apaixonar por alguém que tenha o rosto feio (de prefe-
rência tendo o corpo bonito), mas dificilmente elegerão
publicamente essa pessoa como um parceiro amoroso
por receio de dois crivos: os amigos e a mãe.
A verdade que ninguém gosta de dizer é que o par-
ceiro amoroso também é um troféu social e a beleza fa-

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Sou feio

cial tem um papel fundamental para que esse status au-


mente ou diminua. O prestígio de ter fisgado um peixão
raro e bonito é um signo de poder pessoal que insinua
uma habilidade secreta por ter realizado esse prodígio.
Na maior parte das vezes, a beleza interior vem
depois, como complemento à beleza exterior e ape-
nas se não houver outra alternativa.

A autoestima do feio
O eu e o outro são categorias indissociáveis. Os
critérios que uma pessoa usa para apreciar a si mes-
ma também são coletivos. A autoestima é sempre, em
alguma medida, uma alter-estima internalizada.
Seria possível que você gostasse de si mesmo sem
que ninguém concordasse com isso?
A resposta não é simples. Ter uma autoestima
megalomaníaca seria como chegar com um milhão
de notas de dólares de brinquedo afirmando ser mi-
lionário. É necessário consenso, caso contrário, você
está delirando.
Esperar validação dos outros também não é a
melhor opção, pois o coloca em uma posição de fra-
gilidade infantil, como uma criança que quer ser ad-
mirada pela mãe a qualquer custo.
Então, seu senso de importância precisa ser re-
gulado por uma fonte interna que não se contraponha
loucamente mas que também não seja frágil e depen-
dente de validação externa.
Mas como desenvolver essa blindagem psicoló-

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Sou feio

gica se o maior problema da feiura é criar um isola-


mento social doloroso?
Um dos maiores problemas para o feio é que as
pessoas se afastam e isso é difícil, doloroso. Tentar
fingir que a opinião dos outros não importa é o equi-
valente a se iludir e entrar numa bolha pessoal que
só aumenta o isolamento. Além disso, se a opinião
dos outros de fato não importasse, não deveria valer
também caso alguém gostasse de você.
Então, quando alguém diz que a opinião dos ou-
tros não importa, ela só está se protegendo da dor de
ser alvo de visões contrárias à sua. No fundo quere-
mos ser amados sem ter de provar nosso valor. A in-
timidade com os outros importa, sim. Você quer pro-
ximidade pessoal/sexual, então não adianta bloquear
a importância das opiniões externas.
No entanto, existe a possibilidade de você se re-
lacionar com as pessoas a partir dessa vulnerabilida-
de, sem esforços falsos, sem cinismo e sem se surpre-
ender ao ver que a reação das pessoas será negativa.
Talvez, você possa evitar condenar as pessoas porque
elas não conseguem ter uma escolha consciente em
não ter uma primeira impressão ruim. Na verdade,
se elas pudessem escolher, iriam preferir não se im-
portar com sua aparência, mas elas se importam.
O esforço de quebrar essa barreira que o deixa
invisível vem de como você se comporta diante da si-
tuação. Lembre que há um desconforto e, ao mesmo
tempo, um autojulgamento quando a pessoa se depara

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Sou feio

com a sua aparência. É uma via de mão dupla. As pes-


soas não compreendem sua feiúra, e como tudo o que
não compreendem, elas atacam. Ao deixar o assun-
to velado você não dá a chance da pessoa lidar com o
próprio mal-estar.
Ao passo que quando o assunto é aberto a pes-
soa recebe uma chance de ultrapassar e atravessar
isso com você.
Essa possibilidade só surge se o movimento puder
ser feito em conjunto e não em oposição aos outros.

O que fazer, então?


Você tem diante de si um desafio trabalhoso.
Ser gentil e amável são características que você não
precisa perder ou exagerar, são atributos legítimos
e agradáveis, mas é possível que falte vigor para sua
personalidade.
Nick Vujicic, que nasceu sem os braços e as per-
nas tem feito um percurso não usual ao usar sua li-
mitação como fator motivacional e de autofortaleci-
mento. Recentemente casou e teve um filho, mas você
não precisa ser um palestrante motivacional para li-
dar com suas dificuldades.
Uma alternativa seria entrar em isolamento, par-
tindo do pressuposto que viver como uma ilha, sem
amores românticos ou amizades é possível.
Ou realizar um esforço gradual para dialogar com
uma sociedade que tão cedo não vai alterar suas exi-
gências estéticas.

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Sou feio

No segundo caso, talvez você precise lidar com o


fato de que não será alvo imediato de desejo e não pode
garantir que em algum momento seja. Nessa aceita-
ção mais tranquila e sem ressentimento pode ser que
sua ansiedade por agradar ou ser desejado diminua,
trazendo maturidade e uma crescente autonomia de
sua autoestima.
A feiura pode ser inicialmente perturbadora,
mas não o torna inevitavelmente repugnante, como
se sente agora. Paradoxalmente, esse mar de pesso-
as exigentes que habitam a Terra são as mesmas que
estão perdidas em suas vidas pela mesma busca de
aceitação que você.
O mundo aprecia pessoas como Nick e Lizzie que,
mesmo com suas limitações, sentem que são pessoas
dignas e merecedoras de amor, simplesmente porque
oferecem uma presença estável e vivaz mesmo ten-
do recebido quase nada dos outros. E, por isso, elas
se tornam um farol que representa esperança de que
podemos ser menos preconceituosos.
É admirável ver alguém que poderia se afundar
num mar de autocomiseração não fazê-lo. Ninguém gos-
taria de trocar de lugar com essa pessoa, mas ela passa a
ser admirável e essa bem querência abre caminho para
um amor humano, ainda que não sexual. Nessa fresta
existem pessoas que também se esforçam diariamente
para superar suas barreiras. Algumas são feias, outras
se sentem feias e, nessa identificação, surgem boas re-
lações e possíveis romances. Isso forçará sua própria

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Sou feio

barreira com a feiura dos outros a diminuir.


Não existe uma rota garantida, mas se conseguir
respirar fundo e prosseguir nos seus esforços, você
terá mais chances para aceitar aquilo que não está no
seu controle, ao invés de se acanhar diante do olhar
reprovador dos outros.

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Será que sou gay?
Por Danilo Gonçalves

Está na Declaração Universal dos Direitos Hu-


manos:
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais
em dignidade e em direitos. Dotados de razão e cons-
ciência, devem agir uns para com os outros em espí-
rito de fraternidade.”
A máxima não simplesmente figura nas diretri-
zes da ONU. É protagonista.
É o artigo 1°.
Nesse sentido, abrem-se diversos portais para
inúmeras discussões vindas de toda atmosfera possí-
vel da diversidade humana.
Na leitura mais positiva, a proposta deste capítu-
lo é revisitar alguns conceitos da sociedade pós-mo-
derna, tidos como absolutos, e colocá-los em xeque,

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Será que sou gay?

na humilde tentativa de tranquilizar a nós todos.


Ora, se nascemos livres, temos o direito pleno
de exercer essa tal liberdade. Tragamos para o deba-
te duas situações que podem ilustrar melhor a cerne
da questão.
1) Um cara, que se define, entende-se e se apre-
senta como heterossexual (pessoa que sente atração
pelo sexo oposto ao seu) e, eventualmente, sente von-
tade de ter alguma relação afetiva (sexual ou não)
com outro homem.
No sentido individual da questão, se somos livres
para executar nossas próprias ações, somos todos livres
e ponto. Aprofundando na semântica da cena, quais as
reais consequências que a relação de um homem hete-
rossexual com outro, hétero ou não, acarretaria para
qualquer indivíduo que não os próprios envolvidos?
Não encana, cara, se tem vontade vai e faz. Se é
legítima a vontade, quem poderá impedir ou apontar
dedos?
Para além dos buracos de minhoca, pessoas são
pessoas em qualquer lugar do mundo. Quando os con-
tratos sociais exigem que os indivíduos sejam separa-
dos por categorias pré-estipuladas por algo ou alguém,
estamos imediatamente reduzindo as possibilidades
de algumas pessoas serem simplesmente felizes.
2) Quando chega o momento de sair do armário.
Talvez por isso, desconsideradas questões culturais,
(não só) homens gays têm tanta dificuldade em “sair
do armário”.

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Será que sou gay?

Essa grande revelação ao mundo costuma acon-


tecer na fase mais próxima à pós-puberdade e início
da vida adulta. Por quê? É quando o indivíduo come-
ça a se dar conta da dimensão do enfrentamento e,
em algum momento, sente-se empoderado por iden-
tificação com um igual ou por, pura e simplesmente,
julgar que não dá mais para viver uma mentira.
Isso também tem a ver com a estrutura e forma-
ção sócio-cultural, tanto coletiva quanto individual,
ambas claramente interdependentes da outra. Esta-
mos todos de acordo que é mais digno simplesmente
sermos e não termos que ser?
Enquanto o mundo ideal ainda não foi alcançado,
compartilho um pouco da minha própria vivência com
os que, no fundo da alma, sabem que são gays para
que, ao identificar-se com uma história semelhante,
empoderem-se e também se libertem-se das amarras.
Digo que, assim como muitos momentos da vida
de todos (sem exceção), esse não será um processo
fácil. É preciso entender-se para, então, vir e ver a
claridade. Entender-se não é tarefa fácil, pelo con-
trário. Entender-se é ter a força de bancar que somos
o que somos, gays ou héteros.
Do lado de cá, a fala em tom firme – ainda que na
tentativa de doçura – também é resultado de tempos
em que o conservadorismo tenta uma revanche ao pro-
gresso, à liberdade. Você, homem hétero, que está fora
dos perfis apresentados neste capítulo, fique tranquilo:
você não é obrigado a fazer nada, apenas a aceitar que

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Será que sou gay?

somos – todos os seres do Universo – livres e diferen-


tes entre si.
Você, homem hétero, que eventualmente se apai-
xonou por outro, vá em frente. Não passa vontade,
não, meu caro.
Você, homem gay que ainda está trancado em si
mesmo, liberte-se. Ou melhor, faça da maneira como
achar confortável para você mesmo. Eu apenas ga-
ranto que aqui na luz, a vida é mais colorida e diver-
tida.
Afinal, se tem algo que não está, definitivamen-
te, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, é
a determinação de que as pessoas devem viver na es-
curidão. Muito menos na escuridão de si próprio.
No passado, Maria Bethânia disse, meio sem pa-
ciência como lhe é de praxe, que “ser gay é o mesmo
que não ser”. E entre um suspiro e outro, sabemos
que esse conceito pode ser aplicado a todas as for-
mas de viver. Seja ela qual for. Desde que os iguais e
vontades individuais sejam sempre respeitadas.
Em resumo? Sim, amigo, você pode ficar com
“caras”.

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Não sou hétero e
sofro preconceito
Por Danilo Gonçalves

A geração paz e amor não nos deixa mentir. Nos


anos 60/70, vivemos uma certa liberdade sexual e,
muito por isso, ouvimos constantemente relatos de
nomes famosos, (hoje) heterosexuais, que tiveram
experiências com pessoas do mesmo sexo.
É, dá pra dizer que demos uma encaretada de uns
20 anos para cá, mas todos continuamos aqui, com
nossas vontades e desejos particulares, para além do
dogma social.
Antes de mais nada é preciso lembrar que somos
livres – e esse é um conceito que, apesar de simples,
ainda é questionado. Ou seja, cada um pode fazer o
que bem entender da sua vida e do seu corpo, pelo
menos em tese. Mesmo assim, diante dessa máxima
incontestável, não é nada incomum demonstrações

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Não sou hétero e sofro preconceito

de preconceito acontecerem, desde as mais veladas


às mais escancaradas.
Diante desse cenário, precisamos nos empode-
rar, ter a coragem de nos impor, seja você gay, bis-
sexual, transgênero, não binário ou curioso. A real é
que, em nenhum ambiente você é obrigado a tolerar
piadinhas ou agressões morais e/ou físicas.
Nomes mais midiáticos, como a cartunista Laerte,
provam que o respeito é algo que se impõe quando
não é automático do próximo.
As ferramentas para isso? Diversas: talento, ca-
ráter e elegância, afinal, a sua orientação sexual ou
de gênero só querem dizer isso: orientação sexual ou
de gênero mesmo. Nada mais.
Ser alguém fora de padrões estabelecidos não é
sinal de ser vítima de algo. É simplesmente ser.
Por mais paradoxal que seja, não devemos nos
sentir nem mesmo vítimas da sociedade, afinal, é ela
que precisa mudar e não nós, pelo simples fato de
sermos o que somos.
Então, pode ser difícil pensar em tomar uma ati-
tude quando seu emprego depende disso, mas tente
não se colocar para dentro do armário, só porque o
seu superior (provavelmente com características de
macho-alfa) fez uma piadinha no meio da reunião.
Quando acontecer, para, respira e, se sentir ne-
cessidade, imponha-se no exato momento da agres-
são. Melhor se for com classe e elegância, mas se pre-
cisar ser em um tom de voz mais firme, você deve

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Não sou hétero e sofro preconceito

mostrar a convicção de que o deve fazer. Não é fácil,


mas às vezes, é necessário ter o pé em um lugar e não
arredar, ainda mais porque você sabe que tem o di-
reito de estar ali tanto quanto os outros.
É importante ressaltar o velho argumento do vi-
timismo porque, claro, se alguém sofre uma agressão
física por conta da sua orientação sexual ou de gêne-
ro, foi vítima do agressor. Mas isso não o torna víti-
ma de si mesmo, de sua escolha. O problema está no
outro, amigo! Naquele que agride. Saibamos sempre
disso.
Elza Soares já tem cantado às mulheres – mas vale
para todos – que “para cima de muá? Jamé, mané!”.
Está claro que agressões não são mais toleradas e a
informação é trazida à exaustão aqui porque não so-
mos mais obrigados a nada, muito menos a tolerar o
pensamento retrógrado de uns e outros.
Se você, que é gay, bissexual, trans, voltar na
sua infância e adolescência e lembrar dos bullyings
que provavelmente sofreu, saberá do que estamos fa-
lando aqui. Aquela sensação de impotência diante do
opressor não é digna de ninguém. Não deixe que ela
ameace voltar, em nenhum nível.
Caso você tenha se apresentado até hoje como
heterossexual para a sociedade, mas sabe que lá no
fundo, a vontade é ser mais do que isso, empodere-se.
Você pode ser o que quer – seja lá o que isso signi-
fique, desde eventualmente usar uma saia até trans-
formar/adaptar o corpo.

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Não sou hétero e sofro preconceito

Qualquer demonstração de preconceito pode ser


denunciado legalmente, inclusive. Sentiu-se diminu-
ído no ambiente de trabalho por sua orientação sexu-
al, o RH é obrigado a estar ao seu lado. Algo estranho
aconteceu na turma de amigos, é preciso combater.
Na rua, alguém mexeu com você e com o carinha em
quem estava dando uns amassos? Denuncie! Vá à po-
lícia e apresente a queixa.
O diálogo, obviamente, é o caminho da paz, mas
nem sempre ele é possível com o opressor. Entre os
iguais ou parecidos (homo e bissexuais, por exemplo)
precisamos refletir se há de se ter disputa. Um bi ser
chamado de gay é realmente o maior dos problemas?
A mesma lógica não vale para as pessoas transe-
xuais, pois estas sofrem as piores violências e o seu
nível de introdução na sociedade é bem mais baixo.
Além disso, elas justamente entendem-se e querem
ser tratadas pelo gênero com o qual se apresentam.
Isso é uma questão de cidadania, algo que elas de-
mandam claramente.
No mundo ideal, todos saberíamos que travesti
é uma palavra feminina (alguém designado como ho-
mem ao nascer, mas que se traveste de mulher, inde-
pendentemente da orientação sexual), portanto deve
ser sempre precedida por “a”. Parece pouco pra alguns,
um detalhe, ou até mesmo “frescura”, mas é um sinal
de aceitação e respeito que muitas vezes é negado.
Encerro esse capítulo com uma frase célebre de
uma grande figura do mainstreaming em prol da di-

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Não sou hétero e sofro preconceito

versidade, RuPaul: “If you don’t love yourself, how


in the hell you gonna love somebody else?”
Em tradução livre: Se você não ama a si mesmo,
como diabos vai amar outra pessoa?

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Não consigo largar o vício
(em álcool, games, pornografia...)
Por Luciano Andolini

Quando puxamos pela memória a imagem de um


viciado, em geral, costuma ser a de alguém completa-
mente destruído pelo seu hábito. Seja álcool, drogas,
sexo, videogames ou jogos de azar, nosso alarme soa
apenas quando já descemos muito a ladeira do vício.
Raramente pensamos em um empresário, médico, ad-
vogado, arquiteto ou grande esportista como alguém
que possa sofrer com o descontrole sobre algo. É co-
mum acharmos que o bêbado (troque aqui pelo vício
de sua preferência) é sempre o pai, marido, avô, ir-
mão, tio... dos outros!
A verdade, porém, é outra. O vício já está instau-
rado muito antes que a vida da pessoa esteja comple-
tamente bagunçada. A linha costuma ser cruzada bem
antes que os primeiros sinais de degradação apareça.

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Não consigo largar o vício

Agora pense: se admitir o vício em alguém pró-


ximo já é difícil, imagina admitir em si mesmo?

Qual o mecanismo do vício


Todo vício vai ter suas particularidades. Mas, de
um modo geral, envolve a busca intensa de algo, a
perda do controle sobre seu uso e a repetição, inde-
pendente de consequências adversas.
Não importa se é heroína, sexo, aquela cerveja
no final de um dia cansativo de trabalho ou aquele
hamburgão. Para o cérebro, toda forma de prazer é
igual. Você se depara com algo e ele libera dopamina
no núcleo accumbens, um grupo de células nervosas
que fica abaixo do córtex cerebral também conhecido
como centro do prazer.
Os estímulos responsáveis pelo vício costumam
ser formas particularmente poderosas de prazer, li-
berando quantidades bem grandes de dopamina no
núcleo accumbens.
O vício modifica o funcionamento do cérebro,
alterando a forma como ele obtém prazer, dessensi-
bilizando-o a esse estímulo e também a outras fontes
mais, digamos, comuns. Drogas aditivas chegam a li-
berar até 10 vezes mais dopamina do que o normal.
O resultado é que os receptores do cérebro ficam so-
brecarregados e, como consequência, o cérebro passa
a produzir menos dopamina ou a eliminar os recep-
tores. Seria o equivalente a abaixar o volume quando
o som está muito alto.

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Não consigo largar o vício

Ou seja: é como apertar repetidamente um bo-


tão especial que gera uma bomba maravilhosa de pra-
zer por tantas vezes que esse botão perde o efeito e,
ao mesmo tempo, faz você achar que os outros bo-
tões “normais” perderam a graça. Então, você obses-
sivamente volta ao botão especial, ansioso, tentando
repetir as experiências iniciais (coisa que não mais
acontece), cego aos custos práticos dessa ação.
Minha avó usava a palavra encegueirado, quan-
do se referia a alguém viciado. Em um certo sentido,
é uma palavra bastante precisa. A pessoa fica cega ao
que está fora do eixo entre ela e o vício.
Caso ainda tenha ficado difícil visualizar, essa
animação certamente vai deixar bem claro.
É importante frisar, claro, que não é só o meca-
nismo físico que conta na construção de um vício.
Na década de 70, os experimentos que constru-
íram as teorias mais conhecidas sobre drogas, uti-
lizavam-se do isolamento de ratos em labirintos ou
salas vazias cuja recompensa ao final era água ou
água com cocaína ou heroína. O resultado era qua-
se 100% de vicío para os ratos que se encontravam
com a droga.
Um professor de psicologia chamado Bruce Ale-
xander percebeu que, talvez, o isolamento dos ratos
tivesse um papel importante no fim que eles tinham.
Então, ele fez um experimento parecido, mas ao in-
vés da sala vazia, ele construiu o que chamou de “rat
park” (ou parque dos ratos). Uma gaiola ampla, reple-

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Não consigo largar o vício

ta de atividades, bolas coloridas, túneis pra brincar,


comida à vontade, etc. A ideia era entender de qual
forma o ambiente influenciaria nas suas decisões.
Ao final, todos experimentavam das duas águas
(a que tinha cocaína e a que não tinha nada), já que
não sabiam o que tinha nos diferentes potes. Mas com
o tempo, notou-se que os ratos, em geral, não toma-
vam a água com droga. Alguns tomavam às vezes, em
doses pequenas, outros nunca mais tentavam de novo.
Nenhum morreu. Enquanto no outro experimento, a
taxa de dependência era de 100%.
Há evidências fortes de que o ambiente é um fa-
tor importantíssimo que ativa ou não os mecanismos
de adaptação que levam ao vício. Condições aflitivas
como estresse constante, dor, pobreza, relações ruins
na família, falta de amigos, podem ter um papel mui-
to maior do que se pensa comumente.

Quais os sinais de que estou passando do


ponto?
Frederico Mattos, psicólogo clínico colunista do
PapodeHomem, sugere em seu artigo sobre alcoolis-
mo, um termômetro simples de se aplicar, baseado
em três pontos.
1. Frequência
Qual a frequência de consumo para você poder
considerar uma pessoa um viciado? Uma vez por dia,
por semana?
Segundo o que o Frederico afirma em seu texto,

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Não consigo largar o vício

o consumo com regularidade ininterrupta por três


meses já pode ser um sinal de vício. O teste seria a
proposta de abstinência. 3 a 5 meses sem uma gota
de álcool, por exemplo, dá calafrios? Gera alterações
de humor? Gera descontrole de impulsos ou novas
compulsões, como por comer ou transar demais?
2. Irrecusabilidade
Mais do que a frequência, o que mais caracteriza
o vício é a irrecusabilidade. Uma pessoa pode con-
sumir álcool uma vez por semana, mas se ela é in-
capaz de dizer não e frequentemente bebe bem mais
do que tinha se proposto, isso pode ser um sinal de
alerta.
Sabe quando o seu amigo frequentemente diz que
vai tomar só mais uma e sai do bar às 7 da manhã?
3. Conseqüências (ou seqüelas)
Vícios em substâncias apresentam conseqüên-
cias muito claras em pelo menos três campos: físico,
social e psicológico.
Ainda tomando o álcool por exemplo, quando
uma pessoa começa a ultrapassar a linha do consu-
mo saudável, seu corpo apresenta sinais, alterações
no organismo que afetam os sistemas cardíaco, ner-
voso e gastrointestinal. Socialmente, ela passa a faltar
no trabalho, rende menos, esquece compromissos, fica
mais irritável, pode se tornar agressiva. E psicologica-
mente, ela pode ter alterações no sono, sexualidade,
mudanças bruscas de humor, descontrole, ansiedade,
falta de concentração, perda de motivação.

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Não consigo largar o vício

Esses sintomas apresentam-se também para ou-


tros vícios, não só o alcoolismo, vai depender da na-
tureza e grau da dependência.

Como se livrar
Não há um só caminho possível. Há uma miríade
de vícios com características semelhantes mas tam-
bém com grandes diferenças.
Muito do que escrevi aqui foi retirado do site
helpguide.org, que é a página da ONG homônima,
com foco em tratamento de distúrbios psicológicos e
atenção especial ao tratamento de pessoas que pas-
sam por problemas com drogas.
Recomendo procurar mais informações sobre o
movimento reboot, que se propõe a ajudar pessoas
com vício em pornografia.
O vício em games é bem mais recente e ainda não
há tanto material específico sobre isso, mas você pode
se informar melhor pela internet. O Reddit possui um
fórum onde diversas pessoas discutem sobre o tema.
Nós temos um texto no PapodeHomem falando
sobre alcoolismo, já citado aqui, que pode ser um bom
começo ao se informar sobre o assunto.
Abaixo eu listo algumas dicas que podem ser úteis
pra você, outras podem parecer malucas, mas é im-
portante testar, fazer o seu caminho.
1. Mantenha um diário do seu consumo.
Não tenha medo de olhar para a frequência e carac-
terísticas do seu hábito. Liste os gatilhos, situações

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que o levam a ter vontade de ceder, quais ocasiões o
pressionam e como você se alivia, a culpa que sen-
te quando tem recaídas, etc. Marque seus erros mas
também seus acertos.
2. Tenha clareza sobre os prós e contras
de parar o vício, assim como os custos e benefícios
de continuar. Considere o que é importante pra você.
Carreira, relacionamento, filhos, saúde. Como o vício
afeta tudo isso?
3. Explore as opções de tratamento. Há di-
versas Ongs e grupos de apoio para pessoas com os
mais diversos vícios. Além disso, é importante procu-
rar ajuda médica e psicológica, para obter o acompa-
nhamento e a medicação necessária em muitos casos.
Informe-se, tome nota das opções e comprometa-se
com alguma por um tempo. Como já falamos, nem
tudo funciona pra todo mundo, é preciso experimen-
tar e ver o que se aplica a você.
4. Aceite ajuda das pessoas próximas. Ami-
gos e familiares têm um importante papel. Não os
olhe com cobrança, mas também não seja orgulho-
so. É importante aceitar ajuda e cultivar essa rede de
apoio. É ela que vai estar lá quando você não se segu-
rar sozinho.
5. Aprenda a lidar com o stress. Um dos prin-
cipais gatilhos para o vício são situações de stress. Você
se irrita, se cansa, precisa de um alívio e, de repente,
aquela cerveja gelada cintila na sua frente como a so-
lução imediata para todos os problemas. É importan-

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Não consigo largar o vício

te saber que essa não é a única saída para o stress. Há,


literalmente, inúmeras possibilidades. Fazer ativida-
de física, caminhar, tomar um sol, brincar com seu ca-
chorro, desabafar com alguém… Aprender quais táti-
cas de mudança de paisagem mental funcionam com
você pode ser de grande ajuda.
6. Conscientize-se dos seus gatilhos. Prova-
velmente, há certos padrões condicionados que o le-
vam ao seu vício. Se você descobre, por exemplo, que
tem vontade de ver pornô sempre que deita no sofá e
fica entediado, talvez isso ajude a evitar uma recaída.
7. Desenvolva uma vida positiva para além
do vício. Sem dúvidas, o ponto mais importante. É
importante recondicionar-se em relação à sua noção
de prazer. Isso ajuda a gerar sentido, propósito, o que
vai ser a sua nova fundação. Reaprenda a ver valor nas
pequenas experiências do dia-a-dia. Aprenda a ma-
nifestar e receber afeto, exercite-se, cuide de pessoas
próximas (ou não, trabalho voluntário também costu-
ma ser de grande ajuda), seja mais generoso, compas-
sivo. Aprenda a conectar-se às pessoas à sua volta.

Recaídas vão acontecer, você não é um


monstro por isso
O foco é maximizar seu tempo em abstinência.
Mas a verdade precisa ser dita: mais cedo ou mais tar-
de, uma recaída pode acontecer. É importante não se
culpar, não achar que é um monstro, que falhou no
tratamento e que não vale mais a pena continuar.

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Não consigo largar o vício

Lidar com vícios é um longo processo. Você não


é um perdedor, degenerado, só por ter falhado. Não
vai ser da noite pro dia que você vai estar completa-
mente livre da atração que sente por aquele estímulo
em específico.
Apenas continue.
Procure ajuda.
Abra-se.
Lutar contra vícios não é fácil. Não é imediato. Mas
é recompensador deixar de ser uma vítima dos seus im-
pulsos, retomar sua autonomia, enfim, ser livre.

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Vou ter um filho
não-planejado
(gravidez inesperada)
Por Rodrigo Cambiaghi em parceria com Ciro Callegaro

Olá,
Bem vindo ao clube.
Eu me chamo Rodrigo Cambiaghi e tenho uma
filha (hoje com 2 anos) que não foi planejada.
Lembro que quando vi os dois pauzinhos verme-
lhos do exame de farmácia, entrei em pânico. Eu não
fazia a menor ideia de quais eram os próximos passos
a serem tomados.
Apesar de ser arrebatadora a notícia de que será
pai, essa situação que você está vivendo agora é uma
das mais comuns do mundo. Segundo um levanta-
mento do instituto Pro Mundo, cerca de metade das
gestações no mundo não foram planejadas.
Então entre no barco e vamos para um lugar onde
boa parte dos homens passaram ou passarão: o deses-

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Vou ter um filho não-planejado

pero da notícia de uma gravidez inesperada.

Antes de mais nada


Vamos ter certeza absoluta de que sua compa-
nheira está grávida.
Os testes de farmácia dificilmente falham, mas
existe uma pequena margem de falsos positivos e mais
ainda, de falsos negativos. As duas maneiras de ter
certeza de que há gravidez é com um exame de san-
gue, o Beta-HCG, que mede a dosagem de hormônio
no sangue da mulher ou com exame de ultrassom.
Para ambos você precisa de um pedido médico para
fazer. A diferença de um pro outro é que no segundo
você tem a resposta de imediato.

Gravidez confirmada
Se você comprou o livro por conta desse capítu-
lo, provavelmente deve estar passando por esse mo-
mento específico de gravidez confirmada e não saber
o que fazer.
Saiba que é super ok se desesperar nesse momen-
to. Abaixo vou sugerir uma prática para ajudar a sair
da crise de pânico e ajudar com os próximos passos.
Não quero entrar em debates morais ou religio-
sos, mas um divisor de águas pode ser caso você e sua
companheira cogitem não ter esse bebê.
Filhos são para a vida toda e a experiência de in-
terromper voluntariamente uma gravidez também é.
Seja qual caminho decidirem tomar, é importante que

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Vou ter um filho não-planejado

a escolha do casal seja precedida de muita informa-


ção sobre o tema, e, se possível, de acompanhamento
psicológico, para que ela seja tomada de mente sã e
estável, como abordamos no capítulo inicial.
Seja qual for a escolha de vocês, é importante que
ela seja tomada de mente sã e estável, como aborda-
mos no capítulo inicial e como vamos sugerir na pró-
xima prática.

E agora?
Em situações onde a confusão bate forte, é fácil
cair no extremo da obsessão sobre o tópico. Ficar mar-
telando ininterruptamente todos os cenários terríveis,
os problemas e os medos que você tem guardados.
Mas se tem algo que eu aprendi nessa vida é que
não adianta tomar decisões drásticas no calor do mo-
mento. As chances de errar e se arrepender são muito
grandes.
No que diz respeito à situação específica de uma
gravidez, você corre o risco de ferir irremediavelmen-
te a relação com a sua parceira e/ou pode gerar um
trauma nela e até tomar uma decisão apressada da
qual os dois podem se arrepender mais pra frente.
Não é fácil, mas é preciso um mínimo de calma.
Não hesite em pedir algum distanciamento, res-
pire fundo, saia pra correr, andar de bicicleta, vá
pra academia puxar um ferro, visite algum lugar que
traga conforto ou até mesmo tente sentar e meditar.

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Vou ter um filho não-planejado

O essencial é relaxar, soltar o corpo e recobrar um


pouco da lucidez pra poder agir de forma sensata.

Aborto
Passei dias em dilema se iria entrar nesse assun-
to super delicado e polêmico.
Por um lado, como pai, tenho frios na espinha e
um aperto no coração ao tocar no assunto.
Por outro, como autor, sentiria não estar abor-
dando uma questão super importante que passa pela
cabeça de boa parte dos casais que se deparam com
uma gravidez não planejada.
Como falei anteriormente, não quero entrar em de-
bate moral ou religioso, mas sim, levantar pontos que
são factuais sobre o aborto com o único intuito de escla-
recer a necessidade de se buscar informações prévias.
Se você está certo de que quer seguir com a gra-
videz, aconselho a pular para o próximo tópico.
O aborto é proibido no Brasil, por Lei, salvo quan-
do a gestação coloca em risco a vida da mulher, ou
quando a gravidez é motivada por estupro. Por conta
da carga moral envolvida, o tema é polêmico, e esta
polêmica encontra coro no Congresso Nacional, com
projetos de Lei de um lado tornando mais rígido, e
de outro flexibilizando mais as hipóteses de exceção,
ou seja, as hipótese em que o aborto se faz permitido,
ou ao menos não configura crime.
A questão também foi retomada na última déca-
da pelo Poder Judiciário brasileiro, com preceden-

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Vou ter um filho não-planejado

tes do STF autorizando uma terceira hipótese, que


é quando os fetos – nos casos de anencefalia – não
“nascerão vivos”. É possível que esta linha de raciocí-
nio seja aplicada também para os casos de mulheres
que contraírem o “zika vírus” durante a gravidez.
Em decisão individual (ou seja, que só vale para
aquele caso), o STF entendeu que a interrupção da
gravidez antes de 12 semanas não configura crime, e
resta saber se esta decisão será confirmada ou não em
julgamentos futuros, ou se o Poder Legislativo atuali-
zará a legislação brasileira neste sentido, ou manterá
as restrições e proibições atuais.
Enfim, proibida ou não, a realização do aborto
é uma realidade. Ele existe e é feito diariamente em
clínicas médicas, hospitais públicos, privados e até
renomados no país inteiro, mas também em clínicas
clandestinas, como amplamente noticiado pela mídia,
inclusive destacando as complicações que podem de-
correr de um procedimento de aborto, realizado por
profissionais habilitados ou não.
Não possuo nem tenho a intenção de possuir con-
tato com qualquer profissional ligado ao aborto, ou
de indicar a contratação destes serviços.
Pelo que se verifica da consulta às plataformas
de pesquisa on-line ou impressas, existem diversos
métodos abortivos, que se dará por instrumentos (ex-
tração do feto) ou por meio da ingestão de medica-
mentos próprios ou cujos efeitos colaterais resultem
no aborto.

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Vou ter um filho não-planejado

O aborto pode trazer consequências não só físi-


cas, inclusive colocando em risco a vida da gestan-
te, podendo causar danos permanentes, como difi-
culdades para engravidar novamente, mas também
consequências devastadoras psicológicas para a mu-
lher, que nós, homens, nunca poderemos entender
ou mensurar.
Sofrer um aborto é irreversível, e em alguns ca-
sos, tão marcante quanto ter um bebê.
Se o casal estiver propício a seguir por esse cami-
nho, minha única sugestão é: busquem o máximo de
informação acerca do tema, se informem dos aspec-
tos fisiológicos e legais, e busquem grupos de apoio,
instrução e informação antes de tomarem a decisão.

O período crítico
Até a 12ª semana de gestação, existe uma razo-
ável probabilidade de acontecer um aborto natural.
Ou seja, sem qualquer interferência de agente exter-
no a gravidez pode ser interrompida.
Segundo dado levantado pelo Neonatologista
Mario Burlacchini, cerca de 30% a 40% das fecun-
dações terminam em aborto espontâneo. Há outras
fontes que falam em 20% a 30%.
Após a 12ª semana esse índice cai para 5%.
É de costume a notícia da gravidez ficar restri-
ta aos círculos mais próximos até passar esse perío-
do, para preservar o casal e principalmente a mulher,
caso haja um aborto espontâneo.

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Vou ter um filho não-planejado

Conversando com pessoas próximas e


criando uma rede de apoio
Há um ditado que diz: “É necessário uma vila
inteira para criar uma criança”.
Em qualquer povo, de qualquer lugar do mundo
e até entre os outros animais, a vinda de uma criança
mobiliza a comunidade. Todos ao redor preparam-se
e adaptam-se para garantir que essa nova vida tenha
as condições necessárias para vir ao mundo e receber
proteção, comida e amor.
Pense na sua infância e na quantidade de pesso-
as estiveram envolvidas diretamente e indiretamente
na sua criação.
Com vocês não será diferente.
Envolver pessoas do círculo mais próximo serve
não só para dar apoio ao bebê, mas ao casal. A expe-
riência de passar pelos primeiros dois anos de vida
do bebê é uma prova de fogo. Não é a toa que muitos
casais se divorciam bem nessa época. Amigos e pa-
rentes podem ajudar a dividir o peso da rotina que é
cuidar do bebê e dar janelas de respiro para o casal
conseguir curtir um pouco a si.
Se você não se dá bem com sua sogra, agora é o
melhor momento de fazer as pazes com ela.
Se você ainda não a conhece, aproxime-se dela.
Provavelmente, a pessoa que sua companheira
mais confia para cuidar da sua cria é quem a criou e
deu amor. E não se espante se você em algum momento
desconfiar que ela confia mais na mãe do que em você

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Vou ter um filho não-planejado

para cuidar do bebê, pois provavelmente é verdade.


Sua sogra será sua melhor aliada, tanto no supor-
te à criação do bebê como no apoio psicológico que sua
companheira vai precisar durante os primeiros meses
de vida do bebê que—nunca é demais frisar—são bem
puxados.
Provavelmente, seus melhores amigos de hoje
não serão parte da sua rede de apoio. Não por serem
pessoas ruins ou não gostarem da criança, mas por-
que a criação de um bebê demanda um outro tipo de
envolvimento, intimidade e atenção.
Por outro lado, pessoas que você não esperava
vão se aproximar e fazer parte do seu novo círculo de
amizades.
Essa é uma tarefa que mexe com a vida em todos
os sentidos e, se você se sentir solitário, há dezenas
de grupos no Facebook e Whatsapp de pais que tro-
cam experiências sobre paternidade. Esse é o grupo
do qual participo no Facebook, mas em paralelo a
ele, tenho um de Whatsapp com outros pais no qual
fazemos a mesma coisa de forma mais constante.
Você perceberá que, aos poucos, seus círculos
sociais vão mudar. Traga essas pessoas para perto.
Quanto mais gente envolvida na rotina de vocês, me-
nos desgastante será para todos.
Importante: não tenha medo de pedir ajuda, você
vai se espantar com o quanto as pessoas são solícitas
para cuidar de bebês.

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Vou ter um filho não-planejado

Mas e a grana?
Já me perguntaram algumas vezes e me pedi-
ram outras dezenas para escrever um artigo sobre
grana e filhos.
E esbarro sempre no mesmo problema: todos os
custos que envolvem a criação de um filho são extre-
mamente variáveis. O meio termo é subjetivo e fica em
algum lugar entre zero reais e seis dígitos de reais.
É como perguntar quanto custa para passar as
férias em Buenos Aires.
Em um extremo podemos ir voando de primeira
classe, ficar hospedado no Hilton, visitar as atrações
clássicas e comer nos melhores restaurantes. No ou-
tro, podemos ir de carona com caminhoneiros, ficar
hospedados no Couchsurfing, ir nas atrações gratui-
tas, conhecer argentinos na rua e comer miojo.
Tenho amigos que pagaram trinta mil reais para
ter um parto com a melhor obstetra de São Paulo e
outros que mesmo tendo condições financeiras e pla-
no de saúde, optaram por fazer na rede pública.
Tenho conhecidos que foram para Miami fazer
as compras do chá de bebê e gastaram o que a maior
parte de nós ganha em 1 ano.
E outros que fizeram um churrascão pra família e
amigos e ganharam fralda, roupa, toalha e tudo que o
bebê precisa, pegaram a banheira do primo, o berço do
cunhado e parcelaram o que faltou em 10x sem juros.
Um amigo paga R$ 2.500 por mês numa babá
de segunda a sexta e diz que é o dinheiro mais bem

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Vou ter um filho não-planejado

gasto da vida dele. Tem outros colocaram na creche


pública e mais alguns que deixam na casa da vó de
segunda a quarta, pagam por uma babá na quinta e
na sexta-feira deixam com a tia.
É importante, quando se tratar de dinheiro e
filhos, ter duas coisas em mente:
- Seus gastos vão aumentar, mas outros (baladas,
festas, saídas, viagens, jantares) diminuirão drasti-
camente ou até deixarão de existir.
- Quase sempre há uma opção gratuita e sempre
haverá uma opção mais cara.
Para fazer um exercício sobre como encaixar es-
ses novos gastos no seu orçamento leia o capítulo
“Não sei controlar minhas finanças” desse livro, ele
vai ajudar bastante.

Não se preocupe em aprender a trocar


fralda
Trocar fralda é o mais fácil e qualquer outra pes-
soa pode fazer por você.
A paternidade vai muito além de trocar fralda e
levar filho pra passear no parque.
Não se trata de uma relação a dois entre você e
sua cria, mas de uma relação a três: pai, mãe e filho.
Mais do que aprender a cuidar de bebês, aprenda a
cuidar também da sua companheira e da relação de vo-
cês. Ela com certeza está passando pelas mesmas crises,
medos e angústias que você, com o agravante de passar
por alterações corporais e hormonais gigantescas.

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Vou ter um filho não-planejado

Mesmo que algum dia se separem, a relação en-


tre vocês dois vai impactar diretamente a criança.
Portanto, é melhor evitar brigas e desentendimentos
desnecessários que só vão dificultar uma rotina que
já não é simples.
Gaste um bocado de energia para aprender a ser
pai e outro bocado para reaprender a ser companheiro.

Falando de coração
Quando recebi a notícia de que minha então na-
morada estava grávida, eu entrei em pânico.
Temia que minha vida não seria mais a mesma,
que não teria mais tempo para fazer as coisas que eu
quisesse, que não sobraria mais dinheiro pra eu via-
jar, comprar meus games, ter de mudar toda minha
rotina, mudar para um apartamento maior, fazer os
mesmos programas que meu pai fazia comigo e fre-
quentar festas em buffet infantil onde te servem co-
xinha fria e Coca-Cola quente enquanto as crianças
gritam e chamam de tio.
A ideia de que um ser minúsculo ia pautar mi-
nha vida e me obrigar a fazer coisas que eu não gosto
era pavorosa.
A má notícia é que tudo que eu tinha medo de
acontecer aconteceu.
Não só o que eu temia, mas também um monte
de outras coisas que eu nem sequer sabia que vinham
no pacote.
A boa notícia é que minha filha trouxe uma nova

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Vou ter um filho não-planejado

perspectiva e um novo propósito para mim.


Continuo odiando acordar cedo, mas é tão gos-
toso ir até a padaria e voltar comendo pão de queijo
juntos que tenho feito com o maior prazer.
Meu tempo de fato ficou mais curto e tive de abrir
mão de uma série de coisas que gostava para poder me
dedicar à minha filha. Hoje, procuro cada vez mais,
arrumar espaço na minha agenda para ficar com ela.
A grana ficou mesmo curta. Mas no meu tempo
livre eu não quero mais sair para jantar, para a bala-
da ou para o bar. Eu quero estar com a minha filha.
Continuo odiando buffets infantis, mas meu co-
ração derrete quando vejo minha filha se acabando
de brincar e me chamando para participar.
O que dá medo quando nos imaginamos no pa-
pel de pai de uma criança é o quanto vamos precisar
nos transformar pra ser o modelo de pai que gostarí-
amos de ser. O que assusta é o tanto que vamos pre-
cisar encarar pra fazer isso acontecer.
Mas na prática, essa transformação é gradual,
imperceptível e quase indolor.
Na minha visão, a paternidade é um dos maiores
agentes transformadores dos homens. Ela consegue
puxar o melhor de cada um de nós e trazer à tona.
Quando você menos perceber, vai estar fazen-
do coisas que nunca se imaginaria fazendo. Com um
baita sorriso no rosto.
Quando esse dia chegar, me manda uma foto.

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Estou me divorciando
Por Luciano Andolini

Todos os dias você chegava em casa e não dava


pra conter o sorriso. Você ainda se lembra da festa
de casamento, das risadas dos amigos, as famílias se
abraçando, confraternizando juntas.
A rotina não poderia ser mais gostosa. Tudo pa-
recia se encaixar. Vocês tinham mil programas e com-
promissos juntos que só tornavam a sensação de com-
panheirismo ainda maior.
Pequenos desentendimentos existiam, claro.
O problema foi quando eles se tornaram mais
constantes e, de repente, tomaram conta da relação.
Onde antes parecia existir a receita pra harmonia e
felicidade eterna, agora há um inferno doméstico.
Assim, de repente, o assunto está na mesa: chegou a
hora do divórcio?

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Estou me divorciando

Quando você quer continuar


Quando você está no meio da relação e surfan-
do essa onda de contentamento, é bem difícil pensar
que o futuro do casal possa ser a separação.
Porém, a proporção com que as separações aconte-
cem não pára de aumentar. Em 2014, o número de
divórcios cresceu 160% em relação a 2004.
Hoje, a idade média para o divórcio é de 43 para
homens e 40 para as mulheres, cujos casamentos du-
ram (em média) 15 anos.
Ainda que hoje esteja bem mais fácil encerrar um
casamento, isso não faz o processo menos doloroso.
Se pegar a duração média dos matrimônios hoje em
dia e a idade do casal, podemos entender como é im-
pactante a separação.
Quando se olha para o tempo que passou, o in-
vestimento em dinheiro, tudo o que se abdicou em
prol da relação, pode ser que surja raiva ou frustra-
ção, como se tudo tivesse sido em vão. Pode ser que
dê vontade de brigar ou de se vingar. Talvez seja ain-
da pior quando você é a parte que gostaria de ver a
continuidade do casamento.
Esse turbilhão emocional é esperado. Mas é es-
sencial respeitar o desejo do outro de partir, sob o
risco de piorar ainda mais algo que já é complicado.
Segurar a outra pessoa não compensa também nem
sob a ótica prática. Divórcios litigiosos costumam
ser ainda mais sofridos e podem custar mais finan-
ceiramente.

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Estou me divorciando

Quando você quer separar


Desgaste na convivência, traição, excesso de con-
trole, dificuldades financeiras, discordância na cria-
ção dos filhos, frustração com relação à falta de apoio,
comunicação ou intimidade. Os motivos podem ser
muitos.
Mas se você é a parte que quer encerrar, mesmo
que a situação toda seja amigável, ainda assim, a dor
é grande. Há uma história compartilhada, mil lem-
branças construídas em conjunto. Isso quando não
há toda uma família e patrimônio a se dividir (o que
costuma ser bem conflituoso).
É importante estar pronto para ouvir palavras
duras da pessoa com quem passou todo esse tempo
junto, afinal, para ela, é o fim de algo extremamente
significativo e que, como você, ela também investiu
bastante. Talvez, essas palavras sejam só a manifes-
tação da frustração de passar por isso de surpresa.
Mesmo quando não é mais possível estar juntos como
par romântico e isso é claro e de mútua concordân-
cia, “destruir” esse mundinho construído em conjun-
to costuma ser difícil, para dizer o mínimo.
Se você ainda não teve a conversa que vai dar iní-
cio ao divórcio, temos um texto no nosso portal cha-
mado “Como ter conversas difíceis: 7 passos recomen-
dados por um psicólogo clínico” que talvez seja útil.

Paciência com amigos e familiares


Como se já não fosse complicado o bastante,

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Estou me divorciando

você provavelmente ainda terá de lidar com o fato


de ter que explicar muitas vezes para amigos e fami-
liares o que aconteceu.
Dificilmente alguém faz isso por mal, mas é co-
mum que as pessoas próximas tenham curiosidade so-
bre as razões por trás da separação ou até estejam ten-
tando ajudar. Por isso, é importante ter paciência.
Se o divórcio é amigável, você e seu cônjuge po-
dem combinar uma versão pública da história, como
uma forma de evitar fofocas, brigas e exposição des-
necessária.

Tenha autocompaixão
Uma das partes mais difíceis de um divórcio
(além da burocracia e conflito), é lidar com a culpa,
o ressentimento, raiva e outras emoções negativas,
muitas delas dirigidas a si próprio.
É bastante comum olhar para si como um fra-
casso, alguém incapaz de manter uma relação, que
faz tudo errado.
Afinal, durante uma relação, as pessoas tendem
a cultivar uma autoimagem usando como base suas
características que melhor acomodam a relação. Po-
rém, quando o fim chega, o resultado é uma perda de
referencial, pois se pensarmos bem, é uma parte de
si próprio está se dissolvendo também.
A condição humana é imperfeita, relações são
mesmo difíceis, dependentes de fatores alheios ao
seu controle e nada, absolutamente nada, é feito para

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Estou me divorciando

durar eternamente. É importante não evitar as emo-


ções dolorosas para não silenciar uma parte essencial
de si—o que pode ter consequências mais tarde—mas
também lembre de pegar leve consigo mesmo.
Pode ser útil olhar a si próprio como um ami-
go que está sofrendo e esforçar-se para acolher essa
parte machucada da melhor forma possível.
Talvez seja interessante viver esse período de
luto, como já você já deve ter vivenciado inúmeros
outros, em suas relações anteriores. Respeitar sua
dor, distanciar-se um pouco para recobrar a calma
e, então, lidar com as etapas burocráticas sem entrar
na frente, sem tentar obstruir.

Reaproxime-se de amigos
Os relacionamentos afetivos tomam uma parte
enorme do nosso tempo. Então, é natural que algu-
mas outras relações fiquem de lado e, com isso, ve-
lhos amigos se tornem um pouco mais distantes.
Reencontrar velhos companheiros de jornada
pode ser um alento nesse momento em que as coisas
ficaram mais duras. Ao se ver às voltas com pessoas
por quem nutre afeto, você pode resgatar um senti-
mento de segurança e acolhimento que talvez esteja
abalado pelo divórcio.

A dura realidade da burocracia


Um divórcio é um processo sensível e, não raro,
o que era uma separação amigável acaba se transfor-

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Estou me divorciando

mando em uma disputa feroz.


Por isso, um bom advogado especializado em di-
reito civil é indispensável.
É ele quem vai orientar vocês sobre a papela-
da, taxas e partilha de bens. Além disso, ele vai atu-
ar como uma importante força imparcial em meio a
eventuais conflitos e desentendimentos.

Sobre filhos
Em 2015, a maior proporção (47,7%) de divór-
cios, segundo o IBGE, aconteceu em famílias com fi-
lhos menores de idade. Em 78,8% dos casos, a guarda
ficou sob a responsabilidade das mulheres em 5,2%
ficou com os homens. A guarda compartilhada cres-
ceu de 7,5%, em 2014, para 12,9% em 2015.
Esse é um tópico bastante polêmico. Por um lado,
muitas mulheres reclamam do fato da guarda quase sem-
pre recair sobre as mães. Por outro, muitos pais gosta-
riam de ficar com a guarda dos filhos. Isso também não
quer dizer que muitas mães não prefiram mesmo ficar
com a guarda ou que muitos pais não sejam negligentes.
O fato aqui é que esse é um assunto dos mais sensíveis
e não é raro que envolva disputas judiciais.
Muita gente aproveita-se do fato de que os filhos
ficam no meio do divórcio para tentar fazer chantagem
emocional, utilizando-os como arma de vingança.
Saiba que suas atitudes marcam a memória dos
filhos e muitas vezes transformam-se em traumas e
ressentimentos profundamente enraizados. Então,

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Estou me divorciando

antes de pensar em algo do tipo, pese se o que acon-


teceu de ruim na relação é tão importante assim ao
ponto de valer esse preço.

Em algum momento você vai querer se re-


lacionar de novo
Quando estamos sofrendo, há uma urgência,
aquilo se transforma em todo nosso universo. Então,
a tentação é grande em visualizar aquele momento
como o mais crucial em toda a sua vida para agora e
para o futuro.
Mas a verdade é que o tempo passa, nossas prio-
ridades mudam e todo evento desesperador de hoje
tem o potencial de ser uma memória que desperte um
sorriso amanhã. Inclusive divórcios.
Um passo comum em términos de relação é um
certo bode por relacionamentos. Você jura de pés jun-
tos que nunca mais vai querer se envolver com nin-
guém. Até que uma pessoa luminosa e irresistível apa-
rece na sua frente e joga essa sua convicção no lixo.
Mesmo que o trauma seja grande, um divórcio
não é o fim da vida.

Perdoar ou não?
Talvez você tenha na ponta da língua as dificul-
dades que passou dentro da relação e a marca dos
momentos finais da relação ainda sejam profundas.
Mas as chances da pessoa com quem você era casado
estar do mesmo jeito são enormes.

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Estou me divorciando

Uma relação não é unilateral. Para cada recla-


mação nossa, o outro também tem as suas.
É claro que a dificuldade com o perdão pode vir
acompanhada de mil ressentimentos, mas ainda que
a separação ocorra, um casamento é para a vida in-
teira, seja na forma da guarda compartilhada dos fi-
lhos ou nas memórias que ficam.
Guardar mágoa de situações que vão ficando cada
vez mais distantes no passado é uma forma de man-
ter o sofrimento vivo. Portanto, pensar com seriedade
em perdoar e cultivar uma nova relação de amizade
ou pelo menos respeito mútuo pode ser uma alterna-
tiva mais saudável e benéfica para ambas as partes.
Ninguém aqui está dizendo que divórcio é sim-
ples, que basta ter vontade e tudo muda da noite pro
dia. Se fosse assim, talvez nem fosse necessário di-
vorciar em primeiro lugar. No entanto, cada passo
que damos para deixar menos conflitos e pontas sol-
tas para trás, mais leves vamos caminhar em direção
a um futuro com a consciência mais tranquila.

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Não consigo esquecer
minha (ou meu) ex
Por Luciano Andolini

Num belo momento percebemos que não sobrou


mais alternativa alguma. Todas as esperanças se esgo-
taram. Os telefonemas doloridos, as mensagens cui-
dadosamente compostas, encontros aleatórios forja-
dos e demais rituais do pós-término simplesmente
cessaram. Diante de nós um passado cada vez mais
distante e uma estrada a se percorrer. Assustadora-
mente promissora.
Quando nos pegamos de frente para a necessi-
dade de seguir, temos a ilusão de parecer mais fácil
permanecer parado, esperando por um milagre. Se-
guramos forte a qualquer pequena certeza que possa
trazer a mínima expectativa de tê-la de volta.
Vasculhamos emails, procuramos por fotos em
redes sociais, forçamos caminhos, vamos aos mesmos

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Não consigo esquecer minha (ou meu) ex

lugares para gerar novamente “coincidências” que tor-


nem possível um reencontro. Tudo porque queremos,
desesperadamente, estar errados e ver que aqueles
filmes que assistíamos juntos falavam a verdade.
Os dias vão correndo, a eles juntam-se semanas,
meses e em alguns casos extremos, até anos. Tudo
depende de uma escolha pessoal, simples e objetiva.
Pegar a estrada e avançar.

Obstáculos ao recomeço
Somos habituados a enxergar os acontecimentos
na vida como se estivéssemos dentro de um jogo. Se-
guimos uma lógica dualista, preto e branco, bem e mal,
ganhar ou perder. Lógica responsável por grande parte
das aflições que nos atingem. Some a isso uma boa dose
de autocentramento e temos uma bomba de sofrimen-
to, prestes a explodir, diante de qualquer instabilidade.
O referencial autocentrado se transforma no
principal obstáculo quando estamos diante da possi-
bilidade de seguir nosso caminho. É ele que se veste
de culpa e medo fazendo-nos estagnar. É ele que nos
força a tentar vencer, moldando as circunstâncias ex-
teriores a nosso favor. O grande problema é que, mui-
tas vezes, este “a favor” não é tão favorável assim.
Entramos em uma espécie de limbo emocional,
ao tentar recuperar condições que não mais existem.
Deixamos de abrir espaço para que novas oportuni-
dades floresçam, mesmo sabendo ser inviável o re-
torno ao passado. Insistimos em bater com a cabe-

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Não consigo esquecer minha (ou meu) ex

ça na parede, atacando nossa mente com perguntas


sem resposta, forçando sentido numa busca para ter
quem desejamos. Porém, esquecemos que, na reali-
dade, tudo o que queremos é cessar o sofrimento – só
que tentamos por meios equivocados.
Permanecer preso a um relacionamento, por
mais insensato que possa parecer, é um mecanismo
de busca pela felicidade por meio da fuga. Fuga do
sofrimento que acabará apenas movendo a engrena-
gem, gerando um pouco mais dor.
Por acreditarmos num ideal de felicidade eterna,
seguimos repetindo erros, tapando buracos, adminis-
trando dor e confusão em pequenas doses semanais.
Ficamos dentro da prisão sob a condição de poder apri-
sionar o outro também. Tentamos evitar que a felicidade
escorregue pelos dedos, num processo obsessivo-com-
pulsivo. Somos ingênuos a ponto de acreditar que basta
resgatar determinadas condições para cessar a dor.
Claro, parece muito lógico. Se antes eu estava
feliz e agora que essa pessoa me deixou eu sofro, evi-
dentemente, se conseguir reestabelecer a relação,
voltarei a ser feliz. O problema que a lógica deixa es-
capar é o fato de que tudo, invariavelmente, muda.
Mesmo trazendo a pessoa de volta ao seu convívio, a
bomba permanecerá ali, tiquetaqueando, esperando
uma oscilação para explodir novamente.
Não adianta ficar parado, remoendo dores do
passado, imaginando que isso o impedirá de viver no-
vas dores no futuro.

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Não consigo esquecer minha (ou meu) ex

Não é bem a separação que nos faz sofrer


Recomeçar parece difícil pois não damos a opor-
tunidade das pessoas nascerem diante de nós. Olha-
mos para elas matando-as com nosso olhar sem vida.
Quando falamos de ex, temos de lembrar: seguir é
também liberar o outro para seguir, parar de pertur-
bá-lo, impedi-lo, controlá-lo.
Ironicamente, é esse movimento interno de não
admitir o fim que gera grande parte do sofrimento
que parece residir lá fora, na situação. Ficamos ma-
chucados de tanto nos debater na terra onde poderí-
amos apenas andar. Sofremos menos porque acabou
e mais porque não sabemos seguir.
Às vezes nos deparamos com uma pessoa que é
muito diferente de quem deixamos (ou nos deixou) e
isso se torna um obstáculo à construção de uma nova re-
lação. Em outros momentos, encontramos alguém que
nos faz lembrar a pessoa anterior e isso também nos
bloqueia. Inventamos justificativas para não permitir
que avancemos, por medo, orgulho, raiva ou ciúme.
Por isso, às vezes, ao invés de simplesmente não
permitir que alguém nasça com qualidades que nos
encantem, simplesmente lhes damos o pior nascimen-
to possível. Ficamos apagados, desistimos do mundo,
esquecemos de observar a beleza primordial das coi-
sas ao nosso redor. Revestimos a pessoa de defeitos,
estagnamos voluntariamente diante daquela oportu-
nidade, apenas para sofrermos mais à frente ao ver
nosso campo de ação cada vez mais reduzido. Geral-

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Não consigo esquecer minha (ou meu) ex

mente porque nosso corpo, a qualidade das nossas


relações ou nosso brilho natural decaiu.
Todas aquelas frases prontas do estilo “Ela era a
melhor mulher do mundo”, “Ela era perfeita” e “Nun-
ca mais vou encontrar alguém assim” são consequ-
ência da dificuldade em ver as pessoas de uma ma-
neira virtuosa. Este mecanismo acaba sendo um dos
responsáveis por nos tornar medrosos ao ponto de
chorar de desespero, pensando ter encontrado uma
pérola rara no fundo do oceano.
O problema, neste caso, não é exatamente pensar
ter encontrado algo raro e precioso. O problema é fe-
char-se ao fato de que existem outras pérolas no oce-
ano. Outras fontes de beleza, brilho e fascinação estão
espalhadas por todo lugar. Apenas perdemos a capaci-
dade de ficar fascinados pelo mundo e pelas pessoas.
Bloquear o seu próprio progresso e chorar pela
liberdade recém adquirida da ex não é o mesmo que
atribuir-lhe valor.
Essa falsa sensação de valor intrínseco nada tem
a ver com a pessoa em si, mas com a experiência que
temos ao interagir com ela. Experiência tão volátil
quanto qualquer oscilação de humor. No entanto, ten-
demos a acreditar na sua solidez no instante no qual
apontamos este olhar.
É assim que, em questão de minutos, a doce e
meiga pessoa deitada na cama, lendo uma revista,
pode se tornar um monstro. Sua interação vai de uma
base de carinho e afeto a outra de medo e raiva em

203

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Não consigo esquecer minha (ou meu) ex

instantes, reagindo à forma como ela se posicionar.


Em um momento, olha apaixonado, com uma profun-
da ternura. Em outro, foge assustado ou a desafia em
meio a gritos de raiva. O que efetivamente mudou?
Às vezes, congelamos o outro numa posição. Uma
determinada impressão causada pelo olhar torna-se
tão forte que criamos uma fotografia da pessoa com
um rótulo na nossa mente. Ela se transforma em ex,
uma memória no passado. E isso traz um profundo
desconforto atrelado a uma cegueira que nos impede
de ver todo o universo existente ao nosso redor.
Não só matamos a pessoa que causa dor, impe-
dindo-a de nascer livremente de uma maneira que
não cause aflição, como não permitimos o nascimen-
to de uma outra pessoa ao nosso lado. Nós não dei-
xamos que ela mostre as qualidades que admiramos
a ponto de torná-la especial.
Esta é uma dificuldade que não ocorre apenas de-
pois, mas durante e antes de uma relação. Dificilmente
vemos qualquer pessoa diante de nós como um corpo
que manifesta diversas qualidades num fluxo contí-
nuo de oscilações de intensidades e formas diferentes.
Aprisionamos o outro naquilo que nos agrada.

A estrada à frente
Portanto, quando a estrada se exibe diante de
nós, é possível começar a construir um caminho com
passadas firmes, apoiadas em pernas mais fortes do
que o medo e a insegurança. Precisamos de olhos agu-

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Não consigo esquecer minha (ou meu) ex

dos, que mirem fixos no horizonte e saibam enxergar


além das camadas mais grosseiras da percepção do
dia-a-dia. Assim, talvez perceba que qualquer pessoa
é capaz de repetir exatamente as mesmas experiên-
cias que você acabou de viver.
Começar por criar uma vida cheia de experiências
positivas, oferecer o seu melhor em todos os aspectos,
investir no seu bem-estar, ler mais e conhecer outros
lugares é apenas uma pequena lista do que pode ser fei-
to para não só passar a ver qualidades nos outros como
a ver a si próprio de maneira virtuosa – parte essencial
do processo, por mais que pareça bobo ou ingênuo.

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Meus pais morreram
(luto por pessoas queridas)
Por Guilherme Valadares

“Aquilo que nasce, morre


O que foi juntado, há de ser dispersado
O que foi acumulado, há de ser exaurido
O que foi construído, há de colapsar
E o que foi alçado às alturas, virá abaixo”
— Sogyal Rinpoche, no “Livro Tibetano do Viver
e Morrer” (em tradução livre)

Luto não é um problema a ser resolvido, diferen-


te de outras das crises abordadas nesse livro.
Enxergo o luto como um processo por meio do
qual acomodamos nossas emoções e o sentimento de
profundo pesar advindo da perda, abrindo espaço
para a ausência, para o que fica e para o que será.
Não é algo para se “tirar da frente”. É um perío-

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Meus pais morreram

do a ser vivido e honrado em sua plenitude.


Em poucos momentos vivi tão intensamente
como nos vinte dias anteriores à morte de meu pai.
Esse texto reúne algumas notas sobre como atraves-
sei seu falecimento, as quais espero serem úteis de
algum modo para você.

***

Vinte de dezembro de 2016. Fui a João Pinheiro,


interior de Minas, buscar meu pai.
Antônio estava há mais de um mês enfermo e
sem atender ligações ou receber qualquer pessoa em
sua casa, estava deixando a família bastante preocu-
pada. Nos enrolava dizendo que era o vírus Zika. Já
acostumados ao humor recluso e piadista de meu ve-
lho, não demos tanta bola.
Até o momento em que ele me respondeu uma
mensagem dizendo:
“Não adianta vir agora, sua irmã está na roça,
só vem quarta-feira. Amanhã vou fazer ultrassom, aí
vou saber condição real. Calma e lembre-se, eu te amo
muito. Tanto faz onde quer que estejamos. Inté”
Ele não era de dizer eu te amo, muito menos “onde
quer que estejamos”. Comprei passagem no ato.
Chego em João Pinheiro e o trago pra Belo Ho-
rizonte no dia seguinte, ele me recebe sem reclamar.
Parecia estar esperando alguém chegar pra buscá-lo.
O médico no Pronto Socorro vê meu pai. Um ho-

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Meus pais morreram

mem grande, mas agora amarelo, magro pacas, fraco


e deitado na maca. Recebe de volta um olhar matuto,
ressabiado. Medindo as palavras, o Dr. Lucas arrisca:
— Então, senhor Antônio, me conta, o que o se-
nhor tem, qual o problema?
— Saudade do meu sítio.
Dr. Lucas mantém um silêncio confuso, ao que
meu pai responde, bem mineiro:
— Não sô, cê não tá entendeno, é isso memo, sau-
dade das galinhas, do franguinho caipira, da minha
cachaça.
Em quase vinte dias de hospital, matou os en-
fermeiros de raiva e risada. Teimou pra não ser in-
ternado e passar o Natal com a família. O hospital
nos fez assinar um termo de responsabilidade antes
de autorizar a saída.
Quando meu pai já estava na CTI, o médico reco-
nheceu o acerto da decisão. Era desejo vindo de den-
tro, alheio a ultrassons e ressonâncias impessoais.
Nesses mesmos vinte dias, Antônio uniu a família.
Viagens foram canceladas e todos nos amontoamos,
nos acarinhamos, comemos e vivemos juntos esse pe-
ríodo entre o Natal, reveillón e começo de 2016.
No fim da primeira semana de CTI, o velho sol-
tou que não queria mais sair dali tão cedo, fazia tem-
po desde que a última vez em que “tanta muié junta
dava banho nele, tava bão demais”. Quando entuba-
do e sem poder falar, enviava recados escritos: “amo
todos vocês”. E pra nos atentar, escrevia logo abaixo:

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Meus pais morreram

“fazer jogo na Mega Sena da Virada”.


Em treze de janeiro do dois mil e dezesseis, An-
tônio foi puxar uma soneca mais longa e matar de vez
essa saudade da roça.
Entre o diagnóstico e o enterro, vinte dias. Um
piscar de olhos.
A morte de uma pessoa com a qual tínhamos for-
te relação pode nos arremessar em um amplo ques-
tionamento existencial. Os laços tecidos em conexão
com a pessoa querida serão colocados à mesa.
Avaliamos a relação, os possíveis ressentimen-
tos ou pontas soltas, as lembranças felizes, as triste-
zas, os ditos e não ditos, os silêncios, os anseios, so-
nhos, expectativas. À parte da relação com quem se
vai, podemos nos pegar pensando sobre a maneira
como gastamos nosso tempo e o que decidimos ser
nossas prioridades. Nos recordamos de que também
vamos morrer e não temos a menor ideia quando.
O outro não está mais aqui, mas a vida de quem
fica é acertada em cheio por uma grande onda.
Falar do morrer é falar de como vivemos.

A clareza dos últimos momentos


A proximidade da morte limpa os olhos. Abre
espaços em agendas impossíveis, como nenhuma ou-
tra situação o faz. Se não para aqueles que estão em
volta, com certeza pra quem vai partir.
Nos dias de hospital com meu pai, devorei o livro
“Por um fio”, escrito pelo Dr. Dráuzio Varella. Trata-

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Meus pais morreram

-se de um conjunto de crônicas baseadas em suas ex-


periências reais como médico lidando com câncer ao
longo de várias décadas. Recomendo sem pestanejar.
No penúltimo capítulo, “Vertigem”, Dráuzio relata
pérolas de sabedoria proferidas por alguns de seus
pacientes, tanto os que se curaram, como outros que
tiveram de enfrentar quadros sem chance alguma.
Um outro médico mais velho, tratado por Dráu-
zio e com um câncer de próstata incurável, diz:
“Antes de ficar doente, eu nunca estava no lu-
gar em que me encontrava: vivia alternadamente
no passado e no futuro.
Quantas coisas boas desperdicei por permitir
que meus pensamentos fossem invadidos por me-
mórias tristes ou contaminados pela ansiedade de
planejar o que deveria ser feito em seguida. Era tão
ansioso que chegava a puxar a descarga antes de
terminar de urinar.
A doença me ensinou a viver o presente.”
A fala seguinte é de um rapaz de vinte e cinco anos,
portador de uma forma grave de linfoma de Hodgkin,
tipo de câncer que se instala no sistema linfático:
“Sempre fui explosivo: brigava no trânsito, xin-
gava os outros, ficava irritado por qualquer boba-
gem, já acordava chateado sem saber por quê.
Quando entendi que podia morrer, pensei: não
tem cabimento desperdiçar o resto da vida. Virei Al-
bert Einstein, o defensor da relatividade: quando al-
guma coisa me desagrada, procuro avaliar que im-

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Meus pais morreram

portância ela tem no universo.


Descobri que é possível ser feliz até quando es-
tou triste.”
Quando Dráuzio pergunta a um maranhense ile-
trado, pai de quinze filhos e rosto marcado pelo sol,
se a doença havia lhe trazido alguma coisa de bom,
ele respondeu:
“O cavalo fica mais esperto quando sente verti-
gem na beira do abismo.”
Por fim, o Dr. Varella arremata com sua própria
pergunta:
“Custei a aceitar a constatação de que muitos
de meus pacientes encontravam novos significados
para a existência ao senti-la esvair-se, a ponto de
adquirirem mais sabedoria e viverem mais felizes
que antes, mas essa descoberta transformou minha
vida pessoal: será que com esforço não consigo
aprender a pensar e a agir como eles enquan-
to tenho saúde?”
Arrisco que aqueles que ficam podem cultivar
uma mente que nos permita responder a essa ques-
tão. E fazendo isso, é possível também atravessar as
dores da perda e do luto com mais estabilidade, aber-
tura, fluidez e serenidade.

Práticas de lucidez para antes, durante e


após o luto
Em seguida a meu pai, meu tio e avô materno
faleceram em um curto espaço de tempo. Ao longo de

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Meus pais morreram

pouco mais de um ano, o luto esteve bem próximo de


mim e dos meus entes mais queridos. Relato a seguir
o que experimentei e me ajudou, na prática.

O que já fazia antes dos momentos de mor-


te e luto:
1. Chamei meu pai pra um conversa de co-
ração, um-a-um
Desde muito jovem sabia que meu pai possuía
uma grave condição de saúde e poderia falecer subi-
tamente. Esse foi o motivo pelo qual se aposentou tão
cedo, inclusive, e decidiu passar seus últimos anos no
interior. Os médicos lhe deram seis meses de vida, ele
teimou por mais vinte e quatro anos.
Entretanto, essa iminência da morte não me dava
muita sabedoria ao me relacionar com ele. Brigávamos
com frequência, mesmo nas poucas vezes em que a gen-
te se encontrava. Apesar do coração generoso, meu pai
podia ser bem duro, agressivo e fechado comigo.
A convivência melhorou depois que fui morar em
São Paulo e conquistei minha independência financei-
ra. Como é tão comum em relações amorosas, porém
complicadas, a distância e o tempo foram generosos.
Lá pelos meus vinte e tantos, quando os dois es-
tavam na mesma cidade, o chamei pra uma conversa
do bar. Ele perguntou se eu queria resolver algo es-
pecífico, falei que não, só conversar mesmo e que era
importante.
Abri me colocando vulnerável e sendo sincero.

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Meus pais morreram

Contei do que estava acontecendo em minha vida nos


últimos anos, disse que o amava muito, mas que ti-
nha dificuldade em falar com ele, que o sentia fecha-
do e que havia muitas coisas sobre sua vida que des-
conhecia completamente e queria mudar isso.
Ficamos mais de três horas na mesa.
Falamos coisas bonitas e verdades doloridas, nos
respeitamos e, acredito, tivemos nossa primeira con-
versa como Guilherme e Antônio, pessoas além de
um pai e um filho.
2. Evitei segurar os silêncios e segui tendo
conversas importantes
Essa conversa foi um marco. Abriu a porteira.
Dela em diante, aproveitava as ocasiões em que
revia meu pai (umas duas ou três vezes por ano, já
que morávamos longe) para ter as conversas que fos-
sem necessárias, como por exemplo entender sua si-
tuação financeira, dívidas e propriedades. Saber de
todos esses detalhes poupa inúmeros problemas e fa-
cilita muito o processo de inventário.
Conversar sobre a morte ou qualquer outro assun-
to delicado não precisa ser encarado como invasivo ou
macabro. Conversas difíceis são parte da vida.
Tê-las é natural. É bem pior, penso, nos escon-
der delas.
O resultado disso é que fomos nos aproximando
e respeitando mais.
3. Cultivei estabilidade emocional
Já mencionei no PapodeHomem algumas vezes

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Meus pais morreram

que a meditação é minha principal prática de equilí-


brio emocional e que também me formei professor pelo
método CEB (Cultivating Emotional Balance). Medi-
tar é parte de meu cotidiano, assim como ir a retiros,
sob a tutoria de professores legítimos, que carregam a
sabedoria de linhagens que atravessaram os séculos.
Sugiro que busque um caminho com o qual se
identifique e se mantenha nele, com consistência. Ví-
deos, livros e palestras de transformação não bastam,
é preciso cultivar na prática.
Não há aposta mais certeira do que essa para
nossas vidas. Ter uma mente mais clara e estável é
benéfico para toda e qualquer situação.
4. Me engajei em práticas de cuidado e aco-
lhimento comigo mesmo e com ele
Quando era mais jovem e metido a “macho”, era
expert em disfarçar insegurança como segurança.
É comum que homens passem muitos anos de sua
vida, consciente ou inconscientemente, provando se-
rem “homens de verdade”. Isso não é privilégio de ado-
lescentes, vejo homens casados, de cabelos brancos e
com neto no colo às voltas com masculinidades duras,
fechadas para demonstrações de afeto, amor e cuidado.
Cultivar compaixão genuína pelo meu pai, me
desprendendo dos ressentimentos que carregava do
passado, foi uma benção para nossa relação. Treinar
o mesmo sentimento comigo mesmo, também (sim, é
muito comum posarmos como virtuosos e generosos
com os outros, ao mesmo tempo em que somos ridi-

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Meus pais morreram

culamente críticos com nós mesmos).


Mergulhando nesse texto do PapodeHomem
aqui — “Cultive mais autocompaixão, ao invés de
mais autoestima” — e em todos os links dentro dele,
você vai conhecer a rota pela qual segui, assim como
caminhos práticos para experimentá-la, caso se in-
teresse.
5. Meditei sobre a morte
Isso é diferente de pensar aleatoriamente sobre
a morte. É meditar, de modo formal, sobre o simples
fato de que podemos não estar aqui amanhã e no que
isso implica sobre a maneira com que vivemos hoje.
Recomendo saborear essa curadoria de 11 preciosos
textos que separamos no percurso “Para lembrar da
morte”, também no PdH.

Nos dias em que meu pai esteve na UTI,


o que fiz:
6. Conversei sobre preparativos, pendên-
cias e desejos, caso ele viesse a falecer, para
diminuir suas preocupações
Não impunha sobre ele a necessidade de conver-
sar disso, claro.
Mas quando ele me puxou pra falar onde gos-
taria de ser enterrado, caso morresse, respeitei isso.
Não disse pra deixar de lado essas conversas bobas
ou algo assim. Fiz anotações exatas. Seu desejo era
estar junto da avó, em João Pinheiro, não no túmulo
familiar de Belo Horizonte.

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Meus pais morreram

Quando surgiram as ocasiões apropriadas, con-


versamos sobre o que ele desejava para minha irmã
mais nova, que tinha nove anos na época. Sobre pen-
dências bancárias, acordos em aberto e vários outros
pequenos pontos.
Com sensibilidade, me coloquei disponível para
ajudá-lo a ter segurança de que estava deixando tan-
tas resoluções direcionadas como gostaria.
7. Cantei um mantra
Esse é um aspecto bastante pessoal.
Nos quase dez dias que ele passou inconscien-
te na UTI, eu o visitava pela manhã, tarde e noite.
Sempre cantava o mantra da compaixão, “Om mani
padme hum (link para áudio do mantra)”, com a as-
piração de que os obstáculos pudessem se desfazer
e que sua passagem fosse a melhor possível.
Eu estava em um turbilhão emocional muito in-
tenso. E o simples ato de cantar baixinho (pois canto
horrivelmente mal) me fazia sentir conectado a ele.
De vez em quando outras pessoas cantaram jun-
to comigo. Pode ser uma viagem minha, mas acredito
que a música criava um ambiente acolhedor para que
outras pessoas se aproximassem e também pudessem
expressar o que sentiam.
8. Expressei meus sentimentos
Falei com todas as letras que amava meu pai e a
enorme gratidão que sentia por tudo de bom que fez
por mim.
Tive a sorte de estar com meu avô de 89 anos dois

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Meus pais morreram

dias antes de sua morte, quando ele já estava bem frá-


gil. Novamente falei o que sentia, como o admirava.
Não foi a primeira vez que disse isso a nenhum
dos dois, mas fiquei feliz em falar e sinto que eles
também, ao escutar.
9. Mantive a meditação
Mesmo nos dias mais intensos, procurava sepa-
rar cinco, dez ou quinze minutos para sentar em si-
lêncio sobre minha almofada de prática.
Foi precioso observar minha mente em meio a
essa situação.
Penso que praticar em meio às mais duras crises
e dificuldades, por mais que minha energia estivesse
baixa e meu corpo não quisesse fazer isso, é uma rara
oportunidade de ver o quanto podemos tornar mais
fáceis mesmo as situações mais adversas.
Não era nada fácil fazer isso, entretanto. Creio
que só consegui pois já vinha fazendo isso há anos, a
pura força do hábito me carregou.
10. Evitei me culpar por minhas confusões
(mesmo quando me culpava por insistir em me
culpar)
Às vezes me pegava fazendo coisas que me da-
vam vergonha, como passar horas jogando no celular
ou dormir tarde vendo programas idiotas na TV.
Pensava que deveria ter feito algo supostamente
mais maduro. Acolher ou visitar alguém, estar mais
com meu pai, com minha mãe, qualquer coisa.
Mas também era honesto reconhecer que não

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Meus pais morreram

sou um robô. Que estava doendo e sobrecarregado


emocionalmente, que era difícil. E que é natural bus-
carmos escapes e nos distrair. Isso também é ser hu-
mano.
11. Encarei os surtos emocionais de quem
estava à minha volta como pedidos de acolhi-
mento
As pessoas da família em volta, eu incluso, nos
perdíamos nas mais alucinantes bobagens. Uns que-
riam controlar cada mililitro de medicação na UTI.
Outros brigavam por dinheiro, outros se atracavam
ou choravam sem razão alguma.
Nos reuníamos à mesa pra almoçar, jantar e fazer
as pazes.
Muita coisa bonita foi dita entre lágrimas, assim
como palavras terríveis. Escolhi carregar as palavras
bonitas e deixar as pesadas evaporarem.
Afinal, vieram de mentes enfrentando muita
dor. Todos nós somos capazes de pensar, falar ou
fazer ações com as quais não nos identificamos cin-
co minutos depois. Não vejo sentido algum em soli-
dificar as palavras ditas durante surtos ou grandes
dificuldades. É mais fácil acolher e ser acolhido, sem
ressalvas.

Logo após a morte de meu pai:


12. Pedi ajuda abertamente para os ami-
gos de confiança
Fui sincero e ativamente busquei a ajuda de amigos

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Meus pais morreram

e amigas de confiança. Me permiti ficar sozinho quando


era o que desejava — e quis passar compridos períodos
sem ninguém por perto. Tive longas conversas e recebi
abraços quando me sentia propenso a falar.
Aos amigos mais experientes de meditação, pedi
conselhos específicos de práticas.
Para a família e todos os demais amigos próximos,
quando sentia necessidade de algo, falava. Seja para o
primo que me ajudou com os preparativos logísticos
de funeral ou para a tia que me encheu de amor.
Buscar e me abrir para receber afeto foi como
um bálsamo.
13. Pedi tempo, no trabalho e em todas as
áreas onde havia espaço pra isso — respeitan-
do e honrando o fim de um ciclo
Luto não é problema a ser riscado de sua lista de
tarefas.
Eu escolhi viver o luto com os dois pés no chão.
Após meu pai falecer, passei mais dias em BH na casa
de minha mãe, junto dela e de minha irmã.
Abri o inventário, visitei e fui visitado por pes-
soas queridas. Respirei e refleti sobre onde estava
colocando meu tempo, fiz importantes decisões nes-
se período.
Não poderia ter me dado presente melhor.
14. Evitei me jogar em abusos
Álcool, sexo, drogas, games, ou seja qual for o
vício ou abuso com que você se conecte. Não queria
nada disso pra mim. Minha vontade era atravessar o

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Meus pais morreram

luto com os dois olhos e o peito bem abertos.


Por mais que em certos momentos brotasse von-
tade de fazer idiotices, me sentia muito melhor quan-
do trocava esses impulsos por boas refeições, tempo
com pessoas que amava, estar na natureza, permitir
com que o sol banhasse minha pele ou realizar ativi-
dades físicas.
15. Passei três dias em João Pinheiro com
meu tio e minha prima, visitando e conversan-
do com os amigos e amigas de meu pai
Escutei as mais lindas, tocantes e surpreenden-
tes histórias. Descobri ações maravilhosas, mal-fei-
tos e causos de assustar. Não fazia diferença, queria
conhecer mais de meu pai.
Fiquei sabendo que o mesmo Antônio grandalhão
e teimoso, que adorava berrar e xingar quem o contra-
riasse, fazia doações anônimas para as mais diversas
instituições de caridade, sempre que precisavam.
Escrevi notas sobre ele, algumas das quais per-
meiam esse texto e outras que seguem em minha gaveta.
E me despedi, despejando seus fios de cabelo na ca-
choeira de seu sítio, no Tauá.

Muitos meses após a morte


16. Ainda choro sozinho ao lembrar dele
— e tudo bem
Quando sinto a garganta fechando, solto e deixo
as lágrimas escorrerem.
Sinto isso nos meus momentos de maior alegria

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Meus pais morreram

e conquista, quando gostava de pegar o telefone e li-


gar. Ou nas horas de dúvida, quando apreciava rece-
ber seus conselhos — ainda que muitos fossem dife-
rentes do que penso.
Às vezes lágrimas escorrem no meio da rua ou até
no trabalho, discretamente, sem que ninguém note.
Ou como agora, escrevendo essas palavras.
17. Sustentar as práticas de equilíbrio e
lucidez
Creio que consegui praticar nas horas mais difí-
ceis pela força do hábito, como disse. Tenho a mais
absoluta certeza de que outras crises e lutos virão.
Por isso, sigo praticando meditação, assim como
zelando pelo meu corpo e saúde física e mental, tanto
quanto posso. Isso significa também manter o conta-
to com os professores e mestres.
18. Tornei estar com quem amo uma prio-
ridade maior em minha vida
Estou agora em Belo Horizonte, para o aniversário
de 70 anos de meu padrinho. Por um acaso é também
um dos momentos profissionais mais duros de minha
vida. Tinha todas as desculpas para não estar aqui.
Mas fazer isso seria um autoengano.
Estar com quem ama não suga nossas energias,
nutre. Tenho deliberadamente tomado a decisão de
abrir espaço em minha agenda para que isso seja cada
vez mais frequente. Não é fácil para quem fez o con-
trário por anos a fio, mas com o tempo muda. Essa é
outra aposta certeira a se fazer na vida.

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Meus pais morreram

19. Honrar o afeto e cuidado recebidos de


meu pai
Creio que todo o esforço, o investimento emocional e
o dinheiro colocados para me ajudar a ter as melho-
res chances nesse mundo, chances que talvez ele não
tenha tido, merecem ser honrados.
Mais do que manter isso no campo abstrato, pro-
curo agir de acordo.
Fazendo o melhor de minha formação, zelando
pela minha irmã, pela família e, de modo geral, ten-
tando ser uma pessoa decente.

***

Isso foi parte do que fez sentido para mim.


Entendo que às vezes perdemos alguém impor-
tante em nossa vida sem qualquer tempo de preparo
ou era uma pessoa quem tínhamos péssima relação,
apesar de grande afeto. Por isso não há receita de
bolo para luto.
Abaixo separei outras recomendações que me fi-
zeram muitíssimo bem e podem te ajudar. Li e prati-
quei com todas elas, sem exceção.
Espero que fique bem e que minha experiência
seja útil para você. Procurei colocar em palavras par-
te do que gostaria de ter escutado caso as enfrentasse
novamente.
Um grande abraço.

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Meus pais morreram

Outros livros, textos e vídeos que me aju-


daram:
- “Para uma vida plena, lembre-se da morte”, re-
lato de Stela Santin sobre a perda de seu pai
- “Por um fio”, livro por Dr. Dráuzio Varella
- Perguntas sobre a morte respondidas por Lama
Padma Samten
- “O livro tibetano do viver e morrer”, livro por
Songyal Rinpoche
- “Para lembrar da morte”, percurso de 11 textos
com relatos e comentários poderosos no PdH
- “A morte é um dia que vale a pena viver”, livro
pela Dra. Ana Claudia Quintana Arantes
- “A morte é um dia que vale a pena viver”, pales-
tra da Dra. Ana Claudia Quintana Arantes no TEDx
(está pública no YouTube)

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Estou insatisfeito
com meu corpo
Por Débora Navarro

Desde menina eu sou um “bom exemplo”, sem-


pre fiz exercícios, fui magra, e procurei ter uma dieta
de acordo com as diretrizes vigentes.
Ao contrário do que era de se esperar, em todos
os meus exames de sangue dos 19 anos até os 33 anos,
tive taxas homéricas de triglicerídeos, cheguei a to-
mar remédios, e a ser “diagnosticada” como a coita-
dinha que teve azar com a genética. E por quê? Por-
que justamente fazia tudo o que diziam ser o certo!
Eu fazia refeições de 3 em 3 horas, comia muitos
carboidratos em detrimento de qualquer fonte de gor-
dura, consumia carnes com muita moderação, evitava
os queijos gordos, nunca havia comprado manteiga
na vida, consumia alimentos lights e industrializa-
dos que eu pensava serem saudáveis (iogurtes lights,

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Estou instisfeito com meu corpo

cereais integrais, pães mil cereais, sucos, ricota e etc,


riquíssimos em carboidratos).
Eis que aos 34 descubro — confesso que tardia-
mente — a dieta paleolítica e/ou low carb. Em apenas
um mês, pela primeira vez na vida, tive taxas nor-
mais, comia na hora em que eu tinha fome e matava
todos os meus desejos alimentares. Novamente, ao
contrário do que era de se esperar, não engordei um
grama sequer. Nesse mesmo mês, meu namorado me
acompanhou e emagreceu 10 quilos.
Então, pergunto:
Você acredita que está fora do peso ideal pois sim-
plesmente come mais do que gasta? Alguma vez iniciou
uma dieta e simplesmente passou fome? O que te im-
pediu de continuar? Ouviu que não tentou o suficiente?
Que não se exercitou o suficiente? Sentiu-se culpado?
Se você, em algum momento, esteve insatisfeito
com o corpo e fez algum movimento sem atingir os
resultados almejados, pode ser que essas perguntas
gerem um certo constrangimento de identificação.
Há diversos problemas de saúde que podem oca-
sionar peso de menos ou de mais. Mas, salvo essas
exceções, há grandes chances de você ser vítima de
crenças alimentares e sobre atividade física enraiza-
das no subconsciente coletivo, mas que não têm em-
basamento científico.
Nos últimos anos, muito do que se sabia sobre
nutrição foi revirado de cabeça pra baixo. Talvez, a
principal mudança de paradigma seja a de que inú-

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Estou instisfeito com meu corpo

meros estudos randomizados jogam na lata do lixo a


ideia, nunca confirmada experimentalmente, de que
uma dieta rica em gordura faz mal à saúde.
Resumidamente, nunca houve evidência experi-
mental de que a restrição de gordura na dieta traga
benefícios, pelo contrário, sabemos com certeza que
uma dieta pobre em gorduras sempre demonstrou ser
prejudicial; dietas com redução de carboidratos (low
carb) comprovadamente são melhores para a nossa
saúde cardiovascular e perda de peso.
Caso seja o seu caso, provavelmente seus exames
de sangue e o seu sobrepeso são reflexos de uma die-
ta com quantias exageradas de carboidratos e pou-
ca gordura (que nos eram vendidos como saudáveis).
Essa dieta tem um efeito pouco comentado, o de nos
deixar permanentemente com fome, pois é a gordura
que aplaca nosso desejo e nos sacia.
Um outro ponto importante de se frisar é que
uma dieta baseada em carboidratos é rica em insuli-
na, cujas ações alteram o equilíbrio do tecido adiposo,
acumulando gordura, além de outras consequências
ao colesterol, triglicerídeos, hipertensão, diabetes,
obesidade, etc.
Caso ainda tenha dúvidas, aconselho a estudar a
dieta low carb. Indico a melhor das leituras, o site low-
carb-paleo.com.br, com compilações realizadas por José
Carlos Souto, Médico Urologista formado pela UFRGS,
pós-graduado em patologia experimental na FFFCMPA
e nos EUA. Um dos melhores profissionais que cultivam

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Estou instisfeito com meu corpo

esse interesse na interface entre saúde e nutrição.


Tudo que está nesse site é devidamente referen-
ciado e nos dá o caminho para as leituras e conheci-
mento científico. Não se trata de uma blogueira fit-
ness. É ciência.
Na prática, à medida que vai se munindo de conhe-
cimento, a regra de ouro é: coma comida de verdade.
Preparei uma lista com algumas indicações, baseadas
nesse link, para quem não tem tempo a perder.

Coma:
Carnes: Qualquer tipo, bovina, suína, aves, car-
ne magra, gorda, bacon, etc.
Peixes e frutos do mar: Todos.
Ovos: Na quantidade que quiser.
Gordura natural: Manteiga, gordura dos ali-
mentos, azeite de oliva, óleo de coco.
Vegetais: Todos. Em abundância. Talvez você
não goste hoje pois nunca os refogou com manteiga,
acrescentou maionese caseira, bacon, etc.
Laticínios: Produtos fermentados do leite (quei-
jo, iogurte natural com gordura, coalhada, manteiga)
e os ricos em gordura (creme de leite, nata).
Nozes: Todas. Evite excessos.

Não coma:
Nenhum tipo de açúcar. Derivados do trigo. Do-
ces. Grãos. Margarina. Óleos vegetais refinados (soja,
canola, milho, etc).

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Estou instisfeito com meu corpo

Coma com moderação:


Frutas (evite os excessos e as coma como sobre-
mesa; não se preocupe com frutas vermelhas, coco e
abacate, eles quase não contém açúcar). Álcool. Bata-
tas e tubérculos caso precise perder peso.

Antecipando algumas dúvidas e reações


ao adotar essa dieta:
Você não sofrerá de intestino preso, pois não terá
falta de fibras, elas estão em abundância nos vegetais,
muito mais do que nos grãos e frutas.
Seu cérebro não se tornará inerte sem os carboi-
dratos, afinal você os obterá através dos vegetais, la-
ticínios, nozes, batatas e suas sobremesas, as frutas!
Você não sofrerá de mal estar por falta de glico-
se, talvez, apenas no início, você as sofra em decor-
rência dessa fase de transição e de um possível de-
sequilíbrio hidroeletrolítico, a solução é mais água e
sal. Relaxe e não se preocupe. As diretrizes sobre o
sal também estão histéricas.

Quer disposição, habilidades físicas, um


corpo mais musculoso?
Exercite-se.
Você não sofrerá com a possibilidade de se tornar
um halterofilista com o “excesso” de proteína, meu
amigo… você precisaria treinar muito, vamos dizer
que você sofre apenas o risco de ficar lindo.
Deixo aqui alguns links do próprio PapodeHomem

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Estou instisfeito com meu corpo

repletos de dicas para fazer atividades físicas mesmo


sem academia:
- Malhando sem academia: como se exercitar em
qualquer lugar
- Quer voltar a praticar esporte? 10 exercícios
pra deixar o corpo ativo novamente
- Como acompanhar direito o seu desempenho
em exercícios físicos: Um guia prático
- Seis equipamentos para montar sua própria
academia em casa
Quanto à alimentação, você sentirá menos fome e
passará a comer com menos frequência. Coma quando
estiver faminto e até se sentir saciado, pare de contar.
Troque de médico, de nutricionista, de educador
físico caso o condenem por estar trocando biscoito
clube social integral, barrinha de cereal sabor torta
de maçã, bebida láctea 0% de gordura com aromati-
zante de amora por comida de verdade.
Não precisa se transformar em um contador de
calorias. Aproprie-se de sua saúde, estude e sempre
desconfie. Todas as pesquisas científicas são passí-
veis de fragilidades metodológicas, de divulgação e,
principalmente, de interpretação.
Aproprie-se do seu corpo, mas com expectativas
realistas. Ele não é infinitamente maleável a ponto
de alcançar o ideal estético histérico com dietas e
exercícios.
Sejamos leves. Por mais dias que se iniciem com
café e ovos na manteiga.

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Nada disso funcionou.
E agora?
Por Luciano Andolini

Quando comecei a pincelar as crises para o livro


e a escrever e editar os artigos, logo notei que havia
mil características exclusivas de cada situação pes-
soal, de forma que se tornaria impossível me debru-
çar em algumas páginas para resolver cada detalhe e
ramificação.
Uma parte de mim se frustrou, claro. Afinal, de-
diquei um esforço imenso alocado apenas no desen-
rolar de soluções criativas para esses diversos pro-
blemas.
Mas, ainda assim, decidi olhar para esses artigos
me colocando no lugar de quem sofre dessas crises,
procurando por dicas que ajudassem a aliviar a dor
e, ao mesmo tempo, resolvessem questões práticas.
No final, vi isso não é suficiente. Há uma chance de

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que você chegue aqui, ao final do livro, sem ter en-


contrado o que procura.
Imagino a sensação.
Por isso, ainda em tempo, resolvi escrever não só
uma conclusão agradecendo pela leitura e pela confian-
ça, mas também oferecendo um método para que você
próprio possa organizar suas ideias para resolver não
um, mas vários problemas. Algo que sirva para acalmar
os ânimos e, ao mesmo tempo, ofereça um sistema que
você possa aplicar sozinho. Seja de forma independen-
te ou em conjunto com o que já leu até esse ponto.

Você vai precisar de tempo


Eis a dura realidade quando o assunto são crises:
elas não terminam da noite pro dia.
Repetindo: crises não terminam da noite pro dia.
Algumas vezes, restaurar-se após uma delas de-
mora, literalmente, anos.
É um equívoco pensar na culminância de crises
como eventos isolados, erros pontuais que nos leva-
ram ao caos. Em verdade, elas costumam ser a soma
de causas e condições pouco favoráveis que cultiva-
mos por vidas inteiras.
Sim, seria ingenuidade pensar que somos capazes
de controlar todos os aspectos da nossa vida ao pon-
to de que nada vai dar errado e vamos atingir nossas
fantasias de sucesso. Há fatores sociais, econômicos,
políticos, tecnológicos, físicos e biológicos que estão
fora do nosso escopo de ação.

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Nada disso funcionou. E agora?

Porém, não é raro negligenciarmos questões que,


sim, podemos tocar.
Não é comum olharmos pra nós mesmos como
pessoas responsáveis por tomar decisões que vão
nos impactar anos à frente. Temos uma visão bem
limitada no que diz respeito ao alcance das nossas
ações.
Então, caminhamos por aí nos deixando levar
por circunstâncias que se apresentam como urgen-
tes, mas sem pensar em diferentes escalas de tempo
ou de resultado prático.

A mente importa
Já batemos nessa tecla em outros momentos ao
longo do livro, mas nunca é demais frisar. A estabi-
lidade da sua mente é um fator crucial. Afinal, é por
ela que você vai filtrar todos os eventos.
É como colocar um óculos. Você vai ver tudo por
meio dele. Então, se ele estiver sujo, tudo o que você
vai conseguir enxergar é sujeira.
Manter-se mentalmente saudável é a própria
fundação da sua felicidade, portanto, uma priorida-
de. Ou pelo menos deveria ser. Não é fácil em meio à
correria, mas se não tivermos dez ou quinze minutos
para fazer algo tão crucial para nossa saúde, talvez
isso seja um sinal do quanto precisa ser ajustado.
Além disso, nem tudo o que faz a gente sofrer
são problemas corrigíveis lá fora, com planilhas ou
planejamento. Às vezes, o que está causando a afli-

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ção é uma forma de enxergar a situação, concepções


rígidas e não necessariamente sensatas do que pode
ou não acontecer com você.
Se procurar ajuda psicológica for uma possibili-
dade, não hesite. Não há nada de errado com isso.
Cuidar da mente, desenvolver sabedoria, com-
paixão e lucidez pode ser uma importante ferramen-
ta que mata essas questões na raiz.

O corpo importa
De maneira análoga, o corpo também é um filtro.
As experiências passam pelo corpo, você sente e
interage com o mundo por ele. Portanto, se algo está
errado, isso impacta o seu bem-estar.
Praticar esporte, alimentar-se corretamente,
dormir bem são privilégios que muitos não conse-
guem bancar, mas se você tem condições de tomar
esse cuidado consigo mesmo, é um esforço essencial.
Hoje já é senso comum que um corpo ativo aju-
da a combater insônia, depressão e problemas cardí-
acos. Há também benefícios para diabéticos, pessoas
com osteoporose, hipertensão e obesidade.
Toco nesse ponto em especial porque mais da
metade dos homens têm vida sedentária.
Em casa, na academia ou na rua, faça atividade
física. Exercitar-se não é um extra que só precisa ser
feito se você sentir-se mal com o seu corpo. É básico
e impacta sua saúde, sua mente e sua felicidade.
Você vai sentir a diferença.

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Tire o problema da sua cabeça


Salvo as devidas proporções e dificuldades de
cada pessoa (não vamos entrar aqui num argumento
puramente meritocrático), há uma série de ações que
podemos tomar para sairmos do lugar onde estamos.
Porém, a nuvem de preocupações costuma ser
densa demais para conseguirmos enxergar. O resul-
tado é que você entra em uma espiral, martelando o
problema, repetindo mentalmente erros, frases, com-
plicações, obstáculos etc.
Uma forma de diminuir o estresse e a ansieda-
de é escrever. Simplesmente colocar no papel o que
está acontecendo, como uma forma de mapear a situ-
ação, em um processo semelhante ao de organizar as
finanças. Você usa o que escrever como uma maneira
de entender a dimensão do que se passa.
Precisa conseguir um emprego? Sente-se solitá-
rio? Quer mais amigos? Uma namorada? Põe no papel.
Nem tudo vai parecer fácil e pode ser que o de-
sespero aumente ao notar o tanto de questões colo-
cadas ali, mas calma.

O conceito de jogo infinito


Antes de partir para resoluções, é bom pensar-
mos um pouco a respeito de como encaramos essa
jornada para sair de uma crise.
“A vida é um jogo” é um daqueles chavões que
se repetem por aí e nós absorvemos sem mensurar o
impacto que isso tem sobre nós.

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Não é difícil imaginar-nos em um jogo de tabu-


leiro, movendo peças em busca de recompensas, como
se estivéssemos em uma corrida para saber quem é
o melhor, esperando o momento no qual, enfim, va-
mos ser reconhecidos os vencedores. Aplicamos essa
lógica em quase tudo ao que nos dedicamos. Na es-
cola, se repetimos de ano, perdemos. No vestibular,
se passamos em medicina, vencemos. Quem fica com
a pessoa mais bonita, vence o joguinho das relações.
Quando há divórcio, é porque você perdeu.
Assim, modulamos nossa energia. Achamos que a
vitória e a derrota são puro fruto do esforço e do mérito,
do quanto somos bons ou ruins em algo. Ficamos sorri-
dentes, falamos alto e nos gabamos quando ganhamos
e nos acabamos em desespero sempre que perdemos,
ignorando as circunstâncias mais amplas que podem
ter nos colocado como vencedores ou perdedores.
Repetimos essa dinâmica ad infinitum, trocan-
do os jogos a cada vitória ou derrota que sofremos.
Esse é o conceito de “jogo finito”. Algo circuns-
tancial, com uma possibilidade binária A/B. Vencer ou
perder. Sucesso ou fracasso. Ser bom ou ser ruim. Fim.
O que venho propor é pensar nessas questões de
uma maneira diferente. Não como jogos de tabuleiro
com um objetivo final simples, mas como dinâmicas
contínuas, complexas e multifacetadas.
Por exemplo, não passar no vestibular não sig-
nifica o seu fracasso eterno e indissolúvel. Você pode
tentar de novo, fazer outro curso ou até mesmo optar

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por uma outra configuração profissional. Quando você


se divorcia, a dor pode ser grande, mas nada impede
que seja feliz em uma nova relação ou até sem se rela-
cionar com alguém com esse nível de compromisso.
Problemas e percalços não encerram o jogo. A
bola continua correndo.
Mesmo a sua morte não simbolizaria o fim dessa
dinâmica. Afinal, seus filhos herdam seus bens, seus só-
cios podem continuar a empresa ou a humanidade pode
continuar construindo o que quer que você tenha inves-
tido seu tempo de vida do exato lugar onde você parou.
Não é raro ouvirmos a história de atores, escri-
tores, músicos, cientistas, engenheiros, arquitetos,
vendedores, contando as repetidas recusas sobre seus
trabalhos. É comum que pessoas se preparem e es-
tudem por dez anos, às vezes mais, antes de colher
grandes vitórias e resultados.
A perspectiva limitada do tempo e dos esforços
costuma gerar bastante frustração e a vontade de de-
sistir. Mas se olharmos, qualquer pessoa pode ser uma
vencedora ou perdedora, dependendo do recorte que
você adotar.
Além disso, não existem só dois resultados pos-
síveis: ser um mestre ou ser uma mitocôndria. Entre
não saber nada e ser o Jimi Hendrix da sua respecti-
va atividade há uma escala cheia de nuances.
Na lógica do jogo infinito, falhar não é um pro-
blema. Continuar é mais importante.
O Alberto Brandão já tocou no conceito de jogos

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infinitos em um texto chamado “Vencer na vida não


existe”, lá você pode aprofundar mais a respeito.

Decupe seu problema em tarefas menores


e objetivas
Em geral, seus problemas precisarão de resolu-
ções práticas.
Uma vez que você os listar, vai perceber que há vá-
rias tarefas para ir matando até concluir a missão.
Nem sempre é possível. Há questões bastante subjeti-
vas que não passam por isso. Mas você pode tentar fa-
zer o exercício de quebrar mesmo questões que pare-
çam abstratas em tarefas e transformá-las em práticas.
Vamos tomar como exemplo que você seja tími-
do e não consiga fazer amigos. É possível que você
tenha negado agir sobre isso por vergonha, talvez, e
nunca tenha aberto a questão com ninguém. Pode ser
que um psicólogo ajude.
Então, uma primeira tarefa poderia ser procurar
um psicólogo.
Você também poderia pensar em algo menos di-
reto, como matricular-se em uma aula de teatro ou
fazer algo que demande uma certa exposição e o po-
nha em confronto com a sua trava.
Assim, como um exemplo superficial mesmo, as
tarefas poderiam ser:
- Pesquisar psicólogo na quarta-feira
- Procurar uma escola de teatro na quinta-feira
- Efetuar matrícula na escola de teatro até sexta

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Note que todas as tarefas têm prazos. Isso é im-


portante, pois ajuda a prevenir que você postergue
essas ações indefinidamente.

Não foque só em soluções imediatas, mas


em hábitos benéficos
Paralelamente a definir tarefas pontuais, você
pode pensar também em hábitos que vão afastá-lo
da sua crise. Coisas simples, como reservar um tem-
po para atividade física, meditação ou para aprender
algo que seja útil ou que goste.
Muitas vezes esquecemos que um mínimo de
previsibilidade pode nos economizar muito tempo e
energia. Comer em certos horários, já saber qual o
cardápio, preparar seu próximo dia de trabalho no
final do expediente, manter um mínimo de limpeza
na casa. São medidas simples que trazem grandes be-
nefícios em termos de leveza e qualidade de vida.
Além disso, quando você tem essa rotina clara,
fica muito mais fácil começar a projetar coisas. Você
amplia seu horizonte de futuro.
Por exemplo, o que se torna possível se você co-
meçar a estudar um determinado assunto todos os
dias durante uma hora? E se você matar uma tarefa
por dia de um determinado projeto? E se juntar uma
certa quantidade mínima de dinheiro?
Já escrevi em outras oportunidades sobre como
desenrolei projetos apenas trabalhando o mínimo por
vez. A chave está na continuidade, no hábito.

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Mantenha um registro diário


Uma boa parte de estar em uma crise é não saber
o que está acontecendo, nem como sair, nem se você
está avançando ou não pra fora dela.
Para evitar esse problema, pode ser útil manter
um registro. Um lugar no qual você possa projetar uma
espécie de relatório sobre como você está se saindo,
marcando se conseguiu ou não manter seus hábitos, se
cumpriu ou não as tarefas, como está se sentindo, etc.
O diário ajuda a clarear ideias e a entender ques-
tões importantes. Ajuda também a ter uma noção me-
lhor com o tempo e as memórias (já viu como a gente
tende a achar que certos eventos estão muito distan-
tes quando nem estão ou vice-versa?).
Além disso, temos uma tendência a contar os fra-
cassos de forma muito mais severa do que os suces-
sos. Assim, é fácil tomarmos um dia ruim pelo todo.
O registro ajuda a tomar nota sobre as falhas, claro,
mas também sobre os acertos, evitando que você es-
queça dos seus avanços.

Qual o foco e quais os benefícios?


Eu pude acompanhar, nos últimos três anos um
amigo que passou por um processo bem semelhante
ao descrito pelas crises listadas aqui. Ele estava so-
frendo pela perda da ex, sentia-se inútil, sem hori-
zonte profissional, tinha as finanças bagunçadas, não
conseguia dedicar-se a nada, alimentava-se mal, era
sedentário, entre outras questões.

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Ofereci meu apoio e utilizamos uma metodolo-


gia como a que descrevi aqui. Sentamos juntos para
colocar as coisas em perspectiva, anotamos proble-
mas, ideias e planos. Decupamos alguns em tarefas
simples, projetamos ao longo de um calendário e de-
finimos alguns hábitos para melhorar as condições
dele de mente e corpo.
Combinei que ajudaria cobrando-o diariamente
que postasse um desenho ou rascunho no Instagram.
Uma boa parte do esforço foi o de fazê-lo não desis-
tir à medida que as falhas aconteciam (como quando
ele tinha um compromisso e precisava furar o psicó-
logo ou quando não conseguia desenhar). Ou seja,
aplicamos a lógica de jogo infinito. Errar não é o fim
do mundo. Quando a falha acontece, nem precisa se
culpar ou se debater, basta seguir.
E assim ele fez, por vários meses. O resultado não
foi imediato, mas em algum ponto, ele começou a se
alegrar com as pequenas vitórias, como a primeira vez
que o convidaram pra expor em um centro cultural, ou
quando surgiu a oportunidade de aprender a tatuar.
Ele achava que era um fracassado, mas regis-
trando fora da própria memória a sua rotina, ele pôde
comprovar que, na verdade, mais acertava do que fa-
lhava com seus hábitos.
Antes, ele mal conseguia saber se pagaria o alu-
guel do mês seguinte, mas de repente, ele tinha uma
agenda pra dali a seis meses, um ano. Começou a fa-
zer planos de mudar de cidade, estudar fora, etc.

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Nada disso funcionou. E agora?

Pode parecer que ele mudou muito, mas a lógica


que aplicou foi simples. Basicamente, ele determinou
tarefas e hábitos e dispôs a informação de uma forma
que ele pudesse ver e entender.
O foco estava em criar previsibilidade e abrir es-
paço projetando a sua nuvem de necessidades em uma
linha do tempo.
Fazendo isso, ganhou em controle e horizonte
futuro. Parou de se sentir sufocado pelo tempo e pe-
las circunstâncias.

***

Essa não é única forma de lidar com crises. Pro-


vavelmente, algumas dessas ideias não funcionam pra
você. E tudo bem.
Muito do que trabalhamos aqui são processos
que podem se estender por anos e nunca ter fim. Meu
amigo, por exemplo, segue lidando com suas dificul-
dades, altos e baixos. Ele continua sofrendo, errando
e se debatendo enquanto tenta o melhor que pode.
Assim é comigo também. Posso apostar que o
mesmo acontece com você.
Nossas dificuldades não somem da noite pro dia.
Elas costumam ter origens bastante obscuras que só
podem ser descobertas com investigação, curiosida-
de e dedicação.
Não digo isso como forma de desanimar, mas
exatamente o contrário disso. Afinal, se todos esta-

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Nada disso funcionou. E agora?

mos juntos nessa, não há por que se desesperar em


busca de nos sentirmos melhores em comparação aos
outros. Mais do que procurar soluções mágicas, po-
demos relaxar e nos apoiar mutuamente.
O caminho é longo e cheio de percalços. Mas é
possível nos alegrarmos, afinal, não estamos sozinhos
nessa.

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