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neurociência e dor. Principalmente o fato de adquiri-lo através da aquisição e

posterior leitura do compêndio ResenhaDOR | 2019/1. Só por você estar lendo

esse e-book, já sai na frente. Esse e-book será o primeiro de muitos que virão.

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Leonardo Avila | @doercoluna | www.dorecoluna.com.br

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conquistam cada vez mais espaço. Para isso, o conhecimento é a principal ferramenta

disponível.

Diante de uma necessidade pessoal em traduzir artigos científicos em razão da prática

clínica e linha de pesquisa, surgiu o ResenhaDOR. Ele foi feito para oferecer o melhor

conteúdo disponível sobre neurociência na literatura contemporânea, mensalmente, de

modo fácil e traduzido para a língua portuguesa.

1- O que é o ResenhaDOR?

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portuguesa todos os meses (um artigo a cada 15 dias).

2- Quais são os temas abordados nos artigos traduzidos para a língua

portuguesa?

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2
3- Por que assinar o plano mensal do Resenhador?

3.1 Primeiramente, estudos demonstram que mais de 70% dos Fisioterapeutas não

compreendem a língua a inglesa, e desta forma encontram-se impossibilitados de

atingir uma compreensão adequada das evidências científicas atuais enquanto a

neurociência e o manejo adequado da Dor;

3.2 Além disso, revistas científicas de qualidade, incluindo a revista brasileira de

Fisioterapia, não disponibilizam os artigos científicos na língua portuguesa, isto é,

somente em Inglês, decorrendo em um grande empecilho para a aquisição de

conhecimento por parte desses profissionais;

3.3 Ademais, tendo em vista o grande volume de materiais disponíveis, buscamos

selecionar os estudos-chaves para a sua melhor compreensão enquanto aos conceitos

básicos em neurociências, prováveis mecanismos envolvidos na experiência de dor,

buscando uma transposição, sempre que possível, para a prática clínica.

4- Por fim, para realizar a assinatura mensal do ResenhaDOR é fácil:

Desta forma, caso você tenha interesse em ser um assinante do ResenhaDOR e


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3
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envio será realizado via whatsapp, caso prefira receber via e-mail, favor solicitar)

4
Sumário

Artigo 1: Medo e evitação como um preditor de afastamento médico prolongado,

incapacidade e dor em pacientes com dor lombar crônica. Tradução livre: Leandro

Fukusawa.

Artigo 2: Quando o meio ambiente encontra a genética: uma revisão clínica da

Epigenética da Dor, Fatores Psicológicos e Atividade física. Tradução livre: Thaís

Bortolini Bueno.

Artigo 3: Sobre definições e fisiologia da dor nas costas, dor referida e dor radicular.

Tradução livre: Leonardo Avila.

Artigo 4: A educação pode “mudar o mundo”: a educação clínica pode mudar a

trajetória de indivíduos com dor nas costas? Tradução livre: Leonardo Avila.

Artigo 5: Representações neurais e a matriz cortical do corpo: implicações para a

reabilitação e futuras direções. Tradução livre: Leonardo Avila.

Artigo 6: Trate o paciente, não o rótulo diagnóstico: Atualização em neurociência da

dor. Tradução livre: Leonardo Avila.

Artigo 7: Um homenzinho com alguma importância. Tradução livre: Leonardo Avila.

Artigo 8: Anatomia, fisiologia e neurobiologia da nocicepção: enfoque na lombalgia

(parte A). Tradução livre: Leonardo Avila.

Artigo 9: Percepção sobre os mecanismos neurais subjacentes à dor discogênica nas

costas. Tradução livre: Leonardo Avila.

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Prefácio

Msc. Leonardo Avila (Leonardo Cesar Melo Avila)

Fisioterapeuta - CREFITO 175488-F

Primeiramente, sou um homo sapiens sapiens (“homem que sabe que sabe” –

ou se engana ao pensar que sabe) assim como você. Tenho mais defeitos e dúvidas

do que qualidades e certezas.

Tratando-se da minha trajetória acadêmica, atualmente sou Doutorando em

Neurociências pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduado

(2012/2) e Mestre em Fisioterapia pela Universidade do Estado de Santa Catarina

UDESC/CEFID (2015/1). Área de concentração do mestrado: Avaliação e Intervenção

em Fisioterapia.

Além disso, fundei e sou diretor científico do Centro Especializado em Dor e

Coluna® em Florianópolis/SC desde 2013/2, atuando nas áreas de Neurociências da

dor, Cinesioterapia e Recursos Terapêuticos Manuais.

Ainda possuo cursos específicos tais como: Mechanical Diagnosis Treatment

(MDT) - McKenzie® (A-B); Mulligan Concept®; Conceito Maitland®; Cognitive

Functional Therapy® (CFT) - Abordagem Multidimensional Biopsicossocial da Dor

6
(nacional e internacional), e; Treatment Basead Classification® (TBC | A-B-C) –

Tratamento da Coluna por Sistema de classificação em Subgrupos - com endosso pelo

University of Pittsburgh (EUA) e Dry Needling, dentre outros (diversos).

Ademais, sou membro e pesquisador do Laboratório de Neurobiologia da dor e

da inflamação - UFSC - LANDI | Pesquisa Clínica (linha de pesquisa: Neurobiologia da

Dor e Inflamação), Diretor Científico da Associação Catarinense de Estudo da Dor

(ACED) (Gestão: 2018/19) e diretor técnico do Coffee with Science - Grupo de Estudos

da Dor (CWS).

Por fim, além de pesquisador sou clínico e atendo em meu consultório (Centro

Especializado em Dor e Coluna®) anexo a Ideal Espaço Saúde em Florianópolis –

Santa Catarina.

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RESENHA DOR
Florianópolis | Santa Catarina | Brasil | @dorecoluna
Plataforma on-line: www.dorecoluna.com.br

Diretor e redator: Leonardo Avila | Tradução livre: Leandro Fukusawa

ResenhaDOR

Título Original: Fear avoidance beliefs as a predictor for long-term sick leave, disability and
pain in patients with chronic low back pain

Revista publicada: BMC Musculoskelet Disord.

Ano de publicação: 2018

Fear avoidance beliefs as a predictor for long-term sick leave, disability and pain in
patients with chronic low back pain

8
Nota do redator (Leonardo Avila):

Saber que aspectos que vão além da anatomia e biomecânica, isto é, estrutura
estão associados com dor e incapacidade é de grande valia para tentarmos entender
a complexidade do quê é sentir dor. Nesse estudo secundário de um ensaio clínico os
autores mostram a associação de uma subsescala do questionário FABQ (questionário
de medo e evitação – primeiras 5 perguntas relacionadas ao exercício e as *11 últimas
ao trabalho) com maior duração da dor e incapacidade quando associada ao
afastamento do trabalho.
Espero que apreciem.

Maiores informações acessem o instagram @dorecoluna


Conheça o curso presencial e/ou on-line e ao vivo: Abordagem biopsicossocial da
dor em saúde acessando o site: www.dorecoluna.com.br

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Quando o meio ambiente encontra a genética: uma revisão
clínica da Epigenética da Dor, Fatores Psicológicos e
Atividade física

Introdução
Em países considerados desenvolvidos, estima-se que 2-5% da população
tenha dor lombar crônica (CLBP), isto é, presença de dor lombar (LBP) durante pelo
menos 3 meses [1]. Apesar da grande quantidade de pesquisas realizadas no campo
da dor lombar crônica, o efeito do tratamento é moderado no seu melhor quadro [2, 3].
A heterogeneidade dos pacientes com CLBP indica que pode ser benéfico classificar
os pacientes em subgrupos antes de selecionar a estratégia de tratamento, os
subgrupos com características diferentes respondem diferentemente ao mesmo
tratamento [4]. Há ainda uma falta de evidência sobre a relevância clínica dos
subgrupos de pacientes com dor lombar crônica [5].
O rastreamento de fatores psicossociais como fatores prognóstico é
recomendado no processo de subgrupos de pacientes com CLBP [5]. Um dos fatores
psicológicos mais comumente avaliados em estudos prognósticos sobre a dor lombar
crônica é a crença de medo-evitação (fear-avoidance beliefs) [6,7]. Os pacientes com
medo da dor possuem maior risco de desenvolver comportamento de evitação como
meio de reduzir a dor, o que pode levar à redução da atividade física, aumento da
incapacidade e ausência do trabalho [8,9]. Embora o valor preditivo das crenças de
medo-evitação seja comumente avaliado em estudos de prognóstico, ainda não existe
um consenso e os estudos existentes contêm uma mistura de pacientes com lombalgia
e CLBP [6,10].
O objetivo deste estudo foi examinar a associação entre as crenças de medo-
evitação na linha de base (base-line) do estudo e os desfechos de afastamento por
doença, incapacidade e dor aos 12 meses de acompanhamentos em pacientes com
dor lombar crônica.

Métodos

10
Design de estudo
Este estudo foi a análise secundária de um ensaio clínico controlado
randomizado [11] com um acompanhamento (follow-up) de 12 meses. O objetivo geral
do ensaio clínico controlado randomizado foi avaliar a eficácia de uma intervenção
multidisciplinar orientada para o trabalho coordenada por um fisioterapeuta. O grupo
controle recebeu atendimento multidisciplinar usual por uma equipe de fisioterapeuta,
quiropraxista, reumatologista e assistente social. O grupo de intervenção recebeu uma
intervenção multidisciplinar com orientações relacionadas ao trabalho, composta pelos
profissionais acima mencionados, além de um psicólogo, um médico do trabalho, um
terapeuta ocupacional e um gerente de casos do departamento municipal de
tratamento de doenças. Os dados foram coletados por questionários durante o período
de setembro de 2009 a dezembro de 2013 em um centro de atendimento ambulatorial
em Copenhagen. Os detalhes do ensaio clinico controlado randomizado foram
publicados em outro artigo [11].

Pacientes
Após aprovação pelo Comitê de Ética Regional Dinamarquês, a Região da
Capital da Dinamarca (número de arquivo HC-2008-112), os pacientes que moravam
no município de Copenhagen, Dinamarca, foram encaminhados de um clínico geral,
reumatologista ou “posto de saúde municipal” para o tratamento de LBP persistente.
Todos os pacientes receberam informações orais e escritas sobre o ensaio clínico
controlado randomizado e assinaram o termo de consentimento livre esclarecido antes
da participação.
Os critérios de inclusão foram adultos em idade de trabalho (18-65 anos) com
lombalgia por pelo menos 3 meses, em licença médica ou em risco de licença médica
eminente. Os critérios de exclusão foram recebimento de aposentadoria antecipada,
gravidez, co-morbidade (ou seja, consequências graves do câncer, doenças cardio-
pulmonares, doenças mentais ou psicológicas) ou dificuldades na leitura e escrita
dinamarquesa.

Medições
Todos os pacientes preencheram os questionários na linha de base (base line)
avaliação, incluindo as seguintes variáveis: idade, sexo, índice de massa corporal,

11
educação (anos após o ensino fundamental), tabagismo, ingestão de álcool, nível de
atividade física por lazer, licença médica devido à lombalgia, duração da licença
médica, cargo de trabalho, caso de compensação atual, demandas de trabalho físico,
estado geral de saúde medido no Short Form 36 [12], ansiedade e depressão medidos
na Lista de Sintomas 90-Revisada [13], intensidade de dor medida na Escala Numérica
(NRPS) [14], incapacidade medida no Questionário de Incapacidade Roland Morris
modificado de 23 itens [15, 16] e as crenças de medo-evitação medidas no Fear-
Avoidance Beliefs Questionnaire (FABQ) [8]. Além disso, o grupo de tratamento
durante a intervenção de 12 semanas no ensaio clinico controlado randomizado foi
registrado.

Análise estatística
A variável de desfecho licença médica foi definida como malsucedida, se um
paciente em licença médica no início do estudo ainda estivesse em licença médica aos
12 meses de acompanhamento. O Questionário de Incapacidade Roland Morris
modificado e a Escala Numérica de Dor foram dicotomizados de acordo com os
escores recomendados de mínima mudança importante [17], pois isso possibilitou a
comparação com estudos anteriores. As variáveis de desfecho incapacidade e dor
foram definidas como mal sucedidas, se um paciente teve uma redução de menos de
5 pontos no Questionário de Incapacidade Roland Morris modificado e menos de 6
pontos na Escala Numérica da Dor no acompanhamento de 12 meses. No caso de
perda de valores nas variáveis dos desfechos, foram realizadas análises de desistência
do estudo.
Nas análises de regressão logística múltipla foram usadas para examinar a
associação entre as crenças de medo-evitação e os desfechos licença por doença,
incapacidade e dor. As variáveis a seguir foram incluídas como confundidoras a priori,
com base em fatores de risco conhecidos ou presumidos, entre as crenças de evitação
ao medo e os três desfechos: sexo, idade, intensidade da dor [18], incapacidade [19] e
depressão [20]. Além disso, as demandas de trabalho físico [21] foram relatadas como
um fator de risco para a licença por doença resultante.
As análises foram conduzidas separadamente para cada resultado em cinco
etapas: primeiro, teste para a suposição de distribuições normais dos resíduos;
segundo, análises univariadas entre as variáveis de resultado e as variáveis

12
independentes para calcular as estimativas brutas; terceiro, testar a colinearidade entre
as variáveis contínuas baseadas no r> 0,5 de Pearson; em quarto lugar, foram
realizadas análises de regressão logística múltipla, utilizando-se a eliminação stepwise
backward (até que nenhuma das variáveis apresentou p-valor> 0,1) para identificar o
melhor modelo ajustado com o maior valor explicativo (R2); Por fim, foram realizados
testes de interação para verificar se alguma articulação de interação aumentava o
ajuste do modelo, avaliada nos testes de Wald.
Foram realizadas as seguintes análises de sensibilidade: análise incluindo as
variáveis com valor de p abaixo de 0,2 na análise univariada; análise das crenças de
medo-evitação sobre o trabalho (baixo, 0-29; alto, 30-42) e das crenças de medo-
evitação sobre a atividade física (baixa, 0-14; alta, 15-24) como variáveis dicotômicas
[22]; finalmente, uma análise de regressão logística múltipla mais simples, incluindo
apenas as duas sub-escalas de crenças de medo-evitação e as variáveis encontradas
significativas no modelo final.
Os resultados foram relatados em odds ratios (OR) com intervalos de confiança
de 95% (IC). Um valor de p abaixo de 0,05 foi considerado estatisticamente significante.
Os dados foram analisados utilizando o pacote estatístico STATA / IC 14.1 para Mac
(Stata Corporation, College Station, TX, EUA).

Resultados
Um total de 559 pacientes foram incluídos no estudo. A média de idade dos
pacientes foi de 38,9 anos (DP 10,4) e 47,1% eram mulheres. A mediana da duração
da dor lombar foi de 11 meses (IQR 5-33). Duzentos e setenta e três pacientes (51,4%)
tiveram uma duração de lombalgia entre 3 e 12 meses e 275 pacientes (49,8%)
estavam de licença médica no início do estudo (Tabela 1). As proporções de valores
perdidos nas variáveis de resultado no acompanhamento de 12 meses foram de 41%
para licença por doença, 34% para incapacidade e 35% para dor (Tabela 2).
Para o desfecho de licença por doença, os pacientes que saíram do estudo
diferiram significativamente dos pacientes incluídos nas análises por ter idade mais
baixa e iniciar mais cedo o seu primeiro episódio de dor lombar (arquivo adicional 1:
Tabela S1). Para a variável de desfecho incapacidade, os pacientes que saíram do
estudo diferiram significativamente dos pacientes incluídos nas análises por serem
mais novos e início mais precoce do primeiro episódio de dor lombar, predomínio do
sexo masculino, maior índice de massa corporal, menor escolaridade, maior número

13
de licença médica e menos pacientes estavam no grupo de intervenção no início do
estudo (Arquivo adicional 2: Tabela S2). Para o desfecho dor, os pacientes que saíram
do estudo diferiram significativamente dos pacientes incluídos nas análises por terem
idade mais baixa, estreia mais precoce do primeiro episódio de lombalgia, maior Índice
de Massa Corporal, menor escolaridade e menos pacientes no grupo de intervenção
no início do estudo ( Arquivo adicional 3: Tabela S3). Os resultados da análise
univariada com relação ao resultado bem sucedido são apresentados na Tabela 3.
Nas análises finais ajustadas, quanto maior a crença de medo-evitação sobre o
trabalho (OR ajustado 1,11 por aumento de um ponto na escala; IC 95% 1,02 a 1,20)
e ser fumante (OR ajustado 3,17; IC 95% 1,02 a 9,87) foram significativamente
associado a resultados mal sucedidos para o desfecho licença médica (Tabela 4).
Analisando os resultados malsucedido na incapacidade, maiores crenças de
medo-evitação sobre o trabalho mostraram uma pequena associação (OR ajustado de
1,03 a cada um ponto da escala; IC95% 1,00 a 1,06), mas o limite inferior do IC95% foi
próximo de 1,00. Associações significativas foram encontradas entre maior intensidade
da dor (OR ajustado 1,10; IC95% 1,06-1,16), menor incapacidade (OR ajustado 1,16;
IC95% 1,08-1,25), ser fumante (OR ajustado 1,75; IC95% 1,01 para 3,01) e ter
lombalgia por mais de 12 meses combinada com pequenas demandas de trabalho
físico (OR ajustada 4,35; IC 95% 1,22 a 14,29) no início e resultado mal sucedido da
incapacidade no seguimento de 12 meses (Tabela 4). O modelo final incluiu uma
interação significativa entre a duração da dor lombar e as demandas de trabalho físico,
pois a inclusão dessa articulação de interação melhorou ligeiramente o modelo com
um aumento de R2 de 0,08 para 0,09.
Maior crença de medo-evitação sobre o trabalho (OR ajustado 1,04 a cada um
ponto da escala;; IC95% 1,01 a 1,08), menor intensidade da dor (OR ajustado 1,14;
IC95% 1,08 a 1,20) e a combinação de ser do sexo masculino com poucas demandas
de trabalho físico (OR ajustada 4,00; IC 95% 1,06 a 16,67) no início do estudo foram
significativamente associadas a resultados mal sucedidos na dor no seguimento de 12
meses (Tabela 4). O modelo final incluiu uma interação significativa entre as demandas
por sexo e trabalho físico, já que a inclusão dessa articulação de interação melhorou
ligeiramente o modelo com um aumento de R2 de 0,14 para 0,15.
Nenhuma das análises de sensibilidade alterou os resultados marcadamente (Arquivo
adicional 4: Tabela S4).

14
Discussão
Os principais achados deste estudo foram que as altas crença de medo-evitação
sobre o trabalho no início do estudo estavam significativamente associadas com a
licença médica, sem melhora na incapacidade e sem melhora na dor após 1 ano em
pacientes com dor lombar. Para nosso conhecimento, este é o primeiro estudo a
investigar a associação entre as crença de medo-evitação, medidas no trabalho do
FABQ e a atividade física do FABQ separadamente na linha de base e os resultados
de afastamento, incapacidade e dor após um ano em uma grande amostra de pacientes
com CLBP.
Os achados deste estudo são corroborados pela literatura existente sobre
licença médica, em uma revisão sistemática de Wertli et al. [6], em que dois estudos
relataram que níveis mais elevados de crença de medo-evitação estavam relacionados
a menores chances de retornar ao trabalho em pacientes com LBC [23, 24]. A
comparação direta desses dois estudos com o presente estudo não é, no entanto,
possível, uma vez que os primeiros estudos utilizaram o escore total do FABQ,
enquanto o presente estudo analisou o FABQ trabalho e a subescala do FABQ -
atividade física separadamente. As associações entre as crença de medo-evitação
sobre o trabalho e os resultados de incapacidade e dor em pacientes com dor lombar
crônica foram encontradas em alguns estudos anteriores [25, 26]. No geral, os
resultados sugerem que as crença de medo-evitação sobre o trabalho estão mais
fortemente associadas com o desfecho do afastamento do que com os desfechos de
incapacidade e dor em pacientes com CLBP. Além disso, a associação entre crença
de medo-evitação sobre trabalho e incapacidade encontradas em nosso estudo pode
ser incerta, na medida em que o limite inferior do intervalo de confiança de 95% é
próximo de 1,00. Isso pode não ser surpreendente, uma vez que a subescala de
trabalho da FABQ foi desenvolvida especificamente para medir as crença de medo-
evitação sobre o trabalho em relação à perda de trabalho [8]. Este estudo incluiu
pacientes em licença médica, bem como pacientes em risco de transição para licença
médica. Espera-se que os 50% de pacientes em licença médica tenham tido
pontuações relativamente altas no FABQ no início do estudo e possam ter contribuído
mais para o valor preditivo das crença de medo-evitação sobre o trabalho encontrado
neste estudo. A descoberta de que as crença de medo-evitação sobre a atividade física

15
não estavam associadas a nenhum dos desfechos examinados está de acordo com os
estudos anteriores [27, 28]. Foi sugerido que as duas subescalas do FABQ medem o
mesmo construto, a saber, o medo relacionado à dor [8], caso em que seria esperado
que ambas as subescalas estivessem associadas aos resultados examinados. No
entanto, as associações não significativas entre as crença de medo-evitação sobre a
atividade física e os desfechos em nossos estudos podem indicar que as crença de
medo-evitação sobre a atividade física refletem outros domínios, isto é, falta de
motivação ou baixa expectativa de recuperação, como mencionado anteriormente.
[29].
No presente estudo, os níveis de intensidade de dor e incapacidade no início do
estudo foram associados a resultados mal sucedidos em relação à incapacidade e à
dor. Intensidade maior de dor foi relacionada a desfechos mal sucedidos nos escores
de incapacidade, enquanto menor intensidade de dor foi relacionada a desfechos mal
sucedidos nos escores de dor. Uma explicação possível para o impacto oposto da
intensidade da dor pode ser que os pacientes com um alto nível de dor basal podem
ter uma chance melhor de reduzir a dor em comparação com os pacientes com níveis
iniciais mais baixos de dor. Esses achados em relação à incapacidade e à dor estavam
de acordo com os resultados de estudos anteriores [18, 30, 31], mas não em
concordância com uma revisão sistemática que relatou nenhuma associação com
incapacidade [32].
Embora as variáveis nos modelos finais estivessem significativamente
associadas aos três desfechos, os R2s relativamente baixos indicam que nenhum dos
modelos parece oferecer uma explicação completa dos desfechos examinados.

Limitações e forças
A principal limitação no presente estudo é o risco de viés de seleção devido à
falta de valores sobre as variáveis de desfecho. As proporções de valores perdidos de
41, 34 e 35% nos desfechos licença por doença, incapacidade e dor, respectivamente,
podem ter causado resultados enganosos, na medida em que os pacientes incluídos
nas análises diferiram significativamente dos desistentes em várias características. Em
nossa opinião, a quantidade relativamente grande de desistências provavelmente não
causou uma super ou subestimação das associações dos desfechos, uma vez que
nenhuma dessas variáveis foi significativamente associada com os resultados nas

16
análises univariadas (Tabela 3) e as diferenças entre os pacientes incluídos nas
análises e as desistências foram mínimas (arquivos adicionais 1, 2 e 3: Tabelas S1 a
S3).
Outra limitação do presente estudo são os dados perdidos nas variáveis de
desfechos. Neste estudo, embora nenhuma das variáveis incluídas nas análises de
regressão logística múltipla apresentasse mais de 10% de valores perdidos (Tabela 3),
o número final de observações incluídas nas análises dos desfechos licença por
doença, incapacidade e dor foi reduzido de um tamanho de amostra de 161 a 113, 302
a 286 e 363 a 284, respectivamente. No entanto, os resultados das análises de
regressão logística múltipla mais simples não alteraram os ORs para a associação
entre as crenças de medo-evitação sobre o trabalho e a incapacidade e dor dos
resultados, e a taxa de desistência do desfecho só diminuiu ligeiramente (Arquivo
adicional 4: Tabela S4). Isso pode indicar que os resultados são relativamente
robustos.
Este estudo foi realizado como uma análise secundária de um estudo controlado
randomizado. Conseqüentemente, informações sobre fatores considerados
importantes para os resultados podem ter sido perdidas, ou seja, catastrofização e
satisfação no trabalho [33-35]. Além disso, o uso de dados de um estudo de
intervenção contém o risco da intervenção confundir as associações. No entanto, como
a variável “grupo” não foi significativamente associada aos desfechos em nenhuma das
análises ajustadas, esse aspecto provavelmente não será um risco grave no presente
estudo. Nós não incluímos interações do grupo de tratamento no modelo porque
nenhuma diferença foi encontrada entre os grupos no estudo controlado randomizado
original [11]. Teria sido interessante relatar o número de pacientes que fizeram a
transição para licença médica durante o acompanhamento de 12 meses. Infelizmente,
os dados para estimar esse número e realizar análises separadas sobre como esses
pacientes se saíram não estão disponíveis.
É uma força no presente estudo que tanto as variáveis selecionadas à priori
como as variáveis com um valor de p abaixo de 0,1 foram incluídas nas análises
ajustadas. A inclusão de variáveis a priori que são conhecidas ou presumidas como
fatores de risco entre as crenças de evitação ao medo e os resultados de interesse
pode aumentar a comparabilidade com resultados de estudos anteriores e pode
impedir que os resultados sejam ajustados ao conjunto de dados [36] . Se as análises

17
de regressão logística múltipla tivessem sido conduzidas apenas com base nas
variáveis com um valor de p abaixo de 0,1, a eliminação gradual pode ter resultado em
um modelo excessivamente otimista e em associações aleatórias de chance com os
resultados [37].

Implicações clínicas e mais pesquisas


Em resumo, os achados deste estudo indicam que as maiores crença de medo-
evitação sobre o trabalho no início do estudo estão associadas a resultados
malsucedidos com respeito a faltas por doença, incapacidade e dor em pacientes com
lombalgia após 1 ano. Dada a inconsistência na literatura existente, mais estudos são
necessários antes de se fazer qualquer recomendação firme para o uso do FABQ na
prática clínica.
É improvável que as crenças de evitação ao medo sejam um indicador isolado
de licença-doença a longo prazo, incapacidade e dor em pacientes com dor lombar
crônica. Portanto, os achados sobre o FABQ podem ser incluídos como parte de uma
classificação composta mais abrangente em combinação com outros questionários
conhecidos por serem valiosos em um subgrupo orientado ao tratamento de pacientes
com LPB, por ex. STarT Back Screening Tool [38]. Este questionário foi validado como
um método de triagem prognostica para alocar pacientes com duração mista de
lombalgia em subgrupos de risco baixo, médio ou alto [38]. O uso do FABQ para
fornecer mais informações específicas sobre os pacientes no subgrupo de alto risco
pode ajudar os médicos a entender melhor o curso clínico dos pacientes com LBP e
identificar os preditores individuais que precisam ser direcionados na estratégia de
tratamento.

Conclusão
Os resultados deste estudo indicam que a alta crença de medo-evitação sobre
o trabalho pode ajudar na identificação de pacientes com dor lombar crônica que estão
em risco de licença médica contínua após um ano. A magnitude das associações entre
as crença de medo-evitação sobre o trabalho e a incapacidade e a dor era pequena e
estudos futuros que investigam essas associações em um subgrupo de pacientes com
dor lombar são justificados até que conclusões firmes possam ser feitas.

18
RESENHA DOR
Florianópolis | Santa Catarina | Brasil | @dorecoluna
Plataforma on-line: www.dorecoluna.com.br

Diretor e redator: Leonardo Avila | Tradução livre: Thaís B. Bueno

Título Original: When Environment Meets Genetics: A Clinical Review of the epigenetics
of Pain, Psychological Factors, and Physical Activity

Revista publicada: Arquivos de Medicina Física e Reabilitação 2018; © 2018 pelo


Congresso Americano de Medicina de Reabilitação

Ano de publicação: 2018

Quando o meio ambiente encontra a genética: uma


revisão
Quando clínica
o meio daencontra
ambiente Epigenética dauma
a genética: Dor, Fatores
revisão clínica da
Epigenética da Dor, FatoresePsicológicos
Psicológicos Atividade efísica
Atividade física

19
Nota do redator (Leonardo Avila):

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Conheça o curso presencial e/ou on-line e ao vivo: Abordagem biopsicossocial da
dor em saúde acessando o site: www.dorecoluna.com.br

20
Quando o meio ambiente encontra a genética: uma revisão
clínica da Epigenética da Dor, Fatores Psicológicos e
Atividade física

Resumo: Mecanismos epigenéticos representam um elo entre o meio ambiente e a


função genética. Pesquisas recentes mostram como o estresse no início da vida, a
inflamação e atividade física podem influenciar a expressão gênica através de
mecanismos epigenéticos. Alterações epigenéticas - como metilação do DNA e
interferência por microRNA - podem ser medidas em humanos e podem se tornar em
breve importantes marcadores biológicos. Marcas epigenéticas podem acompanhar a
avaliação clínica para medir a eficácia de várias intervenções, como a terapia com
exercícios. Além disso, a epigenética está melhorando a compreensão de importantes
mecanismos subjacentes relacionados ao sistema nervoso central, sistema opioide
endógeno e respostas ao estresse. A epigenética está próxima de preencher uma
lacuna no nosso alcance de explicação e dever ser implementada para ampliar o
campo das ciências da reabilitação, promover uma raciocínio clínico baseado em
mecanismos e desenvolver novos tratamentos. Na presente revisão, focamos nos
mecanismos epigenéticos relacionados à dor, fatores psicológicos (como medo e
ansiedade) e atividade física, traduzindo descobertas relevantes dessas três áreas
diferentes, no entanto relcionadas, de importância fundamental para os clínicos.
Arquivos de Medicina Física e Reabilitação 2018;
© 2018 pelo Congresso Americano de Medicina de Reabilitação

Epigenética refere-se àqueles mecanismos que determinam uma mudança na


expressão gênica, mas não alteram a seqüência de DNA subjacente (tabela 1) .1
Mecanismos epigenéticos podem, portanto, interferir na expressão e função da
proteína sem modificar o código real do gene.
Um exemplo que destaca a importância dos processos epigenéticos pode ser
encontrado durante o desenvolvimento embrionário. Cada célula em um organismo
contém o mesmo código genético; no entanto, diferente grupos de células têm
fenótipos distintos que preenchem funções distintas. Os fenótipos celulares são
determinados durante o desenvolvimento embrionário por mecanismos epigenéticos

21
altamente regulados que silenciam seletivamente alguns genes enquanto permitem a
expressão de outros.2,3

A epigenética ganhou crescente atenção, já que muitos mecanismos


epigenéticos são hereditários e modificáveis e vinculam a expressão gênica às
mudanças ambientais.4 Isso adiciona uma camada de compreensão ao nosso
conhecimento atual. As evidências acumuladas indicam que a genética não pode
prever consistentemente expressão gênica, e agora sabemos que a maioria das
condições crônicas resultam de complexas interações gene-ambiente.5,6 Fatores
ambientais, como exposição a elementos químicos tóxicos (por exemplo, solventes,
tabaco, drogas), dieta, atividade física ou inatividade, e eventos estressantes, estão
associados com a alteração de metilação do DNA – um mecanismo epigenético
amplamente estudado.7-10 Por exemplo, uma única sessão de exercício aeróbico pode
mudar radicalmente a expressão gênica em mais de 350 genes.11
A epigenética já levou a descobertas inovadoras que contribuiram para a
nossa compreensão da patogênese da doença de Alzheimer,12 doenças
psiquiátricas,13 e câncer.14 Crescimento e diferenciação do câncer envolvem alterações
na expressão de vários genes. O DNA nas células tumorais é globalmente
hipometilado, promovendo instabilidade cromossômica e superexpressão de genes
relacionados ao crescimento tumoral.15 Da mesma forma, os genes que codificam
supressores tumorais são hipermetilados, e sua expressão é, portanto, reduzida.15 Este
quadro representa uma marca da maioria das formas de câncer e é a base para o
desenvolvimento de intervenções terapêuticas futuras.

22
As ciências clínicas ainda precisam enfrentar o desafio e explorar esta nova e
empolgante área. Nesta revisão, discutimos como a epigenética pode ser relevante
para ampliar o campo da clínica e das ciências da reabilitação. Mais especificamente,
nos concentramos na epigenética de dor, fatores psicológicos e atividade física,
traduzindo a relevância das iminentes descobertas para os clínicos.
O campo da reabilitação pode se beneficiar consideravelmente da
combinação de avaliações clínicas com medidas de marcadores epigenéticos. A
epigenética pode ser usada para avaliar e focar em mecanismos subjacentes – nos
permitindo adaptar, tanto quanto possível, nossos tratamentos para cada paciente - e
medir os efeitos biológicos dos nossos tratamentos, e pode desempenhar um papel
crucial na previsão de respostas ao tratamento.

Mecanismos epigenéticos
Os processos epigenéticos melhor caracterizados podem ser classificados em
3 principais categorias: modificações de histonas e remodelação da cromatina,
metilação do DNA, e interferência do RNA não codificante (ncRNA). Mais informações
sobre esses processos epigenéticos podem ser encontradas na revisão realizada por
Jaenisch e Bird.16
Modificações de histonas referem-se a alterações bioquímicas que ocorrem
nas histonas (ver tabela 1) .17 As histonas são um grupo de 8 proteínas em torno do
qual o DNA é envolto, formando a estrutura cromatina de “cordão de contas”.
Modificações de histonas (por exemplo, acetilação, fosforilação e metilação das
proteínas histonas) podem induzir alterações no arranjo da cromatina, aumentando e
diminuindo a densidade estrutural.18 A Figura 1 ilustra esquematicamente os
mecanismos mais comuns de modificação de histonas e como elas afetam o rearranjo
e a transcrição da cromatina. Quando a cromatina é altamente condensada, proteínas,
enzimas e fatores de transcrição não conseguem acessar facilmente o DNA;
consequentemente, a transcrição é dificultada. Por outro lado, quando a cromatina é
menos comprimida, o acesso ao DNA é facilitado, assim como a transcrição.

23
Fig 1 - Modificação de histonas e seus efeitos na transcrição de DNA. O DNA é
enrolado duas vezes ao redor de cada complexo de histona. Quão apertada é essa
estrutura depende de enzimas como histona acetil-transferases (HATs), histona
desacetilases (HDACs), histona metiltransferases (HMT) etc, que, enroladas, mudam
a conformação. A: HATs transferem grupos acetil para histonas. O DNA é repelido
pelas histonas acetiladas e solta-se. Complexos de transcrição (CT) e fatores de
transcrição (FT) podem acessar facilmente o DNA, e a transcrição pode ocorrer. Este
arranjo solto é chamado eucromatina e é comumente referido como uma estrutura de
cordão de contas. O produto final é uma fita única de RNA que será usada como padrão
e traduzido em uma proteína funcional. B: as HDACs removem os grupos acetil das
histonas, atraindo o DNA para as histonas. Isso faz com que o DNA se torne firmemente
enrolado em torno de histonas e confere à cromatina um arranjo empacotado (isto é,
heterocromatina). Fatores de transcrição não podem acessar facilmente DNA, e a
transcrição é dificultada. HMTs adicionam um grupo metil (ME) às histonas. No entanto,
seus efeitos são mais complexos. Geralmente, os HATs promovem heterocromatina e
também inibem a transcrição, mas em alguns casos, dependendo de onde é o local de
ligação é, eles podem realmente promover a transcrição. A metilação das histonas não
deve ser confundida com a metilação do DNA.

24
A metilação do DNA é indiscutivelmente a modificação epigenética mais
estudada.19 Um grupo de enzimas - o chamado metiltransferases do DNA -trabalha
para adicionar grupos metil ao DNA. Grupos metil ligados ao DNA interferem na ligação
da transcrição de fatores que, por sua vez, silenciam a expressão gênica (fig. 2). Mais
recentemente, a hidroximetilação também tem sido descrita.20 Hidroximetilação reverte
a metilação do DNA e é, portanto, um mecanismo crucial para reprogramar a função
do gene.21

Lista de abreviações:
BDNF: fator neurotrófico derivado do cérebro
SNC: Sistema nervoso central
HDAC: histona desacetilase
HPA: eixo hipotálamo-hipófise-adrenal
miRNA: microRNA
ncRNA: RNA não-codificante
NR3C1: membro 1 do grupo C da subfamília 3 de receptores nucleares
OPRM1: receptor 1 µ-opioide
TRPV1: receptor de potencial transiente vanilóide tipo 1
TRPA1: receptor de potencial transiente anquirina tipo 1

Outro mecanismo que é conhecido por induzir o silenciamento gênico é a


interferência do ncRNA.22,23 O termo ncRNA refere-se à circulação das moléculas de
RNA que não servem para codificar proteínas funcionais. Pelo contrário, eles podem
interferir na transcrição, ligando-se e degradando aquelas moléculas de RNA que
normalmente se traduziriam em proteínas. A família de ncRNAs compreende vários
tipos de RNA, chamados microRNA (miRNA), RNA interferente e RNA não-codificante.
Esses três mecanismos são altamente interconectados. Por exemplo, a
metilação do DNA pode impedir a transcrição de ncRNA que teria silenciado um certo
gene.24 Neste caso, a metilação do DNA resultaria em um aumento - ao invés de
diminuição - da expressão desse gene. Declarações similares podem ser feitas sobre
interconexões entre miRNA e modificação da cromatina, como miRNA pode ter como
alvo direto as histonas desacetilases (HDACs), um grupo de enzimas que removem
grupos acetil das proteínas histonas, influenciando assim o arranjo da cromatina.25
Os processos epigenéticos são essenciais para o desenvolvimento e
funcionamento das células normais. Portanto, é importante que alguns mecanismos
epigenéticos permaneçam estáveis ao longo da vida. Por exemplo, as células T
auxiliares têm um papel central na orquestração de respostas imunológicas. Uma vez

25
que elas adquirem suas identidades imunológicas específicas, elas se tornam capazes
de liberar uma variedade de citocinas. Metilação de histona e alterações subsequentes
na estrutura da cromatina permitem que as células T mantenham seu status
adquirido.26

Fig 2 - A metilação do DNA influencia a transcrição. A: Transcrição envolve uma série


de mecanismos que permite que fatores de transcrição (FT) e complexos de transcrição
(CT) se liguem, abram o DNA, e então liguem o padrão de DNA de interesse. B: a partir
disto, os nucleotídeos de RNA são adicionados ao padrão de DNA para formar uma
sequência de RNA que será complementar ao modelo de DNA. C: no entanto, se o
DNA é metilado devido a ação de metiltransferases do DNA (DNMTs), locais de ligação
CT / FT não serão mais complementares ao DNA, e a transcrição será interrompida.

26
Pelo contrário, algumas outras funções extremamente importantes requerem
uma combinação de epigenética estável e transitória, dependente da atividade dos
processos epigenéticos.27 Plasticidade sináptica e capacidade de formar novas
conexões neurais são características-chave do nosso sistema nervoso central (SNC).
Os fatores de transcrição, tais como as proteínas de ligação 1 e 2 ao elemento de
resposta cAMP28, e o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF),29 parecem ser de
grande importância. Em particular, o BDNF está relacionado à potencialização
sináptica de longo prazo dependente da atividade, fenômeno celular altamente
relacionado à aprendizagem associativa e formação de memória.30,31 Processos
epigenéticos são necessários para essas funções. Metilação do DNA é desencadeada
no hipocampo durante o aprendizado, e o bloqueio de metiltransferases do DNA ou
ncRNA interfere na formação da memória.32,33

Epigenética e dor
Vários genes têm sido associados a diferentes síndromes dolorosas e limiares
de dor alterados.34 O gene catecol-O-metiltransferase (um degradador de catecolamina
regulado por genes)35-37; o gene do receptor 1 µ-opioide (OPRM1)38,39; receptores de
regulação gênica TRPV1 e TRPA140,41; e BDNF42 parecem desempenhar um papel
relevante. No entanto, os polimorfismos gênicos nem sempre explicam a expressão do
gene.42 Fatores ambientais são considerados igualmente importantes no
desenvolvimento da dor crônica.43
Vários processos epigenéticos em várias regiões do SNC são relacionados à
dor inflamatória ou neuropática em animais. Metilação do DNA no córtex pré-frontal e
na amígdala é negativamente correlacionada com a magnitude da sensibilização
nociceptiva após lesão do nervo.44 Vários miRNAs são regulados com estimulação ou
inibição na medula espinhal e no cérebro e estão associados com hiperalgesia e
alodinia.45
Resultados iniciais interessantes de estudos clínicos também foram
publicados. Nas neuropatias dolorosas, a expressão de miRNA difere quando
comparados com controles saudáveis.46 Em um modelo animal de hipersensibilidade
visceral, aumento de ativação de uma forma particular de miRNA (miR-199) foi

27
associado à inibição da sinalização do TRPV1 e diminuição da hiperalgesia.47 O
receptor TRPV1 é expresso em fibras sensoriais; transduz calor nocivo, prótons e
outros compostos químicos como a capsaicina; e tem sido extensivamente associada
à sensibilização aos nociceptores.41 Além disso, miR-199 tem uma sequência
complementar ao TRPV1, e níveis mais altos de miR-199 circulante inibem a expressão
de TRPV1.47 Em consonância com esta evidência, expressão diminuída do miRNA
miR-199 está associada com dor em pacientes com síndrome do intestino irritável.47
Metilação mais elevada do gene OPRM1 está associada a diminuição da
expressão de receptores µ-opioide e prediz dor após fusão da coluna vertebral.48 A
metilação do OPRM1 parece crucial para a regulação da liberação de opióde na dor
aguda e pode explicar por que alguns os indivíduos mostram respostas reduzidas a
opióides endógenos e exógenos.48
Pacientes com fibromialgia apresentam várias diferenciações nas regiões de
metilação dos genes que controlam o reparo do DNA, sinalização sináptica e
excitabilidade neuronal (por exemplo, BDNF).49,50 Em um grande estudo longitudinal,
Livshits et al51 utilizaram a análise de metilação do genoma para avaliar as
modificações epigenéticas em um conjunto de dados independente de 1608 gêmeos,
bem como 50 pares de gêmeos idênticos (ou seja, com sequencias idênticas de DNA)
que eram discordantes para dor crônica generalizada. Eles encontraram associações
em vários genes, mais notavelmente nos relacionados a funções imunológicas e
regulação do fator de necrose tumoral, interleucina-17 e proteína quinase C. Diferenças
na metilação só poderiam explicar 6% da variância; contudo, metilação em todo o
genoma foi realizada em locais de metilação estável que eram, portanto, menos
propensos a influências ambientais.
Da mesma forma, Bell e colaboradores52 estudaram 25 gêmeos idênticos que
diferiram sua sensibilidade a estímulos de calor nocivo. Eles analisaram todo o
epigenoma dos indivíduos, buscando por diferenças nas regiões de metilação. A
associação mais forte foi encontrada no gene TRPA1. O receptor TRPA1 é bem
conhecido por seu papel na sensibilização do nervo periférico secundária à
inflamação.53
A epigenética oferece a excitante possibilidade de estudar mecanismos
relevantes subjacentes da dor crônica, permitindo-nos fechar uma lacuna em nossas
habilidades explicativas. Um desses mecanismos é a excitabilidade do sistema

28
nervoso, já que determina como estímulos nociceptivos e não nociceptivos são
modulados. Sensibilização central - uma forma de neuroplasticidade mal-adaptativa
que determina um aumento na excitabilidade neuronal - é uma chave subjacente do
mecanismo em muitas condições de dor crônica, como osteoartrite, fibromialgia, lesão
crônica em “chicote”, dor pós-câncer, dor neuropática e dor lombar crônica.54-57
Pesquisa inicial mostra seu papel preditivo e mediador em diferentes condições
crônicas.58 Mecanismos epigenéticos são pouco estudados em relação a
sensibilização central. Um estudo em animais mostrou que o miR-7a reverte a dor
neuropática regulando a excitabilidade neuronal.59 A desacetilação da histona também
contribui para a hipersensibilidade nociceptiva, que é revertida pelos inibidores de
HDAC.60
Finalmente, associações foram encontradas entre migrânea e metilação do
peptídeo relacionado ao gene da calcitonina.61 O peptídeo relacionado ao gene da
calcitonina é um peptídeo bem caracterizado conhecido por seu papel na sensibilização
neuronal.62 Apesar do fato de que a pesquisa sobre papel da epigenética na dor estar
no início, evidências emergentes sugerem que o estudo da epigenética pode ajudar a
desvendar elementos-chave neste âmbito, como a vulnerabilidade à dor.

Epigenética de fatores psicológicos


Fatores psicológicos são importantes na experiência da dor.63 Medo de dor
influencia negativamente a atividade física64 bem como o retorno ao trabalho65 e pode
desempenhar um papel na manutenção dos sintomas de dor.66 Ansiedade e estresse
predizem dor crônica a longo prazo e podem mediar a vulnerabilidade à dor.67-69
Mecanismos de aprendizagem são capazes de facilitar e manter um estado de
hiperexcitabilidade do SNC,70, que é um fator preditivo e mediador na dor crônica.71-73
Intrigantemente, a adversidade no início da vida e estresse durante o desenvolvimento
determinam níveis mais altos de medo e ansiedade em adultos74-76 e aumentam o risco
de desenvolvimento de dor crônica.77 Desvendar estes mecanismos pode ser de crucial
importância para as pessoas que estão sentindo dor.
Mecanismos epigenéticos podem fornecer mecanismos biológicos através do
qual, em alguns indivíduos, o medo parece ser mais fácil de se aprender, ou por que
as respostas ao estresse são melhores em alguns do que em outros. A consolidação
do medo compartilha vários mecanismos com o aprendizado e formação de memória.

29
O medo pode, de fato, ser aprendido através do aprendizado associativo. Usando um
paradigma de condicionamento de medo contextual, onde um novo contexto (neste
caso, uma sala diferente) foi emparelhado com um choque elétrico no pé, uma única
sessão de 6 minutos de condicionamento de medo foi capaz de induzir um aumento
rápido na metilação de BDNF no hipocampo.29 Esse aumento rápido foi associado com
acetilação de histonas e transcrição gênica alterada durante a consolidação do medo.29
O estresse também é capaz de facilitar a excitabilidade neuronal e promover
sensibilização central. Isso pode ocorrer por meio do recrutamento e ativação glial78 ou
via hiperativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA) e liberação de
glicocorticóides.74-76,79 Uma revisão sistemática de relação entre estresse e
modificações epigenéticas identificou diferenças significativas na metilação gênica de,
principalmente, três genes: NR3C1, BDNF e o gene transportador de serotonina soluto
família 6 membro 4.80 NR3C1 pode ser de particular importância para respostas ao
estresse, como é o gene que codifica a síntese de glicocorticóides no hipocampo.
Estresse no início da vida diminui e expressão do NR3C1 e aumenta a sensibilidade
ao estresse em animais adultos.75,81 No entanto, o NR3C1 é estimulado em ratos que
recebem mais cuidados durante o desenvolvimento inicial, que então faz a melhor
mediação do feedback de glicocorticóides e promove resiliência dos fenótipos ao
estresse.75,81 O promotor de metilação NR3C1, a responsividade do eixo HPA, e níveis
de glicocorticóides na descendência foram correlacionados com ansiedade materna
durante os últimos meses de gestação.82 Juntos, esses dados sugeririam que a
exposição ao estresse pode induzir alterações epigenéticas, como a metilação do DNA
do gene NR3C1, que por sua vez é capaz de influenciar respostas ao estresse mais
tarde na vida.
Assim, a vulnerabilidade ao estresse pode ser o resultado de modificações
epigenéticas, que por sua vez influenciam a resposta do eixo HPA e liberação de
glicocorticóides durante eventos estressantes. Glicocorticóides tem grandes efeitos na
neuroplasticidade do cérebro e na transmissão sináptica.83 Além disso, quando sua
liberação é prolongada, a mediação glial a neuroinflamação é aumentada.10,78 Isso,
como já mencionado, facilita a sensibilização central e, possivelmente, a dor. Novas
drogas foram de fato desenvolvidas para atingir especificamente mecanismos
epigenéticos. Estas drogas visam principalmente a metilação de histonas, acetilação

30
de histonas e miRNA para regular a inflamação, função imune e resposta do eixo
HPA.84-86

Epigenética e exercício

Exercício induz mudanças na metilação do DNA em mais de 350 genes


musculares.11,87 Descobriu-se que a maioria deles, mas não todos, são desmetilados
após o exercício.88 Curiosamente, essas mudanças são maiores em pessoas idosas87
e dependem da intensidade do exercício.89 Exercícios mais intensos estão associados
a menos metilação.
Pesquisas recentes demonstraram pela primeira vez que os músculos têm
uma memória epigenética que influencia o crescimento muscular.90 Algumas semanas
de treinamento de força aumentam a massa muscular e reduzem os níveis de
metilação em vários genes. Alguns desses genes permanecem hipometilados por
semanas após o final do treinamento mesmo que o tamanho do músculo tenha
retornado ao patamar normal.90 Curiosamente, se músculos passam por um segundo
período de treinamento (8 semanas após o do primeiro), muitos genes mostram uma
desmetilação ainda mais rápida depois disso.90 Isso parece sugerir que um breve
programa de fortalecimento prepara epigeneticamente os músculos e facilita melhores
respostas aos programas de treinamento subseqüentes.
Um número de alterações do SNC induzidas pelo exercício tem sido descrito
também.91 Várias regiões do cérebro mostram alterações epigenéticas induzidas pelo
exercício.91 Uma única sessão de exercício em esteira reduz a desacetilação de
histonas em ratos92 de maneira semelhante ao efeito dos inibidores de HDAC. Como
mencionado, as HDACs têm sido associadas com o aumento da excitabilidade
neuronal.60 Esses achados podem ajudar a explicar o conhecido efeito hipoalgésico do
exercício.93
A inibição de HDAC promove também a expressão do BDNF.94 O BDNF
parece representar uma ligação essencial entre exercício e funções cerebrais.95 Ele
aumenta após a atividade física, media a plasticidade sináptica e promove funções
cognitivas.96 No entanto, o BDNF também tem sido associado com plasticidade mal

31
adaptativa e sensibilização central em pessoas com dor crônica.97 Os níveis de BDNF
são, na verdade, maiores no soro e no plasma de pacientes com fibromialgia.98 Um
aumento adicional após o exercício pode, assim, explicar a piora dos sintomas
observados em alguns pacientes com dor crônica.99 A dupla ação acima mencionada
atribuível ao BDNF é intrigante, e, de acordo com nosso conhecimento, nenhum estudo
tentou elucidar mecanismos subjacentes. Epigenética oferece uma possibilidade
intrigante para focar neste problema, como o gene BDNF que tem uma estrutura
complexa e várias maneiras em que pode codificar proteínas.100 É possível que
diferentes mecanismos epigenéticos codifiquem para a expressão do BDNF em
diferentes regiões (por exemplo, SNC ou nervos periféricos) ou com diferentes funções.
Como demonstrado em pessoas saudáveis, atividade física regular induz
alterações nas citocinas circulantes também.10 Atividade física está associada ao
aumento da metilação do fator de necrose tumoral (uma citocina pró-inflamatória) e
diminuição da metilação de interleucina-10 (uma citocina anti-inflamatória). Isso sugere
que a atividade física desempenha um papel positivo na regulação da inflamação.
Finalmente, mudanças epigenéticas após uma única série de exercício
também foram observadas em alguns genes. Por exemplo, co-ativdor 1-alfa do
receptor ativado por proliferador do peroxissoma mostra desmetilação rápida após o
exercício.89 Curiosamente, o mesmo gene é hipermetilado em pacientes com diabetes.
Isso pode sugerir um novo mecanismo pelo qual o exercício é benéfico para pacientes
diabéticos.89
Em resumo, a epigenética está melhorando nossa compreensão da fisiologia
do exercício e da susceptibilidade a certas doenças.101 Evidências atuais indicam que
tanto uma única série de exercício físico como atividade física regular induzem
mudanças nos genes que regulam os processos nociceptivos, aprendizado do medo e
respostas ao estresse bem como aqueles que estão envolvidos na fisiopatologia de
neuropatias e doenças crônicas. A atividade física atua de uma maneira semelhante a
de um arranjo de drogas que visa múltiplos mecanismos em diferentes níveis, tudo de
uma vez.

Futuras direções e desafios


Na presente revisão, descrevemos a relevância que a epigenética terá para
as ciências clínicas no futuro próximo. Epigenética pode fornecer marcadores

32
biológicos que podem ser usados para avaliar e focar, com os nossos tratamentos, os
mecanismos subjacentes, permitindo adequar, tanto quanto possível, nossos
tratamentos para cada paciente. Além disso, a epigenética pode ser usada para medir
os efeitos biológicos de tratamentos que já são amplamente utilizados, como atividade
e exercício. Combinando avaliações clínicas com as medições de marcador
epigenético, aumentarão muito a nossa compreensão dessas intervenções e conferirá
mais importância aos tratamentos não-farmacológicos.
Marcadores epigenéticos podem, em breve, fornecer novos objetivos e
mecanismos de medicação. Novas drogas, como os inibidores de HDAC, estão
atualmente sendo testados em câncer e distúrbios neurológicos no pré-clínico e na fase
1 de ensaios clínicos, com resultados inicialmente promissores.102 Igualmente,
tecnologias inovadoras de edição de genoma, como repetições palindrômicas curtas
interespaçadas regularmente e agrupadas da proteína 9,103 em breve permitirão aos
cientistas sintetizar miRNA capaz de alterar seletivamente a função do gene. Clínicos
logo poderão ser capazes de tirar proveito de novos medicamentos e tecnologias para
promover a implementação de suas intervenções. Por exemplo, algumas pessoas com
síndrome da fadiga crônica, fibromialgia, e doenças inflamatórias mostram um
agravamento dos sintomas após uma única sessão de exercício.99,104,105 Isso contribui
logicamente para diminuir a adesão aos programas de atividade física por estes
pacientes.106,107 Em uma tentativa de melhorar a adesão a atividade física, a pesquisa
concentrou-se em abordagens não farmacológicas, com resultados iniciais
encorajadores; educação do paciente, terapia congnitivo-comportamental e atividade
gradual parecem aumentar a adesão ao exercício.108,109 No entanto, a eficácia clínica
dessas abordagens nem sempre é satisfatória.110,111 Mais pesquisas explorando o
tratamento não-farmacológico são claramente necessárias e bem-vindas.
Gostaríamos também de sugerir que novas e empolgantes possibilidades
podem desenvolver a combinação de terapias comportamentais com tratamentos
farmacológicos baseados em epigenética. Por exemplo, um dos mecanismos que pode
explicar, pelo menos parcialmente, hiperalgesia induzida por exercícios em pacientes
com dor crônica generalizada é a reação exagerada do sistema imunológico ao
exercício.104,105 Novas drogas e tecnologias podem ser capazes de manipular a
expressão gênica e reduzir respostas imunes ao exercício nesses pacientes, facilitando

33
seu envolvimento na atividade física, aproveitando assim todos os efeitos benéficos
induzidos pela atividade física.
O conhecimento científico sobre epigenética está longe de ser compreendido,
e muitas questões ainda precisam ser investigadas. Maioria das pesquisas sobre o
tema foi realizada em animais e ainda tem que ser traduzida para o ambiente clínico.
Mais pesquisas translacionais em humanos são necessárias para aprofundar nosso
conhecimento, explorar o real potencial clínico e, eventualmente, tornar a tecnologia
mais acessível para laboratórios e clínicas. Além disso, pesquisas futuras devem
transferir evidências acumuladas de outros campos, como os ensaios clínicos
anteriormente mencionados que investigam inibidores de HDAC em pessoas com
câncer e distúrbios neurológicos,102 para os campos da dor e reabilitação.
Finalmente, pesquisas futuras devem considerar alguns problemas não
respondidos. Uma dessas questões é o fato de que a regulação epigenética é
específica do local.112 Alterações epigenéticas em um aspecto do corpo (por exemplo,
a medula espinhal) podem não ser refletidas em outro aspecto (por exemplo, sangue).
Como estudos em humanos, para reduzir a invasividade, avaliam principalmente
modificações epigenéticas no sangue ou na saliva,20,113 a pesquisa deve se concentrar
na identificação das alterações que podem ser avaliadas com segurança em locais
acessíveis.
Outra questão que a pesquisa futura precisa considerar enquanto concepção
de novos ensaios clínicos é a estabilidade temporal dos marcadores epigenéticos. Foi
demonstrado que o grau de estabilidade de metilação do DNA é dependente do gene
e varia de alta a muito baixa estabilidade.114 Isso é importante, pois a alta variabilidade
gênica pode potencialmente reduzir o poder de um estudo e deve ser considerado ao
calcular o tamanho da amostra de novas pesquisas. Pesquisa sobre epigenética estão
aumentando exponencialmente, e prevemos que muitas perguntas serão respondidas
em breve.

Conclusões
Para concluir, sentimos a necessidade de mencionar que os processos
epigenéticos - embora possam ser potencialmente muito relevantes para diagnóstico,
acompanhamento e propostas de tratamento - permanecerão sempre como medidas
secundárias. Satisfação do paciente, valores e autorrelato de melhora serão sempre o

34
principal e mais importante desfecho e não devem ser substituídos por nenhuma
medida biológica. No entanto, pesquisas iniciais promissoras mostraram que medições
precoces de biomarcadores são capazes de informar práticas clínicas - por exemplo,
prevendo a susceptibilidade de desenvolvimento de complicações secundárias, como
a epilepsia após uma lesão cerebral traumática.115 Tendo em conta o potencial que a
epigenética pode ter no futuro próximo, gostaríamos de incitar pesquisadores e clínicos
que trabalham no campo da reabilitação para estarem atentos ao desenvolvimento
deste crescente e empolgante campo e considerarem a combinação de medidas
clínicas com mais medidas biológicas.

35
RESENHA DOR
Florianópolis | Santa Catarina | Brasil | @dorecoluna
Plataforma on-line: www.dorecoluna.com.br

Diretor e redator: Leonardo Avila | Tradução livre: Leonardo Avila

Título Original: On the definitions and physiology of back pain, referred pain, and
radicular pain.

Revista publicada: PAIN

Ano de publicação: 2009

Sobre as definições e fisiologia da dor nas costas, dor


referida e dor radicular.

36
Nota do redator (Leonardo Avila):

Abro a nota com um convite a reflexão trago pelo próprio artigo: “Se os clínicos
deixassem de confundir (nota do autor: dor nociceptiva), dor somática e dor radicular
(nota do autor: e radiculopatia), uma menor quantidade de pacientes seriam mal
administrados além de uma possível e provável redução de iatrogenia(s). Ademais, se
o cientista básico (nota do autor: estudo pré-clínico) compreender a distinção, modelos
animais de dor lombar nociceptiva seriam desenvolvidos e não incluiriam
anormalidades neurológicas.”
Espero que a reflexão acima traga à tona a necessidade de dominar aquilo que
nos propomos a abordar.

Maiores informações acessem o instagram @dorecoluna


Conheça o curso presencial e/ou on-line e ao vivo: Abordagem biopsicossocial da
dor em saúde acessando o site: www.dorecoluna.com.br

37
Sobre as definições e fisiologia da dor nas costas, dor
referida e dor radicular
1. Introdução

Apesar dos esforços da Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP)


[6,21], ainda há confusão entre os médicos (nota do autor: clínicos) sobre as definições
para dor nas costas como a dor referida, dor radicular e radiculopatia. Os
pesquisadores de ciência básica podem acabar por herdar essa confusão enquanto
aos conceitos quando foram mimetizar modelos de dor nas costas em animais [7]. Foi
fundamental para a definição dessas taxonomias estudos realizados há 50, 60 e 70
anos atrás. O legado desse trabalho pioneiro não permeou adequadamente a
educação médica (nota do autor: clínicos), publicações ou prática clínica.

2. Dor nas costas (nociceptiva)

Por definição, dor lombar nociceptiva deve ser a dor que é evocada por
estimulação nociva de estruturas na coluna lombar. A qualidade da dor assim evocada
foi determinada em estudos de voluntários normais, nos quais discretos estímulos
nocivos foram entregues a estruturas lombares selecionadas. Nos estudos originais,
os músculos das costas [17] ou dos ligamentos interespinhosos [18] foram estimulados,
usando injeções de solução salina hipertônica. Outros autores replicaram esses
estudos [2,13]. Posteriormente, as articulações zigapofisiárias lombares [22,23] e as
articulações sacro-ilíacas [14] foram estimuladas com injeções de meio de contraste
que evocavam a dor por meio da distensão dessas articulações. A dura-máter foi
estimulada mecanicamente [27] e quimicamente [10]. Cirurgiões que operaram
pacientes sob anestesia local sondaram várias estruturas mecanicamente e mostraram
que a superfície posterior dos discos intervertebrais lombares é a fonte mais potente
de dor nas costas induzida experimentalmente [12,20,29]. Desta forma, estes estudos
experimentais mostraram que a estimulação nociva é capaz de causar dor nas costas.
Consequentemente, quando ocorre clinicamente, esse tipo de sintoma (dor) deve ser
inferido como sendo dor nas costas de origem nociceptiva.

3. Dor referida (somática)

38
A estimulação nociva de estruturas na coluna lombar pode produzir dor referida
além de dor nas costas. A dor se espalha para os membros inferiores e é percebida
em regiões inervadas por outros nervos que não os que inervam o local da estimulação
nociva - o núcleo da definição de dor referida [21]. Como a origem da dor referida na
coluna vertebral está nos tecidos somáticos da coluna lombar, foi denominada dor
somática referida [3,5], a fim de distingui-la tanto da dor visceral referida como da dor
radicular. Dor referida somática não envolve estimulação de raízes nervosas. É
produzido pela estimulação nociva das terminações nervosas dentro das estruturas da
coluna vertebral, como discos, articulações zigapofisiárias ou articulações sacroilíacas.
O mecanismo proposto de referência é a convergência de aferencias
nociceptivas em neurônios de segunda ordem na medula espinhal que também
ocorrem para subtender regiões do membro inferior [21]. Como regra geral, a dor
somática referida é percebida em regiões que compartilham a mesma inervação
segmentar da fonte. Como a dor somática não é causada pela compressão das raízes
nervosas, não há sinais neurológicos.
Dor referida somática é maçante, e às vezes é descrita como uma pressão
expansiva. Ele se expande em áreas amplas que podem ser difíceis de localizar
[2,13,18]. Uma vez estabelecida, ela tende a ser fixada no local. Os sujeitos geralmente
acham difícil definir os limites da área afetada, mas podem identificar com segurança
seu centro ou núcleo. Os primeiros estudos descreviam mapas segmentares dos
padrões de dor referidas [13,18] (Fig. 1). No entanto, embora a dor de diferentes
segmentos na coluna lombar se refira a diferentes regiões do membro inferior, os
padrões não são consistentes entre os sujeitos ou entre os estudos. Mais
significativamente, no entanto, o padrão não é dermatomal. Na verdade, o padrão
corresponde à inervação segmentar dos tecidos profundos do membro inferior, como
músculos e articulações. Além disso, embora a dor somática referida tenha mais
tendência para centralizar sobre a região glútea e a coxa proximal, ela também pode
se estender até o pé (Fig. 1). Essas distribuições têm sido evocadas em voluntários e
pacientes normais, estimulando as articulações zigapofisiárias lombares [22,23] ou os
discos intervertebrais [25] e aliviados em pacientes anestesiados por suas articulações
zigapofisiárias [11,23,26]. Para ser consistente com esses dados experimentais,
quando a dor incômoda que se espalha para o membro inferior e se instala em um local

39
relativamente fixo ocorre em pacientes, deve ser reconhecida como dor somática
referida.

1. Padrões de dor somática referida evocados por estimulação nociva dos


ligamentos interespinhosos nos segmentos indicados. Baseado em Kellgren
[18].

4. Dor radicular

A dor radicular difere da dor somática referida tanto no mecanismo como nas
características clínicas. Fisiologicamente, é a dor evocada por descargas ectópicas
que emanam de uma raiz dorsal ou seu gânglio [21]. A hérnia de disco é a causa mais
comum e a inflamação do nervo afetado parece ser o processo fisiopatológico crítico
[3]. As características clínicas da dor radicular foram estabelecidas em estudos de
pacientes submetidos à cirurgia de hérnia discal. Em um estudo, os nervos afetados e
os nervos adjacentes foram desafiados apertando-os com fórceps em pacientes
acordados [24]. Em outro estudo, suturas foram colocadas ao redor dos nervos,
durante a cirurgia, e levadas para fora através da ferida, para que pudessem ser

40
puxadas no dia seguinte [27]. A dor evocada era distinta. Tinha uma qualidade
lancinante e viajava ao longo do comprimento do membro inferior, em uma faixa de
não mais de 2 a 3 polegadas de largura (Fig. 2). Este é o único tipo de dor que foi
produzido estimulando as raízes nervosas. Então, reciprocamente, é somente esse tipo
de dor que deve ser interpretada como dor radicular.
Significativamente, apertar ou puxar raízes nervosas normais não produz dor
radicular. Somente se as raízes nervosas tiverem sido previamente inflamadas, a
estimulação mecânica evoca a dor radicular [27]. Para que a compressão por si só seja
dolorosa, parece que ela deve envolver o gânglio da raiz dorsal. Embora isso não tenha
sido verificado em experimentos com voluntários humanos, isso é confirmado em
estudos com animais.
Estudos em animais de laboratório forneceram um correlato neurofisiológico da
dor radicular. Espremer as raízes nervosas normais evoca apenas uma descarga
momentânea, mas apertar um gânglio da raiz dorsal, ou espremer uma raiz dorsal
inflamada, evoca descargas em Ab, assim como Ad e C [15,16]. A dor radicular,
portanto, não se deve a uma descarga exclusivamente em neurônios aferentes
nociceptivos; é devido a uma descarga heteroespecífica no nervo afetado. A sensação
evocada é muito desagradável, mas não é exatamente dor, num sentido clássico
nociceptivo. As qualidades de dor lancinante, choque ou elétrica estão em consonância
com a não exclusividade de descarga de neurônios aferentes nociceptivos. Como a
língua inglesa não tem uma palavra mais precisa, essa sensação é, no entanto, por
padrão, chamada dor. O termo dor ciática é um enigma. Decorre de uma era em que
os mecanismos da dor referida não eram compreendidos, e qualquer dor referida era
atribuída à irritação do nervo periférico que passava pela região da dor. A taxonomia
da IASP recomenda a substituição pelo termo dor radicular [21].

41
Fig. 2 Uma ilustração da qualidade lancinante da dor radicular viajando para o membro
inferior ao longo de uma faixa estreita.

5. Radiculopatia

A radiculopatia é mais uma entidade distinta [21]. É um estado neurológico no


qual a condução é bloqueada ao longo de um nervo espinhal ou de suas raízes.
Quando as fibras sensoriais estão bloqueadas, a dormência é o sintoma e o sinal.
Quando as fibras motoras estão bloqueadas, a fraqueza ocorre. Reflexos diminuídos
ocorrem como resultado do bloqueio sensorial ou motor. A dormência é dermatomal na
distribuição e a fraqueza é miotomal. No entanto, a radiculopatia não é definida pela
dor. É definido por sinais neurológicos objetivos. Embora a radiculopatia e a dor
radicular comumente ocorram juntos, a radiculopatia pode ocorrer na ausência de dor,
e a dor radicular pode ocorrer na ausência de radiculopatia.
O exame clínico cuidadoso continua a ser a melhor ferramenta para diagnosticar
uma radiculopatia. Testes eletrofisiológicos raramente devem ser necessários. As

42
indicações e a validade dos testes eletrofisiológicos estão além do escopo desta
revisão, mas foram abordadas em outros lugares [1,4,9].
Uma máxima comum é que a origem segmentar da dor radicular pode ser
determinada a partir de sua distribuição. Isso não é verdade. Os padrões de dor
radicular L4, L5 e S1 não podem ser distinguidos um do outro [24,28]. Os segmentos
podem ser estimados apenas quando ocorre radiculopatia em combinação com dor
radicular. Nesse caso, é a distribuição dermatomal da dormência a distribuição da dor
que permite determinar o segmento de origem.

6. Discussão

A falta de distinção entre dor radicular e dor referida somática pode levar a erros
de diagnóstico e má administração. Dor nas costas (nociceptiva) e dor referida
somática são comuns, mas a dor radicular não é. Quando a dor radicular foi
estritamente definida, sua prevalência é de apenas 12% ou menos [8]. Confundir a dor
somática com a dor radicular cria a impressão errônea de que a dor radicular é mais
comum. Devido à forte possibilidade de que a dor somática referida tenha sido
confundida com dor radicular no passado, estudos sobre a prevalência de dor radicular
não são confiáveis [19].
Com relação ao manejo clínico, a imagem é justificada para a investigação de
dor radicular e radiculopatia, pois a imagem pode muitas vezes estabelecer a lesão
causadora. O mesmo não se aplica à dor somática referida. Radiografias simples,
ressonância magnética ou tomografia computadorizada são incapazes de revelar a
causa da dor somática, na maioria dos casos. Além disso, eles carregam o risco de
interpretações falso-positivas. Encontrar alterações degenerativas, protusões do disco
intervertebral e possível compressão da raiz nervosa é irrelevante para o diagnóstico
se o paciente tiver dor referida somática, mas pode levar a uma cirurgia desnecessária
se a dor somática referida for confundida com dor radicular.
Como a dor lombar nociceptiva e a dor somática não envolvem lesão nervosa,
não há motivos para se esperar sintomas ou sinais neurológicos. Em particular, a
alodinia não deve ser uma característica; e, de fato, a alodinia nunca foi registrada em
casos de dor nociceptiva nas costas. Em contraste, como a dor radicular e a
radiculopatia envolvem a patologia de um tronco nervoso, a alodinia é uma
possibilidade teórica, desde que o nervo sofra uma lesão apropriada. No entanto, a

43
alodinia não é uma característica típica de dor radicular ou radiculopatia, a menos que
haja dano neural verdadeiro e neuropatia em vez de simplesmente compressão ou
inflamação. A prática clínica é direta quando as apresentações não são ambíguas. Um
paciente que está aflito com a dor que afeta o membro inferior, não pode deitar-se
confortavelmente e, ao exame, tem dormência ou fraqueza na perna, claramente com
dor radicular e radiculopatia. Um paciente com dor nas costas, que se espalha na
nádega e coxa, mas sem dor lancinante e sem sintomas neurológicos, tem dor nas
costas nociceptiva e dor referida somática.
Dificuldades surgem quando os pacientes têm combinações. É possível que um
paciente tenha dor nas costas nociceptiva, devido à ruptura do disco interno, por
exemplo. Essa dor pode ser encaminhada para o membro inferior e, nesse caso, é dor
referida somática. No entanto, o disco também pode herniar ou vazar substâncias
químicas inflamatórias na raiz nervosa próxima. A irritação química da raiz nervosa
causará dor radicular. Pode ocorrer radiculopatia quando a raiz nervosa fica inchada e
ocorre bloqueio de condução. Cada recurso, então, tem uma causa separada e um
mecanismo separado; e convida a investigação e tratamento separados. A discectomia
pode remover a hérnia de disco e aliviar a dor radicular; mas não aliviará a dor nas
costas e qualquer dor referida somática. De fato, essa é a experiência comum dos
cirurgiões: a discectomia é altamente bem-sucedida para a dor na perna, mas os
pacientes ficam com dor nas costas.
Certos termos são enganosos e inúteis. Não existe uma condição singular
chamada "dor lombar - ciática". Este termo implica que o paciente tem uma condição
única que causa ambos os sintomas, o que não é correto. Os pacientes podem ter
dores nas costas; eles também podem ter ciática; mas os dois sintomas têm
mecanismos e causas separados. Recursos, causas e mecanismos de uma entidade
não podem ser atribuídos à outra. Assim, embora a hérnia de disco seja a causa mais
comum de dor radicular, não é uma causa comum de dor nas costas. A grande maioria
dos pacientes com dor lombar nociceptiva não apresenta dor radicular e não apresenta
hérnia discal. Também não é necessário invocar termos como pseudo-ciática ou dor
pseudo-radicular. Não há nada falso sobre esses sintomas. Esses termos são
sinônimos supérfluos para a dor somática referida ou, às vezes, para a compressão do
nervo periférico distal à coluna, nenhum dos quais tem algo em comum com a dor
radicular, além de ser percebido no membro inferior. De fato, como a dor somática

44
referida é muito mais comum que a dor radicular, a dor radicular deve ser considerada
como a exceção e não como dor somática referida, sendo relegada a alguma
irregularidade da dor radicular.
Se os clínicos deixassem de confundir (nota do autor: dor nociceptiva), dor
somática e dor radicular (nota do autor: e radiculopatia), uma menor quantidade de
pacientes seriam mal administrados além de uma possível e provável redução de
iatrogenia(s). Se o cientista básico compreender a distinção, modelos animais de dor
lombar nociceptiva seriam desenvolvidos e não incluiriam anormalidades neurológicas.

45
RESENHA DOR
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Diretor e redator do Resenha DOR: Leonardo Avila | Tradução livre e


comentários: Leonardo Avila

Resenha DOR: Resenhas de artigos científicos sobre dor.

Título Original do artigo: Education can ‘change the world’: Can clinical education
change the trajectory of individuals with back pain?

Revista científica publicada: Br J Sports Med

Ano de publicação do view point: 2019

Título da resenha – “A educação pode "mudar o mundo": a


A educação pode
clínica"mudar o mundo":
pode mudar A educação
a trajetória clínica pode
de indivíduos com mudar
dor
a trajetória de indivíduos com
nas costas?” dor nas costas?

Nota do tradutor - Leonardo Avila:

46
A seguir trago um view point (ponto de vista) publicado em 2019 (esse ano) que
sintetiza com maestria quatro etapas-chave sobre como usar as evidências da
educação (informação) para abordar pessoas com dores nas costas. Divirtam-se!
Att., Leonardo Avila - @dorecoluna
Considerações: 1) Primeiramente, as traduções dos artigos científicos são
livres e no decorrer do processo comentários e/ou adequações do texto são realizados.
2) Além disso, comentários explícitos constam ao longo do texto na cor vermelha e/ou
posterior ao texto “nota do tradutor”.

Declaração de conflito de interesse:

Sou fã incondicional e estudioso, em parte autodidata, do assunto neurociência


e dor.

47
Introdução

Este quarto e último editorial do BJSM destacando a Low Back Pain Series (nota

do tradutor: série subdividida em 4 partes publicada no periódico The Lancet em 2018

sobre dor lombar) concentra-se em quatro maneiras pelas quais os médicos (nota do

tradutor: clínicos) podem oferecer aos pacientes uma educação (geralmente opto pelo

termo informação) inestimável como tratamento. Este editorial exclui (The Lancet -

2018) a educação pública via mídias de alto impacto (massas), como já foi abordado

anteriormente.

Para iniciar, esse view point traz uma frase magistral de Nelson Mandela onde

ele afirma que "A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar

o mundo" e a educação é reconhecida como o tratamento de primeira linha para

indivíduos com dor lombar (low back pain – LBP).1 2 A educação é uma intervenção de

baixo risco e baixo custo para LBP. Ao mesmo tempo, o tamanho do efeito moderado

da educação significa que não é uma panaceia, isto é, um “remédio que vá curar tudo

e todos” para a condição. Neste editorial, pretendemos fornecer aos leitores do BJSM

um resumo rápido e conciso de quatro etapas sobre como usar as evidências da

educação para tratar indivíduos com dores nas costas.

1- Escute e conecte-se:

Etapa número um (escutar e se conectar). O treinamento clínico tradicional

(arcaico) nos prepara para perguntar às pessoas com LBP uma série de

48
questionamentos para ajudar a identificar a "fonte" (patoanatômica, somente – da

graduação à pós-graduação) da dor visando orientar o gerenciamento. No entanto,

geralmente somos incapazes de identificar qualquer fonte ou potenciais geradores de

dor, ao invés disso a LBP envolve uma interação complexa de múltiplos fatores

(multidimensional).4 Portanto, reunir informações mais amplas sobre a experiência de

dor individual da pessoa pode fornecer melhores insights ao clínico.4 Fornecer a cada

pessoa um espaço (tempo e escuta ativa) para contar sua história de dor em detalhes

pode facilitar a educação (informação) de uma maneira pessoalmente mais relevante.5

As estratégias educacionais que apenas "dizem" às pessoas o que fazer falharam em

modificar o comportamento. É preciso empoderar os pacientes, oferecer subsídios que

promovam a auto eficácia (auto-gestão do seu caso).

De fato, a escuta e a coleta dos dados têm se mostrado tão eficazes quanto uma

intervenção baseada somente em informações passivas e/ou impositivas que apenas

“dizem” às pessoas o que fazer tanto para lombalgia aguda ou episódios recorrentes

de dor lombar.6

2- Conforte:

Etapa número dois (dê conforto). Embora haja debate sobre o que constitui

soluções eficazes para LBP, há mais certeza em torno da natureza da dor, sua história

natural, recorrência e drivers de deficiência. A garantia cognitiva (por exemplo,

informação, educação) parece reduzir os medos e preocupações sobre a LBP mais do

que a garantia afetiva (por exemplo, empatia) a longo prazo.7 É importante enfatizar a

natureza sem risco de vida da maioria dos casos de LBP, e a importância de se

49
envolver com segurança no trabalho e exercício físico. A tão citada desconstrução de

crenças baseadas em informações duvidosas e inadequadas.

A educação sobre a história natural positiva (história natural da doença) e a

natureza benigna da LBP (ao descartar red flags) pode fornecer tranquilidade a longo

prazo, reduzir o sofrimento relacionado à dor e reduzir a utilização de cuidados de

saúde em pacientes com lombalgia aguda e subaguda.8 Nossas habilidades em exame

clínico e tratamento também podem devem ser usadas para tranquilizar as pessoas

com LBP sobre quaisquer medos pessoais (por exemplo, envolver-se em atividades

que priorizem, que deem valor. Sugestão: usar escala funcional específica). Vale a

pena notar e reafirmar que intervenções educacionais de apenas 5 minutos podem

beneficiar pessoas por até 12 meses.8

50
3- Desmistificar as crenças:

51
Etapa número três (seja um demolidor de crenças – respeitando o tempo do

paciente evitando um efeito adverso; back fire effect). Mitos, dogmas, crenças ou

qualquer outro sinônimo inúteis (prejudiciais) a respeito da dor lombar (LBP) persistem

na prática clínica, além de serem disseminados como verdades absolutas desde a

graduação à pós graduação.3 Um papel fundamental da educação informação é

dispersar esses mitos onde encontram-se presentes, pois podem atuar como barreiras

ao autogerenciamento dos pacientes. Estes incluem a presunção de que a imagem é

vital e os achados em exames de imagem sempre se relacionam com a LBP

(causalidade que a ciência já mostrou não existir); que a dor é um indicador preciso do

dano (estado) tecidual (em hipótese alguma!); as atividades provocadoras de dor

devem ser evitadas e a coluna vertebral é vulnerável e deve ser "protegida" durante as

tarefas diárias.3 Fornecer links (evidências) para recursos disponíveis publicamente

sobre essas questões pode adicionar legitimidade a essas discussões (estou tentando

auxiliar nessa divulgação, mesmo que de forma simples).4

4- Explorar o movimento é vida:

Etapa número quatro (mexa-se; proponha essa experiência). Quando

pensamos em educação, muitas vezes pensamos nas explicações verbais que

apresentamos (não se engane, o modelo não se restringe “somente” a fala e não é

hands off – quem profere tais falácias desconhece totalmente seus conceitos básicos).

No entanto, os profissionais de saúde também podem facilitar a aprendizagem de

52
forma poderosa, aproveitando nossa experiência em movimento humano. Obstáculos

à atividade física e hobbies incluem baixa auto-eficácia e evitação (medo). Portanto, a

experimentação comportamental (não hesite e propor uma experiência ao paciente, é

imprescindível para um melhor entendimento do caso) pode ser uma maneira poderosa

de demonstrar às pessoas com dor lombar que o movimento e as atividades podem

ser seguros.4 Isso pode envolver a devolução segura de pessoas a atividades

pessoalmente relevantes que elas temem, evitam ou acham dolorosas.

O FIM DO JOGO: COLOCANDO A PESSOA COM DOR NO BANCO DO

CONDUTOR!

Embora haja falta de evidência robusta nessa área, sustentamos que uma

intervenção educacional "bem-sucedida" para a LBP provavelmente será aquela que

fornece às pessoas a informação e o entendimento para autogerenciar a LBP.

Acreditamos que mais pesquisas são necessárias para desvendar exatamente

como a educação deve ser fornecida, em que formato, quando e qual o conteúdo que

deve ser apresentando. Exigimos mais estudos qualitativos com foco em necessidades

percebidas, barreiras, preferências e expectativas entre pessoas com dor e clínicos,

bem como ensaios clínicos nos quais testamos diferentes abordagens para a

educação.

No entanto, o uso desses quatro aspectos (ouvir e conectar-se; confortar;

desmistificar crenças; explorar atividades valorizadas) (figura 1) pode possibilitar a

abordagem positiva da LBP prevista pela série The Lancet; capacidade de adaptação

e autogerenciamento diante de desafios sociais, físicos e emocionais.2 3

Não há verdades absolutas. Seja um contestador nato.

53
RESENHA DOR
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Plataforma on-line: www.dorecoluna.com.br

Diretor e redator do Resenha DOR: Leonardo Avila | Tradução livre e


comentários: Leonardo Avila

Resenha DOR: Resenhas de artigos científicos sobre dor.

Título Original do artigo: Neural representations and the cortical body matrix:
implications for sports medicine and future directions.

Revista científica publicada: British Journal of Sports Medicine.

Ano de publicação do artigo: 2015.

Título da resenha – “Representações


Representações neurais
neurais e a matriz e a matriz
corporal cortical
cortical:
do corpo: implicações para a reabilitação e futuras direções.”
implicações para a medicina esportiva e futuras direções

54
Nota do tradutor - Leonardo Avila:

Com frequência utilizo a frase “saber sobre anatômica e biomecânica não é mais
o suficiente” para o manejo adequado da dor. Cabe ressaltar que essa fala não é
excludente enquanto ao desuso e/ou não emprego de uma análise minuciosa de
componentes estruturais (anatomia e biomecânica) em nossa prática clínica. Somente
trago à tona a necessidade de analisar outras dimensões além do patoanatômico,
concomitante a avaliação da integridade dos sistemas nervoso periférico e central.
Nessa revisão, os autores propõem com maestria a necessidade de olhar para
as neurotags (primárias e secundárias) como componentes imprescindíveis na
modulação de respostas (outputs) como alterações motoras e dor.
Àqueles que estão familiarizados com o assunto irão aprofundar ainda mais o
seu conhecimento no campo da neurociência, e aos marinheiros de primeira viagem,
sejam bem-vindos ao universo da teoria das neurotags.

Att., Leonardo Avila - @dorecoluna

Considerações: 1) Primeiramente, as traduções dos artigos científicos são


livres e no decorrer do processo comentários e/ou adequações do texto são realizados.
2) Além disso, comentários explícitos constam ao longo do texto na cor vermelha e/ou
posterior ao texto “nota do tradutor”.

Declaração de conflito de interesse:

Sou fã incondicional e estudioso, em parte autodidata, do assunto neurociência


e dor.

55
Representações neurais e a matriz cortical do corpo:
implicações para a reabilitação esportiva e futuras direções

Resumo:

Representações neurais, ou neurotags, referem-se à ideia de que redes de


células cerebrais, distribuídas por múltiplas áreas do cérebro, trabalham em sinergia
para produzir determinadas respostas. O cérebro pode ser considerado, então, um
conjunto complexo de neurotags, cada uma influenciando e sendo influenciada uma
pela outra. A saída (outputs) de algumas neurotags atua em outros sistemas, por
exemplo, no movimento, ou na consciência, por exemplo, até mesmo na dor. Este
conceito de neurotags desencadeou um novo corpo de pesquisa sobre a neurociência
da dor e propostas de reabilitação. Utilizamos desta pesquisa e do conceito de matriz
corporal cortical uma rede de representações que subsidiam a regulação e proteção
do corpo e do espaço ao seu redor para sugerir importantes implicações para a
reabilitação de lesões esportivas e para o desempenho esportivo. Comportamentos de
proteção associados com dor foram reinterpretados à luz desses modelos conceituais.
Com um foco particular na reabilitação do atleta lesionado, esta revisão apresenta os
fundamentos teóricos da matriz corporal cortical e sua aplicação dentro do contexto
esportivo. Abordagens terapêuticas baseadas nessas ideias são discutidas e a eficácia
das abordagens mais testadas foram abordadas. Ao integrar o pensamento atual em
dor e neurociência cognitiva relacionada à reabilitação esportiva, recomendações para
a prática clínica e futuras pesquisas são sugeridas.

56
INTRODUÇÃO

Lesões esportivas e a dor associada a elas muitas vezes levam a movimentos


reduzidos e reduzem a participação em atividades esportivas. Uma redução no
movimento pode ocorrer devido a um comprometimento fisiológico (por exemplo,
redução da amplitude de movimento ou força muscular), imobilização externa (como
imobilização ou órtese), por medo de provocar dor, por instrução implícita de um
profissional de saúde ou por medo de novas lesões ou recidivas. Normalmente, a
reabilitação envolve a exposição gradual ao movimento, força, resistência e habilidade,
até que o atleta seja capaz de cumprir todos os requisitos de suas atividades
escolhidas. O foco da reabilitação esportiva é, compreensivelmente, a exposição dos
tecidos de forma gradativa até que o atleta e sua equipe de saúde (esportiva) estejam
convencidos de que podem suportar os requisitos para recomeçar o esporte. Outro
efeito da lesão esportiva que é menos prontamente considerado na reabilitação
esportiva é o estado das várias representações corticais que servem de propriocepção,
movimento, corpo e espaço peripessoal. Ou seja, o papel do cérebro no planejamento
do movimento, preparação e execução, e a exposição gradativa de tais mecanismos
neurais ao retornar ao esporte após a lesão. Aqui discutimos a aplicação potencial de
conceitos atuais em neurociência cognitiva e comportamental relacionados à dor,
movimento e consciência corporal, para a reabilitação esportiva.

AS COMPLEXIDADES DO DESEMPENHO MOTOR

O movimento e o desempenho motor envolvem interações altamente complexas entre


as redes neurais no cérebro que representam nosso corpo e o espaço ao nosso redor.1
Por exemplo, o desempenho motor qualificado utiliza representações neurais dos
domínios visual, proprioceptivo, espacial e tátil, permitindo-nos estabelecer o corpo,
posição e alinhamento em relação ao ambiente externo. Tais informações são
continuamente alimentadas em circuitos motores sensoriais que atualizam
constantemente as previsões internas sobre o resultado de um comando motor. Essa
atualização contínua promove desempenho motor suave, eficiente e preciso2, bem
como proteção e funcionalidade ótimas.1 Um amplo repertório de possíveis estratégias
motoras e uma capacidade de modelagem preditiva cortical precisa e eficiente são

57
consideradas importantes para comandos motores de alto nível, como o ajuste fino de
um sistema desse tipo após uma lesão ou inatividade envolve reestabelecer a
capacidade do cérebro de integrar essas múltiplas representações e executá-las
rapidamente em um ambiente sensório-motor em constante mudança e atualização.
As implicações desse componente neurológico para a reabilitação esportiva dependem
de questões fundamentais de representações neurais e de sua hierarquia.

REPRESENTAÇÕES NEURAIS OU ‘NEUROTAGS’

4
Redes ou ‘neurotags’ são grandes grupos de células cerebrais que são distribuídos
em diversas áreas do cérebro e que são pensados para evocar uma dada saída
(output). O conceito de representações neurais (neurotags) é um conceito teórico, mas
a teoria é informada por um corpo muito grande de pesquisas em neurociência usando
a interface de computador (cerebral). Por exemplo, 5 estudos in vivo em modelos
animais.6 Há também pesquisa de neuroimagem humana disponível.6 Cada neurotag
consiste em numerosas células cerebrais, que podem ser chamadas de “grupos de
células cerebrais”; cada grupo de células cerebrais faz parte de múltiplas neurotags.
Uma analogia útil para o conceito de neurotags é a de uma orquestra onde os músicos
contribuem como se fossem peças - partes (saídas - outputs) e cada peça (saída -
output) envolve um grupo de músicos distribuídos pela orquestra (ver ref. 4).
Uma neurotag primária afeta uma ação no órgão final, de modo que sua saída resulte
em um resultado tangível. Por exemplo, a neurotag primária atua nas unidades motoras
e, consequentemente, nos músculos, ou evoca uma percepção como a dor, ou uma
crença como "meu tendão está fraco" (ver também a referência 8 para uma revisão
extensiva). Uma neurotag secundária afeta uma ação modulando a massa neuronal e
a precisão das neurotags primárias e, portanto, influencia a probabilidade de ativação
dessa neurotag (figura 1). As habilidades exigidas para o esporte podem ser
conceituadas como resultado da ativação de neurotags primárias, influenciados pela
ativação de neurotags secundárias. Portanto, é importante considerar os princípios que
governam a operação de neurotags, em particular os princípios de (1) massa
neuronal, (2) precisão neuronal e (3) neuroplasticidade.5 A (1) massa neuronal
refere-se ao número de células cerebrais membros em uma determinada neurotag e a
eficácia sináptica entre elas. (2) Precisão neuronal refere-se à inibição de células

58
cerebrais não participantes da neurotag (ver também ref. 8). A força de uma neurotag
determina sua influência e depende tanto da massa neuronal quanto da precisão
neuronal. Neurotags maiores irão predominar sobre as menores; neurotags precisas
irão predominar sobre as imprecisas (ver também ref. 9 para discussão específica de
neurotags visuais). O terceiro princípio de neurotags que é muito relevante aqui é o da
(3) neuroplasticidade, isto é, a propriedade do sistema nervoso sofrer mudanças
funcionais e estruturais em resposta à atividade.10

Figura 1 - Neurotags secundárias são aquelas que exercem sua influência sobre
neurotags primárias. As neurotags primárias são aquelas que evocam uma saída
(output), por exemplo, um comando motor, um sentimento ou uma crença consciente.

A MATRIZ CORPORAL DO CORPO

Um número muito grande de estudos levou à proposta de uma matriz cortical do corpo
- uma rede de neurotags que subestima a regulação, o controle e a proteção do corpo
e do espaço ao seu redor, tanto no nível fisiológico quanto no perceptual1 (ver também
referências 11 e 12 para revisões relevantes). Uma extensa revisão dos dados

59
experimentais e clínicos originais que sustentam a teoria da matriz cortical do corpo
está além do escopo deste artigo, mas a teoria é capturada em certa medida por várias
descobertas importantes. Por exemplo, (1) pessoas com dor patológica no braço e a
sensação de que o braço estava inchado realizavam movimentos dolorosos de suas
mãos sob quatro condições: observando o braço através de uma lente de aumento
para que o braço parecesse mais inchado, observando-o em uma lente que o diminuía
para que parecesse menos inchado e duas condições (grupo) controle.13 A dor e o
inchaço evocados pelo movimento eram maiores na condição ampliada e menos na
condição diminuída, embora os próprios movimentos fossem idênticos; (2) quando
voluntários sadios experimentam uma ilusão cognitiva na qual uma mão parece ter sido
substituída por uma contrapartida artificial, então a mão que foi "substituída" torna-se
mais fria14 e hiper-reativa à histamina de uma maneira específica que é positivamente
relacionado à vivacidade da ilusão;15 quando o membro é resfriado pela primeira vez,
a ilusão se torna mais forte;16 (3) quando amputados com um membro fantasma intacto
aprendem a realizar um movimento biomecanicamente impossível com seu membro
fantasma, relatam deslocamentos simultâneos na estrutura interna de seu fantasma e
na capacidade de realizar o movimento. Além disso, alguns movimentos fisiológicos
tornam-se mais difíceis de acordo com a nova estrutura do fantasma;17 quando
pessoas com dor patológica no braço e um braço frio é associado cruzando as mãos
sobre a linha média do corpo, a mão dolorosa aquece e a saudável esfria em relação
à saudável e esse efeito não depende de onde os membros realmente estão, mas de
onde são percebidos.18 19 20 Cada uma dessas descobertas demonstra uma conexão
estreita entre nossas sensações corporais, por exemplo, dor, inchaço, localização e
posse e regulação fisiológica, por exemplo, movimento, inchaço, controle de
temperatura e respostas inflamatórias. A pertinência da teoria da matriz cortical do
corpo para retornar ao esporte após a lesão é tripla: (1) ela fornece um modelo de
trabalho que integra as complexas representações proprioceptivas, motoras e
espaciais envolvidas no esporte, particularmente aqueles que envolvem equipamentos
(por exemplo, bolas ) ou interação atleta-atleta; (2) estipula que as neurotags, cujos
resultados atuam nos órgãos finais (por exemplo, músculos ou vasos sanguíneos),
estão intimamente integradas às neurotags, cujos resultados são sentimentos (por
exemplo, sensação de calor ou dor); (3) implica que eventos e situações externas e
internas, incluindo a localização de partes do corpo, são mapeadas espacialmente de

60
acordo com um quadro de referência centrado sobre si mesmo ('egocêntrico'), 18 19 20 e
de acordo com um referencial centrado em um objeto externo ou membro
("alocêntrico"). 21 Isso implica que as tarefas espaciais que interrogam os dois quadros
de referência devem ser incorporadas à reabilitação. A propriocepção fornece um
excelente modelo para entender a ideia de neurotags secundárias influenciando as
neurotags primárias. Por exemplo, a consciência proprioceptiva (onde você sente que
uma parte do corpo esta) pode ser considerada a saída de uma neurotag primária. Há
muitas influências sobre esta neurotag primária, por exemplo, que a partir da entrada
visual, somatossensorial de entrada (detectada por mecanorreceptores e órgãos
proprioceptivos no sistema nervoso periférico) e entradas geradas internamente
relacionada com esforço.22 Cada uma destas entradas (inputs) para a neurotag
primária é gerado por neurotags secundárias.
Essas ideias foram exploradas anteriormente na literatura de localização corporal e
controle motor, onde os termos "estabilidade" ou "confiabilidade" da modalidade são
razoavelmente análogos à massa e precisão neuronal das neurotags de subserviência.
Em particular, a teoria da Estimativa da Máxima Verossimilhança23 afirma que o
sistema nervoso combina as informações provenientes das diferentes modalidades
sensoriais de uma maneira estatisticamente ótima. De modo geral, quando a visão e a
propriocepção estão disponíveis ao mesmo tempo, a visão domina o resultado,
sugerindo que a neurotag específico da visão exerce uma influência muito maior do
que a neurotag somatossensorial (específica), de acordo com sua massa e precisão
neuronal relativas Essa predominância de neurotags visualmente codificadas sobre
neurotags codificadas via somatossensoriais pode ser prontamente observada em
ilusões que exploram a força de visão usual para tornar imprecisa a localização
percebida de um membro. Por exemplo, no Disappearing Hand Trick24 os participantes
são encorajados a olhar para suas mãos e manter sua posição em relação a uma dica
visual, mas são ingênuos ao truque experimental que significa que suas mãos estão
se movendo de tal forma que a localização de uma mão é completamente imprecisa.
Nesse cenário, a massa neuronal e a precisão da neurotag proprioceptiva secundária
visualmente codificada supera em muito em a neurotag somatossensorial, de modo
que a mão é sentida no local que o sistema visual sugere, mesmo que não seja (Figura
2). O terceiro princípio das neurotags - a neuroplasticidade transmite seus efeitos
modulando a força e a precisão das neurotags. Essa é uma consideração crítica

61
durante a reabilitação porque a neuroplasticidade "funciona nos dois sentidos" das
neurotags - para aumentar ou diminuir a probabilidade de sua ativação. De acordo com
o princípio da neuroplasticidade, mudanças no repertório de movimento e
comportamento levam à aprendizagem motora de tal forma que a facilidade com que
diferentes saídas motoras são geradas é alterada de maneira dependente do uso.
Quanto menos ativo uma neurotag específica, mais fraca e menos precisa ela se torna;
quanto mais ativo uma neurotag específica, mais forte e mais precisa ela se torna (até
certo ponto, em que as células cerebrais membros parecem tornar-se "desinibidas" 25
ou imprecisas, o que tem implicações potencialmente profundas quando consideradas
dentro da estrutura da matriz corporal cortical - ver abaixo). Essas questões
fundamentais - de neurotags e da matriz corporal cortical - apresentam três implicações
importantes para a reabilitação esportiva: que, permanecendo cientes dos princípios
que governam as neurotags, podemos avaliar como as neurotags (secundárias)
relacionadas ao perigo real ou implícito podem influenciar (primárias) neurotags de
saída (output) do movimento; que, explorando esses princípios, podemos encontrar
com mais eficácia o equilíbrio ideal entre proteção e retorno rápido ao desempenho
pleno, e podemos garantir que os efeitos neuroplásticos da atividade alterada possam
ser limitados pela integração da "reabilitação virtual" à reabilitação física; que,
permanecendo cientes da ligação estreita e bidirecional entre as neurotags que
produzem saídas relacionadas ao corpo e aquelas que produzem saídas relacionadas
ao sentimento, podemos usar uma para modular a outra. Para avaliar a importância
potencial dessas implicações, vamos considerar a relação entre dor e produção
motora. O paradigma dominante é que a dor causa o controle motor alterado. Nós
afirmamos que este paradigma implanta uma falsa hierarquia na qual a dor é
considerada um evento de ordem inferior que ocorre a um indivíduo, e que o controle
motor irá se normalizar se a dor for erradicada.
As mudanças no controle motor também podem causar dor, dependendo da
estimulação nociceptiva e da conclusão de um "ciclo vicioso". Em vez disso, sugerimos
que a dor e o controle motor são saídas de neurotags primárias, intimamente ligadas,
mas não diferenciadas hierarquicamente. Nós afirmamos que ambos são modulados
por uma gama de neurotags secundárias (figura 3A). O paradigma experimental
comum que sustenta o modelo dominante envolve estimulação nociceptiva, que evoca
tanto a dor como a saída motora alterada.26 27 Estamos entre aqueles que atribuíram

62
ingenuamente alterações na produção motora à dor, quando o desenho não nos
permite diferenciar a dor da estimulação nociceptiva. Ou seja, nós confundimos
associação por causa. Existe agora um corpo de literatura convincente que aponta para
28 29 30
os problemas com o modelo dominante em um nível teórico e empírico (veja
também a ref. 31 para os fundamentos teóricos desta afirmação). A nocicepção não é
suficiente nem necessária para a dor. Isto é, atividade nos nociceptores primários -
terminações nervosas livres de alto limiar localizadas nos tecidos do corpo - e suas
projeções, que são coletivamente responsáveis por detectar, transformar e transmitir
uma mensagem de perigo para o cérebro, agora é considerado apenas um contribuinte
para a dor. Sugerimos que o mesmo se aplica às saídas motoras de proteção. A
nocicepção é apenas um contribuinte, ainda que influente, para as saídas (outpus)
motoras de proteção (figura 3B). Esse movimento prioriza que a proteção é reflexo de
um processo altamente complexo e multifatorial que promove a auto-sobrevivência.
Um movimento e comportamento protetores aprimorados foram demonstrados em uma
variedade de distúrbios clínicos da dor, onde pessoas com dor têm regulado
positivamente os reflexos defensivos. Em uma revisão sistemática com meta-análise
recente (comunicação pessoal, Wallwork et al., 2015), mostrou que o limiar no qual as
respostas reflexas são desencadeadas é menor em pessoas com dor do que em
controles saudáveis, mas que esse aumento não poderia ser explicado pela
sensibilidade baseada nos tecidos, sensibilização periférica ou sensibilização da
coluna vertebral. Em vez disso, o aumento desses limiares parece ser impulsionado
pela facilitação descendente. Ou seja, parece que a avaliação imediata e atual da
ameaça ao tecido corporal modula o ajuste fino da saída do motor até o nível dos
reflexos. Além disso, o reflexo de “piscar” da mão é regulado quando a mão está mais
perto da face. Essa regulação ocorre em tempo real e, de fato, de forma direta, se a
mão está em movimento (comunicação pessoal, Wallwork et al., 2015), mas a
regulação está ausente se uma barreira física for colocada entre a mão e a face32
mostrando que um processo avaliativo complexo associado à percepção de perigo aos
tecidos corporais modula a sensibilidade de respostas motoras reflexas supostamente
"automáticas". Aplicando o modelo de neurotag a essas descobertas, podemos ver que
cada uma das pistas, por exemplo, a presença de uma barreira física, é representada
por uma neurotag secundária que influencia a neurotag primária de modulação
descendente.

63
O EFEITO DO PREJUÍZO DA INATIVIDADE NA MATRIZ CORTICAL DO CORPO

Os efeitos da lesão e da inatividade na matriz do cortical do corpo podem ser


considerados em termos tanto de mudança nas neurotags secundárias que influenciam
a produção e a percepção do movimento quanto os efeitos da neuroplasticidade. A
ideia de que a dor é simplesmente um reflexo do estado tecidual foi elegantemente
desmantelada há várias décadas33 e agora existe o endosso generalizado de um
conceito biopsicossocial da dor na literatura científica, fora do campo da reabilitação
esportiva. Um conceito moderno da dor enfatiza sua natureza multidimensional como
uma sensação protetora consciente que obriga o sofredor a proteger seu corpo do
perigo.38 Como tal, qualquer informação que implique em perigo para o tecido corporal
será representada por neurotags secundárias que influenciam a neurotag primária (dor)
aumentando a probabilidade de disparo. Qualquer informação que implique segurança
ao tecido do corpo também será representada por neurotags secundárias que também
influenciam a neurotag primária (dor), tornando menos provável a ativação da neurotag
da dor.35 Isso é conceitualmente simples, embora os processos biológicos subjacentes
sejam muito complexos e longe de ser completamente compreendido. A mudança
conceitual do modelo estrutural-patológico anterior para o atual modelo baseado na
proteção biopsicossocial é agora vista como um alvo terapêutico, obviamente
explicando a dor, uma série de estratégias educacionais que ensinam as pessoas
sobre a biologia da dor.4 35 38 39 De fato a reconceitualização da dor é agora considerada
um objetivo fundamental da reabilitação da dor crônica.38 Defendemos que ela também
deve ser parte integrante da reabilitação esportiva. Esses princípios se estendem além
da dor, no entanto, a outros resultados protetores da matriz corporal cortical, por
exemplo, fadiga, ansiedade, medo, dispneia, rigidez e fraqueza, todos os quais podem
ser conceituados como sentimentos protetores, 40 e resposta inflamatória aumentada,
aumento produção de cortisol, ritmo cardíaco elevado, todos os quais podem ser
conceituados como respostas reguladoras de proteção.

64
NEUROPLASTICIDADE

O princípio da neuroplasticidade pode ser aplicado à reabilitação esportiva de várias


maneiras. Por exemplo, a ativação repetida de neurotags secundárias que
representam perigo para o tecido do corpo aumentará sua massa e precisão neuronal,
aumentando assim sua influência na dor e nos outros resultados de proteção, incluindo
a produção de movimento; a ativação diminuída de neurotags motoras dedicadas ao
desempenho primário diminuirá sua massa e precisão neuronal, reduzindo a
probabilidade de que eles sejam ativadas. Ou seja, a gama potencialmente ampla de
neurotags associadas à maioria dos esportes torna-se menos ampla e certas neurotags
tornam-se menos acessíveis quando se busca uma execução rápida e eficiente do
movimento. De acordo com a teoria bayesiana, essa mudança na propensão para
engajar as saídas motoras ótimas é conceituada como refletindo o ajuste fino da
neurotag relevante baseada em experiências anteriores.41 Também fazemos previsões
sobre fatores ambientais externos com base nas probabilidades de eventos que
ocorreram no passado, também chamados de "antecedentes", e essas probabilidades
são baseadas na experiência de tais eventos. Portanto, quanto menos esses
movimentos forem realizados, menos eficientes e menos precisos serão esses
movimentos, em virtude da redução da massa neuronal e da precisão de suas
neurotags subservientes. A consequência previsível, portanto, seria um erro maior no
desempenho motor e um aumento no risco de novas lesões.

AVALIAÇÃO

Avaliações motoras; embora esses conceitos não sejam novos, sua aplicação clínica
está apenas ganhando terreno. Um dos objetivos da pesquisa nessa área é o
desenvolvimento de avaliações clínicas que visem a integridade das neurotags da
matriz corporal cortical. O mais avançado desses fluxos de pesquisa envolve imagens
motoras,8 com déficits no desempenho, sendo claramente relacionados a fenômenos
clínicos, como dor e treinamento, sendo claramente relacionados à melhora nesses
fenômenos clínicos. Imaginar o movimento do próprio corpo é uma forma de imagem
motora explícita. Isto é, a pessoa que imagina o movimento está ciente de que é isso
que eles estão fazendo. A imagem motora implícita, por outro lado, envolve o

65
processamento motor cortical ou a ativação de neurotags motoras, mas sem
consciência.8 A imagética motora implícita pode ser avaliada usando tarefas de tempo
de reação de escolha, mais comumente um julgamento se uma parte do corpo
retratada pertence a o lado esquerdo ou direito do corpo.42 Julgamentos de esquerda /
direita, como de mãos, envolvem dois estágios - um julgamento inicial “automático”,
seguido por manobrar mentalmente a própria mão de sua posição atual para a posição
do alvo, processo chamado "confirmação".42 Em termos de representação cortical, na
teoria, o processo de confirmação envolve neurotags proprioceptivas e espaciais
secundárias, que exercem uma influência na neurotag motora primária, mas não o
ativam - assim, não há movimento.43 Julgamentos de esquerda / direita como este têm
sido amplamente estudados em participantes saudáveis42-45 e em pessoas com dor.
Como regra geral, o desempenho é reduzido para imagens motoras implícitas da parte
do corpo afetada, mas não para partes do corpo não afetadas. Por exemplo, para
essoas com dor lombar têm um desempenho ruim na tarefa de rotação do tronco
45-46
esquerda / direita, mas não uma tarefa de julgamento da mão esquerda / direita;
pessoas com síndrome da dor regional complexa (SDRC) têm mau desempenho no
julgamento da mão esquerda / direita tarefa, mas não o julgamento do joelho esquerdo
/ direito.47 48 49 Déficits específicos de segmentos específicos foram relatados
em pessoas com dor cervical,50 osteoartrite dolorosa do joelho20 e dor na perna.51 A
imagem motora implícita interroga as neurotags secundárias, déficits na imagem
motora refletem problemas a montante da execução do movimento em processos de
preparação do movimento, por exemplo. Esses testes de tempo de reação fornecem
duas métricas de precisão e tempo de reação que refletem diferentes aspectos da
tarefa e, portanto, diferentes conjuntos de neurotags. Os déficits de precisão são
interpretados como refletindo ruptura (diminuição da massa neuronal ou precisão) de
neurotags proprioceptivas que são então usadas para o movimento, e déficits de tempo
de reação são interpretados como refletindo a ruptura de neurotags espaciais, onde as
neurotags que representam um lado ou área do espaço têm maior força neuronal do
que aqueles que representam outra área e, portanto, exercem uma maior influência
sobre a fase de decisão da tarefa (ver refs. 8 e 52). Imagens motoras implícitas são
facilmente avaliadas usando um software disponível comercialmente (por exemplo,
"reconize" - noigroup.com, Adelaide, Austrália) em computadores, tablets ou
smartphones. Os usuários podem obter dados imediatos sobre a precisão e o tempo

66
de reação e manter registros on-line para acompanhar o desempenho ao longo do
tempo. Os clínicos podem monitorar remotamente a prática e o desempenho do
paciente.

ACUIDADE TÁTIL

As neurotags táteis - aquelas que representam nossa sensação de toque no corpo -


também estão implicadas em muitos distúrbios da dor e o treinamento do desempenho
tátil tem sido associado à redução da dor.53 54 A acuidade tátil depende da integridade
dos transdutores táteis - receptores especializados nos terminais neuronais Aβ,55 -
transmissão do sinal sensorial para o cérebro e ativação de neurotags secundárias
apropriadas (ver ref. 56 para uma revisão abrangente). Déficits específicos da parte do
corpo na acuidade tátil têm sido documentados em pessoas com SDCR, 57 58 59 60, dor
lombar crônica não específica, 61 62 63, dor facial64 e artrite.65 Esses déficits não podem
ser explicados pela detecção do sinal, transdução ou transmissão, mas são atribuídos
à alterações (diminuição da massa neuronal ou precisão) de neurotags de
subserviência.66 Gostaríamos de levantar a possibilidade de que as evidências obtidas
de populações clínicas, e fora do contexto, pode ser relevante para aqueles com lesões
esportivas. Nossas próprias observações clínicas parecem sustentar essa
possibilidade e estudos empíricos preliminares são corroborativos.67-68 Talvez
surpreendentemente, não há diferenças sistemáticas no desempenho da imaginação
motora entre aqueles que participam e não praticam o esporte.69 De fato, essa
participação regular na ioga não parece melhorar o desempenho70 e que as pessoas
que experimentam episódios regulares de tontura não parecem ter desempenho
interrompido,71 reforça a implicação de que o desempenho interrompido é
razoavelmente específico para representações específicas de partes do corpo
interrompidas. "Lesões esportivas" claramente não são um grupo homogêneo - as
implicações da literatura nesse campo são provavelmente diferentes para aquelas com
dor relacionada ao esporte crônica ou recorrente em comparação àquelas com, por
exemplo, uma ruptura do ligamento cruzado agudo. Implicações podem existir para
ambos, no entanto. Ou seja, as semelhanças entre os problemas crônicos e
recorrentes de dor experimentados por atletas profissionais, recreativos ou mesmo
"industriais", sugerem a generalização dos achados entre esses grupos. No entanto, a

67
consideração de representações corticais na reabilitação de lesões esportivas agudas
é um campo relativamente inexplorado. Pode-se propor um papel na manutenção de
neurotags coerentes, mesmo quando o movimento não é possível, mas essa ideia não
foi, até onde sabemos, investigada. No entanto, poderíamos afirmar que a teoria da
representação e a teoria da matriz do corpo cortical, na medida em que se relacionam
com o comportamento e a função humanas, devem ser igualmente aplicáveis aos seres
humanos que estão engajados no esporte, assim como aos humanos que não o são.
Claramente, até que os dados empíricos sejam obtidos, essas contenções
permanecem teóricas.

O PAPEL POTENCIAL DA REABILITAÇÃO DE NEUROTAGS NO RETORNO AO


ESPORTE

Como mencionado acima, tratamentos que visam neurotags secundárias motoras ou


táteis promovem recuperação clínica em pacientes com dor crônica. A evidência é mais
estabelecida para imagética motora graduada (GMI)72 (ver ref. 8 para uma revisão
abrangente) e treinamento de discriminação tátil53 54 73 74 (ver refs. 11 e 12 para revisões
relevantes), mas outras abordagens estão confinadas nesta fase a estudos de caso e
relatos observacionais. O mecanismo proposto por trás da GMI é que ele usa um
paradigma de exposição gradual para restabelecer neurotags motoras normais (não-
protetores). GMI envolve um processo de três etapas; imagens motoras implícitas,
imagens motoras explícitas (movimentos imaginários) e terapia de espelho.8 A
sequência de passos parece ser importante, pelo menos para a condição severamente
incapacitante e dolorosa da CRPS.75 As recomendações para a GMI incluem o
desempenho durante a exposição a sinais que sinalizam perigo para o tecido do corpo.
Essas dicas são específicas do indivíduo, mas podem incluir a hora do dia, a
localização, o ruído, a competição, o estresse, a fadiga, a carga cognitiva, e tudo isso
pode ser resolvido simplesmente modificando o contexto do treinamento da GMI. É
importante ressaltar que a GMI pode ser realizada bem antes da reabilitação física.
Essa é uma implicação-chave desse campo emergente - que a diminuição normal na
força e precisão neuronal que ocorre quando uma neurotag é retirada "fora de linha"
pode ser evitado pelo treinamento "virtual" regular e variado.
A GMI forma um subconjunto empiricamente testado de aplicativos de imagens,

68
mas nós afirmamos que os princípios capturados pela GMI devem se aplicar à
aplicação menos formalizada de imagens motoras. Isto é, a "manutenção da neurotag”
pode ser tão simples quanto a imagem motora na presença de pistas relacionadas ao
desempenho. Um exame subjetivo completo sobre a lesão e associações relacionadas
à lesão poderia lançar luz sobre sinais potencialmente ameaçadores que poderiam ser
integrados à reabilitação de neurotags bem antes da reabilitação física. Por exemplo,
a extensão e o contexto da lesão, a hora do dia em que a lesão foi sofrida, o estado de
espírito em que o atleta se encontrava, as condições meteorológicas, o ruído de fundo
e outros jogadores envolvidos podem constituir “sinais de perigo para o tecido
corporal”. Para apreciar a importância potencial dessas considerações, deve-se
apenas apreciar que cada uma dessas sugestões sensoriais e contextuais é
transformada em atividade neural e, portanto, exerce algum tipo de influência sobre
neurotags de nível dentro da matriz do corpo cortical. Vale a pena reiterar aqui que a
influência de neurotags em outras neurotags e, por fim, em produtos como movimento,
respostas imunes e sentimentos, é determinada pela massa e precisão neuronal e que
ambos estão abertos a modificações por meio do princípio da neuroplasticidade.
O treinamento em discriminação tátil também pode ser realizado bem antes da
reabilitação física e esportiva. Esse treinamento envolve uma escolha forçada entre
pelo menos dois estímulos táteis diferentes, contando apenas com informações
somatossensoriais para fazer essa escolha. O protocolo mais testado é primeiro
identificar vários locais potenciais nos quais o participante pode receber um estímulo
tátil, estimular em um local e pedir ao paciente para identificar qual local foi
estimulado.53 54 74 76 De acordo com os princípios das neurotags, a natureza do estímulo
e o estímulo não é importante, mas o requisito para diferenciá-lo de um semelhante
estímulo é. Que neurotags espaciais também podem ser interrompidas implica
que a acuidade espacial de treinamento também oferecerá benefícios, embora a
evidência para isto esteja faltando e permanece, por enquanto, incerta. Talvez
surpreendentemente, há uma escassez de pesquisas sobre o uso de tais intervenções
para lesões esportivas agudas, apesar das alterações conhecidas de desempenho
motor em associação com tais condições. Esses tratamentos poderiam ser entregues
e adaptados de acordo com o resultado das avaliações e de acordo com o conjunto de
neurotags normalmente envolvidos no esporte escolhido; tarefas de imagética motora

69
poderiam ser modificadas para agir em neurotags específicas de esportes, por
exemplo, incluindo imagens relevantes ao contexto e relevantes para o equipamento.

CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES E DIREÇÕES FUTURAS

Propusemos que os princípios que governam as representações neurais, ou neurotags,


são de fundamental importância para a reabilitação esportiva. Defendemos que
incorporar a avaliação e o treinamento de neurotags como um componente da
reabilitação esportiva, à luz de estreitas relações entre o modo como nosso corpo é
regulado e como ele se sente, limitará os efeitos deletérios da inatividade nas
neurotags e acelerará e otimizará a reintegração de neurotags e neurotags
relacionadas ao desempenho. Também afirmamos que a potência motora e outras
saídas de proteção podem ser moduladas por qualquer evidência confiável de perigo,
independentemente de o indivíduo estar ou não em sofrimento. Em caso afirmativo, em
situações em que a qualidade do desempenho é fundamental e a execução de um
movimento preciso é vital, identificar e eliminar possíveis sinais relacionados ao perigo
pode ser crítico. Notavelmente, a compreensão do paciente das razões biológicas para
adotar essa abordagem também pareceria crítica.
Nossas contenções são baseadas em um corpo muito grande de trabalhos empíricos
fora do contexto esportivo, mas, como é aplicado ao contexto esportivo, é limitado à
experiência pessoal e evidência anedótica. Esta é uma advertência importante e, à luz
disso, esta revisão serve principalmente para fornecer uma descrição provocativa do
pensamento atual em dor e neurociência cognitiva e possibilidades para o campo da
medicina esportiva. Que algumas das avaliações e tratamentos baseados nessas
ideias estão se tornando mais comuns no contexto esportivo, não constitui evidência
de seu valor prognóstico ou terapêutico. No entanto, talvez essa revisão acenda uma
nova conversa e uma linha de pesquisa

70
RESENHA DOR
Florianópolis | Santa Catarina | Brasil | @dorecoluna
Plataforma on-line: www.dorecoluna.com.br

Diretor e redator do Resenha DOR: Leonardo Avila | Tradução livre e


comentários: Leonardo Avila #maio1

Resenha DOR: Resenhas de artigos científicos sobre dor.

Título Original do artigo: Treat the patient, Not the Label: A Pain Neuroscience Update.

Revista científica publicada: Journal of Women’s Health Physical Therapy

Ano de publicação do artigo: 2019.

Título da resenha – “Trate


Representações o paciente,
neurais não corporal
e a matriz o rótulo diagnóstico:
cortical:
implicaçõesAtualização em neurociência da dor."
para a medicina esportiva e futuras direções

71
Nota do tradutor - Leonardo Avila:

Com frequência utilizo a frase “saber sobre anatômica e biomecânica não é mais
o suficiente” para o manejo adequado da dor. Cabe ressaltar que essa fala não é
excludente enquanto ao desuso e/ou não emprego de uma análise minuciosa de
componentes estruturais (anatomia e biomecânica) em nossa prática clínica. Somente
trago à tona a necessidade de analisar outras dimensões além do patoanatômico,
concomitante a avaliação da integridade dos sistemas nervoso periférico e central.
Nessa tradução, os autores propõem com maestria a necessidade de olhar além
dos “rótulos”, isto é, o diagnóstico prévio, mas sim focar a abordagem na pessoa e não
na condição o qual encontra-se “rotulado”.
Àqueles que estão familiarizados com o assunto irão notar que as considerações
levantadas ao longo da tradução são pertinentes e cabem a nossa prática clínica diária.
Aos demais (não familiarizados com o assunto), é uma grande oportunidade para
aproximar-se.

Att., Leonardo Avila - @dorecoluna

Considerações: 1) Primeiramente, as traduções dos artigos científicos são


livres e no decorrer do processo comentários e/ou adequações do texto são realizados.
2) Além disso, comentários explícitos constam ao longo do texto na cor vermelha
(quando necessário) e/ou posterior ao texto “nota do tradutor” (quando necessário).

Declaração de conflito de interesse:

Sou fã incondicional e estudioso, em parte autodidata, do assunto neurociência


e dor.

72
Trate o paciente, não o rótulo diagnóstico: Atualização em
neurociência da dor.

Resumo:
Ao lidar com a dor crônica, muitas vezes não é possível aos clínicos fornecer
respostas adequadas aos seus pacientes sobre o que pode estar errado, e por que
eles continuam sentindo dor. Isso levou a um maior uso de “rótulos” diagnósticos para
condições como fibromialgia, síndrome da fadiga crônica, síndrome do intestino
irritável, doença de Lyme crônica e muitos outros. Atribuir esses “rótulos” aos pacientes
com dor crônica tem consequências de longo alcance para todos os envolvidos. O
objetivo deste material é destacar similaridades entre 4 condições particulares comuns
às mulheres - fibromialgia, síndrome da fadiga crônica, síndrome do intestino irritável
e doença de Lyme crônica - quando se trata da neurobiologia subjacente e suas
consequências para o paciente e tratamento clínico. Tomando uma visão geral da dor
como uma saída (output) de um sistema múltiplo ativado em resposta à ameaça,
discutimos como os vários sistemas de produção ativados podem levar a problemas e
produção de sintomas que podem predispor os pacientes a uma das quatro condições
diagnósticas supracitadas. Atualmente, existem evidências emergentes de que,
durante a resposta biológica à ameaça, um sistema de saída (output) pode ser mais
afetado do que os outros e dominar o quadro clínico, manifestando-se, portanto, como
uma condição diagnóstica particular. Propomos que, em última análise, essas
condições essencialmente significam a mesma coisa, que o paciente tem dor crônica
e defendemos o tratamento do paciente, não a condição. A capacidade de olhar além
do “rótulo” diagnóstico e ver a pessoa à sua frente é imperativa quando se trata de
fornecer esperança.

73
BACKGROUND – Investigando desde o início, à fundo.

“O que há de errado comigo?” A resposta a essa pergunta é muito menos


complicada para alguém com dor aguda ou imediata no pós-operatório que tenha um
mecanismo mecânico (biomédico) direto - relacionado. O diagnóstico biomédico
tradicional dessas condições pode fornecer ao indivíduo uma explicação clara
enquanto ao “o que há de errado comigo” ao rotular estruturas específicas e lesões nos
tecidos. O tratamento pode ser direcionado para o tecido ou lesão com resultados
relativamente bons.2,3 Para muitos indivíduos com dor crônica, não há um mecanismo
mecânico específico diretamente relacionado para anexar uma condição diagnóstica
ao problema.4,5 Muitas vezes, esses indivíduos referem dor oriunda de uma natureza
sistêmica e não diretamente relacionada a uma estrutura específica ou lesão tecidual.
Quando se trata de lidar com pessoas com dor crônica, as tentativas de fornecer uma
resposta razoável à pergunta “o que há de errado comigo” se mostram desafiadoras.
A atribuição de alguns “rótulos” diagnósticos para essas condições, tais como
fibromialgia (FM), síndrome da fadiga crônica (CFS), sensibilidade ao glúten não-
celíaca, distúrbios metabólicos, síndrome do intestino irritável (IBS) e doença de Lyme
crônica (CLD), para indivíduos com a dor crônica pode os deixar confusos ao tentar
responder à pergunta “o que há de errado comigo?”.6-9 O uso tradicional de “rótulos”
para essas condições pode levar os clínicos a tratar uma condição tal como um
problema tecidual isolado, contribuindo aos desfechos aos desfechos pobres
frequentemente encontrados no tratamento dessas condições.10 A compreensão da
neurociência da dor e a apreciação mais completa de todos os mecanismos
biopsicossociais envolvidos com a pessoa como um todo, não déficits isolados de
tecido, podem ser uma abordagem mais benéfica para melhorar os desfechos.11 Vários
relatórios mostram um aumento no número de indivíduos diagnosticados com essas
diferentes condições ao longo do tempo. Isso demonstra que mais e mais indivíduos
estão lutando para entender sua dor crônica por meio dessas várias condições
diagnósticas. Por exemplo, há 20 anos, estimava-se que 6 milhões de pessoas nos
Estados Unidos sofriam de FM, enquanto estudos de prevalência atualizados colocam
a FM nos Estados Unidos em torno de 10 milhões de pacientes, sendo essa
prevalência mais de 2 vezes maior em mulheres.6 Segundo a Disease Control and
Prevention ocorrem 300.000 novos casos de CLD anualmente nos Estados Unidos,

74
aumentando o número total de pessoas afetadas pelo CLD.7 As taxas de Síndrome do
Intestino Irritável (IBS) estão aumentando, com estudos estimando a IBS afetando
aproximadamente 10% a 20% da população nos EUA.8 Este aumento da “rotulagem”
de indivíduos afeta fortemente o fisioterapeuta, principalmente aqueles que lidam com
a saúde das mulheres, tendo em vista a maior prevalência de dor crônica em mulheres.
Primeiro, foi demonstrado que muitas destas condições têm vários sinais e sintomas
sobrepostos, e muitos indivíduos com FM também podem ter o rótulo Síndrome de
Fadiga Crônica (CFS) ligado a eles, complicando assim a busca da pessoa por
respostas e tratamentos.9,12 para muitas dessas condições diagnósticas, não há
exames médicos definitivos e muitas vezes o diagnóstico é feito por meio de um
processo de eliminação, o que aumenta a incerteza para os indivíduos e complica ainda
mais o processo diagnóstico.9,13,14 Por fim, acrescentando a palavra “síndrome ” ou
fornecendo um rótulo não-descritivo não ajuda os indivíduos com sua pergunta inicial
“o que há de errado comigo?”, mas pode na verdade alimentar mais incerteza. O
diagnóstico preciso de algumas condições médicas (ou seja, câncer) que têm uma
fonte mecânica específica de doença ou patologia é vital para aplicar o tratamento mais
adequado a essas condições. Para pacientes que sofrem de dor crônica, o rótulo da
condição pode não agregar valor à seleção do tratamento apropriado. Um exame
apropriado deve ocorrer para descartar patologias médicas significativas que possam
ser a fonte da dor crônica. No entanto, uma vez descartada, a consideração da
condição do paciente de uma perspectiva biopsicossocial é mais apropriada do que o
tratamento para um rótulo médico de uma condição.15-17 Segundo diretrizes de prática
clínica direcionadas às condições de dor crônica, os pacientes devem ser instruídos
sobre a natureza do problema, garantindo que a educação esteja intimamente ligada à
evidência da natureza biológica de seu problema e evitando as “síndromes” e
referências a regiões propriamente dita (exemplo; a região lombar). Argumenta-se que
uma explicação da “síndrome” pode não apenas deixar de fornecer uma compreensão
clara e biológica do “que está errado comigo”, mas pode de fato aumentar o medo e a
evitação, que por sua vez aumenta a experiência de dor.1,18 As diretrizes requerem
modelos educacionais para diminuir o medo desnecessário relacionado às atividades
de movimento, lazer e trabalho. Um modelo educacional que demonstrou algum
sucesso em ajudar pacientes com uma compreensão biológica “do que está errado
comigo?” foi o ensino de neurociência da dor (PNE).19 A pain neuroscience education

75
(PNE) é uma estratégia educacional que se concentra em ensinar aos pacientes mais
sobre os processos neurobiológicos e neurofisiológicos envolvidos em sua experiência
dolorosa.19,20 A melhor evidência atual em relação à dor musculoesquelética fornece
forte suporte para que a PNE influencie positivamente a avaliação da dor, disfunção,
evitação do medo e catastrofização da dor, limitações no movimento, conhecimento
sobre a dor e utilização de cuidados de saúde, mesmo em pacientes com FM e
CFS.19,21–24.
Agora está bem estabelecido que, durante uma experiência de dor (humana), múltiplas
áreas do cérebro são ativadas e essas áreas trabalhando juntas se tornaram
conhecidas como a neuromatriz da dor.25,26 Vários estudos de imagem destacaram as
áreas cerebrais mais comuns dar neuromatriz da dor.27 As áreas mais comumente
ativadas são o córtex cingulado anterior, o córtex sensitivo primário (S1), o tálamo, a
ínsula anterior, o córtex pré-frontal e os córtices parietais posteriores.27,28 Durante uma
tarefa dolorosa, acredita-se que essas áreas cerebrais cada vez mais ativas se
comuniquem umas com as outras, desenvolvendo em essência um “mapa da dor”.25
Nenhuma das regiões ativadas na neuromatriz da dor refere-se apenas ao
processamento da dor, mas tem outras funções necessárias, tais como execução de
movimento, localização sensorial e consciência emocional. Durante os estados de dor
crônica, essas regiões podem ficar cada vez mais sobrecarregadas pelas tarefas
envolvidas no processamento da dor e, assim, sofrer em seu papel primário.28 A teoria
da neuromatriz da dor explica muitos problemas comumente vistos em pacientes com
dor crônica, como alterações na concentração, regulação da temperatura corporal,
distúrbios do sono e problemas de memória de curto prazo.25,28 Dada a enorme
complexidade de ativação neuronal, atividade sináptica, neurotransmissores e
moduladores, o “mapa da dor” primário também pode ser influenciado por circuitos
neurais vizinhos, o que provavelmente influencia a experiência da dor individual.29 O
fato de o “mapa da dor” de uma pessoa poder ser modulado pelos mapas adjacentes
em relação a seus conhecimentos, memórias, experiências passadas, crenças, etc.,
torna a experiência de dor de cada pessoa individualizada e pessoal.25 26,29

76
Saída (output)

Vários processos (estímulos) periféricos associados a lesões teciduais e


estados de doença (isto é, fatores químicos, térmicos e mecânicos) estimulam os
nociceptores, e a informação nociceptiva é enviada ao cérebro para processamento e
interpretação.30 O cérebro interpreta a informação (neuromatriz da dor) enviada pelos
tecidos (nocicepção e outros sinais sensoriais) e a dor é produzida pelo cérebro.5,25,26
A dor é, portanto, uma saída (output), uma decisão tomada pelo cérebro, baseada no
resultado final da neuromatriz da dor e sua interação com os vários “mapas” vizinhos,
influenciados por vários fatores biológicos e psicossociais.26 A dor, entretanto, é
apenas uma resposta a uma situação ameaçadora, como uma lesão. Vários sistemas
biológicos estão envolvidos durante uma experiência de dor. Isso pode incluir o sistema
nervoso simpático, sistema imunológico, sistema endócrino, resposta motora e
alterações no sistema gastrointestinal (GI) 31 (Figura 1). Numa resposta ao estresse,
esses vários sistemas biológicos são intensificados ou suprimidos para lidar com a
situação iminente (“luta ou fuga”).31 A força motriz por trás dessas respostas ao
estresse são poderosas catecolaminas, como epinefrina (adrenalina) e o hormônio
cortisol.31

77
Ameaça

A dor é produzida pelo cérebro quando o cérebro conclui que há uma ameaça e
a ação é necessária. Ameaças vêm em uma variedade de formas, incluindo lesões,
acidentes, doenças, cirurgias, traumas emocionais e até mesmo alterações na
neuroplasticidade.4,29,32 Agora está bem estabelecido que os problemas teciduais
(lesão, doença, cirurgia, etc.) são fortemente influenciados por fatores como medo,
evitação do medo, catastrofização da dor, fatores sociais e ambientais, entre
outros.17,33 Esses fatores tornaram-se conhecidos como bandeiras amarelas e
demonstraram aumentar e retardar a experiência dolorosa.17 Algumas bandeiras
amarelas incluem o aumento do medo e da ansiedade, problemas financeiros e de
emprego, tratamentos fracassados, vários exames médicos e diferentes explicações
para a dor (Figura 1).17 Por exemplo, uma pessoa que sofre de FM, tendo procurado
atendimento de múltiplos provedores, também pode ter outras questões psicossociais,
que poderiam influenciar as decisões de cuidados.
Propõe-se que os indivíduos que lutam com essas várias condições vivam sob
constante ameaça das várias questões que enfrentam e da ambiguidade de um
diagnóstico incerto.34 A ameaça é real e nunca desaparece. Com ameaça constante, a
neuromatriz da dor é ativada e vários sistemas (ou seja, dor, imunológico, simpático,
endócrino, etc) reagem e alteram sua função, mas devido à cronicidade da situação,
29,31,34
nunca permitem que os sistemas retornem aos níveis normais. Essa resposta
de saída alterada dos múltiplos sistemas influencia ainda mais a apresentação clínica
do paciente, culminando em imunodeficiência, sistema GI sensibilizado, controle motor
alterado e outros déficits (Figura 2).31,34 Há agora evidências emergentes que, durante
essa resposta biológica, um sistema é mais afetado que outros. Dependendo de qual
sistema é o mais afetado, ele pode se manifestar como uma condição clínica diferente,
embora parte da biologia subjacente seja relativamente a mesma (Figura 1) .13,31,34–38
Um corpo crescente de literatura apoia essa noção de ativação de vários sistemas
biológicos que se manifestam como “rótulos” diagnósticos diferentes. A semelhança
demonstrada na biologia resulta em várias questões sobrepostas na apresentação
clínica.31,34

78
Se fôssemos considerar a ideia de que biologicamente FM, CFS, CLD, IBS e
sensibilidade ao glúten não-celíaca são os mesmos, deve-se considerar por que certos
sistemas biológicos são mais afetados que outros? O mecanismo preciso é
desconhecido, complexo e provavelmente multifatorial. Alguns autores têm implicado
predisposições genéticas, “memória” biológica de episódios anteriores de estresse e a
teoria do “elo fraco”.14,31,34,35 Outra possível consideração pode ser o especialista que
um paciente vê. Quando os pacientes apresentam ao clínico um grande número de
sinais e sintomas (Tabela 1), eles provavelmente serão encaminhados a um
especialista que melhor corresponda ao número de sintomas, seja um reumatologista,
endocrinologista, imunologista, etc. Argumenta-se que cada disciplina, com seu foco
estreito em um sistema particular, pode de fato ser uma fonte de classificação
dependente do sistema que elas exploram. Essa suposição concorda com as
evidências atuais que investigam o sistema imune na FM,13 sistema endócrino na
CFS14 e CLD,37 e o sistema gastrointestinal na SII.43

79
80
Semelhanças: apresentação clínica, diagnóstico e tratamento

O conceito de que as várias condições são biologicamente semelhantes não é


tão improvável quando se considera a sobreposição entre os sinais e sintomas clínicos
comuns para as várias condições (Tabela 1).9,13,14,37,43 Quando se observa a
significativa sobreposição dos sintomas mais comuns, é compreensível que a
comunidade médica tenha tanta dificuldade em diagnosticar especificamente qualquer
uma dessas condições e por que muitos indivíduos que sofrem de dor crônica acabam
com múltiplos “rótulos”. Levando essa abordagem biológica subjacente um passo
adiante, é interessante notar que muitos dos sintomas comuns listados na Tabela 1
podem ser encontrados no hipertireoidismo e hipotireoidismo, incluindo fadiga,
constipação, fraqueza muscular, dores musculares e sensibilidade, rigidez articular,
depressão, perda de memória, alterações do apetite, nervosismo, ansiedade e
irritabilidade e dificuldade em dormir.39,40 Isso não implica que pacientes com FM ou
CFS sofram de hiper ou hipotireoidismo, mas como visto em distúrbios da função
tireoidiana, há mudanças significativas no cortisol (Tabela 2 e Figura 2) e no eixo
hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), que está implicado na função tireoidiana.34,39 De

81
fato, alguns pesquisadores de FM afirmaram que “ hipotireoidismo pode mimetizar os
sintomas da FM.”39
Para complicar ainda mais a situação para indivíduos com condições de dor crônica,
agora está bem estabelecido que muitas dessas condições só podem ser
diagnosticadas de fato por um processo de eliminação (Tabela 1). Com a ausência de
dados concretos, objetiváveis (isto é, exames de imagem ou exames de sangue), o
processo de diagnóstico provavelmente acrescentará ainda mais incerteza e
contribuirá ainda mais para a noção de uma semelhança entre os vários rótulos.
Embora a imagem seja comum a essas condições, a utilidade clínica tem pouco valor
devido a resultados falso-positivos e negativos.54,55 O uso de exames de sangue no
processo de diagnóstico também é de pouco valor devido a potenciais biomarcadores,
como citocinas, uma meia vida curta. Isso torna o uso de exames de sangue para
diagnosticar clinicamente muito desafiador devido à precisão questionável.13,39,51
À medida que nos movemos além da semelhança de sintomas e falta de testes
diagnósticos e para o melhor tratamento atual de evidências para FM, CFS, IBS e CLD,
a sobreposição se torna ainda mais aparente. Em consonância com uma visão geral,
o melhor tratamento atual de evidências para FM, CFS, IBS e CLD inclui uma
combinação de terapia cognitiva, movimento/exercício e medicação para acalmar o
sistema nervoso central, isto é, antidepressivos ou estabilizadores de membrana
(Tabela 1).

Semelhanças: biologia subjacente

Se considerarmos o FM, CFS, IBS e CLD a partir de uma visão geral em termos
dos pensamentos atuais relativos à biologia subjacente, um padrão semelhante
emerge (Tabela 2) em relação aos processos biológicos encontrados com cada
condição.

Fibromialgia

Os 18 pontos originais do American College of Rheumatology foram critérios de


pesquisa e pouco ou nenhum valor no diagnóstico clínico de FM.56,57 Ao longo dos
anos, a pesquisa da FM passou de um foco reumatológico para inflamatório, muscular

82
e agora respostas imunes.13,51 Vários autores ressaltam a ideia de que o sistema neuro-
imuno-endócrino é a força motriz por trás da apresentação da FM. Da mesma forma, é
mostrado que indivíduos com FM apresentam alterações no eixo HPA, o que altera a
produção de cortisol (Figura 2).13,51,58 A importância aqui é que o cortisol regula o
sistema imunológico, especificamente a produção de citocinas. Estudos mostram, com
um eixo HPA alterado e subsequente aumento de cortisol, maiores quantidades de
citocinas pró-inflamatórias, como interleucina-1, interleucina-6 e fator de necrose
tumoral-α, são produzidas, que com o tempo levam a um estado pró-inflamatório em
indivíduos com FM.13,51,58 Acredita-se que o sistema imunológico, via sinalização de
citocinas, desempenha um papel importante na FM.58 Para complicar ainda mais, o
hormônio feminino estrogênio, quando adicionado ao já estado pró-inflamatório por
citocinas pode exacerbar ainda mais esse estado.60 Isso pode explicar em parte porque
a FM é 10 vezes mais comum em mulheres do que em homens.39,51

Síndrome da fadiga crônica

Recentemente, 4 especialistas internacionais líderes no campo do CFS foram


reunidos para discutir seus trabalhos associados à CFS.14 O resultado final? “Apesar
de muitos anos de pesquisa, o diagnóstico de SFC permanece como uma exclusão e
não sabemos a causa da SFC”. Essa admissão honesta mais uma vez destaca a
complexidade da dor crônica e a busca por causas individuais. O eixo HPA e o cortisol
entram em cena (Tabela 2 e Figura 2) como um mecanismo biológico envolvido em
indivíduos com SFC.36 O eixo HPA controla o nível de cortisol, que por sua vez controla
partes vitais do gasto energético incluindo ritmo circadiano, respostas ao estresse e o
metabolismo energético.22,52 As evidências apontam para o estresse crônico (isto é,
dor crônica) levando à hipoatividade do eixo HPA, que, por sua vez, diminui os níveis
de cortisol. Outra área biológica específica para a SFC que está recebendo atenção
adicional é o óxido nítrico, que está sendo correlacionado a questões específicas da
SFC, como vasoconstrição, função opióide endógena reduzida, alterações na
neurotransmissão e inflamação.22,52,61 É interessante notar que os pesquisadores da
SFC do óxido nítrico estão se ligando a mudanças inflamatórias relacionadas ao
sistema imunológico e à função das citocinas, terminando assim no mesmo lugar.22,52,61

83
Síndrome do intestino irritável

A IBS é pouco compreendida quando se trata de sua etiologia e diagnóstico.8,43


Para complicar ainda mais, a SII está sendo subclassificada como IBS-C (constipação
dominante), IBS-D (diarréia dominante), IBS-M (mista tipo) e IBS-U (não-subtipada).62
Várias causas potenciais foram teorizadas, incluindo distúrbios na colonização
bacteriana intestinal, supercrescimento bacteriano no intestino delgado e hábitos
alimentares.38,53 Recentemente, a atenção voltou-se para o sistema imunológico,
especialmente para mastócitos.38 Os mastócitos secretam histamina, serotonina e
citocinas. Postula-se que esta liberação aumentada de citocinas mastocitárias,
juntamente com a produção já alterada de citocinas em todo o sistema devido ao
estresse de longo prazo e ao cortisol, resulta em uma sensibilização elevada do
sistema nervoso central.38,43 Com o aumento da sensibilidade do sistema nervoso,
pode ser facilmente entendido como os indivíduos desenvolvem sensibilização para
vários alimentos e como a distensão dos tecidos no sistema gastrointestinal pode
produzir dor (hiperalgesia e alodinia) e afetar os movimentos intestinais. Essa conexão
entre o sistema gastrointestinal, o sistema nervoso central e o eixo HPA é muitas vezes
referida como o "eixo do intestino-cérebro", mais uma vez mostrando a estreita relação
entre os vários sistemas.38,43

Doença De Lyme Crônica

Das 4 condições, a menor quantidade de informação disponível é para CLD.37


Nos últimos 5 anos, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças registraram
300.000 novos casos por ano, bem acima dos casos “reais” esperados de CLD,
apontando para um descompasso no diagnóstico de DPC e sua apresentação
clínica.7,63 Diversos autores apontam para a dificuldade no diagnóstico e muitos autores
afirmam a superposição de CLD e mimetizam a SFC.7,37,63 Em relação aos mecanismos
biológicos subjacentes, CLD é novamente ligados ao eixo HPA alterado, níveis de
cortisol e níveis de citocinas (Tabela 2 e Figura 2).
A discussão acima mencionada deve mostrar que essas condições diferentes podem,
de fato, ser mais semelhantes do que diferentes. Estudos de varredura do cérebro
adicionam suporte a este argumento demonstrando que pacientes com FM, CFS, CLD

84
e IBS mostram ativação em áreas similares.27,64,65 Novamente, isso não é
surpreendente, considerando que a ativação da neuromatriz da dor não se restringe a
um tecido ou doença.

TRATAR O PACIENTE, NÃO O RÓTULO

Existem outros rótulos diagnósticos que podem ser incluídos (síndrome da


sensibilização central, distúrbio de sensibilidade ao glúten não-celíaco e síndrome
metabólica) com outros potencialmente em vias de se encaminhar.12 Como um
terapeuta procede para tratar essas condições? Um lugar fácil para começar,
clinicamente, é ver para o quê esses “rótulos” estão sendo empregados: condições de
dor crônica. O cérebro não processa informações em termos de tecidos, diagnósticos
ou condições, mas sim em termos de ameaça. Os clínicos devem tratar o paciente, não
o “rótulo”. Portanto, recomenda-se que quando os Fisioterapeutas se depararem com
indivíduos com essas condições, lembre-se:

• Eles estão cansados;


• Eles foram decepcionados pela comunidade médica, incluindo os Fisioterapeutas;
• Eles perderam a esperança;
• Eles precisam de ajuda.

Além de tratar o paciente, não o rótulo, alguns elementos clínicos importantes


devem ser considerados. Primeiro, esses pacientes devem ser tratados com dignidade,
respeito e compaixão. Segundo, o terapeuta não deve tentar remover o rótulo do
paciente. Em muitos casos, os pacientes se identificam com o rótulo. Recomenda-se
que os clínicos o chamem, seja lá o que a pessoa quiser chamá-lo. Tendo desenvolvido
uma compreensão dessas questões biológicas subjacentes, os terapeutas podem
adotar tratamentos como a terapia cognitiva (educação), exercícios e movimentos
como almejando o controle da dor crônica. Esses tratamentos devem ser direcionados
para melhorar as funções sistêmicas mais amplas do sistema imunológico, a função
neural e o controle endócrino, não corrigindo déficits mecânicos isolados.
Se a dor é produzida com base na ameaça, parece razoável argumentar que, se
alterarmos a ameaça, alteramos a experiência da dor.5,25,66 Uma intervenção para

85
conseguir isso seria a educação do paciente (isto é, a PNE).19 O paciente com uma
compreensão mais profunda sobre a biologia da experiência da dor pode obter uma
resposta para a pergunta: “O que há de errado comigo?” não relacionado à região ou
a uma síndrome, mas de acordo com as diretrizes atuais de melhores evidências.15–17
PNE demonstrou influenciar positivamente a catastrofização da dor e a evitação do
medo,19,21 especificamente na FM e na SFC.22,23 Pesquisas mostram que a entrega da
PNE é melhor alcançada pelo uso de metáforas, exemplos e imagens.19,21,67,68 Um
exemplo de uma metáfora da PNE que pode ser usada para explicar como a dor crônica
pode ser vista como um estado de estresse crônico é uma história sobre um leão
entrando em uma sala. Essa metáfora de uma situação altamente estressante, o leão
na sala, pode ser usada para ajudar o paciente a entender melhor alguns dos
processos biológicos pelos quais seu corpo está passando.67,68 Nessa metáfora, os
vários estressores psicossociais e físicos são descritos como um leão, que mora com
eles diariamente. O terapeuta orienta o paciente a ver os benefícios de uma resposta
adaptativa imediata de "luta ou fuga" que é normal por períodos curtos. Em contraste,
essa resposta adaptativa com um cenário onde o leão permanece na sala por meses
e anos34 pode ser usada para mostrar o efeito mal adaptativo de longo prazo do
estresse nos vários sistemas biológicos, incluindo fadiga, distúrbios do sono,
sensibilidade gastrointestinal, problemas intestinais e da bexiga, sensibilidade nervosa
e músculos doloridos (Figura 2).
No entanto, a educação sozinha não é a resposta. Evidências atuais mostram
que a educação deve estar ligada à ação, especialmente ao movimento.19 Evidências
corroboram que os exercícios aeróbicos são benéficos para várias condições
discutidas ao longo desse material44,47. Além dos vários efeitos biológicos celulares
diretos (isto é, nutrição celular, oxigenação dos tecidos68), o exercício aeróbico tem
benefícios muito definidos para lidar com a dor crônica. Demonstrou-se que o exercício
aeróbico envolve vários mecanismos endógenos através da liberação de endorfinas e
encefalinas, o que pode aliviar a dor.69,70 Além disso, o exercício aeróbico demonstrou
diminuir a sensibilização do nervo,71 o que é importante, já que FM, CFS, IBS, e CLD
apresentam uma apresentação clínica de sensibilização central.12,61 Não é preciso
muito exercício para evocar mudanças positivas. Por exemplo, Hoffman e cols.70
mostraram que 10 minutos de exercício aeróbico a 50% do consumo máximo de
oxigênio (VO2 max) resultam em um efeito hipoalgésico. Fulcher e White72 mostraram

86
que, com o exercício aeróbico a partir de 3 minutos de caminhada, a adição de 1 a 2
minutos a cada dois dias com o objetivo de 30 minutos, 5 dias por semana, resultou
em uma mudança positiva na dor e na função dos pacientes com SFC. O exercício
aeróbico estimula poderosamente o sistema imunológico.73,74 Intervenções adicionais
complementares ao PNE e um programa de exercícios habilidosos devem incluir outras
estratégias comportamentais, como higiene do sono, consulta alimentar, relaxamento
e meditação, exercícios respiratórios e estabelecimento de metas.67,68

CONCLUSÃO

É razoável esperar que os rótulos diagnósticos atuais não desapareçam e que


novos diagnósticos estejam a caminho, levando a maior confusão e sofrimento por
parte dos pacientes que sofrem com a dor crônica. A capacidade de olhar para além
do rótulo e ver a pessoa à sua frente é imperativa quando se trata de fornecer
esperança. Pacientes com todas e quaisquer dessas condições têm a capacidade de
se recuperar, sofrer menos e levar uma vida significativa. Este comentário clínico deve
lembrar a todos os prestadores de cuidados de saúde a famosa citação de Sir William
Osler, o pai da medicina moderna: “O bom médico trata a doença; o grande médico
trata o paciente que tem a doença”.

87
RESENHA DOR
Florianópolis | Santa Catarina | Brasil | @dorecoluna
Plataforma on-line: www.dorecoluna.com.br

Diretor e redator do Resenha DOR: Leonardo Avila | Tradução livre e


comentários: Leonardo Avila #maio2

Resenha DOR: Resenhas de artigos científicos sobre dor.

Título Original do artigo: A little man of some importance.

Revista científica publicada: Brain journal of neurology.

Ano de publicação do artigo: 2017.

Título da resenha – “Um


Representações homenzinho
neurais com corporal
e a matriz alguma importância."
cortical:
implicações para a medicina esportiva e futuras direções

88
Nota do tradutor - Leonardo Avila:

Com frequência utilizo a frase “saber sobre anatômica e biomecânica não é mais
o suficiente” para o manejo adequado da dor. Cabe ressaltar que essa fala não é
excludente enquanto ao desuso e/ou não emprego de uma análise minuciosa de
componentes estruturais (anatomia e biomecânica) em nossa prática clínica. Somente
trago à tona a necessidade de analisar outras dimensões além do patoanatômico,
concomitante a avaliação da integridade dos sistemas nervoso periférico e central.
Nesse paper os autores trazem a necessidade de revermos conceitos, mesmo
quando enraizados no sistema educacional, fazendo com que em parte, infelizmente a
prática clínica ainda seja norteada pelo senso comum. Desta forma, nem o homúnculo
de Penfiled, possivelmente a figura mais reproduzida na neurociência resistiu ao crivo
de ser uma “teoria” intocável.

Att., Leonardo Avila - @dorecoluna

Considerações: 1) Primeiramente, as traduções dos artigos científicos são


livres e no decorrer do processo comentários e/ou adequações do texto são realizados.
2) Além disso, comentários explícitos constam ao longo do texto na cor vermelha
(quando necessário) e/ou posterior ao texto “nota do tradutor” (quando necessário).

Declaração de conflito de interesse:

Sou fã incondicional e estudioso, em parte autodidata, do assunto neurociência


e dor.

89
Um homenzinho com alguma importância.

O homúnculo (o mapa do corpo no córtex) fez sua primeira aparição no campo da


neurologia em 1 de dezembro de 1937, quando Wilder Penfield e Edwin Boldrey (Fig.
1) publicaram no periódico Brain um artigo de 55 páginas intitulado: “Representação
sensorial e motora somática no córtex cerebral do homem estudado via estimulação
elétrica” (Penfield e Boldrey, 1937). O artigo está repleto de resumos meticulosamente
elaborados de dados provenientes da estimulação cortical de 126 pacientes, que foram
operados sob anestesia local por Penfield entre 1928 e 1936. Em comparação com
publicações anteriores em animais (estudos pré-clínicos ou experimentais), os autores
tinham a vantagem de estudar (operar) pacientes acordados contando com seus
relatos verbais, motores táteis provados (via estímulo cortical). Todas as gravações
dos pacientes foram coletadas para obter o primeiro mapa abrangente da localização
motora e somatossensorial no cérebro humano. Esse mapa foi visualizado como uma
figura humana distorcida - o homúnculo de Penfield - cuja forma indica a quantidade
de área cortical dedicada às funções motoras e/ou somatossensoriais de cada parte
do corpo.
O artigo teve um impacto duradouro na prática neurocientífica e na pesquisa científica.
Clinicamente, ajudou a estabelecer a estimulação cortical direta como um método
importante para o mapeamento funcional em neurocirurgia; cientificamente, reforçou a
localização cortical como um paradigma válido para entender a cognição motora, a
percepção somatossensorial e as funções cognitivas mais elevadas em geral. O
homúnculo foi certamente sua proposta (de Penfield e Boldrey) mais marcante, mas
ofuscou outras conclusões importantes feitas pelos autores. Primeiro, embora
reconhecendo a falta de análise histológica como uma limitação de seu estudo,
estavam confiantes de que demonstravam a impossibilidade de confinar "a
representação funcional dentro de limites cito-arquitetônicos estritos". Segundo, ao
contrário do que outros registraram em animais, o sulco central do cérebro humano
não era um limite claro entre áreas motoras e somatossensoriais. Muitos estímulos que
provocam respostas motoras estavam de fato localizados no córtex somatossensorial
do giro pós-central e uma proporção ainda maior de respostas táteis no córtex motor
do giro pré-central. Surpreendentemente, o quadro que emergiu de seu trabalho foi um
claro grau de sobreposição funcional entre os campos de estimulação, em vez de uma

90
sequência ordenada de áreas segregadas, como sugere (e é entendido) seu
homúnculo.
Para o 80º aniversário deste artigo seminal, as descobertas originais dos autores são
reexaminadas com a intenção de esclarecer o substrato que gerou o homúnculo,
possivelmente a figura mais reproduzida e não replicada da neurociência.

Figura 1 Wilder Penfield (esquerda) e Edwin Boldrey (centro), criadores do homunculus


(direita).

91
Figura 2: Representação das estimulações motoras para diferentes partes do corpo.
(A) Código de cores de diferentes partes do corpo. (B) Áreas dos mapas de superfície
abrangendo todos os pontos de estimulação motora para cada parte do corpo. (C)
Contagem do número de estímulos e (D) medições do comprimento vertical dos mapas
de superfície para cada parte do corpo. Os dados originais são derivados de Penfield
e Boldrey (1937). O asterisco indica a impossibilidade de gerar qualquer medida da
área e comprimento das poucas estimulações registradas para o tronco. Mapas
similares para as estimulações somatossensoriais são fornecidos na Figura 1
Complementar.

92
Figura 3: Representação da sobreposição entre os mapas de superfície
somatossensoriais de diferentes partes do corpo. (A) Mapa de calor do grau de
sobreposição que varia de azul (uma parte do corpo) para amarelo (quatro ou mais
partes do corpo). (B) Mapa indicando as partes do corpo sobrepostas do homúnculo.
CS = sulco central. Os dados originais são derivados de Penfield e Boldrey (1937).

93
De que é feito o homúnculo?

Na Idade Média, um homúnculo era um humanóide artificial criado através de


alambiques e a misteriosa alquimia. Nos tempos modernos, Penfield e Boldrey
fabricaram sua própria versão do homúnculo usando ingredientes mais controlados,
embora não menos controversos. Sua abordagem era sistemática e laboriosa. O
homúnculo neurológico foi gerado a partir de 170 mapas resumidos do número e
localização dos pontos de estimulação para cada parte do corpo, cada um esboçado
pacientemente por Boldrey a partir das anotações (fotografias e desenhos) de
operações de Penfield. Os mapas que mostravam as respostas positivas para os dedos
dos pés, pernas, tronco, braço, dedos, mão, face, olhos, boca e língua foram usados
para extrair três medidas separadas para o homúnculo motor (Fig. 2) e
somatossensorial (Suplemento Fig. 1) estimulações: (i) a área para cada parte do corpo
como uma superfície 2D exibida na face lateral do córtex fronto-parietal central (Fig.
2B); (ii) a contagem do número total de estímulos localizados a frente e posterior ao
sulco central (Fig. 2C); e (iii) a extensão vertical de cada área do corpo ao longo do
sulco central (Fig. 2D). Em sua tentativa de resumir visualmente uma quantidade tão
grande de dados, os autores enfrentaram desafios comuns às abordagens modernas
de neuroimagem (Friston et al., 2004). Primeiro, o problema do controle de qualidade
e da transformação de dados, um passo que incluía a eliminação de estímulos
artefactuais (por exemplo, devido à atividade epiléptica, mudança na proximidade do
tumor, incapacidade de replicar uma resposta evocada, etc.) e normalização espacial
para um modelo comum. Essas etapas foram realizadas apenas por inspeção visual e
transcrição manual, processos que são vulneráveis ao erro, como é evidente pelas
várias incongruências entre o texto e as figuras em seu artigo. No texto original, por
exemplo, Penfield e Boldrey relatam um total de 21 estímulos motores para a boca e
lábios (pág. 405), o que é inconsistente com a figura 7 indicando 64 pontos motores
para as mesmas partes do corpo. O segundo desafio foi representado por etapas que
incluíram a transformação e inferência estatística. Este passo deve ter sido
particularmente árduo em uma era pré-digital e foi omitido pelos autores. Isso explica
por que seus mapas não levam em consideração variações na intensidade do estímulo,
o número de sujeitos estimulados, o número de estimulações por assunto e o grau de
sobreposição e densidade dos estímulos, todas as variáveis que poderiam afetar muito

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os resultados finais, em muitos aspectos, se não for devidamente ponderada. Por
exemplo, as bordas externas desses mapas e, portanto, sua superfície total e a
extensão vertical ao longo do sulco central são influenciadas pela dispersão dos dados,
que por sua vez é afetada pelo número de outliers e medições obtidas de cada sujeito.
Isso pode ter levado a uma superestimação ou subestimação não uniforme das áreas
do corpo e influenciou a silhueta final do homúnculo. Apesar dessas limitações, seu
trabalho continua sendo uma tentativa admirável de capturar a complexidade da
variabilidade interindividual, um esforço pioneiro que gerou uma das figuras mais
populares e icônicas da história do mapeamento cerebral, o homúnculo sensório-
motor.

Figura 4: O homúnculo sensório-motor redesenhado. (A) As proporções deste primeiro


homúnculo correspondem às do original reproduzido na Fig. 1. Todos os outros
homúnculos em B-D são derivados de uma média dos mapas motor e
somatossensorial produzidos na Fig. 2 e na Fig. Complementar 1. (B) Homúnculo
gerado a partir dos mapas de superfície. (C) Homúnculo derivado das medidas de
comprimento verticais. (D) Homúnculo derivado do número de pontos de estimulação.
Todas as medições são de Penfield e Boldrey (1937).

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De volta às pranchetas:

No papel original, o homúnculo é retratado como pendurado de cabeça para baixo, com
a cabeça separada do corpo e a faringe e a língua extirpadas da boca (fig. 1). A lenda
da figura correspondente explica que o homúnculo "foi preparado como uma
visualização da ordem e do tamanho comparativo das partes do corpo, conforme
aparecem de cima para baixo no córtex. Os termos "visualização", "ordem" e "tamanho
comparativo" merecem um exame mais detalhado. Apesar de alguns dos problemas
metodológicos descritos anteriormente, a visualização dos mapas de estimulação em
uma forma antropomórfica exigia a omissão de uma informação importante contida nos
mapas originais: co-localização de locais de estimulação para diferentes partes do
corpo. Isso é claramente mostrado na Fig. 3, que representa uma reanálise dos dados
originais para as estimulações somatossensoriais exibidas como mapas sobrepostos.
Esses mapas indicam um alto grau de sobreposição entre diferentes partes do corpo,
especialmente na proximidade do sulco central. Curiosamente, o intervalo de
sobreposições funcionais varia como esperado - como língua e boca, ou braço e mão
- a intrigante - como boca, braço e mão. Enquanto as limitações de seu método de
estimulação e análise de grupo podem ter contribuído para gerar algumas das
sobreposições (Farrell et al., 2007), a observação frequente de co-estimulações em
cérebros individuais comumente relatados por neurocirurgiões durante a cirurgia
acordada (Foerster, 1936; Farrell et al., 2007; Desmurget e Sirigu, 2015) sugerem que
este resultado não deve ser descartado apenas como artefato. De fato, usando
técnicas de microestimulação muito mais sofisticadas com trens de maior duração,
ações coordenadas complexas podem ser eliminadas no cérebro animal (Graziano et
al., 2002). Estes têm sido interpretados como evidência de uma agregação funcional
de neurônios de saída (output) cortical dedicados a ações sinérgicas direcionadas a
objetivos - tarefas. Pode ser difícil encontrar uma correspondência entre co-ativações
registradas em nível micro e macroscópico (Desmurget e Sirigu, 2015), mas é
interessante notar que Penfield e Boldrey (1937) também relataram respostas motoras
complexas para locais de estimulação única. Algumas dessas respostas foram
caracterizadas por "fazer caretas" bilaterais ou "vocalização", ambas exigindo a
atividade coordenada de vários músculos. Eles também notaram que a resposta mais
comum para os dígitos era o movimento de todos os dedos juntos ou combinações de

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dois dedos que geralmente cooperam para produzir uma ação específica, como a
flexão do indicador e polegar. Apesar de estar ciente das possíveis implicações
teleológicas da sobreposição anatômica e co-ativação, Penfield e Boldrey optaram por
enfatizar a segregação funcional. Forçados a pensar em uma maneira de mostrar suas
descobertas, conceberam o controverso homúnculo (Schott, 1993).

Ainda usado no ensino contemporâneo, o homúnculo retrata dois aspectos da


organização do córtex pericentral: a ordem topográfica das representações das partes
do corpo e suas proporções alteradas, refletindo a quantidade de córtex dedicada a
uma determinada função. A topografia cortical motora já estava bem estabelecida no
início do século XX no cérebro de macacos (Leyton e Sherrington, 1917) e humanos
(Foerster, 1936). Exceto por algumas discrepâncias marginais, Penfield e Boldrey
replicaram achados anteriores no sentido de que os membros inferiores geralmente
estão localizados acima das áreas do braço, mão e dedos, e ainda mais dorsalmente
à área da face, boca e língua. No entanto, o homúnculo sugeria um padrão claro e
ordenado que raramente foi replicado em pacientes (Farrell et al., 2007; Desmurget e
Sirigu, 2015). De fato, muitas vezes o movimento ou sensação da mesma parte do
corpo pode ser eliminado por estímulos amplamente separados, com outras partes do
corpo ocasionalmente interpostas entre elas. Estas observações minam o conceito de
uma estreita localização funcional do movimento e da percepção somatossensorial de
que o próprio homúnculo contribuiu grandemente, e também estão em desacordo com
os resultados da topografia precisa documentada em animais (Nelson et al., 1980).
Apesar das óbvias diferenças metodológicas, a observação bem documentada de uma
recuperação funcional após extirpação ou dano de áreas específicas do corpo cortical
sugere alguma cautela na interpretação desses mapas como indicativo de uma
correspondência de um para um com uma função localizada específica. Em situações
clínicas, é provavelmente justo dizer que o homúnculo fornece apenas uma
aproximação da probabilidade de o neurocirurgião encontrar ativação de partes
específicas do corpo; Não há dúvida de que Penfield e Boldrey estavam bem cientes
disso. Ao comentar, por exemplo, nos mapas da face, que é estranhamente na
orientação vertical em relação ao resto do corpo, os autores admitiram que a falta de
pontos de estimulação suficientes, da localização bem estabelecida do nariz, dos
movimentos oculares - em uma região anterior às mãos / braços - podem ter gerado

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uma representação enganosa. Claramente, o homúnculo não pode ser considerado
pelo seu valor aparente, mas sua característica mais impressionante de partes do
corpo desproporcionais permanece intrigante e amplamente válida até hoje. Com seus
longos dedos, boca grande e língua pesada, o homúnculo causou uma impressão
duradoura. Suas proporções corporais alteradas têm sido consideradas a expressão
de uma propriedade fisiológica básica do córtex pericentral: a quantidade de córtex pré
e pós-central dedicada a uma parte do corpo não é proporcional ao seu tamanho, mas
ao grau de inervação que o córtex recebe e/ou envia para essa parte do corpo. Como
as partes do corpo com funções perceptuais ou motoras altamente qualificadas
recebem uma maior dose de inervação neuronal, acredita-se que a proporção das
partes do corpo do homúnculo reflita a especialização da função. Isso é bastante óbvio
para a capacidade de discriminar dois pontos distantes, o que é maior para as partes
do corpo que estão aumentadas no homúnculo cortical correspondente (Fig.
Complementar 2).

Essa propriedade funcional do córtex certamente não é exclusiva dos neurônios


sensório-motores e nos perguntamos por que os equivalentes de homúnculos para a
representação retinotópica do olho (oculunculus?) Ou a representação tonotópica do
ouvido (aurinculus?) Não foi apresentado. Talvez Penfield e Boldrey tenham sido
ousados o suficiente para propor algo que eles sabiam que teria sido considerado uma
mera simplificação por muitos outros? Afinal, Leyton e Sherrington fizeram uma
observação semelhante, 20 anos antes, no cérebro de chimpanzés, orangotangos e
gorilas (Leyton e Sherrington, 1917). Enquanto Leyton e Sherrington usaram números
para representar essa propriedade do córtex motor (com cada número correspondendo
à estimulação de um grupo específico de músculos), Penfield e Boldrey fizeram a
escolha controversa de usar o comprimento vertical ao longo do córtex pericentral (Fig.
2D) para escalar seu homúnculo. De alguma forma, essa informação desapareceu
quando as reproduções do homúnculo começaram a aparecer em livros-texto
populares, em que se pensava que suas proporções alteradas refletiam a extensão da
área de cada parte do corpo (Fig. 2B). Para corrigir esse erro histórico, diferentes
versões de um moderno homúnculo sensório-motor foram geradas usando os dados
disponíveis no artigo original e apresentados na Fig. 4. Uma comparação dos diferentes
homúnculos mostra que a versão original não foi proporcionalmente dimensionada de

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acordo com as medidas relatadas no documento de 1937. Por exemplo, o tamanho da
língua foi claramente exagerado no primeiro homúnculo, uma deturpação que Penfield
remontou em uma publicação seguinte (Penfield and Rasmussen, 1950). Além disso,
ao usar a área da superfície, a representação do braço é muito maior e mais próxima
da mão e dos dedos. Isso talvez não seja surpreendente, já que os humanos se
engajam em muitas atividades que requerem coordenação de alcance (braço) e
agarramento (mão) para manipulação de objetos. Enquanto mais homúnculos podem
ser gerados a partir dos dados apresentados na Fig. 2 e na Fig. Complementar 1, esses
diagramas são apenas de valor histórico para a impossibilidade de validação. O
mapeamento do homúnculo humano usando técnicas não invasivas, como estimulação
magnética transcraniana ou ressonância magnética funcional de alto campo, é uma
alternativa, mas essas abordagens têm suas próprias limitações. Em última análise, a
chave para entender o significado do homúnculo não está nos detalhes de sua figura,
mas na complexidade de sua anatomia conectiva (Lemon, 1988).

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Figura 5: Reconstruções baseadas em tratos de grandes extensões e projeções do
córtex homuncular. (A) Ligações de curta associação entre os giros pré-central e pós-
central. Na região do botão de mão, esses trechos em forma de U ocupam um grande
volume e apresentam um alto grau de complexidade (exibido nas cores verde,
vermelho e amarelo). Na região ventral da face e da língua (trato azul-escuro e claro)
e na região dorsal das pernas e dos pés (trechos roxos), essas conexões são menos
proeminentes. (B) Trechos de associação curta (vermelho) e projeção longa (verde) da
região do botão manual a partir de uma vista lateral (superior esquerda), dorsal (inferior
esquerda) e posterior (direita). A linha tracejada indica a trajetória do sulco central. Os
tratos curtos de associação convergem para as regiões pré-central da área do
manípulo a partir do giro pós-central e das regiões posteriores dos giros frontal superior
e médio. Os tratos de projeção estão contidos dentro dos tratos em forma de U e
conectam o giro pré-central ao putâmen (fibras corticoestriais), aos núcleos pontinos
(tratos corticopontinos) e à medula espinhal (trato corticospinal). (C) Os tratos fronto-
insulares conectam o córtex frontal opercular à ínsula anterior. As conexões do córtex
pré-central e subcentral/pós-central são exibidas em amarelo e verde,
respectivamente. Observe que não há correspondência entre as cores usadas para
essas imagens e as cores nas figuras anteriores. Todas as imagens modificadas de
Catani et al. (2012).

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O legado do homúnculo:

É difícil adivinhar as expectativas que Penfield e Boldrey tinham para a sua criação. No
artigo original, o leitor fica frente a frente com o homúnculo após 42 páginas e 27
figuras, introduzidas com apenas algumas linhas de texto e uma única figura. Essa
apresentação modesta foi seguida por mais de 10 anos de silêncio dos autores, após
o que Penfield decidiu substituir o homúnculo mais antigo por um novo, considerado
de melhor proporção. Mas mesmo para a segunda versão do homúnculo, Penfield não
tinha palavras encorajadoras: "[. . .] tais desenhos podem facilmente tornar-se confusos
se muito significado é atribuído à forma e ao tamanho comparativo (Penfield e
Rasmussen, 1950). Ainda os homúnculos se multiplicaram em uma rápida progressão
e foram descritos em diferentes regiões do cérebro humano e em outras espécies
(Schott, 1993). O homúnculo também atraiu duras críticas. Sir Francis Walshe, médico
consultor do hospital nacional para Neurologia e Neurocirurgia, apresentando seu
trabalho no Simpósio Anglo-Americano em Londres, declarou: "[. . .] nem os modernos
se contentam com mapas, pois os homúnculos fizeram agora a sua aparência
horrenda, descendentes lineares de Jabberwock de Lewis Carroll, pretendendo
representar a bela face da natureza, mas de fato conseguindo algo bastante
antinatural” ( Walshe, 1958). O próprio Penfield estava na platéia e deve ter sido
doloroso ouvir Walshe abordando sua criatura nesses termos. Não tenho
conhecimento de nenhum debate que possa ter ocorrido no simpósio, mas é evidente
nas publicações de Penfield, antes e depois dessa reunião, que ele nunca tentou
promover seu homúnculo como portador de um novo princípio de organização do
cérebro. Em vez disso, em sua teoria centrencefálica, ele propôs um papel central do
tálamo em todas as funções cerebrais, ao mesmo tempo em que se referia aos córtices
pericentrais como as "principais áreas motoras e sensoriais de transmissão [. . .] uma
plataforma de chegada e uma plataforma de partida. Sua função é transmitir e
possivelmente transmutar, com a ajuda de áreas motoras secundárias, o fluxo
padronizado de impulsos que surge no sistema centrencefálico e passa para o alvo em
músculos voluntários. Claramente, para Penfield, o homúnculo não era o marionetista,
mas simplesmente o controlador de mão que permitia ao tálamo transmitir seus
comandos motores ao corpo periférico. Este não era um conceito novo, pois os
primeiros pesquisadores já reconheciam que a estimulação cerebral ativava não

101
apenas os neurônios próximos, mas também uma extensa rede de neurônios
compartilhando conexões com aqueles diretamente estimulado (Foerster, 1936). Por
esta razão, a estimulação cerebral tem sido vista como um método para sondar a
anatomia e a função da rede em vez da localização cortical (Lemon, 1988). A rede
homuncular tem sido estudada recentemente com estudos eletrofisiológicos (Lemon,
1988; Davare et al., 2011) e de rastreamento viral (Rathelot e Strick, 2009) em animais
e, mais recentemente, com a tractografia in vivo em humanos. O córtex do homúnculo
é, de fato, altamente e diversamente conectado a estruturas subcorticais do diencéfalo,
tronco cerebral e medula espinhal através de vias de projeção (Lemon, 1988). As vias
diretas e indiretas originam-se de células piramidais e não-piramidais e projetam-se
para os neurônios motores espinhais direta ou indiretamente. Os neurônios motores
únicos recebem conexões de múltiplos neurônios corticais e um único projeto de
axônios corticospinais para vários neurônios motores. O efeito final pode ser detectado
como estimulação ou supressão da atividade eletromiográfica. Mas o sistema de
projeção originado do córtex motor não é apenas um mecanismo efetivo, pois
estabelece conexões recíprocas com seus alvos subcorticais para permitir um controle
dinâmico dos movimentos em ação. Ao mesmo tempo, o córtex motor estabelece
conexões recíprocas com outras áreas corticais do lobo frontal e parietal através de
pequenos tratos de associação (Fig. 5) (Catani et al., 2012). Recebe entradas das
áreas frontais anteriores formando um sistema fronto-parietal dedicado ao
planejamento motor para alcançar e agarrar os movimentos (Davare et al., 2011).
Também recebe contribuições diretas do córtex somatossensorial pós-central através
de uma cadeia de fibras em forma de U localizadas abaixo do sulco central. No cérebro
humano essas fibras em forma de U são particularmente grandes na região da mão e
progressivamente reduzem o volume na região ventral da boca e língua e região
dorsomedial da perna e do pé (Catani et al., 2012). Este padrão anatômico espelha os
mapas homunculares derivados de estudos de estimulação e demonstra uma conversa
cruzada direta entre os homúnculos motor e somatossensorial. Essa comunicação
através do sulco central entre o homúnculo motor e somatossensorial é importante para
o aprendizado e execução de movimentos motores finos, como indicado pelos estudos
de ablação e estimulação no macaco, bem como estudos de tractografia em humanos
saudáveis e pacientes autistas com dispraxia (Thompson et al. 2017). Além de
alcançar, agarrar e falar, o homúnculo atende a tarefas menos eletrizantes, como

102
mastigação e vômito. Nestas tarefas o homúnculo motor é auxiliado pelas conexões
fronto-insulares que transmitem.

Conclusão:

As considerações acima colocam nova ênfase na necessidade de estudar a anatomia


conectiva do córtex pericentral. Uma reavaliação moderna do homúnculo deveria,
portanto, considerá-lo como o gargalo computacional dentro de uma extensa rede de
conexões cortico-corticais e córtico-subcorticais dedicadas a transformar a cognição
em ação. Como tal, o homúnculo contém a chave para a codificação precisa que resulta
na ativação coordenada dos músculos periféricos. Mas o uso coloquial do termo tem o
risco de erroneamente conceder ao homúnculo uma existência no campo da
neurociência: esse homenzinho, como muitas outras figuras que podem ingenuamente
povoar nossa imaginação coletiva, é apenas uma metáfora para os complexos
mecanismos neurológicos. que nos esforçamos para compreender em sua totalidade.
Ganhou popularidade extremamente brilhante, e, por essa razão, provavelmente nunca
perderá seu lugar nos livros didáticos (Schott, 1993). Por isso, devemos agradecimento
a Penfield e Boldrey por sua cooperação.

103
RESENHA DOR
Florianópolis | Santa Catarina | Brasil | @dorecoluna
Plataforma on-line: www.dorecoluna.com.br

Diretor e redator do Resenha DOR: Leonardo Avila | Tradução livre e


comentários: Leonardo Avila #junho1

Resenha DOR: Resenhas de artigos científicos sobre dor.

Título Original do artigo: Anatomy, physiology and neurobiology of the nociception: A


focus on low back pain (part A).

Revista científica publicada: Neurochirurgie.

Ano de publicação do artigo: 2014.

Anatomia, fisiologia eneurais


Representações neurobiologia da nocicepção:
e a matriz corporal enfoque
cortical:na
lombalgia (parte A).
implicações para a medicina esportiva e futuras direções

104
Nota do tradutor - Leonardo Avila:

Com frequência utilizo a frase “saber sobre anatômica e biomecânica não é mais
o suficiente” para o manejo adequado da dor. Cabe ressaltar que essa fala não é
excludente enquanto ao desuso e/ou não emprego de uma análise minuciosa de
componentes estruturais (anatomia e biomecânica) em nossa prática clínica. Somente
trago à tona a necessidade de analisar outras dimensões além do patoanatômico,
concomitante a avaliação da integridade dos sistemas nervoso periférico e central.
Nesse review os autores trazem a necessidade de entendermos melhor os
mecanismos envolvidos na dor.

Att., Leonardo Avila - @dorecoluna

Considerações: 1) Primeiramente, as traduções dos artigos científicos são


livres e no decorrer do processo comentários e/ou adequações do texto são realizados.
2) Além disso, comentários explícitos constam ao longo do texto na cor vermelha
(quando necessário) e/ou posterior ao texto “nota do tradutor” (quando necessário).

Declaração de conflito de interesse:

Sou fã incondicional e estudioso, em parte autodidata, do assunto neurociência


e dor.

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Introdução

A compreensão da percepção da dor é essencial para otimizar o diagnóstico e


tratamento do componente da dor nas costas na Síndrome da Falha Cirúrgica (FBSS)
[1]. Seu tratamento continua sendo um desafio para os clínicos da dor. Uma das
principais razões decorre da extrema complexidade nas interações entre 1) dor residual
mecânica ou inflamatória após a cirurgia (que correspondem a um componente
nociceptivo e envolvem o sistema fisiológico de processamento da dor) e 2) uma
transição progressiva para a dor crônica envolvendo plasticidade do Sistema Nervoso
Central (SNC) e reorganização molecular. A fim de melhorar os resultados funcionais
nesses pacientes difíceis de tratar, os avanços em nossa compreensão dos
mecanismos fisiopatológicos subjacentes têm implicações importantes para o manejo
dos dois geradores de dor nociceptiva e do componente crônico de dor nas costas. Por
um lado, a falta de um conflito etiológico potencial que poderia exigir uma nova cirurgia,
focando nos aspectos da dor crônica, levaria irremediavelmente ao fracasso dos
tratamentos “paliativos”. Por outro lado, como foi estabelecido que a intensa
estimulação nociva produz sensibilização autônoma dos neurônios do SNC com o
tempo, é possível direcionar os tratamentos não apenas no local do dano tecidual
periférico, mas também no local das alterações centrais [2] O plano terapêutico deve
ser discutido com o paciente somente após uma meticulosa “investigação
fisiopatológica” de todos os possíveis geradores de dor nas costas. Alterações
fisiopatológicas no sistema de dor e alterações associadas na percepção da dor não
podem ser entendidas a menos que o funcionamento do sistema de dor em condições
normais seja conhecido. O objetivo deste artigo é fornecer uma visão geral da via da
dor que suporta o componente nociceptivo da dor nas costas (Parte A). Os possíveis
geradores de dor nas costas, acessíveis a tratamentos etiológicos em pacientes com
FBSS, serão revisados no próximo artigo (Parte B) [3].

O processo da nocicepção (exemplo na dor nas costas):

106
Seja qual for a estrutura anatômica das costas, o estímulo nocivo pode estar surgindo
de (ligamentos, ossos, articulações, músculos, tecido nervoso, superfície cutânea,
etc.), os mecanismos fisiológicos envolvidos no componente mecânico da dor nas
costas residual após uma cirurgia da coluna são denominados nocicepção [5,6]. A
nocicepção pode ser dividida em quatro estágios: transdução, transmissão,
percepção e modulação [6].

Transdução é o processo de converter estímulos em potenciais de ação neuronal no


receptor sensorial. Transmissão refere-se à propagação de potenciais de ação ao
longo dos neurônios do receptor periférico para a medula espinhal e, em seguida,
centralmente para o cérebro. A percepção ocorre contemporaneamente à integração
do sinal no nível cortical do cérebro. Esse processo envolve várias regiões corticais,
denominadas matriz da dor, que influenciam todos os componentes da sensação de
dor. O complexo mecanismo pelo qual a transmissão sináptica de sinais dolorosos é
modificada é chamado de modulação.

Três porções do sistema nervoso são responsáveis pela sensação e percepção


da dor:

• as vias aferentes, que começam no sistema nervoso periférico (SNP), viajam para o
nível espinhal no corno dorsal e ascendem a centros superiores no sistema nervoso
central (SNC);
• os centros de integração localizados no tronco encefálico, mesencéfalo, diencéfalo
e córtex cerebral;
• as vias eferentes que descem do SNC de volta para a medula espinhal.

Transdução da dor: aferência primária.

A dor é iniciada por eventos que ocorrem na pele, ou em tecidos profundos, como
músculos, ossos ou vísceras, e mediados por neurônios aferentes primários
especializados [6]. Esses neurônios sensoriais envolvem seus terminais chamados
“nociceptores” para pesquisar e/ou interagir constantemente com o ambiente,
detectando qualquer sinal de alarme e respondendo rapidamente a estímulos

107
mecânicos, térmicos ou químicos que sejam de intensidade suficiente para causar
dano tecidual ou de qualidade que indique tecido danificado existente. Após a ativação,
eles transduzem essas informações através de potenciais de ação e liberação de
neurotransmissores através do corno dorsal da medula espinhal para posterior
transmissão para as estruturas supra-espinhais e finalmente para o cérebro (Fig. 2).

Fig. 2. Diagrama mostrando a organização anatomo-fisiológica das diferentes classes


de fibras e suas conexões no nível do corno dorsal. Imagem: K. Nivole, R. David e P.
Rigoard, adaptados de Waldman et al., 2011.

Classe (tipos) de fibras:

Existe um processo de neurônios sensoriais (denominados “glomérulos”) que se


bifurcam em fibras periféricas em gânglios da raiz dorsal e um axônio central na
interface da medula espinhal. O input sensorial é coletado pela fibra periférica do
ambiente do tecido inervado. A entrada sensorial é retransmitida pelo axônio central
para o tronco cerebral ou medula espinhal. Conforme descrito na Fig. 2, os axônios
sensoriais são classificados de acordo com seu estado de mielinização, velocidade de
condução e diâmetro. Normalmente, a velocidade de condução se altera diretamente
com o diâmetro do axônio e a presença de mielinização [11].

108
Portanto, os axônios Aß são grandes e mielinizados e conduzem rapidamente; Todos
os axônios têm um diâmetro menor e são mielinizados [12] e conduzem mais
lentamente; e as fibras C são pequenas, não mielinizadas e conduzem muito mais
lentamente [13].

Propriedades da função aferente primária

Como visto com o corpúsculo de Pacini encontrado nos terminais de grandes


aferencias, as terminações nervosas podem ser morfologicamente especializadas [11].
A distorção mecânica da estrutura é traduzida pela estrutura especializada em uma
abertura transitória de canais de sódio no axônio, produzindo assim um explosivo
sucinto de potencial de ação (ver adiante).
Por outro lado, o terminal do axônio pode ser classificado como uma “terminação
nervosa livre”, por meio da qual não exibe estrutura física evidente que mostre
ramificações extensas à medida que elas se desenvolvem distalmente. Essas
terminações estão normalmente associadas a fibras C pequenas e não mielínicas
[14,15]. A simplicidade do nervo é enganosa, dado seu nome. Uma gama de estímulos,
incluindo térmicos, químicos e mecânicos, pode ser transduzida. Estímulos mecânicos
de baixo limiar (ou seja, mecanorreceptores) ativam as fibras Aß (grupo II). As fibras
que conduzem à velocidade A∂ podem pertencer a populações com limiar alto ou baixo
e mecânicas ou térmicas. As fibras A∂ podem mostrar ativação a temperaturas que são
moderadamente nocivas e suas taxas de queima podem aumentar a temperaturas
muito altas (52 ◦ C - 55 ◦ C). A maior população de axônios aferentes está conduzindo
aferências lentamente. Esses aferentes são chamados de “nociceptores C-polimodais”
e são comumente ativados por estímulos térmicos, químicos e mecânicos de alto limiar
[11].

Três características importantes são reveladas a partir do registro de fibras


aferentes periféricas isoladas.
- Em primeiro lugar, com a falta de estimulação, ocorre um tráfego aferente
“espontâneo”. Consequentemente, o sistema opera em uma relação sinal / ruído muito
alta.

109
Em segundo lugar, com intensidades crescentes de estímulos aplicáveis,
independentemente do tipo de fibra examinado, quanto mais intenso o estímulo, maior
a despolarização do terminal e mais freqüentemente o axônio descarregará.
Em terceiro lugar, dependendo da modalidade de estímulo, diferentes axônios podem
responder de forma mais eficiente.

Caracterização eletrofisiológica de nociceptores:

Como mencionado acima, os nociceptores são freqüentemente subclassificados com


relação a três critérios fisiológicos [16]:

• a velocidade de condução do seu axônio progenitor (isto é, aferências da fibra C não


mielinizadas versus aferencias da fibra I mielinizada);
• as modalidades de estímulo que evocam uma resposta (ou seja, mecânica, térmica
ou química);
• as características temporais de sua resposta a uma modalidade de estímulo (resposta
rápida versus resposta lenta).

A ativação de um ramo do terminal nociceptor pela lesão leva à propagação do


potencial de ação ortodrômico no axônio parental, assim como à propagação
antidrômica em outros ramos [16]. Os potenciais de ação antidrômica levam à liberação
de neuropeptídeos vasoativos (como substância P e CGRP) que são encontrados em
receptores terminais [17,18]. Evidências recentes sugerem que aferências
mecanicamente insensíveis podem desempenhar um papel importante no
desenvolvimento de vasodilatação (ou exacerbação), geralmente envolvendo a área
dolorosa, especialmente após estímulos químicos como a capsaicina ou a histamina
[19].

Aferências com altos limiares e comportamento de dor:

É indicado por evidências correlatas comportamentais e eletrofisiológicas que


informações geram uma sensação de dor no sistema nervoso central pela ativação de
aferencias de pequeno diâmetro, mielinizados (grupo III-A ou A∂) ou não mielinizados

110
(grupo IV ou C) [11 ]. Esses nociceptores polimodais têm uma característica
significativa, na medida em que também são prontamente ativados em uma forma
dependente da concentração por agentes específicos liberados no meio químico [11].
Tais agentes, liberados de células lesionadas locais ou células inflamatórias, incluem
uma variedade de aminas (5-hidroxitriptamina, histamina), mediadores lipídicos
(prostaglandinas), cininas (bradicinina), pH ácido, citocinas (interleucina-1ß) e enzimas
(tripsina) [16]. Esse trabalho pode servir ao mecanismo de ativação de aferência após
lesão aguda.
Sob certas condições, estímulos táteis ou térmicos de baixa intensidade podem, de
fato, gerar um estado de dor. Hiperalgesia é o nome dado à associação atípica entre
estímulos não lesivos e dor. Se envolver estímulos mecânicos leves, é referida como
alodinia tátil.

Dois exemplos práticos podem ser citados:

1) Sensibilidade tátil e térmica aumentada a lesão tecidual local, como queimaduras


solares; e 2) lesão do nervo periférico causando indisposição ao toque leve. Esses
aspectos serão discutidos em um artigo separado [20].

Mecanismos moleculares de transdução de sinais nociceptivos:

Detecção molecular de estímulos químicos nocivos. Tem sido demonstrado por


estudos eletrofisiológicos e farmacológicos de neurônios nociceptivos cultivados que
certos agentes (por exemplo, prótons e compostos vanilóides) despolarizam
diretamente os neurônios nociceptivos, desencadeando a abertura de canais de
cátions permeáveis ao sódio e / ou cálcio [16]. A capsaicina possui uma porção de
ácido homovanílico [21], que se liga seletivamente aos sítios receptores localizados
nos terminais dos nociceptores da fibra C, desencadeia o influxo de sódio e cálcio e,
portanto, inicia a transmissão nociceptiva e, por fim, a dor [22]. Em contraste, agentes
como bradicinina [23], prostanglandina E2 [24] e fator de crescimento [25] atuam sobre
receptores acoplados à proteína G e tirosina quinases receptoras, respectivamente,
para desencadear cascatas de sinalização intracelular que, por sua vez, sensibilizam
canais despolarizantes [26]. Ainda outros agentes (por exemplo, glutamato, acetilcolina

111
e trifosfato de adenosina) ativam os canais iônicos e os receptores acoplados à
proteína G para produzir uma ampla gama de efeitos excitatórios diretos e indiretos [8].

Transdução de estímulos mecânicos dolorosos:

Estímulos mecânicos intensos, como beliscar um nervo ou sobrecarregar uma cápsula


articular lombar, são exemplos de causa familiar de dor. Apesar deste fato,
relativamente pouco é conhecido sobre os mecanismos moleculares subjacentes à
transdução do mecanismo nociceptivo [16]. Em um subconjunto de neurônios
sensoriais cultivados, a aplicação direta da força mecânica evoca correntes
transmembrana catiônica não seletivas [27]. Vários canais iônicos mecanossensoriais
candidatos foram identificados, incluindo membros das famílias ASIC [28], TRP [29] e
TREK [30].

Além da despolarização: Pico inicial, propagação de potencial de ação e


liberação de neurotransmissores:

A neurotransmissão pelos nociceptores aferentes primários requer não apenas que os


estímulos nocivos sejam convertidos em um sinal elétrico (isto é, despolarização da
membrana), mas também que esta informação seja transmitida para a medula espinhal
[16]. No nível da fibra periférica, esse processo requer várias etapas adicionais,
geralmente chamadas de início de pico, propagação de espículas e liberação do
transmissor (Fig. 3). Cada um desses passos requer um número de canais iônicos
distintos precisamente posicionados em locais discretos em toda a membrana
plasmática. A inter-relação entre cito-arquitetura e composição de canais iônicos ou
propriedades de nociceptores resulta em uma extraordinária capacidade de codificar
as propriedades espaciais, temporais e de intensidade dos estímulos nocivos [16]. É
interessante notar que as moléculas que medeiam a neurotransmissão pós-transdução
servem como alvos tanto para acentuar a dor após lesão tecidual quanto para o
tratamento farmacológico dessa dor.

112
Fig. 3. Representação esquemática dos mecanismos moleculares da via da dor, desde
estímulos nocivos até a percepção do cérebro. Imagem: K. Nivole, R. David e P.
Rigoard, adaptados de Caterina et al., 2005

Iniciação de pico. É amplamente considerado que os potenciais geradores são


conduzidos passivamente ao longo de processos periféricos em direção a locais de
início de pico [16]. No entanto, a existência de condução ativa nos terminais do
nociceptor é sugerida por vários fatores.
As duas classes vitais de canais iônicos subjacentes à propagação e à iniciação do
pico são: canais de Na + voltagem-dependentes e canais de Ca2 + voltagem-
dependentes [13].

113
Propagação do pico / condução potencial da ação:

Dois tipos de canais são necessários para propagação de espículas em condições


“normais” [16]: canais de Na + sensíveis à voltagem TTX e um tipo de retificador retido
do canal K +. Sob condições patofisiológicas, a condução axonal pode se tornar
dependente dos canais de Na + dependentes de voltagem resistente a TTX, pesquisas
recentes indicaram [31]. Os canais de Na + impulsionam a despolarização da
membrana e os canais de K + controlam a hiperpolarização da membrana com
magnitude e duração suficientes para permitir que o canal de Na + se recupere da
inativação e, assim, possibilite a propagação subsequente de espículas [32].

Liberação do transmissor:

A liberação de neurotransmissores nas sinapses centrais é a passada final para as


aferências na rápida transmissão da informação nociceptiva [33,34]. Uma grande fonte
deste Ca2 + em muitos neurônios é fornecida pelos canais de Ca2 + dependentes de
voltagem. Os mecanismos que controlam a liberação do transmissor também estão
sujeitos à modulação, como na propagação e iniciação de pico. Sob algumas
condições, os canais de Na + resistentes a TTX podem desempenhar um papel na
modulação (isto é, facilitação) da liberação do transmissor [35]. Há também evidências
da colaboração de canais de K + dependentes de Ca2 + no controle da liberação da
transmissão. A inibição da liberação do transmissor nos neurônios do SNC é resultado
da ativação desses canais [36].

Transmissão da dor: medula espinal e trato espinhal ascendente.

Interface: Corno dorsal da medula:

O corno dorsal contém quatro diferentes componentes neuronais [11]:

• os terminais centrais de aferência primários;


• neurônios com longos axônios ascendentes que se projetam para o cérebro
(neurônios de projeção);

114
• neurônios espinhais intrínsecos (interneurônios, muitos dos quais têm axônios
que terminam localmente);
• axônios que descem de várias partes do cérebro.

Terminais centrais de aferência primários [37].

Aferências grandes e pequenas são anatomicamente misturadas em sortimentos de


fascículos no nervo periférico [13]. A tendência é que os aferentes mielinizados grandes
se movam medialmente à medida que a raiz nervosa atinge a medula espinhal; e os
aferentes pequenos e não-mielinizados lateralmente. Portanto, axônios aferentes
grandes e pequenos entram no corno dorsal pelos aspectos posteromedial e
ventrolateral da zona de entrada da raiz dorsal (DREZ) [38-43] (Fig. 4).

Fig. 4. Procedimentos destrutivos e agentes farmacológicos na via nociceptiva da dor.


Imagem: K. Nivole, R. David e P. Rigoard.

115
Arquitetura molecular do corno posterior da medula:

Cito-arquitetura [44].

Em cada nível espinhal, no plano transverso, a medula espinhal é dividida com base
na anatomia descritiva em várias lâminas (lâminas Rexed) (Fig. 2) [45].
Ao entrar na medula espinhal, os processos centrais provenientes da aferência primária
enviam suas projeções para o corno dorsal.

Fig. 2. Diagrama mostrando a organização anatomo-fisiológica das diferentes classes


de fibras e suas conexões no nível do corno dorsal.

Geralmente, os terminais de pequenas fibras mielinizadas (A∂) terminar na zona


marginal ou lâmina I de Rexed, a porção ventral da lâmina II, e ao longo da lâmina V.
Na lâmina IV e no corno dorsal profundo (lâminas V e VI), há maior terminação de fibras
mielinizadas (Aß) [45-50]. Fibras C de calibre fino e não mielinizadas geralmente
terminam em todas as lâminas I e II e na lâmina X ao redor do canal central [48,51-53].
As aferências primárias colateralizam o envio de axônios rostralmente e caudalmente
para o trato de Lissauer (pequenas fibras não mielinizadas) e para as colunas dorsais
(grandes axônios mielinizados), juntamente com o envio de seus axônios para o corno
dorsal no segmento de entrada. Em vários intervalos, essas aferências garantem o

116
envio de projeções para segmentos progressivamente mais distais. Esta propriedade
governante acentua que a entrada de uma única raiz pode ativar principalmente as
células no segmento de entrada, mas também pode coagir a excitabilidade dos
neurônios em segmentos distais ao segmento de entrada.
Em resumo, a lâmina II representa uma região anatômica chave do cordão envolvido
na transmissão da dor conhecida como substância gelatinosa [54,55]. Esta região
anatômica é caracterizada por múltiplas conexões sinápticas entre os neurônios
aferentes sensoriais primários, interneurônios e fibras ascendentes/descendentes.
Neste momento, existe uma grande oportunidade para a transmissão do sinal da dor
ser modulada por outros estímulos sensoriais ou pela atividade do SNC. Sinais de dor
podem ser melhorados ou bloqueados nessas sinapses.
Outras áreas sinápticas-chave envolvidas na nocicepção são as lâminas V e VI.
Numerosas fibras A∂ e C fornecem entrada somática a partir de receptores mecânicos,
térmicos e químicos na periferia da lâmina V. Os cornos dorsais são locais onde
ocorrem atividades dinâmicas de inibição, excitação e modulação, e não simplesmente
estações de transmissão passiva [11].

Neurotransmissão.

No nível do corno dorsal da medula, o potencial de ação, proveniente do neurônio


aferente, induzirá a liberação de diferentes classes de neurotransmissores (NT). O NT
principal envolvido na transmissão nociceptiva inclui glutamato (Glu), Aspartato (Asp),
Substância P (SP) e outros peptídeos. Deve-se insistir no papel dos receptores
glutaminérgicos, como os receptores do propionato de amino-3-hidroxi-5-metil-4-
isoxazole (AMPA) e N-metil-D-aspartato (NMDA) (ver adiante), iniciando o tratamento
intracelular. Reações em cadeia, que poderiam, em última instância, modificar a
expressão genômica celular em resposta a estímulos nocivos. Este processo pode ser
considerado como o substrato de uma «memória celular», registrando e analisando
qualquer um dos insumos nociceptivos e regulado por vias complexas de
neurotransmissão pré e pós-sináptica (por exemplo, várias classes de NT, incluindo
aminoácidos (Asp, Glu), aminoácidos inibitórios (Gly, ácido am-aminobutírico (GABA),
Tau), alguns peptídeos (CGRP, cinina, somatostatina, endo-opioides ), algumas
aminas (serotonina, catecolaminas), NO e prostaglandinas.

117
Interneurônios [44].

Um grande número de neurônios em cada lâmina do corno dorsal da medula são


interneurônios, com axônios que residem na medula espinhal. Eles são referidos como
"neurônios do circuito local". Há uma distinção a ser feita entre interneurônios
excitatórios e inibitórios. O GABA e a glicina são os principais transmissores inibitórios
no corno dorsal. O GABA existe em ambos os corpos celulares e terminais de axônio
na parte superior do corno dorsal (principalmente lâmina I – III); entretanto, a glicina
encontra-se em relativamente poucos corpos celulares e terminais de axônio nas
lâminas I a II, mas em numerosos daqueles em lâminas mais profundas (III-VI) e
também no corno anterior [44,56]. O GABA é encontrado em quase metade dos
neurônios da lâmina III e em cerca de um terço dos neurônios nas lâminas I e II. O
enriquecimento de glicina é restrito a neurônios que são imunorreativos ao GABA. Tem
sido sugerido que muitos neurônios nessas lâminas usam GABA e glicina como co-
transmissores. O glutamato é o principal transmissor usado pelos neurônios
excitatórios na medula espinhal, além de ser usado por neurônios de projeção e
aferentes primários. É provável que a maioria dos neurônios do corno dorsal que não
usam GABA ou glicina como seu transmissor seja glutamatérgica [44].

Introdução à teoria do controle do portão:

As conexões sinápticas entre as células dos neurônios primários e de segunda ordem


localizados na substância gelatinosa e outras lâminas de Rexed funcionam como um
“portão da dor”, fornecendo um dos principais princípios avançados pela teoria do
controle do portão [57]. Esse “portão” na medula espinhal regula a transmissão dos
impulsos de dor que ascendem a estruturas supra-espinhais para posterior
processamento e interpretação. Melzack e Wall, desde 1965, propuseram a primeira
explicação coesa para as complexidades emergentes dos fenômenos da dor [58]. A
estimulação de fibras não-nociceptivas (maior diâmetro – fibras A) com o toque,
vibração ou estímulos térmicos levam as células da substância gelatinosa a “fechar o
portão da dor”, diminuindo a percepção da dor. O SNC através de vias eferentes

118
também pode fechar parcialmente ou abrir o portão (Fig. 5). Este conceito foi descrito
como uma possibilidade de inibição segmentar da dor [59].

Fig. 5. A teoria de controle do portão.

Propriedades fisiológicas de neurônios no corno dorsal da medula.

Especificidade nociceptiva. Duas classes funcionais de neurônios podem ser


distinguidas:

119
• neurônios específicos - nocicepção (seu limiar aumenta na descarga e é amplificado
ao longo da faixa aversiva progressiva das intensidades do estímulo);
• neurônios de ampla faixa dinâmica (WDR).

Neurônios de ampla faixa dinâmica.

Foi relatado por Yaksh que um número de células no núcleo (Lâminas III e IV) possuem
três características funcionais interessantes [11]:

• impulsionados por entradas aferentes de baixo e alto limiar, esses neurônios exibem
excitação. À medida que a intensidade do estímulo é elevada de uma intensidade muito
baixa para uma intensidade muito alta, ela confere aos neurônios WDR a propriedade
de responder com maior frequência (por exemplo, eles têm uma ampla faixa de
resposta dinâmica);

• convergência de órgãos: um neurônio no núcleo proprius pode ser ativado pela


ativação de estímulos aferentes e somáticos viscerais, dependendo do nível da coluna
vertebral. Esse agenciamento resulta em aparecimento de excitação para um órgão
visceral e uma área específica da superfície do corpo (dermátomos) e leva ao
encaminhamento de entrada de um órgão visceral para aquela área da superfície do
corpo. Os neurônios são excitados em uma dada população de WDR por insumos
cutâneos e/ou profundos (musculares e articulares) aplicados ao miótomo embrionário
correspondente e dermátomo coincidindo com a localização segmentar da célula.
Assim, a estimulação da raiz de L1 ativa os neurônios WDR que também são excitados
por compressões de cápsula renal ou ureter. O fenômeno da dor referida (visceral ou
profunda muscular ou óssea) a determinadas superfícies corporais (dor lombar e na
virilha) é sublinhado por convergências viscerossomáticas e musculossemáticas em
neurônios do corno dorsal;

• a estimulação repetitiva de baixa frequência (> ≈0,33 Hz) das fibras C (mas não das
fibras A) produz um aumento constante na descarga de frequência até que o neurônio
esteja em uma posição de descarga quase contínua (“wind-up”).

120
Tratos espinhais ascendentes [37,60,61]

As seguintes vias foram descritas principalmente em diferentes espécies animais, mas


a sua existência e organização anatômica funcional precisam de ser confirmadas em
humanos.

Sistemas de projeção funicular ventral.

Muitos sistemas foram identificados dentro do quadrante ventrolateral da medula


espinal com base em suas projeções supra-espinhais. Incluídos nestes estão os tratos
espino-mesencefálicos, espinorreteticos, espino-parabraquiais e espino-talâmicos.
Estes constituem o sistema anterolateral [62].
Esses sistemas derivam dos neurônios do corno dorsal que são pós-sinápticos para os
aferentes primários. Na medula espinhal, essas células podem se projetar
ipsilateralmente ou contralateralmente. Estudos anteriores mostraram que a secção
unilateral do quadrante ventrolateral produz uma perda contralateral no sentido da dor
e da temperatura nos dermátomos abaixo do nível da coluna vertebral da secção. Essa
descoberta indica que os tratos ascendentes podem percorrer rostralmente vários
segmentos antes de cruzar [11] (Fig. 4).

Sistemas de projeção de funículos dorsais.

A coluna dorsal, que se torna o sistema lemniscal medial no nível do tronco encefálico,
transmite informação sensorial [37] ao longo de uma via ascendente (Fig. 6). O sistema
é composto por colaterais de diâmetro maior aferentes primários transmitindo
sensação tátil e propriocepção do membro (Fig. 2). As fibras do sistema lemniscal
medial elevam-se da medula espinhal ipsilateralmente à medula, e aqui fazem sinapse
em neurônios nos núcleos da coluna dorsal caudal do tronco encefálico que enviam
axônios através da medula para formar o lemnisco medial [62].

121
Fig. 6. Uma visão artística do trato espino-talâmico e projeções corticais.

Sistemas intersegmentares:

A transmissão rostral de informação nociceptiva pode ser contribuída por sistemas que
se projetam para curtas distâncias ipsilateralmente. O trato lateral de Lissauer, o

122
sistema propriospinal dorso-lateral e o trato intracornual dorsal são exemplos de vias
segmentares relevantes para a transmissão rostral de informações nociceptivas.

Projeções supra-espinhais [63,64]

Neuroanatomia [10].

Os tratos supra-espinais viajando no quadrante ventrolateral se projetam para o


mesencéfalo, a medula e o diencéfalo (Fig. 6). Neurônios dessas áreas então se
projetam diretamente para estruturas corticais ou rostralmente para o córtex e o
diencéfalo [11].

Ao entrar na medula espinhal, os sinais de dor tomam dois caminhos para o cérebro,
através de:

• o trato neo-espino-talâmico (para processo discriminativo agudo/rápido), que


corresponde às projeções espino-talâmicas e;
• o trato paleo-espino-talâmico (sistema muito mais antigo), que corresponde à
associação das projeções espino-retículo-talâmica, espino-mesencefálica e espino-
parabraquial [65].

O trato paleo-espino-talâmico é um trato multissináptico de condução mais lenta. As


fibras desse sistema também percorrem a via anterolateral contralateral para
terminarem em várias regiões talâmicas, incluindo os núcleos intralaterais, que se
projetam para o sistema límbico [66].

Projeções espino-retículo-talâmicas.

Este trato termina ao longo da formação reticular do tronco encefálico [67] e representa
os axônios que são principalmente ipsilaterais à célula ou origem. Sugere-se que o
input medular desempenhe um papel imperativo no desencadeamento dos reflexos
cardiovasculares envolvidos na resposta à dor. A formação reticular medular também
pode atuar como uma estação de retransmissão para a transmissão rostral de

123
informações nociceptivas. Esses neurônios medulares se projetam no núcleo talâmico
intra-laminar. Fazendo parte do sistema de ativação reticular ascendente clássico e
relacionando-se a mecanismos que levam ao aumento da ativação cortical global [11],
o núcleo forma uma concha em torno dos aspectos dorsais mediais do tálamo. O
núcleo intra-laminar projeta-se difusamente para áreas amplas do córtex cerebral,
consistindo nas regiões frontal, parietal e límbica (Fig. 7).

Fig. 7. Diagrama mostrando as projeções ascendentes supra-espinhais.

Projeções mesencefálicas:

As projeções ipsilaterais terminam na formação cinzenta mesencefálica e


periaquedutal [68,69]. Neurônios cinzas e reticulares periqaquedutais se projetam
caudalmente para o corno dorsal e rostralmente para o tálamo lateral [11].

Projeções espino-parabraquiais:

Originando-se em grande parte dos neurônios das lâminas contralaterais estão


algumas das fibras nociceptivas ascendentes. Na área parabraquial, as projeções
desses neurônios terminam em um grupo de neurônios que transmitem axônios para

124
o núcleo central da amígdala e a parte posterior do núcleo ventro-medial (VM) no
tálamo [70-72]. A MV projeta principalmente para a insula [10].

Projeções espino-talâmicas:

As fibras de condução mais rápida do trato neo-espinotalâmico estão associadas


principalmente à transmissão de informações de dor aguda-rápida [62]. No tálamo, as
sinapses são feitas com um neurônio tálamo-cortical de terceira ordem e a via continua
até a área somatossensorial parietal contralateral para fornecer a localização precisa
da dor. Tipicamente, a dor é vivenciada como brilhante, aguda ou penetrante [66]. Este
sistema predominantemente cruzado exibe os três principais alvos principais de
terminação (Fig. 6). O núcleo talâmico somatossensorial é representado pelo tálamo
ventrobasal:

• em um padrão somatotópico, a região se projeta para o córtex somatossensório [73-


76];
• a VM então projeta na ínsula;
• o tálamo medial recebe entrada primária da lâmina I (células específicas nociceptivas
de alto limiar). Células nesta região, então projetam para o córtex cingulado anterior.

Aspectos neurobiológicos [11].

Transmissores do sistema de projeção ascendente.

Muitos peptídios (incluindo dinorfina, somatostatina, colecistocinina, bombesina,


substcia P, VIPs) são encontrados em neurônios do corno dorsal que se projetam para
locais do tronco cerebral. Além disso, o glutamato foi observado em projeções
espinotalâmicas, sugerindo o papel do aminoácido excitatório. Acredita-se que a
ligação do glutamato a seus receptores NMDA no neurônio pós-sináptico induza uma
espécie de memória sináptica na via da dor. Fibras contendo substância P originárias
de sítios do tronco cerebral têm se mostrado projetadas nos núcleos mediais
parafasciculares e centrais do tálamo.

125
Modulação plástica de projeções ascendentes:

Além das características físicas de um estímulo eficaz, a codificação de uma


mensagem de dor também depende das propriedades de sistemas associados que
podem modular a excitabilidade das ligações sinápticas. Portanto, a glicina no nível do
corno dorsal da medula espinhal e os interneurônios que liberam GABA
freqüentemente regulam a freqüência de descarga de neurônios de segunda ordem
excitados por uma grande entrada aferente.

Percepção de dor: a interface cortical:

À medida que os sinais de dor atingem o córtex por meio de projeções tálamo-corticais,
a percepção é o resultado do processamento neural das sensações de dor no cérebro.
A percepção da dor inclui uma percepção e interpretação do significado da sensação
[77]. Informações da lesão tecidual são transportadas através da medula espinhal
através do tálamo para os centros cerebrais, onde ocorre a sensação básica de
sofrimento ou dor. No sistema neo-espino-talâmico, as interconexões entre o tálamo
lateral e o córtex somatossensorial são necessárias para adicionar precisão,
discriminação e significado à sensação de dor [66]. O trato paleo-espino-talâmico
projeta-se diferentemente dos núcleos intra-laminares do tálamo em grandes áreas do
sistema límbico. Essas conexões podem estar relacionadas à mudança de humor e ao
efeito de diminuição da atenção da dor.
A representação cortical da sensibilidade dolorosa rápida/lenta e crônica foi
estabelecida pela pesquisa moderna [78-81]. A estimulação aferente C está ligada à
ativação das áreas corticais secundárias, do córtex cingulado anterior e do córtex
póstero-insular posterior; diferentemente da estimulação aferente nociceptiva A, que
está relacionada à ativação do córtex somatossensorial primário contra-lateral no lobo
parietal. Essa área cortical corresponde à localização única e específica na qual a
estimulação elétrica pode produzir uma sensação dolorosa e cuja destruição leva à dor
crônica [82].
Com o uso de tomografia por emissão de pósitrons (PET) e ressonância magnética
funcional (fMRI), as áreas exatas do cérebro que estão envolvidas na percepção da
dor em humanos estão se tornando aparentes [10]. Estudos de imagem implicaram as

126
áreas de recepção somatossensorial SI e SII do córtex, bem como o giro cingulado
anterior e a ínsula, como estruturas importantes para o processamento mais elevado
da dor que é evocado por estímulos nocivos agudos [83-86]. Todas essas áreas
sistematicamente ativadas por estímulos nociceptivos estão envolvidas em uma rede
classicamente descrita como neuromatriz da dor.

Modulação da dor: Vias descendentes

Quando as mensagens de dor são enviadas ao cérebro, projeções recíprocas de volta


à medula espinhal através de controles descendentes são desencadeadas por
entradas no mesencéfalo [77]. Vias descendentes do cérebro para a região do corno
dorsal da medula espinhal são importantes moduladores da resposta à dor através de
sistemas monoamínicos [8]. Essas vias descendentes são originárias de um núcleo do
tronco cerebral denominado rafe magno e se projetam para as regiões do corno dorsal
nas lâminas I, II e IV [3,7]. A liberação de neurotransmissores por esses neurônios pode
inibir a transmissão sináptica de sinais de dor. A inibição pré-sináptica da liberação de
substância P pelos neurônios nociceptores é uma forma de inibir a transmissão
sináptica. Também foi sugerido que os opióides são os principais mediadores da
inibição pré-sináptica.

A rafe magnus recebe informações de duas outras áreas do cérebro que têm um
papel significativo na resposta à dor [87-89]:

• área cinzenta periaquedutal (PAG) no mesencéfalo;


• a ponte rostral no tronco cerebral.

A área da PAG recebe informações de diversas áreas do SNC, incluindo o córtex


cerebral, hipotálamo, formação reticular do tronco encefálico e medula espinhal, via
trato paleo-espino-talâmico [88,89]. Essa região está conectada ao sistema límbico,
que está associado à experiência emocional [90]. A área da PAG possui uma alta
concentração de opióides endógenos (endorfinas, encefalinas e dinorfinas) que
induzem efeitos analgésicos importantes.

127
A estimulação aferente da PAG na medula ventrículo-médial e ventro-medial causa a
liberação de opioides endógenos e, via serotonina (5-hidroxitriptamina, 5HT), também
envia impulsos nervosos para a rafe magna. A região da PAG do mesencéfalo é muitas
vezes referida como o centro de analgesia endógena, estimulando as vias eferentes
que modulam ou inibem os sinais de dor aferentes no corno dorsal [59]. Acredita-se
que os caminhos descendentes sejam inibitórios; o efeito inibitório é possivelmente o
resultado de sistemas noradrenérgicos [91,92]. Os sistemas serotoninérgicos são
conhecidos por fornecer um papel vital no enrolamento mostrado nos neurônios WDR,
estimulados por pequenas entradas aferentes. Isso explica a ação de alívio da dor de
drogas que aumentam a atividade da serotonina no cérebro. Também deve ser notado
que, estimulando os neurônios que se projetam para a rafe magna a partir da ponte
rostral, é possível produzir um efeito analgésico usando a via da norepinefrina.
Um meio central de controlar o fluxo de impulsos de dor da periferia para o cérebro são
os caminhos descendentes. Ao receber a entrada via tálamo e estruturas límbicas, a
região da PAG é notificada do fluxo de sinais de dor (Fig. 8).

128
Fig. 8. Diagrama mostrando as vias descendentes envolvidas na modulação da dor.

A maior parte do trabalho realizado desde a introdução da teoria do controle dos


portões concentrou-se na complexidade da modulação inibitória além do nível
segmentar. Nossa compreensão de mecanismos heterossegmentares e supra-
espinhais, provocados por estímulos nocivos e não nocivos, está sempre aumentando.
O entendimento é que o grande controle hetero-segmentar da nocicepção surge do
córtex, pois todos os relés nociceptivos dentro do SNC estão sob modulação top-down
que na maioria das vezes ocorre na ausência de estímulos dolorosos [59]. Esses
caminhos serão desenvolvidos mais adiante neste artigo.
Os controles inibitórios nocivos difusos (DNIC) são entidades inibitórias nas quais a
medula desempenha um papel. Neste caso, uma estimulação periférica nociva distante
do local da dor alivia a dor (por exemplo, a acupuntura) [59]. Respondendo
simultaneamente ao estímulo nocivo, os caminhos bulboespinais ascendentes e
descendentes participam do DNIC [93-95]. O resultado total dessas estruturas supra-
espinhais é codificar com precisão a intensidade do estímulo nocivo e transmitir
feedback descendente, principalmente aos cornos profundos dorsais.
O papel dessa modulação é refletido pelos achados do trabalho de Pierre Rainville et
al. [96]. Sugestões hipnóticas levando ao aumento da dor (em resposta a um dado
estímulo experimental) resultaram em maior atividade no cingulado anterior. De fato,
as síndromes de desconexão, produzidas por lobectomias pré-frontais, cingulotomias
e lesões da amígdala do lobo temporal, levam a dissociação entre a percepção de uma
sensação física e seu componente afetivo.

Conclusão

Visão geral funcional do sistema de processamento nociceptivo da dor:

O circuito que serve na transdução e codificação da dor nociceptiva foi amplamente


revisado neste artigo. Primeiramente, a atividade é evocada por estímulos em grupos
específicos de pequenas aferências primárias mielinizadas ou não-mielinizadas. Estes
criam seu contato sináptico com numerosos neurônios do corno dorsal [11]. Corno
dorsal corresponde a áreas onde ocorrem diversas atividades (inibição, modulação e

129
excitação), e não simplesmente estações de transmissão passiva. A informação é
passada através de longos tratos espinhais e uma variedade de sistemas
intersegmentares para centros supra-espinhais encontrados no tronco cerebral e no
tálamo. Os estímulos dão origem a um comportamento de fuga e relato verbal de dor
através desses sistemas de projeção rostral ao cérebro. Este circuito constitui o ramo
aferente do caminho da dor.

Dois caminhos funcionalmente distintos para duas dimensões da percepção da


dor:

É possível caracterizar duas famílias diferentes de resposta no nível da coluna


vertebral: dor física e dor emocional. Estes são suportados por duas vias diferentes,
codificando duas dimensões da percepção da dor. Na via neo-espino-talâmica (Fig. 6),
os neurônios WDR codificam informações em seus dendritos e soma em uma ampla
gama de intensidades não nocivas a severamente aversivas consistentes com a
convergência de neurônios aferentes de baixo e alto limiar. O sistema WDR pode reter
informações de localização espacial e informações sobre o estímulo em várias
intensidades. Esse tipo de sistema é capaz de fornecer as informações necessárias
para mapear a dimensão “sensório-discriminativa” da dor. Essas células projetam-se
massivamente em vários locais do tronco encefálico e diencefálico para o córtex
somatossensorial. Em todos os níveis, o mapa da superfície do corpo é preservado
com precisão, assim como o amplo alcance da codificação intensidade-freqüência.
Como determinado pelo input aferente de alto limiar que recebem, as populações de
células marginais superficiais apresentam uma forte característica de codificação
específica nociceptiva no segundo sistema de projeção supraespinhal (via paleo-
espino-talâmica (Fig. 6) e fortemente aos núcleos parabraquiais, à amígdala, à VM, à
ínsula, aos núcleos talâmicos mediais e depois ao córtex cingulado anterior, que estão
associados à emotividade e ao afeto [11], fornecendo assim um importante sistema
subjacente aos elementos afetivo-motivacionais da experiência da dor.
Como demonstrado por fMRI e PET, fortes estímulos somáticos e viscerais iniciam a
ativação dentro do córtex cingulado anterior [97], enquanto estímulos não-nocivos
geralmente têm efeito mínimo. Esse substrato, com seu mapa somatossensorial
pontual, retrata um sistema competente para mapear uma dimensão sensitivo-

130
discriminativa da dor. Em comparação, um componente de “motivação afetiva” da via
da dor é sugerido com o sistema envolvendo o prosencéfalo límbico. A percepção da
dor é influenciada pela atenção, distração, ansiedade, medo, fadiga e experiências e
expectativas anteriores [77]. A percepção da dor também pode ser descrita em termos
de limiar de dor e tolerância à dor [5]. O limiar da dor é o nível de estímulo doloroso
necessário para ser percebido e é notavelmente semelhante de um indivíduo para
outro. A tolerância à dor é o grau de dor que está disposto a suportar antes de buscar
alívio. A tolerância à dor varia muito entre os indivíduos e dentro do mesmo indivíduo
sob diferentes condições. Idade, cultura, família, educação, gênero e experiência
anterior influenciam a tolerância à dor. Em última análise, a expressão da dor é a
maneira pela qual a experiência da dor é comunicada aos outros [98]. Assim, a
natureza altamente variável da expressão da dor entre os indivíduos dificulta a
avaliação acurada da dor, especialmente com os pacientes com dor lombar crônica.
Isso nos leva a passar de conceitos anatômicos para aplicações práticas e discutir
sobre os potenciais geradores espinhais no próximo artigo (Parte B).

131
RESENHA DOR
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Plataforma on-line: www.dorecoluna.com.br

Diretor e redator do Resenha DOR: Leonardo Avila | Tradução livre e


comentários: Leonardo Avila #junho2

Resenha DOR: Resenhas de artigos científicos sobre dor.

Título Original do artigo: Insight into neural mechanisms underlying discogenic back
pain.

Revista científica publicada:

Ano de publicação do artigo: 2018.

Percepção
Percepção sobre
sobre ososmecanismos
mecanismos neurais
neuraissubjacentes
subjacentesà dor
à dor
nas costas discogênica
discogênica nas costas

132
Nota do tradutor - Leonardo Avila:

Com frequência utilizo a frase “saber sobre anatômica e biomecânica não é mais
o suficiente” para o manejo adequado da dor. Cabe ressaltar que essa fala não é
excludente enquanto ao desuso e/ou não emprego de uma análise minuciosa de
componentes estruturais (anatomia e biomecânica) em nossa prática clínica. Somente
trago à tona a necessidade de analisar outras dimensões além do patoanatômico,
concomitante a avaliação da integridade dos sistemas nervoso periférico e central.
Nesse paper, assim como todos os citados anteriormente os autores propõe
uma reflexão enquanto as dificuldades e ausência de possibilidade de afirmamos
causalidade entre a presença de dor e alterações discogênicas além da ampla gama
de possibilidades de dor secundárias a uma possível alteração tecidual discal.
Por fim, cabe ressaltar a ausência de causalidade entre dor e achados em
exames de imagem e a necessidade de uma avaliação clínica abrangente para
corroborar os achados com o paciente. Lembre-se, o exame de imagem é
complementar a avaliação clínica minuciosa.

Att., Leonardo Avila - @dorecoluna

Considerações: 1) Primeiramente, as traduções dos artigos científicos são


livres e no decorrer do processo comentários e/ou adequações do texto são realizados.
2) Além disso, comentários explícitos constam ao longo do texto na cor vermelha
(quando necessário) e/ou posterior ao texto “nota do tradutor” (quando necessário).

Declaração de conflito de interesse:

Sou fã incondicional e estudioso, em parte autodidata, do assunto neurociência


e dor.

133
Introdução

A dor nas costas é um dos sintomas clínicos mais comuns e complexos na atualidade.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), quase 33% das pessoas sofrem de
dores nas costas em todo o mundo1 e a dor nas costas é considerada o mais comum
de todos os tipos de fatores incapacitantes na atualidade.2 Nos Estados Unidos, a
prevalência de dor lombar crônica é de 10,2% entre pessoas com idade superior a 21,3
anos, enquanto a prevalência de dor nas costas atingiu 26,1% na China. A dor nas
costas está em terceiro lugar no mundo em fatores incapacitantes, atrás de acidente
vascular cerebral e isquemia do miocárdio.4 A dor nas costas também é mais comum
que hipertensão e diabetes.5 Na vida diária, o gasto médio diário com dor nas costas é
60% maior do que de pessoas normais.6 A perda econômica anual causada por dor
nas costas é de 1 a 3 bilhões de dólares em todo o mundo.7 A dor nas costas causou
um grande ônus aos recursos sociais e médicos, e seus danos ao desenvolvimento
social e econômico merecem estudos adicionais.
Na década de 1930, Mixter relatou primeiramente que a hérnia de disco intervertebral
era uma das causas de dor nas costas, abrindo assim a “era do disco intervertebral”.8
Nos 10 anos que se seguiram, muitos pesquisadores começaram a estudar a
degeneração do disco intervertebral,9,10 e gradualmente. chegaram à conclusão de que
a degeneração do disco intervertebral pode ser uma importante causa de dor nas
costas.11 Evidências mostram que aproximadamente 40% dos casos de dor nas costas
podem ser atribuídos à degeneração do disco (evidências atuais não suportam essa
afirmação) intervertebral lombar,12 e degeneração do disco intervertebral constitui a
principal causa de dor persistente nas costas crônica (não há causalidade entre dor e
degeneração).13 Clinicamente, dor nas costas causada por alterações patológicas do
disco intervertebral, sem lesão da raiz nervosa ou instabilidade segmentar, é chamada
de dor lombar discogênica. A comunidade científica tem estudado intensamente a
neuroanatomia, os mecanismos celulares e os mecanismos mecânicos dos discos
intervertebrais. Percebemos que, além da compressão mecânica, alterações em
alguns mecanismos biológicos no processo de degeneração do disco intervertebral
também são fatores importantes que contribuem para os sintomas da dor nas costas.14
Infelizmente, esses estudos ainda não chegaram a uma conclusão precisa até o
presente momento. As questões: “Os discos intervertebrais causam dor?” e “A

134
degeneração do disco intervertebral afeta o sistema nervoso?” permanecem sem
respostas. Essas questões ainda são foco de debate no campo da dor nas costas
discogênica e tornam a pesquisa em dor discogênica extremamente desafiadora.
Nesta revisão, discutimos os mecanismos neurais relacionados que contribuem para a
dor nas costas discogênica.

Distribuição neural dos discos intervertebrais normais:

Pesquisadores experimentaram um longo processo de compreensão da distribuição


das fibras nervosas nos discos intervertebrais lombares. Na década de 1930, com o
estabelecimento de microanatomia e coloração neuroquímica, foram encontradas
terminações nervosas livres nos discos intervertebrais lombares.15,16 Esse achado
anulou a crença sustentada por alguns pesquisadores de que não havia inervação
presente no disco. Subseqüentemente, estruturas periféricas mais complexas, como
receptores somáticos anulares e estimuladores mecânicos, foram gradualmente
encontradas nos discos intervertebrais lombares.16 Em 1983, Bogduk et al.17
descobriram que a distribuição das terminações nervosas no disco intervertebral
estava confinada à estrutura externa, ou seja, no anel fibroso do disco intervertebral.
Esses autores também descobriram que os tipos de inervação da fibra nervosa nas
diferentes regiões estruturais do disco intervertebral eram diferentes. Um exemplo
desse achado é que o nervo sinuvertebral e seus ramos diretos inervam a região
posterior do disco intervertebral coletivamente. O ramo comunicante cinzento inerva
regiões bilaterais do disco intervertebral, e a parte anterior do disco intervertebral é
controlada pelo plexo simpático.17 Além disso, os ramos ascendentes e descendentes
do nervo sinusal também inervam as articulações facetárias18 e as placas vertebrais,17
e ainda se entrelaçam para o canal vertebral.17,19 Os achados de Bogduk et al.17
forneceram um novo entendimento da distribuição das fibras nervosas nos discos
intervertebrais. No entanto, devido às limitações das condições de pesquisa naquele
tempo, muitos dos achados foram baseados apenas na observação grosseira feita na
autópsia. Portanto, pouco se sabe sobre a natureza das fibras nervosas distribuídas
nos discos intervertebrais e suas vias de condução nervosa.
Com o desenvolvimento da tecnologia e sua aplicação no campo dos discos
intervertebrais, os pesquisadores foram capazes de obter uma nova compreensão da

135
estrutura neural do disco intervertebral. Palmgren et al.20 encontraram um marcador do
nervo simpático, neuropeptídeo Y, e marcador do nervo sensitivo, substância P, no
anel fibroso externo dos discos intervertebrais lombares em adultos normais. Esse
achado sugere que a fibrose lateral do disco intervertebral foi inervada pelos nervos
simpáticos e espinhais. Com a descoberta de alguns marcadores específicos de fibras
nervosas, os pesquisadores não apenas observaram a distribuição das fibras nervosas
em um disco intervertebral, mas também classificaram essas fibras nervosas com mais
precisão. Coppes21 usou a substância P e o peptídeo relacionado ao gene da
calcitonina para identificar fibras nervosas nociceptivas no disco intervertebral.
Roberts22 usou peptídeo intestinal vasoativo para detectar o nervo no disco
intervertebral. Fibras simpáticas no disco intervertebral foram encontradas pela
imunorreatividade da tirosina hidroxilase em fibras pós-ganglionares.23 Além disso, os
receptores mecânicos, como os corpúsculos de Pacini, os corpúsculos de Ruffini e os
tendões de Golgi, também são encontrados nos discos intervertebrais.22
Esses receptores são menores que o número normal encontrado nos discos
intervertebrais e normalmente não são sensíveis à estimulação mecânica.24 No
entanto, uma vez que o disco sofreu uma alteração patológica, esses receptores
podem ser ativados e produzir mudanças potenciais correspondentes. Isso constitui a
percepção do corpo de mudanças na doença do disco com base na eletrofisiologia do
nervo.25
No século 21, os cientistas têm uma compreensão mais profunda da estrutura do nervo
nos discos intervertebrais. Em 2003, Fagan et al.26 encontraram quantitativamente que
não houve diferença significativa na distribuição das densidades nervosas entre o anel
fibroso externo e a placa terminal de um disco intervertebral normal. No entanto, as
fibras nervosas produziram uma nova distribuição no anel fibroso interno depois que o
disco intervertebral ficou doente. A densidade de distribuição das fibras nervosas na
lesão foi significativamente maior do que a observada nos discos intervertebrais
normais. Outro estudo mostrou uma fonte de fibras nervosas distribuídas no disco
intervertebral, o que sugeriu que todas elas se originaram de neurônios no gânglio da
raiz dorsal (GRD).27 Esses neurônios podem ser classificados de diferentes maneiras
com base no diâmetro da célula, tipo de neurotransmissor e os diferentes componentes
do citoesqueleto. Um exemplo dessa classificação é que os neurônios GRD que
inervam o disco intervertebral lombar são principalmente neurônios de células

136
pequenas. Esses neurônios podem ainda ser divididos em neurônios sensíveis ao fator
de crescimento dos nervos, sensíveis ao peptídeo, e neurônios não peptídicos,
derivados das células da glia, de acordo com os diferentes tipos de transmissores
contidos nos corpos celulares (Figura 1). Ambos os tipos de neurônios de pequenas
células podem emitir fibras para dominar o disco intervertebral lombar.27 Essas fibras
nervosas derivadas de pequenas células são na maioria fibras nervosas nociceptivas.
Esses são os tipos de fibras nervosas que formam a base anatômica da dor nas costas
discogênica.28

Figura 1. Representação esquemática da origem das fibras nervosas sensoriais que


inervam os discos intervertebrais normais. No disco intervertebral normal, a inervação
é restrita às camadas externas da FA e consiste de pequenas fibras nervosas (amarelo
e verde) e algumas fibras grandes formando mecanorreceptores (vermelho). FA: ânulo
fibroso; GRD: gânglio da raiz dorsal; NP: núcleo pulposo.

Via anatômica de condução nervosa do disco intervertebral:

A via de condução nervosa dos discos intervertebrais lombares está relacionada à via
anatômica das fibras nervosas que são distribuídas no disco intervertebral lombar para
o sistema nervoso central. Depois que Luschka descobriu o nervo sinusal pela primeira
vez em 1850, pesquisadores concordaram que as terminações nervosas sensoriais no
disco intervertebral eram projetadas pelo segmento correspondente de neurônios
DRG.17 Esse entendimento foi baseado em um estudo de autópsias
contemporâneas.29–31 Esses estudos mostraram que o nervo sinusal no forame

137
intervertebral consistia do segmento correspondente do processo periférico do GRD (a
fibra nervosa sensitiva da medula espinhal) e as fibras pós-ganglionares simpáticas.
As terminações nervosas sensoriais no disco vieram do nervo sinusal e se espalharam
através do forame intervertebral para o canal espinhal.29 Esses achados levaram à
crença de que as fibras do nervo sensitivo no ligamento longitudinal posterior e na
região posterior do disco intervertebral lombar foram segmentos inervados pelos
neurônios correspondentes do GRD.
Com o desenvolvimento da tecnologia do traçador de nervos, pesquisas recentes
mostraram que a inervação dos discos intervertebrais da coluna lombar não
corresponde necessariamente à inervação do segmento do nervo espinhal. Apenas
DRGs L1 e L2 foram marcados pelo marcador DRG após a injeção de peroxidase de
rábano e toxina B da cólera no anel fibroso ventral do disco intervertebral L5 / 6 em
ratos.30 Este achado sugere que os nervos espinhais que inervam discos
intervertebrais lombares não vêm do mesmo segmento do nervo espinhal, mas são
inervados por múltiplos segmentos diferentes do DRG. Da mesma forma, Ohtori et al.31
usaram a injeção do traçador neural na região do disco intervertebral dorsal L5 / 6 e
observaram que os neurônios positivos para o fluorogold de T12 a L6 podem ser
neurônios do GRD bilaterais. Isso provou ainda que um único disco intervertebral
lombar poderia ser influenciado por uma variedade de diferentes segmentos de
neurônios DRG com ramificações. Além disso, Ohtori et al.31 usaram o corte do
traçador de nervos nas regiões L2 e L3 do tronco simpático em ratos. Esses autores
mostraram cerca de 93% de nervos positivos para fluorogold em L3 a L6 DRG, e os
T12 a L1 DRG também tinham neurônios marcados com fluorogold. Estes resultados
indicaram que o GRD através do tronco simpático constitui um caminho indireto para a
condução nervosa do disco lombar. Chen et al.32 descobriram que havia nervos
sinusais do tronco simpático na parte posterior do disco intervertebral, que apoiou ainda
mais os achados de Ohtori et al.31. Groen et al.33 mostraram que a região de inervação
posterior do disco intervertebral era proveniente do nervo sinusal e que os nervos
simpáticos eram o único componente do nervo sinusal. Essa conclusão contradizia a
hipótese de alguns pesquisadores de que o nervo sinusal é um nervo misto composto
de nervos simpáticos e do ramo dorsal do nervo espinhal. Os principais componentes
do nervo sinusal ainda são controversos. Entretanto, os resultados experimentais

138
existentes mostraram que os nervos simpáticos e o nervo espinhal juntos constituem a
base anatômica da via de condução nervosa dos discos intervertebrais lombares34-36.

Alterações na distribuição das fibras nervosas em discos intervertebrais


degenerativos:

A formação e infiltração de fibras nervosas na camada interna do anel fibroso e do


núcleo pulposo durante a degeneração discal é considerada como o principal
mecanismo neural da dor nas costas discogênica. Ao nascimento, há muitas fibras
nervosas densas na placa terminal e no anel fibroso do disco intervertebral lombar do
recém-nascido. No entanto, essas fibras nervosas gradualmente degeneram para
apenas um terço da parte externa do anel fibroso à medida que envelhecem.
Finalmente, a estrutura nervosa não está mais presente na região medial do anel
fibroso do disco intervertebral lombar em adultos normais.37 No entanto, algumas
terminações nervosas reaparecem em um disco lombar degenerado, e essas
terminações se infiltram mais profundamente no tecido interno do disco intervertebral
(Figura 2).

Figura 2. Representação esquemática da inervação dos discos intervertebrais


degenerados. Nos discos intervertebrais degenerados, as fibras nervosas sensoriais
que surgem dos neurônios no DRG entram nas camadas internas da FA e até do NP.
Fibras Ad mielinizadas finas e fibras C não mielinizadas se originam de pequenos
neurônios (amarelo e verde) em DRGs. As fibras Ab mielinizadas (vermelhas) surgem
de neurônios intermediários, e as fibras Ad ou C se originam de pequenos neurônios
peptidérgicos ou neurônios não peptidérgicos. FA: ânulo fibroso; DRG: gânglio da raiz
dorsal.

139
Ashton et al.38 constataram que as fibras nervosas estavam mais profundamente
infiltradas em discos intervertebrais dolorosos do que indolores. Peng et al.39
descobriram que as fibras nervosas podem crescer ao longo do tecido de granulação
na fissura de um disco intervertebral em degeneração. Essas fibras nervosas podem
gradualmente infiltrar as terminações nervosas na parte profunda do anel fibroso do
disco intervertebral em deterioração, até mesmo no núcleo. Recentemente, os
pesquisadores usaram camundongos knockout do gene Protein Acidic Rich in Cysteine
(SPARC) para simular a degeneração dos discos intervertebrais.40 Eles também
descobriram fibras nervosas infiltrando-se no disco intervertebral, que foram
identificadas como fibras nervosas nociceptivas. Com base nas descobertas acima
mencionadas, alguns pesquisadores levantaram a hipótese de que o crescimento e a
infiltração de fibras nos discos intervertebrais degenerativos é um dos mais importantes
mecanismos patológicos da dor nas costas discogênica.
As citocinas produzidas durante o processo de degeneração do disco intervertebral são
fatores importantes na indução de que as terminações nervosas cresçam em discos
intervertebrais degenerativos.41 Há uma pequena quantidade de fator de crescimento
neural e fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) no núcleo pulposo e fibroso.
Entretanto, a expressão do BDNF e do fator de crescimento nervoso em discos
degenerativos de pacientes com dor lombar discogênica é consideravelmente
aumentada.42,44 Além disso, alguns receptores de proteína associados ao crescimento
nervoso, como a tirosina quinase A, pode ser liberado na matriz via sinais autócrinos
de células do disco intervertebral degeneradas. Isso altera ainda mais a distribuição
dos terminais nervosos em um disco intervertebral em degeneração.45 Alterações nos
níveis inflamatórios em discos intervertebrais degenerativos também afetam a
secreção de fatores neurotróficos. Purmessur et al.44 mostraram que a interleucina-1
beta e o fator de necrose tumoral-alfa poderiam estimular as células do núcleo pulposo
derivadas do homem a secretar o fator de crescimento do nervo e o BDNF em
experimentos in vitro. Richardson et al.46 descobriram que as metaloproteinases de
matriz poderiam degradar ainda mais a matriz extracelular de um disco intervertebral
degenerado, promovendo assim fibras nervosas no núcleo pulposo e produzindo dor.
Burke et al.47 verificaram que mediadores inflamatórios elevados nos discos
intervertebrais degenerativos podem atuar sobre os nociceptores do nervo sinusal,

140
resultando diretamente em alterações no mecanismo elétrico do nervo. Isso reduz o
limiar de excitação, tornando mais provável a produção de impulsos nervosos. No
entanto, as interações entre vários fatores proteicos são complexas, e alguns
mecanismos específicos precisam ser examinados no futuro.

Efeito dos discos intervertebrais degenerativos na excitabilidade do sistema


nervoso:

Muitos estudos confirmaram que a produção de dor lombar discogênica está


relacionada ao estado eletrofisiológico do nervo da seguinte forma. Takahashi et al.48
verificaram que a estimulação elétrica do disco intervertebral L5 / 6 poderia induzir
potenciais de ação na raiz nervosa de L2 em ratos. Esse achado indica que existem
certos receptores no disco intervertebral que podem converter um sinal elétrico externo
em um sinal bioelétrico para a condução. Após estimulação mecânica e química do
disco intervertebral L5 / 6 em ratos, a estimulação mecânica não induziu potencial de
ação no nervo L2; somente a estimulação química poderia induzir uma mudança no
potencial de ação do nervo L2.49 Portanto, a estimulação mecânica não pode induzir a
dor, e a inflamação no disco intervertebral causa a transmissão de impulsos sensoriais
nocivos. Burke et al.47 relataram que mediadores inflamatórios elevados em discos
intervertebrais degenerativos poderiam atuar em nociceptores intratubos e causar
diretamente alterações eletrofisiológicas nas fibras nervosas. Isso foi caracterizado por
um limiar mais baixo de excitação nervosa e uma probabilidade maior de produzir
impulsos nervosos. Le Maitre et al.50 descobriram que a interleucina-1 estimulava a
produção de fatores inflamatórios adicionais nos discos intervertebrais lombares, e isso
levou a uma série de cascatas inflamatórias. Esse achado sugere que células
inflamatórias e mediadores são importantes iniciadores da dor. Esses estudos
mostraram um mecanismo nervoso inflamatório de dor lombar discogênica causada
por discos intervertebrais degenerativos. Embora o diagnóstico e o tratamento da
lombalgia discogênica possam ser alcançados por um bloqueio da raiz nervosa ou
técnica de discografia, seu efeito ainda é controverso.
Além das atividades eletrofisiológicas, a excitabilidade do nervo também está
relacionada ao estado metabólico das células nervosas. Alguns novos estudos
descobriram que a dor nas costas discogênica é acompanhada por alterações no nível

141
metabólico das células nervosas centrais. Loggia et al.51 estudaram pacientes com dor
lombar crônica como sujeitos experimentais. As células da microglia ativadas foram
marcadas com 11C-PBR28 in vivo. As concentrações estequiométricas de 11C-PBR28
no cérebro de pacientes com dor lombar crônica foram significativamente maiores do
que em pacientes com dor lombar. Estes resultados sugerem que a microglia no
cérebro pode desempenhar um papel na progressão da dor nas costas. Em
experimentos com animais, Miyagi et al.52 descobriram que o processo de degeneração
do disco intervertebral causado por lesão de acupuntura era acompanhado pelo
acúmulo e ativação de células gliais no corno posterior da medula espinhal. Eles ainda
usaram um modelo de rato e causaram espontaneamente a degeneração dos discos
intervertebrais lombares. Neste modelo, a atividade das células da glia no corno
posterior da medula espinhal lombar também foi aumentada. Esse fenômeno estava
intimamente relacionado ao comportamento da dor nas costas em camundongos.40
Esses resultados sugerem que a dor lombar discogênica está associada à
degeneração discal, que afeta os níveis metabólicos das células nervosas. Os estudos
atuais sobre degeneração discal e dor nas costas focalizaram o tecido do disco
intervertebral. O mecanismo de degeneração do disco intervertebral e alterações
funcionais do sistema nervoso ainda precisam ser explorados.

Conclusões:

Em conclusão, a dor nas costas discogênica é um sintoma clínico comum. As células


discais intervertebrais degeneradas e os infiltrados de células inflamatórias podem
estimular a reconstrução das fibras nervosas dos discos intervertebrais internos e
causar dor nas costas ao mesmo tempo. Geralmente, a dor é um processo que é
sinalizado a partir do local lesionado e conduzido ao sistema nervoso central para
produzir a percepção da dor. Muitos estudos mostraram que os nervos simpáticos e
espinhais desempenham um papel na transdução de sinal nervoso na dor lombar
discogênica. Alterações na excitabilidade do sistema nervoso ao longo do curso da dor
nas costas discogênica têm atraído gradualmente a atenção dos pesquisadores. No
futuro, uma compreensão completa do mecanismo específico dos nervos durante o
curso da dor nas costas discogênica precisa ser investigada. Isso permitirá novos
métodos e abordagens para o tratamento da dor nas costas discogênica.

142
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