Você está na página 1de 14

FORMAÇÃO DOCENTE CONTINUADA POR MEIO DA CULTURA

COLABORATIVA ENTRE PARES: DIÁLOGOS E PARTILHAS

ODS 4.c - Até 2030, substancialmente aumentar o contingente de professores


qualificados, inclusive por meio da cooperação internacional para a formação de
professores, nos países em desenvolvimento, especialmente os países menos
desenvolvidos e pequenos Estados insulares em desenvolvimento

Resumo
Neste estudo de natureza qualitativa, busca-se explorar as narrativas obtidas por
meio de entrevistas conduzidas com professores de diversas áreas de uma escola,
visando a compreensão de suas perspectivas acerca do tema da formação docente,
enfatizando a importância de uma cultura colaborativa entre seus pares. É
amplamente reconhecido que os desafios inerentes ao exercício docente são
constantes, entretanto, é de fundamental importância destacar a significância de
uma formação contínua, com ênfase na colaboração entre os membros da equipe
escolar, como um processo intrínseco à própria instituição. Nesse contexto, este
estudo é fruto de um recorte da pesquisa de dissertação de mestrado em educação,
adotando como instrumentos de coleta a utilização de questionários online,
observação não-participante das aulas e entrevista semiestruturada apoiada em um
roteiro, nesse sentido, é a partir da triangulação de dados produzidos pelos
instrumentos utilizados que se deu a análise desenvolvida na pesquisa. O estudo
adquire relevância, uma vez que busca enriquecer as reflexões sobre a formação
docente no país por meio da interação colaborativa da equipe. A análise das
entrevistas revela que os professores compartilham a percepção de que a formação
inicial é insuficiente, enquanto a experiência prática é substancialmente valorizada.
Além disso, as análises mostraram que para os docentes, a partilha e o diálogo
entre os colegas de profissão são um aspecto facilitador em suas práticas
cotidianas.

Palavras-chave: Formação Docente. Cultura Colaborativa. Análise de Entrevistas.


Formação Continuada.

Introdução

No cenário educacional contemporâneo, a formação docente é uma questão


crucial que permeia as discussões sobre a qualidade da educação. A formação dos
professores, muitas vezes, parece distante da realidade prática enfrentada por eles
em sua atuação cotidiana, resultando em lacunas que comprometem a qualidade
de seu ensino e consequentemente na aprendizagem dos estudantes.
A metodologia do estudo se pautou em análises qualitativas de entrevistas
concedidas por professores de diversas áreas de uma escola particular localizada
no interior do Vale do Paraíba – SP para compreender suas percepções sobre suas
formações e experiências docentes.
Diante desse contexto, a questão norteadora que motivou este estudo se
configurou em saber: Quais são as percepções docentes em relação à qualidade
da formação inicial e compartilhamento mútuo de suas práticas entre a equipe
escolar?
O artigo teve como objetivo principal explorar as narrativas dos professores
em relação à qualidade da formação docente e do compartilhamento entre pares na
equipe escolar. Assim, a relevância deste estudo se fundamenta na ampliação das
reflexões acerca da formação de professores no contexto brasileiro.
Os resultados evidenciaram a necessidade de um processo formativo que
não apenas proporcione uma base sólida no início da carreira docente, mas
também fomente a constante atualização e a troca de conhecimentos entre
colegas. Em um cenário educacional em constante transformação, é crucial
compreender como os professores estão se adaptando e se preparando para lidar
com os desafios contemporâneos da sala de aula.

Revisão da literatura

A formação docente no contexto brasileiro vem evidenciando por meio de


estudos robustos a necessidade de uma grande reforma, tanto no ponto de vista da
esfera política, quanto na sistematização e normatização dos cursos de Licenciatura
(GATTI et al, 2019).
Fullan e Heargreaves (2000) apontam pela iminente necessidade da tomada de
liderança por parte dos professores, na busca pela aquisição de conhecimentos
pertinentes à realidade docente.
Gatti et al (2019) argumenta sobre a necessidade de repensar os currículos dos
cursos de licenciatura para garantir que os futuros professores estejam preparados
para lidar com as situações e desafios reais que enfrentarão nas escolas. As autoras
destacam que muitos cursos de licenciatura ainda são muito teóricos e distantes da
prática educacional, o que pode deixar os professores despreparados para as
situações complexas e diversas que encontrarão nas escolas.
Concordando com os apontamentos, Libâneo (2001, p. 23) afirma:
O mundo contemporâneo não apenas se apresenta como sociedade
pedagógica como pede ações pedagógicas mais definidas,
implicando uma capacitação teórica e profissional de pedagogos e
professores muito além daquela que apresentam hoje.

Consequentemente, ressaltamos a importância de estabelecer uma coerência


entre a complexa realidade das escolas e a formação inicial proporcionada pelas
instituições de ensino superior no país. Isso é fundamental para que os professores
em início de carreira entrem nas salas de aula com uma maior confiança em relação
à sua prática educacional.
Diante disso, Tardif, (2014) aponta uma hierarquização de saberes constituídos
pelos professores, em que os setorizam em função de suas utilidades práticas.
(...) os saberes oriundos da experiência de trabalho cotidiana
parecem constituir o alicerce da prática e da competência
profissionais, pois essa experiência é, para o professor, a condição
para a aquisição e produção de seus próprios saberes profissionais
(TARDIF, 2014, p. 21).

Isso reforça a constante afirmação de professores que tendem a considerar


menos relevante o conhecimento acadêmico adquirido durante os cursos de
formação inicial. Nota-se uma crescente dissociação entre a teoria e a prática por
parte dos professores, o que é fundamentalmente problemático. Como destacado
por Freire (1996), a prática requer alicerces teóricos para permitir uma compreensão
crítica e intencional de seus processos.
Nesse contexto, como uma alternativa aos problemas apresentados nessa
perspectiva de formação docente, para o aperfeiçoamento permanente aponta-se a
“união em colegiados e colaboração entre os professores”. Essa união entre os
chamados pares propicia uma construção de linguagem comum e adequada à
complexidade no ato de ensinar (FULLAN E HEARGREAVES, 2000, p. 21).
Destarte, Nóvoa (2022, p.85) coaduna à assertiva ao afirmar que
A colegialidade docente, isto é, a possibilidade de os professores
actuarem como um colégio (um colectivo), tem uma referência
organizacional (o projecto educativo da escola) e uma referência
pedagógica (a construção de novos ambientes educativos), mas tem
ainda uma terceira referência: o reforço de uma profissionalidade
docente baseada na colaboração e na cooperação, aquilo que os
anglo-saxões designam literalmente por “comunidades de prática”,
mas cuja melhor tradução é “comunidades de trabalho” ou
“comunidades profissionais”.

O estabelecimento dessa conexão aprendente entre os próprios integrantes da


escola pode acontecer inclusive por conversas informais, compartilhamento de
práticas e enfrentamento conjunto de problemas em sala de aula.
Não apenas é benéfico para a escola e os professores promoverem a
instauração da colaboração entre a equipe, mas a ausência dessa prática também
pode acarretar em problemas significativos. Essas questões não se limitam apenas
ao clima escolar, podendo ter repercussões mais amplas. Conforme destacado por
Fullan e Hargreaves (2000), essa interação comunicativa e de aprendizado mútuo
também pode evidenciar incompetências e erros e a não construção de uma
identidade coletiva institucional (GATTI et al, 2019).
No entanto, essa exposição não deve ser encarada de forma negativa, pois
pode impulsionar melhorias. As falhas expostas têm o potencial de se tornarem
oportunidades para um compromisso constante com o aprimoramento profissional.
Diante disso, esse vínculo e constante interação entre a equipe escolar pode
ser benéfica do ponto de vista das necessidades formativas docentes. No chão da
escola vemos uma infinidade de possibilidades acontecendo e o professor precisa
inteirar-se delas de modo que suas práticas sejam completamente intencionais para
suas decisões. Esta não seria a resolução de todos os problemas, mas uma
alternativa para agregar novos saberes e empoderar profissionalmente os
professores.

Método

A metodologia adotada para este estudo possui uma abordagem qualitativa,


sendo um recorte das análises realizadas dentro de uma pesquisa de dissertação
de mestrado profissional em educação, elaborada por dois dos autores deste
artigo.
Por se tratar de uma pesquisa envolvendo seres humanos, toda a coleta de
informações foi respaldada sob autorização do Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade de Taubaté (CEP-UNITAU) conforme parecer de número 5.761.110
(ANEXO I) e CAEE: 64068922.9.0000.5501.
O cerne da pesquisa consistiu na análise de entrevistas realizadas com
professores provenientes de diferentes áreas de conhecimento, utilizando uma
abordagem de entrevistas semiestruturadas.
A análise concentrou-se na compreensão das percepções dos professores
em relação à qualidade da formação inicial e ao compartilhamento e troca de
conhecimentos entre seus colegas. Para a coleta de dados, empregamos uma
combinação de instrumentos que incluíram um questionário online, utilizado para
traçar o perfil dos entrevistados, observações não-participantes no lócus da
pesquisa, e entrevistas semiestruturadas, conduzidas tanto presencialmente como
à distância.
A entrevista pode possibilitar de acordo com Lakatos e Marconi (2007, p.198)
“conseguir informações mais precisas, podendo ser comprovadas, de imediato, as
discordâncias” além de “maior flexibilidade, podendo o entrevistador repetir ou
esclarecer perguntas(...) como garantia de estar sendo compreendido”.
Isto posto, Yunes e Szymanski (2005, p. 3) afirmam que:

a entrevista face a face é fundamentalmente uma situação de


interação humana, na qual estão em jogo as percepções do outro e
de si, expectativas, sentimentos, preconceitos, interpretações e
constituição de sentido para os protagonistas - entrevistador/es e
entrevistado/s.

É importante partir de “uma proposta de, pelo diálogo, buscar uma condição de
horizontalidade ou igualdade de poder na relação” (Szymanski, 2000, p. 196).
Neste sentido, a própria autora corrobora ao afirmar que:

foi na consideração da entrevista como um encontro interpessoal que


inclui a subjetividade dos protagonistas e se constitui num momento
de construção de um conhecimento novo, nos limites da
representatividade de fala e na busca de uma horizontalidade nas
relações de poder que se delineou esta proposta de entrevista que
chamamos de reflexiva (Szymanski 2000, p.197)

Para garantir a integridade dos dados apresentados, minimizando a


subjetividade em que uma investigação social pode apresentar, a observação não-
participante foi selecionada para este estudo como um dos instrumentos de
produção de dados (GIL 2008, p. 100).
Destarte, a observação não-participante se caracteriza por não pertencer ao
grupo observado (SANTOS, 1994), desse modo, essa observação não-participante
se caracteriza por ser uma observação direta, pois “integra toda a investigação
observacional feita no terreno em contacto direto com o grupo de observados e o
contexto envolvente” (SANTOS, 1994, p.7).
O dispositivo escolhido para a captação dos conteúdos foi um dispositivo
móvel com capacidade de gravação de áudio, garantindo assim a fidelidade na
documentação das narrativas dos participantes. Essa abordagem diversificada de
coleta permitiu uma compreensão mais abrangente das percepções e experiências
dos professores, enriquecendo a análise dos dados e possibilitando uma
perspectiva mais completa sobre a temática em estudo.
A amostra deste estudo compreendeu um total de quatro participantes, todos
eles profissionais atuantes no contexto da educação básica. Os participantes
possuíam formação em diferentes áreas de Licenciatura, abrangendo Educação
Física, Inglês e Pedagogia. Essa seleção diversificada de participantes permitiu a
obtenção de perspectivas variadas, enriquecendo a compreensão das percepções
sobre a formação docente e suas implicações na prática educacional.

Resultados e Discussão

1. A importância da troca e compartilhamento

A troca de saberes e práticas entre os colegas de profissão é um assunto


pertinentemente tocado em diferentes esferas quando o tema é formação de
professores (GATTI et al, 2019, NÓVOA, 2022, ROLDÃO, 2007).
Nóvoa (2022), ao tratar sobre mudanças na escola atual, afirma que umas das
principais mudanças é em relação a postura profissional do docente, de acordo com
o autor “é a passagem de um professor individual, que trabalha sozinho com a “sua”
turma de alunos, para um trabalho conjunto entre professores, no quadro de uma
diversidade de formas de organização pedagógica” (NÓVOA 2022, p.85)
Deste modo, os excertos mencionados das entrevistas, corroboram à assertiva
supracitada ao responder quais são os fatores facilitadores de suas práticas no
cotidiano escolar, e não surpreendentemente, distintos participantes chegaram ao
mesmo fator: o trabalho em equipe.
Por exemplo, a tia Lu [professora regente] conhece todos os
meninos. Conversar com ela sobre o planejamento do que posso
fazer com eles facilita minha prática (Professora de Inglês)

Aqui na escola eu acho uma escola muito preparada, eu acho que


todo mundo conhece todo mundo e tem cartas na manga. É. Então
essa troca de experiência de professores facilita muito a minha
prática. (Professora de Inglês)

Como evidenciado pela professora, o momento de compartilhar experiências


desempenha um papel crucial em sua capacidade de compreender e resolver
situações conflituosas na realidade educacional. Ela utiliza a metáfora "ter uma carta
na manga" para ilustrar que, nesse processo colaborativo, sempre existe alguém
que possui uma solução ou abordagem alternativa.
Esse contexto de troca constante de conhecimentos proporciona um ambiente
em que os professores podem contar com a expertise uns dos outros para enfrentar
os desafios que surgem e principalmente estruturar de modo mais assertivo o
planejamento. Gatti et al (2019, p.132) revelam a partir de seus estudos que a
“reflexão será mais produtiva, no contexto da docência, se for realizada em conjunto
com outros professores, no diálogo e na troca sobre situações vividas no contexto
da sala de aula”.
Neste sentido, na fala do professor de Artes fica evidente a importância do
compartilhamento e das trocas profissionais entre os professores:
A Pedagogia está me mostrando coisas que eu não tinha noção, né?
Então assim, é tudo muito novo. Eu aprendo aqui com as outras
professoras.

Portanto, como afirma Nóvoa (2022, p.86-87)

Ninguém se torna professor sem a colaboração dos colegas mais


experientes. Começa nas universidades, continua nas escolas.
Ninguém pode ser professor, hoje, sem o reforço das dimensões
coletivas da profissão.

Isso reflete a ideia de que a educação é um esforço conjunto, e a troca de


conhecimento e experiência entre professores é fundamental para o sucesso da
educação como um todo. Essa prática pode começar nas universidades e continua
nas escolas, enfatizando que ser professor hoje requer a valorização das dimensões
coletivas da profissão.

2. Na teoria é uma coisa, na prática é outra. Será?

A dicotomia teoria-prática é muitas vezes levantada em estudos que se referem


à formação docente, sendo essa inicial ou continuada. Estudos desta natureza
(GATTI et al, 2019, NÓVOA, 2022, ROLDÃO, 2007) trazem a problemática à tona ao
referirem sobre a percepção de professores desta relação.
Nesta esteira de pensamento, Gatti et al (2019, p. 19) embasadas nos estudos
de Tardif (2002) trazem uma relação relevante entre teoria-prática, a partir das
explicações sobre a caracterização da graduação, de acordo com as autoras
supracitadas,
os cursos de licenciatura, responsáveis pela formação de
professores para as diferentes áreas curriculares da educação
básica, têm um papel fundamental não só na construção da
identidade dos professores e na sua socialização profissional mas,
também, na aproximação das relações entre o conhecimento
universitário e a atividade profissional, considerada como um espaço
prático de produção, de transformação e de mobilização de saberes
e, consequentemente, de teorias, de conhecimentos e de saber-fazer
específicos do ofício de professor

Ressalta-se que é a partir da formação inicial que o (futuro) docente iniciará


seu contato com as especificidades e identidade professorais (GATTI et al, 2019) e a
partir desta primeira formação que o sujeito articula a teoria das pesquisas com a
prática profissional.
Em contraste ao que as pesquisadoras apontaram sobre a formação inicial, as
respostas durante entrevista, mostraram que os professores não percebem o diálogo
entre teoria e a prática:
Contribuiu, mas na escola é outra realidade né? É totalmente
diferente, porque você tem que sentir o ambiente, a necessidade do
público que no caso são as crianças e aí você vai moldando de
acordo com a proposta também da escola. Mas de forma geral ajuda.
Te dá um norte né? Mas a realidade é diferente... (professora de
Educação Física)

Quando perguntada sobre as contribuições de sua formação inicial, a


professora de Inglês se contradiz inicialmente pois relata que foi onde aprendeu a
conhecer a legislação educacional, BNCC, fazer planejamento etc. Entretanto,
posteriormente, desenvolvendo seu raciocínio expõe severas críticas quanto a sua
experiência universitária.
A experiência universitária não me promoveu nada semelhante ao
que vivo em sala de aula (...) nenhuma das aulas, nos três anos de
faculdade que eu fiz, trouxeram a como agir quando o aluno bate
(Professora de Inglês)

Outro relato significativo, e que contrapõe a opinião de que a formação inicial


não contribui para a prática escolar, se revelou nesse excerto, no qual professor de
Artes, que está atualmente cursando Pedagogia, reflete;
(...) muitas coisas que eu fazia que eu não sabia, a pedagogia fez.
Eu já venho da prática e agora a teoria está mostrando pra mim que
eu tô no caminho certo, então a faculdade tá valendo por isso.
Neste sentido, mesmo ao se referir e refletir sobre a importância da graduação
em Pedagogia, incorre-se ao risco de se cair no “aplicacionismo”, como infere
Roldão (2007) ao problematizar a formalização dos saberes docentes. De acordo
com a pesquisadora, há uma dicotomia na formalização dos saberes docentes, ou é
o saber pelo saber, ou seja, o praticismo, a prática pela prática ou também chamado
de tecnicismo, o que é muito evidente nas falas da professora de Educação Física, e
de Inglês ou na outra face, o que a autora chama de aplicacionista, ou seja “da
teoria à prática” (ROLDÃO, 2007, p. 98), corroborado com a fala do professor de
Artes.
Embora o professor não atribua totalmente os créditos em benefício de sua
formação inicial, como expresso nos excertos já mencionados, Gatti et al. (2019)
rebatem as críticas ao recuperar em suas pesquisas a importância da formação
inicial para os professores,
a formação inicial nas graduações tem, assim, um peso considerável
na construção da profissionalidade e da profissionalização docente,
ou seja, na reconversão de saberes do senso comum em
conhecimentos fundamentados, na criação de possibilidades de
desenvolvimento de saberes, habilidades, atitudes e valores que
constituem a especificidade do ser professor (GATTI et al, 2019,
p.19).

Nesse contexto, quando questionadas sobre as suas jornadas de aprendizado


como docentes, as professoras de Educação Física e a professora Regente,
afirmam que o aprofundamento científico desempenhou um papel fundamental no
aprimoramento de suas práticas. Nessas falas, elas enfatizam que os aspectos da
teoria e da prática não estão separados, mas sim interligados de maneira
significativa.
Eu acho que foi o estudo. Porque cada criança vem com um
comportamento e com uma necessidade. As vezes o que você não
aplica pra um não vai surtir efeito na outra. (...) então você vai buscar
também pros colegas e estudo. (Professora de Educação Física)

Eu acho que na pós-graduação. (...) acho que na prática do dia a dia


com as famílias me ensinou muito. Por que o professor pode ver [a
criança] (...) passando mal. Hoje ele não entregou a tarefa, mas por
quê? (...) Busco ajudar e entender a família, entender o lado da
família. (Professora regente)

Para superar a dicotomia teoria-prática é imprescindível que haja uma


mudança de perspectiva de formação de professores
coloca-se como fundamental tanto mudar a concepção mais vigente
sobre “prática” e “teoria” como opostos, quanto mudar a concepção
de prática como mera aplicação direta de teorias aprendidas ou
mediadas por técnicas, ou como mero uso mecânico de receituário
de técnicas (GATTI et al,2019, p.20).

Neste sentido, Roldão (2007) reitera que o saber teórico-prático é “o


conhecimento teórico produzido ou mobilizado pelos atores na prática de ensinar”
(ROLDÃO, 2007, p. 98), ou seja, “o saber fazer, saber como fazer, e saber porque
se faz” (ROLDÃO, 2007, p.98).
É inegável a magnitude desafiadora que as salas de aulas trazem consigo é
bem verdade. Mas o ser humano é heterogêneo, volátil e dotado de uma imensa
diversidade de aspectos que refletem no ambiente escolar. Fica praticamente
impossível que os cursos de formação inicial consigam abordar tantas camadas que
desbravem todas as situações conflitantes que um professor pode se deparar ao
ingressar na profissão. É nesse sentido que se recomenda uma formação
constantemente contínua e inacabável, para dar conta dessa diversidade de fatores
que acompanham os estudantes e suas questões.
Gatti et al (2019, p.19-20) esclarecem que:

formação continuada ajuda o docente a avançar nesses aspectos e


contribui com aprofundamentos, reavaliações de práticas e
perspectivas, reconfiguração de representações e ideias que vão se
configurando no tempo por meio da atualização constante de
conhecimentos, da reflexão individual e coletiva sobre a própria
prática e sobre sua cultura, suas experiências pessoais e
profissionais.

Posteriormente, questionados sobre as dificuldades da profissão encontradas


no dia a dia, os professores têm respostas distintas.
Nossa, ali na verdade tem muito. Primeiro que começa pelo espaço
físico, né? As crianças têm muito desfoque por conta de coisas
externas. (Professora de Educação Física)

Tudo. Ser professor é difícil. Acho que meu maior desafio é ter que
me adaptar o tempo inteiro(...)então tem que se adaptar até pela
inclusão. (Professora de Inglês)

Sobre os desafios de ser professor e como preparar os (futuros) docentes,


Gatti et al (2019) asseveram que
Uma perspectiva educacional associada às práticas de formação
com ênfase no desenvolvimento do conhecimento profissional
constitui elemento essencial para formar um pensamento educativo,
uma imagem do trabalho no magistério, tendo em vista preparar
profissionais que lidarão com a socialização e a humanização de
semelhantes por meio da mediação com a cultura, com processos
deontológicos e com o conhecimento. Trata-se, portanto, de preparar
profissionais para um trabalho complexo que envolve conhecimentos
específicos, advindos de várias áreas, que se entrecruzam

Portanto, para a superação da dicotomia teoria-prática as formações


docentes, sejam continuadas ou iniciais, dentro das escolas ou sejam de forma
colaborativas, necessitam rever suas concepções de ensino-aprendizagem, sua
perspectiva educacional e suas práticas de formação profissional, superando a
formação docente em que teoria está sobreposta à prática (e vice-versa) para uma
formação em que a teoria e a prática dialoguem.

3. A Formação contínua acontece nos diálogos e partilhas do chão


da escola

Torna-se claro que o processo de formação pode ser conduzido internamente


na própria escola mediado pelos indivíduos que a compõem como aponta
Bradenburg, Pereira e Fialho (2019), embasados no teórico Donald Schön. Por meio
da partilha, da troca, do ensino mútuo e do acolhimento, estabelece-se um ciclo
contínuo e interativo de aprendizado. Nesse contexto, o professor de Artes quando
perguntado sobre o que acha mais importante em uma escola reflete:
Eu acho que é o diálogo. O diálogo, de entender o que tá
acontecendo nessa turma. Do Porquê essa turma não é igual a turma
da mesma série? Da mesma idade?
Tem escola que nem conversa. Eu acho que aqui se tivesse um
alojamento, muitos de nós iam passar a noite aqui. (risadas)
(Professor de Artes)

Podemos observar a percepção do professor em relação aos benefícios dessa


colegialidade instaurada intencionalmente (ou não) pela escola. Bradenburg, Pereira
e Fialho (2019), contribuem ao afirmarem que a concepção de prática reflexiva
docente de Schön é interpretada como uma maneira pela qual os professores se
tornam agentes formativos de si mesmos.
O processo da reflexividade é interpretado por (SOUZA-SILVA e DAVEL 2007
apud DEWEY 1933, p. 9) como a “ativa, persistente e cuidadosa consideração de
qualquer crença ou suposta forma de conhecimento”. Nesse contexto, a colaboração
entre colegas se torna um veículo para a criação de novos conhecimentos, visando
ao aprimoramento contínuo de suas habilidades.
Com o relato, perguntou-se se as ideias que originam às estratégias e ações
para as aulas partem somente dele ou em conjunto. O professor conclui sua fala
dizendo:
Então eu acho que o papel nosso como professor é inspirar outros
professores, não ter medo da concorrência, né? (...) porque assim,
como existe o nosso jeito existe outro jeito de se fazer também, e
que muita gente acredita. (Professor de Artes)

Essa partilha e inspiração das práticas executadas pelos pares, também pode
ser observada por exemplo, nos corredores das instituições, na sala dos
professores, reuniões ou momentos mais descontraídos entre os profissionais. Isso
pode acontecer por diversos fatores como por exemplo a falta de tempo destinada
aos docentes, a falta da intencionalidade reflexiva dos horários de trabalho coletivos,
dentre outros que não vamos aqui aprofundar. Ao serem questionados sobre como
se sentem em relação a abertura que a gestão dá para essa interação, os relatos
foram muito positivos e demonstram essa importância no ato de se estabelecerem
essas trocas.
É, tanto com a professora de sala, com as coordenadoras, com a S.
[diretora], elas são muito abertas pra isso, muito. Pra qualquer coisa
que eu precisar, o que eu precisar abordar ou alguma situação que
aconteceu, total liberdade, total liberdade. (Professora de Educação
Física)

Não, é maravilhoso! Eu antes, quando cheguei, o planejamento, tem


meu jeito de dar aula. Eu tive muita liberdade, A S. [diretora] e a R.
[coordenadora] não me impuseram nada, a gente conversou. (...)dão
muito liberdade para a criação teatral. É tipo como se eu tivesse um
grande ateliê. (Professor de Artes)

Foi possível notar essa interação diária entre os membros da equipe escolar,
incluindo a direção e coordenação sobre essa troca mencionada pelos docentes.
Durante os momentos das observações não-participante, foi percebido que o
momento do lanche nos horários de intervalo dos professores configura-se como o
momento mais propício para que ocorresse essa troca. As salas destinadas aos
professores acolhem sentimentos e partilhas mútuas sobre a intensiva realidade
escolar.
No universo escolar, surgem conversas variadas, que vão desde desabafos
sobre os dias exaustivos da profissão até compartilhamentos pessoais. Essa
diversidade de interações reforça a importância de um clima escolar saudável e bem
estabelecido. Os diálogos e trocas entre os educadores podem ser um canal crucial
para promover uma formação contínua e uma estruturação coletiva de
conhecimentos entre a equipe (NÓVOA, 2022).

Conclusão

Como destacam Fullan e Heargreaves (2000), a prática docente isolada e


não partilhada entre os demais classifica-se como uma heresia no contexto da
evolução e desenvolvimento na educação. Podemos observar ao longo das
análises do presente estudo a importância dessa colaboratividade.
As análises das entrevistas evidenciaram a percepção dos professores
diante da precariedade de suas formações devido à distância da prática e teoria
propiciada pelos cursos de Licenciatura.
Um elemento essencial para estabelecer um clima escolar saudável e para a
formulação de estratégias mais eficazes, diz respeito à abertura ao diálogo e ao
compartilhamento de informações entre os professores e a gestão escolar (direção
e coordenação). Nos depoimentos apresentados, os profissionais refletem e
relatam a liberdade que eles possuem para desenvolverem suas atividades e
planejarem projetos dentro deste ambiente. Eles também destacaram que se
sentem à vontade para buscar esclarecimentos e solicitar apoio sempre que algo
não saia conforme o planejado ou quando se deparam com situações
desconhecidas.
Concordando com os relatos sobre o clima escolar estabelecido pela gestão
e professores no que diz respeito à boa comunicação, durante as observações não-
participante no ambiente escolar em que trabalhavam os entrevistados, foi possível
perceber esse sentimento entre os profissionais. A presença da interação entre
gestão e o corpo docente foi um fator positivo encontrado na instituição e que
evidenciou esta importante conduta colaborativa.
Fica claro que não existe uma perspectiva única ou um tipo de formação
padronizada que possa resolver todas as complexas questões que emergem.
Entretanto, essa parceria revela-se fundamental para o avanço coletivo e é
aplicável em variados cenários, não se limitando ao ambiente universitário, mas
encontrando seu lugar dentro do contexto escolar e que pode ser intencionalmente
feito pelos próprios membros da equipe.

Referências
BRANDENBURG, Cristine; PEREIRA, Arliene Stephanie Menezes; FIALHO, Lia
Machado Fiuza. Práticas reflexivas do professor reflexivo: experiências
metodológicas entre duas docentes do ensino superior. Rev. Pemo, Fortaleza,
v. 1, n. 2, p. 1-16, 2019. Disponível
em:https://revistas.uece.br/index.php/revpemo/article/view/3527

FULLAN, Michael.; HARGREAVES, Andy. A escola como organização


aprendente: buscando uma educação de qualidade. 2. ed. Porto Alegre: Artes
Médicas, 2000.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática


educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

GATTI, Bernardete, Angelina et al. Professores do Brasil: novos cenários de


formação. Brasília, DF: Unesco. Acesso em: 19 ago. 2023. 2019

GIL, Antonio. Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo:
Atlas, 2008.

LAKATOS, Eva. Maria; MARCONI, Marina. Andrade. Fundamentos da


metodologia cientifica. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
LIBÂNEO, J. C. Pedagogia e pedagogos, para quê? São Paulo: Cortez, 1998.
NÓVOA, António. Escolas e professores: proteger, transformar, valorizar. Col.
Yara Alvim. Salvador: SEC/IAT, 2022.

ROLDÃO, Maria do Céu. Função docente: natureza e construção do


conhecimento profissional. Revista Brasileira de Educação, v. 12, n. 34, p. 94-103,
jan./abr., 2007.

SANTOS, Marta. A observação científica. Porto-Portugal: Centro de Psicologia


Social, 1994.

SOUZA-SILVA, Jader. C. de; DAVEL, Eduardo. Da ação à colaboração reflexiva


em comunidades de prática. Revista Administração de Empresas, São Paulo, v.
47, n. 3, p. 53-65, set. 2007.

SZYMANSKI, Heloísa. Entrevista reflexiva: um olhar psicológico para a


entrevista em pesquisa. Psicologia da Educação, São Paulo, n. 10/11, p.193-215,
2000.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17. ed. Petrópolis, RJ:


Vozes, 2014.

YUNES, Maria Ângela Mattar; SZYMANSKI, Heloísa. Entrevista reflexiva e


grounded-theory: Estratégias metodológicas para compreensão da resiliência
em família. Revista Interamericana de Psicología/Interamerican Journal of
Psychology, v. 39, n. 3, 2005.

Você também pode gostar