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Discurso do sujeito coletivo na prática

Book · April 2021

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3 authors:

Joscélia Brito Iani Dias Lauer Leite


Universidade Federal do Sul da Bahia, Porto Seguro Universidade Federal do Oeste do Pará
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Jaílson Santos de Novais


Universidade Federal do Sul da Bahia
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Joscélia Monteiro Santos de Brito
Iani Dias Lauer-Leite
Jaílson Santos de Novais

UFSB
Porto Seguro
ISBN 978-65-87232-06-5 2021
Joscélia Monteiro Santos de Brito
Iani Dias Lauer-Leite
Jaílson Santos de Novais

ISBN 978-65-87232-06-5

UFSB
Porto Seguro
2021
2021 MIRIM – Crianças, Infâncias e Natureza

Licença Creative Commons – Atribuição – Não Comercial – Compartilhamento pela mesma licença 4.0 Internacional. É permitida a reprodução parcial ou total
desta obra, desde que citada a fonte.

Esta produção revisada por pares constitui uma parceria entre o grupo de estudos MIRIM – Crianças, Infâncias e Natureza, do Jardim Botânico Floras da
Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), e o Programa de Pós-graduação em Ciências e Tecnologias Ambientais (PPGCTA), um programa associativo entre a
UFSB e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), campus Porto Seguro.

Universidade Federal do Sul da Bahia


Reitora
Joana Angélica Guimarães da Luz

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia


Reitora
Luzia Matos Mota

Coordenação do PPGCTA Conselho editorial desta obra


Catarina da Rocha Marcolin (UFSB) Dra. Irani Lauer Lellis, UFOPA
Allison Gonçalves Silva (IFBA) Dra. Lina Rodrigues de Faria, UFSB
Dr. João Rodrigo Santos da Silva, UFABC
Coordenação do Jardim Botânico Floras Dr. Roberto do Nascimento Paiva, UFOPA
Jorge Antonio Silva Costa
Revisão
Coordenação do MIRIM – Crianças, Infâncias e Natureza Roberto do Nascimento Paiva
Jaílson Santos de Novais
Capa e diagramação
Jaílson Santos de Novais

Livro editado usando Scribus, um software livre de editoração eletrônica.

Universidade Federal do Sul da Bahia


Campus Sosígenes Costa
Rod. Porto Seguro-Eunápolis, BR 367, Km 10
CEP 45810-000
Porto Seguro, BA, Brasil
https://www.ufsb.edu.br/

MIRIM – https://sites.google.com/csc.ufsb.edu.br/mirim/
PPGCTA – https://www.ufsb.edu.br/cfcam/pos-graduacao/ppgcta
Prefácio.......................................................................................................................5
Apresentação............................................................................................................ 6
1 O QUE É O DSC?............................................................................................... 7
1.1 Origem dos dados verbais.............................................................................. 9
1.2 Como coletar os dados por meio da entrevista........................................9
1.3 DSC e o uso de software................................................................................11
2 FIGURAS METODOLÓGICAS: CONCEITO E PRÁTICA........................ 12
2.1 Expressão-Chave (ECH).................................................................................. 13
2.2 Ideia central (IC)............................................................................................... 14
2.3 Ancoragem (AC)............................................................................................... 16
2.4 Discurso do Sujeito Coletivo (DSC)............................................................ 17
3 PASSO A PASSO PARA REALIZAR O DSC.................................................. 19
3.1 Primeira etapa: Instrumento de Análise do Discurso 1 (IAD 1).............20
3.1.1 Primeiro passo................................................................................................20
3.1.2 Segundo passo................................................................................................ 21
3.1.3 Terceiro passo................................................................................................. 22
3.1.4 Quarto passo..................................................................................................25
3.1.5 Quinto passo.................................................................................................. 25
3.2 Segunda etapa: Instrumento de Análise do Discurso 2 (IAD 2)............. 28
3.2.1 Primeiro passo................................................................................................28
3.2.2 Segundo passo................................................................................................ 29
4 APRESENTAÇÃO DO DSC.............................................................................. 31
4.1 Outras formas de apresentar o DSC........................................................... 35
5 PRATIQUE UM POUCO MAIS........................................................................ 39
REFERÊNCIAS..........................................................................................................45
SOBRE NÓS............................................................................................................. 49
5

A busca pelo conhecimento tem se constituído em uma jornada incansável da humanidade ao longo
dos séculos de sua existência. A ciência, como uma das formas de produção de conhecimento, tem
permitido alimentar esse desejo cada vez mais saciado com novos procedimentos de investigação, o que
tem elevado a possibilidade de apreensão da realidade social, biológica e da natureza. À medida que os
novos procedimentos avançam é necessário também encontrar técnicas que permitam analisar e
compreender os fenômenos/fatos/evidências que surgem com os mais diversos processos de pesquisa. Este
livro apresenta uma dessas técnicas.

Os autores, com base em suas experiências na Graduação e Pós-graduação, apresentam um guia


para o uso da técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), para jovens iniciantes e pesquisadores que
militam na pesquisa qualitativa e desejam analisar os textos verbais provenientes de suas investigações. A
obra apresenta o aporte teórico que subsidia essa técnica de análise, permitindo ao leitor consultar suas
fontes primárias. A objetividade e praticidade do livro leva o leitor não só à compreensão da técnica do
DSC, como também cria a oportunidade de experimentá-la à medida que avança na leitura dos capítulos.

O capítulo um é dedicado às definições e aos esclarecimentos quanto ao tipo de dado necessário


para possibilitar o uso do DSC, assim como à forma de produzi-lo. Os autores também fazem alusão aos
softwares que podem auxiliar os pesquisadores na análise de textos, principalmente quando esses são
oriundos de informações de muitos participantes. O segundo capítulo apresenta e conceitua as figuras
metodológicas usadas por essa técnica e, ao mesmo tempo, demonstra alguns exemplos que permitem a
identificação dessas figuras no texto. No terceiro capítulo, os autores detalham o passo a passo do
processo de análise, com vários exemplos que facilitam a aprendizagem. O quarto capítulo traz as
diferentes formas de apresentação do DSC, dando a opção ao pesquisador pela categorização ou
quantificação dos resultados qualitativos, ampliando assim as possibilidades de demonstração dos achados
do estudo. O livro traz ainda um quinto capítulo com exercícios para aprimorar o conhecimento.

Sem dúvida, este livro se coloca como guia teórico-prático e ajudará aqueles que buscam ampliar os
conhecimentos sobre o DSC como perspectiva de análise de dados qualitativos verbais e, por isso, tem
potencial para se tornar uma fonte de consulta relevante no contexto da pesquisa, tanto para aqueles que
iniciam sua jornada científica, quanto para aqueles que já possuem experiências com a pesquisa consolidada
e buscam novas metodologias de análise.

Edna Ferreira Coelho Galvão


Profa. do Mestrado e Doutorado em Ensino em Saúde – UEPA
Profa. do Mestrado em Ciências da Sociedade – UFOPA
6

E ste material foi produzido em uma parceria entre o MIRIM–Crianças, Infâncias e Natureza, um grupo
de estudos do Jardim Botânico Floras, e o Programa de Pós-graduação em Ciências e Tecnologias
Ambientais, um mestrado associativo entre a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e o Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA). Produzido com o objetivo de auxiliar o
pesquisador que deseja aplicar a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) para analisar dados
qualitativos, é um material em linguagem simples que dispõe de um passo a passo para todas as fases de
construção do DSC. Portanto, pode ser bastante útil, principalmente, para quem nunca teve contato com
essa técnica e pretende utilizá-la, após o estudo aprofundado do referencial teórico que a embasa.

De início, o capítulo O que é o DSC? introduz o que é, para que serve e que tipo de dado pode ser
analisado por meio da técnica do DSC. Na sequência, apresenta breves sugestões sobre como coletar
dados por meio de entrevista, tendo em vista que a qualidade da coleta impacta diretamente na qualidade
da análise dos dados. Embora o presente passo a passo não dependa do uso de softwares, destacamos que
essas ferramentas auxiliam a análise dos dados. Todavia, caso haja interesse, recomendamos que o
pesquisador faça outras leituras que aprofundem essa temática.

O capítulo Figuras metodológicas: conceito e prática apresenta as figuras metodológicas empregadas na


técnica do DSC: expressão-chave (ECH), ideia central (IC), ancoragem (AC) e discurso do sujeito coletivo
(DSC) propriamente dito. Portanto, nesse capítulo, conceituamos e mostramos na prática como tais figuras
metodológicas são utilizadas na composição do DSC.

Na sequência, o capítulo Passo a passo para realizar o DSC mostra detalhadamente como usar o
Instrumento de Análise de Dados 1 (IAD 1) para identificar as ECH, IC e AC, de modo que o leitor possa
aplicar todo o passo a passo para analisar os dados de sua pesquisa. O mesmo ocorre no item Instrumento
de Análise de Dados 2 (IAD 2), onde apresentamos como é composto o DSC, na prática.

No capítulo Apresentação do DSC, demonstramos alguns exemplos de como apresentar a síntese das
IC, bem como o DSC (discurso-síntese), considerando tanto os aspectos qualitativos quanto os
quantitativos da análise.

Por fim, o capítulo Pratique um pouco mais fornece alguns exercícios para consolidar a técnica do
DSC. Seguindo atentamente todos as orientações desse material, acreditamos que o leitor seja capaz de
fazer suas próprias análises com segurança e êxito.

Bons estudos!

Os autores
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O Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) é uma técnica de análise de dados qualitativos que possibilita
também quantificar e verificar a distribuição estatística desse pensamento coletivo (LEFÈVRE;
LEFÈVRE, 2005; AZEVEDO; CHIARI; GOULART, 2013; MARINHO, 2015). Foi desenvolvida no final da
década de 1990, na Universidade de São Paulo (USP), pelo casal Ana Maria C. Lefèvre e Fernando Lefèvre
(AZEVEDO; CHIARI; GOULART, 2013), com o intuito inicial de atender a análises qualitativas em saúde.
Todavia, a técnica traz grande contribuição para a pesquisa social e pode ser empregada em qualquer área
de estudo que envolva dados verbais, pois demonstra ser eficaz para processar e expressar as opiniões
coletivas (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2006).

Em síntese, o DSC é um método para organizar e tabular dados qualitativos de natureza verbal que
dá origem a um discurso-síntese elaborado em primeira pessoa do singular utilizando partes de discursos
com sentido semelhante, por meio de procedimentos sistemáticos e padronizados. Por isso, a grande
contribuição do DSC é justamente compor depoimentos sem reduzi-los meramente a quantidades
(LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2005). Para fazer a análise são utilizados discursos integrais dos sujeitos da pesquisa e
neles são identificadas as figuras metodológicas: Expressões-Chave (ECH), Ideias Central (IC) e Ancoragem
(AC), cujos conceitos serão melhor explicitados no Capítulo 2.

O DSC está fundamentado na Teoria das Representações Sociais[1] e possibilita conhecer


pensamentos, representações, crenças e valores de uma coletividade a partir da expressão individual sobre
um determinado tema, considerando que essas representações são uma forma de conhecimento,
socialmente elaborado e partilhado, de uma realidade comum a um grupo social (OLIVEIRA et al., 2018).

Antes de adentrar na explicação do Discurso do Sujeito Coletivo, é importante compreender em


que consiste a Teoria das Representações Sociais. Essa teoria trata de fenômenos que são observáveis ou
que podem ser reconstruídos mediante o trabalho científico. Esses fenômenos são geralmente encontrados
nas mensagens veiculadas de diferente maneiras, por exemplo, na mídia, e estão consolidadas nas condutas
das pessoas. Assim, as representações sociais são uma forma de conhecimento que é elaborado e
compartilhado socialmente, tendo um objetivo prático. Nesse sentido, contribui para a contrução de uma
realidade que é comum a um determinado conjunto social. Ainda que seja um conhecimento do senso
comum e não científico, torna-se objeto de estudo científico, dado que traz conhecimentos úteis de
processos cognitivos e interações sociais (JODELET, 2010).

Tomado esse conceito inicial sobre a Teoria das Representações Sociais, podemos afirmar que o
Discurso do Sujeito Coletivo é uma estratégia metodológica para investigar representações sociais sobre
diversos fenômenos presentes nas coletividades.Além disso, os resultados produzidos pelo DSC podem ser
eficazes como recursos de intervenção social, tais como programas educativos, campanhas de saúde,
avaliação de serviços públicos e privados. Podem, ainda, auxiliar no aprimoramento de programas políticos
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governamentais e promover diagnósticos para a gestão participativa, dentre outras aplicações (LEFÈVRE;
LEFÈVRE, 2014; COSTA-MARINHO, 2015).

Como mencionado anteriormente, a proposta do DSC visa basicamente analisar dados qualitativos
de natureza verbal. Portanto, para que a reconstrução do discurso seja possível, é necessário coletar a
matéria-prima, ou seja, os discursos verbais. O método mais utilizado para isso é a entrevista.Todavia, esses
dados podem ser colhidos de depoimentos, artigos, matérias de revista semanais, cartas, entre outros
(LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2005).

Deste modo, ao fazer o delineamento da sua investigação, o pesquisador precisa definir a forma
mais apropriada de coleta de dados e a quantidade necessária de depoimentos individuais (amostra) sobre
o tema em estudo.

Para os criadores do DSC, quanto maior a amostra ou número de depoimentos individuais, eleva a
possibilidade de obtenção de detalhes que resgata com maior riqueza o imaginário do grupo social
estudado. Entretanto, ao definir a amostra, é preciso que o pesquisador esteja atento quanto a viabilidade
operacional e técnica para analisar os depoimentos individuais coletados, uma vez que, muitos deles são
grandes e complexos (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2005).

Estando com os dados em mãos, o pesquisador analisará cada uma das expressões individuais,
extraindo delas as ideias centrais e ancoragens presentes na fala de cada sujeito. Em seguida, destacar as
expressões-chave correspondentes a essas ideias centrais e ancoragens encontradas nos discursos
individuais (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2005).

A seleção das técnicas a serem empregadas para coletar dados em uma pesquisa, seja ela de
abordagem qualitativa, quantitativa ou mista, depende do delineamento inicial da pesquisa. Portanto,
devemos partir da pergunta central que buscamos responder e dos objetivos que pretendemos alcançar ou
das hipóteses que queremos testar. Além disso, cabe lembrar que os dados coletados ao longo da pesquisa
precisarão ser analisados. Como isso será feito? Pensar nas técnicas mais adequadas para analisar os dados
também é uma etapa crucial no delineamento da pesquisa. Caso contrário, corremos o risco de coletar
uma infinidade de dados desnecessários e não saber como analisá-los corretamente. Ou, ainda, podemos
coletar dados aquém do necessário para responder satisfatoriamente à questão de pesquisa inicialmente
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proposta. Essas fragilidades podem ser evitadas com um planejamento bem elaborado da pesquisa.

Caso o pesquisador opte pela entrevista como instrumento de coleta de dados, Lefèvre e Lefèvre
(2005) propõem orientações para subsidiar o pesquisador tanto na elaboração do roteiro, quanto no
desempenho durante a realização da entrevista, com o intuito de direcionar a forma de resgatar as
representações sociais.

De modo bastante objetivo e esclarecedor, os autores pontuam sobre:

• A escolha intencional ou não dos sujeitos a serem entrevistados – ponderar a influência da escolha
sobre os objetivos da pesquisa;

• A melhor forma de elaborar o roteiro de perguntas – adequar as perguntas aos objetivos da


pesquisa, estruturar perguntas que levem a produção do discurso, resposta espontânea e não dirigida;
testar a clareza da(s) pergunta(s);

• Preparo dos entrevistados – padronizar a apresentação, obter anuência dos entrevistados, treinar
os entrevistadores;

• Preparo do ambiente para a entrevista – preservar a identidade do entrevistado, minimizar


problemas com ruídos, etc.;

• Preparo de equipamento – no caso de gravação, contribui para evitar perdas ou má qualidade da


gravação; e

• Clima da entrevista – manter clima informal com o cuidado de que o clima descontraído não
acarrete interferência do pesquisador.

Para se aprofundar no tema, sugerimos a leitura do Capítulo I, Parte II do livro O discurso do sujeito
coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos) (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2005).

Após coletar os dados por meio de gravação de voz, por exemplo, o próximo passo é transcrevê-
los atentamente, preservando todas as características da fala de cada entrevistado. Antes de começar a
aplicar a técnica do DSC em si, é recomendado que o pesquisador faça uma leitura completa do material
transcrito, a fim de familiarizar-se com o conjunto de dados, sem interpretá-los, por ora. Após essa
familiarização inicial, o primeiro passo para construir o DSC é dispor as transcrições das falas de cada
entrevistado no Instrumento de Análise do Discurso 1 (IAD 1), que será discutido mais adiante.

Um detalhe importante: o emprego da técnica do DSC deve ser um trabalho coletivo, devido ao
rico processo de discussão que se instaura no momento de analisar os discursos individuais, selecionar
expressões-chave, ideias centrais, ancoragens e, por fim, construir o DSC em si. Portanto, recomendamos
que a análise seja efetuada em dupla, em vez de por apenas um pesquisador, primando pela validade e
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confiabilidade da análise.

O passo a passo sugerido nesta obra independe do uso de softwares. É perfeitamente possível
adotar o DSC como caminho para analisar os dados da sua pesquisa de forma manual, como mostramos
nas páginas seguintes. Contudo, especialmente para amostragens amplas, a tecnologia auxilia na análise dos
dados qualitativos verbais, inclusive via DSC.

Desde a década de 1980 vem sendo desenvolvidos softwares de apoio à análise de dados
qualitativos (Computer Assisted Qualitative Data Analysis Software – CAQDAS). Estes softwares possuem
funcionalidades que permitem a indexação, a classificação e a busca de dados, tornando mais eficientes os
processos de codificação e categorização, além de possibilitarem consultas e apresentação de resultados de
formas mais sofisticadas. Existem softwares que, além de análise textual, são capazes de auxiliar na análise
de imagem, som, páginas web, posicionamento geográfico, entre outros. A maioria desses softwares são
pagos (e.g., Alceste, ATLAS.ti, Dedoose, MAXQDA, NVivo, Quirkos, webQDA etc.), todavia, existem alguns
deles livres (gratuitos) e/ou de código livre tais como Iramuteq, Aquad, Cassandre, RQDA,TAMS Analyzer,
entre outros. Vale ressaltar, porém, que nenhum software toma decisões sobre o direcionamento da
pesquisa, sobre como analisar os dados ou como codificá-los; eles têm o papel de otimizar o trabalho
manual do pesquisador (LAGE, 2011; COSTA; REIS; SOUZA, 2016; SOUZA et al., 2018).

O software que emprega de forma específica a técnica do DSC é o DSCsoft – antigo


Qualiquantisoft –, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa do Discurso do Sujeito Coletivo (IPDSC)[2]. O
DSCsoft é utilizado para desenvolver pesquisas de métodos mistos, possibilitando criar um banco de dados
com as respostas coletadas, classificando-as e agrupando-as para construir o DSC.

De acordo com Carvalho (2016), os autores Lefèvre consideram que o software pode fornecer
bons e diversificados resultados, tanto quantitativos quanto qualitativos, a partir das respostas e dos perfis
dos entrevistados. Além disso, o DSCsoft permite trabalhar com amostras relativamente grandes de
indivíduos e oferece ao pesquisador um amplo espectro de respostas categorizadas, gráficos e tabelas mais
elaboradas (CARVALHO, 2007).
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P ara concretizar o DSC é necessário ter bastante clareza quanto às figuras metodológicas abaixo, pois
elas serão os aportes usados durante todo o processo de análise dos dados:

São pedaços ou trechos de um discurso que revelam a essência do conteúdo desse discurso, ou
seja, apontam para uma ideia central (IC) ou para uma ancoragem (AC). Por isso, esses trechos dos
discursos individuais devem ser destacados pelo pesquisador no IAD 1, pois eles comporão o DSC
propriamente dito ao final das análises (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2005).

Observe o exemplo abaixo (Tabela 1) retirado de uma pesquisa sobre percepção ambiental em uma
comunidade que tem problemas com saneamento básico – fornecimento de água, esgotamento sanitário e
coleta de lixo (BRITO, dados não publicados). A questão analisada é a seguinte: O que você acha que deve
ser feito para melhorar o esgotamento sanitário da comunidade?

Na coluna expressões-chave, transcrevemos a resposta integral de cada entrevistado à pergunta


acima. As expressões-chave (ECH) foram destacadas pela pesquisadora para posterior classificação da(s)
ideia(s) central(is) e ancoragem(ns) presentes em cada discurso, se houver (Tabela 1). O discurso de cada
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entrevistado(a) pode apresentar mais de uma ECH. Essas podem corresponder a uma única ideia central ou
a ideias distintas.

Para treinar um pouco, destaque as expressões-chave (ECH) presentes nos enunciados abaixo
(Tabela 2), extraídos da mesma pesquisa (BRITO, dados não publicados) e adaptados para melhor atender
ao objetivo dessa apostila. Lembre-se que um mesmo discurso pode apresentar mais de uma ECH.

É um nome ou uma expressão que revela, descreve e nomeia, da maneira mais sintética e precisa
possível, o(s) sentido(s) presentes nas ECH homogêneas de cada resposta (manifestação verbal) analisada.
15

O nome ou a expressão utilizada em cada IC pode ser retirada literalmente da própria ECH, caso seja
curta e expresse de maneira eficiente a IC ou, se o pesquisador preferir, pode criar uma expressão ou
nome que melhor represente a IC. Não é obrigatório adotar um padrão único durante a análise.

A IC é como uma classificação ou categorização da ECH destacada, para auxiliar na junção de IC


similares no Instrumento de Análise do Discurso (IAD), posteriormente. Portanto, o pesquisador não
precisa, necessariamente, criar IC idênticas para expressar as ideias similares, pois elas serão agrupadas por
afinidade em fase seguinte da técnica do DSC, mesmo que suas expressões/nomes não sejam iguais
(LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2005;AZEVEDO; CHIARI; GOULART, 2013).

Observe no exemplo abaixo (Tabela 3), adaptado de Brito (dados não publicados), as ideias centrais
das expressões-chave destacadas. A questão analisada é: O que você acha que deve ser feito para melhorar
o esgotamento da comunidade?
16

Segundo Lefèvre e Lefèvre (2005, p. 52) “as ideias centrais são descrições do sentido encontrado
nas expressões-chave e não a interpretação” delas. Observe na tabela 3 que, no discurso dos entrevistados
codificados como E13, E58 e E78, foram encontradas duas ideias centrais no mesmo discurso. Essa situação
é comum no DSC, podendo ocorrer várias ideias centrais em um mesmo discurso individual. No presente
caso, cada ECH foi descrita por uma ideia central própria, mas, em alguns casos, pode haver mais de uma
ECH vinculada a uma única IC. Todavia, nesse momento focaremos apenas em como utilizar as figuras
metodológicas.

Agora, retome a tabela 2 identifique ou nomeie a(s) IC para as ECH que você identificou e destacou
anteriormente.

Algumas ECH remetem não apenas a uma IC, mas também podem corresponder à manifestação
linguística de uma ideologia, teoria ou crença genérica, em que o enunciador se apoia para enquadrar a
situação específica investigada.

Considerando que toda expressão é alicerçada em teorias, hipóteses e conceitos, podemos dizer
que por trás de todo discurso há uma ancoragem. Porém, a classificação de uma ECH como AC só deve
ocorrer quando as marcas linguísticas expressarem claramente uma ideologia genérica, para que o
intérprete (pesquisador) não corra o risco de classificar uma ECH como ancoragem equivocadamente. Ou
seja, só se classifica uma ECH como AC se elas estiverem concreta e explicitamente presentes nos
depoimentos (LEFÉVRE; LEFÈVRE, 2005; AZEVEDO; CHIARI; GOULART, 2013). Portanto, nem toda
pesquisa encontrará necessariamente ancoragens nos discursos dos interlocutores. E não há problema
algum nisso!

Usando a mesma pesquisa mencionada nas figuras metodológicas anteriores (BRITO, dados não
publicados), foi criado um enunciado verbal fictício, E78, para ilustrar a ocorrência de ancoragem (Tabela 4).
Lembrando que a questão analisada é: O que você acha que deve ser feito para melhorar o esgotamento da
comunidade?
17

Quando o entrevistado E78 afirma “políticos nunca vão resolver o problema, pois eles só querem
roubar o dinheiro do povo”, ele se propõe a responder a pergunta generalizando a ideia de que a falta de
resolução dos problemas relacionados ao saneamento está unicamente atrelada à corrupção dos políticos
brasileiros.

Em artigo publicado por Lefèvre et al. (2002), os autores fazem uma análise sobre os serviços
públicos de saúde a partir de ancoragens para produção do DSC (Tabela 5). Um dos objetivos do artigo é
enfatizar essa figura metodológica utilizando-a na prática.

Retome novamente a tabela 2 e observe se há dentre as ECH destacadas alguma que remeta à
ancoragem. Caso identifique alguma, insira na coluna correspondente qual é a ideia genérica apresentada no
enunciado.

O DSC propriamente dito é o discurso-síntese redigido na primeira pessoa do singular e que


resulta da reunião das expressões-chave de mesmo sentido, ou seja, de Ideias Centrais (IC) ou Ancoragens
(AC) semelhantes ou complementares.

O DSC é elaborado com trechos de todas a ideias centrais similares, mas, ilustrativamente,
considerando somente os dados expostos nas tabelas exemplificativas da tabela 3, se as ideias centrais dos
entrevistados E13, E26 e E41 forem agrupadas como ideias de mesmo sentido, poderíamos construir um
DSC para representar a IC Atuação do Estado, como uma das respostas à questão: O que você acha que
deve ser feito para melhorar o esgotamento da comunidade? (Tabela 6).

Perceba que, ao construir o DSC, foram empregados conectivos para dar coesão e tornar o texto
fluído e compreensível. Detalhes sobre a construção do DSC serão explicitados mais adiante. Os códigos
ao fim do DSC representam os entrevistados cujos discursos individuais contribuíram para compor o
discurso coletivo, o DSC.
18

Volte novamente à tabela 2 e observando as ideias centrais e ancoragens, se houver, identifique


aquelas que tenham sentidos semelhantes. Categorize as IC utilizando uma mesma letra maiúscula. Por
exemplo, se as IC identificadas nos discursos dos sujeitos E13, E26, E41 e E58 são similares, identifique-as
como sendo a categoria “A” e assim por diante.
19
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A gora que já compreendemos os conceitos e funcionalidades das figuras metodológicas, expressão-


chave, ideia central e ancoragem, veremos um passo a passo de como organizar uma planilha de
análise e construir o DSC na prática. A análise será dividida em duas etapas: Instrumento de Análise do
Discurso 1 (IAD1) e Instrumento de Análise do Discurso 2 (IAD2).

Considerando que os dados verbais podem ser coletados de diversas formas, antes de executar o
primeiro passo, é essencial que todos os dados coletados em formato de áudio já estejam transcritos e
organizados em arquivo de texto editável para proceder às análises que devem seguir rigorosamente a
ordem dos passos a seguir:

Caso a pesquisa tenha mais de uma pergunta a ser analisada por meio da técnica do DSC, elas
devem ser analisadas isoladamente. Ou seja, se aplicamos três questões, devemos analisar as respostas de
todos os interlocutores à questão 1, para depois analisarmos as respostas de todos os interlocutores à
questão 2 e, por fim, as respostas à questão 3. Não necessariamente nessa ordem.

Deste modo, após escolher a questão a ser analisada, devemos criar um arquivo especificamente
para a questão. Em seguida, criamos uma tabela com três colunas nomeadas como Expressões-chave
(coluna 1), Ideias Centrais (coluna 2) e Ancoragens (coluna 3). Copiamos integralmente o conteúdo das
respostas de cada entrevistado(a) à questão 1 na coluna expressões-chave, conforme modelo apresentado
na tabela 6. Sugerimos seguir a ordem dos respondentes, utilizando algum código ou numeração que os
identifique. Essa tabela utilizada na primeira fase da análise é chamada de Instrumento de Análise do
Discurso 1 (IAD 1). No IAD 1 você fará toda análise preliminar para identificar as ECH, IC e AC, se for o
caso.

Na tabela 7, apresentamos um modelo de IAD 1 com dados da pesquisa de Brito (dados não
publicados) sobre percepção ambiental e saneamento básico, conforme exemplos anteriores. Aqui, a
questão analisada é a seguinte: O que você acha que deve ser feito para melhorar a coleta e destinação do
lixo da comunidade?
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Após copiar fidedignamente a transcrição de todas as respostas da questão a ser analisada para o
IAD I, o pesquisador deve identificar e marcar em cada uma delas as expressões-chave encontradas. Para
fazer a marcação, pode ser usado o recurso gráfico mais conveniente para o pesquisador, tais como
destacar com uma cor, sublinhar, usar o negrito ou outro recurso (Tabela 8).

Ao analisar os dados para identificar as ECH, sempre que julgar necessário, retome a pergunta que
foi feita, a fim de identificar com maior clareza as ECH. Em respostas mais longas, “menos enxutas”, corre-
se o risco de, eventualmente, se perder em meio a inúmeras informações contidas nos enunciados. Por
outro lado, em respostas muito sintéticas, cuidado com a tentação de imaginar que, devido à curta resposta,
ali só há uma ECH e, consequentemente, uma IC. Isso nem sempre é verdade. Atenção redobrada a esses
equívocos! Por isso, é sempre aconselhável ter mais alguém para aplicar a técnica do DSC com você.

Para compreender melhor, vejamos a seguir discursos integrais transcritos a partir de uma
entrevista, como resposta à pergunta “Você gosta de viver atualmente em Caraíva? Por quê?” (Tabela 9).
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Perceba que no enunciado E03 as ECH identificadas e atribuídas à 1ª ideia central estão dispersas,
demostrando que em um enunciado pode haver várias ECH para a mesma ideia central, mesmo que as
ECH não estejam numa sequência no enunciado do entrevistado.

Após identificar as ECH de todas as questões da pergunta analisada, devemos proceder à


identificação das Ideias Centrais e Ancoragens (se houver) de cada ECH destacada (Tabela 8). Lembremos
que pode existir no mesmo enunciado ECH referentes a mais de uma IC. Portanto, onde houver mais de
uma IC, sugerimos identificar as respectivas ECH como 1ª ideia, 2ª ideia, 3ª ideia etc. Esse ordenamento se
refere apenas às ideias de um mesmo enunciado. Portanto, cada entrevista analisada que apresente mais de
uma IC recebe um novo ordenamento, conforme observamos em E01, E02, E03, e E04, na tabela 10.
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Observe que a ECH do interlocutor E05 possui a ideia central de que não existe solução para a
coleta e a destinação do lixo da comunidade, generalizando a ideia de que só grandes cidades têm o lixo
coletado e reciclado adequadamente. Vale destacar que as ECH dos enunciados E05 está destacada em
cinza e sublinhada porque são os trechos que representam a IC e, ao mesmo tempo, caracterizam-se como
ancoragem.

Outra questão importante é o nível de detalhamento que o pesquisador deseja ou precisa obter
nas análises. No exemplo utilizado na tabela 10, quase todas as respostas apontadas pelos entrevistados
estão relacionados à infraestrutura. Entretanto, como se pretende entender de forma mais detalhada com
que frequência essas respostas aparecem e por quais grupos sociais da comunidade elas são mencionadas,
optou-se por detalhar mais a classificação das IC.
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Vamos refletir! Quanto à expressão “Melhoria da administração pública”, presente no discurso E01
(Tabela 10), poderíamos estar à frente de um exemplo de ancoragem?

Possivelmente, sim, se o respondente fosse enfático ao afirmar que somente o poder público
poderia resolver o problema dos resíduos sólidos da comunidade, como se não houvesse outras ações que
pudessem resolver ou amenizar os problemas. Nesse caso, talvez fosse possível cogitar que há uma
expressão típica de ancoragem. Todavia, embora o sujeito da pesquisa tenha usado a expressão acima, ele
complementa a resposta citando o que, em sua opinião, poderia ser melhorado pelo Estado para a coleta
de lixo do povoado.

Lembrando que AC só deve ser assim classificada quando houver uma ideia explícita de uma teoria
ou ideologia. Ou seja, quando o pesquisador não tem dúvidas da existência da ancoragem.

Você se lembra que falamos no item 2.2 que as IC são nomeadas sem seguir necessariamente um
padrão ou um rótulo único? Agora é o momento de rotular e agrupar as IC e AC (se houver),
considerando os sentidos equivalentes ou complementares, conforme os nomes que lhes foram dados,
atribuindo-lhes uma classificação. No exemplo da tabela 11, atribuímos uma letra do alfabeto para cada
ideia semelhante. Todavia, o pesquisador pode fazer essa identificação por meio de uma cor ou outro
recurso que considerar mais eficiente.

Para cada grupo de ideias centrais e ancoragens categorizadas com o mesmo código (A, B, C, D e E)
devido à similaridade de sentido, é necessário criar uma ideia central que expresse o sentido de cada grupo
de ideias. O pesquisador pode retirar dos próprios enunciados similares uma frase ou uma expressão que
seja capaz de sintetizar a ideia central do grupo de ideias reunidas, o que facilita bastante o processo de
classificação. Alternativamente, o pesquisador pode criar um nome ou uma expressão para sintetizar as
ideias presentes nesse grupo de ideias centrais ou ancoragens. Para melhor compreender esse aspecto,
observe as tabelas 12 e 13.
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Depois de agrupar as ideias centrais iniciais similares em uma única IC, bem como as ancoragens (se
houver), devemos criar para cada uma delas um novo formulário de análise chamado Instrumento de
Análise do Discurso 2 (IAD 2), onde serão efetivamente elaborados os DSC.

No caso do exemplo que estamos utilizando, obtivemos as seguintes IC-síntese e AC-síntese, após a
categorização inicial. Portanto, precisamos de 05 IAD 2, um para cada:

A – Melhorar a administração pública; B – Melhorar a frequência da coleta;

C – Mudar a forma de transportar; D – Melhorar a infraestrutura;

E – Separação do lixo pelos moradores; F – Não tem solução porque é lugar pequeno

(Ancoragem: F – Só cidade grande tem coleta seletiva e reciclagem).

No IAD 2 sugerimos inserir uma tabela com três colunas onde serão dispostos: código de cada
entrevistado(a) (coluna 1), expressões-chave (coluna 2) e DSC (coluna 3). Na coluna de expressões-chave,
devemos inserir somente as ECH destacadas para a IC analisada naquele momento, conforme modelo
apresentado na tabela 14.
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Esse é o momento de construir o DSC de cada grupamento de ideias centrais. Para isso, é preciso:

1 – Sequenciar as ECH, dando a elas a melhor posição para elaborar um DSC com começo, meio e
fim, como ocorre em qualquer discurso com sentido lógico. Ou podemos partir da ideia mais geral para
ideias mais específicas presentes nas ECH. Portanto, ao compor o DSC, as ECH podem ser utilizadas na
ordem que melhor se encaixam no discurso, segundo a análise do pesquisador, e não, necessariamente, na
ordem em que se apresentam na coluna de ECH do IAD 2;

2 – Sempre que necessário, devemos inserir conectivos entre partes do discurso ou parágrafos, tais
como: então, assim, enfim, entretanto, todavia, logo, deste modo etc., para proporcionar coesão e fluidez ao
DSC. Esses conectivos não devem mudar o significado do que foi dito pelo entrevistado, eles servem
apenas para unir e dar mais sentido ao discurso;

3 – Caso as ECH revelem informações tais como gênero, idade, uma doença ou evento etc., que
possam particularizar os entrevistados, devemos eliminá-las. Lembremos que a ideia do DSC é dispor de
um discurso coletivo, portanto, particularizar o discurso com algo que identifique o respondente faz com
que ele perca esse caráter;

4 – Devemos eliminar também as repetições de ideias, mas não da mesma ideia quando expressa de
modos ou com palavras ou expressões diferentes, ainda que semelhantes;

5 – Lembrando que devemos transcrever literalmente o discurso de cada entrevistado, isso significa
que eventuais equívocos no uso da linguagem formal, vícios de linguagem como uso de gírias,
estrangeirismos e outros, bem como marcadores discursivos e interjeições devem ser mantidos inclusive
na produção do DSC em si, pois fazem parte da essência da população estudada (Tabela 15);
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6 – Por fim, devemos usar todo material que foi selecionado no IAD1 como expressões-chave.

Recomendamos manter no IAD 2 e, por fim, na apresentação do DSC, os códigos que remetam aos
interlocutores que contribuíram com discursos individuais para a construção de cada DSC, a partir das
expressões-chave selecionadas pelo pesquisador. O modo de apresentar tais códigos fica a critério do
pesquisador (coluna independente no IAD 2, ao longo ou ao fim do DSC, como rodapé etc.). Esses códigos
permitem “rastrear” cada ECH, fazendo o caminho inverso a partir do DSC até os discursos iniciais
obtidos pelo pesquisador.Assim, consideramos que isso é uma estratégia que garante maior transparência e
confiabilidade à análise dos dados.

Na tabela 16 você encontra um exemplo de composição do DSC para a ideia central B – Melhorar
a frequência da coleta:
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O DSC pode ser apresentado de várias maneiras. Podemos primeiramente apresentar uma tabela ou
quadro-síntese de todas as ideias centrais reconhecidas na questão analisada (Tabela 17), antes de
apresentar as tabelas ou quadros com os DSC de cada ideia central.

O DSC é uma técnica que permite quantificar dados de natureza qualitativa. Assim, o pesquisador
pode discutir também quantitativamente os dados da sua pesquisa. A tabela-síntese também pode
apresentar a distribuição dos percentuais de respostas de todos os entrevistados (Tabela 18) ou a
distribuição por grupos sociais, conforme a necessidade e o objetivo do pesquisador (Tabela 19). Exemplo:
homens e mulheres, médicos e pacientes, faixas etárias, empresa e usuários dos serviços etc.
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Lembra que para cada discurso individual é possível que exista mais de uma IC? Assim, a coluna
“Resp” (Tabela 18) não se refere ao total de entrevistados, mas sim, à incidência das ideias centrais entre os
05 entrevistados, por isso a soma dos percentuais não terá como resultado 100%. Ou seja, dentre os 05
entrevistados 80% mencionaram a IC B - Melhorar a frequência da coleta, 60% IC C – Mudar a forma de
transportar e assim sucessivamente.

O mesmo ocorre no tabela 19, cuja frequência é calculada considerando o número de nativos (n =
27) e não nativos (n = 50).

Além disso, após identificar a frequência das IC e AC (se houver), é possível criar gráficos
representativos. Na figura 1, há uma representação gráfica da frequência relativa para cada ideia central
identificada. O cálculo foi feito considerando o total de respostas, portanto, a soma dos percentuais perfaz
100%. Lembrando que, para cada IC representada existe um DSC.
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Na tabela 20, apresentamos o DSC da ideia central B – Melhorar a frequência da coleta. Podemos
seguir esse modelo ou outro similar para todas as demais IC da nossa pesquisa. Vale destacar que o
discurso não precisa ser acompanhado por aspas porque não se trata de citação. Ao final do DSC,
mencionamos o código de cada entrevistado cujo discurso individual forneceu ECH utilizada para compor
o discurso do sujeito coletivo. Esse código fica a critério do pesquisador e pode ser mais detalhado, usando,
por exemplo, o E de entrevistado, mais o número que indique a sequência da entrevista (01), o gênero (ex.:
homem cis, HS; mulher trans, MT; não binárie, NB etc.) e a idade, resultando em: E01MT29, E03HC49 etc.
Após compor todos os discursos das ideias centrais e ancoragens (se houver), o pesquisador pode discutir
apropriadamente os dados apresentados, conforme referencial teórico adotado na pesquisa.

Caso haja um grande conjunto de dados, recomendamos criar um arquivo somente com os códigos,
para facilitar a correta menção aos entrevistados no DSC (Tabela 21). Assim ao compor o DSC, basta
copiarmos e colarmos o código ao final do discurso.
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Como mencionamos anteriormente, o DSC pode ser apresentado de diversas formas e o


pesquisador está livre para fazê-lo da maneira que melhor se adeque aos objetivos do seu trabalho, bem
como às normas do periódico para o qual pretende submetê-lo para publicação. A seguir, elencamos
algumas formas de apresentação do DSC, a partir de trabalhos já publicados (Tabelas 22–26).

Um desafio reside em como apresentar o DSC e manter a essência da técnica em uma língua
diferente daquela na qual os discursos iniciais são obtidos. Isso porque o DSC busca manter tais discursos
iniciais com a maior fidedignidade possível à forma como eles são expressos ao pesquisador. Porém, ao
traduzirmos o DSC para outro idioma, isso se perde em diferentes graus. Uma possível solução para
minimizar tal perda é apresentar o DSC traduzido, mas, adicionalmente, incluir de alguma forma na
publicação os discursos no idioma original no qual foram produzidos. Isso pode ser feito, por exemplo,
como nota de rodapé, nota de fim ou material suplementar, uma ferramenta disponibilizada hoje em dia por
muitos periódicos que mantêm uma versão eletrônica.Além disso, o pesquisador tem a opção de depositar
os discursos originais em algum repositório online e mencionar na publicação o endereço de acesso a tal
repositório. Facilitar o acesso aos dados originais da pesquisa é uma tendência mundial em comunicação
científica, aliada às demais iniciativas para valorizar a ciência aberta (open science).
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A gora que você já se apropriou da funcionalidade das figuras metodológicas e do uso do IAD 1 e IAD
2, retomaremos exemplos utilizados anteriormente para que você rotule as IC e AC usando letras
do alfabeto iguais para aquelas que tenham sentido similares. Na sequência, crie uma IC para cada grupo de
ideias similares encontradas (Tabela 27). Por fim, construa o DSC com as ECH destacadas para cada grupo
de IC identificadas (Tabela 28).

Também incluímos mais um conjunto extra de dados fictícios para que você exercite um pouco
mais o passo a passo do DSC, a partir dos Instrumentos de Análise do Discurso 1 e 2 (Tabelas 29 e 30).

Esperamos que esse livro ajude você a conduzir análises de dados qualitativos verbais com maior
rigor e de modo mais sistematizado. Caso tenha sugestões para melhora desse material, por favor, entre em
contato com as(os) autoras(es) e envie suas observações. Teremos prazer em considerá-las nas próximas
edições.

Bons estudos!
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Licenciada em Letras pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e mestra em Ciências e Tecnologias
Ambientais pela Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB/IFBA). É técnica administrativa do Instituto
Federal da Bahia (IFBA) e atua na área orçamentária. Apesar de não ter relação direta com a atuação
profissional, tem interesse por pesquisas cuja interface seja ambiente e sociedade e, desde 2019, integra o
grupo de estudos MIRIM – Crianças, Infâncias e Natureza. Durante o mestrado teve a oportunidade de
conhecer e se afeiçoar ao DSC através da análise dos dados verbais, frutos da pesquisa de percepção
ambiental realizada na comunidade de Caraíva, no extremo sul da Bahia.

josceliabrito@ifba.edu.br

Iani Dias Lauer-Leite

Bacharela em Administração, mestra e doutora em Psicologia (Teoria e Pesquisa do Comportamento) pela


Universidade Federal do Pará (UFPA). É professora na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA),
onde coordena o Laboratório de Pesquisa Crianças e Infâncias Amazônidas (LAPCIA). Orienta estudantes
de graduação e pós-graduação nos Programas de Pós-graduação em Sociedade, Ambiente e Qualidade de
Vida, e em Educação, ambos na UFOPA. Seus temas de interesse são: conexão de crianças com a natureza,
bem-estar e qualidade de vida infantil, musicoterapia e dançaterapia.

iani.leite@ufopa.edu.br

Jaílson Santos de Novais

Licenciado e bacharel em Ciências Biológicas e mestre em Ciências (Botânica) pela Universidade Estadual
de Feira de Santana (UEFS) e doutor em Ciências Biológicas (Botânica) pelo Instituto Nacional de Pesquisas
da Amazônia (INPA). É professor na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), onde coordena o grupo
de estudos MIRIM – Crianças, Infâncias e Natureza, vinculado ao Jardim Botânico Floras.Além disso, orienta
estudantes de graduação e pós-graduação, enquanto docente nos Programas de Pós-graduação em Ciências
e Tecnologias Ambientais (UFSB/IFBA) e em Sociedade,Ambiente e Qualidade de Vida, sendo esse último na
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Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).Tem interesses de pesquisa em estudos pessoa–ambiente,


especialmente conexão criança–natureza, ensino de ciências/botânica e estudo dos grãos de pólen
(palinologia – uma subárea da botânica).

jailson.novais@csc.ufsb.edu.br
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