Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
organizacionais brasileiros:
uma análise bibliométrica
Christiane Kleinübing Godoi
Cristina Pereira Vecchio Balsini
Introdução
cultura, sem pressupor que ela seja uma categoria estática no tempo e no espaço,
mas uma categoria analítica em permanente transformação (Sampaio, 2001).
A perspectiva qualitativa é influenciada pelas transformações geradas pela
filosofia da linguagem, na qual a própria função da linguagem passa da repre-
sentação à ação, e o nível de análise deixa a interioridade psíquica para se situar
na interação. Ao ocupar-se das formas simbólicas, a visão qualitativa passa a in-
teressar-se não pela sua gramática ou estrutura interna, mas pelo seu caráter co-
municativo de mediador e formador das experiências e das necessidades sociais.
Aqui já não nos situamos mais no nível manifesto do diretamente obser-
vável, quantificável, analisável e explicável mediante o registro e a operação esta-
tística, nem tampouco no nível latente das estruturas e das representações sociais,
analisáveis mediante um método compreensível que reconstrua as ações dos ato-
res dentro dos sistemas sociais (Alonso, 1998, p. 49). Ao descrever o campo no
qual agora nos encontramos, localizado no nível profundo do social, o campo
não do verificável, mas do interpretável mediante a atribuição de um sentido,
Alonso (1998) elabora uma reunião, sintética e densa, das categorias básicas para
a investigação social: as motivações – atitudes motrizes do comportamento do
ator social, profundas, difusas e dificilmente verbalizáveis, que se assentam sobre
valorações, crenças e desejos no imaginário coletivo – e as imagens – condensa-
ções simbólicas que articulam em uma única representação, bem seja linguística
(a metáfora ou a metonímia), bem seja figurativa (como mensagens icônicas), as
projeções afetivas e intertextuais dos sujeitos sobre a realidade social.
O interesse pela investigação qualitativa ou pela preocupação meto-
dológica centrada no controle experimental é determinado pela concepção
epistemológica acerca da relação entre sujeito e objeto. O pressuposto positi-
vista-empirista da realidade constituída por fatos puros que se refletem como
se sempre estivessem ali e o pesquisador apenas recolhe e descreve o objeto
seguramente não encontrará sua coerência metodológica na investigação qua-
litativa. Toda interpretação, exatamente pelo fato de sê-la, nem reflete nem
traduz a realidade. Por sua vez, tampouco encontra respaldo o radicalismo
oposto presente na concepção de uma realidade inventada pela criatividade
arbitrária do pesquisador.
Entre a exterioridade absoluta do objeto – completamente separado
do sujeito (investigador), em que a realidade é objetivamente apreensível – e
A pesquisa qualitativa nos estudos organizacionais brasileiros: uma análise bibliométrica 93
plinar. Por sua vez, a postura de vale tudo parece corresponder a uma pluralidade
gratuita, desprovida da construção e da reelaboração epistêmica necessárias a
toda tentativa de aproximação entre visões de mundo. Bericat (1998), da mes-
ma forma, descarta essas duas perspectivas de Morgan (1983), a de supremacia,
por sua parcialidade, e a de vale tudo, pela sua evidente falta de rigor.
identificada e técnica não identificada foram criadas para alocar as pesquisas des-
providas da nomeação, por parte dos autores, da estratégia ou do método, tor-
nando desconhecida a origem dos dados e dos resultados, ou que não tenham
revelado características implícitas suficientes para a alocação dentro de alguma
estratégia ou método.
A discussão e classificação paradigmática subjacente à classificação da
predominância qualitativo/quantitativo não foi empreendida neste trabalho
em razão da dificuldade de identificação explícita e implícita de elementos
epistemológicos nos textos analisados.
Segue-se a apresentação dos resultados da pesquisa, mantendo-se a se-
quência das etapas de realização da pesquisa documental.
Foram analisados 1.096 artigos publicados nos quatro periódicos defini-
dos, durante o período consecutivo de oito anos, tal como ilustra a Quadro 3.1.
Periódicos 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Total %
Total 130 145 132 152 151 122 137 127 1096 100,00
A maior parte dos artigos foi classificada como ensaio (Quadro 3.2), ou
seja, trabalhos resultantes de pesquisa bibliográfica exclusiva, ou de pesquisa
bibliográfica acompanhada das seguintes possibilidades:
Tipos de pesquisa 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Total %
Quali-quanti 8 8 7 11 17 8 10 6 75 6,8
Total 130 145 132 152 151 122 137 127 1096 100,00
Estratégias 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Total %
Multicasos 10 5 8 9 12 12 3 6 65 26,6
Etnográfica 1 0 0 0 1 0 2 1 5 2,0
Pesquisa-ação 0 0 0 1 0 0 0 0 1 0,4
Documental 0 1 2 1 2 3 3 6 18 7,4
periódicos nacionais. A autora afirma que apenas 1 (um) artigo relata o uso
da pesquisa-ação.
Demo (1995) também não distingue as estratégias de pesquisa partici-
pante e pesquisa-ação, porque acredita que o compromisso com a prática é o
mesmo em ambas. Eden e Huxham (2001) somente admitem o uso da ex-
pressão pesquisa-ação para incorporar a pesquisa que, amplamente, resulta do
envolvimento do pesquisador com os membros de uma organização, em torno
de um assunto que tem genuíno interesse para eles e no qual há intenção dos
membros da organização de agir com base na intervenção.
As estratégias qualitativas requerem que os pesquisadores gastem muitas
horas de contato pessoal direto com os seres estudados (Neuman, 2000), uma
vez que o centro da questão qualitativa é o fenômeno participativo (Demo,
1995). O processo de imersão do pesquisador inerente ao paradigma fenome-
nológico parece ter sido abolido na fugacidade e efemeridade da designação
estudos de casos.
Sabe-se que uma grande parte dos estudos classificados como estudo de
caso/multicasos constitui o que Merriam (1998) chama de estudo qualitativo
básico ou genérico, referindo-se a estudos que contêm algumas características
da pesquisa qualitativa, mas não se focalizam sobre a cultura ou construção de
grounded theory; não são estudos de caso intensivo; simplesmente buscam des-
cobrir e compreender um fenômeno, um processo, ou a perspectiva de visão de
mundo das pessoas envolvidas; os dados são coletados através de entrevistas,
observações e análise documental; a análise geralmente resulta na identifica-
ção de categorias, fatores, variáveis e temas. Trata-se da forma mais comum da
pesquisa qualitativa em educação e, ao que parece, também predominante nos
estudos organizacionais, e não se caracteriza como estudo de caso.
A esfera qualitativa dos estudos organizacionais brasileiros encontra-se
distante da perspectiva participante, que caracteriza a visão qualitativa, e mar-
cada pelo predomínio de um tipo de estudo de caso genérico no qual se mistura
uma pesquisa-ação não participante – denominação inúmeras vezes menciona-
das pelos autores.
Os estudos de caso e multicasos (172 artigos) foram classificados de acordo
com a tipologia de Yin (2001). Foram respeitadas as indicações dos autores e
inferida a classificação na ausência de sugestão do autor. Não foi identificado
A pesquisa qualitativa nos estudos organizacionais brasileiros: uma análise bibliométrica 105
nenhum caso explanatório ou causal (aquele que visa identificar relações causais
entre variáveis, busca do “como” e “por quê”) e apenas 15,7% dos casos foram
considerados descritivos (aqueles que partem de um conhecimento preexistente
para descrever o comportamento de uma variável em uma população; busca
do “quanto”, “quando”, “onde”, “quem”). Em razão da natureza qualitativa do
material, considera-se coerente que a grande maioria dos casos (84,3%) seja
exploratória (os que procuram compreender o fenômeno, busca do “o quê”),
como pode ser observado no Quadro 3.4.
Tipos de estudos de caso 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Total %
Descritivo 1 0 1 5 4 1 6 9 27 15,7
Técnicas de pesquisa 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Total %
Questionário 3 1 3 5 5 1 3 5 26 9,3
Observação 2 0 2 1 1 1 4 4 15 5,3
Referências