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Iniciando as reflexões acerca da colonialidade, Aníbal Quijano aponta um fator

crucial de sua conjuntura: sua intrínseca correlação com o mecanismo de poder


capitalista. É fruto dessa interdependência a classificação social, com origem na América
e alastrada ao redor do mundo globalizado, que baliza a lógica de mercado dessa
estrutura de poder.
A coincidência cronológica entre a constituição da América Latina e o
despontamento do poder capitalista resultaram na consolidação do que mais tarde foi
chamado de Europa como sendo o eixo central da prática de dominação que marcou a
modernidade e perdura até os dias de hoje. A produção de conhecimento a partir daí
ficou alinhada aos interesses econômicos do sistema capitalista, agindo como ferramenta
de justificação das estruturas de poder vigentes, de naturalização das relações de
colonialidade. Autodenominada racional, essa produção cognitiva negava a validade de
qualquer outra perspectiva de conhecimento.
Quijano chama a atenção para o fato de que a mentalidade eurocêntrica não é
exclusividade dos europeus ou de quem está no topo da cadeia alimentar econômica
mundial, mas também está presente naqueles que são educados sob essa hegemonia,
fator resultante do trabalho cognitivo de naturalização das relações de poder coloniais.
Cria-se o mito de que elas são naturais, em si, e portanto não estão sujeitas a
questionamentos. Esta fábula cunha a ideia de que a humanidade está em um caminho
único e linear de desenvolvimento, cuja posição de determinado povo os classifica como
inferiores ou superiores, racionais ou irracionais. Ironicamente, os criadores desta
concepção são também os líderes da corrida. Esse mecanismo é tão poderoso que é capaz
de fazer um indivíduo nascido em um território colonizado compactuar com a ideia de
que ele próprio é inferior (intelectual e culturalmente) ao seu colonizador. São estruturas
de dominação que extrapolam limites físicos e econômicos, adentrando campos como a
cultura e o pensamento.
Para aprofundar a exposição sobre a colonialidade do poder consolidada, entre
outras coisas, na visão unilinear da História, Quijano utiliza da análise dos papeis tanto
do materialismo histórico quanto da ideologia liberal na edificação do eurocentrismo.
Fator que a atual conjuntura política do nosso continente torna ainda mais atual e
pertinente. As raízes do liberalismo ainda criam galhos na forma de aplicação de
políticas econômicas neoliberais na América do Sul e o materialismo histórico clássico
(apesar de pertinente), por conta de seu paralelismo à reducionista visão unilinear e
totalizante, não é o suficiente para interpretar todas as relações econômicas e sociais
entre as classes, como o autor não só nos mostrará como também irá propor um avanço
na direção de uma teoria histórica de classificação social, que dê conta de todos os
aspectos das relações de exploração, dominação e conflito nas disputas pelo controle do
trabalho, da natureza, do sexo, da subjetividade, da autoridade e, em suma, do poder.
O resgate da leitura de Aníbal Quijano se mostra crucial não só para entender as
relações de poder coloniais, mas também seus reflexos em características da vida em
sociedade atualmente, como os modelos econômicos, o racismo, a colonialidade cultural
e epistêmica, a mentalidade pórtica dos territórios colonizados, o perigo da naturalização
de práticas de dominação, etc. E, assim, ressalta a importância da libertação e
descolonização (em todos os seus aspectos) das nossas sociedades latino-americanas.

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