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Universidade Federal de Pelotas

Curso de Relações Internacionais


História Comparada da América Latina
Professora Doutora Maria de Fátima Bento Ribeiro
Acadêmica Júlia Ferreira Bretanha

Fichamento de conteúdo
QUIJANO, Anibal. ​A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências
sociais. Perspectivas latino-americanas: Colonialidade do poder,
eurocentrismo e América Latina​. CLACSO, Consejo Latinoamericano de
Ciencias Sociales, 2001.

- Globalização como um processo que começou com a constituição da América


e do capitalismo colonial/moderno e eurocentrado como um novo padrão de
poder mundial;
- O eixo fundamental desse padrão de poder mundial é a classificação social
da população mundial de acordo com a ideia de raça;
- A idéia de raça é uma construção mental que expressa a experiência da
dominação colonial;
- O objetivo do texto é colocar questões necessárias sobre as implicações
dessa colonialidade do poder com relação à história da América Latina;

I. A América e o novo padrão de poder mundial


- A América representa o primeiro espaço/tempo de um padrão de poder
mundial, além da primeira id-entidade da modernidade;
- Dois processos históricos convergiram e se associaram a esse novo padrão
de poder:
● Relações de dominação codificadas através da diferença entre
conquistadores e conquistados com a idéia de raça (uma estrutura que
situava relações de inferioridade);
● Articulação das formas históricas de controle do trabalho, de seus
recursos e de seus produtos, em torno do capital e do mercado
mundial;
Raça, uma categoria mental da modernidade
- A idéia de raça no sentido moderno tem história apenas após a América;
- Construção de estruturas biológicas diferenciais entre conquistadores e
conquistados; Produção de identidades sociais novas: índios, negros e
mestiços; Termos como espanhol, português e europeu - primeiramente como
procedência geográfica e depois conotação racial;
- As relações sociais se configuravam como relações de dominação - o que
transformou as identidades em hierarquias, lugares e papéis sociais; Logo,
raça e identidade racial se tornou instrumento de classificação social básica
da população;

O capitalismo: a nova estrutura de controle do trabalho


- As formas de controle e de exploração de trabalho no processo de
constituição história da América foram articuladas em torno da relação
capital-salário e do mercado mundial;
- Surgem novas formas de controle do trabalho: escravidão, servidão, pequena
produção mercantil, reciprocidade e salário; organizadas para produzir
mercadorias para o mercado mundial e articular-se com o capital e seu
mercado;
- Esse novo padrão global de controle do trabalho é um elemento fundamental
de um novo padrão de poder, sendo eles dependentes
histórico-estruturalmente; Ao se articular conjuntamente com outras formas
historicamente conhecidas e constituir-se em torno de e em função do capital,
se estabelece um nova estrutura de relações de produção: o capitalismo
mundial;

Colonialidade do poder e capitalismo mundial


- Raça e divisão do trabalho foram estruturalmente associados e reforçados
mutuamente;
- Divisão racial do trabalho
● Fim da escravidão indígena - confinados a servidão
● Escravidão de negros
● Espanhóis e portugueses - raça dominante, recebiam salários, podiam
ser comerciantes independentes, além de artesãos, agricultores ,
podiam ocupar médios e altos postos da administração colonial, civil ou
militar;
- O trabalho foi distribuído de forma racista no interior do capitalismo colonial
em todo período colonial;

Colonialidade e eurocentramento do capitalismo mundial


- O controle do ouro, prata e outros metais na América, produzidas por meio do
trabalho escravo de indígenas, negros e mestiços, era uma vantagem
decisiva na disputa do controle do comércio mundial;
- Surgimento de uma nova identidade geocultural: Europa ocidental: sede
central do controle do mercado mundial; sede central do processo de
mercantilização da força de trabalho;
- O genocídio dos indígenas foi causado principalmente porque foram usados
como mão de obra descartável, diferindo-se da servidão européia;
- “Geografia social do capitalismo”: distribuição geográfica de cada uma das
formas integradas no capitalismo mundial - relação social de controle do
trabalho; formas de controle do trabalho; Essa medida tornou a Europa e o
europeu o centro do mundo capitalista;

Novo padrão de poder mundial e nova inter-subjetividade mundial


- A Europa, como centro do capitalismo mundial, tendo o controle do mercado
mundial e a dominação colonial das populações, estabeleceu a Ásia, África e
Oceania; além da elaboração do Oriente, como o outro; Essa nova
configuração cultural e intelectual se articulou em uma só ordem cultural
global em torno da hegemonia européia;
- Expropriação da população colonizada (seus descobrimentos); repressão (às
formas de produção de conhecimento, seus padrões de produção e
expressão) e assimilação forçada da cultura dos dominadores pelos
dominados;
- Etnocentrismo: Europa Ocidental como centro do moderno sistema mundo; A
modernidade e a racionalidade era vista como produto exclusivamente
europeu;
A questão da modernidade
- Os europeus imaginaram ser portadores exclusivos da modernidade, além de
criadores e protagonistas; No entanto, há um conjunto de elementos que
apontam para um conceito de modernidade diferente;
- O atual padrão de poder mundial é o primeiro efetivamente global; As formas
de controle das relações sociais configuram-se em uma estrutura com
relações sistemáticas, cada uma sob a hegemonia de uma instituição
produzida no desenvolvimento deste padrão de poder, essas instituições são
hegemônicas para todo o mundo.
- Com a formação da América, há três elementos centrais que também
afetaram a população mundial: a colonialidade do poder, o capitalismo e o
eurocentrismo, essa globalidade gera práticas sociais comuns para todo
mundo;
- Transmodernidade: categoria proposta por Dussel como alternativa a
pretensão eurocêntrica de que Europa é a produtora original da
modernidade;
- O conceito de modernidade não relaciona-se apenas com o que acontece
com a subjetividade, ele dá conta das alterações na dimensão material das
relações sociais;
- A modernidade também é questão de conflito de interesses sociais, logo, todo
conceito de modernidade é necessariamente ambíguo e contraditório;

II. Colonialidade do poder e eurocentrismo


- O modo de pensar o processo de modernidade criou um modo de produzir
conhecimento que mostra o caráter do padrão mundial de poder: colonial,
capitalista e eurocentrado. Reconhecido como eurocentrismo;
- O eurocentrismo se constituiu associado a secularização burguesa do
pensamento europeu e ao padrão mundial de poder capitalista,
colonial/moderno, eurocentrado, a partir da América; Essa perspectiva se
tornou hegemônica e coloniza as demais;

Capital e capitalismo
- Reciprocidade, escravidão, servidão e produção mercantil: vistas como pré
capital e incompatíveis com o capital no ponto de vista eurocêntrico; No
entando, dá-se o exemplo da escravidão como uma organização de
mercadoria e necessidade do capitalismo, além da servidão, cujo há os
mesmos fins: produção de mercadoria para o mercado mundial; Assim como
todas formas de trabalhado e de controle do trabalho da América articuladas
para o mercado mundial a fim de configurar um novo sistema: capitalismo;
- O capital é mais antigo que a América mas não estava estruturalmente
articulado antes dela; apenas com ela transformou-se no modo de produção
dominante e global; Nesse momento, ele continua existindo como eixo central
do capitalismo;

Evolucionismo e dualismo
- Mito fundacional da versão eurocêntrica da modernidade; associado a
classificação racial da população do mundo; Perspectiva eurocêntrica
evolucionista; Produção de uma visão do evolucionismo e dualismo -
expressão do exacerbado etnocentrismo da Europa;
- Redução de identidades de povos diferentes a uma única: índios; Identidades
históricas usurpadas e tornadas em uma nova identidade racial, colonial e
negativa;
- América como primeira identidade geocultural moderna, Europa como
consequência; Pois foi a partir do trabalho e tecnologia avançada de índios,
negros e mestiços que a Europa foi forjada numa base sólida;

Homogeneidade/continuidade e heterogeneidade/descontinuidade
- O padrão de poder mundial, o capitalismo, é uma estrutura de elementos
heterogêneos, tais elementos se relacionam de forma conflitiva cujas relações
também possuem uma estrutura heterogênea; Essa heterogeneidade não é
estrutural já que foram articuladas em uma única estrutura de poder;

O novo dualismo
- Relação entre corpo e não corpo na perspectiva eurocêntrica;
- Diferenciação entre “corpo” e “não-corpo” como universal e comum a todas
culturas;
- Separação entre “razão/sujeito” e “corpo” em Descartes; secularização da
idéia de “alma” no sentido teológico e mutação numa nova identidade; ser
humano dotado de “razão”; na racionalidade eurocêntrica o corpo é objeto de
conhecimento fora do sujeito-razão;
- A partir dessa objetivação do corpo, se teoriza “cientificamente” o problema
da raça;
- Idéias mitificadas de progresso - como se não-europeus pudessem se
“europeizar” ou “modernizar”;

III. Eurocentrismo e experiência história na América Latina


- A perspectiva eurocêntrica é um espelho que distorce o que reflete; A
América Latina há traços históricos europeus mas ainda é distinta; Assim,
somos o que não somos e não identificados nossos problemas e resoluções;

O eurocentrismo e a “questão nacional”: o Estado-nação


- Estado-nação: sociedade nacionalizada, instituições modernas de cidadania e
democracia política; implica democratização do controle de trabalho, recursos
produtivos e gestão das instituições políticas; pode ser sentida como
identidade ou comunidade; é uma estrutura de poder e também produto do
poder; participação mais ou menos democrática;
- O processo de centralização estatal na Europa Ocidental foi paralelo a
imposição da dominação colonial da América; Iniciou-se com colonização
interna de povos com identidades diferentes em mesmo território e continuou
com a colonização imperial; Exemplos: França (bem-sucedida) e Espanha
(mau sucedida);
- Ambos exemplos mostram a necessidade de um processo de democratização
da sociedade para a sua nacionalização e organização;

O Estado-nação na América: os Estados Unidos


- Ocupação violenta; território pequeno; indígenas quase exterminados;
sobreviventes como raça colonizada; no início, relações coloniais/raciais
existiram somente entre negros e brancos; No entanto, era representativo da
maioria da população; Mesmo assim, a colonialidade permanecia pois nem
todos podiam ter lugar no controle da produção;
- Idéia da Revolução Americana; configuração do poder na orientação de um
Estado-nação;

América Latina: Cone Sul e maioria branca


- Características que permearam as condições dos Estados-nação modernos
no Cone sul: Não integração dos índios: conquista do território e extermínio
destes; população negra como minoria comparada a outras regiões
dominadas por espanhóis e portugueses; Atração de imigrantes europeus
para consolidar a branquitude; Concentração de terra; controle de recursos
pela burguesia;

Maioria indígena, negra e mestiça: o impossível “moderno Estado-nação”


- Trajetória eurocêntrica em busca do Estado-nação impossível no restante dos
países latinoamericanos;
- México e Bolívia como experiências mais prósperas no caminho da
descolonização;
- Pequenas minorias brancas no controle dos Estados; participação nas
decisões sobre a organização política negada a negros, índios e mestiços;
- Haiti como um caso excepcional de revolução nacional, social e racial - uma
descolonização real e global do poder, no entanto, derrotada por uma
sequência de intervenções militares por parte dos Estados Unidos;
- Diferenças entre a América Britânica e a Ibérica era que, a primeira, contava
com uma pequena minoria de negros e servos, sendo insuficiente para a
fonte de trabalho; consequentemente, a saída era o trabalho assalariado
local;

Estado independente e sociedade colonial: dependência histórico-estrutural


- A minoria branca tinha interesse social antagônicos aos de índios, negros e
mestiços, sendo mais semelhantes aos de europeus, seguindo a burguesia
europeia - logo, tornando-se dependentes; A colonialidade dessa minoria
impedia que pudesse desenvolver seu capital, tornando-se meros sócios
menores da burguesia européia;
- Crise econômica mundial dos anos 30 resultou na industrialização
dependente: substituição dos bens importados para o consumo dos senhores;
Portanto, não se reorganizou as economias locais, assalariou servos e
produziu tecnologia > uma implicação da colonialidade do poder;
- O processo de independência dos Estados na América Latina não contou
com a descolonização da sociedade, desviando do desenvolvimento dos
Estados-nação e apontando para a rearticulação da colonialidade do poder
através de novas bases institucionais; estado ainda organizada
colonialmente;
- A perspectiva eurocêntrica imagina a formação de Estados-nação através da
homogeneização da população, que consiste na democratização da
sociedade;

Eurocentrismo e revolução na América Latina


- Século XX: projetos revolucionários em torno de viés democrático-burguês ou
socialista;
- Revolução Anti-imperialista como proposta, baseada no controle
nacional-estatal dos recursos de produção, perdeu forças na transição para o
social-liberalismo;
- Revolução democrático-burguesa: a burguesia na organização da classe
operária, camponeses e grupos dominados; suposição de que a sociedade
latinoamericana é feudal/semifeudal;
- Revolução socialista: erradicação da burguesia do controle do Estado pela
classe operária; coalizão das classes exploradas; suposição de que a
sociedade latinoamericana é capitalista;
- A democratização da sociedade na América Latina deve ocorrer na maioria
dos países, ao mesmo tempo e no mesmo movimento histórico - uma
descolonização e redistribuição radical do poder;
- A ideia eurocêntrica de que só existe o capital como relação social e que o
socialismo significa estatização de tudo e todos é falsa;
- Mariátegui: revolução socialista como necessidade histórica, contra o
conjunto desse poder; sem reconstrução burocrática do poder; redistribuição
entre as pessoas;
- Derrota dos projetos revolucionários não é coincidência; Os avanços têm sido
arrasados pela reconcentração do controle do poder no capitalismo mundial >
com a gestão dos responsáveis pela colonialidade do poder;

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