Você está na página 1de 10

Colonialismo interno, Neocolonialismo, Colonialidade do Poder:

Contribuições, limites e problemas dos modelos teóricos sobre os povos indígenas e as

situações coloniais na América Latina

Pablo Quintero

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Resumo: O objetivo central deste trabalho é historiar e analisar criticamente os três

principais modelos contemporâneos de analise teórico-conceitual sobre as relações entre

os povos indígenas e situações coloniais na América Latina. Com diversas vertentes estes

modelos poderiam se nuclear nas categorias conceituais de colonialismo interno,

necolonialismo e a mais recente colonialidade do poder, que tentam repensar a

estruturação das sociedades latino-americanas a partir das experiências histórico-

processuais e da “questão colonial”, em tanto eixo articulador das relações sociais. Cada

uma dessas propostas tem feito importantes contribuições para a compreensão da inserção

dos povos indígenas dentro dos tecidos das relações do sistema colonial e pós-colonial,

mas também cada uma delas demonstra limites analíticos e problemas epistemológicos.

Palavras chave: Colonialismo interno, necolonialismo, colonialidade do poder, povos

indígenas, América Latina.

Introdução

O objetivo central deste trabalho é historiar e analisar criticamente os três

principais modelos contemporâneos de analise teórico-conceitual sobre as relações entre


os povos indígenas e situações coloniais na América Latina. Com diversas vertentes estes

modelos poderiam se nuclear nas categorias conceituais de colonialismo interno,

necolonialismo e a mais recente colonialidade do poder, que tentam repensar a

estruturação das sociedades latino-americanas a partir das experiências histórico-

processuais e da “questão colonial”, em tanto eixo articulador das relações sociais.

Cada uma dessas propostas tem feito importantes contribuições para a

compreensão da inserção dos povos indígenas dentro dos tecidos das relações do sistema

colonial e pós-colonial, mas também cada uma delas demonstra limites analíticos e

problemas epistemológicos. O texto está estruturado de forma uma sequencial, por isto

apresenta cronologicamente os três conceitos centrais que representam o núcleo do

trabalho.

I. Colonialismo Interno

A noção de colonialismo interno foi uma tentativa para precisar conceitualmente o

desenvolvimento histórico da questão colonial nos Estado-Nacionais do Terceiro Mundo,

mais especificamente na América Latina (GONZÁLEZ CASANOVA, 1969). A categoria,

de inspiração marxista, aposta a caracterizar a continuidade colonial das estruturas sociais

dos territórios que no passado foram colônias europeias, baseando se em uma distinção

diacrônica da espacialidade global do colonialismo como um fenômeno simultaneamente

internacional e intranacional. Segundo esta proposta conceitual, a dobre espacialidade do

fenômeno colonial faz necessária uma especificação da natureza e características do fato

colonial dentro do espaço das novas republicas, que de conta de forma concreta das

relações entre os Estados, as classes dominantes nativas e os povos indígenas

(GONZÁLEZ CASANOVA, 1963).


Essas relações geradas dentro do Estado-Nação serão analisadas através da

categoria de colonialismo interno designando uma estrutura prolongada de relações sócias

de dominação e exploração entre grupos sociais heterogêneos dentro de sociedades duais

ou plurais (GONZÁLEZ CASANOVA, 1965). Segundo isto, as classes ou grupos

dominantes nativos, representados em América Latina pelos setores burgueses, exercem

um controle do tipo colonial sobre o resto dos grupos sociais preexistentes à formação

histórica do Estado-Nação. Da mesma forma, configuro se uma estrutura social colonial

onde os setores hegemônicos dominam culturalmente e exploram materialmente aos povos

indígenas, reproduzindo internamente as dinâmicas coloniais globais associadas com as

modalidades específicas de acumulação de capital. Do mesmo jeito no qual as áreas

desenvolvidas do planeta mantêm no subdesenvolvimento aos países periféricos, as

classes dominantes mantêm no subdesenvolvimento aos setores dominados dentro do

âmbito nacional. Assim, fenômenos próprios do capitalismo internacional como a

formação de áreas periféricas marginalizadas provedoras de matérias primas e de mão de

obra, que dependem estruturalmente dos centros econômicos e políticos, serão produzidos

na escala intranacional como reflexo local dos padrões do colonialismo imperial (externo).

Neste sentido, os padrões de diferenciação social não se esgotam no âmbito

exclusivo das classes sociais como poderia acontecer nos países no Primeiro Mundo,

porque baixo o mandado do colonialismo interno as hierarquias sociais estariam também

organizadas por distinções étnico-raciais que justificam a existência da estrutura social

colonial (STAVENHAGEN, 1969). É por isto que os analises de classes usadas para

estudar as realidades da América Latina são insuficientes para dar conta das dinâmicas

internas das ex-colonias (STAVENHAGEN, 1969).

A origem da categoria remonta se a uma proposta secundaria e circunstancial que o

sociólogo norte-americano Charles Wright Mills fez enquanto ministrava um seminário

universitário no Brasil em 1960, e que foi coletado em uma antologia da sua obra
organizada postumamente pelo sociólogo Irving Horowitz em 1964. A partir desse

seminário o também sociólogo mexicano Pablo González Casanova adota a categoria e a

amplia, aprofunda e especifica para o analise da América Latina, e particularmente do

México. Paralelamente o sociólogo germano-mexicano Rodolfo Stavenhagen aplicou a

noção ao estudo dos povos indígenas da meso-América, e ao contexto centro-africano. O

processo de descolonização da África e da Ásia iniciado no final da década de ´50 e a

necessidade de achar uma definição geral que conseguisse dar conta das dinâmicas

históricas da formação das estruturas sociais dos Estados-Nacionais do Terceiro Mundo,

encontrou um importante correlato na categoria de colonialismo interno. De certa forma, a

nocao analítica desenvolvida pelos sociólogos González Casanova e Stavenhagen foi

também ua resposta crítica à teoria da modernização de corte weberiano e a sociologia

dominante da época representada no funcionalismo-estrutural.

Colonialismo interno, foi uma ideia profusamente usada sobretudo na década de

´70 para caracterizar a construção societal dos Estados-Nacionais com forte presença da

população indígena, especificamente foi utilizado para descrever formações sociais de

México, Bolívia, Equador, Peru e Guatemala. No resto dos países latino-americanos o

conceito teve uma transcendência menor. Na atualidade esta categoria conceitual é usada

por alguns poucos coletivos intelectuais. Recentemente Pablo González Casanova (2006)

tentou uma atualização e redefinição da ideia, enquanto Rodolfo Stavenhagen (2010) tem

renunciado a ela.

Finalmente, existem diferenças significativas na conceitualização, tratamento e

utilização da categoria colonialismo interno relacionadas com as noções de sociedade e de

estrutura social por parte dos seus principais propositores. Por um lado, González

Casanova refere se ao colonialismo interno como um fenômeno que atua em uma

sociedade de tipo dual ou plural, isto leva a pensar em um modelo epistemológico de

sociedade no qual os grupos que atuam em ela, como partes de um todo, encontram se
claramente diferenciados e separados entre sim de forma homogênea e sem contradição

alguma. Por outra parte, Rodolfo Stavenhagen trata a categoria de colonialismo interno

dentro de uma totalidade social inter-relacionada e não como uma ou várias estruturas

sociais homogêneas e/ou fechadas que coabitam dentro do mesmo Estado-Nação. Na

verdade essas estruturas ou conjuntos sociais vinculados entre sim constituem uma

formação histórico-social comum mas segmentada.

II. Colonialidade

A categoria colonialidade do poder designa ao padrão estrutural do poder

especifico da modernidade, originado a partir da conquista da América e da subsequente

hegemonia planetária europeia. Compõe se historicamente da associação entre um sistema

de dominação construído em um tecido de relações sociais intersubjetivas, baseadas na

classificação social hierárquica da população mundial; e um sistema de exploração, que

consiste na articulação de todas as formas conhecidas de expropriação do trabalho dentro

de uma única estrutura hegemonizada pelo capitalismo. Neste sentido, a colonialidad é um

dos elementos constitutivos do padrão de poder capitalista.

A conceitualização da colonialidade supõe que com a constituição histórica da

América, o emergente poder capitalista globalizou se, seus centros hegemônicos

localizaram se nas zonas situadas sobre o Atlântico (que depois se identificaria como

“Europa”), e como eixo central do seu novo padrão de dominação seria estabelecida a

colonialidade (QUIJANO, 2000b). Segundo Quijano (2000a) a colonialidade está

construída historicamente sobre a associação estrutural de dois eixos centrais que foram

constituídos a partir da colonização da América, entre finais do século XV e começos do

século XVI. O primeiro destes eixos configura se na articulação de relações sociais


intersubjetivas, baseadas na classificação social hierárquica de população mundial,

configuradas centralmente na ideia de “raça” (QUIJANO, 1993). A ideia de raça como

categoria central da classificação social colonial, terá um rol medular dentro das novas

identidades geoculturais globais que constituíram se historicamente com o colonialismo

ibérico, articulando se posteriormente em uma mesma estrutura de estratificação social

junto com outras formas de classificação baseadas nas ideias de gênero e de classe. Em

este sentido, a ideia de raça e o complexo ideológico do racismo, impregnam todos as

áreas da existência social e constituem a mais profunda e eficiente forma de dominação

social, material e intersubjetiva (QUIJANO, 2001), por isto, a naturalização da ideia de

raça e seus derivados tem disposto que a posição subalterna das populações derrotadas no

conflito histórico da conquista seja considerada não como resultado de um conflito de

poder senão como a derivação lógica de uma suposta inferioridade essencial na sua

natureza.

O segundo eixo estrutural da colonialidade, está formado por um sistema de

exploração construído no mesmo movimento histórico de produção e controle das

subjetividades que representou a origem dos exercícios de classificação social anteriores

descritos no primeiro eixo. Em este sentido, com a colonização da América, começa a se

constituir paralelamente um novo sistema de controle do trabalho, que consiste na

articulação de todas as formas de exploração até esse momento conhecidas (escravidão,

“servidumbre”, produção mercantil simples, etc.), em uma única estrutura heterogênea de

produção de mercadorias para o mercado mundial, ao redor da hegemonia do capitalismo

(QUIJANO, 2001). O capitalismo desenvolveu se desintegrando todas as antigas

modalidades societais do trabalho, ao tempo que absorvia e transformava os fragmentos

estruturais anteriores que foram lhe úteis, e ao mesmo tempo mercantilizava todos os

processos de produção e distribuição. Devido a o seu caráter, o capitalismo tem articulado


historicamente diferentes formas de exploração desenvolvidas nas mais diversas latitudes,

configurando uma única ordem mundial encarnada no controle global do trabalho.

Associados a estes dois eixos da colonialidade, compõem se dois processos

constitutivos fundamentais e conexos: o estabelecimento de um novo sistema de controle

geral da autoridade coletiva baixo a hegemonia do Estado. Junto com o processo anterior,

fundamenta se um novo sistema de produção e controle das relações intersubjetivas feito e

sistematizado na metade do século XVII em Europa, como parte do eurocentramento do

padrão mundial de poder moderno/colonial, e que Quijano chama “eurocentrismo”

(QUIJANO, 1997). O eurocentrismo está caracterizado por um conjunto de imaginários

sociais e de perspectivas de conhecimento, dependentes tanto das exigências do

capitalismo, quanto da necessidade dos colonizadores de perpetuar e naturalizar a sua

dominação. Isto inclui historicamente a apropriação dos logros intelectuais e tecnológicos

dos colonizados. Porem a característica mais potente do eurocentrismo tem sido o modo

de impor sobre os dominados um espelho distorcido que os obriga a se enxergar com os

olhos do dominador, bloqueando e encobrindo as suas perspectivas autônomas.

Deve se notar que o conceito de colonilialidade é diferente ao conceito de

colonialismo. O segundo remete a uma relação política e econômica na qual a soberania

de um povo reside no poder de outro povo ou sociedade que exporá a natureza e os

produtos do trabalho dos colonizados. Em comparação, colonialidade designa um padrão

de poder nascido do colonialismo moderno que não está limitado a uma relação de poder

entre sociedades e que na verdade da conta de como o trabalho, o conhecimento, a

autoridade, e as relações intersubjetivas são articuladas através do mercado capitalista e da

diferença colonial (Mignolo, 2003). Assim, o colonialismo precede à colonialidade esta

última sobrevive ao colonialismo. Neste mesmo sentido a ideia de colonialidade não

descreve somente uma “herança” colonial senão pelo contrario um modelo estrutural de

dominação, exploração e conflito. Assim, trata se de um padrão de poder como sistema


ordenador e acumulativo de relações e estruturas sociais. A independência latino-

americana desestruturou ao colonialismo mas não à colonialidade, que continua sendo o

elemento central da estruturação da sociedade na América Latina (QUINTERO, 2014).

As origens da categoria colonialidade remetem diretamente as pesquisas e

propostas teóricas do sociólogo Aníbal Quijano. Nos começos da década de ´90 Quijano

propõe o termo em um texto individual (QUIJANO, 1991) e em um trabalho conjunto com

Immanuel Wallerstein (QUIJANO e WALLERSTEIN, 1992). Nas suas publicações

seguintes Quijano vai ampliar e reformular a categoria. A ideia de colonialidade é por isto

difícil de dissociar dos modelos analíticos de Quijano e particularmente da sua teoria sobre

o poder (QUIJANO, 2000a e 2001), seus estudos sobre domnacao cultural (QUIJANO,

1980 e 1997), e das suas formulações sobre a heterogeneidade estrutural da América

Latina (QUIJANO, 1988 e 1990).

Bibliografía

GONZÁLEZ CASANOVA, Pablo. Sociedad plural, colonialismo interno y desarrollo.

América Latina: Revista del Centro Latinoamericano de Investigaciones en Ciencias

Sociales, VI (3), Río de Janeiro, 1963.

______ La democracia en México. Era, México, 1965.

______ Sociología de la Explotación. Siglo XXI, México, 1969.

______ Colonialismo interno (una redefinición). In: BORON, Atilio, AMADEO, Javier e

GONZÁLEZ, Sabrina (orgs.) La teoría marxista hoy. CLACSO, Buenos Aires, 2006.

MIGNOLO, Walter. Historias locales / diseños globales. Akal, Madrid, 2003.

QUIJANO, Aníbal. Dominación y cultura. Lo cholo y el conflicto cultural en el Perú.

Mosca Azul, Lima, 1980.


______ Modernidad, identidad y utopía en América Latina. Sociedad y Política, Lima,

1988.

______ La nueva heterogeneidad estructural de América Latina. Hueso Húmero, 26,

Lima, 1990.

______ Colonialidad y modernidad/racionalidad. Perú Indígena, 13 (29), Lima, 1992.

______ Raza, etnia y nación en Mariátegui: cuestiones abiertas. In: FORGUES, Roland

(org.) José Carlos Mariátegui y Europa. Amauta, Lima, 1993.

______ Colonialidad del poder, cultura y conocimiento en América Latina. Anuario

Mariateguiano, 9 (9), Lima, 1997.

______ Colonialidad del poder y clasificación social. Journal of World-System Research,

11 (2), Riverside, 2000a.

______ Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. In: en LANDER,

Edgardo (org.) La colonialidad del saber. CLACSO, Buenos Aires, 2000b.

______ Colonialidad del poder, globalización y democracia. In: AAVV Tendencias

básicas de nuestra época. Instituto Pedro Gual, Caracas, 2001.

QUIJANO, Aníbal e WALLERSTEIN, Immanuel. La americanidad como concepto, o

América en el moderno sistema mundial”. Revista Internacional de Ciencias Sociales,

134, Paris, 1992.

QUINTERO, Pablo. Notas sobre la teoría de la colonialidad del poder y la estructuración

de la sociedad en América Latina. In: QUIJANO, Aníbal (org.) Bien Vivir u

descolonialidad del poder. Universidad Ricardo Palma, Lima, 2014.

STAVENHAGEN, Rodolfo. Clases, colonialismo y aculturación. América Latina: Revista

del Centro Latinoamericano de Investigaciones en Ciencias Sociales, VI (4), Río de

Janeiro, 1963.

______ Las clases sociales en las sociedades agrarias. Siglo XXI, México, 1969.

______ Los pueblos originarios: el debate necesario. CLACSO, Buenos Aires, 2010.
WRIGHT MILLS, Charles. El problema del desarrollo industrial. In: Poder, política y

pueblo. Fondo de Cultura Económica, México, 1964.

Você também pode gostar