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Atividade avaliativa

A palestra começa com uma apresentação muito valiosa de José Magalhães em


que o professor desafia os especialistas e questiona a importância de abandonar o medo
de formar posições críticas e também – e posteriormente – estimular discussões sobre
assuntos que eles entendem e dominam, por mais polêmicos que sejam.

Este é o caso dos pronomes neutros. Para uma breve introdução ao tema,
Magalhães fornece a definição de “linguista" e explica que ele é um profissional que
não prescreve, edita ou dita nada, mas apenas observa e analisa fenômenos linguísticos.
Essas afirmações são necessárias para esclarecer algumas questões: a discussão está
longe de estar ligada a qualquer juízo de valor, opinião pessoal ou crença. Não se trata
da importância da representação linguística ou do quão necessária ela é para refletir a
realidade plural presente na linguagem hoje. Essas perguntas são feitas separadamente.

O debate apresentado baseia-se e pretende aceitar como base exclusivamente a


ciência linguística e o que nela é possível e o que não é, incluindo os seus espectros e
nuances, o que constitui o segundo ponto essencial. Seu interesse está longe de ser uma
discussão envolta no “certo x errado”, como faria a gramática normativa. Essas
afirmações são ainda reforçadas por Luiz Carlos Schwindt ao longo da apresentação.

O linguista, inclusive, define a gramática como um meio de uso constante para


opressão pelos setores dominantes da sociedade. Para esclarecer, explicaremos a
dinâmica através da qual funcionam as formas masculina e feminina na língua
portuguesa, em que as primeiras exercem um poder maior sobre as segundas em
resultado do contexto social que se reflete numa sociedade construída sob formas de
machismo e patriarcado.

No esforço de resistir a esse tipo de imposição, existem formas de utilizar o


discurso para incluir a parcela feminina da população e colocá-la em posição de
igualdade. Este é o caso de usar “todos e todas”, em vez de apenas o primeiro, mesmo
que possa parecer estranho e redundante para quem fala, dado que ambos os gêneros
estão teoricamente incluídos na forma “todos”, há uma clara força social nesta
designação explícita do feminino.

Schwindt deixa claro que sua intenção também não é discutir a busca pela
representação feminina na linguagem ou o privilégio de uma forma em detrimento de
outra. No entanto, o exemplo dado parece conduzir harmoniosamente às questões de
porquê a implementação do pronome neutro é justificada.

A utilização da expressão “todos e todas”, mesmo que soe gramaticalmente


irregular, mas seja apresentada por motivação social, traz consigo a reflexão “Até que
ponto a linguagem poderia sofrer mudanças em suas formas motivadas pela luta por
identidade?”. O exemplo apresentado pelo especialista insere-se numa área de discurso
mais suscetível a mudanças, mas até que ponto o caso estaria de uma mudança
estrutural efetiva?

Antes de nos aprofundarmos nesta questão, vale a pena fazer algumas reflexões
sobre o que diz Schwindt sobre as intenções de uso na fala. O autor, ainda utilizando o
exemplo “todos e todas”, afirma que se a intenção do locutor não é marcar
deliberadamente essa distinção para provocar reflexão, então não adianta utilizá-la fora
desse contexto. Isto pode ser discutível.

O resultado dessa lógica, raciocínio paralelo ao uso de rótulos neutros, é o uso


de formas diferentes apenas por pessoas de um grupo social e para pessoas de um grupo
social. A consequência disto é que a longo prazo é cada vez mais difícil chegar às
massas e à naturalização da forma, resultando num uso limitado da bolha e no seu
apagamento no futuro.

Tendo isso em mente e voltando às reflexões estruturais, é possível pensar de


forma geral o que é necessário para que uma inovação linguística se enraíze e se
institucionalize no sistema. A nova forma, que a princípio naturalmente causará
estranheza aos falantes (justamente por representar uma novidade), será utilizada a
princípio em menor escala e com o passar do tempo e se necessário dentro das
estruturas linguísticas deste sistema será ampliada e gradativamente difundir-se,
estabelecer-se na língua - como um esboço do percurso linguístico de variações,
mudanças e (possíveis) consolidações na linguagem escrita.

É importante ressaltar que esse processo ocorre principalmente na fala oral.


Como a nova forma está enraizada na fala, a tendência é gramatizá-la e depois
incorporá-la na fala escrita.

Dito isso, entre as sugestões para utilização de marcação neutra estão x e @, que
surgiram principalmente por meio da linguagem virtual. Embora existam formas válidas
e aparentemente funcionais neste ambiente, se considerarmos as questões que acabamos
de discutir a respeito dos processos de institucionalização de uma nova forma na língua,
logo é possível constatar que seu uso não dura muito. Não é possível incorporá-los ao
discurso oral, o que dificulta ainda mais sua divulgação e gramática efetivas.

Outra sugestão é utilizar e ao mesmo tempo – ampliar a base de pronomes e


membros existentes na língua portuguesa (ex. ile, le). Isto, por outro lado, já representa
uma possibilidade concreta de execução oral. Schwindt está mais inclinado a esse uso,
mas não deixa de apontar certos pontos da estrutura que deveriam ser reconsiderados e
talvez reelaborados. É o caso das questões de referência e correspondência, pontos
opostos que também foram apresentados em propostas anteriores.

Por outro lado, o português já neste sentido apresenta problemas que acabaram
por se normalizar e obrigaram os falantes a procurar outras construções que lhes
permitam comunicar o conteúdo desejado. Um linguista usa o seguinte exemplo para o
caso de referência:

“Vênus reforçou à Terra que o problema era delx, não delx.”

O exemplo é colocado com a desinência -x, mas Schwindt ressalta que -e


também é problemático. Dentro do que já existe, se os membros desta construção
fossem dois indivíduos que se identificassem ambos com pronomes masculinos ou
ambos com pronomes femininos, o problema seria simplesmente o mesmo:

“João insistiu com Pedro que o problema era dele, não dele.”
“Ana insistiu com Maria que o problema era dela, não dela.”

Quanto ao seu exemplo de correspondência, isso já teria sido coberto pelo


crescimento do vocabulário focado em pronomes e artigos, bem como outras classes de
palavras que exigem correspondência de gênero, como os numerais um e dois.

Mesmo sem considerar esses pontos, o linguista ainda diz que as chances são
mais favoráveis ​para essa(s) alternativa(s) se forem considerados os ajustes apropriados.
Por fim, finaliza dizendo que a neutralização é uma forma de inclusão que precisa ser
feita por meio da linguagem, mas não é necessariamente a única.

Concordando com a afirmação e lembrando o que Schwindt explica sobre a


mudança só ser possível quando parece natural ao falante, entende-se que a
incorporação desses grupos ao sistema linguístico só ocorrerá paralelamente às suas
conquistas de respeito e reconhecimento social. . . Quando as pessoas que não se
identificam com o binário atual começarem a ser efetivamente normalizadas, então será
possível um cenário em que haverá uma possibilidade concreta e real de considerar a
normalização de uma linguagem inclusiva e representativa para elas. A boa notícia é
que, embora a mudança linguística demore muito tempo a materializar-se, as lutas
sociais e, como se constata, a própria língua, são suscetíveis a esta mudança num futuro
(talvez não tão) distante.

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