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o qual põe em dúvida questões sobre quem ele realmente é. Ao tentar acompanhar a
Auster, acaba por se envolver em uma imbricada relação entre a busca por sua própria
Daniel Quinn, seu auter-ego - Max Work - e o seu papel como um suposto detetive se
narrativa. Auster retrata, assim, as relações no espaço social enfatizadas pela produção
desse espaço (o papel que o lar, o escritório, as ruas, etc., representa na organização
suporte a língua e sua interpretação. Como argumenta Marc Augé (2005), “[...] um lugar
1
A edição consultada para o presente estudo foi a de 1987 listada nas referências ao final. As citações
foram retiradas dessa edição e serão seguidas pelas iniciais CV e números das páginas.
2
De acordo com Patrícia Merivale e Susan Sweeney (1999) uma estória metafísica de detetive “é um
texto que faz paródia ou subverte as convenções tradicionais das estórias de detetive [...], com a intenção,
ou pelo menos o efeito, de questionar os mistérios do ser e do conhecimento que transcendem a mera
mecanização das narrativas de suspense.” (p. 2)
pode ser definido como identitário, relacional e histórico” (p.73), o que implica em uma
relação estreita com a formação do self. Nesse sentido, poderia afirmar que se a um
lugar não for atribuído nenhum tipo de ligação (como as três mencionadas na citação
anterior), ele poderá se tornar o que Augé classifica como um “não-lugar”. Para ele:
Baseado em minha leitura da análise feita por Augé sobre os não-lugares, pode
percepção fictícia entre o olhar e a paisagem. “O espaço do[a] viajante”, por exemplo,
“seria o arquétipo do não-lugar” (2005, p. 81), uma vez que, para ele/a, a maior parte
dos nomes dados aos lugares visitados foram dados baseados na cultura do outro, e
assim poderão não possuir nenhuma relação identitária com o/a viajante, transformando
sujeito não é constituído apenas por uma única identidade, com a qual ele nasce já
formado e a mantém imutável em sua essência durante sua vida, conforme a concepção
estável” entre seu “interior” e “exterior”, como o diz a idéia do sujeito sociológico, uma
vez que as relações entre o “interior” e o “exterior” do sujeito nem sempre são estáveis
3
Auge se refere a um poema de Baudelaire, citado por Starobinski, para evocar os lugares e os ritmos
antigos que parecem ecoar “indicadores do tempo que passa e que sobrevive. Perduram como as palavras
que os expressam e ainda os expressarão”. (2005, p. 73)
– pois constantemente ocorrem conflitos entre ambos – assim como também não existe
uma identidade única, mas uma variedade de identidades que se conectam de acordo
com o meio, segundo a teoria sobre o sujeito pós-moderno, desenvolvida por Hall,
baseada na cultura e identidade, a qual adotarei nessa análise sobre Cidade de Vidro.
ENTRANDO NO LABIRINTO
Auster4. Após refletir sobre essa coincidência (já que ele escrevia estórias de detetive),
Quinn resolve assumir a identidade desse detetive e finalmente aceita o caso, confiante
no modo como ele costuma lidar com as situações nas estórias que escreve. Ele aposta
para proteger seu marido, Peter Stillman Jr. Ela acha que o pai de Stillman Jr. pretende
mata-lo, e conta que há alguns anos atrás, Stillman pai trancou o filho em um quarto
escuro por nove anos, como parte de uma experiência visando recuperar a língua
original, a língua de Deus. Sua experiência foi descoberta casualmente, por conta de um
incêndio em seu apartamento, o que resultou em sua prisão por treze anos. Agora que o
pedaços cada vez mais desconexos, uma vez que já desde o início os significados
4
Uso itálico para salientar o jogo matalingüístico construído através da ficcionalização do próprio autor,
que aparece como personagem.
afirma Jacques Derrida, “existem sempre significados suplementares sobre os quais não
temos qualquer controle, que surgirão e subverterão nossas tentativas para criar mundos
Além da incerteza sobre aonde poderia chegar ao assumir o caso Stillman, ele
código da língua, o mesmo também pode ocorrer com a identidade nas relações sociais,
revelando a estreita ligação entre língua e identidade. Tenhamos como exemplo uma
mulher negra, brasileira e de uma classe social menos favorecida, e sua relação com a
inclusão digital nas favelas: de início já existem quatro exemplos identitários (o gênero
vocabulário a ser utilizado ao debater esse assunto com outras mulheres de mesmas
outro/a for representante de um outro grupo social, como, por exemplo, um homem
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Quinn looked out the window and wondered if these were the same trees that Peter Stillman saw when
he walked out into the air and the light. He wondered if Peter saw the same things he did, or whether the
world was a different place for him. And if a tree was not a tree, he wondered what it really was. Todas
as traduções do inglês são minhas, excetuando-se aquelas referidas ao final do artigo.
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Cf., o argumento de Eagleton sobre esse assunto pode ser encontrado no capítulo intitulado “O pós-
estruturalismo”, In: Teoria da literatura – Uma introdução (2003).
branco em uma relação de trabalho hierarquicamente superior, ou uma mulher de outra
digital não só poderá significar para a mulher negra uma perspectiva de futuro melhor e
reconhecimento pelo outro, além de valorizar sua auto-estima em suas relações sociais,
mas, sobretudo, a criação de novos códigos e representações sociais o que pode implicar
adquirido por ela. Como afirma Ricardo Azevedo (2006): “[Nas vastas cidades] o
12)
seguirão sem respostas até o final do livro, o levando a uma situação sem saída ou
esperança. Essa condição, entretanto, já lhe era familiar mesmo antes de resolver
Como ocorreu após a morte da esposa e do filho, Quinn aos poucos foi se
desfazendo dos amigos da mesma forma como se desfez do seu lugar no mundo,
isolando-se em seu apartamento e mantendo contato com seu agente ou editor apenas
define em Cidade de Vidro, era “como se ele estivesse de alguma forma vivendo uma
vida póstuma” (CV; p.11) ou como se tivesse aos poucos apagando seu rastro da
superfície dessa realidade/identidade que fazia cada vez menos sentido para ele.
Quinn gostava de vagar pelas ruas da cidade, como se fosse pelo labirinto de
seus próprios esquecimentos. Ele o fazia todos os dias sem nenhuma direção definida,
mas “naquela que suas pernas o levavam” (CV; p.8), e que sempre o levavam a uma
Cada vez que ele ia caminhar, ele sentia como se estivesse se deixando para
trás, e ao se entregar ao movimento das ruas, ao se reduzir a um olho-
observador, ele era capaz de escapar da obrigação de pensar, e isso, mais do
que qualquer coisa, era a medida exata da paz, um salutar vazio interior.
(CV; p.8)7
referência metonímica ao seeing eye8 na citação acima, que reduz seu self a um tipo de
“função de câmera”, ele fazia parte delas como um grande pano de fundo. Em tal
cada vez que saia para caminhar à deriva pelas ruas. De fato, o que parece levá-lo a
como “inteiro”. A necessidade sentida por Quinn de transitar por entre os não-lugares
Desse modo, poderia se dizer que a experiência da solidão sofrida por Quinn no
que Hall conceituou como deslocamento ou descentração do sujeito, onde “esse duplo
(2002; p.9). Para Hall, esse processo passa a questionar a própria noção que temos de
7
Each time he took a walk, he felt as though he were leaving himself behind, and by giving himself up to
the movement of the streets, by reducing himself to a seeing eye, he was able to escape the obligation to
think, and this, more than anything else, brought him a measure of peace, a salutary emptiness within.
8
“Olho-observador”.
nós como sujeitos integrados; e ele pode ser tão profundo que já não sabemos com
tudo que esta em volta, “se não é a própria modernidade que está sendo transformada”
(2002, p. 10). Ao longo da narrativa de Cidade de Vidro, essa perda de uma identidade
encontrou uma forma de dar sentido a essa mesma multiplicidade de significados que o
seus livros é que ele gostava da dinâmica previsível e ainda assim plena dos enredos,
“tudo passa a ser essência; o centro do livro se desloca para cada evento que o
impulsiona para frente. O centro, então, está em toda parte, e nenhuma circunferência
pode ser traçada até o livro chegar ao fim” (CV; p.15). Nessa dinâmica, o papel do
grande texto que se revela aos olhos do hábil leitor, o detetive: “O detetive é aquele que
olha, que ouve, que se move através desse pântano de coisas e eventos em busca do
pensamento, da idéia que irá pôr todas essas coisas juntas e dar-lhes sentido”. (CV;
p.15) 9
pai e a anotar em um caderno vermelho seu itinerário e objetos que ele recolhe no chão,
9
The detective is one who looks, who listens, who moves through this morass of objects and events in
search of the thought, the idea that will pull all these things together and make sense of them.
pai explicará mais tarde que a razão de recolher tais objetos inúteis era de renomea-los,
uma vez que ao perderem a função original eles também perderam seus nomes, a
exemplo de um guarda-chuva quebrado e que já não serve mais para nos “guardar” da
chuva. Confuso, por não encontrar nenhuma conexão entre as caminhadas de Stillman
pai e a vida do Stillman Jr., Quinn passa a analisar o itinerário dessas caminhadas com o
auxilio de um mapa. É quando ele percebe que o roteiro desenhado no mapa forma uma
letra, e cada caminhada parecia formar uma letra diferente, que ao serem combinadas
acaso, esse foi o título de um dos livros de Stillman pai, antes de ir para cadeia, no qual
ele relata a “queda” da linguagem, que levou a separação entre ela e Deus, “os nomes se
Essa descoberta feita por Quinn sobre a escrita do Stillman pai (através de suas
caminhadas pelas ruas da cidade) pode ser considerada pela perspectiva da crítica de De
mapa/texto no trajeto dos passantes. Segundo ele, andar “é uma atuação espacial do
lugar (do mesmo modo que o ato de fala é um ato acústico da língua)”. Em sua crítica
enunciação” (1988; p.98), o que dialoga com a concepção do detetive que lê o espaço
cidade, eles fazem isso “sem poder ler o que foi escrito”, embora todos juntos
“componham uma coletânea de estórias onde não há autor nem espectador, formada por
pretende “construir a ficção de que criar leitores torna legível a complexidade da cidade
observando de um ponto privilegiado de onde ele poderia ver o texto como um todo. No
papel de detetive, Quinn busca esse ponto de vista sobre o todo, esse conhecimento do
todo ao seguir e mapear o itinerário de Stillman pai. Esse desejo é intensificado pela
nova função de investigador que ele assume, a qual se baseia em resolver os mistérios
decodificar o mundo não só reflete sua crença em uma sucinta economia lingüística
onde “não há desperdício de frases ou palavras” e “nenhuma palavra que não seja
significativa” (CV; p.15), como também em manter uma identidade estável, única e
previsível, assim como a organização racional do espaço social. É desse modo que a
Quinn ao mesmo tempo um sentido ao seu eu assim como uma posição no mundo,
porque é através dos olhos do detetive que esse mundo passa a ter sentido.
de detetive estão para Quinn também interligadas à sua concepção de espaço, uma vez
que é no contexto urbano que o detetive “lê” as suas pistas. Nas histórias clássicas, por
crimes. A biblioteca de uma casa, um trem, um hotel isolado, etc., são lugares onde o
detetive busca e encontra pistas e ligações com possíveis suspeitos para resolver o
mistério. Lefebvre (1991) vai ainda além disso, quando diz que os sujeitos não são
constituídos apenas pela linguagem, mas também pelos espaços; ele diz que “todos os
se perder de si” (1991; p.35), e explica que essa negociação envolve aceitar “um papel e
De forma mais específica, a noção de lar, por exemplo, nos remete a idéia de que
ao possuir uma moradia, um ponto fixo no espaço urbano, passamos a constituir uma
identidade nesse cenário: um lugar no mundo. Como Doreen Massey argumenta, “um
lugar chamado lar é um ancoradouro que oferece estabilidade espacial, uma estrutura
uma fonte de identidade sem conflitos” (1994; p.151), o que entendo como sendo a
crença na existência de uma identidade sólida, assim como a solidez geográfica de uma
base nisso, seria possível concluir que, para Quinn, é na estabilidade do lar que se
verdade não é seu, e sim alugado, ou seja, um lugar temporário em vez de um símbolo
de permanência. Além disso, é justamente fora de casa que Quinn passa a maior parte
de seu tempo, tanto ao vagar sem destino pelas ruas, quanto ao passar a seguir Stillman
pai. A certeza de que sempre haverá uma casa para onde ele possa retornar está
associada apenas a sua crença em que há um eu único, uma identidade imutável e fixa,
como o ponto fixo do lar no espaço urbano. Quinn considerava sua casa como um lugar
estável e seguro, que garantia a ele a mesma segurança que suas histórias ficcionais,
podendo significar que a perda de um levará à perda do outro e que manter essa
Desse modo, suas estórias ficcionais eram construídas diante dele como uma
ponte para um mundo onde tudo era mantido em seu lugar pelas mãos do detetive.
espelhos onde Quinn passava a se ver como Wilson, que por sua vez assumia a voz de
como um espectro e longe de uma existência social, ele foi gradualmente se desfazendo
da idéia que ele tinha sobre si mesmo como uma pessoa real. De fato, seu único contato
com o mundo era através do seu pseudônimo William Wilson, e é desse modo que seu
representando seu alter ego (como que diante de um espelho, Quinn se coloca sob a
sentir pena de si mesmo, Max Work, por outro lado, representava uma pessoa agressiva
e sagas. Para Quinn, “seu detetive tinha necessariamente que ser real. A natureza dos
livros exigia isso”11 (CV, p.10). Nesse contexto, quanto mais Max Work assumia sua
existência no mundo dos outros (o mundo “real” dos leitores), mais Quinn se retirava
desse mundo, alcançando o status de boneco (dummy), um ser sem voz, que
desempenhava o ato de escrever guiado por Max Work, o qual mantinha o mundo
10
In the triad of selves that Quinn had become, Wilson served as a kind of ventriloquist, Quinn himself
was the dummy, and Work was the animated voice that gave purpose to the enterprise. If Wilson was an
illusion, he nevertheless justified the lives of the other two.
11
“his detective necessarily had to be real. The nature of the books demanded it”
ficcional de Quinn a salvo, como se essa fosse sua rota de fuga. Através dessa estrutura
ser possível perceber uma clara referencia feita por Auster a um clássico escritor de
estórias de detetive – para ser mais específico, a Edgar Allan Poe, através de seu conto
narrativa. Através dessa referência literária, pode-se dizer que Cidade de Vidro é um
elaborado jogo intertextual e irônico, pois Auster usa textos do cânone literário como
entanto, não se trata apenas da relação entre o protagonista de Poe e seu self que é
espelho é metaforicamente substituído por MaxWork (o alter ego de Quinn) que, ao fim
significância dúbia não pode ser decodificada fielmente” (Merivale & Sweeney, 1999;
intensificados quando o caso Stillman é assomado à tríade de egos já vivida por Quinn,
levando ele a uma crise de identidade ainda mais complexa: ao ser tratado pelos
novo personagem, mas com ele as vozes que ecoam desse personagem – o detetive - e
tudo o que ele representa. Segundo Hall, “a identidade surge não tanto da plenitude da
identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas [...] pelas formas através das
Desse modo, as referências que Quinn tira das estórias ficcionais de detetive
orientam, de certa forma, suas noções sobre o mundo e dá sentido para seu eu. Assim,
quando ele assume um caso “real” ele percebe que o padrão do seu mundo ficcional (no
qual ele estava vivendo) começa a se desconstruir, o que quer dizer que esse padrão, ou
seja, a forma fixa como essas histórias se organizavam e sua noção sobre si mesmo no
mundo, também foram desconstruidas. A fragmentação cada vez maior do seu eu único
ser Quinn” (CV; p.82), ou seja, aquele mesmo Quinn de outrora, como que purificado
Ele se assemelha aqui ao sujeito da modernidade tardia que Hall nos apresenta
como aquele que já não possui uma única identidade cristalizada, estável, mas um
movimento dinâmico delas, as quais nem sempre se relacionam pacificamente, mas por
como Quinn engendra os enredos ao escrever seus livros: neles o centro se desloca para
diferentes eventos, em que o “centro” seria sua identidade. A questão é que, como foi
mostrado previamente, “na vida real” de Quinn, esses deslocamentos não podem ser
controlados por ele, ao contrário de suas histórias, nas quais os casos sempre chegam a
uma conclusão final. Esse fato leva ao colapso sua noção de identidade como um lugar
seguro, porque o centro da história, seu núcleo catalisador, se fragmenta a medida que
mundo (em uma estreita economia lingüística), está ao mesmo tempo garantindo uma
No caso de Quinn, sua situação se intensifica ainda mais quando ele perde a
trilha do Stillman pai e também de Virginia e Stillman Jr., porque, ao perder o contato
no outro lado da rua, e fica de vigília, na tentativa de recuperar o contato com eles. Com
narrativa ele começa a perceber detalhes da cidade que até então eram ignorados, como
habitam as ruas como seres invisíveis, e os quais o detetive não conseguiu colocar em
daqueles (os burgueses) que erigem seus apartamentos acima do contágio das ruas da
cidade, em busca de uma assepsia urbana, como exemplo de uma clara demarcação de
classes na produção dos espaços urbanos. Em sua análise, Vidler diz que
é que no caso dele, o contágio dos mendigos da cidade literalmente corroeu seu corpo
burguês e seu bem estar social; e, segundo, é que as fronteiras que separam e protegem
mesma forma como foram erigidas. Logo, Auster levanta aqui um questionamento sobre
quer dizer que eles não trazem em si referências identitárias, relacionais ou históricas,
12
Space is assumed to hide, in its darkest recesses and forgotten margins, all the objects of fear and
phobia that have returned with such insistency to haunt the imaginations of those who have tried to stake
out spaces to protect their health and happiness.
como os lugares da modernidade, não se classificando como espaços antropológicos,
O beco em que Quinn se instalou pode ser considerado como um não-lugar, uma
vez que este também é um espaço transitório. Quando ele finalmente deixa o beco em
que estava, Quinn se vê em um reflexo na vitrine de uma loja, mas não se reconhece,
“ele tenta se lembrar de como ele era antes, mas é muito difícil para ele” (CV,1987;
p.183). É quando ele volta para casa como se fosse seu último refúgio e, portanto, a
possibilidade de reassumir o controle na esperança de que tudo volte a ser como era
antes, inclusive seu antigo eu. Contudo, da mesma forma como seu verdadeiro nome e
sua antiga imagem se escapuliu por entre seus dedos, o apartamento (que representava
uma referência no espaço urbano e ajudava a construir sua noção de identidade) também
já não existia mais. Ele descobre que outra pessoa o alugou e que seus pertences tinham
O fato é que ao assumir a identidade de uma outra pessoa, Quinn associava todo
infortúnio pelo qual ele passou como sendo desse outro eu, que sua identidade
Quando ele se dá conta desse terrível engano ele percebe que “chegou ao fim de si
mesmo. Ele podia sentir isso agora, como se uma grande verdade tivesse finalmente se
revelado para ele. Já não restava mais nada” (CV, 1987; p.191). Apesar da
transformação sofrida pela sua aparência, é só ao perder seu apartamento – seu espaço
material no mundo e que não existe mais - que ele desiste de toda sua esperança de
Uma vez que Quinn já não possui uma representação material no espaço urbano,
nem sua identidade no espaço social, ele, como mendigo, assume agora a posição de um
anti-detetive, ou seja, aquele que em vez de manter a ordem social, rompe suas
fronteiras, habitando fora desse sistema que é a sociedade, quebrando, portanto, todas as
barreiras de contenção mantidas pelo detetive. É dessa forma, vagando à deriva entre as
fronteiras, que Quinn chega ao apartamento dos Stillman, encontrando a porta aberta,
Quinn resolve então habitar um dos cômodos do apartamento, onde ele se desfaz
do que de resto lhe pertencia (roupas, sapatos e relógio), com exceção do caderno
vermelho, deitando, nu, no chão do quarto a olhar o teto e refletir sobre seu destino. Ele
tenta ordenar os acontecimentos em seu caderno, mas aos poucos vai perdendo seu
interesse por eles e passa a escrever sobre divagações. Sua última frase é “o que irá
acontecer quando as páginas acabarem?”. Quinn vai aos poucos mergulhando em sua
própria ausência; como palavras desconexas em páginas soltas, ele assume uma
posso concluir aqui que nesse trabalho de Auster, Cidade de Vidro, é possível perceber
como assumimos diferentes papéis nas negociações sociais, os quais podem ser
determinados não só pela multiplicidade referencial que o contexto nos revela, mas
também pelas relações de valores e crenças que vão se transformando no contato com o
outro, e que ocorrem em uma dinâmica dialógica com o espaço urbano que se forma não
apenas através dos lugares, mas também dos não-lugares que vão se formando e