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AS PISTAS
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Referências futuras serão relativas à edição de 2007, consultada para o presente estudo, conforme
referência no final.
sentido em que, por um lado, nessas histórias o jogo entre o autor e o leitor é violado
pela desconfiança suscitada pela narrativa, uma vez que a autoridade do narrador é
minada pelas incertezas encontradas no enredo. Na obra de Jô Soares, por exemplo, os
leitores irão perceber apenas no final que a história é também narrada pelo criminoso
(esta será abordada com mais profundidade no capítulo 2).
Desse modo, os fatos incertos, apresentados por um narrador impreciso, rompem
os protocolos do gênero detetivesco e quebram as expectativas, por parte da recepção
dos leitores, de que a história chegaria às últimas páginas com uma conclusão
elucidativa do caso/mistério, guiada pela segurança de uma narração confiável e precisa.
Em contraste com a projeção de um mundo previsível, representado por uma
estrutura narrativa fixa, procuro destacar os pontos de conflito entre as produções
detetivescas contemporâneas e as produções clássicas desse gênero para estabelecer
uma discussão sobre seus efeitos filosóficos (ontológicos) e críticos presentes nessa
nova figura do detetive, tanto em obras estrangeiras quanto brasileiras. Contudo, o
caráter mais subversivo das produções de histórias de anti-detetive não está tanto nas
dúvidas existenciais de seus protagonistas ou na incapacidade de solucionar um caso,
mas, em seu ato de cometer um crime (como em algumas obras), pois, se a função
moralizadora do detetive é mostrar que o crime não compensa ou mostrar para uma
sociedade respeitável que crimes são aberrações atípicas, o que poderia ser mais
subversivo do que um detetive criminoso?
Pelo viés dessa discussão envolvendo o detetive ficcional e a prática de crimes,
trago a argumentação de que histórias de crime sempre atraíram o interesse de um
grande público leitor, desde, pelo menos, o século XVIII. Assim, inicio uma reflexão
sobre as narrativas da violência e seus efeitos através de sua representação na literatura.
O detetive ficcional noir é uma das personagens que melhor exemplificam a presença e
o uso da violência como uma forma de linguagem. Para tanto trarei como base
argumentativa os conceitos do filósofo Martin Heidegger (1976) sobre a distinção entre
o medo e o terror, e do também filósofo Clement Rosset, ao abordar conceitos voltados
à realidade.
Uma vez que a recepção de tais narrativas é de grande importância nesse estudo,
meu método investigativo também se utiliza das teorias sobre a Estética da Recepção,
como um meio para investigar os possíveis efeitos que as representações da violência
podem despertar em seus leitores. Segundo Wolfgang Iser, toda obra literária é
constituída de hiatos, “pontos de indeterminação” que são negociados com os leitores
para que os sentidos das narrativas sejam “concretizados” (para usar o termo de Iser). É
através dessa negociação entre os leitores e as obras que podemos observar como
questões de ordem social, histórica e ideológica são ativadas. Outros autores da Estética
da Recepção também serão referências para este estudo, como Hans Jauss e Stanley
Fish. Com base em suas concepções teóricas e em mídias da crítica literária, como blogs
e sites voltados aos estudos e crítica literários, pretendo avaliar os impactos das obras
citadas acima em seus leitores.
Este estudo, então, está dividido em três capítulos: o primeiro faz um
levantamento das produções clássicas da ficção detetivesca e destaca sua recente
reescrita sob a forma das narrativas de anti-detetive, objetivando esclarecer as
características e particularidades desses gêneros. O segundo capítulo faz uma
investigação sobre como o gênero detetivesco se caracteriza no Brasil desde o começo
do século XX até a nossa contemporaneidade, na intenção de também descrever suas
características, mas comparando-as com as produções estrangeiras quanto a sua forma e
possíveis particularidades sob a influência sócio-histórica e cultural brasileiras. Além
disso, observo se há uma produção de narrativas de anti-detetive, buscando apontar suas
especificidades. O terceiro capítulo desenvolve uma teorização com base em um
suposto desdobramento desse gênero em direção ás narrativas da violência. É possível
que devido às particularidades assumidas pelos detetives protagonistas brasileiros e suas
experiências em contextos e situações tipificadas de um cenário urbano caótico e
violento, haja uma preferência por narrativas da violência que foi provocada pelas cenas
de crime e contravenção tão exploradas nesse gênero, assim como pelas próprias
condições sociais do Brasil, que levam a uma certa familiaridade com o tema.
Nesse aspecto, procuro relacionar o efeito de tal narrativa na recepção e
imaginário de seus leitores, o que pode levar a um estado reflexivo sobre o
desenvolvimento de uma violência cada vez mais presente e ameaçadora. Tal percepção
pode ocorrer através de uma estratégia narrativa que percebo como um olhar hiper-
realista distópico.
A hipótese é, então, a de que o exagero na narrativa de uma cena de violência
pode despertar o sujeito de seu estado letárgico diante de uma violência cada vez mais
banalizada pela mídia. Há também a hipótese de que tal violência não se encerre em si,
mas que ela seja, de fato, um meio, uma linguagem para nos comunicar algo. Esse algo
é o objeto que estará em foco no capítulo 3.