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A bela anciã de Córdoba

| origem: México​ |

Há muito tempo, havia uma bela anciã, cuja magia era conhecida em toda a
redondeza. Todos a chamavam de La Bruja. La Bruja ajudava os agricultores, fazendo
o milho crescer quando não chovia. Podia dizer aos mineiros onde encontrar prata e
ouro nas montanhas. E sabia onde os peixes podiam ser pescados no mar.

Quase todos da cidade de Córdoba, pelo menos uma vez na vida, procuraram La Bruja
para pedir ajuda. Ela sorria quando olhava sua bola de cristal. Sorria quando lançava
um feitiço. Todos sabiam que La Bruja era uma feiticeira, mas ela era tão gentil e
prestativa que ninguém parecia se importar com isso.

La Bruja tinha o cabelo branco como a neve das montanhas. Seus olhos eram azuis
como o mar, e sua pele era macia como o veludo. Embora fosse velha, La Bruja
caminhava pela cidade com passos rápidos e vigorosos. Era tão bela como uma jovem.
Algumas pessoas diziam que La Bruja era amiga do diabo por causa do seu jeito
incomum. Mas a maioria concordava que essa ideia era ridícula.

Certa noite, quando La Bruja preparava uma poção mágica para um rapaz apaixonado,
bateram com força à sua porta. Como sempre, ela abriu-a com alegria. Dez policiais e
o Capitão invadiram a casa, cercaram La Bruja e amarraram suas mãos com uma
corda. Enquanto a empurravam porta afora, ela gritou para o rapaz: “Não se preocupe
comigo. Beba a poção, você e seu amor. E estarão casados em um ano.”

La Bruja voltou-se então para os policiais e deu seu sorriso encantador. Ela era tão
bela que eles não puderam deixar de sorrir também. O Capitão curvou-se diante de La
Bruja e ofereceu o braço para ajudá-la a entrar na carruagem e a levou para o gabinete
do Juiz.
Atrás da grande escrivaninha, o Juiz ergueu os olhos e disse: “Quer dizer que pegaram
a velha feiticeira.”

La Bruja fitou os olhos do Juiz e sorriu. Ela era tão bela que o Juiz não pôde deixar de
sorrir também. O longo cabelo branco da feiticeira o fez pensar em uma cascata
maravilhosa. Então, fechou os olhos, sacudiu a cabeça, bateu o martelo e disse:
“Nenhuma feiticeira viverá nesta cidade, não importa quão bela seja.”

La Bruja continuou olhando nos olhos do Juiz. O olhar dela o fez pensar nas estrelas.
Antes que ele soubesse o que estava fazendo, sorriu de novo. Então, sacudiu a
cabeça, bateu o martelo e disse: “Nenhuma feiticeira viverá nesta cidade, não importa
quão adorável seja!”

La Bruja deu um sorriso encantador. E continuou olhando nos olhos do Juiz. O Juiz
levantou e bateu o martelo três vezes sobre a escrivaninha. “Nenhuma bela feiticeira
vai me colocar sob seu encanto, não importa o quanto eu deseje que ela o faça!
Tranquem esta anciã na terceira cela da prisão antes que eu mude de ideia!”

Assim, o Capitão e os dez policiais conduziram La Bruja ao subsolo, pela escada de


pederas frias, para a primeira cela. Depois, pela mesma escada, para a segunda cela.
Por fim, todos pararam na base da escada, no corredor escuro e úmido da terceira
cela. La Bruja sorriu quando viu sua cela. Havia uma pequena estufa redonda, uma
cama estreita e nada mais.

“Sentimos muito La Bruja”, disse o Capitão. “Você nos ajudou com sua mágica. Não
queremos deixá-la neste lugar frio e escuro, mas temos que cumprir as ordens do Juiz.”
Ele se abaixou e ateou fogo na estufa. Então, mandou um dos policiais trazer
cobertores para La Bruja e mandou um outro buscar uma cadeira de veludo com
amplos braços e um tamborete.

La Bruja sorriu. “Não se preocupem comigo”, disse ela. “ Por causa da gentileza de
vocês, eu lhes direi sua sorte. Todos ficarão ricos, seus filhos serão famosos, e cada
um de vocês viverá até se tornar um homem muito velho.” Ela lhes acenou um adeus e
acomodou-se na cadeira de veludo.

Alguns dias mais tarde, o Juiz foi à cela de La Bruja. Ele tinha certeza de que ela,
depois de ter ficado todo aquele tempo na cela, confessaria ser uma bruxa. Tirou a
chave do cinto, destrancou a porta e entrou cautelosamente na cela.

Ficou contente em ver La Bruja olhando para a parede. Ele temia olhar de novo para
seus belos olhos. Então, viu o que La Bruja tinha feito. Ela tinha desenhado, a carvão,
na parede, um enorme corvo com asas abertas. Sobre o dorso do corvo estava um
cesto de vime bem trabalhado, grande o suficiente para uma pessoa sentada. Cada
pena negra e encrespada do corvo brilhava como se fosse real.

“Entre, entre, Juiz”, disse La Bruja. “Por favor, sente-se nesta cadeira confortável.”

O Juiz quase cau na cadeira de veludo de tão surpreso que ficou ao ver o enorme
corvo, que mais parecia real. “Você é uma artista, La Bruja”, disse ele. “Esse corvo
parece estar prestes a sair voando.”

“Muito amável de sua parte, Juiz”, respondeu La Bruja. “Diga-me uma coisa, por favor.
Em sua opinião, falta alguma coisa no desenho? Existe algo de que este corvo ainda
necessite?”
O Juiz examinou o desenho de perto. Depois de alguns momentos, disse: “O corvo
está perfeito em todos os sentidos, La Bruja. A única coisa de que possivelmente
necessite é de alguém para sentar no cesto, amarrado no dorso.”

“Olho bom, Juiz. Olho bom.”, disse La Bruja. E começou a rir enquanto apontava para o
desenho.

O que aconteceu em seguida é tão surpreendente que talvez ninguém acredite. A bela
anciã de Córdoba entrou no cesto e um vento forte soprou pela cela, e o corvo
começou a voar lentamente, atravessando a parede. La Bruja olhou nos olhos do Juiz e
deu seu sorriso encantador. Levantou a mão e acenou. O corvo voou para o canto da
cela e desapareceu!

O Juiz esfregou os olhos, sacudiu a cabeça e esbofeteou o rosto. Saltou da cadeira de


veludo e colocou as mãos na parede. O corvo tinha desaparecido.E desaparecido tinha
também a bela anciã de Córdoba.

[ Conto do Livro “Histórias da Avó - contos da mulher sábia em várias culturas ]

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